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"O sexo seguro deixou de ser uma


prioridade". Entrevista a Michael
Weinstein, presidente da maior
organização de luta contra a sida
Henrique Magalhães Claudino

26 mar, 12:00

Michael Weinstein/ CNN

Michael Weinstein é o presidente e fundador da AIDS Healthcare Foundation, a


maior organização de luta contra a sida do mundo. Em Portugal, já investiu mais
de 1,5 milhões de euros. Começou com um hospício, viu um dos seus melhores
amigos morrer no hospício que lhe deu nome e fez furor com as campanhas
publicitárias que desenvolveu sobre proteção sexual
Michael Weinstein tem 69 anos, adora preservativos e não tem medo de ser polémico,
nem de correr riscos. Talvez por isso, a fundação que criou nos anos 80, a AIDS
Healthcare Foundation (AHF), tenha evoluído de um hospício para pacientes com o
Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) para se tornar na maior organização do
mundo na luta contra a sida, disponibilizando tratamentos a mais de 1,7 milhões de
doentes em mais de 45 países.

Em parceria com o Grupo de Ativistas em Tratamentos, a AHF investe todos os anos


cerca de 100 mil euros na luta contra a sida em Portugal. O total já supera os 1,5
milhões. Desde meados de 2012, a fundação já distribuiu mais de 2,5 milhões de
preservativos no país, mas, em entrevista à CNN Portugal, o presidente da
organizaçãoSaúde
nota uma tendência preocupante. A cultura de prevenção está a serDIRETO

substituída e os casos de pessoas infetadas com o VIH estão a subir.

Em Lisboa para a assinatura de um memorando de entendimento para a erradicação


das doenças infecciosas com a rede parlamentar internacional UNITE, Michael
Weinstein revela os bastidores dos seus anúncios mais controversos e das suas lutas
mais agressivas, como a batalha pela obrigação dos atores pornográficos utilizarem
preservativos durante as filmagens. 

De acordo com dados da ONU, a incidência do VIH em Portugal aumentou


tanto em grupos heterossexuais como homossexuais. A prevalência entre
homens que fazem sexo com homens continua a ser uma grande
preocupação e está a crescer em números absolutos (24% das novas
infecções). Será que nos estamos a esquecer de outra urgência de saúde
pública?

Mundialmente, esquecemo-nos que a sida é outra pandemia. E embora os programas


de tratamento tenham sido bem sucedidos em todo o mundo, os testes de despiste e
a prevenção realmente diminuíram bastante. Outro dado que temos é que o número
de pessoas com casos positivos que recorrem a tratamentos tem baixado
sistematicamente. Com a pandemia, por exemplo, uma das coisas que observámos
foi um grande aumento de casos de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e,
embora possam aparecer novas variantes da covid-19, acho que, enquanto estamos
neste período de maior tranquilidade, precisamos de começar a prestar atenção às
outras doenças infecciosas.
O protocolo assinado entre a UNITE e a AHF surge numa altura em que a ONU
divulgou a descoberta de uma nova variante do VIH, que provoca um aumento
de partículas virais no sangue. É uma lembrança de que esta epidemia ainda
não está vencida.

Sim, mas ainda não conseguimos perceber se é mais prejudicial. E não é claro o
quanto se tenha espalhado. Não acho que seja necessário entrar em pânico
neste momento. Quero dizer, isso faz manchetes de jornais, mas não acho que seja
algo com que nos devemos preocupar mais. Acho que um dos problemas que
estamos a ver é que o VIH costumava ficar nas primeiras páginas e agora isso já não
acontece. E, como estamos a prestar menos atenção a isso, o sexo seguro deixou de
ser uma prioridade. E mesmo na prevenção da sida, estamos a dar maior ênfase à
prescrição de comprimidos do que à promoção da segurança sexual, ou com menos
parceiros. E, por isso, vamos ver aumentos de casos nos próximos tempos.

Isso também está relacionado com a falta de seguimento nos tratamentos?

De facto, muitas pessoas descobrem que são positivas, são encaminhadas para uma
clínica, vão a uma consulta e depois param de ir. Isto faz com que a sua carga viral
suba e se tornem infecciosas novamente. Portanto, para a sua saúde e para impedir a
propagação do VIH, é muito importante manter estes pacientes sob cuidados
médicos. Esse é um problema principal agora.

E relativamente ao estigma, isso também tem alguma influência? Porque, em


Portugal, segundo a Stigma Index, 30% da população com sida confessou
sentir-se estigmatizada ou discriminada nos serviços de saúde quando
procura tratamento.

Acho que esse estigma está a reduzir. Parte do estigma associado ao VIH provinha do
facto de ser um assassino. Agora, as pessoas vivem bem com a doença, o que
afastou parte do medo em torno dela. Mas acho que a dificuldade é que nós, como
humanos, somos hedonistas no nosso comportamento e moralistas nas nossas
atitudes. Quando vou à Índia, por exemplo, dizem-me que não posso falar sobre estas
coisas, que é um lugar conservador. Mas ligo a televisão e aparece a MTV, e é só sexo.
Portanto, o problema é que, mesmo que as pessoas tenham vários parceiros sexuais,
há sempre uma vergonha associada a isso. Isso não vai desaparecer, e há cada vez
mais uma tendência internacional contra a educação sexual nas escolas.

É interessante dizer isso, porque no início do mês de março, o projeto de lei


dos direitos dos pais na educação foi aprovado pelo senado da Flórida. Este
projeto foi apelidado de “Não Diga Gay” por ativistas LGBTQ por limitar a
educação sexual no ensino. A AHF tem-se oposto a essa medida
veementemente, e até liderou um protesto na sede da Disney para que a
empresa se pronuncie contra esta lei. No entanto, a própria Disney foi
acusada de cortar conteúdo LGBTQ dos seus filmes. Acha que os gigantes do
entretenimento ainda podem ser uma voz na luta pelos direitos LGBTQ?

Bom, a Disney tem centenas de funcionários na Flórida, e tem um histórico de tomar


um posicionamento neste tipo de questões. Agora, entrou um novo CEO que decidiu
que não se iria pronunciar sobre este tema. Obviamente, a Disney dá muito dinheiro a
políticos na Flórida e recebe favores em troca para os seus parques temáticos e
propriedades. Assim, no mesmo dia, reunimos protestos em Orlando e em Burbank,
porque temos instalações nesses lugares e essas manifestações tornaram-se virais.
Nós sabíamos que não tínhamos capacidade de influenciar estes legisladores
republicanos e conservadores, mas sabíamos que poderíamos pressionar a
Disney, porque é uma empresa que se preocupa com a sua imagem pública e eles,
por sua vez, podem pressionar as autoridades da Flórida. 

A AHF também é conhecida pela criatividade dos seus anúncios e


campanhas. Associam o Grindr com gonorreia, Tinder com clamídia, Netflix
com DST. Pode explicar-me o pensamento por trás destes projetos?

Estou tão feliz por ouvir que esses anúncios chegaram a Portugal. Porque, há uns
anos, trabalhávamos com uma agência externa e eles faziam coisas muito chatas.
Então, pensei: por que é que não avançamos com a nossa própria agência de
publicidade? Assim, criámos esse departamento dentro da AHF. Por isso, quando
ouço que os nossos trabalhos estão a ser seguidos em todo o mundo, fico
emocionado.

Um dos anúncios mais polémicos da AHF associa a raça Dachshund a um órgão sexual
E têm tido impacto?

Parte do problema do combate às doenças infecciosas é que não há publicidade. O


Centro de Controle de Doenças não faz marketing e o marketing social não é apenas
atrair as pessoas, mas também colocar algo nas suas mentes. Por exemplo, fizemos
alguns cartazes com preservativos e com mensagens expressivas dentro deles. Na
maior parte dos lugares nos Estados Unidos não permitiram a sua afixação, mas em
Los Angeles permitiram e então, de vez em quando, uma mãe escreve-me uma carta
a dizer que está chateada com os nossos outdoors de pénis. Então, eu digo que é
apenas um pénis na sua cabeça. Na verdade, é uma foto de um pedaço de borracha.
Quero dizer, não vamos colocar o génio de volta na garrafa. Agora vivemos
numa sociedade que tem contracepção e várias pessoas têm múltiplos parceiros
sexuais. As DST fazem parte da nossa vida em sociedade e temos que ser práticos
quanto a isso.

"Vamos apanhá-los todos". Campanha da AHF utiliza a imagem associada à marca Pokémon para chamar a atenção para as
doenças sexualmente transmissíveis

Mas não teme que às vezes tenha o efeito oposto, contribuindo para a
estigmatização dos doentes com VIH?

Quero dizer... deixe-me colocar desta forma. É possível? Sim. Mas será que mantê-lo
no armário vai melhorar a situação? Não. Então, há uma fase intermédia onde temos
de acostumar as pessoas à ideia de que temos de começar a falar sobre estas coisas.
Mas o estigma está principalmente na mente da pessoa, só podemos ser
estigmatizados na medida em que aceitamos que alguém nos estigmatize. Para
empoderar uma pessoa que vive com VIH, há que lhe dar uma voz. Essa voz era muito
alta e muito forte nos anos 80 e 90, e isso desapareceu.

Nos anos 80 e 90, nos primeiros dias da sida, não existia tratamento e a
esperança média de vida era bastante baixa. A AHF foi fundada nessa altura.
Existiu alguma história em particular que o tenha levado, a si e ao Chris
Brownlie, co-criador da AHF que morreu de sida aos 39 anos, ao ativismo?

A verdade é que as pessoas estavam a morrer nos corredores dos hospitais de Los
Angeles. E eu estava a canalizar a minha raiva, a minha dor para o ativismo. Para que,
pelo menos, conseguíssemos cuidar das pessoas nos últimos meses de suas vidas.
Eu senti que a sida naquela época era como um terrorista. Não sabíamos quando e
quem ia atacar. E estávamos nessa mentalidade de guerra. Mas Chris Brownlie, que
era uma pessoa que vivia com sida, e a sua história, informou-nos sobre as lutas pelas
quais as pessoas que vivem com HIV passam.

A AHF começou como um hospício em Los Angeles que teve o nome do Chris
(Brownlie), que acabou por lá ser internado. Há um caso que me marcou, de facto.
Uma pessoa que veio ter ao hospício e disse que não queria lá ter ido, mas que era a
sua única opção. Disse que queria continuar a lutar, mas um dia, enquanto estávamos
a tomar o pequeno-almoço, levantou-se da sua cadeira, dirigiu-se para o quarto,
cruzou os braços sobre o peito e morreu.

Chris Brownlie, por outro lado, mesmo quando não estava consciente, o corpo dele
estava a lutar. Por isso, nunca sabemos como as pessoas vão ser no final. Mas o
engraçado é que as pessoas normalmente me dizem «bem, deve ser tão deprimente
trabalhar num hospício», mas eu sempre achei muito encorajador, porque há uma paz
associada a estar com as pessoas nos seus últimos dias. Era um lugar de amor, não
um lugar de tristeza e morte.

Uma das lutas mais controversas da AHF foi pela obrigação dos atores
pornográficos utilizarem preservativos durante as gravações. Em Los Angeles,
o primeiro projeto de lei patrocinado pela AHF foi precisamente sobre este
assunto, em 2012. Esse primeiro projeto passou numa dimensão local com
uma votação favorável, mas um projeto de lei semelhante em 2016 foi
chumbado a nível estatal. Porquê?

Na verdade, é muito caro fazer uma campanha ao nível do estado da Califórnia. Os


anúncios de televisão são muito caros. E há partes mais conservadoras do estado
onde a mensagem não foi bem recebida.

E ainda acredita na mensagem que queria passar na altura?

A analogia que fizemos foi que numa zona de obras, todos são obrigados a usar um
capacete. Quando alguém está a lavar janelas tem de usar um arnês. Neste caso, se é
um ator de um filme porno tem de usar um preservativo. Para além disso, há muitos
profissionais da pornografia que foram infetados com o VIH. Mas há outro fator: os
jovens hoje em dia recebem a sua educação sexual através da pornografia. Não
importa aquilo que os pais pensam, essa é a realidade. E o que eles estão a aprender
é que é sexy ter relações sexuais sem proteção.

A AHF cresceu bastante e acabou por se tornar num império filantrópico


global, que se estende por 45 países, oferece tratamento a mais de 1,5
milhões de pessoas e emprega cerca de sete mil trabalhadores. A fundação
tem também uma receita estimada anual de 500 milhões de dólares (cerca de
455 milhões de euros). Alguns críticos afirmam que, com o crescimento, a
fundação concentra-se agora num ativismo para ricos. A AHF afastou-se das
suas raízes?

Mesmo no início, antes de sequer existir a AHF, existia uma iniciativa nas urnas da
Califórnia para colocar em quarentena as pessoas seropositivas e, para nos opormos,
o nosso slogan era proteger a saúde pública. O objetivo era olhar para o VIH através
das lentes da saúde pública . Assim, expandimos a nossa missão e desenvolvemos
mais programas, e essa filosofia básica é o cerne do que estamos a fazer. Mas as
pessoas que estão envolvidas no trabalho de campo contra a sida veem as coisas de
uma maneira diferente da nossa.

De que maneira?

Bem, há um problema em relação à PrEP, que é um comprimido de prevenção do VIH.


E a nossa perspetiva foi a de que este fármaco pode funcionar a nível individual, mas
não se pode pensar nisto como uma solução comunitária ou de saúde pública.
Porque isso iria destruir a cultura do preservativo (que destruiu) e aumentar casos de
doenças sexualmente transmissíveis (que fez aumentar).

Acha que o PrEP está a ser visto como um comprimido mágico?

Sim. Eu dizia muito às pessoas isto: tem de ser muito paranóico para, vestindo calças,
querer usar cinto e suspensórios. Ninguém que está a tomar aquele comprimido vai
usar preservativo. É o que está a acontecer.

O PrEP é um exemplo disso, da AHF envolta numa controvérsia pública. Acha


que este tipo de polémicas é útil para o ativismo, ou, no final de contas,
acaba por prejudicar o trabalho, especialmente de campo?

Não nos prejudicou. É aquela velha história de toda a publicidade ser boa publicidade.
A questão dos preservativos na pornografia são um exemplo perfeito disso. Por
exemplo, tivemos uma manifestação na China para fazer com que o país contribuísse
com mais dinheiro para o fundo global. Tínhamos 100 pessoas no protesto, mas só os
jornais locais apareceram. Já em tudo aquilo que fizemos sobre pornografia todas as
câmaras estavam lá. Olhe, depois de termos perdido a eleição a nível estatal, eu disse
que tínhamos sido bem sucedidos. Porquê? Porque recebemos milhões de dólares
em publicidade gratuita.

Temas:
Michael Weinstein
AHF
Entrevista
Sida
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