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PERSONAGENS:
Senhor Escrúpulos, o empresário à moda antiga …………………………………….. (Falado)
Madame Trinado de Ouro, uma estrela de ópera não tão jovem ………………………..(Soprano)
1. Abertura (Instrumental
2. Cena 1 (Escrúpulos e Blefe) ……………………………………………………………
3. Cena 2 (Escrúpulos, Blefe e Anjo) ……………………………………………………….
4. Cena 3 (Escrúpulos e Blefe) ……………………………………………………………
5. Cena 4 (Escrúpulos, Blefe e Anjo) ……………………………………………………….
6. Arieta (Madame Trinado de Ouro) ……………………………………………………….
7. Cena 5 (Escrúpulos, Blefe, Anjo e Madame Ouro) ………………………………………
8. Cena 6 (Escrúpulos, Blefe e Anjo) ………………………………………………………
9. Cena 7 (Escrúpulos e Blefe) ………………………………………………………………
10. Cena 8 (Escrúpulos, Blefe, Anjo e Senhorita Prata) ………………………………………
11. Rondó (Senhorita Prata) …………………………………………………………………
12. Cena 9 (Escrúpulos, Blefe, Anjo e Repique de Prata) …………………………………….
13. Cena 10 (Escrúpulos, Blefe, Anjo, Repique de Prata e Madame Ouro) ………………….
14. TRIO (Madame Trinado de Ouro, Senhorita Repique de Prata e Senhor Anjo) …………
15. Cena 11 (Escrúpulos, Blefe, Anjo, Madame Ouro e Senhorita Prata) ……………………
16. Cena 12 (Blefe, Anjo, Madame Ouro e Senhorita Prata) …………………………………
17. FINALE (Madame Ouro, Senhorita Prata, Senhor Anjo e Senhor Blefe) …………………
REALIZAÇÃO:
)
SOBRE A OBR
Mozart compôs esse pequeno singspiel em 1786, sobre um libreto de Stephanie, o Jovem, o
mesmo autor de “O Rapto no Serralho”. A primeira apresentação aconteceu na Orangerie, em
Schönbrunn, durante um entretenimento apresentado pelo Imperador José II para o Governador
Geral dos Países Baixos. A brincadeira espirituosa de Mozart sobre os problemas da vida de um
empresário de ópera dividiu a noite com com uma sátira da ópera italiana de um compositor
contemporâneo, Antonio Salieri, “Prima la Musica, Poi Le Parole” (“Primeiro a Música, Depois as
Palavras”).
No elenco de estréia, estava Stephanie, o Jovem como o Empresário; Joseph Lange, cunhado
de Mozart e retratista, como Blefe; a cunhada de Mozart, Aloysia Lange, como Madame Trinado de
Ouro; e a célebre Catarina Cavalieri, que criou o papel de Konstanze no “Rapto”, como a Senhorita
Repique de Prata.
O libreto assumidamente fraco e disperso tem sido o objeto de repetitivas revisões que
visam fortalecer a frágil moldura sobre a qual Mozart pendurou algumas jóias como a Abertura, o
Trio da disputa e o Vaudeville do final.
Na presente versão, o elenco original de dez personagens (seis dos quais não cantam) foi
reduzido a cinco, eliminando assim as extensas e irrelevantes audições cênicas que não possuem
nenhuma conexão com a música. Isso também levou a uma considerável redução do material
falado.
O pathos jocoso das duas árias de soprano foi mantido, com sua irônica solenidade, uma
hábil reminiscência das heroínas trágicas do compositor. A amarga pirotecnia com a qual as duas
prime donne lutam para se superar é parafraseada do original, e uma nota imponente soa no finale,
um eco fantasmagórico de “Wer so viel Huld vergessen kann” do “Rapto” sublinhado pelo que
aparenta ser um resultado lógico para o dilema do escrupuloso empresário.
ABERTURA (INSTRUMENTAL
(Quando sobe a cortina, nós vemos o escritório ligeiramente esfarrapado do empresário, Senhor
Escrúpulos, que está em sua mesa, olhando pela janela com um olhar distante e desencorajado.
Logo depois de subir a cortina, a porta se abre repentinamente para a passagem do Senhor Blefe, o
assistente entusiasmado, mas um tanto atrapalhado, do Senhor Escrúpulos. Ele está muito
empolgado.)
BLEFE: Até que enfim! Conseguimos! Senhor Escrúpulos, assinaram um contrato, nomeando o
senhor como Empresário, Administrador Geral e Diretor artístico do nosso grande Theatro, na
próxima temporada!
ESCRÚPULOS: Não acredito! Mas, enfim, já é tarde demais! Eu já decidi que vou me aposentar,
ESCRÚPULOS: Alegre? A minha nomeação foi submetida a tantas delongas intermináveis que
meu dinheiro, meu crédito, meu entusiasmo e minha paciência ficaram completamente exauridos! E
eu já estou cheio de todas as intrigas e ciumeiras que perseguem a vida de um empresário! Já disse e
BLEFE: E eu não sei como o senhor se sente? Eu também tenho todas essas frustrações, mas se o
senhor me deixasse cantar um ou outro papel bom, eu carregaria alegremente todo esse fardo para o
senhor.
ESCRÚPULOS: Meu querido Blefe! Você é um bom amigo, mas nós já discutimos tudo isso antes.
Se eu te deixasse cantar, o público iria querer me matar… e iam matar o senhor também! Além
disso, eu já tenho em mente uma temporada inteira de peças clássicas de teatro, nas quais, graças a
BLEFE: Mas, Senhor Escrúpulos, não tem para onde fugir! O Secretário da cultura determinou que
BLEFE: Sr. Escrúpulos, isso até pode ter sido verdade uns trinta anos atrás, mas a ópera de hoje
pode ser produzida com bastante economia! Tem gente que resolve até fazendo vaquinha.
BLEFE: Um empresário moderno só precisa de três tipos de cantores! Estrelas decadentes, cujos
cachês encolheram tanto quanto sua potência vocal. O público engole qualquer coisa para ver um
nome famoso...
BLEFE: Também tem os principiantes, cujas óbvias deficiências serão para o senhor um motivo de
crédito, já que o senhor estará dando uma chance patriótica aos talentos nativos. E eles nem
ESCRÚPULOS: E eu suponho que o terceiro tipo seja aquele que me pague para trabalhar?
BLEFE: Naturalmente. São aqueles que foram mais abençoados com bens materiais do que com
ESCRÚPULOS: Então, na verdade, os cachês baixos das estrelas decadentes serão pagos pelos
BLEFE: Ao contrário, Sr. Escrúpulos, eles podem até dar um belo lucro!
ESCRÚPULOS: Meu querido Blefe! E que tipo de ópera pode ser produzido utilizando meios tão
BLEFE: O melhor tipo de ópera! Aquelas verdadeiras obras-primas em que um cantor precisa atuar
atingir um estilo de comunicação mais íntima com o espectador, você irá eliminar as cenas de
multidão!
cenário , e juntamos apenas alguns caixotes e uns andaimes na frente de uns panos pretos. Ou a
BLEFE: E a maioria dos contra-regras. E para alcançar o máximo do realismo, usamos roupas
BLEFE: E para intensificar os climas e atmosferas, usaremos pouquíssima iluminação. O que vai
ser até bom, pra esconder que alguns cantores não tem exatamente o perfil dos personagens… E
além disso, a maioria deles é mais agradável de ouvir do que de ver. E isso ainda vai nos
economizar uma grana na maquiagem e na conta de luz. O que o senhor diz dessas ideias, Sr.
Escrúpulos?
ESCRÚPULOS: Eu digo que elas são profundamente repugnantes frente a tudo o que eu sempre
acreditei e pelo que lutei no teatro. Decididamente, eu prefiro virar um fazendeiro do que tomar
BLEFE: Mas, Sr. Escrúpulos… Bom-gosto é uma expressão que só se encontra nos lábios daqueles
ESCRÚPULOS: Você está realmente sugerindo que eu deveria me rebaixar para atingir o sucesso?
BLEFE: E existe outro meio mais certo para isso? Ah, Sr. Escrúpulos, se o senhor soubesse o que o
meu pai precisa fazer para manter o restaurante dele funcionando, o senhor veria que só é possível
colocar caviar e trufas no cardápio, se ele já estiver vendendo bastante salsicha e mortadela!
ESCRÚPULOS: Meu pobre Blefe, não é possível que você acredita em metade do que está
dizendo. Ou se você é realmente o patife que está parecendo, eu te diria para abandonar qualquer
pretensão com o canto - o que, aliás, você deveria fazer de qualquer forma - e assumir a minha
BLEFE: Ah, muito obrigado, Sr. Escrúpulos! Mas eu sou realmente um artista de coração, e eu
sinto que eu seria de maior serventia para o senhor em cima de um palco. O senhor não concorda?
ESCRÚPULOS: Alegre-se, Blefe, porque não faz a menor diferença o que nenhum de nós pensa.
Não temos dinheiro suficiente nem para imprimir os ingressos, quanto mais para cuidar de toda uma
temporada.
BLEFE: Eu sei que a situação parece difícil, Sr. Escrúpulos, mas tem uma verdadeira fonte de
esperança aí fora. O Senhor Anjo está esperando para ver o senhor já tem uns quinze minutos…
ESCRÚPULOS: O Senhor Anjo? O banqueiro? Aquele que é fascinado por teatro e está sempre
BLEFE: Eu acho que sei. Ele estava na Secretaria quando a sua licença foi emitida e em seguida,
veio logo te ver. Eu vou pedir para que entre, mas, Sr. Escrúpulos, por favor, não tome nenhuma
decisão precipitada!
(Blefe ignora o gesto de recusa de Escrúpulos e vai até a porta, na qual faz uma profunda reverência
para a entrada do velho e pomposo banqueiro, o Senhor Anjo.)
Cena 2 (Escrúpulos, Blefe e Anjo)
ANJO: Meu querido produtor! O nosso grande Theatro foi realmente abençoada com a escolha de
ANJO: Porque acontece que eu preciso da sua ajuda, e se eu estivesse no seu lugar, eu
ESCRÚPULOS: Ha, ha, ha! Mas o que eu posso fazer pelo senhor, Sr. Anjo?
ANJO: Bastante coisa, Sr. Escrúpulos, bastante coisa! Entre os homens do mundo, e entre os
homens de negócio, como nós dois, as preliminares são apenas uma perda de tempo. Eu vou direto
ao ponto.
BLEFE: Sr. Escrúpulos, agora o Sr. Anjo vai direto ao ponto. Sem preliminares!
(A partir daí, Escrúpulos tenta bravamente, mas em vão, impedir o desejo incontrolável de Blefe de
entrar na conversa.)
ANJO: O senhor provavelmente já deve estar informado de que, por algum tempo, eu mantive um
relacionamento bastante íntimo com uma das jóias mais brilhantes de nossa cena lírica, a Madame
Trinado de Ouro.
ESCRÚPULOS: A grande Madame Trinado de Ouro? Tais cantores não se vê mais hoje em dia.
Eram verdadeiramente magníficos! Eu me lembro de sua estreia em Viena, há uns trinta anos. Ela se
ANJO: Sim e não, se o senhor entende o que eu digo. Aqui entre nós, eu esperava que os mimos e
os presentinhos que eu tenho dado a ela a ajudassem a esquecer dos palcos. Mas a Madame sente
falta de toda aquela emoção e está decidida a começar uma série de espetáculos de despedida.
deveria trabalhar com negócios! Para ser franco, minha vida com a Madame não valeria mais a
pena, se o senhor não a contratasse. Isso também seria um grande negócio para mim, eu lhe garanto.
BLEFE: O que o Sr. Escrúpulos quer dizer, Sr. Anjo, é que o repertório no qual Madame Trinado
ANJO: Mas eu disse que também seria um grande negócio para mim, e por isso, estou disposto a
fazer um certo investimento nesta Companhia… Estamos falando de uns cinquenta mil! Mas, é
claro, Sr. Escrúpulos, Madame sabe que já deve ter um bom tempo que o senhor não a vê cantar e
que, como as línguas maliciosas nunca ficam ociosas, ela está preparada para audicionar para o
BLEFE: O que o Sr. Escrúpulos quer dizer, Sr. Anjo, é que esta sala não é acusticamente adequada
para uma artista com a potência vocal excepcional de Madame Trinado de Ouro. Contudo, se
Madame perdoar essa inconveniência, o Sr. Escrúpulos teria prazer em ouvi-la e em renovar sua
preciosa amizade!
(Apressadamente, Blefe leva o Sr. Anjo para fora da sala, antes que Escrúpulos consiga emitir um
protesto efetivo.)
ESCRÚPULOS: Ficou maluco? Nunca na minha vida, eu aceitei dinheiro de um cantor! E eu não
qual o senhor se esforçou tanto. Cinquenta mil é um investimento que vai trazer para a sua
temporada a presença de Madame Trinado de Ouro, em apresentações que estarão sempre lotadas,
enchendo o caixa da Companhia! E aí, o senhor vai ter dinheiro suficiente para poder fazer aquilo
que sempre quis… essas produções altamente artísticas de obras-primas desconhecidas que
BLEFE: Se o senhor sair agora, vai acabar esbarrando com ela na escada. (ele segura Escrúpulos à
força) Não, Sr. Escrúpulos, o que importa é o propósito para o qual dinheiro vai ser gasto, e não sua
fonte. Até as igrejas, não são construídas com as oferendas dos pecadores?
(A porta se abre subitamente, permitindo a entrada triunfal de Madame Trinado de Ouro, uma
autêntica prima donna. Ela é seguida por Anjo, que carrega suas coisas. Ela fala com um forte
sotaque eslavo.)
MME. OURO: Menino malvado! Eu sei que você esteve em Campos do Jordão no último semestre
ANJO: Meu bombonzinho, não use isso contra nosso bom amigo Escrúpulos, que tem estado
inacreditavelmente ocupado lidando com todos os detalhes para fazer uma linda temporada!
BLEFE: O que o Sr. Escrúpulos quer dizer, Madame, é que ele esteve prestes a lhe fazer uma visita
pelo menos umas cem vezes! Ontem mesmo, ele estava pensando se não conseguiria lhe convencer
MM. OURO: Eu tenho certeza! Nós sempre fomos tão bons amigos! E quem é o senhor, se é que
posso saber?
MME. OURO: Seu assistente? E colega? Que coisa boa! Tem um olhar tão inteligente…
BLEFE: Ah, muito obrigado, Madame! Será que eu poderia pedir o seu autógrafo?
MME. OURO: Mas é claro! Aqui. Agora, meu querido produtor, eu vou cantar para você. Eu quero
que você escute como a minha voz se desenvolveu no registro mais agudo, mas sem perder nenhum
daqueles tons escuros, lustrosos e redondos, pelos quais o meu registro médio-grave sempre foi tão
conhecido.
ESCRÚPULOS: Eu nunca sonharia em pedir para uma artista da sua reputação para audicionar
MME. OURO: Mas não tem problema algum! Não somos todos profissionais? Eu insisto. Queiram
MME. OURO: (após terminar de cantar) Viu, Sr. Escrúpulos? Eu não disse que o senhor ficaria
maravilhado?
MME. OURO: Ah, Sr. Blefe, que gentileza! Eu vejo que o senhor sabe do que está falando! Agora,
Sr. Escrúpulos, o senhor já ouviu o que eu posso fazer. Para contribuir com o seu sucesso em
Salzburgo, eu estou disposta a aceitar todas as protagonistas dramáticas e me contentarei com uma
BLEFE: (à parte) Por favor, Sr. Escrúpulos! Vai ser com o dinheiro do Sr. Anjo…
ESCRÚPULOS: (à parte) Mas eu não pagaria 50 mil por récitas nem para a Maria Callas!
BLEFE: O que o Sr. Escrúpulos quer dizer, Madame, é que ele não consegue nem sequer imaginar
MME. OURO: Meu querido produtor, a delicadeza dos seus sentimentos compensa a modéstia de
sua oferta. Eu fico feliz em aceitar ser a Prima Donna absoluta da sua distinta Companhia. Você é
ANJO: Sim, sim, é claro! Agora, minha querida, se você puder me esperar lá embaixo, com o
motorista, enquanto eu rapidamente fecho o contrato com o Sr. Escrúpulos… Depois ele e o Sr.
BLEFE: É claro, Madame, os artistas não devem ser importunados com detalhes burocráticos
estúpidos.
MME. OURO: Esses cavalheiros estão certos, Sr. Escrúpulos. Eu considero essas discussões
financeiras muito prosaicas para minha natureza. Eu espero que o senhor não demore. Então, eu irei
(Ela faz uma gloriosa saída pela porta, a qual é mantida aberta obsequiosamente por um curvado
Blefe.)
ANJO: Meu querido Escrúpulos, que diferença isto vai fazer na minha vida!
ESCRÚPULOS: E na minha!
ANJO: Você foi tão compreensivo, e tão solícito, que eu me encorajei a pedir um outro favor.
BLEFE: O Sr. Escrúpulos está muito emocionado em poder lhe ser tão útil, Sr. Anjo! O senhor
ANJO: Obrigado. Vou falar. . Acontece que… juro por minha própria vida, eu não me lembro
exatamente como foi que começou, mas eu tenho uma outra protegida, uma mocinha muito jovem
que ainda não estreou nos palcos, mas que possui as mais exuberantes aptidões.
ESCRÚPULOS: O senhor quer dizer que o senhor está… associado a duas cantoras ao mesmo
ANJO: Vamos colocar nesses termos: eu sou tão fascinado pelo passado de Madame Trinado de
ESCRÚPULOS: E eu já estou entendendo que as duas vão ter o impacto de uma bomba sobre o
meu presente.
ANJO: Meu querido Escrúpulos, o senhor é uma alma mística e relevante! E agora que o senhor
fortaleceu a minha posição junto à Madame Trinado de Ouro, o senhor me deixaria imensamente
BLEFE: O que o Sr. Escrúpulos quer dizer, Sr. Anjo, é que as despesas têm uma tendência de subir
até a Lua quando um empresário se dispõe a abrigar duas estrelas na mesma Companhia.
ANJO: Sr. Blefe, qual é sua função nessa Companhia? O senhor me parece um mediador nato! Ha
ha ha! Queira perdoar a minha pequena brincadeira! É claro que o senhor tem razão. O mesmo é
verdade nas minhas relações com essas duas damas. Eu entendo isso tão claramente que estou
ESCRÚPULOS: Eu entendi corretamente, Sr. Anjo? O senhor quer dizer que está disposto a pagar
ANJO: Precisamente, meu querido Escrúpulos. E o senhor pode ficar com todos os lucros. Os meus
principesca?
ANJO: Meu querido amigo, o senhor me compreendeu mal! Eu só quero ajudar! Eu acredito que o
público quer assistir ópera e que cabe a pessoas como eu fazer com que ele consiga!
ANJO: É claro, eu espero ter uma modesta participação na política interna do teatro.
ANJO: Eu sempre quis ser um empresário e o senhor vai ver que eu sou cheio de ideias esplêndidas
sobre repertório, sobre apresentar óperas com versão na língua local, sobre encenação, produção de
elenco, direção musical, cenário, figurino e marketing cultural.
ANJO: Os negócios são a minha especialidade. Nós, patrocinadores, temos uma boa ideia sobre
essas coisas, acredite em mim. É claro que eu não tenho tempo para desperdiçar com arte e música,
ESCRÚPULOS: Nesse caso, obviamente, o senhor sabe muito mais do que eu.
ANJO: Ah, eu não diria isso, meu querido produtor! Mas, voltando à Senhorita Repique de Prata,
ela está esperando lá embaixo com o motorista, e eu gostaria de trazê-la para que o senhor pudesse
ESCRÚPULOS: Ela está sentada ao lado de Madame Trinado de Ouro? Meus parabéns! Ou o
senhor possui um harém ou é um empresário nato que pode ensinar muito a todos nós!
ANJO: Não seja bobo, meu querido amigo, é claro que não. Cada uma delas tem o seu próprio
carro e seu próprio motorista. Agora, o senhor entende porque eu fui tão rápido ao ponto sobre essa
dupla despesa! Eu volto logo.
(Anjo sai, bruscamente. Blefe está encantado e o pobre Escrúpulos está deslumbrado demais com
tudo o que está acontecendo para sequer contestar.)
CENA 7 (Escrúpulos e Blefe)
BLEFE: Sr. Escrúpulos, o senhor deve admitir que nossas perspectivas se tornaram
consideravelmente melhores. Há uma hora, nós não tínhamos dinheiro algum, e agora, nós temos
cento e cinquenta mil adiantados!
ESCRÚPULOS: É verdade, mas isso tudo só faz a minha fazendinha parecer ainda mais atraente…
Todo esse negócio está parecendo cada vez menos com uma Companhia de Ópera e cada vez mais
com…
ESCRÚPULOS: Eu suponho que com todo esse entra e sai de dinheiro, você vai acabar pedindo
um aumento… Não que não deva!
BLEFE: Ah, ser o seu braço direito já é o bastante para mim! Até porque tem tantas fontes de
receita que se tornam prontamente acessíveis para alguém em minha posição… Contudo, talvez elas
não sejam, por assim dizer, inteiramente honestas, e eu ficaria relutante em aceitar tais vantagens,
ainda mais se o senhor concordasse em aumentar um pouco os meus recebimentos, me contratando
para alguns papéis disponíveis, quem sabe, por um módico cachê.
ESCRÚPULOS: Meu pobre Blefe! Essa seria a maior fraude de todas! Mas que dupla nós somos!
Você não tem a audácia suficiente para executar todos os seus blefes sozinho, e eu já perdi a
coragem necessária para manter os meus escrúpulos.
(A porta se abre, para admitir o Senhor Anjo e uma moça muito jovem, de uma beleza violenta, a
Senhorita Repique de Prata.)
ANJO: Cavalheiros, aqui está a Senhorita Repique de Prata. E eu garanto que a sua voz combina
com toda a sua formosura. O que mais posso dizer?
SRTA. PRATA: Se me permitem, senhores, o Sr. Anjo não exagera no que diz, como os senhores
podem observar claramente, e em breve, poderão ouvir plenamente.
(A Senhorita Repique de Prata conclui sua canção e espera por aplausos entusiasmados. Blefe a
satisfaz.)
ANJO: Brava! Brava! Eu não disse aos senhores? Ela não é uma maravilha?
ANJO: Sr. Blefe! Eu preferiria que o senhor confinasse seu entusiasmo à seara dos aspectos
estritamente profissionais.
SRTA. PRATA: Dois mil por apresentação! Eu nunca fui tão insultada em toda a minha vida! Um
ESCRÚPULOS: Meus parabéns, Sr. Anjo! Os seus funcionários devem estar muito bem de vida!
SRTA. PRATA: Eu sei o meu valor e me recuso a ser explorada por empresários inescrupulosos. Se
o senhor quiser a minha presença na sua Companhia, o senhor tem que me dar todas as
protagonistas das comédias e me pagar 70 mil por apresentação, além do salário da minha
camareira!
ANJO: O que o Sr. Escrúpulos quer dizer, minha querida… Meu docinho de coco… (Meu Deus do
céu! Agora, até eu estou fazendo isso !) O que eu quis dizer, meu amor, é que apesar de não ser
muito usual, eu posso tentar persuadir meu bom amigo Escrúpulos a lhe dar todas as protagonistas
(Madame Trinado de Ouro entrou a tempo de ouvir isso… e o vulcão entra em erupção!)
MME. OURO: Ah, você se encarrega da camareira? Ótimo!!! Então, é por isso que eu tive que
esperar lá embaixo, enquanto você colocava essa… essa coisinha pra ganhar um cachê maior do que
o meu???!!!
BLEFE: Madame! Por favor, se recomponha! Na verdade, a situação toda é bastante simples!
ANJO: Sim, minha querida, eu posso explicar tudo! Eu só estava acertando os termos do seu
contrato com o Sr. Escrúpulos, quando essa moça chegou para audicionar para o papel da camareira.
Como ele valoriza a minha opinião, ele me pediu para ficar e avaliá-la. E isso é tudo, não é mesmo,
ESCRÚPULOS: Sr. Anjo, o senhor sabe se a música é capaz de estimular as galinhas a botar mais
ovos?
ANJO: Mas como, meu querido amigo? Do que o senhor está falando?
ESCRÚPULOS: Os fazendeiros mais modernos parecem concordar que a música tem um efeito
extremamente favorável quanto à produção de leite… por parte das vacas, naturalmente. Então, eu
estava me perguntando se o mesmo não seria verdade quanto às galinhas… Para darem ovos, e não
leite, evidentemente.
MME. OURO: Já que estamos falando sobre galinhas, ninguém me explicou ainda essa história de
ANJO: Minha querida, mas não é óbvio? Eu apoiei as exigências dessa mocinha apenas para que o
MME. OURO: Sr. Escrúpulos, eu sempre soube que o senhor entendia de negócios! Mas será
preciso que eu mostre para o senhor que essa jovem amadora não tem experiência, nem técnica e
(O Trio se conclui com Anjo e Blefe tentando afastar Madame Ouro e sua rival, a Senhorita Prata.
Escrúpulos prestou pouquíssima atenção à toda a agitação. Ele está ocupado com seus próprios
pensamentos.)
ANJO: Bem, Sr. Escrúpulos, o que tem a dizer sobre a forma como eu lidei com a situação?
ESCRÚPULOS: Francamente, Sr. Anjo, eu não prestei muita atenção. A verdade é que toda essa
MME. OURO: Eu mostrei quem é a prima donna dessa companhia! Você viu meu fá staccato, o
meu Mi 5 sustentado?
SRTA. PRATA: Sustentado? Ou seria melhor dizer semitonado? Porque aquilo não era um Mi 5,
com certeza! Eu não sei quem você é ou o que você está fazendo aqui, mas eu sou a protagonista
cômica dessa companhia, e eles estão me pagando 70 mil euros por apresentação!
MME. OURO: Pois bem, deixa eu te informar que eu sou a protagonista trágica e que eu estou
ganhando bem mais do que você, seja lá quem você for! Eu sou A Madame Trinado de Ouro!
SRTA. PRATA: Eu nunca ouvi falar. Com certeza, deve ser da velha guarda…
(Blefe entra entre as duas, enquanto elas voam uma contra a outra.)
ANJO: Por que nós não resolvemos esse pequeno mal-entendido como homens de negócios? Por
que não pagar a essas duas senhoras 100 mil REAIS por récita, lhes conferir status de estrelas e
imprimir seus nomes com uma letra maior do que os nomes dos autores e compositores?
ANJO: Pronto, isso resolve tudo… E agora, só precisamos assinar o contrato. O que o senhor tem a
ESCRÚPULOS: Eu devo confessar que eles chegam a um certo tipo de resultado… Mas antes de
assinar qualquer contrato, quero fazer um pronunciamento. Eu vou realizar um sonho de muitos
anos recusando a minha posição como empresário desta ou de qualquer outra companhia!
ESCRÚPULOS: Nem um pouco! Eu vou para minha fazendinha no interior, onde não irei produzir
ESCRÚPULOS: De forma alguma! Eu gostaria de indicar meu confiável colega de tantos anos, o
BLEFE: Sr. Escrúpulos, eu estou profundamente agradecido pela sua confiança, mas tudo isso me
convenceu de que eu serei mais feliz sobre o palco do que eu jamais conseguiria ser num escritório
BLEFE: Então, minha primeira ação como empresário é contratar a mim mesmo como o barítono-
bufo protagonista da nova temporada, com o mesmo cachê simbólico dessas senhoras. E minha
última ação é indicar o Sr. Anjo como o novo empresário, com início imediato!
certamente não será um grande problema. Assim que eu tiver organizado a companhia como uma
SRTA. PRATA: Sr. Escrúpulos, nós iremos sentir falta da sua vasta experiência.
ESCRÚPULOS: Srta. Repique de Prata, a senhorita é a prova viva de que experiência é algo
MME. OURO: E o que será da arte e da música quando os homens como o senhor tiverem partido?
ESCRÚPULOS: Não se preocupe com a arte e a música, Madame. Elas resistem há séculos...
geralmente apesar e não por causa dos indivíduos. A ópera terá, como sempre teve, bons e maus
empresários. Charlatões não conseguem acabar com a Medicina, assim como falsos profetas não
mas certamente vencerá a guerra da sobrevivência. E assim, meus amigos, eu lhes desejo um bom
ANJO: Hmmm… Hmmm… Meus queridos colegas, vamos lutar para manter os altos padrões aos
ANJO: Contudo, deste momento em diante, eu não irei tolerar nenhuma infração à mais rigorosa
disciplina profissional. Ninguém levou a sério as ameaças de aposentadoria do Sr. Escrúpulos, mas
deixem eu pontuar que, caso eu me aposente, o meu financiamento irá embora junto comigo, e o
BLEFE: Sr. Produtor Geral, permita-me ser o primeiro a lhe assegurar o meu comprometimento do
fundo do coração. Eu ficarei satisfeito com quaisquer papéis que o senhor me oferecer, e tenho
certeza que o senhor perceberá o meu grande valor também como assistente.
SRTA. PRATA: Sr. Anjo, eu penso como o Sr. Blefe. Eu estou preparada para aceitar os papéis
menores que talvez combinem melhor com a minha inexperiência. Obviamente, sem abrir mão do
MME. OURO: Eu acredito que ninguém me faria sair de casa para cantar um papel pequeno.
Contudo, eu estou disposta a me limitar a duas aparições de despedida este ano. Naturalmente, com
ANJO: É verdadeiramente inspirador, como tratar a arte como um simples negócio harmoniza
BLEFE: Vamos brindar ao homem indispensável: ao empresário, quem quer que ele seja!
ANJO: No presente!
BLEFE: Ao empresário!