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UNIVERSIDADE DE CABO VERDE

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Pró-Reitor para a Graduação, Desenvolvimento Curricular e Qualidade


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Administradora-Geral: Elizabeth Coutinho


A REFERÊNCIA E O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS
NA FILOSOFIA DA LINGUAGEM:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Marcelo Quintino Galvão Baptista

Praia, Cabo Verde - 2013


Ficha Técnica

Título
A referência e o significado das palavras na Filosofia da Linguagem:
Algumas considerações

Copyright©
Marcelo Quintino Galvão Baptista / Universidade de Cabo Verde

Colecção Aula Magna


Vol. 4

ISBN
978-989-97833-7-9

Coordenação Editorial
Márcia Souto

Capa, Layout e Paginação


Edson Carvalho
Web Design / Development
Email: joemidia@gmail.com

Edições Uni-CV
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Praia, Setembro de 2013


Colecção Aula Magna

A Colecção Aula Magna tem como objectivo criar, no âmbito das Edições Uni-CV,
um segmento que reúna obras que discutam questões relacionadas à educação, ao
processo ensino-aprendizagem e que veiculem estudos relevantes para a prática e a
reflexão docente em todos os níveis: básico, secundário e superior.

Com a Colecção Aula Magna, a Universidade de Cabo Verde apresenta sua contribuição
na difusão dos resultados de investigações científicas ao mesmo tempo em que promove
e incentiva a realização de pesquisas na área educacional.
Índice

Apresentação.......................................................................................................... 7

Introdução............................................................................................................ 17

A Teoria Ideacional ............................................................................................... 20


Versão de Locke .............................................................................................. 21

A Teoria Referencial............................................................................................... 23
Versão de Frege .............................................................................................. 24
Versão de Russell............................................................................................. 29

A Teoria S-R.......................................................................................................... 33
Versão de Ogden e Richards............................................................................. 33
Versão de Osgood............................................................................................ 36

Resumo................................................................................................................ 45
Aspectos em comum ...................................................................................... 46
O significado em Wittgenstein.......................................................................... 47

Conclusões........................................................................................................... 53

Referências Bibliográficas...................................................................................... 55

Nota sobre o autor................................................................................................ 58


Apresentação

Filosofia da Linguagem, Método Científico e Teoria do Significado

1. A problemática do significado: paradigmas teóricos

O estudo do Prof. Doutor Marcelo Galvão Baptista para o qual foi escrita a introdução/
apresentação que se segue é extraído de uma Tese de Doutorado em Educação,
na área de Metodologia do Ensino, intitulada Compreensão de Leitura na Análise
do Comportamento. Trata-se de um capítulo (o primeiro) que desenvolve um tema
específico inserido num projecto mais vasto, mas apresenta uma problemática
autónoma e delimita um campo de pesquisa com validade própria para o esclarecimento
de algumas questões relevantes e actuais no âmbito da Filosofia da Linguagem, tendo
como título A referência e o significado das palavras na Filosofia da Linguagem: algumas
considerações. Tratando-se de um texto de apresentação, não se efectuam citações
exaustivas, adequadas apenas ao formato do trabalho académico comentado, sendo,
contudo, indicadas as obras mencionadas como referências bibliográficas, no final
(excepto obras já referidas no texto que é objecto desta apresentação, a não ser as
de Wittgenstein, dada a sua relevância tanto no texto do autor introduzido como no
comentário).

Esta introdução não pretende limitar-se a expor uma síntese das ideias do autor do
estudo, as quais são por ele apresentadas de forma rigorosa e clara, dispensando
qualquer mediação. Optou-se então por um diálogo com o autor, explorando caminhos
abertos pelas suas reflexões e análises: com efeito, um dos aspectos mais relevantes
deste estudo – na perspectiva da leitura efectuada para elaboração desta introdução
– consiste na sua metodologia de pesquisa e no seu valor heurístico. Enquanto
alguns trabalhos académicos ficam presos a uma escola de pensamento, uma teoria,
à perspectiva de um autor ou a uma disciplina, este estudo apresenta um conjunto
diversificado de teorias do significado, referenciais teóricos, autores e disciplinas
convocadas para desenvolver a sua pesquisa – desde a Filosofia da Linguagem, Lógica,
Semiótica, Linguística, Epistemologia e Psicologia – evitando abordagens unilaterais
e adoptando uma perspectiva interdisciplinar. Por outro lado, sendo a concepção
“comportamentalista” e a teoria de Skinner uma influência marcante neste estudo,
o autor não ficou preso à visão de Skinner, procurando antes confrontá-lo com outros
referenciais teóricos. Trata-se de desenvolver uma abordagem crítica, mesmo dos
pensadores que mais o influenciaram, atitude que deveria ser característica de qualquer

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trabalho de investigação científica, mas é por vezes trocada por um dogmatismo que
adopta acriticamente uma perspectiva teórica ou as ideias de um autor.

Esta atitude crítica permitiu o alargamento do horizonte epistemológico, teórico


conceptual da problemática abordada neste estudo, sendo um dos casos principais
desta ampliação conceptual, para além do referencial “comportamentalista” dominante,
o recurso às Investigações Filosóficas de Wittgenstein para abordar a linguagem
em função dos seus contextos e regras de uso. Esta orientação, que constitui uma
dimensão heurística da Tese e, em particular do estudo aqui publicado – o seu potencial
para impulsionar a descoberta ou abrir caminho para novas abordagens – é retomada
na presente introdução, a partir de perspectivas possíveis de expansão do horizonte
metodológico, conceptual e teórico da ciência, psicologia e filosofia da linguagem ou das
questões do significado, do signo e da referência.

Pretendendo clarificar os fundamentos e pressupostos filosóficos das teorias da


linguagem e do significado, nem sempre explicitamente referidas por B. F. Skinner,
o autor aborda as suas diversas versões, a partir de uma classificação elaborada por
Edwards. Esta perspectiva visa afastar o equívoco que seria considerar a existência de
um único modelo teórico, e apresentar o que se poderia designar, para usar uma noção
do epistemólogo Thomas Khun, como os paradigmas da linguagem e das teorias do
significado: o ideacional, do qual o filósofo John Locke é apresentado como referência,
o referencial, desenvolvido pela filosofia analítica/positivismo lógico e protagonizado por
filósofos como Gottlob Frege ou Bertrand Russell, e o comportamentalista, designado
como modelo E-R, ou estímulo - resposta (em inglês S-R, stimulus-response), onde se
inserem Skinner e Charles Osgod, que não se consideram filósofos, mas cientistas
ligados à investigação em Psicologia, apresentando, contudo, pressupostos filosóficos
do seu pensamento.

O ideacionismo de John Locke, corrente que depois dele continuará a influenciar a


filosofia da Linguagem, considera as palavras como representações das coisas,
relevando da interacção entre as ideias e os factos, situando as ideias na esfera mental,
mas também na sua relação com os factos a que se referem. As ideias são comunicáveis
através da linguagem. Enquanto em Platão o mundo externo, sensorial, é uma cópia das
ideias ou formas do mundo inteligível, para Locke ocorre o inverso: as ideias derivam
dos estímulos sensoriais externos, da experiência, directamente, no caso das ideias
simples, ou indirectamente, através de relações entre estas estabelecidas por operações
mentais, no caso das ideias complexas.

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A Teoria Referencial assume uma versão linear que identifica a palavra e o significado
com aquilo a que ela se refere, e outra que estabelece uma relação não-linear entre
ambos, na qual a uma mesma referência podem corresponder vários significados. Esta
teoria pode ainda incidir sobre a função de classes de palavras que não possuem sentido
por si próprias, mas no âmbito de proposições. Como exemplo de uma teoria referencial
mais complexa, o autor apresenta a do filósofo analítico Frege, analisada em detalhe
nas suas implicações em termos de teoria da referência e do sentido, introduzindo a
problemática do valor de verdade das proposições, dependente da sua relação com a
referência. Esta relação caracteriza ainda a investigação científica, distinguindo-a de
outras abordagens – como a estética ou metafísica. Frege elabora assim um critério de
demarcação entre ciência (teoria ou linguagem científica) e outros tipos de linguagem –
estando esta problemática no centro do pensamento científico contemporâneo. Outros
filósofos, como Bertrand Russell (cuja obra é também analisada pelo autor), Rodolf
Carnap ou o chamado primeiro Wittgenstein, o do Tratado Lógico - Filosófico, produziram
obras relevantes no âmbito deste paradigma referencial, embora com diferenças ente
as suas diversas abordagens.

A Teoria ER (Estímulo-Resposta) do significado começa por ser desenvolvida no âmbito


da Filosofia da Linguagem, por Charles Ogden e Ivor Richards, e da Psicologia, por
Charles Osgood e Skinner. Esta teoria inclui também a problemática referencial, porque
as palavras referem-se a alguma coisa, representam um estado de coisas. Estabelece as
interacções entre a fala como resposta e os estímulos que a condicionam, e entre a fala
como estímulo e as respostas que lhe correspondem. Os sinais são signos, símbolos,
palavras, proposições, gestos, imagens ou representações, enquanto os referentes são
coisas, situações ou acontecimentos. A interpretação dos signos é uma resposta às
experiências, às situações presentes e passadas que compõem o contexto psicológico
da interacção significativa.

Podem-se designar estas teorias como paradigmas da compreensão do significado,


segundo a concepção de Thomas Khun na sua obra A Estrutura das Revoluções
Científicas. Porém, enquanto para este historiador e filósofo das ciências os paradigmas
são incomensuráveis, ou seja, correspondem a uma ruptura, viragem ou transformação
conceptual, metodológica e teórica total, sem qualquer aspecto em comum entre
os paradigmas – pode dar-se o exemplo dos paradigmas cosmológicos aristotélico-
ptolomaico e copernicano, ou dos paradigmas biológicos fixista e evolucionista, nos
quais o novo paradigma é incomensurável com o anterior – na análise do Prof. Marcelo
Galvão, sem se perder a novidade e especificidade de cada um destes modelos teóricos.

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Há aspectos comuns a todas, apontados com pertinência pelo autor, que indica a noção
de representação como um destes elementos em comum, embora interpretada de
diversos modos.

Poderíamos indicar outro caso, no âmbito das Teorias Empiristas e das Teorias Neo-
positivistas (Positivismo Lógico) da linguagem e do sentido, nas quais as últimas
integram a tradição das primeiras, conjugando os paradigmas empirista e logicista, em
vez de os separar. Em Locke (empirismo) valoriza-se a experiência sensível, enquanto
em Frege, Russell, Carnap, ou no “primeiro” Wittgenstein (do Tratado Lógico-Filosófico)
é o método de análise lógica, tendo como paradigma, não a indução ou experiência,
mas a matemática, enquanto linguagem científica paradigmática, que confere rigor aos
enunciados ou proposições. Mas estas duas tradições de pensamento científico (uma
que remonta ao empirismo de Locke e outra que tem como precursor o matematismo
cartesiano – a mathesis universalis – a matemática como linguagem do rigor e
fundamento do método científico) confluem no positivismo lógico e na filosofia analítica.

2. Positivismo Lógico e Filosofia da Linguagem

No início do século vinte, operou-se uma transformação no pensamento científico


e filosófico, em ruptura com a sua perspectiva clássica, e anunciada por um texto
fundador do empirismo lógico, identificado como Manifesto do Círculo de Viena e
intitulado A Concepção Científica do Mundo. Para atingir o objectivo de construir esta
concepção, que deveria unificar as diversas ciências, numa nova versão da ciência
universal ambicionada por Descartes, mas agora desembaraçada dos seus fundamentos
metafísicos, a análise da linguagem e a teoria da significação foram decisivas. A
demarcação entre ciência e o que não pode considerar-se científico corresponde à da
distinção entre enunciados com sentido e sem sentido, e esta, por sua vez, assenta na
verificabilidade das proposições, ou seja, na sua referência à experiência. Os domínios
da arte e do sentimento, não verificáveis, são assim remetidos para o exterior do campo
científico. Os problemas filosóficos tornam-se então em problemas científicos, passando
todos os que não têm uma solução lógica ou experimental a serem considerados
como pseudo-problemas – os da poesia ou outras formas de arte, mas, sobretudo, as
questões metafísicas, fundamentais na filosofia clássica. A tarefa da Filosofia fica assim
confinada à clarificação da linguagem, assumindo uma função de esclarecimento do
seu sentido.

Sob o pano de fundo destas problemáticas, que podem parecer demasiado técnicas

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ou áridas, emergem do neopositivismo questões decisivas para o pensamento e a
cultura contemporâneas, como a do estatuto da realidade e da racionalidade que,
desde o Logos helénico até ao racionalismo e iluminismo, ocuparam a reflexão filosófica
e a investigação científica. Podemos aceitar o projecto neopositivista de constituir
logicamente o mundo e a realidade, e tornar a racionalidade científica, o seu método, e
a sua linguagem, no modelo único de inteligibilidade, a verificação no critério único de
verdade, e o mundo físico, observável directa ou indirectamente, em última instância de
legitimação do conhecimento, ou incorrer em novos dualismos (depois de tanto criticar
os da filosofia clássica), como o que estabelece uma dicotomia entre o mundo físico
e o mental, embora passando a atribuir ao universo físico o estatuto de fundamento?

3. A emergência de novos paradigmas de linguagem e significação

A pesquisa do Prof. Marcelo Galvão conduziu a uma abordagem crítica dos pressupostos
neopositivistas, sem rejeitá-los liminarmente nem aceitá-los incondicionalmente. A
leitura de Wittgenstein foi usada como instrumento dessa reflexão crítica. Retomando
a abordagem “paradigmática” de Khun já adoptada nesta introdução, pode-se afirmar
que a obra e o percurso de Wittgenstein constituem um caso exemplar de mudança de
paradigma, viragem teórica ou ruptura epistemológica. Esta transformação do horizonte
teórico efectuou-se entre duas obras marcantes no itinerário do filósofo: o Tratado Lógico-
Filosófico, livro que se insere no paradigma neopositivista, e as Investigações Filosóficas,
obra que efectua uma transição paradigmática entre o “primeiro Wittgenstein”, como
filósofo “analítico”, e o seu “último” pensamento, de índole pragmática.

O que se mantém nas duas obras ou fases do pensamento do filósofo é a questão da


linguagem como problemática nuclear da sua obra. Na primeira fase, a linguagem
que exprime o sentido do mundo assume uma forma lógica universal e necessária. O
“acesso” ao mundo e ao sentido depende desta formalização lógica da linguagem: os
limites do mundo coincidem com os limites da linguagem e da sua lógica. No Tratado
(primeiro Wittgenstein), o método filosófico correcto seria o de não dizer nada excepto
o que pode ser dito, ou seja, as proposições da ciência natural. À primeira vista, esta
declaração parece ser apenas uma reafirmação da concepção unidimensional do
mundo, da linguagem e da racionalidade, proposta no Manifesto de Viena a partir do
modelo científico lógico-matemático e experimental. No entanto, as consequências que
Wittgenstein dela retira serão dramáticas, conduzindo a transformação do pensamento
filosófico.

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A posição dominante no neo-positivismo é a da eliminação da metafísica, visto que os
seus enunciados não têm sentido – Carnap dá o exemplo do conceito de Ser, que não
tem sentido, dado que nada lhe corresponde no plano da realidade e da experiência
– tendo Wittgenstein antecedido Carnap ao afirmar que as questões metafísicas são
inexprimíveis, ou seja, ultrapassam os limites da linguagem, concluindo que sobre o que
não podemos falar, devemos calar-nos. Só a linguagem científica tem sentido, porque é
a única que segue o princípio da verificação, sendo as outras linguagens – metafísica,
ética, estética ou religiosa – esvaziadas de significado, porque, nas palavras de Carnap
na sua obra Filosofa e Lógica Sintáctica, quando uma proposição não é traduzível em
proposições de carácter empírico, ela não é uma asserção e não diz nada, a não ser
uma série de palavras vazias; ela é simplesmente sem sentido.

Esta posição, que é conclusiva, final, para a generalidade dos positivistas lógicos,
torna-se para Wittgenstein num ponto de partida – um caso análogo ao que distingue
a dúvida céptica da dúvida metódica cartesiana: a primeira conclui negativamente a
investigação pela impossibilidade do conhecimento, enquanto a segunda é um ponto de
passagem que conduz a uma vertente positiva na procura do conhecimento. No Tratado-
Lógico-Filosófico aquilo que não se pode exprimir, dizer ou conduzir à linguagem pode
ser mostrado. As questões éticas e estéticas inscrevem-se neste campo do indizível,
mas mostrável; o que não se pode exprimir numa proposição pode ser mostrado.
Pode-se concluir que o Tratado, ou o “primeiro Wittenstein” já abre caminho para as
Investigações, ou para a sua última fase.

Ao estabelecer, nesta obra, os limites da linguagem e da lógica, Wittgenstein sentiu


que estes limites constituíam uma prisão, ficando fora destes limites do significado
estritamente lógico-centífico as questões fundamentais do sentido da vida humana –
éticas, estéticas e religiosas. A afirmação mais polémica do Tratado refere-se a esse
sentido para além das palavras, da lógica ou da ciência: Existe certamente o inexprimível.
Mostra-se, é o místico. Bertrand Russell, que considerava Wittgenstein como o seu
aluno mais brilhante, mostrou-se “incomodado” com a irrupção do misticismo no
pensamento de uma das figuras de referência do Círculo de Viena e do seu Manifesto
a favor do primado (ou até exclusividade) da ciência e do estatuto paradigmático da
linguagem científica. Numa carta a Ottoline Morrell, exprime a sua perturbação: Fiquei
espantado quando descobri que se tornara completamente num místico. Lê autores
como Kierkegaard e Angelus Silesius, e considera seriamente a possibilidade de se
tornar monge. Tudo começou com a leitura de As Modalidades da Experiência Religiosa
de William James, e a partir daí cresceu (…) até (…) penetrar profundamente nos

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caminhos místicos de pensamento e sentimento.

O leitor iniciado no estudo da filosofia analítica fica igualmente surpreendido, mas é o


próprio Wittgenstein que dá indicações consistentes sobre a interpretação “heterodoxa”
(face a uma certa concepção “canónica” do positivismo lógico) do Tratado. O modo
como o filósofo encarava a sua obra mudou depois da sua participação na primeira
guerra mundial: anteriormente a esta pensava escrever um livro sobre lógica, depois
dela considerou ter escrito uma obra centrada na ética. Numa carta dirigida por ele a
um possível editor, Ludwig Von Ficker, alertava-o para a dificuldade de leitura do seu
livro, e sugeria-lhe uma chave para a sua compreensão: Realmente, não desconhece
que pretendia escrever algumas palavras no prefácio – o que acabaria por não ocorrer
- indicando que o tema principal do livro incidia na ética. Contudo, vou agora dirigi-las
a si, porque podem servir-lhe de chave. Queria escrever que o meu trabalho consiste
em duas partes: a que é apresentada no texto, e aquela que consta de tudo o que não
escrevi. E, precisamente, a segunda parte é a mais importante.

O que o filósofo considerava mais importante eram as verdades éticas, estéticas e


religiosas, que não se contêm nos limites da linguagem, da lógica ou da ciência. Estamos
longe da concepção referencial da verdade, ou da confirmação empírica dos enunciados,
defendida pelos neo-positivistas (embora esta se mantenha, para o caso da linuagem
científica, que implica uma vertente lógico-formal e uma referência empírica).! Contudo,
quem ler com alguma atenção o Tratado, encontra outras concepções divergentes entre
o filósofo e os seus “companheiros” da escola de Viena, avultando a que não considera
a ciência como a linguagem que esgota todo o sentido possível, indicada na proposição
652: Sentimos que mesmo que todas as possíveis perguntas da ciência recebessem
uma resposta, os problemas da nossa vida não seriam sequer tocados.

Wittgenstein apercebeu-se do que poderíamos designar como o paradoxo positivista,


que começa com o fundador Auguste Comte, para o qual a Filosofia deveria limitar-se
a organizar os conhecimentos científicos, e se prolonga no neo-positivismo, para o qual
a tarefa da Filosofia seria a clarificação da linguagem científica, sendo o seu modelo
e método o da ciência, não havendo assim uma abordagem, linguagem ou método
próprio da Filosofia: O método correcto em Filosofia seria este. Não dizer nada excepto
o que pode ser dito, isto é, as proposições da ciência natural, ou seja, algo que não
tem nada a ver com a filosofia. A ideia de uma função meramente auxiliar da Filosofia
face à Teologia e à Religião, atribuída pelos positivistas e empiristas lógicos à filosofia
medieval, foi veementemente rejeitada por estes, devido a comprometer (ou mesmo

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eliminar) a autonomia da Filosofia, que ficaria, segundo eles, submetia aos ditames da
fé. Em contrapartida, a mesma submissão e perda de autonomia face à ciência, não só
não lhes causa qualquer objecção como até é saudada com entusiasmo. Ao contrário
de Wittgenstein, a generalidade dos positivistas e filósofos analíticos estava contente
com a sua condição de prisioneiro dos limites da linguagem e da metodologia científica,
transpostos por ele numa viragem anunciada no Tratado Lógio-Filosófico e consumada
nas Investigações Filosóficas.

Um novo paradigma da linguagem e do sentido emerge desta obra, que rompe com
a sua visão unidimensional, para a abordar no âmbito da pluralidade de jogos de
linguagem, sem limite de versões possíveis. Ao contrário da forma lógica da linguagem
científica, estes jogos de linguagem não seguem uma ordem imutável, não se pode
alcançar uma forma comum a todas as proposições ou forma geral da proposição, como
ainda pretendia, com as reservas já indicadas, no Tratado. Neste, visava-se a elaboração
de uma lógica da linguagem, que seria a única. Nas Investigações, a multiplicidade de
jogos de linguagem traduz a sua inerência a situações, contextos ou múltiplas formas
de vida, tornando assim a linguagem, não inerente a uma estrutura lógica, mas a usos,
actividades no âmbito das quais a linguagem se torna num instrumento. Ao abandonar
o paradigma neo-positivista de uma linguagem logicamente perfeita, a obra do último
Wittgenstein abre caminho a outras linguagens que podem exprimir a condição humana
no seu inacabamento, falibilidade, finitude, mas também perfectibilidade, possibilidade
de se transcender, relação com o infinito: as linguagens ética, estética, religiosa e
filosófica.

O trabalho do Prof. Marcelo Galvão, na perspectiva do autor desta introdução, soube


aliar o rigor académico e metodológico, o espírito científico, ao pensamento crítico,
sem incorrer na “tentação dogmática” que seria tornar a ciência e o seu método em
dogmas ou visões unilaterais. O facto de esta crítica da ciência (no sentido Kantiano,
de exame, e não de rejeição) ou das suas pretensões dogmáticas na abordagem do
método, da linguagem, e do sentido, se efectuar através de um “instrumento” filosófico
vem confirmar a importância da Filosofia, não apenas como complemento das ciências,
“suplemento de alma” ou caução humanística nos Curriculos das Universidades
positivistas (principalmente ou exclusivamente tecno-científicas), mas como estudo
14
indispensável no âmbito da própria investigação científica. A comunidade académica
fica assim enriquecida com este trabalho, de grande utilidade tanto para estudantes
como docentes e investigadores.

Praia, 25-02- 2013

Carlos Bellino Sacadura

Professor da Universidade de Cabo Verde


Investigador do Centro de Filosofia das Ciências (CFC) – Unidade Autónoma da
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa - Portugal

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Referências bibliográficas

Obra apresentada:

BAPTISTA, Marcelo Quintino Galvão (2001). A referência e o significado das palavras


na Filosofia da Linguagem: algumas considerações. Em BAPTISTA, Marcelo
Quintino Galvao, Compreensão de Leitura na Análise do Comportamento, São
Paulo: Universidade Federal de São Carlos.

Outras referências:

AYER, A. (2005). El Positivismo Logico. Mexico: Fondo de Cultura Economica.

CARNAP, Rodolf (2004). The Logical Syntax of Language. London: The Free Press.

CARNAP, Rodolf (2008). The Logical Structure of the World. London: Routledge.

COMTE, Auguste (2003). Science et politique – Les conclusions generals du Cours de


Philosophie Positive. Paris: Pocket.

KHUN, Thomas (2006). The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: University of


Chicago.

RUSSELL, Bertrand (2002). Mysticism and Logic. London: Unwin.

RUSSELL, Bertrand (2004) Logic and Knowledge. London: Routledge.

SOULEZ, A. (Org.) (1985). Manifeste du Cercle d Vienne et autres écrits. Paris: PUF.

WITTGENSTEIN, Ludwig (1987). Tratado Lógico-Filosófico/Investigações Filosóficas.


(trad. de M.S Lourenço). Lisboa: Gulbenkian.

16
Introdução1

Discutimos no presente trabalho as noções de “referência”, “significado”, “ideias”,


“factos”, “sentido”, “proposições”, “símbolo”, “referente” e “signo”. Dentre elas,
destacamos, como aspectos principais, a “referência” e o “significado”, considerando-
os na sua relação com as palavras (enquanto “símbolos” ou “signos”). Se, por um
lado, são noções que pretendemos discutir como importantes para a “compreensão de
leitura” e, portanto, fazendo parte directamente do problema da pesquisa, no âmbito
da Tese de doutoramento de que este trabalho faz parte, devem, por outro lado, ser
levadas em conta na sua especificidade. Apesar de as palavras constituírem as unidades
fundamentais ou básicas de análise do significado, mencionamos também unidades
mais amplas, como as proposições/sentenças, conforme alguns autores as discutem.

Para o trabalho foram estabelecidos os seguintes objectivos: 1- localizar e verificar como


são tratados a “referência” e o “significado” na Filosofia da Linguagem, no âmbito das
teorias do significado, nas versões de alguns dos seus representantes (um objectivo
específico, decorrente do objectivo geral da pesquisa, conforme mencionado na
Introdução da Tese); 2- verificar, ainda, se as teorias do significado, apesar das versões
que as caracterizam, podem ser inter-relacionadas; 3- verificar, especificamente, a
posição de L. Wittgenstein (1957/1992), em sua obra Philosofical investigations, sobre
o “significado”.

A consecução desses objectivos é pertinente, tendo em vista a postura de dois analistas


do comportamento – B. F. Skinner (em Verbal behavior, de 1957/1992) e M. Sidman
1
Este trabalho é parte da Tese de Doutorado do autor, intitulada Compreensão de leitura na Análise do
Comportamento, defendida em 2001, no Programa de Pós-Graduação em Educação (área de Metodologia
de Ensino)/Centro de Educação e Ciências Humanas – Universidade Federal de São Carlos, São Paulo,
Brasil. A Tese foi orientada pelo Prof. Doutor Júlio de Rose e teve como co-orientador o Prof. Doutor
Emmanuel Tourinho.
Vão nossos sinceros agradecimentos ao Dr. Fernando Baldé pelo pronto atendimento ao pedido para digitar
a versão impressa deste livro, como colaboração.
17
(em Equivalence relations and behavior: a research story, de 1994) – perante as noções,
respectivamente, de “referêrencia” e “significado” e de “referência”, “significado”
e “símbolo”2 (dentre outras). Skinner (1957/1992) analisa e critica as noções de
2
Como veremos mais adiante (no texto e em notas posteriores), o “símbolo” e o “signo” são sugeridos
pelos filósofos da linguagem considerados neste capítulo como pertencendo a uma mesma categoria.
Segundo Saussure (1915/1999, p. 80), o signo é algo que “une um conceito e uma imagem acústica”. E
a imagem acústica, “não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (…) psíquica desse
som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos (…)”. Ele esclarece isso, dizendo:
“sem movermos os lábios nem a língua, podemos falar connosco ou recitar mentalmente um poema”.
Mas para Saussure (1915/1999, p. 81), o “signo”, em seu uso corrente, “designa geralmente a imagem
acústica apenas (…)”, graficamente representada. A imagem acústica é o significante enquanto o conceito
é o significado, havendo entre ambos – o significante e o significado – uma relação “arbitrária”. Então,
o signo linguístico (arbitrário) é um todo “resultante da associação de um significante e o significado”.
Saussure chama de arbitrária a essa relação, em virtude da ausência entre significante e o significado
de qualquer “laço natural na realidade” (Saussure, 1915/1999, p. 83), mas sim, como determinação de
um dado grupo linguístico. E o “símbolo”, neste autor, “tem como característica não ser completamente
arbitrário”, existe, no símbolo, um “rudimento de veículo natural entre significante e o significado”. Ele
exemplifica: “O símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substituído por um objecto qualquer, um
carro, por exemplo.” Saussure, (1915/1999, p. 82). Posição idêntica é defendida por Edwards (1972, p.
440) que entende símbolo como “um sinal que é usado e compreendido como tal, convencionalmente”,
ou “alguma coisa com um significado convencionalmente estabelecido”. Exemplo: o “elefante” é, para o
norte-americano, o símbolo do Partido Republicano. O símbolo, em Saussure, (1915/1999, p. 82), abrange
ou compreende o signo. “Balança”, como símbolo da justiça, pode ter a sua representação gráfica na forma
da palavra balança. Neste caso, o símbolo da justiça, na forma da palavra balança, designa um signo, que
é a palavra (a sequência de seus sons e o conceito ou significado). Talvez devido ao facto de o símbolo
abranger o significado do signo, ambos (o símbolo e o signo) sejam tratados como sinónimos, pelo menos
implicitamente, por alguns autores na psicologia (ver, por exemplo, Osgood, neste trabalho).
A relação símbolo-signo, em Saussure, pode ser comparada à de Peirce, mas há diferença entre os
dois autores quanto à ordem de abrangência ou direcção da relação signo-símbolo. Pois, para Peirce
(1878/1975), o signo é que compreende ou contém o símbolo e não o contrário. Ou seja, para ele, a direcção
da relação “pertencer a” ou “estar contido em” é do símbolo (subcategoria) para o signo (categoria mais
ampla). A concepção da relação signo-símbolo de Place (1995) é a mesma de Peirce (embora aquele autor
não cite este). Nessa relação, Place indica que símbolos estão inseridos na categoria de signos: “Todos os
símbolos são signos, mas nem todos os signos são símbolos.” – “All symbols are signs, but not all signs are
symbols.” (Place, 1995, p. 15). Em Pierce, tanto os símbolos como os ícones e os indicadores (ou índices)
são as três grandes categorias dos vários grupos de signos. Este autor define signo como “algo que, sob
certo aspecto, representa alguma coisa para alguém” (Peirce, 1878/1975, p. 95). Ele quer dizer “mente”,
18
“referência” e “significado”, refutando o seu tradicional atrelamento a “ideias” e
“imagens” como explicação para o comportamento verbal; critica também a noção de
“uso das palavras” como prática que coloca as palavras em relação de referência com
objectos. Skinner faz menção a alguns filósofos de linguagem, omitindo outros, sem
apresentar um panorama que nos possibilite compreender e situar os referenciais nos
quais eles se inserem. Além disso, ao tratar da “referência” e do “significado”, Skinner
usa a expressão “teorias do significado”, parecendo, com isso, indicar a existência de
teorias diversas. Ele, entretanto, não cita quais são as teorias a que se refere e também
não considera que, no âmbito de cada teoria, há versões específicas a respeito do
significado. Sidman (1994) tece considerações acerca da “referência”, do “significado”,
do “símbolo”, etc, ao relacioná-los com a linguagem, tendo como subsídio a equivalência
de estímulos, mas evitando relacionar essas noções com as concepções a respeito das
mesmas no campo da Filosofia da Linguagem.

A análise de como Wittgenstein trata o “significado”, proposta separadamente em


relação ao tratamento dado ao mesmo pelos outros filósofos da linguagem considerados
neste trabalho, deve-se a duas razões. Primeiramente, porque ele não é inserido, pela
literatura, em nenhuma das teorias do significado citadas a seguir; em segundo lugar,
porque, ao contrário dos demais filósofos da linguagem, este filósofo é apontado como
o que discute o “significado” com uma particular ênfase nas condições que determinam
o uso de palavras (e sentenças) na linguagem (ver Edwards, 1972). É pertinente a
inclusão da posição deste autor dada a necessidade de obtenção de elementos para a
análise da proximidade entre ele e Skinner quanto à concepção do “significado” (o que
é mencionado no Capítulo 2 da Tese, e discutido na última parte da mesma).

Edwards (1972) faz uma apresentação muito bem estruturada das teorias do significado,
com enfoque nos aspectos centrais das teorias, o que nos possibilita uma compreensão
ampla de sua diversificação. Nessa apresentação, este autor indica, também, alguns
dos representantes dessas teorias e as respectivas obras para consulta.

Conforme ele aponta, existem três teorias do significado: a Teoria Ideacional, a Teoria

ao usar a expressão “para alguém”, e quer dizer “objecto” ao falar da coisa representada. O signo “cria na
mente (…) um signo equivalente ou talvez um algo mais desenvolvido” (Peirce, 1878/1975, p. 94). Para o
autor, a relação signo-objeto é arbitrariamente estabelecida. Peirce ponta o conteúdo do signo, consoante
o caso de este ser um ícone, um indicador ou um símbolo. Quando é um ícone, o conteúdo do signo, ou
o seu objecto concreto, é o ícone. Quando o signo é um indicador, seu objecto é um fragmento retirado do
objecto. E quando o signo é um símbolo, seu objecto é a relação emanada do objecto.
19
Referencial e a Teoria S-R (estímulo-resposta). Adoptamos a sugestão de Edwards,
no sentido de analisar os aspectos centrais dessas teorias, a partir da consulta de
como os seus representantes concebem o “significado” em suas principais obras.
Assim, para atingirmos os objectivos propostos neste trabalho, consultámos alguns dos
representantes das três teorias do significado indicadas por Edwards: John Locke, da
Teoria Ideacional; Gottlob Frege e Bertrand Russell, da Teoria Referencial; Charles K.
Ogden e Ivor A. Richards, e Charles Osgood, da Teoria S-R. Incluímos, no trabalho, a
posição de Osgood (apesar de este não ser um filósofo de linguagem), por constituir uma
interpretação de natureza psicológica, dada a possibilidade de ampliar as discussões
filosóficas dos outros representantes, no âmbito da Teoria S-R.

Após consideramos os aspectos centrais tratados por esses representantes,


apresentaremos um resumo das teorias do significado e mostraremos como estas se
inter-relacionam, não obstante os aspectos que caracterizam cada uma em particular.
A seguir, apresentaremos a posição de Wittgenstein sobre o “significado”. Finalmente,
como conclusões, voltemos aos pontos examinados ao longo do trabalho, tecendo a sua
relação com os objectivos propostos.

A Teoria Ideacional

A Teoria Ideacional do significado, em sua versão clássica, está formulada na obra Essay
concerning human understanding (de 1689), do filósofo John Locke. Para esta teoria, o
significado é decorrente de ideias ou imagens mentais formadas a partir de cópias ou
quadros do mundo externo. Segundo Edwards (1972), a palavra ideia tem origem de
uma palavra grega cujo significado é ver. Ainda, conforme Edwards, Platão usou essa
palavra no sentido de aspecto visual ou boa aparência. E, tecnicamente, no sentido de
algo que é em contraste com algo que vai se tornar, ou algo fixo, em contraste com
algo que muda. Descartes usou-a com a conotação de imagem ou representação3, mas
3
Além da noção de “representação” ser tratada pelos representantes das teorias do significado, bem como por
Wittgenstein, como veremos neste trabalho, ela é discutida na semiótica, em particular, por Peirce. Este autor considera
a representação inserida à relação signo-objecto. A representação significa, para Peirce, “estar no lugar de…” (Peirce,
1878/1975, p. 114). Na nossa análise de Peirce, a representação é uma espécie de cópia mental do objecto, produzida
pelo signo na relação deste com o objecto. É subjectiva, porque diz respeito a algo, para alguém. Esta análise faz
sentido, pois Peirce diz que o objecto é representado na forma de ideias ou imagens e que o ato de representar é uma
interpretação.
Blackburn usa o termo “representacionalismo” ao invés de representacionismo. Representacionalismo é,
20
referindo-se a tudo que é pensado. Portanto, ideia seria o objecto da mente quando ela
pensa; o “conteúdo” do pensamento. A concepção do significado com base em ideias
ou imagens mentais é uma das mais antigas, remontando ao século XVII.

Versão de Locke

Veremos, a seguir, alguns aspectos da Teoria Ideacional, na formulação de John Locke,


e como eles estão relacionados com o “significado”. Na versão deste empirista, esses
aspectos resumem-se, essencialmente, a “ideias” e a “factos”.

Locke (1978) postula que o uso dos sons (articulados), que formam as palavras, serve
para sinalizar as ideias enquanto concepções internas dos indivíduos4. As ideias são
vistas como uma realidade mental, circunscritas à mente “de quem as usa” (Locke,
1973, p. 229). As ideias constituem, para Locke, o pensamento. Elas são directamente
acessíveis somente a quem as possui e, aos outros, são acessíveis indirectamente,

em termos genéricos, segundo ele, a “doutrina que defende que a mente (ou, por vezes, o cérebro) opera
com representações das coisas e das propriedades das coisas que percebemos ou em que pensamos
(…)”. Ele prossegue dizendo que, na filosofia da percepção, essa doutrina tem tratado da representação
enquanto papel desempenhado pelas ideias: “O problema fundamental é o fato de a mente supor que
as ideias representam outras coisas, mas não ter acesso a elas a não ser pela formação de outra idéia;
a dificuldade é compreender como poderá a mente sair do mundo das representações, ou, em outras
palavras, como poderão as representações ser dirigidas para fora de si mesmas, adquirindo, deste modo,
um conteúdo genuíno.” (Blackburn, 1997, p. 343).
4
A posição de que as ideias são concepções internas dos indivíduos está presente também em Hume
(1980). Para ele, as ideias, ou pensamentos, são representações da memória e da imaginação. Em
resumo, o conteúdo do que é passível de conhecimento, segundo Hume, envolve as impressões e as ideias.
As impressões constituem-se de dados fornecidos pelos sentidos e podem ser internas (por exemplo, a
percepção de um estado de tristeza) e externas (a visão de uma paisagem: a audição de um ruído). As ideias
são representações de impressões internas, por meio da imaginação, e de impressões externas, por meio
da memória; são cópias e, por isso, impressões menos vivazes – em relação àquelas – das quais somos
conscientes quando reflectimos a respeito das sensações. Hume explica porque, nesse caso, impressões
são menos vivazes: é que o lembrar de ou o imaginar uma sensação não é tão intenso quanto a sensação
original. A imaginação é representação do objecto da sensação. Por vezes, diz Hume, a representação
ocorre tão vivamente que se supõe estar-se vendo ou sentindo o objecto. Embora Edwards (1972) não
insira Hume entre os teóricos do significado (talvez porque o seu pensamento não tenha sido voltado,
especificamente, para o significado), é conveniente a menção deste filósofo, uma vez que contribuiu para
as bases filosóficas segundo as quais as palavras têm significado por se referirem a factos concretos.
21
através do uso de palavras, pelas quais as ideias são representadas. O uso das palavras
tem uma constante conexão com as ideias representadas; isso implica que, em Locke,
o “significado” seja identificado com as ideias.

As ideias são, entretanto, provenientes da experiência sensível, enquanto uma de


suas fontes, e também da reflexão. O facto de as ideias serem representadas pelas
palavras em seu uso e estas, por isso, constituírem suas “marcas” implica que as ideias
configurem a própria e a imediata significação das palavras, segundo Locke (1978, p.
253)5.

Esta é uma concepção do “significado” – a sua identificação com ideias – que


Locke parece enfatizar, apesar de as ideias, como ele mesmo diz e de acordo com o
empirismo, poderem advir de algo concreto, isto é, serem “apreendidas das coisas que
elas supostamente representam” (Locke, 1973, p. 229, itálico nosso). O autor situa tal
concepção de “significado” ao referir-se ao uso das palavras na comunicação, como
tendo uma finalidade que é a de gerar entendimento. Ele diz explicitamente: “Quando
um homem fala com o outro, o faz para que possa ser entendido; e o fim da fala implica
que estes sons, como marcas, devem tornar conhecidas suas idéias ao ouvinte” (Locke,
1973, p. 229, itálico nosso).

Para Locke, as palavras não somente têm relação com as ideias como também com
os factos. Ao postular a relação das palavras com os factos, Locke parece imprimir um
carácter objectivo ao significado, não obstante – como vimos – postular o seu carácter
abstracto (sua origem em ideias). Outro trecho de sua obra mostra isso:

(...) porque os homens não pensariam em falar simplesmente com base em suas próprias imaginações,
mas das coisas como realmente são; portanto, eles frequentemente supõem que as palavras significam
a realidade das coisas. (Locke, 1973, p. 230).

5
The use, then, of words, is to be sensible marks of ideas; and the ideas they stand for are their proper and
immediate signification.” (Locke, 1978, p. 235).
22
A Teoria Referencial

A Teoria Referencial trata o significado em sua relação com a referência. Centraliza-se


no nome próprio6 como a unidade típica de significado (Edwards, 1972). Vejamos, por
exemplo, o nome próprio “João”. Por meio dele, este homem particular é nomeado. A
possibilidade de, a partir de um nome próprio (“João”, como exemplificado), dizermos
que o seu significado é este homem nomeado, leva-nos à generalização segundo a qual
o significado de qualquer palavra é dado, ou seja, pelo facto de a palavra poder nomear,
designar ou referir-se a alguma coisa outra que não si mesma. Assim, pelo exemplo, o
significado de um nome – indicado por uma palavra – é aquilo a que o nome se refere,
ou seja, o referente.

Defende Edwards (1972) que existem variações desta teoria, no que respeita à
concepção do significado de uma palavra: o facto de o significado ser identificado com
(a) aquilo a que a palavra se refere (o referente) ou identificado com (b) a relação
entre a palavra e seu referente. Edwards comenta que a primeira forma (a) da Teoria
Referencial, a identificação do significado com o referente, não se sustenta, uma vez
que duas expressões podem ter o mesmo referente, porém diferentes significados. Um
exemplo que elucida isso é citado como da autoria de Gotllob Frege (e que será usado de
novo posteriormente). O exemplo envolve as expressões “Estrela da Manhã” e “Estrela
da Tarde” que se referem à mesma entidade extralinguística – o planeta Vénus – mas
não possuem o mesmo significado.

Para Edwards, a segunda forma desta teoria (b) tem o mérito de focalizar o que é a
suposta relação entre uma palavra e o seu referente7. Apesar disso, esta versão da
Teoria Referencial é também problemática. Primeiramente, porque há muitas classes
de palavras, incluindo preposições e conjunções (cujo papel é compreendido no âmbito
da gramática) que não parecem relacionar-se individualmente com coisas ou aspectos
de coisas discrimináveis no mundo extralinguístico. É o caso de “e”, “se” ou “sobre”
(acerca de) que não possuem referência. Uma saída apontada pelos defensores desta
segunda forma (b) da Teoria Referencial é a explicação de que essas palavras não
6
Russell concebe os nomes próprios como tendo significado isoladamente: são palavras com significado
particular (Baker e Hacker, 1992).
7
Na segunda forma da Teoria Referencial, não há negação do referente para a concepção do significado
de uma palavra, pelo menos indirectamente; a sua aceitação é no sentido de fazer parte de uma relação
com a palavra para, a partir de tal relação, ser identificado o significado. Ou seja, o referente contribui
indirectamente para o entendimento do significado, em Frege, como assim analisamos.
23
têm significado enquanto palavras vistas isoladamente, mas que apenas modificam o
sentido de sentenças8 como um todo nas quais ocorrem. Este aspecto problemático da
Teoria Referencial sob esta vertente, entretanto, não a inviabiliza, mas torna-a relativa.

Versão de Frege

Gottlob Frege é tido como um importante expoente da Teoria Referencial (Edwards,


1972). Passaremos a examinar os principais aspectos desta teoria apontados por Frege
em sua obra Lógica e Filosofia da Linguagem (Frege, 1978).

Este autor discute cinco noções – “sentido”, “referência”, “sinal”, “representação” e


“pensamento”. Ao sinal9 ele chama de “letra”, “nome”, “palavra” ou “combinação
de palavras”. Frege diz que um sinal pode ser designado por “várias palavras ou
combinação de palavras”, o que implica a possibilidade de haver formas diferentes
para designar um mesmo sinal.

Para Frege, além de corresponder ao sinal aquilo que ele designa – o “objecto”, ou a
sua “referência”10–, corresponde-lhe também o seu sentido, ou seja, o “modo” pelo
qual o objecto é representado. O autor dá um exemplo de sinal, que é um nome próprio
genuíno, “ARISTÓTELES”, o qual pode ser apresentado, por exemplo, de dois (dentre
vários) modos ou maneiras diferentes, portanto, com dois diferentes sentidos, apesar
de uma mesma “referência” – “Aristóteles” filósofo. Os dois sentidos, no exemplo, são:
(1) “o discípulo de Platão e o mestre de Alexandre Magno”; (2) “Aristóteles nasceu em
Estagira”. Frege apenas apresenta estes dois exemplos, embora admita haver outros
diversos modos de apresentar o nome “ARISTÓTELES”. Temos, nos exemplos, uma
“referência” (“Aristóteles” filósofo) com duas variações de sentido, apesar de que –
conforme diz o autor – as variações de sentido, toleráveis nestes casos, “devam ser
evitadas na estrutura teórica de uma ciência normativa” (Frege, 1978, p. 63).

8
Buscaremos em Russel, adiante, informações que auxiliam o entendimento a respeito de “sentenças”
(também vistas como “proposições”).
9
O termo encontrado na tradução de Frege é mesmo “sinal”. Parece que o que Frege considera sinal
corresponde ao que Pierce denomina de “símbolo”, pois para Frege, o sinal pode ser, por exemplo, um
“nome”, e em Pierce, um “nome” é um exemplo de símbolo.
10
Frege, ao falar de “referência”, usa-a como sinónima de “referente”. No exemplo da lua, reproduzido mais
adiante, ele diz: “Alguém observa a lua através de um telescópio. Comparo a própria lua à referência; ela é
o objeto da observação (…)”. (Frege, 1978, p. 65-66).
24
Segundo Frege (1978), a um sinal corresponde um sentido determinado. A implicação
desta afirmação para o significado, na nossa interpretação, é a de que o significado
(do sinal) não deve ser buscado (directamente) no “objecto” ou referente/referência do
sinal, mas no modo pelo qual o sinal é apresentado (que é o seu “sentido”). Cabe esta
implicação se retomarmos os dois sentidos (significados) exemplificados para o sinal
“ARISTÓTELES”, expresso pelas duas formas – (1) “o discípulo de Platão e o mestre
de Alexandre Magno”, (2) “Aristóteles nasceu em Estagira”. Este sinal tem, portanto,
dois significados, mesmo possuindo uma mesma referência. Os dois significados são
identificados por Frege como os dois sentidos (as duas formas de apresentação do sinal
considerado).

Assim, pensamos que uma importante implicação para a análise que Frege faz sobre a
relação entre sinal, sentido e referência em questão é a possibilidade de separação (em
certos casos) entre sentido e referência, embora haja – como ele mesmo afirma – uma
correspondência muito estreita entre esses três elementos. Quais esses certos casos
em que caberia tal possibilidade, ou seja, em que ao sentido não corresponda nenhuma
referência? Ele exemplifica um caso, apresentando a expressão “o corpo celeste mais
distante da Terra” como possuindo um sentido, mas “muito duvidoso que também
tenha uma referência.” (Frege, 1978, p. 63).

Considerando que este autor admite que o sentido/significado é dado pelo contexto
(o que, segundo ele, permite diferenciar o tratamento dispensado à análise de uma
poesia, por exemplo, em relação a um texto científico), podemos, então, colocar as
seguintes questões: (1) Se um conjunto de palavras fosse apresentado na forma de
uma pergunta, a uma pessoa que tivesse conhecimento acerca da referência de tais
palavras, isso não faria supor estar-se indagando, portanto, por uma referência dada?
(2) Mesmo assim, não caberia esta referência? (3) E nos casos em que a um sentido
corresponde, de facto, uma referência, determinada, entendê-lo não seria assegurar-se
da referência? A resposta de Frege é negativa: “Entender-se um sentido nunca assegura
sua referência” (Frege, 1978, p. 63, itálico nosso).11
11
A posição de Ryle (1980) sobre o significado é similar à de Frege. Ryle usa uma frase para mostrar um
caso de inexistência de referência (relação entre a frase e um referente que a frase possa designar), não
obstante a frase ser significativa. Ele diz: “A frase o terceiro homem a atingir o topo do monte Everest não
pode, atualmente, ser utilizada para fazer referência a ninguém. Ainda não existe ninguém a quem ela se
aplique, e talvez jamais exista. No entanto ela é uma frase significativa (significant) (…). Ela significa algo,
mas não designa alguém” (Ryle, 1980, p. 57). A postura anti-referencial sobre o significado, também se
evidencia nesta afirmação de Ryle: “A utilização de uma expressão ou conceito que ela exprime é a função
25
Quando ele usa as expressões (os sentidos/significados): (1) “o discípulo de Platão e o
mestre de Alexandre Magno”; (2) “Aristóteles nasceu em Estagira”, para apresentar o
sinal “ARISTÓTELES”, não estaria, com essas expressões, designando o filósofo grego
Aristóteles, portanto, como o referente, e não um Aristóteles comum? Possivelmente.
E se estamos correctos, então, as duas formas de expressão do sinal “ARISTÓTELES”
são sentidos/significados desse sinal. E os dois sentidos desse sinal são sentidos
relacionados com o mesmo. Além de serem dois sentidos desse sinal, são também
relacionados com o referente “Aristóteles filósofo” designado por esse sinal. Logo, o
significado de um sinal, se não deve ser buscado num referente, mas sim na forma de
expressão do sinal, então só podemos entendê-lo pela interpretação de que devamos
relacionar o “significado” de um sinal indirectamente com o “referente” e directamente
com o “sentido” (modo de apresentação) do sinal, que designa esse referente (quando
exista).

Frege, através de um exemplo, fala, explicitamente, das noções de referência e de


sentido, introduzindo, também, a de representação. Vejamos:

Alguém observa a lua através de um telescópio. Comparo a própria lua à referência; ela é o objeto
da observação, proporcionado pela imagem real projectada pela lente no interior do telescópio, e
pela imagem retiniana do observador. A primeira comparo-a ao sentido, a segunda, à representação
ou intuição. A imagem no telescópio é, na verdade, unilateral; ela depende do ponto de vista da
observação; não obstante, ela é objetiva, na medida em que pode servir a vários observadores. Ela
poderia ser disposta de tal forma que vários observadores poderiam utilizá-la simultaneamente. Mas
cada um teria sua própria imagem retiniana. (Frege, 1978, p. 65-66, itálico nosso.)

(role) para cuja expressão ela é empregada, e não uma coisa, pessoa ou acontecimento qualquer que ela
supostamente representa (stand for)” (Ryle, 1980, p. 64).
Quine (1980) compartilha com Ryle e também com Frege, ao que parece, um mesmo ponto de vista sobre
a referência. Ao comentar sobre a referência e o significado, os quais ele diferencia, Quine interpreta o
porquê, como hipótese, de ambos terem sido relacionados um como o outro, pelas teorias do significado,
ou seja, o “fracasso” em apreciá-los como “coisas distintas” (Quine, 1980, p. 232). Este autor explicita
a sua posição anti-referencial sobre o significado ao apresentar um exemplo elucidativo de que o nomear
(um referente) não deve ser identificado com o significar. É o exemplo (usado por Frege) que recorre às
expressões “Estrela de Manhã” (ou “Matutina) e “Estrela da Tarde” (ou “Vespertina”) como duas formas
de nomear a mesma coisa (Vénus), porém diferentes quanto ao significado.
Strawson (1980) discute o significado, propondo que este não pode se identificado com a referência, nem
com uma ocasião particular de utilização da sentença ou expressão, nem com o objecto ao qual a sentença
ou expressão se refere, nem ainda com a asserção feita pela utilização da sentença ou expressão.
26
A “imagem real” da lua, diz Frege, é comparada ao “sentido”. Na tentativa de interpretar
o autor, dizemos que a imagem real relaciona-se à lua, mas não é a lua; ela é projectada,
e sendo projectada, a imagem é o modo pelo qual a lua é apresentada no telescópio.
Se a imagem fosse o objecto (o referente ou referência do sinal “lua”) então não haveria
diferença entre referência e sentido. Portanto, o sentido de um sinal, em Frege, não é
o próprio objecto que ele designa. O sentido é subjectivo (embora não completamente).
Usando o exemplo da lua, o sentido é subjectivo porque, em comparação, relaciona-se
com a “imagem” da lua projectada na lente do telescópio. Mas não é tão subjectivo,
ou seja, tem certa objectividade, no entendimento de não ser “uma parte ou modo da
mente individual”; pertence à humanidade e é “transmitido de uma geração para outra”
(Frege, 1978, p. 65, itálico nosso). Portanto, devido também ao seu carácter objectivo,
o sentido/significado não é algo privativo de um individuo em particular, mas pode ser
compartilhado.

Frege compara a “imagem retiniana do observador” com a “representação”, que é


subjectiva e relativa, pois, como diz este autor, é necessário “vinculá-la a quem e a
que época pertence” (itálico nosso). Diversas pessoas podem aprender o mesmo
sentido de uma palavra (dado que este, como vimos, seja transmissível de geração
em geração), mas elas “não podem ter a mesma representação” dessa palavra (Frege,
1978, p. 65). No exemplo da lua, vimos que a “imagem retiniana”, comparada com
a “representação”, é percebida pelo sujeito que directamente a possui como algo
diferente, mesmo quando é passível de objectividade. Interpretamos a “representação”
em Frege, como sendo o modo pelo qual a mente apresenta ou reproduz em si mesma
o sentido.

Quando ao pensamento, Frege trata-o ao mencionar aquilo que ele chama de sentenças
assertivas completas, ou seja, aquelas que se caracterizam por serem afirmativas
ou constituírem uma asserção. Essas sentenças têm um conteúdo objectivo – o seu
pensamento – que é dado pelo sentido da sentença. Segundo Frege, a mudança numa
sentença, que se traduz pela substituição de uma palavra por outra com a mesma
referência, embora sentido diferente, não afectará a referência da sentença, a despeito
de produzir mudança no “pensamento”. Vemos, assim, que pensamento e sentido estão
inter-relacionados. O pensamento (sentido) “não pode ser a referência da sentença”.
(Frege, 1978, p. 67). Com esta afirmação, Frege sublinha a relação pensamento-sentido
como não identificada com a referência.

27
A título de demonstração, reproduzimos a menção que Frege faz de duas sentenças
com uma mesma referência e sentidos diversos, ilustrando como o pensamento diverge
da referência: “O pensamento da sentença ‘a Estrela da Manhã é um corpo iluminado
pelo sol’ é diferente do da sentença ‘a Estrela da Tarde é um corpo iluminado pelo sol’.
Se fica claro que as duas sentenças têm dois sentidos/significados diferentes (conforme
vimos em relação aos exemplos apresentados), não podemos dizer o mesmo quanto ao
pensamento dessas sentenças, isto é, ao fato de ele ser diferente nas duas sentenças.
O pensamento de uma difere do da outra porque nas duas sentenças há dois sentidos
diferentes? Quanto à referência, cabe-nos admitir que, embora Frege, ao mencionar a
referência, diga “referência da sentença”, ele não está, a rigor, querendo dizer que a
referência esteja, de facto, contida na sentença, ao contrário do sentido (significado) da
sentença (Frege, 1987, p. 67)12.

De acordo com Frege, podemos admitir sentenças com sentido (pensamento) em seu
todo ou em parte, mas sem “nenhuma referência”, sendo exemplos desta espécie as
sentenças que contêm nomes próprios sem referência. Em tais sentenças, apenas o
sentido é o que basta, diz o autor. Mas indagamos pela referência de uma sentença – e
não somente por seu pensamento/sentido – quando nos interessamos pelo fato de
a sentença ser “verdadeira ou falsa”, pelo seu “valor de verdade”. Quando a isso, o
autor diz: “É, pois, a busca da verdade, onde quer que seja, o que nos dirige do sentido
para a referência.” (Frege, 1978, p. 68-69, itálico nosso). O autor caracteriza a busca
da referência de uma sentença (e não o contentar-se com apenas o seu pensamento)
como um procedimento de natureza científica, diferente de uma postura artística. Ao
assumirmos uma postura artística, como é o caso de lidarmos com uma poesia, por
exemplo, ignoramos a referência. A esse respeito, ele assim se pronuncia:

Ao ouvir um poema épico (…) além da euforia da linguagem, estamos interessados apenas no sentido
das sentenças e nas representações e sentimentos que este sentido evoca. A questão da verdade nos
faria abandonar o encanto estético por uma atitude de investigação científica. (Frege, 1978, p. 68,
itálico nosso).

12
Ryle tem posição uma similar à de Frege quando à concepção de significado, embora este autor prefira
usar a palavra “sentido” para aquilo que se diz ser o “significado”. E notemos que o termo “significado”,
em Ryle, é traduzido para o português como “significação”. Ryle afirma: “Posso utilizar as duas frases
descritivas: A Estrela Matutina e a Estrela Vespertina como maneiras diferentes de fazer referência a Vênus.
Mas é bem evidente que as duas frases são diferentes em significação.” (Ryle, 1980, p. 56-57).
28
Portanto, segundo Frege, a investigação do valor de verdade de uma sentença, ou seja,
a sua referência, significa a adopção de uma atitude científica. O critério de verdade
indica-nos ser um instrumento útil para diferenciar o significado de expressão ou de
textos de natureza científica relativamente ao significado de expressões ou textos não
científicos (artísticos, por exemplo). Talvez possamos concluir com Frege que a busca
pelo valor de verdade de uma sentença implica a busca do carácter verdadeiro ou falso
de toda a sentença, com base na sua referência. E o que dá suporte à referência de uma
sentença, pelo que entendemos desde autor, é algo concreto: é “a circunstância de ela
(a sentença) ser verdadeira ou falsa” (Frege, 1978, p. 69, itálico nosso).

Como já examinámos, a busca da referência caracteriza necessariamente um


empreendimento científico. Além disso, temos a considerar o facto de que o valor de
verdade com qual ela (a referência) está intrinsecamente ligada tem esse suporte, o que
sustenta a possível identificação da referência a um âmbito externo ao do signo, ou seja,
ao próprio objecto. A necessidade do valor de verdade de uma sentença como sendo a
sua referência (e esta, um objecto) possibilita-nos uma análise científica de sentenças,
mesmo daquelas que – conforme aponta Frege – sejam expressões que exibem certa
“forma gramatical” que lhes serve de amparo, escondendo, assim, um “defeito de
linguagem”. Isto e, “expressões destinadas a designar um objecto, mas que em casos
especiais não o realizam (…)” por serem sentenças que não exibem o seu valor de
verdade (Frege, 1978, p. 75, itálico nosso).

Em Frege, o que está mesmo implicado no significado de uma palavra ou uma expressão
é o seu sentido ou modo pelo qual a palavra/expressão é usada para a apresentação
de um referente. Quando ele trata dessas noções e da representação, é provável, ao
que nos parece, que o faça considerando-as em conjunto, na tentativa de mostrar que
tais noções estão implicadas em seu todo, quando uma pessoa se relaciona com a
realidade, pelo uso das palavras.

Versão de Russell

Outro representante da Teoria Referencial do significado, conforme indica Edwards


(1972), é Bertrand Russell13. Um ponto central desta teoria, na versão de Russell, é

13
O pensamento de Russel poderia, à primeira vista, ser enquadrado na Teoria Ideacional do significado,
visto que, para ele, as ideias são tomadas como tendo relação como o significado. Isso não é correcto,
porém, porque este autor considera outros aspectos relacionados com o significado.
29
a sua concepção de significado implicada na noção de símbolo14. Segundo Baker e
Haker (1992), para Russell, o significado das palavras (de todas as palavras), não é
intrínseco a elas próprias, mas é dado por aquilo que representam, enquanto símbolos.
O “símbolo”, segundo Baker e Hacker, é “alguma coisa que ‘significa’ alguma outra
coisa” (Baker e Haker, 1992, p. 60). Vejamos, a seguir, três aspectos relacionados com
o significado, em Russell: as ideias, os factos e as proposições/sentenças.

Russell, de acordo com Baker e Haker (1992), considera as ideias como sendo o
conteúdo das palavras e de outros símbolos. Mesmo concebendo serem as ideias o
conteúdo de representação das palavras, Russell, ao contrário de Locke, por exemplo,
não parece, entretanto, enfatizá-las como implicação para o significado, pois, conforme
Baker e Haker (1992), Russell sustenta a tese de que todas as ideias derivam, em
última instância, da experiência (do contacto com a realidade).

Tendo em conta a relação entre o conteúdo da representação e a experiência do


indivíduo (particularmente das ideias), ou seja, a relação palavra-coisa, Russell propõe
uma teoria causal do significado. Este autor, pelo que interpretamos, parece conceder
significado como decorrente da relação palavra-coisa ou símbolo-referente. E com a sua
teoria, ele sugere, segundo Baker e Haker (1992), uma explicação do significado que
contraria a posição mística a respeito da natureza da associação mental entre nomes
e objectos nomeados.

Além do elemento coisa, Russel atrela à categoria de referente aquilo que ele denomina
facto. E ele entende o facto como uma “espécie de coisa que torna verdadeira ou falsa
uma proposição” (Baker e Haker, 1992, p. 57, itálico nosso). Essa “espécie de coisa”
quer dizer, nesse sentido, as circunstâncias que dão sustentação para a veracidade ou
falsidade de uma proposição. Em relação a isso, Russell (citado por Baker e Haker,
1992, p. 57) afirma:

Se digo ‘está chovendo’, o que digo é verdadeiro numa certa condição do tempo e é falso em outras
condições do tempo. A condição do tempo que torna verdadeiro (ou falso, dependendo de qual possa
ser o caso) meu enunciado, é o que chamarei um ‘fato’. (itálico nosso).

A afirmação de Russell expressa que ele vê o facto como definido pela sua objectividade
ou, na leitura de Baker e Haker (1992), como tendo sua existência no mundo objectivo.
Também, Russell o vê como podendo ser definido ostensivamente: “Tudo o que existe
14
Em Russell há um tratamento do “símbolo” que corresponde ao do “signo” em Osgood, como veremos.
30
no mundo chamo-o ‘um fato’” (Russell, 1948/1959, p. 197, itálico nosso)15. Em outro
trecho da mesma obra, tal objectividade mantém-se clara, na especificação do que é um
facto. Ele diz: “Significo com ‘fato’ algo que está aí, independentemente de que alguém
creia ou não.” (Russell, 1948/1959, p. 198, itálico nosso)16. Para o autor, o Sol é um
facto; ao sentirmos dor, a dor é um facto.

Um facto, para Russell (citado por Baker & Haker, 1992), pode ser verdadeiro ou falso.
Veremos em que consiste a veracidade (e, por exclusão, a falsidade) de um facto,
ao relacionarmos, mais adiante, o facto com a sentença. Ainda, para Russell, facto
é expressão de propriedade e de relação entre coisas: “Expressamos um fato, por
exemplo, quando dizemos que uma certa coisa tem uma determinada propriedade, ou
que tenha uma certa relação com outra coisa. (Baker e Haker, 1992, p. 57).

Como unidades mais amplas do que as palavras, Russell considera as proposições.


Proposição é vista como sentença, ou seja, uma proposição “é uma sentença (…) que
afirma alguma coisa”, diz Russell (citado por Baker e Hacker, 1992, p. 59, itálico
nosso)17. Ou “algo que pode ser dito em qualquer língua”. E sentença é “uma palavra
isolada” ou “um número de palavras agrupadas de acordo com as leias da sintaxe”.
O conteúdo de uma sentença é o facto de que ela “expressa algo da natureza de uma
asserção, negação, imperativo, desejo ou pergunta” (Russell, 1966/1978, p. 14).

Pelo que entendemos de Russel, o significado tem uma dimensão que consideramos
concreta, mesmo quando este autor o relaciona às ideias, pois, para ele, as ideias
derivam, em última instância, da experiência. Além disso, a dimensão concreta do
significado, em Russell, é evidenciada no facto de ele usar uma categoria de palavra, na
análise da linguagem, denominada “palavras-objecto”, isto é, “todas aquelas palavras
que uma criança aprende primeiro” e “que podem ser usadas isoladamente”. São:
“nomes próprios, nomes-classes de espécies familiares de animais, nomes de cores,
e assim por diante” (Russell, 1966/1978, p. 27). As “palavras-objecto” também
são denominadas “palavras indicativas” (Russell, 1948/1959). Para este autor, as
15
“Todo lo que existe en el mundo lo llamo ‘un hecho’” (Russell, 1948/1959, p. 197). Skinner (1986, p.
121) parece emprestar a definição de “facto”, de Russell, ao propô-lo como “uma afirmação acerca do
mundo”.
16
“Significo com ‘hecho’ algo que está ahí, independemente de lo que alguien crea o no” (Russell,
1948/1959, p. 198).
17
Quine relaciona proposição com sentença nos termos de que, segundo ele, uma proposição “é o
significado de uma sentença.” (Quine, 1980, p. 201).
31
“palavras-objecto” “não pressupõem outras”; também, podem expressar “cada uma
por si mesma”, uma proposição completa. Ele exemplifica: se alguém exclama “fogo!”,
é dispensável, por ser “sem sentido”, exclamar “do que!” (Russell, 1966/1978, p. 27-
28, itálico nosso). O significado de tais palavras “não depende de sua ocorrência em
sentenças”, é (ou pode ser) aprendido “por confronto com os objectos que são o que
elas significam, ou instâncias do que significam” (Russell, 1966/1978, p. 30, itálico
nosso).

A Teoria Referencial pontua que, para a concepção do significado, se considere o facto


de este ter relação com aspectos publicamente observáveis da situação linguística
(Edwards, 1972). Tais aspectos imprimem um carácter público ou ostensivo ao uso da
linguagem, presente tanto na versão de Frege como na de Russell. Em Frege, como
vimos, o significado é dado, directamente, pelo sentido ou modo de apresentação,
por exemplo, das palavras numa sentença; e, indirectamente, pelo referente com
o qual as palavras têm relação. E em Russell, o significado é buscado na relação,
particularmente, entre as palavras e as coisas, ou relação símbolo-referente18. Conforme
sustenta Edwards (1972), essa posição da Teoria Referencial é uma forma de resolver a
deficiência da Teoria Ideacional no tocante ao significado como decorrente de ideias na
mente de falantes e ouvintes.

18
Strawson (1980) critica a concepção de significado apresentada por Russell – como estando relacionada
com a referência: “A origem do erro cometido por Russell encontra-se em que ele pensou que fazer
referência ou mencionar – a supor que isso tenha de fato ocorrido – deve ser significar (must be meaning).
Russell (…) confundiu significar com mencionar, como fazer referência. Se eu falo a respeito do meu lenço,
posso, talvez, tirar do meu bolso o objeto a que estou fazendo referência. Mas não posso tirar do bolso a
significação da expressão ‘o meu lenço’. Por ter confundido significar com mencionar, Russell pensou que, se
existissem quaisquer expressões que tivessem uma utilização referencial individualizante (…), a significação
dessas expressões deve ser o objeto particular a que se faz referência ao utilizá-las.” (Strawson, 1980, p.
267). Devemos ressalvar que Strawson não se opõe ao facto – assente na verbalização de Russell, de que
as pessoas possam referir-se a coisas particulares por meio da utilização de expressões. Ele é, entretanto,
contrário a que a referência às coisas seja tomada como o significado: “As pessoas utilizam as expressões
para fazer referência a coisas particulares. A significação de uma expressão, contudo, não é o conjunto de
coisas particular a que se pode fazer referência ao utilizar corretamente a expressão.” (Strawson, 1980,
p. 267). Para este autor, o significado é, então, identificado com as variáveis que determinam a utilização
correcta de uma dada expressão, mediante a qual se faz referência a algo. Essas variáveis constituem o
“conjunto de regras, hábitos e convenções.” (Strawson, 1980, p. 267).
32
A Teoria S-R

A Teoria S-R (“S”, de stimulus ou estímulo; “R”, de response ou resposta) do significado


trata das conexões publicamente observáveis, por um lado, entre fala (como resposta),
e estímulo ou condições que a evocam e, por outro lado, entre fala (como estímulo) e
respostas causadas por ela.

Versão de Ogden e Richards

Segundo Edwards (1972), a Teoria S-R é tipicamente de natureza psicológica e tem


suas raízes na filosofia da linguagem. Uma de suas primeiras expressões surgiu
de dois importantes filósofos da linguagem – Charles H. Ogden e Ivor A. Richards,
com a publicação da obra The meaning of meaning, em versão americana de 1938.
Passaremos a tratar desta teoria, considerando alguns aspectos, na formulação destes
autores19, relacionados ao significado.

Um desses aspectos refere-se ao “uso” das palavras. Para Ogden e Richards


(1938/1985), “as palavras, como qualquer pessoa sabe, não ‘significam’ nada por si
mesmas, apesar de se acreditar que significam” (Ogden e Richards, 1938/1985, p.
10)20. Atrelado ao uso, os autores referem-se à noção de representação; segundo eles, o
significado existe somente pelo uso das palavras com o propósito de elas representarem
alguma coisa. Isso fica claro, ao dizerem: “É somente quando um pensador faz uso
delas (as palavras) que representam alguma coisa, ou (…) têm ‘sentido’”. (Ogden e
Richards, 1938/1985, p. 10, itálico nosso)21.

Em síntese, o significado das palavras, para estes filósofos da linguagem, é derivado do


uso que se faz delas para representarem as coisas. Nestes autores, o significado está
relacionado com a representação enquanto um dos aspectos.

Outro aspecto relativo ao significado tem a ver com as ideias e estas, por sua vez,
19
A posição de Ogden e Richards sobre o significado, que é inserida na Teoria S-R, não nos parece estar
distanciada da Teoria Referencial, a não ser no que respeita ao modo como eles consideram o referente,
isto é, não como uma relação, mas um estado de coisas.
20
“Words, as everyone now, ‘mean’ nothing by themselves, although the belief that they did” (Ogden e
Richards, 1938/1985, p. 10).
21
“It is only when a thinker makes use of them that they stand for anything, or (…), have ‘meaning’” (Ogden
e Richards, 1938/1985, p. 10).
33
estão relacionadas com a representação. Para Ogden e Richards, as ideias das coisas
surgem num leitor em função da ocorrência das palavras pelas quais as coisas são
chamadas. As ideias das coisas são representação destas, constituem-se a posteriori
e são o significado das palavras, em virtude de serem usadas para nomear as coisas.
Estes autores dão um exemplo – a formação da ideia de “verde”: “Ela surge no leitor
(…) através da ocorrência da palavra ‘verde’” (Ogden e Richards, 1938/1985, p. 70)22.
Mas o surgimento das ideias das coisas, via ocorrência das palavras que as designam,
dá-se pelo facto de as palavras terem sido, em muitas ocasiões, acompanhadas da
apresentação de coisas cujas qualidades ou propriedades constituem tais ideias.

Há, ainda, outro aspecto relacionado ao significado que é a concepção da “relação


símbolo-referente” (que tomamos como relação de referência, na Teoria Referencial).
Segundo Ogden e Richards, a relação símbolo-referente é indirecta, pois é estabelecida
em contexto do uso23 do símbolo/signo. E o uso do símbolo traduz-se em respostas ao
mesmo enquanto um estímulo. Cada resposta de “interpretação” do símbolo como um
signo;24 é qualificada por estes autores como “psicológica”. Segundo eles, a resposta
decorre de um processo adaptativo envolvendo organismos humanos e infra-humanos;25
ao processo eles denominam de mental ou cognitivo.26 O que está implicado no facto
de ser um processo adaptativo é que para essa resposta interpretativa contribuem a
experiência anterior do organismo em lidar com esse símbolo (signo), em situações
similares, e a experiência presente.27 Ogden e Richards afirmam o seguinte, sobre
22
“It arises in the reader (…) through the occurrence of the word ‘green’”. (Ogden e Richards, 1938/1985,
p. 70).
23
Esta é uma interpretação do significado que consideramos sugerir aproximação à de Wittgenstein (ver na
segunda parte deste trabalho).
24
Odgen e Richards não diferenciam símbolo de signo, que usam como sinónimo de sinal. Tratam de
signo como sendo palavras, arranjos de palavras, imagens, gestos. Também, referem-se ao conceito
de representação, quando admitem a existência desta para o signo. À semelhança do que ocorre
frequentemente em Psicologia (ver a posição de Charles Osgood), eles identificam símbolo como estímulo.
Os dois autores definem o referente de um símbolo como uma coisa, uma situação ou acontecimento.
25
Segundo estes autores, um cachorro pode apresentar essa relação frente a um estímulo sonoro,
interpretando-o como um signo: “(…) a dog interprets the sound of the gong as a sign.” (Ogden e Richards,
1938/1985, p. 56).
26
Os autores denominam de “eventos mentais” (ver o exemplo de cachorro) a: ouvir a gongo, sentir
odor, correr, por exemplo, em direcção à sala de jantar. São comportamentos que decorrem de “eventos
externos” ou estímulos do presente e do passado.
27
Ogden e Richards explicam como se torna a resposta um processo adaptativo, pelo exemplo citado
34
o signo: “A nossa interpretação de qualquer signo é (…) determinada pela nossa
experiência passada em situações similares e pela nossa experiência presente” 28.
Quanto ao que constitui essa experiência passada é o que esses autores chamam
de “contexto externo” (que é físico) ou “eventos externos”; isso compõe o “contesto
psicológico”29 (Ogden e Richards, 1938/1985, p. 244).

Dada essa concepção da relação símbolo-referente, não podemos deduzir o significado


do símbolo a partir dele mesmo, mas de uma relação estabelecida indirectamente. Um
trecho da obra destes autores atesta isso:

O Símbolo e o Referente (…) não estão diretamente associados (e quando, por razões gramaticais,
inferimos desta forma uma relação, será meramente atribuída, como oposta a uma relação verdadeira).
(Ogden e Richards, 1938/1985, p. 12-13, itálico nosso).30

A concepção do significado do símbolo, pela relação símbolo-referente, é mostrada


pelos seus proponentes como representação. Ogden & Richards sugerem haver a
representação de duas maneiras. Uma maneira é: o significado como representação da
relação entre A e B, sendo o significado como representação de A, dado pela relação
com B. Outra maneira é: o significado como representação B, exercida por A. Podemos
interpretar a noção de representação nessa segunda maneira de derivar o significado
do símbolo como implicada na resposta ao referente com o qual o símbolo tem alguma
conexão estabelecida. Em virtude dessa conexão, o símbolo controla a resposta, mesmo
na ausência do referente.

do cachorro: este é exposto, numa ocasião particular, ao som de gongo, acompanhado de um odor.
Em decorrência do facto de o organismo ter tido experiência no passado de exposição a sons de gongo
juntamente com odores, esse som do gongo, no presente, passa a ter uma relação particular com gongos
e odores do passado.
28
“Our interpretation of any sign is (…) determined by our past experience in similar situations, and by our
present.” (Ogden e Richards, 1938/1985, p. 244).
29
Constitui o “contexto psicológico” (no qual a resposta de interpretação é apresentada), o contexto em
que os eventos externos ocorrem associados entre si (por exemplo, o som e o odor) e relacionados com
sensações do organismo (o ouvir o som e o sentir o odor).
30
“Symbol and Referent (…) are not connected directly (and when, for grammatical reasons, we imply such
a relation, it will merely be an imputed, as opposed to a real relation).” (Ogden e Richards, 1938/1985, p.
12-13).
35
Versão de Osgood

Charles E. Osgood é tido como um representante da Teoria S-R, em sua modalidade


psicológica. Segundo Edwards (1972), Osgood trata o “significado” com um enfoque
nas respostas a expressões, tomando como base os signos naturais (os não produzidos
intencionalmente) e estes como modelo para a discussão da linguagem.

Em relação ao “significado”, Osgood discute, como aspectos centrais, o “signo” e o


processo em que o signo se torna como tal. Para ele, toda a expressão linguística
com significado refere-se a um signo, o qual, por sua vez, se relaciona a um objecto
– coisa ou aspecto extralinguístico. A discussão sobre signo remete aos princípios do
condicionamento clássico ou reflexo, derivados dos estudos inicialmente conduzidos
por I. P. Pavlov. Portanto, a discussão se insere no paradigma S-R (Estímulo-Resposta).

Antes de discutir sobre o objecto com o qual o signo se relaciona, este autor comenta
em sua obra Curso superior de psicologia experimental: método y teoria (Osgood, 1971)
os obstáculos à objectividade do estudo da linguagem, presentes, por um lado, na
concepção dualista sobre a mesma, ou seja, na postura de dividir o universo em físico
e mental, e, por outro lado, na tendência a reificar ou coisificar a palavra. Tal tendência
tem como implicação supor que a palavra tenha em si significado próprio e que o
significado seja uma entidade real. Osgood explicita essa tendência, dizendo: “A criança
produz ao acaso o ruído ‘ma-ma’ e a mãe exclama comovida: ‘veja, já me conhece’. A
palavra é produzida e, portanto, a criança deve ter a ideia correspondente à mesma.”
(Osgood, 1971, p. 907).31

O signo32 é definido, na obra referida, como uma “estrutura de estímulo” qualquer


que não um objecto (a coisa denotada por um signo) e que provoca reacções, isto é,
“gera conduta que de alguma maneira tem a ver com o objeto” (Osgood, 1971, p. 921,
itálico nosso)33. O objecto é definido como qualquer “estrutura de estímulo” que provoca
31
“El niño produce al azar el ruido ‘ma-ma’ y la madre conmovida exclama: ‘mira, ya me conoce’. La
palabra es producida y, por lo tanto, el niño deve tener la idea correspondiente a la misma”. (Osgood,
1971, p. 907).
32
Osgood parece considerar o “signo” e o “símbolo” como sinónimos; apesar disso, é o único, dentre
os autores consultados, que explicita uma definição de signo. O autor não deixa claro se essa definição é
própria ou se a empresta da semiótica.
33
“(...) el signo da lugar a una conduta que de alguna manera tiene que ver con el objeto” (Osgood, 1971,
p. 921).
36
reações numa pessoa. A estrutura de estímulos do signo é diferente da estrutura do
objecto. Por exemplo, “MARTELO”, aponta Osgood, não é a mesma que o objecto
“martelo”, quanto à sua estrutura. A palavra “MARTELO”, enquanto signo, provoca
num ouvinte uma parte, porção ou fracção do comportamento provocado pelo objecto
“martelo” com o qual a palavra guarda uma relação previamente estabelecida. A essa
parte do comportamento provocado pelo objecto (referida mais adiante) Osgood chama
de “implícita” e que, geralmente, segundo ele, não chega a ser uma acção manifesta.

As respostas implícitas são confinadas puramente a contracções musculares internas,


secreções glandulares e processos neurais. Edwards (1972) critica Osgood ao dizer que
ele não menciona como podemos chegar às respostas implícitas (mas as tentativas de
demostrar a formação do significado por Osgood e por Staats, por exemplo, em moldes
experimentais – como veremos neste trabalho e no Capítulo 4 da Tese – podem ser vistas
como uma resposta a estas críticas). As respostas eliciadas pelo signo são consideradas
como geralmente implícitas. O signo produz também respostas manifestas, aquelas
causadas pelo objecto. É o caso de uma criança procurar por um objecto (“martelo”)
na ausência deste, em função de um pedido, assim como o faz na presença do objecto.

É na relação, previamente estabelecida, entre a estrutura do signo e a estrutura do


objecto que Osgood propõe a busca do significado. Em virtude dessa relação, o signo
passa a eliciar um conjunto apropriado de respostas implícitas através das quais
podemos identificar o significado de uma palavra ou expressão. O significado das
palavras é avaliado quando, por exemplo, a sua dimensão sonora (aspecto do estímulo),
na ausência dos objectos, controla a resposta de relacionar essa dimensão com esses
objectos. Para que ocorra tal resposta, reveladora desse controle, é então necessário
que seja condicionada. Osgood esclarece isso num outro exemplo, elucidativo, de um
estímulo funcionando como um signo e, portanto, tendo significado: a mãe de uma
criança pequena pergunta-lhe onde está o “gatinho” e a criança começa imediatamente
a buscá-lo. Neste caso, a palavra “gatinho” funciona como signo e, assim tem um
significado para criança. O comportamento de buscar o objecto é indicativo de uma
abstracção do signo. A mera presença de um objecto que estimule a pronúncia da
palavra relacionada com ele (a criança pequena dizer “gatinho” quando estimulada por
um objecto peludo de quatro patas), não garante que o ruído da palavra represente ou
signifique algo para a criança.

Osgood discute o significado apontando o processo de formação do signo. Ele descreve


três posições ou concepções sobre esse processo, ou seja, posições que dizem respeito

37
a como ocorre a relação entre os signos e seus objectos, e consequente implicação
para o significado. Uma posição é “mentalista” ou idealista; outra baseia-se na “teoria
de substituição” (de estímulo); e uma terceira posição propõe um processo baseado na
noção de “disposição”.

A concepção mentalista defende que a relação signo-objecto é estabelecida pela


mediação ou intermediação das ideias. Um exemplo: a palavra “MARTELO” origina a
ideia do objecto “martelo” na mente e o objecto, por sua vez, origina a mesma ideia,
passível de ser expressa por signos convenientes. E a ideia é tratada, nessa concepção,
como a “essência” do significado (Osgood, 1971, p. 922). Inerente a essa concepção
há certo dualismo, pois os objectos e os signos alcançam a sua relação significante por
estarem ligados às mesmas ideias. Osgood rejeita-a ao perguntar qual a natureza das
ideias tidas como supostamente intermediando a relação signos/objectos.

A teoria de substituição propõe que um objecto provoca uma determinada resposta


(de entre outras possíveis); se qualquer outra estrutura de estímulo é pareada
consistentemente com esse objecto, essa estrutura fica condicionada às mesmas
respostas produzidas pelo objecto original e, assim, obtém o seu significado. Osgood
critica esta segunda posição sobre o processo de formação do signo por considerá-la
uma teoria simplificadora e, talvez, por imprimir certo mecanicismo a este processo,
que tem como base o princípio de condicionamento reflexo. O autor contesta a aplicação
pura e simples desses princípios, ao mencionar essa postura em Watson, qualificando-a
de “ingénua”. E aponta que os signos raramente ou quase nunca provocam as mesmas
respostas que os objectos que representam (ao contrário do que propõe a teoria de
substituição).34 Osgood, apesar disso, reconhece que a teoria de substituição constitui
um primeiro passo rumo a uma interpretação comportamental do processo de formação
do signo.

Segundo Osgood (1971), Morris35 propôs a disposição como um aspecto que faz
parte do processo de formação do signo. A disposição é demostrada como resposta
a um dado signo. A proposta de Morris defende que qualquer estrutura de estímulo,
34
“La respuesta al estímulo condicionado rara vez, o nunca, es identica a la respuesta al estímulo
incondicionado.” (Osgood, 1971, p. 923).
35
C. W. Morris, para Osgood (1971), foi um filósofo de orientação behaviorista. A referência, a que não
tivemos acesso, na qual Osgood localiza a noção de “disposição” para a explicação do processo de
formação do signo é: Morris, C.W. Foundations of the theory of signs. Int, Encyl. Unif. Sci, v. 1, p. 63-75,
1938.
38
que não seja um objecto, se converte em signo do objecto se produz no organismo
uma “disposição” para produzir alguma das respostas previamente provocadas pelo
objecto. A palavra “MARTELO” funciona como um signo do objecto “martelo” para
uma pessoa se provoca nela uma “disposição” para responder das mesmas maneiras
pelas quais o fez previamente ao próprio objecto. Nessa proposta, os signos alcançam
o seu significado ao provocar reacções que “levam em conta” os objectos significados.
Diz Osgood: “O signo MARTELO pode provocar respostas diferentes das que o objeto
provocaria, mas devem ter o caráter de ser pertinentes ao objeto.” (Osgood, 1971, p.
923, itálico nosso).36

Para este autor, a proposta da “disposição” como parte do processo de formação


do signo foi um avanço em relação à teoria de substituição, embora não a suplante.
Contudo, mesmo que a proposta faça reviver esta teoria, assumindo a função de
substituição de “ideias”, não se trata, segundo o autor, de substituição simples, por
aceitar a noção de “disposição”, o que implica aceitar que “o signo dispõe o organismo a
produzir sequências de respostas da mesma família de comportamentos originalmente
produzidos pelo objeto significado.” (Osgood, 1971, p. 927).37

Não obstante reconhecer a importância da concepção de Morris, Osgood rejeita o termo


“disposição”, argumentando que seu uso implicaria a definição desse termo, o que
seria difícil, pois há a exigência do enunciado de regras capazes de identificá-lo, não
tendo sido tal possibilidade estudada por seu proponente.

A crítica de Osgood quanto à aplicação ingénua dos princípios de condicionamento


reflexo no processo de formação do signo/significado, fica evidente ao questionar:
quando a resposta de contracção da pupila for condicionada a um som pelo
pareamento deste estímulo com uma luz brilhante, isso implica que o som significa
luz brilhante para o sujeito? Coloquemos esta pergunta em termos genéricos: no
processo de condicionamento reflexo, o estímulo anteriormente neutro que passa a
ser condicionado, ”significa” o mesmo que o estímulo incondicionado para o sujeito?
A resposta de Osgood é negativa. Ele aponta que, em quaisquer casos, os estímulos
condicionados não podem ser identificados com signos, pois não representam algo mais
do que eles mesmos. Ainda menciona que a transformação de estímulos em signos
36
“El signo MARTELO puede provocar respuestas diferentes a las que provocaria el objeto, pero deben
tener el carácter de ser pertinentes al objeto”. (Osgood, 1971, p. 923).
37
“Le signo dispone al organismo a producir secuencias de repuestas de la misma família de condutas
originalmente producidas por el objeto significado.” (Osgood, 1971, p. 925).
39
via condicionamento não pode ser tomada como algo automático, aplicável a todos
os casos, dizendo: “(…) os estímulos podem ser condicionados a reações sem que,
simultaneamente, se convertem em signos.” (Osgood, 1971, p. 926, itálico nosso).38

Mas este autor apresenta uma ressalva que indica ser sua crítica relativa: “(…) nem todas
as conexões estímulo-resposta conferem propriedades de signo aos estímulos que as
provocam.” (Osgood, 1971, p. 926, itálico nosso).39 Ao dizer “nem todas” (as conexões),
Osgood abre uma brecha para admitir aquelas conexões estímulo-resposta em que os
estímulos se tornam signos. De igual modo, ao assumir que é preciso distinguir, embora
seja difícil, as condições em que uma dada estrutura de estímulo é um signo de alguma
coisa, daquelas condições em que não é. Ele sustenta que se todos os processos de
formação do signo têm que ser aprendidos, as conexões estímulo-resposta conferem
propriedades de signos aos estímulos que as provocam. Assim, ele sugere que se
descubra alguma distinção razoável dentro da classe dos comportamentos aprendidos
para se verificar quais conexões estímulo-resposta são indicativas da formação do signo-
significado. Com esse intuito, Osgood faz referência a alguns estudos voltados ao treino
do significado baseado no condicionamento reflexo, que apresentaremos mais adiante.
Também, ao exemplificar comportamentos controlados por signos em humanos. Eis
um deles:

Quando um ser humano ouve outro dizer, ‘traz-me o martelo, por favor’, e responde convenientemente
indo buscar esse objecto, não há dúvida de que ‘martelo’, como estrutura de estímulos auditivos, está
funcionando como signo. (Osgood, 1971, p. 926, itálico nosso).40

Neste exemplo, entendemos que procurar o objecto martelo, e não outro, é a resposta
controlada pelo signo “martelo” e, assim, um (o signo) corresponde ao outro (o objecto),
sinalizando-o. A sinalização de objecto ou eventos está presente em outro exemplo de
comportamento governado por signo:

38
“(…) los estímulos podem ser condicionados a recciones sin que, simultaneamente, se convertam en
signos.” (Osgood, 1971, p. 926).
39
“(…) no todas las conexones estímulo-respuesta confierem propriedades de signo a los estímulos que las
provocan…” (Osgood, 1971, p. 926).
40
“Cuando un humano oye decir a outro, ‘tráeme el martillo, por favor’, y responde convenientemente
yéndose a buscar esse objeto, no cabe duda de que ‘martillo’, como estrutura de estímulos auditivos, está
funcionando como signo.” (Osgood, 1971, p. 926).
40
O professor vai até a porta de sua casa numa manhã e, ao avistar o céu vê nuvens escuras carregadas
de chuva; entra em sua casa de novo e pega (…) o guarda-chuva antes se dirigir à Universidade (…).
A resposta às nuvens como estímulos têm a ver, de novo, com alguma outra coisa, e podemos dizer
legitimante de que as nuvens significam chuva. (Osgood, 1971, p. 926, itálico nosso).41

Para Osgood, o que está envolvido nos dois exemplos, como algo que explica serem
os comportamentos considerados provocados por signos, é aquilo a que denomina
de processo de mediação de representação em associação com o estímulo, em cada
caso. Este processo é traduzido em respostas implícitas não facilmente observáveis.
No primeiro exemplo, a resposta implícita seria o “estremecimento” antecipatório do
professor quando mira nuvens escuras (resposta associada com evento “chuva” do qual
as nuvens escuras constituem signo) ao entender o “significado” de nuvens escuras.
No segundo exemplo, a resposta implícita seria a pessoa “dar golpes” antecipatórios
com o martelo quando ela entende o ”significado” da palavra “MARTELO” que é o
signo do objecto martelo. Em ambos os casos, as respostas são produzidas pelos
signos, têm relação com os objectos aos quais os signos dizem respeito e antecipam
o comportamento dirigido a um e ao outro objecto, consoante o caso. O processo
implícito é também referido no exemplo anterior aos dois já considerados: no caso de
a criança procurar um gato pequeno em resposta à pergunta “Onde está o gatinho?”.
Afirma Osgood: “O comportamento da criança está aparentemente organizado e dirigido
por algum processo implícito iniciado pela palavra [gatinho]”. (Osgood, 1971, p. 920,
itálico nosso; palavra entre colchetes acrescentada).42

Fazem parte desse processo respostas implícitas, como, por exemplo, a criança repetir
“Onde está o gatinho?” ocorrendo enquanto têm lugar as respostas dirigidas ao objecto,
por exemplo, o procurar o animal.

Interpretando a posição de Osgood, dizemos que a função das palavras enquanto


signos é a de representarem os objectos com os quais estão relacionadas. E, então, o
significado do signo traduz-se na conduta perante o signo como de representação do
objecto. E é graças às respostas implícitas que as palavras representam coisas (ligação

41
“El professor sale a la puerta de su casa una mañana y, al levantar la vista al cielo ve nubes oscuras
cargadas de lluvia; se mete de nuevo a su casa y se arma de (…) paraguas antes de dirigirse a la universidad
(…). La respuesta hecha a ello como estímulo tiene que ver, de nuevo, com alguma outra cosa, y podemos
decir legitimamente que las nubes oscuras significan lluvia.” (Osgood, 1971, p. 926).
42
“La conduta del niño está aparentemente organizada y dirigida por algun processo implícito iniciado por
la palavra.” (Osgood, 1971, p. 920).
41
de certos signos a determinados objectos). O que indica isso é que as palavras, segundo
Osgood, produzem alguma cópia de conduta real relativa a essas coisas. “Esta é a
identificação decisiva, o mecanismo que liga os signos ao objectos-estímulo particulares
e não a outros.” (Osgood, 1971, p. 927, itálico nosso)43. Para que o signo exerça a sua
função de representação é necessário que o processo de mediação inclua parte do
mesmo comportamento produzido pelo objecto. A proposta é uma tentativa do autor
no sentido de interpretar o conceito de “disposição” usado por Morris, explicitando o
que pode estar implícito nesse termo e, assim, solucionar o problema que o mesmo
acarreta.

O processo de mediação de representação é uma hipótese. Como tentativas de investigar


este processo, o autor menciona alguns estudos voltados à busca de indícios fisiológicos
do significado, mas descartando a validade dos procedimentos de investigação do
significado, por não concordar que haja uma maneira de “ler” o significado que o signo
tem para o sujeito a partir dos registos de sua actividade muscular implícita. Assim,
ele demonstra-se céptico quanto aos resultados dos estudos que buscaram indícios
fisiológicos do significado, ao criticar o procedimento neles utilizados, afirmando que
o significado pode estar presente sem a actividade motora e que, mesmo admitindo
o contrário, não foi feita uma demonstração decisiva da necessidade do componente
motor na mediação do significado. Osgood mantém a mesma postura perante a busca
de outros correlatos fisiológicos do significado que têm sido propostos em estudos
experimentais.

Osgood (1971) mostra-se animador, entretanto, quanto ao teste da hipótese de


mediação de representação, através de outros estudos. Um conjunto desses estudos
esteve voltado ao treino directo do significado, procurando mostrar a ocorrência de
generalização semântica do objecto ao signo. O autor refere-se a experimentos em
que alguma reacção reflexa (por exemplo, o reflexo pupilar) foi condicionada a um
estímulo não verbal (por exemplo, luz), anteriormente à aplicação de testes para
estimar a generalização das respostas a signos verbais (por exemplo, a palavra AZUL)
que representam o estímulo original. Como um deles, Osgood cita o experimento
de Kapustnik,44 que obteve dados positivos nesse sentido. No experimento, foram
estabelecidas reacções salivares condicionadas a estímulos visuais e auditivos e
estimada, posteriormente, a transferência (evidência de quantidades significativas de
43
“Esta es la indetificación decisiva, el mecaniso que liga los signos a objeto-estímulo particulares y no a
otros.” (Osgood, 1971, p. 927).
44
O autor omite a referência desse estudo na obra que consultamos (Osgood, 1971).
42
generalização) dos índicos originais a signos verbais.

Outro conjunto de estudos foi conduzido para verificação da generalização semântica. É


possível, conforme Osgood, treinar directamente o significado de um signo e é possível
obter, a partir desse treino, significados semelhantes, mas que resistem a associar-se
com significados opostos. Como exemplo de resultado, nesse sentido, ele apresenta o
de experimento retirado de Stagner e Osgood (1946).45 O estudo indicou que se o signo
RUSSO significa mau para um estudante universitário conservador (isto é, estabelecido
assim, pelo treino directo), ele aceitará facilmente (ou seja, sem resistência) a sua
substituição por sujo, injusto, cruel, mas ser-lhe-á difícil pensar nos russos (isto é o
fará com resistência) como algo limpo, justo e bondoso. Com uma suposta explicação
para esta ocorrência, nesse e em experimentos similares, Osgood refere-se ao mesmo
processo de mediação de respostas, mencionado anteriormente como ocorrendo na
formação do signo, gerando o significado – o facto, como hipótese, de a resposta
condicionada operar o processo de mediação da reacção ao estimulo não verbal
(como, por exemplo, luz azul), durante o condicionamento original, que permanece
simultaneamente condicionado à nova reacção e, por conseguinte, mediar a reacção
“generalizada” ao estimulo verbal (por exemplo, a palavra “azul”).

Outro conjunto de estudos, ainda, visou verificar o papel de atitudes perante signos,
em função de contextos verbais internos e externos. Para Osgood, o responder a signos
pode depender da verbalização implícita produzida, o que implica o significar, nesse
caso, como uma atitude frente ao signo dependente de “contexto verbal interno”
(Osgood, 1971, p. 966). O autor exemplifica isso a partir da citação de um estudo de
Foley e Macmillan (1943)46 no qual ficou demonstrado que os sujeitos usados num
grupo experimental (estudantes de medicina e direito) conferiam uma interpretação
profissional consistente às palavras-estímulo que eram relacionadas à sua profissão
(o que aumentava consoante a quantidade de palavras às quais eles eram expostos),
em relação à interpretação profissional inconsistente conferida pelos sujeito do grupo
de controle (estudantes de escolas não profissionais). Poderíamos então concluir do
estudo que as palavra-estímulo, por terem sido relacionadas à profissão dos sujeitos
experimentais, passando a lhes ser familiares como signos, constituíam um contexto
45
Stagner, R.; Osgood, C. E. Impact of war on a nationalistic frame of reference: I. Changes in general
approval and qualitative patterning of certain stereotypes. J. Soc. Psyhol., v. 24, p. 198-215, 1946.
46
Foley, I. P.;MacLillan, L. L. Mediated generalization and the interpretation of verbal behavior: V. Free
association as related to differences in professional training. J. Exp. Psychology, v. 33, p. 299-310, 1943.
Não consultamos as referências citadas nesta e na nota anterior.
43
verbal interno propício para um responder positivo. Isso ficou evidenciado pelos dados
desse grupo, contrastantes com os dos sujeitos controle.

A atitude (verbal) frente ao signo também pode estar relacionada ao “contexto verbal
externo”, importante, por seu lado, para a determinação do significado dos signos.
Osgood (1971) relata um estudo no qual ele participou (Howes e Osgood, 1953)47 com
três grupos de sujeitos que foram expostos a três palavras-estímulo (que assinalamos
em itálico) associadas com uma palavra que indicava um mesmo contexto (que
assinalamos em letras maiúsculas). No primeiro grupo, as palavras eram muito
semelhantes entre si (sinistro, demónio, mal - OBSCURIDADE); no segundo grupo, foi
usada uma palavra neutra (a primeira palavra em letras minúsculas, sem itálico, para
sua identificação), distinta das demais (comer, demónio, mal - OBSCURIDADE); no
terceiro grupo, havia outras duas palavras diversas em relação às demais – ambas sem
itálico, para sua identificação (comer, fundamental, mal - OBSCURIDADE); no quarto
grupo, de controle, não foi usada nenhuma das palavras influentes. O autor relata ter
verificado uma crescente associação entre a palavra-contexto e as palavras que se
relacionavam à mesma, e uma diminuição da associação entre a palavra-contexto e as
que se diferenciavam dela. Estes resultados, segundo o autor, confirmam a noção de
que o significado de uma palavra torna-se mais específico em virtude do seu contexto.

47
Não foi possível acesso a este estudo. Osgood (1971) menciona-o na “biblografia” da obra, como Wowes,
D. H.; Osgood, C. E. On the combination of associative probabilities in linguistic contexts.
44
Resumo

As teorias que apresentamos neste trabalho tratam o significado das palavras ou de


unidades maiores – as proposições ou sentenças. Há aspectos comuns entre essas
teorias, pelos quais as relacionamos, não obstante as suas diferenciações.

Na Teoria Ideacional, concepção de Locke, o significado é identificado com as “ideias”


(ou “imagens”), apesar de estas terem relação com os “factos”. As ideias são concebidas
enquanto cópias do mundo externo, portanto, originadas a partir do concreto. Apesar
dessa origem, ou seja, poderem as ideias advir das coisas e dos factos, não é isso que
determina o significado das palavras, mas o papel de representação do mundo concreto
que as ideias exercem.

Na Teoria Referencial, o significado é concebido na relação entre símbolo e seu


referente. Gottlob Frege, um dos representantes desta teoria, embora inclua o referente
(ou referência), na discussão do significado, alia-o a outras noções – a de sentido, sinal
e representação, mas não para, através destas noções, propor um modelo explicativo
do significado e sim para sugerir estas noções enquanto diferentes aspectos – porém,
relacionados – presentes quando uma pessoa lida com o mundo exterior através do uso
de palavras. E também, para criticar e negar a concepção do significado que o atrela ao
referente (embora possamos interpretar haver em Frege uma relação indirecta entre o
significado e o referente). Frege adopta o sentido como sinónimo de significado. Sentido/
significado é o “modo” de expressão de um pensamento (ou o seu “conteúdo”), através
de um nome, uma letra, uma palavra ou combinação de palavras. Para Bertrand Russell,
outro representante da Teoria Referencial, a noção de símbolo implica a de significado
e este é interpretado de três modos: significado como representação de “ideias” (o seu
“conteúdo”), exercida por símbolos; significado como dado pelos “factos” (também
representados por símbolos) e significado como aquilo que as proposições afirmam.

Na Teoria S-R, versão de Ogden e Richards, o significado é discutido como ausente


das palavras e relacionado às condições de seu uso. O uso implica a representação
de alguma coisa (o referente). A representação tem nas “ideias” o seu conteúdo e é
exercida pelas palavras (símbolos ou signos), quando estas são usadas para nomear ou
designar as coisas. Em suma, nestes autores, o significado é visto como representação.
Na versão de Osgood, a relação signo-referente é explicada como um processo pelo qual
ocorre a formação do significado via resposta de mediação da representação do signo,
no âmbito do paradigma de condicionamento respondente ou reflexo (modelo S-R).

45
Aspectos em comum

Mesmo que cada uma das teorias seja específica quanto à concepção do significado,
podemos apontar pontos que apresentam em comum.

Um ponto é relativo às ideias, consideradas por Locke (Teoria Ideacional) e por Russell
(Teoria Referencial). O facto de estes autores considerarem as “ideias” em sua
discussão do significado constitui um aspecto que liga as teorias das quais eles são
representantes, não obstante Locke, diferentemente de Russell, enfatizar o papel das
ideias na representação da realidade concreta.

Outro ponto é relação símbolo-referente, que liga a teoria Referencial à Teoria S-R. Tanto
numa quanto na outra teoria, a relação símbolo-referente é tomada para a interpretação
do significado, mas na Teoria Referencial, ela é defendida como central, na medida em
que é usada para explicar o processo de formação do significado.

Um terceiro ponto, que relaciona as teorias de um modo global, é a noção de


representação, presente em todas elas: 1- representação de ideias48 e do mundo
concreto, exercida pelas palavras e relacionada com o significado (Locke), na Teoria
Ideacional; 2- representação de ideias, exercida pelas palavras como símbolos (Russel)
e como um dos aspectos subjectivos na relação com a realidade por meio das palavras,
mas não relacionada com o significado (Frege), na Teoria Referencial; 3- representação
como resposta de interpretação do símbolo, como estímulo, na relação do símbolo
com as coisas, ou relação símbolo-referente (Ogden e Richards), e como resposta de
mediação no processo de formação do signo (Osgood), na teoria S-R.

Considerando que, nestas teorias, a noção de representação é um ponto em comum,


apontamos a pertinência de as analisarmos como teorias “representacionais” do
significado.

48
A “ideia”, enquanto “conteúdo” de representação, é considerada, do ponto de vista linguístico de
Saussure (1915/1999), como sendo o papel desempenhado pelo “significante” do “signo”.
46
O significado em Wittgenstein

Ludwig J. J. Wittgenstein é considerado um crítico das teorias tradicionais da linguagem.


Conforme Pears (1973), ele apresentou, ao longo do tempo, duas posições diferentes49
sobre a linguagem, nas obras – Tractatus Logicus-filosoficus, de 1921, e Philosophical
Investigations, de 1953. É no âmbito da segunda obra que consideramos pertinente
apresentar a contribuição de Wittgenstein sobre o significado, em virtude de, nessa obra,
o filósofo afastar-se de uma visão representacional da linguagem (presente, em alguma
media, na obra de 1921) e tratar o significado das palavras e sentenças enquanto
relacionado com as condições que determinam o uso das mesmas na linguagem.

Wittgenstein propõe a busca do significado das palavras e sentenças nas condições


de seu uso. Duas afirmações, dentre outras, explicitam isso. Uma é: “Deixe que o uso
ensine o significado a você.” (Wittgenstein, 1953/1992, p. 212)50. A outra afirmação é:
“Deixe que o uso das palavras ensine o seu significado.” (Wittgenstein, 1953/1992, p.
220e, itálico nosso)5152.
49
Pears (1973) considera alguns marcos do pensamento de Wittgenstein em Philosophical investigations
que mostram haver, nesta obra, um tratamento diferenciado da linguagem em relação ao tratamento
da mesma em Tractatus Logicus-filosoficus: (a) Um marco é a negação de que a linguagem tenha uma
essência comum; (b) Outro marco é a sua (de Wittgenstein) nova posição filosófica frente às teorias
metafísicas, isto é, como isentas de veracidade; (c) Outro marco, ainda, é o evitar a teorização sobre e
linguagem, concentrando-se em factos a seu respeito.
Begelman (1976), em referência ao tratamento da linguagem por Wittgenstein em Philosophical
Investigations, comenta que o autor não lhe confere um estatuto privado, dados os seus vínculos com
eventos públicos. A mesma posição é defendida por Quine (1980), ao afirmar: “A linguagem é uma arte
social que nós todos adquirimos, tendo como única evidência o comportamento aberto de outras pessoas
em circunstâncias publicamente reconhecíveis”. E conclui “(…) não pode haver, em nenhum sentido útil,
uma linguagem privada.” (p.133).
Day (1992) sugere que o pensamento de Wittgenstein sobre a linguagem em Philosophical Investigations se
caracteriza por um operacionismo, ao compará-lo com o operacionismo de Skinner.
50
“Let the use teach you meaning.” (Wittgenstein, 1953/1992, p. 212e). Depois do ano, o número, quando
for o caso, refere-se à nota do autor, e a letra “e” sobrescrita, após a página, designa a inicial de “English”,
pois ser inglesa a versão da obra consultada.
51
“Let the use of words teach their meaning.” (Wittgenstein, 1953/1992, p. 220e).
52
Além dos autores que comentam sobre Wittgenstein, mencionados em notas anteriores, há outros cuja
interpretação deste filósofo são complementares ou não entre si e em relação ao próprio tratamento que ele
dispensa ao “uso” com o qual ele relaciona a busca do significado. Em virtude do seu suposto interesse,
47
Ao discutir o uso das palavras na linguagem, o autor refere-se ao que entendemos como
sendo as diversas formas pelas quais ocorre (esse uso). Essas formas são expressões
de práticas sociais que determinam o uso, ou seja, que indicam as condições em que
tem lugar. É nessas condições que, para este autor, o significado deve ser buscado.
Apresentaremos apenas três dessas formas. Uma delas é exemplificada quando as
pessoas estabelecem relação ou associação palavra-coisa ou palavra-objecto (e palavra-
evento) no quotidiano, pela aprendizagem. Nessa relação, há dois aspectos envolvidos:
a) o aspecto visual do objecto, representado na mente do aprendiz; e b) o som da
palavra quando a pessoa (uma criança, por exemplo) a ouve. Diz o autor: “(…) uma

inserimos aqui alguns aspectos dessas interpretações.


Ryle diferencia o “uso” da “utilização”. Para ele, “uso” é “um costume, uma prática, uma moda ou uma
voga” enquanto “utilização” é o “modo de operar com alguma coisa” é uma “técnica”, “habilidade” ou um
“método” (Ryle, 1980, p. 43). Ele refere-se à utilização quando trata da compreensão “de uma palavra ou
frase”, em sua relação como o significado. Afirma: “compreender uma palavra ou uma frase é saber como
utilizá-la, isto é, saber como fazê-la desempenhar o seu papel numa ampla gama de sentenças.” (Ryle,
1980, p. 47).
Condé (1998, p. 86) sustenta que a linguagem em Wittgenstein, é tratada pelo filósofo no plural, em razão
da diversidade de seu uso. Daí haver uma “pluralidade de funções ou papéis” que ele identifica como
sendo “jogos de linguagem”, os quais estão relacionados com as “formas de vida”. Assim, “os jogos de
linguagem encontram sua sustentação no contexto da vida” (Condé, 1998, p. 101). Para ele, a linguagem,
em Wittgenstein, é o reflexo de “forma de vida”, por emergir dela. “A forma de vida é o ancoradouro último
da linguagem.” (Condé, 1998, p. 104). Ele interpreta o uso da linguagem como relacionado com o conceito
de “significação” (Condé, 1998, p. 88). Para o autor, esse uso não diz respeito “apenas ao uso das palavras
na proposição”, mas relaciona-se com “um contexto mais amplo (…)”, ou seja, com “diferentes situações
(…)” (Condé, 1998, p. 89).
Lampreia (1992) comenta que a linguagem, em Wittgenstein, “significa mais do que aquilo que ocorre
em uma situação de comunicação. Ela envolve também todo o sistema de crenças, toda a ‘mitologia’ da
cultura à qual o individuo pertence (…). Portanto, não se pode falar de um mundo, de uma realidade, de
um pensamento independentes da linguagem.” (Lampreia, 1992, p. 274). Quanto ao contexto em que
ocorre o uso das palavras e expressões, Lampreia diz: “O uso se dá dentro de um contexto, de um contexto
linguístico e não apenas material, embora o material possa fazer parte do contexto linguístico. Contexto
linguístico significa não apenas as significações de um momento actual, mas um sistema de significações
anteriores que proporcionam a ‘interpretação’ atual.” (p. 273-274).
Baum (1999, p. 143) menciona o uso como critério de busca do significado, com seu reflexo no
comportamento. Essa busca é dispensável num léxico e deve ocorrer, ao contrário, “naquilo que o ato
consegue obter”, ou suas consequências no contexto.
48
figura do objecto surge antes na mente da criança quando a mente escuta a palavra.”
(Wittgenstein, 1953/1992, p. 4e).53

Outra forma pela qual se dá o uso das palavras está voltada à aprendizagem social de
expressão de sensações (por meio de exclamações ou de sentenças). O autor explicita,
com um exemplo, como pode mudar a aprendizagem de uma determinada forma de
expressar sensações, gerando uma forma de expressá-las. O exemplo é: “Uma criança
se cortou e chora; e então pessoas adultas falam com ela e lhe ensinam exclamações
e, mais tarde, sentenças.” (Wittgenstein, 1953/1992, 244, p.89e).54

Outra forma, ainda, é o uso da nomeação de, por exemplo, coisas ou objectos. Por
essa forma, uma pessoa, na sua interacção com uma coisa ou objecto, usa nomes
para designar a coisa ou o objecto, ou para expressar a impressão que lhe é causada
pelas diversas propriedades da coisa/objecto. Para ilustrar isso, Wittgenstein faz uma
afirmação, em referência, por exemplo, à propriedade cor cuja impressão produz, em
quem se relaciona com ela, a sua nomeação: “(…) pelo menos não significamos algo
completamente preciso quando olhamos em direção a uma cor e nomeamos a nossa
impressão da cor?” (Wittgenstein, 1953/1992, 27, p. 96e. itálico do autor).55

Como dissemos, as formas anteriormente referidas são exemplos indicadores de práticas


sociais que são responsáveis pelas condições nas quais ocorre o uso das palavras.
Tanto na relação palavra-coisa quanto na expressão de sensações (eventos privados)
e na nomeação de coisa/objecto, há algo arbitrário que é a “relação” palavra-coisa,
no primeiro e no terceiro exemplo, e a “relação” palavra-evento interno, no segundo.
Nesses casos, o uso socialmente determinado de palavras nas relações mencionadas
especifica as condições em cujo âmbito deve ocorrer a busca do significado. Essas
condições têm a ver com regras gramaticais para o uso das palavras e estas regras são
sociais e arbitrárias.56 De acordo com Wittgenstein, quando se explicita o significado
53
“(…) a picture of the object comes before the child’s mind when it hears the word.” (Wittgenstein,
1953/1992, 6, p. 4e).
54
“A child has hurt himself and he cries; and then adults talk to him and teach him exclamations and, later,
sentences.” (Wittgenstein, 1953/1992, 244, p. 89e).
55
“(…) don’t we at least mean something quite definite when we look at a colour and name our color-
impression?” (Wittgenstein, 1953/1992, 276, p. 96e).
56
Interpretando Wittgenstein, Tourinho (1994) aponta o carácter social das regras gramaticais como sendo
revelador das condições públicas que regulam o uso das palavras. E além de seu carácter social, ele aponta
as regras gramaticais como sendo arbitrárias: a realidade limita-as, não as determina. Também, em sua
49
para uma determinada expressão formal – um conjunto de signos, por exemplo – o
significado, neste caso (da expressão formal), é tido como decorrente de uma relação
de correspondência entre conjunto de signos e aquilo que é explicitado. Wittgenstein
afirma: “Suponha que eu disse ‘a b c d’ e signifiquei com isso: tempo bom (…). - Nestas
circunstâncias ‘a b c d’ significa que o tempo é bom?” (Wittgenstein, 1953/1992, 509,
p.104e).57

Com a pergunta, após a afirmação, o autor parece questionar essa interpretação de


significado. E propomos entender, do seguinte modo, a explicação dessa interpretação
do significado que ele apresenta: no caso do uso desse conjunto de signos com a
atribuição do seu significado como sendo “tempo bom”, apontamos que essa atribuição
seguiu o uso da expressão “‘a b c d’”. Dito de outra forma: essa expressão desprovida
de significado prévio passou a tê-lo através de sua relação arbitrariamente estabelecida
com outra expressão cujo significado foi explicitado.58 A seguir, teceremos mais
considerações sobre a concepção wittgensteiniana do significado.

A visão do significado, em Wittgenstein, revela uma posição anti-representacional de


linguagem, isto é, que enfatiza seu aspecto funcional, como “uma forma de vida”,
ou “forma de ação no mundo”. Em outras palavras: “Isto significa olhar para as
falas humanas, não como tentativas de representar o meio circundante, mas como
uma forma de ação sobre outros indivíduos.” (Tourinho, 1994, p. 246). As regras
gramaticais são essas condições sociais para o uso das palavras. Essas condições
são prescritas nas regras (Costa, 1996), constituem os critérios para esse uso e são
construídas socialmente. Para Wittegnstein, segundo Lampreia (1992, p. 287), as
regras não têm um papel causal (não são determinantes), não são tidas como coisas
e não têm sua localização no cérebro ou na mente. É normativo o seu papel. Elas
são “aplicações de normas externas dadas pelas explicações de significado”. Então,
o significado é, para Wittegenstein, o estabelecimento de “normas ou regras para o

interpretação de Wittgenstein, Lampreia (1992) menciona esse papel das regras de linguagem, isto é, o de
prescreverem o uso das palavras.
57
“Suppose I said ‘a b c d’ and meant: the weather is fine (…), - Does ‘a b c d’ now mean: the weather is
fine?” (Wittgenstein, 1953/1992, 509, p. 140e).
58
Willard Day assume que o significado é arbitrariamente atribuído, ou seja, no sentido de ser expresso
publicamente. Day (1992) transcreve uma citação de Pole (1958), da obra (que não consultámos), The
later philosophy of Wittgenstein, London: Athlone Press, em que este diz que mesmo a expressão, através
da linguagem, de experiências privadas, na verdade, é a expressão ampla de linguagem pública, aprendida
em contextos sociais.
50
uso correto de expressões” (Lampreia, 1992, p. 290). O carácter social das regras
gramaticais – conforme a interpretação de Wittgenstein por Tourinho (1994) – evidencia
que as condições que regulam o uso das palavras têm uma natureza pública. Assim, o
significado está relacionado com essas condições que são públicas.

Lampreia (1992, p. 273-274) apresenta os seguintes aspectos que indicam a visão anti-
representacional de linguagem, em Wittgenstein: (1) a ideia de que a representação,
no sentido de “substituição da coisa representada, é ilusória”; (2) a afirmação de
que o que determina as representações não é “nenhum aspecto da natureza – nem
a (…) natureza biológica, nem mesmo a natureza do ‘mundo externo’ mas as regras
normativas da (…) linguagem (…)”; (3) a concepção de mundo sendo constituída por
meio de todo o “sistema de crenças, toda a ‘mitologia’ da cultura à qual o indivíduo
pertence”. Lampreia prossegue, explicitando esse anti-representacionismo, ou seja,
caracterizando a concepção própria de Wittgenstein sobre representação. A autora diz
que essa concepção de representação implica relação entre “mundo”, “realidade”,
“pensamento” e “linguagem”, no sentido que aqueles não são independentes desta.
Havendo essa representação, logo o que é representado não independe da forma
como é representado, o que implica em sua não-reificação. “Com isto, desaparece a
reificação já que não se pode falar de uma coisa – em si – independente da forma como
a representamos (…)”.

Segundo Lampreia, o significado numa visão representacional de linguagem é visto


como tendo uma determinação assente na referência. Nesta visão, as referências
que determinam o significado são “coisas”, “pensamentos”, “entidades arbitrárias”
(Lampreia, 1992, p. 277). É uma visão que exclui o papel do social na constituição das
referências. Refutá-la, na análise de Lampreia, não implica, em Wittegnstein, negação do
uso “referencial” que se faz das palavras. Pois, segundo esta autora,

Ele [Wittegnstein] procurou combater a visão tradicional segundo a qual as palavras representam ou
substituem uma referência e as sentenças descrevem um estado de coisas. Mas isso não significa que
ele negue que as palavras possam ser usadas para representar uma referência e que as sentenças
possam ser usadas para descrever um estado de coisas. O que está em questão é o que determina
a representação e a descrição. Para Wittegenstein, não é a referência mas todos os pressupostos
envolvidos na prática de usar palavras e sentenças. (Lampreia, 1992, p. 281).

Conforme Lampreia, os pressupostos envolvidos na prática de uso das palavras são,


dentre outros aspectos, os constituintes do contexto linguístico (mitologia e crenças de

51
uma dada cultura) que, para Wittegenstein, determinam o significado. Afirma Lampreia
(1992, p. 284): “(…) para se compreender o significado de uma verbalização é
necessário conhecer o padrão de atividade dentro do qual ela está inserida.” Wittegnstein
(1953/1992) apresenta um exemplo desse padrão: trata-se de uma situação que
envolve um construtor (A), seu assistente (B) e diferentes blocos, pilares, lajes e vigas de
construção. “A” solicita blocos e os outros materiais a “B”, à medida que precisa deles,
nomeando-os, e “B” os traz para “A”, como assim aprendeu a fazer a cada solicitação.
No exemplo, está indicada a nomeação, a qual, segundo Lampreia, poderia ser vista
como uma descrição do objecto, mas tendo também outros usos, como um pedido ou
uma ordem. Em outras palavras: Wittegenstein, conforme Lampreia (1992, p. 285),
considera que “nem toda a verbalização representa e descreve”. E essa consideração não
implica negação, por este filósofo, da possibilidade de representação, mas ressalvando
a concepção que ele tem de representação, como indicámos anteriormente.

52
Conclusões

Pela análise das noções de “referência”, “significado” e “símbolo”/“signo”, dentre


outras, mencionadas neste trabalho, vimos que o significado é concebido na filosofia da
linguagem de uma forma diversificada, nas diversas versões teóricas. Essa análise foi
uma tentativa de atingirmos o primeiro objectivo proposto no trabalho.

Para a consecução do segundo objectivo, essa análise foi também importante, por ter-nos
possibilitado verificar que as teorias do significado, não obstante se apresentarem em
versões diversas, possuem aspectos comuns pelos quais podem ser inter-relacionadas.
Como aspectos comuns, apontámos a concepção a respeito de “ideias”, o tratamento
à relação “símbolo-referente” e à noção de “representação”.

Para o alcance do terceiro objectivo, apresentámos a posição de Wittgenstein sobre o


“significado”, isto é, de que este deve ser buscado nas condições que determinam o
“uso” de palavras (e sentenças) na linguagem.

Este trabalho é uma contribuição para as discussões da ”referência” e do “significado”


que B. F. Skinner tece em Verbal behavior. Um dos aspectos dessa contribuição é a
sugestão de ampliação do suporte teórico, na Filosofia da Linguagem, para a análise
de Skinner a respeito das noções mencionadas como devendo ser desvinculadas
de “ideias” e de “imagem”. Também, a proposta de uma compreensão melhor dos
referenciais em que se inserem os autores mencionados por Skinner na obra citada.

Além disso, o presente trabalho contribui para situar as versões teóricas, na Filosofia da
Linguagem, em que a “referência” e o “significado” são analisados, como uma possível
solução para a omissão que se verifica em Skinner quando discute essas noções,
ao usar a expressão “teorias do significado”, sem as especificar. Quanto à noção de
“significado”, em particular, este trabalho contribui para mostrar que a mesma tem um
tratamento que revela posições diversas, reflectindo as versões teóricas dos autores
consultados. Também, contribui de maneira muito específica, para mostrar que o
“significado”, em Wittgenstein, é identificado com as condições expressas nas regras
para o uso de palavras e expressões.

A possibilidade, demonstrada no trabalho, de uma inter-relação entre as teorias do


significado quanto à noção de “representação” pode ser vista como um provável
argumento de que Skinner se sirva (embora sem o explicitar) para tratar essas teorias

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de forma homogénea, na Filosofia da Linguagem, isto é, omitindo o facto de elas serem
peculiares, se considerarmos as versões específicas dos representantes de cada teoria
que nós discutimos.

Ainda, podemos tomar a ampliação do suporte teórico como importante, no sentido de


apontar para uma possível relação, não estabelecida por M. Sidman, entre as noções
de “referência”, “significado” (e “símbolo”), e as discussões a respeito das mesmas no
campo da Filosofia da Linguagem.

Ademais, o facto de termos localizado e esclarecido na literatura as noções de “referência”


e “significado”, com destaque, além do esclarecimento da noção de “símbolo” e
“signo”, foi útil para a análise da relação entre essas noções e a “compreensão de
leitura”, tendo em conta o tratamento desta por Sidman, em particular. Apontamos que
a relação entre essas noções e a “compreensão de leitura” tem, de facto, seu suporte
na Filosofia da Linguagem, se considerarmos o papel da representação atribuído às
palavras como símbolos, presente, como elemento unificador, em todas as versões
teóricas do significado.

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Nota sobre o autor

Marcelo Quintino Galvão Baptista é Doutor em Educação (Metodologia de Ensino) pela


Universidade Federal de São Carlos (São Paulo), Mestre em Psicologia (Teoria e Pesqui-
sa do Comportamento) e Bacharel, Psicólogo e Licenciado em Psicologia pela Univer-
sidade Federal do Pará (UFPA), onde tem sido docente e pesquisador com experiência
também em Educação e em Ciências Sociais (Segurança Pública). Foi um dos editores
da revista Ver a Educação (ICED), membro do Conselho Editorial da revista Humanitas
(IFCH) e vice-director da Faculdade de Psicologia. Participou em vários eventos científi-
cos no Brasil e no exterior, tem mais de uma dezena de trabalhos publicados (artigos
e capítulos de livros) e experiência como consultor ad hoc para periódicos na área de
sua formação.

Ao abrigo de um protocolo de cooperação com a UFPA, prestou colaboração à Uni-


versidade de Cabo Verde, de Janeiro de 2009 a Março de 2013. Durante o período,
actuou na Uni-CV como presidente do Departamento de Ciências Sociais e Humanas,
vice-reitor, reitor em exercício e pró-reitor. Foi director do Mestrado em Segurança Públi-
ca, em cujo âmbito orientou uma dissertação. Dentre outras funções desempenhadas,
foi coordenador-geral do Programa de Iniciação Científica e de congressos científicos e
publicações deles decorrentes.

De volta à instituição de origem, o Prof. Marcelo Galvão lecciona, participa em pesquisa


e exerce assessoria, na Pró-Reitoria de Relações Internacionais, para as relações com
universidades africanas de Língua Portuguesa.

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