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www.unicv.edu.cv
Título
A referência e o significado das palavras na Filosofia da Linguagem:
Algumas considerações
Copyright©
Marcelo Quintino Galvão Baptista / Universidade de Cabo Verde
ISBN
978-989-97833-7-9
Coordenação Editorial
Márcia Souto
Edições Uni-CV
Praça Dr. António Lereno, s/n - Caixa Postal 379-C
Praia, Santiago, Cabo Verde
Tel (+238) 260 3851 - Fax (+238) 261 2660
Email: edicoes@adm.unicv.edu.cv
A Colecção Aula Magna tem como objectivo criar, no âmbito das Edições Uni-CV,
um segmento que reúna obras que discutam questões relacionadas à educação, ao
processo ensino-aprendizagem e que veiculem estudos relevantes para a prática e a
reflexão docente em todos os níveis: básico, secundário e superior.
Com a Colecção Aula Magna, a Universidade de Cabo Verde apresenta sua contribuição
na difusão dos resultados de investigações científicas ao mesmo tempo em que promove
e incentiva a realização de pesquisas na área educacional.
Índice
Apresentação.......................................................................................................... 7
Introdução............................................................................................................ 17
A Teoria Referencial............................................................................................... 23
Versão de Frege .............................................................................................. 24
Versão de Russell............................................................................................. 29
A Teoria S-R.......................................................................................................... 33
Versão de Ogden e Richards............................................................................. 33
Versão de Osgood............................................................................................ 36
Resumo................................................................................................................ 45
Aspectos em comum ...................................................................................... 46
O significado em Wittgenstein.......................................................................... 47
Conclusões........................................................................................................... 53
Referências Bibliográficas...................................................................................... 55
O estudo do Prof. Doutor Marcelo Galvão Baptista para o qual foi escrita a introdução/
apresentação que se segue é extraído de uma Tese de Doutorado em Educação,
na área de Metodologia do Ensino, intitulada Compreensão de Leitura na Análise
do Comportamento. Trata-se de um capítulo (o primeiro) que desenvolve um tema
específico inserido num projecto mais vasto, mas apresenta uma problemática
autónoma e delimita um campo de pesquisa com validade própria para o esclarecimento
de algumas questões relevantes e actuais no âmbito da Filosofia da Linguagem, tendo
como título A referência e o significado das palavras na Filosofia da Linguagem: algumas
considerações. Tratando-se de um texto de apresentação, não se efectuam citações
exaustivas, adequadas apenas ao formato do trabalho académico comentado, sendo,
contudo, indicadas as obras mencionadas como referências bibliográficas, no final
(excepto obras já referidas no texto que é objecto desta apresentação, a não ser as
de Wittgenstein, dada a sua relevância tanto no texto do autor introduzido como no
comentário).
Esta introdução não pretende limitar-se a expor uma síntese das ideias do autor do
estudo, as quais são por ele apresentadas de forma rigorosa e clara, dispensando
qualquer mediação. Optou-se então por um diálogo com o autor, explorando caminhos
abertos pelas suas reflexões e análises: com efeito, um dos aspectos mais relevantes
deste estudo – na perspectiva da leitura efectuada para elaboração desta introdução
– consiste na sua metodologia de pesquisa e no seu valor heurístico. Enquanto
alguns trabalhos académicos ficam presos a uma escola de pensamento, uma teoria,
à perspectiva de um autor ou a uma disciplina, este estudo apresenta um conjunto
diversificado de teorias do significado, referenciais teóricos, autores e disciplinas
convocadas para desenvolver a sua pesquisa – desde a Filosofia da Linguagem, Lógica,
Semiótica, Linguística, Epistemologia e Psicologia – evitando abordagens unilaterais
e adoptando uma perspectiva interdisciplinar. Por outro lado, sendo a concepção
“comportamentalista” e a teoria de Skinner uma influência marcante neste estudo,
o autor não ficou preso à visão de Skinner, procurando antes confrontá-lo com outros
referenciais teóricos. Trata-se de desenvolver uma abordagem crítica, mesmo dos
pensadores que mais o influenciaram, atitude que deveria ser característica de qualquer
7
trabalho de investigação científica, mas é por vezes trocada por um dogmatismo que
adopta acriticamente uma perspectiva teórica ou as ideias de um autor.
8
A Teoria Referencial assume uma versão linear que identifica a palavra e o significado
com aquilo a que ela se refere, e outra que estabelece uma relação não-linear entre
ambos, na qual a uma mesma referência podem corresponder vários significados. Esta
teoria pode ainda incidir sobre a função de classes de palavras que não possuem sentido
por si próprias, mas no âmbito de proposições. Como exemplo de uma teoria referencial
mais complexa, o autor apresenta a do filósofo analítico Frege, analisada em detalhe
nas suas implicações em termos de teoria da referência e do sentido, introduzindo a
problemática do valor de verdade das proposições, dependente da sua relação com a
referência. Esta relação caracteriza ainda a investigação científica, distinguindo-a de
outras abordagens – como a estética ou metafísica. Frege elabora assim um critério de
demarcação entre ciência (teoria ou linguagem científica) e outros tipos de linguagem –
estando esta problemática no centro do pensamento científico contemporâneo. Outros
filósofos, como Bertrand Russell (cuja obra é também analisada pelo autor), Rodolf
Carnap ou o chamado primeiro Wittgenstein, o do Tratado Lógico - Filosófico, produziram
obras relevantes no âmbito deste paradigma referencial, embora com diferenças ente
as suas diversas abordagens.
9
Há aspectos comuns a todas, apontados com pertinência pelo autor, que indica a noção
de representação como um destes elementos em comum, embora interpretada de
diversos modos.
Poderíamos indicar outro caso, no âmbito das Teorias Empiristas e das Teorias Neo-
positivistas (Positivismo Lógico) da linguagem e do sentido, nas quais as últimas
integram a tradição das primeiras, conjugando os paradigmas empirista e logicista, em
vez de os separar. Em Locke (empirismo) valoriza-se a experiência sensível, enquanto
em Frege, Russell, Carnap, ou no “primeiro” Wittgenstein (do Tratado Lógico-Filosófico)
é o método de análise lógica, tendo como paradigma, não a indução ou experiência,
mas a matemática, enquanto linguagem científica paradigmática, que confere rigor aos
enunciados ou proposições. Mas estas duas tradições de pensamento científico (uma
que remonta ao empirismo de Locke e outra que tem como precursor o matematismo
cartesiano – a mathesis universalis – a matemática como linguagem do rigor e
fundamento do método científico) confluem no positivismo lógico e na filosofia analítica.
Sob o pano de fundo destas problemáticas, que podem parecer demasiado técnicas
10
ou áridas, emergem do neopositivismo questões decisivas para o pensamento e a
cultura contemporâneas, como a do estatuto da realidade e da racionalidade que,
desde o Logos helénico até ao racionalismo e iluminismo, ocuparam a reflexão filosófica
e a investigação científica. Podemos aceitar o projecto neopositivista de constituir
logicamente o mundo e a realidade, e tornar a racionalidade científica, o seu método, e
a sua linguagem, no modelo único de inteligibilidade, a verificação no critério único de
verdade, e o mundo físico, observável directa ou indirectamente, em última instância de
legitimação do conhecimento, ou incorrer em novos dualismos (depois de tanto criticar
os da filosofia clássica), como o que estabelece uma dicotomia entre o mundo físico
e o mental, embora passando a atribuir ao universo físico o estatuto de fundamento?
A pesquisa do Prof. Marcelo Galvão conduziu a uma abordagem crítica dos pressupostos
neopositivistas, sem rejeitá-los liminarmente nem aceitá-los incondicionalmente. A
leitura de Wittgenstein foi usada como instrumento dessa reflexão crítica. Retomando
a abordagem “paradigmática” de Khun já adoptada nesta introdução, pode-se afirmar
que a obra e o percurso de Wittgenstein constituem um caso exemplar de mudança de
paradigma, viragem teórica ou ruptura epistemológica. Esta transformação do horizonte
teórico efectuou-se entre duas obras marcantes no itinerário do filósofo: o Tratado Lógico-
Filosófico, livro que se insere no paradigma neopositivista, e as Investigações Filosóficas,
obra que efectua uma transição paradigmática entre o “primeiro Wittgenstein”, como
filósofo “analítico”, e o seu “último” pensamento, de índole pragmática.
11
A posição dominante no neo-positivismo é a da eliminação da metafísica, visto que os
seus enunciados não têm sentido – Carnap dá o exemplo do conceito de Ser, que não
tem sentido, dado que nada lhe corresponde no plano da realidade e da experiência
– tendo Wittgenstein antecedido Carnap ao afirmar que as questões metafísicas são
inexprimíveis, ou seja, ultrapassam os limites da linguagem, concluindo que sobre o que
não podemos falar, devemos calar-nos. Só a linguagem científica tem sentido, porque é
a única que segue o princípio da verificação, sendo as outras linguagens – metafísica,
ética, estética ou religiosa – esvaziadas de significado, porque, nas palavras de Carnap
na sua obra Filosofa e Lógica Sintáctica, quando uma proposição não é traduzível em
proposições de carácter empírico, ela não é uma asserção e não diz nada, a não ser
uma série de palavras vazias; ela é simplesmente sem sentido.
Esta posição, que é conclusiva, final, para a generalidade dos positivistas lógicos,
torna-se para Wittgenstein num ponto de partida – um caso análogo ao que distingue
a dúvida céptica da dúvida metódica cartesiana: a primeira conclui negativamente a
investigação pela impossibilidade do conhecimento, enquanto a segunda é um ponto de
passagem que conduz a uma vertente positiva na procura do conhecimento. No Tratado-
Lógico-Filosófico aquilo que não se pode exprimir, dizer ou conduzir à linguagem pode
ser mostrado. As questões éticas e estéticas inscrevem-se neste campo do indizível,
mas mostrável; o que não se pode exprimir numa proposição pode ser mostrado.
Pode-se concluir que o Tratado, ou o “primeiro Wittenstein” já abre caminho para as
Investigações, ou para a sua última fase.
12
caminhos místicos de pensamento e sentimento.
13
eliminar) a autonomia da Filosofia, que ficaria, segundo eles, submetia aos ditames da
fé. Em contrapartida, a mesma submissão e perda de autonomia face à ciência, não só
não lhes causa qualquer objecção como até é saudada com entusiasmo. Ao contrário
de Wittgenstein, a generalidade dos positivistas e filósofos analíticos estava contente
com a sua condição de prisioneiro dos limites da linguagem e da metodologia científica,
transpostos por ele numa viragem anunciada no Tratado Lógio-Filosófico e consumada
nas Investigações Filosóficas.
Um novo paradigma da linguagem e do sentido emerge desta obra, que rompe com
a sua visão unidimensional, para a abordar no âmbito da pluralidade de jogos de
linguagem, sem limite de versões possíveis. Ao contrário da forma lógica da linguagem
científica, estes jogos de linguagem não seguem uma ordem imutável, não se pode
alcançar uma forma comum a todas as proposições ou forma geral da proposição, como
ainda pretendia, com as reservas já indicadas, no Tratado. Neste, visava-se a elaboração
de uma lógica da linguagem, que seria a única. Nas Investigações, a multiplicidade de
jogos de linguagem traduz a sua inerência a situações, contextos ou múltiplas formas
de vida, tornando assim a linguagem, não inerente a uma estrutura lógica, mas a usos,
actividades no âmbito das quais a linguagem se torna num instrumento. Ao abandonar
o paradigma neo-positivista de uma linguagem logicamente perfeita, a obra do último
Wittgenstein abre caminho a outras linguagens que podem exprimir a condição humana
no seu inacabamento, falibilidade, finitude, mas também perfectibilidade, possibilidade
de se transcender, relação com o infinito: as linguagens ética, estética, religiosa e
filosófica.
15
Referências bibliográficas
Obra apresentada:
Outras referências:
CARNAP, Rodolf (2004). The Logical Syntax of Language. London: The Free Press.
CARNAP, Rodolf (2008). The Logical Structure of the World. London: Routledge.
SOULEZ, A. (Org.) (1985). Manifeste du Cercle d Vienne et autres écrits. Paris: PUF.
16
Introdução1
Edwards (1972) faz uma apresentação muito bem estruturada das teorias do significado,
com enfoque nos aspectos centrais das teorias, o que nos possibilita uma compreensão
ampla de sua diversificação. Nessa apresentação, este autor indica, também, alguns
dos representantes dessas teorias e as respectivas obras para consulta.
Conforme ele aponta, existem três teorias do significado: a Teoria Ideacional, a Teoria
ao usar a expressão “para alguém”, e quer dizer “objecto” ao falar da coisa representada. O signo “cria na
mente (…) um signo equivalente ou talvez um algo mais desenvolvido” (Peirce, 1878/1975, p. 94). Para o
autor, a relação signo-objeto é arbitrariamente estabelecida. Peirce ponta o conteúdo do signo, consoante
o caso de este ser um ícone, um indicador ou um símbolo. Quando é um ícone, o conteúdo do signo, ou
o seu objecto concreto, é o ícone. Quando o signo é um indicador, seu objecto é um fragmento retirado do
objecto. E quando o signo é um símbolo, seu objecto é a relação emanada do objecto.
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Referencial e a Teoria S-R (estímulo-resposta). Adoptamos a sugestão de Edwards,
no sentido de analisar os aspectos centrais dessas teorias, a partir da consulta de
como os seus representantes concebem o “significado” em suas principais obras.
Assim, para atingirmos os objectivos propostos neste trabalho, consultámos alguns dos
representantes das três teorias do significado indicadas por Edwards: John Locke, da
Teoria Ideacional; Gottlob Frege e Bertrand Russell, da Teoria Referencial; Charles K.
Ogden e Ivor A. Richards, e Charles Osgood, da Teoria S-R. Incluímos, no trabalho, a
posição de Osgood (apesar de este não ser um filósofo de linguagem), por constituir uma
interpretação de natureza psicológica, dada a possibilidade de ampliar as discussões
filosóficas dos outros representantes, no âmbito da Teoria S-R.
A Teoria Ideacional
A Teoria Ideacional do significado, em sua versão clássica, está formulada na obra Essay
concerning human understanding (de 1689), do filósofo John Locke. Para esta teoria, o
significado é decorrente de ideias ou imagens mentais formadas a partir de cópias ou
quadros do mundo externo. Segundo Edwards (1972), a palavra ideia tem origem de
uma palavra grega cujo significado é ver. Ainda, conforme Edwards, Platão usou essa
palavra no sentido de aspecto visual ou boa aparência. E, tecnicamente, no sentido de
algo que é em contraste com algo que vai se tornar, ou algo fixo, em contraste com
algo que muda. Descartes usou-a com a conotação de imagem ou representação3, mas
3
Além da noção de “representação” ser tratada pelos representantes das teorias do significado, bem como por
Wittgenstein, como veremos neste trabalho, ela é discutida na semiótica, em particular, por Peirce. Este autor considera
a representação inserida à relação signo-objecto. A representação significa, para Peirce, “estar no lugar de…” (Peirce,
1878/1975, p. 114). Na nossa análise de Peirce, a representação é uma espécie de cópia mental do objecto, produzida
pelo signo na relação deste com o objecto. É subjectiva, porque diz respeito a algo, para alguém. Esta análise faz
sentido, pois Peirce diz que o objecto é representado na forma de ideias ou imagens e que o ato de representar é uma
interpretação.
Blackburn usa o termo “representacionalismo” ao invés de representacionismo. Representacionalismo é,
20
referindo-se a tudo que é pensado. Portanto, ideia seria o objecto da mente quando ela
pensa; o “conteúdo” do pensamento. A concepção do significado com base em ideias
ou imagens mentais é uma das mais antigas, remontando ao século XVII.
Versão de Locke
Locke (1978) postula que o uso dos sons (articulados), que formam as palavras, serve
para sinalizar as ideias enquanto concepções internas dos indivíduos4. As ideias são
vistas como uma realidade mental, circunscritas à mente “de quem as usa” (Locke,
1973, p. 229). As ideias constituem, para Locke, o pensamento. Elas são directamente
acessíveis somente a quem as possui e, aos outros, são acessíveis indirectamente,
em termos genéricos, segundo ele, a “doutrina que defende que a mente (ou, por vezes, o cérebro) opera
com representações das coisas e das propriedades das coisas que percebemos ou em que pensamos
(…)”. Ele prossegue dizendo que, na filosofia da percepção, essa doutrina tem tratado da representação
enquanto papel desempenhado pelas ideias: “O problema fundamental é o fato de a mente supor que
as ideias representam outras coisas, mas não ter acesso a elas a não ser pela formação de outra idéia;
a dificuldade é compreender como poderá a mente sair do mundo das representações, ou, em outras
palavras, como poderão as representações ser dirigidas para fora de si mesmas, adquirindo, deste modo,
um conteúdo genuíno.” (Blackburn, 1997, p. 343).
4
A posição de que as ideias são concepções internas dos indivíduos está presente também em Hume
(1980). Para ele, as ideias, ou pensamentos, são representações da memória e da imaginação. Em
resumo, o conteúdo do que é passível de conhecimento, segundo Hume, envolve as impressões e as ideias.
As impressões constituem-se de dados fornecidos pelos sentidos e podem ser internas (por exemplo, a
percepção de um estado de tristeza) e externas (a visão de uma paisagem: a audição de um ruído). As ideias
são representações de impressões internas, por meio da imaginação, e de impressões externas, por meio
da memória; são cópias e, por isso, impressões menos vivazes – em relação àquelas – das quais somos
conscientes quando reflectimos a respeito das sensações. Hume explica porque, nesse caso, impressões
são menos vivazes: é que o lembrar de ou o imaginar uma sensação não é tão intenso quanto a sensação
original. A imaginação é representação do objecto da sensação. Por vezes, diz Hume, a representação
ocorre tão vivamente que se supõe estar-se vendo ou sentindo o objecto. Embora Edwards (1972) não
insira Hume entre os teóricos do significado (talvez porque o seu pensamento não tenha sido voltado,
especificamente, para o significado), é conveniente a menção deste filósofo, uma vez que contribuiu para
as bases filosóficas segundo as quais as palavras têm significado por se referirem a factos concretos.
21
através do uso de palavras, pelas quais as ideias são representadas. O uso das palavras
tem uma constante conexão com as ideias representadas; isso implica que, em Locke,
o “significado” seja identificado com as ideias.
Para Locke, as palavras não somente têm relação com as ideias como também com
os factos. Ao postular a relação das palavras com os factos, Locke parece imprimir um
carácter objectivo ao significado, não obstante – como vimos – postular o seu carácter
abstracto (sua origem em ideias). Outro trecho de sua obra mostra isso:
(...) porque os homens não pensariam em falar simplesmente com base em suas próprias imaginações,
mas das coisas como realmente são; portanto, eles frequentemente supõem que as palavras significam
a realidade das coisas. (Locke, 1973, p. 230).
5
The use, then, of words, is to be sensible marks of ideas; and the ideas they stand for are their proper and
immediate signification.” (Locke, 1978, p. 235).
22
A Teoria Referencial
Defende Edwards (1972) que existem variações desta teoria, no que respeita à
concepção do significado de uma palavra: o facto de o significado ser identificado com
(a) aquilo a que a palavra se refere (o referente) ou identificado com (b) a relação
entre a palavra e seu referente. Edwards comenta que a primeira forma (a) da Teoria
Referencial, a identificação do significado com o referente, não se sustenta, uma vez
que duas expressões podem ter o mesmo referente, porém diferentes significados. Um
exemplo que elucida isso é citado como da autoria de Gotllob Frege (e que será usado de
novo posteriormente). O exemplo envolve as expressões “Estrela da Manhã” e “Estrela
da Tarde” que se referem à mesma entidade extralinguística – o planeta Vénus – mas
não possuem o mesmo significado.
Para Edwards, a segunda forma desta teoria (b) tem o mérito de focalizar o que é a
suposta relação entre uma palavra e o seu referente7. Apesar disso, esta versão da
Teoria Referencial é também problemática. Primeiramente, porque há muitas classes
de palavras, incluindo preposições e conjunções (cujo papel é compreendido no âmbito
da gramática) que não parecem relacionar-se individualmente com coisas ou aspectos
de coisas discrimináveis no mundo extralinguístico. É o caso de “e”, “se” ou “sobre”
(acerca de) que não possuem referência. Uma saída apontada pelos defensores desta
segunda forma (b) da Teoria Referencial é a explicação de que essas palavras não
6
Russell concebe os nomes próprios como tendo significado isoladamente: são palavras com significado
particular (Baker e Hacker, 1992).
7
Na segunda forma da Teoria Referencial, não há negação do referente para a concepção do significado
de uma palavra, pelo menos indirectamente; a sua aceitação é no sentido de fazer parte de uma relação
com a palavra para, a partir de tal relação, ser identificado o significado. Ou seja, o referente contribui
indirectamente para o entendimento do significado, em Frege, como assim analisamos.
23
têm significado enquanto palavras vistas isoladamente, mas que apenas modificam o
sentido de sentenças8 como um todo nas quais ocorrem. Este aspecto problemático da
Teoria Referencial sob esta vertente, entretanto, não a inviabiliza, mas torna-a relativa.
Versão de Frege
Para Frege, além de corresponder ao sinal aquilo que ele designa – o “objecto”, ou a
sua “referência”10–, corresponde-lhe também o seu sentido, ou seja, o “modo” pelo
qual o objecto é representado. O autor dá um exemplo de sinal, que é um nome próprio
genuíno, “ARISTÓTELES”, o qual pode ser apresentado, por exemplo, de dois (dentre
vários) modos ou maneiras diferentes, portanto, com dois diferentes sentidos, apesar
de uma mesma “referência” – “Aristóteles” filósofo. Os dois sentidos, no exemplo, são:
(1) “o discípulo de Platão e o mestre de Alexandre Magno”; (2) “Aristóteles nasceu em
Estagira”. Frege apenas apresenta estes dois exemplos, embora admita haver outros
diversos modos de apresentar o nome “ARISTÓTELES”. Temos, nos exemplos, uma
“referência” (“Aristóteles” filósofo) com duas variações de sentido, apesar de que –
conforme diz o autor – as variações de sentido, toleráveis nestes casos, “devam ser
evitadas na estrutura teórica de uma ciência normativa” (Frege, 1978, p. 63).
8
Buscaremos em Russel, adiante, informações que auxiliam o entendimento a respeito de “sentenças”
(também vistas como “proposições”).
9
O termo encontrado na tradução de Frege é mesmo “sinal”. Parece que o que Frege considera sinal
corresponde ao que Pierce denomina de “símbolo”, pois para Frege, o sinal pode ser, por exemplo, um
“nome”, e em Pierce, um “nome” é um exemplo de símbolo.
10
Frege, ao falar de “referência”, usa-a como sinónima de “referente”. No exemplo da lua, reproduzido mais
adiante, ele diz: “Alguém observa a lua através de um telescópio. Comparo a própria lua à referência; ela é
o objeto da observação (…)”. (Frege, 1978, p. 65-66).
24
Segundo Frege (1978), a um sinal corresponde um sentido determinado. A implicação
desta afirmação para o significado, na nossa interpretação, é a de que o significado
(do sinal) não deve ser buscado (directamente) no “objecto” ou referente/referência do
sinal, mas no modo pelo qual o sinal é apresentado (que é o seu “sentido”). Cabe esta
implicação se retomarmos os dois sentidos (significados) exemplificados para o sinal
“ARISTÓTELES”, expresso pelas duas formas – (1) “o discípulo de Platão e o mestre
de Alexandre Magno”, (2) “Aristóteles nasceu em Estagira”. Este sinal tem, portanto,
dois significados, mesmo possuindo uma mesma referência. Os dois significados são
identificados por Frege como os dois sentidos (as duas formas de apresentação do sinal
considerado).
Assim, pensamos que uma importante implicação para a análise que Frege faz sobre a
relação entre sinal, sentido e referência em questão é a possibilidade de separação (em
certos casos) entre sentido e referência, embora haja – como ele mesmo afirma – uma
correspondência muito estreita entre esses três elementos. Quais esses certos casos
em que caberia tal possibilidade, ou seja, em que ao sentido não corresponda nenhuma
referência? Ele exemplifica um caso, apresentando a expressão “o corpo celeste mais
distante da Terra” como possuindo um sentido, mas “muito duvidoso que também
tenha uma referência.” (Frege, 1978, p. 63).
Considerando que este autor admite que o sentido/significado é dado pelo contexto
(o que, segundo ele, permite diferenciar o tratamento dispensado à análise de uma
poesia, por exemplo, em relação a um texto científico), podemos, então, colocar as
seguintes questões: (1) Se um conjunto de palavras fosse apresentado na forma de
uma pergunta, a uma pessoa que tivesse conhecimento acerca da referência de tais
palavras, isso não faria supor estar-se indagando, portanto, por uma referência dada?
(2) Mesmo assim, não caberia esta referência? (3) E nos casos em que a um sentido
corresponde, de facto, uma referência, determinada, entendê-lo não seria assegurar-se
da referência? A resposta de Frege é negativa: “Entender-se um sentido nunca assegura
sua referência” (Frege, 1978, p. 63, itálico nosso).11
11
A posição de Ryle (1980) sobre o significado é similar à de Frege. Ryle usa uma frase para mostrar um
caso de inexistência de referência (relação entre a frase e um referente que a frase possa designar), não
obstante a frase ser significativa. Ele diz: “A frase o terceiro homem a atingir o topo do monte Everest não
pode, atualmente, ser utilizada para fazer referência a ninguém. Ainda não existe ninguém a quem ela se
aplique, e talvez jamais exista. No entanto ela é uma frase significativa (significant) (…). Ela significa algo,
mas não designa alguém” (Ryle, 1980, p. 57). A postura anti-referencial sobre o significado, também se
evidencia nesta afirmação de Ryle: “A utilização de uma expressão ou conceito que ela exprime é a função
25
Quando ele usa as expressões (os sentidos/significados): (1) “o discípulo de Platão e o
mestre de Alexandre Magno”; (2) “Aristóteles nasceu em Estagira”, para apresentar o
sinal “ARISTÓTELES”, não estaria, com essas expressões, designando o filósofo grego
Aristóteles, portanto, como o referente, e não um Aristóteles comum? Possivelmente.
E se estamos correctos, então, as duas formas de expressão do sinal “ARISTÓTELES”
são sentidos/significados desse sinal. E os dois sentidos desse sinal são sentidos
relacionados com o mesmo. Além de serem dois sentidos desse sinal, são também
relacionados com o referente “Aristóteles filósofo” designado por esse sinal. Logo, o
significado de um sinal, se não deve ser buscado num referente, mas sim na forma de
expressão do sinal, então só podemos entendê-lo pela interpretação de que devamos
relacionar o “significado” de um sinal indirectamente com o “referente” e directamente
com o “sentido” (modo de apresentação) do sinal, que designa esse referente (quando
exista).
Alguém observa a lua através de um telescópio. Comparo a própria lua à referência; ela é o objeto
da observação, proporcionado pela imagem real projectada pela lente no interior do telescópio, e
pela imagem retiniana do observador. A primeira comparo-a ao sentido, a segunda, à representação
ou intuição. A imagem no telescópio é, na verdade, unilateral; ela depende do ponto de vista da
observação; não obstante, ela é objetiva, na medida em que pode servir a vários observadores. Ela
poderia ser disposta de tal forma que vários observadores poderiam utilizá-la simultaneamente. Mas
cada um teria sua própria imagem retiniana. (Frege, 1978, p. 65-66, itálico nosso.)
(role) para cuja expressão ela é empregada, e não uma coisa, pessoa ou acontecimento qualquer que ela
supostamente representa (stand for)” (Ryle, 1980, p. 64).
Quine (1980) compartilha com Ryle e também com Frege, ao que parece, um mesmo ponto de vista sobre
a referência. Ao comentar sobre a referência e o significado, os quais ele diferencia, Quine interpreta o
porquê, como hipótese, de ambos terem sido relacionados um como o outro, pelas teorias do significado,
ou seja, o “fracasso” em apreciá-los como “coisas distintas” (Quine, 1980, p. 232). Este autor explicita
a sua posição anti-referencial sobre o significado ao apresentar um exemplo elucidativo de que o nomear
(um referente) não deve ser identificado com o significar. É o exemplo (usado por Frege) que recorre às
expressões “Estrela de Manhã” (ou “Matutina) e “Estrela da Tarde” (ou “Vespertina”) como duas formas
de nomear a mesma coisa (Vénus), porém diferentes quanto ao significado.
Strawson (1980) discute o significado, propondo que este não pode se identificado com a referência, nem
com uma ocasião particular de utilização da sentença ou expressão, nem com o objecto ao qual a sentença
ou expressão se refere, nem ainda com a asserção feita pela utilização da sentença ou expressão.
26
A “imagem real” da lua, diz Frege, é comparada ao “sentido”. Na tentativa de interpretar
o autor, dizemos que a imagem real relaciona-se à lua, mas não é a lua; ela é projectada,
e sendo projectada, a imagem é o modo pelo qual a lua é apresentada no telescópio.
Se a imagem fosse o objecto (o referente ou referência do sinal “lua”) então não haveria
diferença entre referência e sentido. Portanto, o sentido de um sinal, em Frege, não é
o próprio objecto que ele designa. O sentido é subjectivo (embora não completamente).
Usando o exemplo da lua, o sentido é subjectivo porque, em comparação, relaciona-se
com a “imagem” da lua projectada na lente do telescópio. Mas não é tão subjectivo,
ou seja, tem certa objectividade, no entendimento de não ser “uma parte ou modo da
mente individual”; pertence à humanidade e é “transmitido de uma geração para outra”
(Frege, 1978, p. 65, itálico nosso). Portanto, devido também ao seu carácter objectivo,
o sentido/significado não é algo privativo de um individuo em particular, mas pode ser
compartilhado.
Quando ao pensamento, Frege trata-o ao mencionar aquilo que ele chama de sentenças
assertivas completas, ou seja, aquelas que se caracterizam por serem afirmativas
ou constituírem uma asserção. Essas sentenças têm um conteúdo objectivo – o seu
pensamento – que é dado pelo sentido da sentença. Segundo Frege, a mudança numa
sentença, que se traduz pela substituição de uma palavra por outra com a mesma
referência, embora sentido diferente, não afectará a referência da sentença, a despeito
de produzir mudança no “pensamento”. Vemos, assim, que pensamento e sentido estão
inter-relacionados. O pensamento (sentido) “não pode ser a referência da sentença”.
(Frege, 1978, p. 67). Com esta afirmação, Frege sublinha a relação pensamento-sentido
como não identificada com a referência.
27
A título de demonstração, reproduzimos a menção que Frege faz de duas sentenças
com uma mesma referência e sentidos diversos, ilustrando como o pensamento diverge
da referência: “O pensamento da sentença ‘a Estrela da Manhã é um corpo iluminado
pelo sol’ é diferente do da sentença ‘a Estrela da Tarde é um corpo iluminado pelo sol’.
Se fica claro que as duas sentenças têm dois sentidos/significados diferentes (conforme
vimos em relação aos exemplos apresentados), não podemos dizer o mesmo quanto ao
pensamento dessas sentenças, isto é, ao fato de ele ser diferente nas duas sentenças.
O pensamento de uma difere do da outra porque nas duas sentenças há dois sentidos
diferentes? Quanto à referência, cabe-nos admitir que, embora Frege, ao mencionar a
referência, diga “referência da sentença”, ele não está, a rigor, querendo dizer que a
referência esteja, de facto, contida na sentença, ao contrário do sentido (significado) da
sentença (Frege, 1987, p. 67)12.
De acordo com Frege, podemos admitir sentenças com sentido (pensamento) em seu
todo ou em parte, mas sem “nenhuma referência”, sendo exemplos desta espécie as
sentenças que contêm nomes próprios sem referência. Em tais sentenças, apenas o
sentido é o que basta, diz o autor. Mas indagamos pela referência de uma sentença – e
não somente por seu pensamento/sentido – quando nos interessamos pelo fato de
a sentença ser “verdadeira ou falsa”, pelo seu “valor de verdade”. Quando a isso, o
autor diz: “É, pois, a busca da verdade, onde quer que seja, o que nos dirige do sentido
para a referência.” (Frege, 1978, p. 68-69, itálico nosso). O autor caracteriza a busca
da referência de uma sentença (e não o contentar-se com apenas o seu pensamento)
como um procedimento de natureza científica, diferente de uma postura artística. Ao
assumirmos uma postura artística, como é o caso de lidarmos com uma poesia, por
exemplo, ignoramos a referência. A esse respeito, ele assim se pronuncia:
Ao ouvir um poema épico (…) além da euforia da linguagem, estamos interessados apenas no sentido
das sentenças e nas representações e sentimentos que este sentido evoca. A questão da verdade nos
faria abandonar o encanto estético por uma atitude de investigação científica. (Frege, 1978, p. 68,
itálico nosso).
12
Ryle tem posição uma similar à de Frege quando à concepção de significado, embora este autor prefira
usar a palavra “sentido” para aquilo que se diz ser o “significado”. E notemos que o termo “significado”,
em Ryle, é traduzido para o português como “significação”. Ryle afirma: “Posso utilizar as duas frases
descritivas: A Estrela Matutina e a Estrela Vespertina como maneiras diferentes de fazer referência a Vênus.
Mas é bem evidente que as duas frases são diferentes em significação.” (Ryle, 1980, p. 56-57).
28
Portanto, segundo Frege, a investigação do valor de verdade de uma sentença, ou seja,
a sua referência, significa a adopção de uma atitude científica. O critério de verdade
indica-nos ser um instrumento útil para diferenciar o significado de expressão ou de
textos de natureza científica relativamente ao significado de expressões ou textos não
científicos (artísticos, por exemplo). Talvez possamos concluir com Frege que a busca
pelo valor de verdade de uma sentença implica a busca do carácter verdadeiro ou falso
de toda a sentença, com base na sua referência. E o que dá suporte à referência de uma
sentença, pelo que entendemos desde autor, é algo concreto: é “a circunstância de ela
(a sentença) ser verdadeira ou falsa” (Frege, 1978, p. 69, itálico nosso).
Em Frege, o que está mesmo implicado no significado de uma palavra ou uma expressão
é o seu sentido ou modo pelo qual a palavra/expressão é usada para a apresentação
de um referente. Quando ele trata dessas noções e da representação, é provável, ao
que nos parece, que o faça considerando-as em conjunto, na tentativa de mostrar que
tais noções estão implicadas em seu todo, quando uma pessoa se relaciona com a
realidade, pelo uso das palavras.
Versão de Russell
13
O pensamento de Russel poderia, à primeira vista, ser enquadrado na Teoria Ideacional do significado,
visto que, para ele, as ideias são tomadas como tendo relação como o significado. Isso não é correcto,
porém, porque este autor considera outros aspectos relacionados com o significado.
29
a sua concepção de significado implicada na noção de símbolo14. Segundo Baker e
Haker (1992), para Russell, o significado das palavras (de todas as palavras), não é
intrínseco a elas próprias, mas é dado por aquilo que representam, enquanto símbolos.
O “símbolo”, segundo Baker e Hacker, é “alguma coisa que ‘significa’ alguma outra
coisa” (Baker e Haker, 1992, p. 60). Vejamos, a seguir, três aspectos relacionados com
o significado, em Russell: as ideias, os factos e as proposições/sentenças.
Russell, de acordo com Baker e Haker (1992), considera as ideias como sendo o
conteúdo das palavras e de outros símbolos. Mesmo concebendo serem as ideias o
conteúdo de representação das palavras, Russell, ao contrário de Locke, por exemplo,
não parece, entretanto, enfatizá-las como implicação para o significado, pois, conforme
Baker e Haker (1992), Russell sustenta a tese de que todas as ideias derivam, em
última instância, da experiência (do contacto com a realidade).
Além do elemento coisa, Russel atrela à categoria de referente aquilo que ele denomina
facto. E ele entende o facto como uma “espécie de coisa que torna verdadeira ou falsa
uma proposição” (Baker e Haker, 1992, p. 57, itálico nosso). Essa “espécie de coisa”
quer dizer, nesse sentido, as circunstâncias que dão sustentação para a veracidade ou
falsidade de uma proposição. Em relação a isso, Russell (citado por Baker e Haker,
1992, p. 57) afirma:
Se digo ‘está chovendo’, o que digo é verdadeiro numa certa condição do tempo e é falso em outras
condições do tempo. A condição do tempo que torna verdadeiro (ou falso, dependendo de qual possa
ser o caso) meu enunciado, é o que chamarei um ‘fato’. (itálico nosso).
A afirmação de Russell expressa que ele vê o facto como definido pela sua objectividade
ou, na leitura de Baker e Haker (1992), como tendo sua existência no mundo objectivo.
Também, Russell o vê como podendo ser definido ostensivamente: “Tudo o que existe
14
Em Russell há um tratamento do “símbolo” que corresponde ao do “signo” em Osgood, como veremos.
30
no mundo chamo-o ‘um fato’” (Russell, 1948/1959, p. 197, itálico nosso)15. Em outro
trecho da mesma obra, tal objectividade mantém-se clara, na especificação do que é um
facto. Ele diz: “Significo com ‘fato’ algo que está aí, independentemente de que alguém
creia ou não.” (Russell, 1948/1959, p. 198, itálico nosso)16. Para o autor, o Sol é um
facto; ao sentirmos dor, a dor é um facto.
Um facto, para Russell (citado por Baker & Haker, 1992), pode ser verdadeiro ou falso.
Veremos em que consiste a veracidade (e, por exclusão, a falsidade) de um facto,
ao relacionarmos, mais adiante, o facto com a sentença. Ainda, para Russell, facto
é expressão de propriedade e de relação entre coisas: “Expressamos um fato, por
exemplo, quando dizemos que uma certa coisa tem uma determinada propriedade, ou
que tenha uma certa relação com outra coisa. (Baker e Haker, 1992, p. 57).
Pelo que entendemos de Russel, o significado tem uma dimensão que consideramos
concreta, mesmo quando este autor o relaciona às ideias, pois, para ele, as ideias
derivam, em última instância, da experiência. Além disso, a dimensão concreta do
significado, em Russell, é evidenciada no facto de ele usar uma categoria de palavra, na
análise da linguagem, denominada “palavras-objecto”, isto é, “todas aquelas palavras
que uma criança aprende primeiro” e “que podem ser usadas isoladamente”. São:
“nomes próprios, nomes-classes de espécies familiares de animais, nomes de cores,
e assim por diante” (Russell, 1966/1978, p. 27). As “palavras-objecto” também
são denominadas “palavras indicativas” (Russell, 1948/1959). Para este autor, as
15
“Todo lo que existe en el mundo lo llamo ‘un hecho’” (Russell, 1948/1959, p. 197). Skinner (1986, p.
121) parece emprestar a definição de “facto”, de Russell, ao propô-lo como “uma afirmação acerca do
mundo”.
16
“Significo com ‘hecho’ algo que está ahí, independemente de lo que alguien crea o no” (Russell,
1948/1959, p. 198).
17
Quine relaciona proposição com sentença nos termos de que, segundo ele, uma proposição “é o
significado de uma sentença.” (Quine, 1980, p. 201).
31
“palavras-objecto” “não pressupõem outras”; também, podem expressar “cada uma
por si mesma”, uma proposição completa. Ele exemplifica: se alguém exclama “fogo!”,
é dispensável, por ser “sem sentido”, exclamar “do que!” (Russell, 1966/1978, p. 27-
28, itálico nosso). O significado de tais palavras “não depende de sua ocorrência em
sentenças”, é (ou pode ser) aprendido “por confronto com os objectos que são o que
elas significam, ou instâncias do que significam” (Russell, 1966/1978, p. 30, itálico
nosso).
18
Strawson (1980) critica a concepção de significado apresentada por Russell – como estando relacionada
com a referência: “A origem do erro cometido por Russell encontra-se em que ele pensou que fazer
referência ou mencionar – a supor que isso tenha de fato ocorrido – deve ser significar (must be meaning).
Russell (…) confundiu significar com mencionar, como fazer referência. Se eu falo a respeito do meu lenço,
posso, talvez, tirar do meu bolso o objeto a que estou fazendo referência. Mas não posso tirar do bolso a
significação da expressão ‘o meu lenço’. Por ter confundido significar com mencionar, Russell pensou que, se
existissem quaisquer expressões que tivessem uma utilização referencial individualizante (…), a significação
dessas expressões deve ser o objeto particular a que se faz referência ao utilizá-las.” (Strawson, 1980, p.
267). Devemos ressalvar que Strawson não se opõe ao facto – assente na verbalização de Russell, de que
as pessoas possam referir-se a coisas particulares por meio da utilização de expressões. Ele é, entretanto,
contrário a que a referência às coisas seja tomada como o significado: “As pessoas utilizam as expressões
para fazer referência a coisas particulares. A significação de uma expressão, contudo, não é o conjunto de
coisas particular a que se pode fazer referência ao utilizar corretamente a expressão.” (Strawson, 1980,
p. 267). Para este autor, o significado é, então, identificado com as variáveis que determinam a utilização
correcta de uma dada expressão, mediante a qual se faz referência a algo. Essas variáveis constituem o
“conjunto de regras, hábitos e convenções.” (Strawson, 1980, p. 267).
32
A Teoria S-R
Outro aspecto relativo ao significado tem a ver com as ideias e estas, por sua vez,
19
A posição de Ogden e Richards sobre o significado, que é inserida na Teoria S-R, não nos parece estar
distanciada da Teoria Referencial, a não ser no que respeita ao modo como eles consideram o referente,
isto é, não como uma relação, mas um estado de coisas.
20
“Words, as everyone now, ‘mean’ nothing by themselves, although the belief that they did” (Ogden e
Richards, 1938/1985, p. 10).
21
“It is only when a thinker makes use of them that they stand for anything, or (…), have ‘meaning’” (Ogden
e Richards, 1938/1985, p. 10).
33
estão relacionadas com a representação. Para Ogden e Richards, as ideias das coisas
surgem num leitor em função da ocorrência das palavras pelas quais as coisas são
chamadas. As ideias das coisas são representação destas, constituem-se a posteriori
e são o significado das palavras, em virtude de serem usadas para nomear as coisas.
Estes autores dão um exemplo – a formação da ideia de “verde”: “Ela surge no leitor
(…) através da ocorrência da palavra ‘verde’” (Ogden e Richards, 1938/1985, p. 70)22.
Mas o surgimento das ideias das coisas, via ocorrência das palavras que as designam,
dá-se pelo facto de as palavras terem sido, em muitas ocasiões, acompanhadas da
apresentação de coisas cujas qualidades ou propriedades constituem tais ideias.
O Símbolo e o Referente (…) não estão diretamente associados (e quando, por razões gramaticais,
inferimos desta forma uma relação, será meramente atribuída, como oposta a uma relação verdadeira).
(Ogden e Richards, 1938/1985, p. 12-13, itálico nosso).30
do cachorro: este é exposto, numa ocasião particular, ao som de gongo, acompanhado de um odor.
Em decorrência do facto de o organismo ter tido experiência no passado de exposição a sons de gongo
juntamente com odores, esse som do gongo, no presente, passa a ter uma relação particular com gongos
e odores do passado.
28
“Our interpretation of any sign is (…) determined by our past experience in similar situations, and by our
present.” (Ogden e Richards, 1938/1985, p. 244).
29
Constitui o “contexto psicológico” (no qual a resposta de interpretação é apresentada), o contexto em
que os eventos externos ocorrem associados entre si (por exemplo, o som e o odor) e relacionados com
sensações do organismo (o ouvir o som e o sentir o odor).
30
“Symbol and Referent (…) are not connected directly (and when, for grammatical reasons, we imply such
a relation, it will merely be an imputed, as opposed to a real relation).” (Ogden e Richards, 1938/1985, p.
12-13).
35
Versão de Osgood
Antes de discutir sobre o objecto com o qual o signo se relaciona, este autor comenta
em sua obra Curso superior de psicologia experimental: método y teoria (Osgood, 1971)
os obstáculos à objectividade do estudo da linguagem, presentes, por um lado, na
concepção dualista sobre a mesma, ou seja, na postura de dividir o universo em físico
e mental, e, por outro lado, na tendência a reificar ou coisificar a palavra. Tal tendência
tem como implicação supor que a palavra tenha em si significado próprio e que o
significado seja uma entidade real. Osgood explicita essa tendência, dizendo: “A criança
produz ao acaso o ruído ‘ma-ma’ e a mãe exclama comovida: ‘veja, já me conhece’. A
palavra é produzida e, portanto, a criança deve ter a ideia correspondente à mesma.”
(Osgood, 1971, p. 907).31
37
a como ocorre a relação entre os signos e seus objectos, e consequente implicação
para o significado. Uma posição é “mentalista” ou idealista; outra baseia-se na “teoria
de substituição” (de estímulo); e uma terceira posição propõe um processo baseado na
noção de “disposição”.
Segundo Osgood (1971), Morris35 propôs a disposição como um aspecto que faz
parte do processo de formação do signo. A disposição é demostrada como resposta
a um dado signo. A proposta de Morris defende que qualquer estrutura de estímulo,
34
“La respuesta al estímulo condicionado rara vez, o nunca, es identica a la respuesta al estímulo
incondicionado.” (Osgood, 1971, p. 923).
35
C. W. Morris, para Osgood (1971), foi um filósofo de orientação behaviorista. A referência, a que não
tivemos acesso, na qual Osgood localiza a noção de “disposição” para a explicação do processo de
formação do signo é: Morris, C.W. Foundations of the theory of signs. Int, Encyl. Unif. Sci, v. 1, p. 63-75,
1938.
38
que não seja um objecto, se converte em signo do objecto se produz no organismo
uma “disposição” para produzir alguma das respostas previamente provocadas pelo
objecto. A palavra “MARTELO” funciona como um signo do objecto “martelo” para
uma pessoa se provoca nela uma “disposição” para responder das mesmas maneiras
pelas quais o fez previamente ao próprio objecto. Nessa proposta, os signos alcançam
o seu significado ao provocar reacções que “levam em conta” os objectos significados.
Diz Osgood: “O signo MARTELO pode provocar respostas diferentes das que o objeto
provocaria, mas devem ter o caráter de ser pertinentes ao objeto.” (Osgood, 1971, p.
923, itálico nosso).36
Mas este autor apresenta uma ressalva que indica ser sua crítica relativa: “(…) nem todas
as conexões estímulo-resposta conferem propriedades de signo aos estímulos que as
provocam.” (Osgood, 1971, p. 926, itálico nosso).39 Ao dizer “nem todas” (as conexões),
Osgood abre uma brecha para admitir aquelas conexões estímulo-resposta em que os
estímulos se tornam signos. De igual modo, ao assumir que é preciso distinguir, embora
seja difícil, as condições em que uma dada estrutura de estímulo é um signo de alguma
coisa, daquelas condições em que não é. Ele sustenta que se todos os processos de
formação do signo têm que ser aprendidos, as conexões estímulo-resposta conferem
propriedades de signos aos estímulos que as provocam. Assim, ele sugere que se
descubra alguma distinção razoável dentro da classe dos comportamentos aprendidos
para se verificar quais conexões estímulo-resposta são indicativas da formação do signo-
significado. Com esse intuito, Osgood faz referência a alguns estudos voltados ao treino
do significado baseado no condicionamento reflexo, que apresentaremos mais adiante.
Também, ao exemplificar comportamentos controlados por signos em humanos. Eis
um deles:
Quando um ser humano ouve outro dizer, ‘traz-me o martelo, por favor’, e responde convenientemente
indo buscar esse objecto, não há dúvida de que ‘martelo’, como estrutura de estímulos auditivos, está
funcionando como signo. (Osgood, 1971, p. 926, itálico nosso).40
Neste exemplo, entendemos que procurar o objecto martelo, e não outro, é a resposta
controlada pelo signo “martelo” e, assim, um (o signo) corresponde ao outro (o objecto),
sinalizando-o. A sinalização de objecto ou eventos está presente em outro exemplo de
comportamento governado por signo:
38
“(…) los estímulos podem ser condicionados a recciones sin que, simultaneamente, se convertam en
signos.” (Osgood, 1971, p. 926).
39
“(…) no todas las conexones estímulo-respuesta confierem propriedades de signo a los estímulos que las
provocan…” (Osgood, 1971, p. 926).
40
“Cuando un humano oye decir a outro, ‘tráeme el martillo, por favor’, y responde convenientemente
yéndose a buscar esse objeto, no cabe duda de que ‘martillo’, como estrutura de estímulos auditivos, está
funcionando como signo.” (Osgood, 1971, p. 926).
40
O professor vai até a porta de sua casa numa manhã e, ao avistar o céu vê nuvens escuras carregadas
de chuva; entra em sua casa de novo e pega (…) o guarda-chuva antes se dirigir à Universidade (…).
A resposta às nuvens como estímulos têm a ver, de novo, com alguma outra coisa, e podemos dizer
legitimante de que as nuvens significam chuva. (Osgood, 1971, p. 926, itálico nosso).41
Para Osgood, o que está envolvido nos dois exemplos, como algo que explica serem
os comportamentos considerados provocados por signos, é aquilo a que denomina
de processo de mediação de representação em associação com o estímulo, em cada
caso. Este processo é traduzido em respostas implícitas não facilmente observáveis.
No primeiro exemplo, a resposta implícita seria o “estremecimento” antecipatório do
professor quando mira nuvens escuras (resposta associada com evento “chuva” do qual
as nuvens escuras constituem signo) ao entender o “significado” de nuvens escuras.
No segundo exemplo, a resposta implícita seria a pessoa “dar golpes” antecipatórios
com o martelo quando ela entende o ”significado” da palavra “MARTELO” que é o
signo do objecto martelo. Em ambos os casos, as respostas são produzidas pelos
signos, têm relação com os objectos aos quais os signos dizem respeito e antecipam
o comportamento dirigido a um e ao outro objecto, consoante o caso. O processo
implícito é também referido no exemplo anterior aos dois já considerados: no caso de
a criança procurar um gato pequeno em resposta à pergunta “Onde está o gatinho?”.
Afirma Osgood: “O comportamento da criança está aparentemente organizado e dirigido
por algum processo implícito iniciado pela palavra [gatinho]”. (Osgood, 1971, p. 920,
itálico nosso; palavra entre colchetes acrescentada).42
Fazem parte desse processo respostas implícitas, como, por exemplo, a criança repetir
“Onde está o gatinho?” ocorrendo enquanto têm lugar as respostas dirigidas ao objecto,
por exemplo, o procurar o animal.
41
“El professor sale a la puerta de su casa una mañana y, al levantar la vista al cielo ve nubes oscuras
cargadas de lluvia; se mete de nuevo a su casa y se arma de (…) paraguas antes de dirigirse a la universidad
(…). La respuesta hecha a ello como estímulo tiene que ver, de nuevo, com alguma outra cosa, y podemos
decir legitimamente que las nubes oscuras significan lluvia.” (Osgood, 1971, p. 926).
42
“La conduta del niño está aparentemente organizada y dirigida por algun processo implícito iniciado por
la palavra.” (Osgood, 1971, p. 920).
41
de certos signos a determinados objectos). O que indica isso é que as palavras, segundo
Osgood, produzem alguma cópia de conduta real relativa a essas coisas. “Esta é a
identificação decisiva, o mecanismo que liga os signos ao objectos-estímulo particulares
e não a outros.” (Osgood, 1971, p. 927, itálico nosso)43. Para que o signo exerça a sua
função de representação é necessário que o processo de mediação inclua parte do
mesmo comportamento produzido pelo objecto. A proposta é uma tentativa do autor
no sentido de interpretar o conceito de “disposição” usado por Morris, explicitando o
que pode estar implícito nesse termo e, assim, solucionar o problema que o mesmo
acarreta.
Outro conjunto de estudos, ainda, visou verificar o papel de atitudes perante signos,
em função de contextos verbais internos e externos. Para Osgood, o responder a signos
pode depender da verbalização implícita produzida, o que implica o significar, nesse
caso, como uma atitude frente ao signo dependente de “contexto verbal interno”
(Osgood, 1971, p. 966). O autor exemplifica isso a partir da citação de um estudo de
Foley e Macmillan (1943)46 no qual ficou demonstrado que os sujeitos usados num
grupo experimental (estudantes de medicina e direito) conferiam uma interpretação
profissional consistente às palavras-estímulo que eram relacionadas à sua profissão
(o que aumentava consoante a quantidade de palavras às quais eles eram expostos),
em relação à interpretação profissional inconsistente conferida pelos sujeito do grupo
de controle (estudantes de escolas não profissionais). Poderíamos então concluir do
estudo que as palavra-estímulo, por terem sido relacionadas à profissão dos sujeitos
experimentais, passando a lhes ser familiares como signos, constituíam um contexto
45
Stagner, R.; Osgood, C. E. Impact of war on a nationalistic frame of reference: I. Changes in general
approval and qualitative patterning of certain stereotypes. J. Soc. Psyhol., v. 24, p. 198-215, 1946.
46
Foley, I. P.;MacLillan, L. L. Mediated generalization and the interpretation of verbal behavior: V. Free
association as related to differences in professional training. J. Exp. Psychology, v. 33, p. 299-310, 1943.
Não consultamos as referências citadas nesta e na nota anterior.
43
verbal interno propício para um responder positivo. Isso ficou evidenciado pelos dados
desse grupo, contrastantes com os dos sujeitos controle.
A atitude (verbal) frente ao signo também pode estar relacionada ao “contexto verbal
externo”, importante, por seu lado, para a determinação do significado dos signos.
Osgood (1971) relata um estudo no qual ele participou (Howes e Osgood, 1953)47 com
três grupos de sujeitos que foram expostos a três palavras-estímulo (que assinalamos
em itálico) associadas com uma palavra que indicava um mesmo contexto (que
assinalamos em letras maiúsculas). No primeiro grupo, as palavras eram muito
semelhantes entre si (sinistro, demónio, mal - OBSCURIDADE); no segundo grupo, foi
usada uma palavra neutra (a primeira palavra em letras minúsculas, sem itálico, para
sua identificação), distinta das demais (comer, demónio, mal - OBSCURIDADE); no
terceiro grupo, havia outras duas palavras diversas em relação às demais – ambas sem
itálico, para sua identificação (comer, fundamental, mal - OBSCURIDADE); no quarto
grupo, de controle, não foi usada nenhuma das palavras influentes. O autor relata ter
verificado uma crescente associação entre a palavra-contexto e as palavras que se
relacionavam à mesma, e uma diminuição da associação entre a palavra-contexto e as
que se diferenciavam dela. Estes resultados, segundo o autor, confirmam a noção de
que o significado de uma palavra torna-se mais específico em virtude do seu contexto.
47
Não foi possível acesso a este estudo. Osgood (1971) menciona-o na “biblografia” da obra, como Wowes,
D. H.; Osgood, C. E. On the combination of associative probabilities in linguistic contexts.
44
Resumo
45
Aspectos em comum
Mesmo que cada uma das teorias seja específica quanto à concepção do significado,
podemos apontar pontos que apresentam em comum.
Um ponto é relativo às ideias, consideradas por Locke (Teoria Ideacional) e por Russell
(Teoria Referencial). O facto de estes autores considerarem as “ideias” em sua
discussão do significado constitui um aspecto que liga as teorias das quais eles são
representantes, não obstante Locke, diferentemente de Russell, enfatizar o papel das
ideias na representação da realidade concreta.
Outro ponto é relação símbolo-referente, que liga a teoria Referencial à Teoria S-R. Tanto
numa quanto na outra teoria, a relação símbolo-referente é tomada para a interpretação
do significado, mas na Teoria Referencial, ela é defendida como central, na medida em
que é usada para explicar o processo de formação do significado.
48
A “ideia”, enquanto “conteúdo” de representação, é considerada, do ponto de vista linguístico de
Saussure (1915/1999), como sendo o papel desempenhado pelo “significante” do “signo”.
46
O significado em Wittgenstein
Outra forma pela qual se dá o uso das palavras está voltada à aprendizagem social de
expressão de sensações (por meio de exclamações ou de sentenças). O autor explicita,
com um exemplo, como pode mudar a aprendizagem de uma determinada forma de
expressar sensações, gerando uma forma de expressá-las. O exemplo é: “Uma criança
se cortou e chora; e então pessoas adultas falam com ela e lhe ensinam exclamações
e, mais tarde, sentenças.” (Wittgenstein, 1953/1992, 244, p.89e).54
Outra forma, ainda, é o uso da nomeação de, por exemplo, coisas ou objectos. Por
essa forma, uma pessoa, na sua interacção com uma coisa ou objecto, usa nomes
para designar a coisa ou o objecto, ou para expressar a impressão que lhe é causada
pelas diversas propriedades da coisa/objecto. Para ilustrar isso, Wittgenstein faz uma
afirmação, em referência, por exemplo, à propriedade cor cuja impressão produz, em
quem se relaciona com ela, a sua nomeação: “(…) pelo menos não significamos algo
completamente preciso quando olhamos em direção a uma cor e nomeamos a nossa
impressão da cor?” (Wittgenstein, 1953/1992, 27, p. 96e. itálico do autor).55
interpretação de Wittgenstein, Lampreia (1992) menciona esse papel das regras de linguagem, isto é, o de
prescreverem o uso das palavras.
57
“Suppose I said ‘a b c d’ and meant: the weather is fine (…), - Does ‘a b c d’ now mean: the weather is
fine?” (Wittgenstein, 1953/1992, 509, p. 140e).
58
Willard Day assume que o significado é arbitrariamente atribuído, ou seja, no sentido de ser expresso
publicamente. Day (1992) transcreve uma citação de Pole (1958), da obra (que não consultámos), The
later philosophy of Wittgenstein, London: Athlone Press, em que este diz que mesmo a expressão, através
da linguagem, de experiências privadas, na verdade, é a expressão ampla de linguagem pública, aprendida
em contextos sociais.
50
uso correto de expressões” (Lampreia, 1992, p. 290). O carácter social das regras
gramaticais – conforme a interpretação de Wittgenstein por Tourinho (1994) – evidencia
que as condições que regulam o uso das palavras têm uma natureza pública. Assim, o
significado está relacionado com essas condições que são públicas.
Lampreia (1992, p. 273-274) apresenta os seguintes aspectos que indicam a visão anti-
representacional de linguagem, em Wittgenstein: (1) a ideia de que a representação,
no sentido de “substituição da coisa representada, é ilusória”; (2) a afirmação de
que o que determina as representações não é “nenhum aspecto da natureza – nem
a (…) natureza biológica, nem mesmo a natureza do ‘mundo externo’ mas as regras
normativas da (…) linguagem (…)”; (3) a concepção de mundo sendo constituída por
meio de todo o “sistema de crenças, toda a ‘mitologia’ da cultura à qual o indivíduo
pertence”. Lampreia prossegue, explicitando esse anti-representacionismo, ou seja,
caracterizando a concepção própria de Wittgenstein sobre representação. A autora diz
que essa concepção de representação implica relação entre “mundo”, “realidade”,
“pensamento” e “linguagem”, no sentido que aqueles não são independentes desta.
Havendo essa representação, logo o que é representado não independe da forma
como é representado, o que implica em sua não-reificação. “Com isto, desaparece a
reificação já que não se pode falar de uma coisa – em si – independente da forma como
a representamos (…)”.
Ele [Wittegnstein] procurou combater a visão tradicional segundo a qual as palavras representam ou
substituem uma referência e as sentenças descrevem um estado de coisas. Mas isso não significa que
ele negue que as palavras possam ser usadas para representar uma referência e que as sentenças
possam ser usadas para descrever um estado de coisas. O que está em questão é o que determina
a representação e a descrição. Para Wittegenstein, não é a referência mas todos os pressupostos
envolvidos na prática de usar palavras e sentenças. (Lampreia, 1992, p. 281).
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uma dada cultura) que, para Wittegenstein, determinam o significado. Afirma Lampreia
(1992, p. 284): “(…) para se compreender o significado de uma verbalização é
necessário conhecer o padrão de atividade dentro do qual ela está inserida.” Wittegnstein
(1953/1992) apresenta um exemplo desse padrão: trata-se de uma situação que
envolve um construtor (A), seu assistente (B) e diferentes blocos, pilares, lajes e vigas de
construção. “A” solicita blocos e os outros materiais a “B”, à medida que precisa deles,
nomeando-os, e “B” os traz para “A”, como assim aprendeu a fazer a cada solicitação.
No exemplo, está indicada a nomeação, a qual, segundo Lampreia, poderia ser vista
como uma descrição do objecto, mas tendo também outros usos, como um pedido ou
uma ordem. Em outras palavras: Wittegenstein, conforme Lampreia (1992, p. 285),
considera que “nem toda a verbalização representa e descreve”. E essa consideração não
implica negação, por este filósofo, da possibilidade de representação, mas ressalvando
a concepção que ele tem de representação, como indicámos anteriormente.
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Conclusões
Para a consecução do segundo objectivo, essa análise foi também importante, por ter-nos
possibilitado verificar que as teorias do significado, não obstante se apresentarem em
versões diversas, possuem aspectos comuns pelos quais podem ser inter-relacionadas.
Como aspectos comuns, apontámos a concepção a respeito de “ideias”, o tratamento
à relação “símbolo-referente” e à noção de “representação”.
Além disso, o presente trabalho contribui para situar as versões teóricas, na Filosofia da
Linguagem, em que a “referência” e o “significado” são analisados, como uma possível
solução para a omissão que se verifica em Skinner quando discute essas noções,
ao usar a expressão “teorias do significado”, sem as especificar. Quanto à noção de
“significado”, em particular, este trabalho contribui para mostrar que a mesma tem um
tratamento que revela posições diversas, reflectindo as versões teóricas dos autores
consultados. Também, contribui de maneira muito específica, para mostrar que o
“significado”, em Wittgenstein, é identificado com as condições expressas nas regras
para o uso de palavras e expressões.
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de forma homogénea, na Filosofia da Linguagem, isto é, omitindo o facto de elas serem
peculiares, se considerarmos as versões específicas dos representantes de cada teoria
que nós discutimos.
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Referências bibliográficas
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Nota sobre o autor
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