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O Problema Da Criação Judicial Do


Direito: Da Jurisprudência Dos
Conceitos a Hans Kelsen
pablo miozzo
Revista Direito E Politica

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Ent re Princípios Jurídicos e Valores: Uma Invest igação Hist órica Sobre Esse Imaginario
Faust o Morais

Judicialização da Polít ica e At ivismo Judicial: Uma Diferenciação Necessária


Felipe Fróes Cout o, Lorena Fonseca

O Decisionismo Como Possibilidade De Abert ura Para O Diálogo


Henrique Smidt Simon
MI OZZO, Pablo Cast ro. O problem a da criação j udicial do direit o: da j urisprudência dos conceit os a hans kelsen.
Revist a Elet rônica Direit o e Polít ica, Program a de Pós -Graduação St rict o Sensu em Ciência Jurídica da UNI VALI ,
I t aj aí, v.6, n.3, 3º quadrim est re de 2011. Disponível em : www.univali.br/ direit oepolit ica - I SSN 1980-7791

O PROBLEM A D A CRI AÇÃO JUD I CI AL D O D I REI TO: D A


JURI SPRUD ÊN CI A D OS CON CEI TOS A H AN S KELSEN

THE PROBLEM OF JUDICIAL CREATION OF LAW: THE CASE LAW OF THE


CONCEPTS THE HANS KELSEN

1
Pablo Cast ro Miozzo

SUM ÁRI O: I nt rodução; 1 A Jurisprudência dos Conceit os; 2 A Jurisprudência dos


I nt eresses; 3 O Movim ent o para O Direit o Livre; 4 A Teoria Pura do Direit o de
Hans Kelsen; Considerações finais; Referências das Font es Cit adas.

RESUMO

O present e est udo se ocupa do t em a da criação j udicial do Direit o. A abordagem


procura dem onst rar que o t em a não é novo, t endo sido obj et o de um a
im port ant e discussão ocorrida j á no século XI X, início do século XX. Serão
est udadas as corrent es denom inadas Jurisprudência dos Conceit os,
Jurisprudência dos int eresses, Movim ent o para o Direit o Livre e a Teoria Pura do
Direit o, no int uit o de desm ist ificar a idéia de que t al fenôm eno é próprio do
const it ucionalism o surgido após a 2ª Guerra Mundial na Europa e, quem sabe,
cont ribuir para o aprofundam ent o da reflexão no Brasil.

PALAVRAS- CH AVE: Criação Judicial do Direit o ; Posit ivism o Jurídico ;


Neoconst it ucionalism o.

ABSTRACT

This st udy deals wit h t he issue of j udicial creat ion of Law. The aproach seeks t o
dem osnt rat e t hat t he issue is not new, having been t he subj ect of an im port ant
discussion t ook place in ninet eent h cent ury, early t went iet h cent ury. Will st udy
t he so called Jurisprudence of Concept s, Jurisprudence of I nt erest s, The Free Law
Doct rine and t he Pure Theory of Law, in order t o desm yst ify t he I dea t hat t his
phenom enon in Europe em erged from t he const it ucionalim developed aft er t he
World War 2 and, perhaps, contribute with the refletion over this problem in
Brazil.

KEY- W ORDS: Judicial creat ion of Law ; Legal Posit ivism ; Neoconst it ucionalism .

1
Procurador Federal em Canoas/ RS, Brasil, Especialist a em Direit os Hum anos pela ESMPU/ UFRGS, Mestrando
em Direit o Público pela UFRGS. Em ail: pcm iozzo@yahoo.com .br .
MI OZZO, Pablo Cast ro. O problem a da criação j udicial do direit o: da j urisprudência dos conceit os a hans kelsen.
Revist a Elet rônica Direit o e Polít ica, Program a de Pós -Graduação St rict o Sensu em Ciência Jurídica da UNI VALI ,
I t aj aí, v.6, n.3, 3º quadrim est re de 2011. Disponível em : www.univali.br/ direit oepolit ica - I SSN 1980-7791

I N TRODUÇÃO

O present e t rabalho possui com o escopo invest igar um t em a de ext rem a


im port ância cont em poraneam ent e, qual sej a, o papel do Poder Judiciário na
criação do Direit o. Trat a- se de tem a espinhoso, que envolve idéias fundam entais
de Teoria do Est ado, Direit o Const it ucional, Teoria do Direito e Herm enêutica
Jurídica, m as que, não obst ant e, carece de m aiores debat es acadêm icos no Brasil
e de propost as dout rinárias sérias.

Não raras vezes, o papel criat ivo do Juiz na const rução do Direit o é colocado
com o um a novidade dout rinária, supost am ent e result ado do const it ucionalism o
surgido após a Segunda Grande Guerra e do rom pim ent o com um a espécie de
posit ivism o j urídico, frequent em ent e caricat urado. De fat o est e t em a ganhou e
cont inua ganhando m uit a not oriedade, sobret udo a part ir da j urispr udência dos
Tribunais Const it ucionais europeus e da dout rina j urídica de países com o a
Alem anha, I t ália, Espanha e Port ugal.

Sem em bargo, est a discussão rem ont a a um cont ext o m uit o ant erior. Ao longo
do século XI X, início no século XX, na Alem anha, França e I nglat erra, houve um a
int ensa discussão acerca do papel do Juiz e da ciência j urídica. Na I nglat erra
desde m uit o ant es. Nos est ados Unidos, é sabido que o que se conhece hoj e
com o cont role difuso de const it ucionalidade surge j ust am ent e de um em bat e
acerca do poder de dizer o Direit o.

Escolheu- se abordar t ão som ent e o pensam ent o alem ão inicialm ent e em virt ude
da quest ão espacial. Out rossim , pela conhecida influência exercida no Direit o
pát rio e, adem ais, por pert encerem os sist em as t edesco e brasileiro ao que se
conhece com o fam ília “ civil law” , o que lhes confere um a aproxim ação em t erm os
de est rut uração e aplicação. Evit ar- se- á, de out ra sort e, conceit uar t erm os que
geram polêm ica, m uit as vezes por carecerem de m aiores esclarecim ent os
dout rinários no Brasil, com o posit ivism o, neoconst it ucionalism o, at ivism o, et c.

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Diant e disso, pret ende-se nas linhas seguint es, t razer à luz, algum as idéias
expost as por im port ant es corrent es do Direit o alem ão do período referido, t endo
com o assunt o o papel do Juiz na cria ção do Direit o. Analisar- se- á a const rução
feit a pela cham ada “ Jurisprudência dos Conceit os” , passando pela
“ Jurisprudência dos I nt eresses” , pelo “ Movim ent o do Direit o Livre” at é chegar à
“ Teoria Pura do Direit o” . Pret ende- se averiguar se e em que m edida o
t rat am ent o dado por essas diferent es form as de encarar o problem a se aproxim a
ou se repele.

Adem ais, quem sabe, desm ist ificar algum as pré- com preensões e por vent ura
colaborar para o aprofundam ent o dest e assunt o no Brasil, at é m esm o para
com preender m elho r fenôm enos que são próprios da nossa realidade.

1 A JURI SPRUDÊN CI A DOS CON CEI TOS2

A Jurisprudência dos conceit os, cuj o principal expoent e foi Georg Friedrich
Pucht a, deit a raízes em um a discussão ant erior exist ent e na Alem anha. Trat a- se
do em bat e ent re os defensores da codificação e os que apregoavam a recepção
do Direit o Rom ano. O m ovim ent o codificador foi influenciado pelo cont ext o em
que se sit uava a França, com a recent e criação do Código de Napoleão. A
cham ada Escola da Exegese se ocupou da quest ão da herm enêut ica do Código
napoleônico. Na Alem anha a t endência para codificação t eve em Thibaut seu
principal defensor. Opunha- se a teoricam ente Thibaut, Savigny, expoente da
Escola Hist órica do Direit o.3

2
Est a corrent e e seu desenvolvim ent o na dout rina é denom inada por Wieacker de “ posit ivism o cient ífico” .
WI EACKER, Franz. H ist ór ia do Direit o Privado Moderno . 4. Ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha. Lisboa:
Fundação Caloust e Gulbekian, 1967. P. 493.
3
Sobre est a discussão t eórica ver BOBBI O, Norbert o. O Positivism o Jurídico . P. 54 e ss. A m at riz filosófica
subj acent e ao m ovim ent o codificador era o I lum inism o racionalist a. Já a Escola Hist órica do Direit o era
influenciada pelo Historicism o e pelo Rom antism o, m ovim ento opositor ao I lum inism o. Não se adentrará , no
ent ant o, por um a quest ão espacial, no em bat e filosófico que subj az à oposição ent re I lum inism o e
Rom ant ism o. Para t al, na seara do Direit o, consult ar Bobbio na obra supra, bem com o a bibliografia cit ada in
fine. No âm bito da filosofia, ver GADAMER, Hans Georg. Verdade e M ét odo. p. 241 e ss.

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I t aj aí, v.6, n.3, 3º quadrim est re de 2011. Disponível em : www.univali.br/ direit oepolit ica - I SSN 1980-7791

Sem em bargo, apesar da crít ica da Escola Hist órica, am bas as escolas
com part ilhavam a exigência de um Direit o unit ário e sist em át ico. Nest e sent ido,
há um a convergência t ant o no que diz respeit o ao ideal de cient ificidade 4 , quanto
no que t oca ao papel passivo do Juiz. A diferença se fazia not ar especia lm ent e
quant o ao obj et o de int erpret ação. Num a o Código Civil e nout ra o Direit o
Rom ano recepcionado.

Em linhas gerais, na est eira do apregoado pela Escola Hist órica, ao m enos na
fase inicial de Savigny em que a int erpret ação t eleológica não era adm it ia 5 , a
Jurisprudência dos Conceit os defendia a necessidade de um int érpret e m ais
neut ro, cuj o processo com preensivo deveria ser prat icam ent e m ecânico.

Tem -se, por conseguint e, um int érpret e ( Juiz) passivo e irresponsável por suas
decisões, haj a vist a que a função int erpret at iva é declarat iva e reprodut iva do
sent ido j á at ribuído previam ent e aos t ext os considerados norm at ivos. Nest a
at ribuição, dava- se ênfase ao papel da ciência na const rução do Direit o.

Com relação ao aspect o da cient ificidade do Direit o, Georg Pucht a, seu m ais
conhecido represent ant e, desenvolveu um sist em a lógico- dedut ivo, no est ilo de
um a “ pirâm ide de conceit os” , que se caract erizava pela relação lógica ent re
proposições j urídicas 6 , capazes de criar epist em ologicam ent e conhecim ent o
j urídico – e, port ant o – Direit o novo. A m issão da ciência era descobrir est as
conexões conceit uais e desenvolver o que o aut or cham ou de “ genealogia dos
conceit os” .7 No m agist ério de Wieacker,

[ . . . ] Um a v ez que Pucht a r enunciou de fact o às r elações j ur ídicas


or gânicas e às ‘inst it uições’ de Sav igny , a pir âm ide conceit ual, i.
e. , a hier ar quia dos conceit os a par t ir de ax iom as, é const r uída de
for m a cont ínua e sem lacunas e a dedução se t or na possív el

4
I nst a referir, por out ro lado, co m Larenz, que Savigny cont rariava a t endência da filosofia alem ã de sua época
para o idealism o especulativo de Scheling, Fichte e Helgel. Savigny via nos institutos legados pelo Direito
Rom ano as bases para const ruir a ciência do Direit o. LARENZ, Karl. M e todologia da Ciência do Direit o . 3.
Ed. Trad. José Lam ego. Lisboa: Fundação Caloust e Gulkenkian, 1997. p. 21- 23.
5
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito . P. 17.
6
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito . p. 23.
7
LARENZ, Karl. Met odologia da Ciência do Direit o. P. 24. Trat a -se do cham ado m étodo da inversão , que se
caract erizava por ut ilizar com o font e para criação norm at iva noções gerais que a ciência desenvolvia a part ir
de norm as legais part iculares. HECK, Philipp. El pr oble m a de a l creción del Derecho. Trad. Manuel
Ent enza. Granada: Edit orial Com ares, 1999. P. 36.

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obser v ando o est r it o r igor lógico[ ...] A legit im idade da nor m a


j urídica baseia - se agor a ex clusiv am ent e na sua cor r eção
sist em át ica, na sua v er dade lógica e na sua r acionalidade; a
pr ópr ia cr iação do Dir eit o t or na- se um ‘desenv olv im ent o’ a par t ir
8
do ‘conceit o’. ( grifei)

Essa pirâm ide conceit ual part ia de um conceit o supr em o, de cuj o cont eúdo
derivam os dem ais. Para não cair em um círculo vicioso, esse conceit o suprem o
era buscado fora do ordenam ent o j urídico, m ais especificam ent e na filosofia.
Segundo Larenz, “ [ ...] se analisarm os m ais em concret o, o a priori j usfilosófico
9
do sist em a de Pucht a não é senão o conceit o kant iano de liberdade.” Adem ais,
out ro pont o fulcral da t eoria, com o vist o com Wieacker, é o pressupost o da
com plet ude do ordenam ent o j urídico, ou sej a, da inexist ência de lacunas. Ainda
que event ualm ent e se adm it isse sua ocorrência, est as eram preenchidas com
const ruções conceit uais. 1 0

Nas palavras de Wieacker, a part ir da concepção de Pucht a, “ [ ...] t ornou-se


inevit ável o alheam ent o da ciência j urídica em relação às realidades sociais,
polít icas e m orais do direit o.” 1 1

Out ro im port ant e represent ant e da Jurisprudência dos conceit os foi Rudolf Von
I hering, em sua prim eira fase 1 2 , m ais especificam ent e na obra “ Geist des
röm ischen Recht es” . I hering distinguia duas form as de ciência do Direito, um a
superior e out ra inferior. A inferior deveria se ocupar das norm as j urídicas, da
aclaração de seu cont eúdo, explicação de princípios, et c. Já a superior, a
“ caract eríst ica do pensam ent o j urídico verdadeiro” , com eça com o est udo

8
WI EACKER, Franz. Hist ória do Direit o Privado Moderno. P. 456/ 457.
9
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito . p. 25. Percebe -se aí out ra diferença no pressupost o
filosófico de Pucht a em relação a Savigny, ou sej a, a influência do idealism o, ainda que se lim it e ao t opo da
cadeia conceitual, j á que dedutivam ente, o procedim ento utilizado é o lógico abstrato. LARENZ, Karl.
Met odologia da Ciência do Direit o . P. 27. So bre o cont eúdo ét ico - j urídico do conceito suprem o, ver
t am bém KAUFMANN, Art hur. A problem á t ica da filosofia do direit o a o longo da hist ória . (I n)
KAUFMANN, Art hur. HASSAMER, Winfried ( Org.) . I nt r oduçã o à Filosofia do D ir e it o e à Te or ia do D ir e it o
cont e m porâ ne a s. Trad. Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira. Lisboa: Fundação Caloust e Gulkenkian,
2002. P. 169.
10
HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho . P. 35/ 36.
11
WI EACKER, Franz. Hist ória do Direit o Privado Moderno. P. 458.
12
Segundo Larenz, I hering t eve duas fases: um a ainda ligada ao form alism o da Jurisprudência dos Conceit os e
out ra na qual rom pe com est a. “ A viragem de I hering para um a j urisprudência pragm át ica foi o pont o de
part ida da j urisprudência dos int eresses [ ...] ” , com o se verá a seguir. LARENZ, Karl. Metodologia da
Ciência do Direit o . p. 63.

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independent e dos conceit os j urídicos, com seu tratam ento com o “ corpos
j urídicos” .1 3 Phillip Heck ensina que,

[ ...] Por est a independización los inst it ut os j ur ídicos pasan de ser


sum as de pr oposiciones j ur ídicas o elem ent os de t ales
pr oposiciones a ser ent idades ex ist ent es, indiv idualidade lógicas a
sat isfacer m ediant e la idea del ser y de la v ida indiv iduales. Las
ult er ior es t ar eas de la j ur ispr udencia super ior consist en em la
inv est igación pr ecisa de la est r uct ur a, las pr opr iedades y las
r elaciónes de y ent r e los cuer pos j ur ídicos cr ist alizados a par t ir de
14
pr oposiciones j ur ídicas.

A t arefa final era fixar definit ivam ent e a fórm ula conseguida a part ir da
const rução conceit ual, e colocá- la na base da aplicação.1 5 Consoante j á referido,
o papel do Juiz era considerado um a t arefa puram ent e gnosio lógica, na qual
deveria subsum ir o caso ao conceit o j urídico, ou sej a, lhe era negado qualquer
espaço para criação do Direit o.1 6

Assim , se é possível afirm ar que para a Escola da Exegese francesa t endo, com o
obj et o o Código Civil napoleônico, o Juiz era pensado lit eralm ent e com o “ boca da
lei” , para a Jurisprudência dos Conceit os, na int erpret ação do Direit o Rom ano
recepcionado na Alem anha e reconst ruído pela dout rina, os j uízes poderiam ser
vist os – analogicam ent e - com o a “ boca dos conceit os” .

2 A JURI SPRUDÊN CI A DOS I N TERESSES 1 7

13
HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho . P. 39.
14
HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho . P. 39.
15
HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho . P. 39.
16
HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho . P. 21.
17
Ant es da Jurisprudência dos I nt eresses surgem os obj et ivist as, com o Windscheid, que ainda se baseavam na
Jurisprudência dos Conceit os, m as pensavam possível a apreensão de fins obj et ivos no ordenam ento.
“ Hist oricism o e racionalism o são as com penent es com inant es do pensam ent o, não apenas em WI NDSCHEI D,
m as, em geral, da ciência do Direit o do Século XI X. I st o significa que, em bora se considerasse t odo o Direit o
com o produt o da evolução hist órica e, port ant o, com o posit ivo, via-se, porém , no próprio direit o posit ivo um a
ordem racional que, por isso m esm o, seria suscept ível de ser com preendida e sist em at izada
concept ualm ent e. A Lex , sobret udo o Direit o privado rom ano, vale m enos com o volunt as do que rat io script a
[ ...] ” LARENZ, Karl. Met odologia da Ciência do Direit o . 3. Ed. Trad. José Lam ego. Lisboa: Fundação
Caloust e Gulkenkian, 1997. P. 39- 40. A diferença ent re os obj evist as cit ados e o “ segundo I hering” é que
aqueles encont ravam os fins obj et ivam ent e no próprio ordenam ent o ( lógico-dedut ivam ent e) , por isso
poderiam se utilizar do m étodo da j urisprudência dos conceitos. Já I hering e os teóricos da Jurisprudência dos
I nt eresses buscavam est es fins no plano em pírico, fins em píricos do legislador ou das forças que est ão por
t rás dele. I dem . P. 42. Kauffm ann, nesta m esm a direção, afirm a que os obj etivistas concebiam um a

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A Jurisprudência dos I nt eresses se volt ou cont ra o form alism o e o dogm a da


com plet ude do Direit o defendido pela Jurisprudência dos Conceit os e, part indo do
pressupost o de que havia lacunas no ordenam ent o, o que era de cert a form a
negado por est a últ im a corrent e, apregoou a necessidade de um Juiz/ int érpret e
m ais at ivo, m enos preso ao conceit ualism o lógico - form al e m ais atento à
realidade. Mais especificam ent e aos “ int eresses da vida” 1 8 envolvidos nas
discussões j urídicas. Tem com o precursor I hering em sua segunda fase.1 9

A exigência decorria da const at ação de que os ideais da determ inação plena do


Direit o e da plena adequação, não eram at ingíveis ou esgot áveis na at ividade do
legislador. Para Philipp Heck, considerado o principal represent ant e da escola, o
legislador não era capaz de dar cum prim ent o a am bos os ideais apenas a part ir
de seus preceit os. Prim eiram ent e porque sua at ividade, em regra, t em efeit os
prospectivos, ou sej a, pretende regular o futuro, que se sabe, é im previsív el. Por
out ro lado, ainda que conseguisse prever as cont ingências das m udanças
result ant es da com plexidade da vida m oderna, não seria capaz de se expressar
de m odo inequívoco. A conseqüência é a inexorabilidade da presença de
inum eráveis lacunas, é dizer, o Juiz se depara com silêncios legislat ivos para
sit uações que deveriam t er sido reguladas pelo Direit o.2 0

Diant e de t al const at ação, para Heck, t rês saídas t eóricas se apresent avam na
disputa m etodológica do século XI X: a livre indagação do Direito, da qual se
falará adiant e, a lim it ação à subsunção, t rat ada acim a, ou a com plem ent ação
coerent e e dependent e do preceit o.2 1

“ t eleologia im anent e” . KAUFMANN, Art hur. A problem á t ica da filosofia do direit o a o longo da hist ória .
P. 170. I m port a aduzir, com Wie acker, que est a corrent e pode ser denom inada de “ posit ivism o legalist a” .
WI EACKER, Franz. Hist ória do Direit o Privado Moderno. P. 493.
18
HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho . P. 21.
19
LARENZ, Karl. Met odologia da Ciência do Direit o . P. 59. Larenz cit a a obra “ Der Zweck im Recht ” ( O fim
do Direit o) de 1877 com o principal referência dest a viagem . Franz Wieacker designa est a segunda fase de
I hering com o “ posit ivism o nat uralist a” , em virt ude da influência exercida pela m et odologia das ciências da
nat ureza. WI EACKER, Franz. H ist ória do Direit o Privado M oderno . P. 514. Já Kaufm ann fala em um
“ posit ivism o j urídico em pírico” . KAUFMANN, Art hur. A problem át ica da filosofia do direit o ao longo da hist ória.
P. 170.
20
HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho . P. 30/ 31.
21
HECK, Philipp. El pr oble m a de la cr e ción de l D e r e cho. P. 30/ 31. Est a t erceira via defendia, ent ret ant o,
que est a com plem ent ação não deveria ser feit a a part ir das valorações pessoais do j ulgador, m as est ava
vinculada às int enç ões do legislador, no sent ido de que a valoração dos ideais e int eresses da vida deveria
ser buscada na norm a legal. Trat ava - se de um a t ent at iva de solucionar o problem a das lacunas, sem colocar

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A exist ência de lacunas e, ao m esm o t em po, a im possibilidade de colm at á- las


apenas a part ir da analogia ou m esm o da const rução conceit ual 2 2 , desencadeou
um a m udança na perspectiva m etodológica, no sentido de se questionar com o
est as lacunas deveriam ser preenchidas. Alt era- se, com o dit o, a form a de
com preender o papel da ciência do Direit o, bem com o a função do Juiz. A decisão
j udicial passa a ocupar um lugar de dest aque. Segundo Heck,

“ [ . . . ] La consecuencia fundam ent al de est a t endencia es que el


j uez com plet a según cr it er ios t eleológicos las lagunas del der echo,
est o es, que sua m isión no consist e ex clusiv am ent e en subsum ir
baj o nor m as jur ídicas, sino t am bién en cr ear subsidiar iam ent e
23
est as últ im as.”

Ou sej a, e ist o é pouco discut ido pela dout rina brasileira, j á no século XI X, início
do século XX, houve um im port ant e m ovim ent o int elect ual em oposição ao
form alism o lógico - dedutivo que lim it ava o Juiz a um aut ôm at o.

Em t erm os herm enêut icos t em - se um a transform ação parcial no que diz respeito
ao papel do Juiz.2 4 Já a ciência deveria preparar o j ulgador para aplicar o
Direit o.2 5 O int érpret e deveria respeit ar a legislação e realizar valorações
pessoais som ent e em caso de lacunas. Ou sej a, est a com preensão part e do
pressupost o de que o Direit o est ava pré- dit o pelo legislador e que o Juiz seria
cham ado a dizê- lo a part ir de suas im pressões pessoais som ent e em caso de

em risco a segurança j urídica. I bidem . P. 32. Est a alt ernat iva parece est ar present e t ant o na concepção que
se conhece hoj e com o int erpret ação subj et ivist a, que privilegiava a “ vont ade do legislador” com o m ét odo de
invest igação, quant o na propost a de Windsheid e sua int erpret ação “ obj et ivist a” ( t eleologia im anent e) acim a
cit ada, na qual se dest acava a busca pela “ vont ade da lei” . Sobre isso ver HESSE, Konrad. Elem ent os de
Direit o Const it ucional da República Federal da Alem anha . Tradução de Luís Afonso Heck. Port o Alegre:
Fabris, 1998. P. 56 e ss. Philipp Heck procura desenvolver um a proposta própria dentro deste terceiro
m ovim ent o, ou sej a, a com plem ent ação coerent e e dependent e do preceit o.
22
Philipp Heck aduz que, apesar da Jurisprudência dos Conceit os negar a at ribuição ao Juiz para com plem ent ar
a lei, na prát ica ist o ocorria at ravés do recurso à analogia e m ediant e a const rução de conceit os j urídicos.
HECK, Philipp. El pr oble m a de la cr e ción de l D e r e cho . P. 35/ 36. Para o autor, “ [ ...] La com plem entación
concept ual es en el fondo polít ica de consignas sublim ada em m ét odo cient ífico.” HECK, Philipp. El pr oble m a
de la cr e ción de l D e r e cho p. 37. E segue asseverando que “ [ ...] La única excelencia que present a est e
m ét odo es la ilusión que anim a al creyent e – crédulo- j uez.” . HECK, Philipp. El problem a de la creción del
D e r e ch o. p. 42. Ou sej a, int encionalm ent e ou não, e ist o não vem ao caso, est ava configurada um a disput a
polít ica no sent ido de quem est ava aut orizado a dizer o Direit o.
23
HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho . P. 22.
24
“ [ ...] El der echo realm ent e im port ant e para la vida es aquel que se realiza em la sent encia j udicial. El
derecho legal no consigue el poder aut orit ário que da al derecho su valor sino por m édio de la sent encia del
j uez.” HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho . p. 26.
25
HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho . P. 72.

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MI OZZO, Pablo Cast ro. O problem a da criação j udicial do direit o: da j urisprudência dos conceit os a hans kelsen.
Revist a Elet rônica Direit o e Polít ica, Program a de Pós -Graduação St rict o Sensu em Ciência Jurídica da UNI VALI ,
I t aj aí, v.6, n.3, 3º quadrim est re de 2011. Disponível em : www.univali.br/ direit oepolit ica - I SSN 1980-7791

silêncio legislat ivo. Havia um a tentativa de equacionar o problem a da criação


j udicial com o dever do Juiz respeit ar a lei, j á que est ava a ela vinculado.2 6

A pret ensão da Jurisprudência dos I nt eresses com o ciência era oferecer um


inst rum ent al t eórico que perm it isse ao Juiz chegar a um a decisão obj et ivam ent e
adequada, que sat isfizesse as necessidades da vida present es na com unidade
j urídica. 2 7 Para Heck,

[ ...] La obj ect iv a especificidad de la j ur ispr udencia de int er esses


consist e en el esfuer zo de pr incipio por r eduzir las nociones
nor m at iv as que const it uy en el der echo a la im br icación de esas
disposiciones r eiv indicat iv as, y por colm ar las lacunas de la ley
t eniendo en consider ación t odas las disposiciones r eiv indicat iv as
28
afect adas en cada caso.

Heck é avesso à idéia de um a ciência do direit o m eram ent e t eorét ica, com o ele
considerava a Jurisprudência dos Conceit os. Pensa o Direit o com o t ut ela de
int eresses. Port ant o, a própria legislação j á é result ado da prot eção de
int eresses. Segundo o aut or,

[ ...] La ciencia j ur ídica, por su desar r ollo hist ór ico y por su


confor m ación act ual, es una ciencia nor m at iv a y pr áct ica, com o la
m edicina. La finalidad com ún a esas ciências no es la sat isfacción
del deseo de saber ; lo que quer em os es hallar cam inos par a
sat isfacer la biológica necessidad de der echo y par a hallar el
29
der echo exigido por la vida.

O legislador com o pessoa é subst it uído pelas forças sociais ( int eresses) . Daí não
se falar m ais em volunt as legislat oris. No ent ant o, não é possível ident ificar Heck
t ot alm ent e com as corrent es obj et ivist as da int erpret ação j á que não se lim it ava
a analisar o que obj et ivam ent e o t ext o norm at ivo poderia dizer, m as exort ava a
necessidade de se buscar os “ int eresses hist óricos” que em basavam a lei.

26
HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho P. 65.
27
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito . P. 64 .
28
HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho . P. 62. Estas disposições reivindicatórias são “ [ ...]
deseos o inclinaciones latentes, que no están constantem ente presentes a nuestra conciencia pero que,
despiert as por cualquier est ím ulo, dan com o result ado um deseo o act o.” I dem . P. 61.
29
HECK, Philipp. El pr oblem a de la creción del Derecho . P. 26. “ La act ividad cognit iva necesaria para la
obt ención del fin norm at ivo t iene por de pront o um obj et o dúplice. Por um a part e hay que precisar el derecho
aplicable, pero solo desde el punt o de vist a del cont enido de las nociones norm at ivas decisivas. Más t am bién
hay que pedir com especial énfasis que la ciencia est udie y dest aque las valoraciones de la ley, el fundam ent o
de int ereses de las det erm inaciónes legales [ ...] Em segundo lugar, hay que exigir t am bién que la cie ncia
j urídica est udie la vida, las sit uaciones y las necessidades vit ales, la acción del derecho em la vida [ ...] ” HECK,
Philipp. El problem a de la creción del Derecho . P. 73.

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MI OZZO, Pablo Cast ro. O problem a da criação j udicial do direit o: da j urisprudência dos conceit os a hans kelsen.
Revist a Elet rônica Direit o e Polít ica, Program a de Pós -Graduação St rict o Sensu em Ciência Jurídica da UNI VALI ,
I t aj aí, v.6, n.3, 3º quadrim est re de 2011. Disponível em : www.univali.br/ direit oepolit ica - I SSN 1980-7791

Tam bém não há com o dissociá- lo com plet am ent e de t al corrente j á que, em
últ im a análise, a lei e não a vont ade que a criou, cont inuava sendo o parâm et ro
de análise. O que o j ulgador deveria fazer, com arrim o na ciência do Direit o, era
com parar os int eresses de fat o em conflit o à espera de decisão, com aqueles
int eresses previst os na norm a. 3 0

3 O M OVI M EN TO PARA O DI REI TO LI VRE

Com o respost a ao racionalism o do século XI X e radicalizando a crít ica à


Jurisprudência dos Conceit os feit a pela Jurisprudência dos I nt eresses, inclusive
contra esta3 1 , surge no final do final daquele século e no início do vindouro,
influenciada pelo irracionalism o3 2 filosófico de Schopenhauer, Niet zsche e
Bergson, o cham ado “ Movim ent o do Direit o Livre” , “ [ ...] de que pode considerar-
se precursor o escrit o de Oskar Bülow, aparecido em 1885, int it ulado Gesetz und
Richt eram t ( lei e função j udicial) .” 3 3

Mais um a vez, na est eira de Larenz,

A idéia básica dest e escr it o, a que t ant a at enção se pr est ou, é a de


que a decisão j udicial não é apenas a aplicação de um a nor m a j á
pr ont a, m as t am bém um a act iv idade cr iador a de Dir eit o. A lei não

30
HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho. P. 65. Heck t am bém t rabalha com a idéia de
subsunção. Ent ret ant o est a não se dá a part ir das not as conceit uais at ribuídas às idéias norm at ivas do
legislador, senão com vist as aos int eresses cont rapost os. HECK, Philipp. El problem a de la creción del
D e r e ch o. P. 66.
31
Kauffm ann refere que em exposição realizada em 1910, com o nom e de “ ciência do direit o e sociologia” ,
Kant orowicz crit icou a Jurisprudência dos I nt eresses, nos seguint es t erm os: “ [ ...] O t rat am ent o correct o das
várias ‘posições de int eresses’ pressupõe o conhe cim ent o da finalidade da lei, um a vez que, se é cert o ser
possível decidir quais os int eresses realm ent e em causa sem a t er em consideração, j á o m esm o não sucede
com a quest ão de saber quais int eresses devem ser favorecidos na perspect iva do direit o.” KAUFMANN,
Art hur. A pr oble m á t ica da filosofia do dir e it o a o longo da hist ór ia . P. 174. Kant orowicz ent ende que a
Jurisprudência dos I nt eresses não consegue dar cont a da separação ent re o papel da ciência na invest igação
dos int eresses e o aspect o prát ico que eles desem penham na at ividade j udicial. Heck responde à crít ica
aduzindo que em nenhum dos t rabalhos realizados pela Jurisprudência dos int eresses t al confusão ocorre.
HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho . P. 66.
32
Kauffm ann aduz inclus ive que o Movim ent o para o Direit o Livre pode ser int erpret ado com o afilosófico,
cit ando com o exem plo o t rabalho de Ernst Fuchs. KAUFMANN, Art hur. A pr oble m á t ica da filosofia do
direit o ao longo da hist ória . P. 174
33
LARENZ, Karl. M e t odologia da Ciê ncia do Direit o. P. 77-78. Francesco Ferrara faz referência a um escrit o
de Franz Adickes de 1872 (Zum Lehre von den recht squellen) , port ant o ant erior ao de Bülow, em que o
j usfilósofo apregoava que “ [ ...] o j uiz se deve rem et er à sua consciência para descobrir livrem ent e o direit o.
O direit o posit ivo é lim it e à convicção do j uiz, m as para além dest a barreira ele pode form ar direit o
livrem ent e.” FERRARA, Francesco. Com o a plica r e int e r pr e t a r a s le is. Tradução de Joaquim Cam pos
Miranda. Belo Horizonte: Lider, 2002. P. 57.

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MI OZZO, Pablo Cast ro. O problem a da criação j udicial do direit o: da j urisprudência dos conceit os a hans kelsen.
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logr a cr iar logo o Dir eit o; é som ent e um a pr epar ação, um a


t ent at iv a de r ealização de um a or dem j ur ídica [ ...] Não diz Bülow
segundo que cr it ér io deve o j uiz pr oceder a essa escolha, se
segundo um cr it ér io obj et iv o e, em cer t a m edida, cont r oláv el,
com o o fim da lei, a nat ur eza das coisas ou a concor dância com
um pr incípio, se segundo um m er o cr it ér io subj et iv o, por v ent ur a o
do seu sent im ent o j ur ídico pessoal. Por isso, as suas afir m ações
t ant o podem int er pr et ar- se no sent ido de um a dout r ina da
int er pr et ação t eleológica da lei com o no sent ido da t eor ia do
Direit o livre – e f or am- no r ealm ent e, t ant o num com o nout r o
34
sent ido.

A expressão “ Teoria do Direit o livre” foi cunhada por Eugen Ehrlich e apresent ada
em um a conferência em 1903 e foi levada a diant e por Herm ann Kant oriwocz
que, em escrit o de 1906, encam inha o m ovim ent o para o abandono do
racionalism o e um a apost a no volunt arism o, m arcado pelo subj et ivism o do
int érpret e.

Referia Kant orowicz que

Ao lado do Dir eit o est adual, e com a m esm a im port ância, exist e o
Dir eit o liv r e, cr iado pela decisão j ur ídica dos cidadãos, pela
j ur ispr udência e pela ciência do Dir eit o. Com o t odo o Dir eit o,
35
t am bém aquele é um a pr odut o da v ont ade[ ...]

Subst it ui- se a busca pela vont ade do legislador ou da lei pela vont ade do
int érpret e. Kauffm ann assevera que o Movim ent o para o Direit o Livre reconhecia
a idéia de que o suj eito intérprete participava ativam ente na construção do
sentido j urídico, m as esta participação era ligada a um a “ sensibilidade j urídica
irracional” . 3 6

Há um claro deslocam ent o em direção a um a valorização do papel da est im ação


j udicial acerca do Direit o, no sent ido de se libert ar das “ am arras da lei” ou dos
conceit os, de um m odo geral e ou sob cert as condições.3 7 No interior do
“ Movim ent o” há, em linhas gerais, duas t endências, um a m enos radical que
out ra, com relação à m edida de vinculação do Juiz ao Direit o post o e, port ant o,

34
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito . P. 77 - 78.
35
Apud LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito . P. 80.
36
KAUFMANN, Arthur. A problem át ica da filosofia do direit o ao longo da hist ória . P. 175.
37
HECK, Phillip. El problem a de la creción del Derecho . P. 56.

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ao alcance da criação j udicial do Direit o. Just am ent e no que t ange a est es lim it es
se discut e a possibilidade de criação cont ra legem .

Carlos Maxim iliano ensina que Eugen Ehrlich não adm it e a criação pura e sim ples
cont ra a lei, m as apenas um papel m ais at ivo do Juiz quando o direit o post o não
t rouxer um a solução inequívoca para o caso decidendo, ou sej a, um agir praet er
legem .3 8

Já em Kant orowicz se at ribui a faculdade do Juiz m odificar a lei, ou sej a, decidir


não só praet er legem , m as contra legem .3 9 Nas palavras do próprio Kant orowicz,

O Juiz deve prescindir dest a ( da lei) ) , em prim eiro lugar quando a


lei não par eça lhe ofer ecer um a decisão inequív oca; em segundo
lugar , quando, segundo sua conv icção liv r e e conscient em ent e
elabor ada, fosse im pr ov áv el que o poder est at al ex ist ent e no
m om ent o da decisão t om asse est a de acor do com a lei. Em am bos
os casos dev e o Juiz t om ar a decisão que, segundo sua conv icção,
t om ar ia o poder est at al no caso em que se apr esent asse o
pr oblem a. Em t er ceir o e últ im o lugar , o Juiz dev e pr escindir da lei
em casos de confusão desesper ada ou de pr oblem at icidade
som ent e quant it at iv a, com o na indenização por danos m or ais
40
[ ...]

Há no Movim ent o para o Direit o Livre a assunção de que na aplicação do Direit o


influi de m odo im port ant e a subj et ividade do int érpret e. Ou sej a, sua vont ade
t rabalha na const rução da solução j urídica. Ent ret ant o, o aspect o volunt aríst ico é
hipost asiado, em det rim ent o da previsão “ norm at iva obj et iva” .

38
MAXI MI LI ANO, Carlos. H erm enêut ica e Aplica çã o do Direit o. ed. Rio de Janeiro: Freit as Bast os, 1961. P.
100. Heck afirm a que Ehrlich não est á polem izando com a Jurisprudência dos Conceit os, diferent em ent e de
Kantorowicz. HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho. P. 56.
39
MAXI MI LI ANO, Carlos. Herm enêut ica e Aplicação do Direit o. P. 100. Heck entende da m esm a form a.
Kant orowicz, ao seu t urno, qualifica t al int erpret ação de sua obra com o equivocada, t endo inclusive escrito
um t ext o cham ado “ A fábula cont ra legem ” , para rebat er a crít ica. HECK, Philipp. El pr oble m a de la cr e ción
del Derecho . P. 58.
40
Apud. HECK, Philipp. El problem a de la creción del Derecho . P. 58.

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4 A TEORI A PURA DO DI REI TO DE H AN S KELSEN

O século XX experim ent a um a radicalização ainda m aior em t erm os j urídicos do


debat e t ravado no século XI X, com a t eoria de Hans Kelsen 4 1 , que se volt a, por
um lado, contra a idéia em voga de que a verdadeira ciência do direito é a
Sociologia do Direit o, bem com o cont ra as influências dos ideais j usnat uralist as,
e se esforça em const ruir um a ciência do Direit o aut ônom a. Est a autonom ia diz
respeit o t ant o à m et odologia das dem ais ciências do espírit o, que não são
j urídicas, quant o das ciências nat urais.

O ideal era const ruir um a ciência descrit iva, dirigida ao Direit o com o obj et o,
depurada dos elem ent os que lhe eram est ranhos, de t oda ideologia polít ica e de
t odo elem ent o cient ífico - nat ural. A t ent at iva de Kelsen era alcançar o que
ent endia com o a m et a de t oda a ciência: obj et ividade e exat idão.4 2

A ciência do Direit o para Kelsen não é um a ciência de fat os, com o para
Sociologia, 4 3 m as um a ciência de norm as4 4 . O que torna jurídico um ato é a

41
A present e exposição t rabalha com a versão cast elha na da prim eira edição da “ Teoria pura” surgida em
1934. A t radução é de 1946. KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. I nt rodución a la problem át ica
cient ífica del Derecho. 2. ed. Trad. Jorge G. Tej erina. Buenos Aires: Edit orial Losada, 1946. A prim eira
edição argent ina t raduzida é de 1941. Na m edida do possível, dado o conhecim ent o lim it ado do idiom a
alem ão, procurou-se param et rizar t rechos fundam ent ais das t raduções com a obra original. KELSEN, Hans.
Reine Recht slehre. Einleit ung in die Rechsw issenscha ft liche Problem a t ik . 1. Studienausgabe der 1.
Auflage, 1934. O capít ulo relat ivo à int erpret ação, originariam ent e capít ulo VI , que int eressa aqui
sobrem aneira, t am bém foi publicado no idiom a original em apart ado em 1934, sob o t ít ulo “ Zur Theorie der
I nt erpr e t a t ion” . Aqui se ut iliza a versão t raduzida para o inglês: KELSEN, Hans. On t he t heory of
int erpret a t ion. Tradução de Bonnie Lit schewski Paulson e. St anley L. Paulson. Legal St udies, Oxford, v. 10,
n 2, July, 1990. 127 - 135. Adem ais, ut ilizar-se- á tam bém a t radução para o port uguês da segunda edição,
est a surgida em 1960. KELSEN, Hans. Te or ia Pur a do dir e it o. Tradução de João Bat ist a Machado. 4. ed.
São Paulo: Mart ins Font es, 1994. Dest aca- se a abordagem a part ir da prim eira edição da obra,
prim eiram ent e por ser m uit o pouco difundida no Brasil. Geralm ent e os aut ores que t rat am da t eoria
kelseneana a part ir de t raduções, ut ilizam a segunda edição. Por out ro lado, é possível cont ext ualizar m elhor
o pensam ent o de Kelsen sit uando-o tem poralm ente, em especial te ndo em cont a as t eorias ent ão em voga,
com as quais ele inclusive dialogava, com o se tentará dem onstrar.
42
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho . P. 17 ( prefácio à 1ª edição) e P. 25. O obj et ivo da “ Teoria
pura” é desligar a norm a j urídica da norm a m or al. A norm a j urídica não é com preendida com o im perat ivo,
com o o é a m oral, m as com o j uízo hipot ét ico, que liga de m odo específico o fat o a um a conseqüência
condicionada. KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho . p. 47.
43
“ [ ...] La Sociología del Derecho no pone em relación las sit uaciones fáct icas del ser que há de capt urar com
norm as válidas, sino com ot ras sit uaciones fáct icas del ser, com o causas y efect os. Pregunt a quizás por qué
m otivos determ inados um legislador há prom ulgado precisam ente estas norm as y no ot ras, y qué efect os han
t enidos sua disposiciones[ ...] Para est e m odo de consideración el Derecho sólo ent ra em cuent a com o hecho
del ser, com o fact um [ ...] Por t ant o, no es propriam ent e el Derecho m ism o lo que const it uye el obj ect o de
este conecim ie nto, sino ciertos fenóm enos paralelos de la Naturaleza.” KELSEN, Hans. La Teoría pura Del
D e r e ch o.P. 36. Vê-se aqui um confront o diret o com o pensam ent o de Eugen Ehrlich. Est a oposição j á havia
sido expressada em um ensaio de Kelsen publicado na “ Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolit ik” em
1915. Tratava - se de um a crítica ao livro Ehrlich “ Fundam entação da sociologia do Direito.” ( München und

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descrição de at ividades ( est ados de coisas) e sua event ual significação j urídica. E
o que det erm ina a j uridicidade do est ado de coisas não é sua percepção
sensorial, com o dado da nat ureza, com o “ ser” nat ural, causalm ent e
det erm inado, m as a significação que ela t em .4 5 Esta significação é dada pela
norm a, pelo que ela é considerada por Kelsen com o esquem a de int erpret ação.4 6

I m port a para a present e invest igação, sobret udo, a concepção de Kelsen acerca
da norm a j urídica e suas reflexões a respeit o da int erpret ação. São problem as
diret am ent e relacionados na Teoria pura, que ecoam at é hoj e conscient e ou
inconscient em ent e na t eoria e na prát ica j urídica.

Na segunda edição da “ Teoria pura” a norm a dever são equiparados.4 7 Dever ser
em sent ido am plo é um at o int encional dirigido à condut a alheia, proibindo,
aut orizando ou conferindo poder. 4 8 O dever ser, entretanto, j á assum ia na
prim eira edição a função de fazer a conexão ent re fat os e conseqüências
j urídicas. I st o não foi alt erado na segunda. Nest e sent ido, era e cont inuou sendo
pensado com o “ cat egoria relat ivam ent e aprioríst ica para apreensão do m at erial
j urídico em pírico” .4 9

Leipzig, Dunker U. Hum boldt , 1913) . Ut iliza - se aqui a versão espanhola do t ext o de Kelsen. KELSEN, Hans.
Una fundam ent ación de la Sociología de l derecho . Doxa, 12, Año 1992. pp 213-256.
44
“ El conocim ient o j urídico dirígese pues a est as norm as que confieren a ciert os hechos el carát er de act os
j urídicos ( o ant ij urídicos) , y que a su vez son producidas por act os j urídicos sem ej ant es.” KELSEN, Hans. La
Teoría pura Del Derecho. P. 31.
45
KELSEN, Hans. La Te or ía pur a D e l D e r e cho. P. 27. Não se pode confundir t al significação com a percepção
de propriedades e funções nat urais com o a cor, a dureza ou peso. O que dist ingue um at o com significação
social, com o o j urídico, é a possibilidade do próprio at o enunciar algo sobre sua significação, o que não ocorre
com obj et os present es na nat ureza. Ent ret ant o, est a aut o -explicação do m at erial que é obj et o da Ciência
j urídica para o aut or possui duas facet as: um a subj et iva e out ra obj et iva. Aquela diz respeit o à
int encionalidade do agent e. Est a com a repercussão j urídica ( obj et iva, que não precisa coincidir com a
int enção) do at o. A despeit o da possibilidade de se det erm inar socialm ent e a significação subj et iva do at o,
para Kelsen int eressa t ão som ent e a sua significação obj et iva. I dem . P. 28/ 29.
46
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 30. A dist inção ent re causalidade e im put ação na relação
ent re causa ( no Direit o condiçã o j urídica) e efeit o, bem denot a a concepção kelseneana da separação ent re o
que é nat ural ( ser) e o que é j urídico ( dever ser) . Concebe o aut or a causalidade com o qualidade do que é
nat ural e a im put ação com o qualidade própria do Direit o. I dem . p. 48.
47
KELSEN, Hans. Teoria Pura do direit o . Trad. João Bat ist a Machado. 4. ed. São Paulo: Mart ins Font es, 1994.
P. 129.
48
KELSEN, Hans. Teoria Pura do direit o. P. 6.
49
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 49.

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Com o t al, possui um carát er puram ent e form al, ou sej a, não pressupõe um
cont eúdo det erm inado, pelo que se diferencia da idéia de um Direit o
t ranscendent e.5 0 Nas palavras do m est re de Viena,

[ . . . ] Es cat egor ía gnosiológico- t r anscendent eal en el sent ido de la


filosofia k ant iana, no m et afísico- t r anscedent e. Just am ent e por est o
51
conser v a su t endência r adicalm ent e ant iideológica [ ...] ”

A validade para Kelsen não est á at relada a um a ordem ext raj urídica. Nest e
aspecto há um a ruptura com as teorias desenvolvidas no século XI X e início do
XX acim a referidas, j á que para o aut or, est as não haviam conseguido se livrar
por com plet o do carát er m et afísico fundam ent al próprio da t eoria do Direit o
Natural. 5 2

A m arca da influência j usnat uralist a era represent ada, ent re out ros aspect os,
pelo dualism o a part ir do qual era pensado Direit o: a exist ência de um Direit o
superior, divino, nat ural ou racional e de um inferior, o Direit o posit ivo.5 3 A
própria concepção do direit o subj et ivo e sua relação com o direit o obj et ivo é um a
conseqüência dest e dualism o. A idéia em voga na ciência do Direit o do século
XI X era de que o direit o subj et ivo precedia ao obj et ivo, t ant o lógica com o
t em poralm ent e,5 4 sendo est e um a posit ivação daquele.

Kelsen at ribui est a noção à Escola Hist órica do Direit o, segundo ele fundadora do
posit ivism o j urídico no século XI X. Faz referência expressa às idéias de direit o
subj et ivo com o “ vont ade” reconhecida e garant ida na lei, no que parece se
report ar a Windscheid, e de “ int eresse” j uridicam ent e prot egido, provavelm ent e

50
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 50.
51
KELSEN, Hans. La Te or ía pur a D e l D e r e cho. P. 51. “ [ ...] No es ninguna cualidad inm anent e ni t am poco
ninguna referencia a um a norm a m et aj urídica, a un valor m oral, es decir, t ranscendent e al derecho posit ivo,
lo que hace que una det erm inada conduct a hum ana haya de valer com o ant ij urídica, com o delit o em el m ás
lat o sent ido del vocablo; sino única e exclusivam ent e, el que est é puest a en la proposición j urídica com o
consecuencia específica, el hecho de que el orden j urídico posit ivo reaccione cont ra est a conduct a com um
act o coact ivo.” KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho . P. 52
52
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho . P. 45. Assevera Kelsen nest a linha que “ [ ...] Es ciert o que ya
no se supõe m ás que el Derecho sea um a cat egoria et erna y absolut a; se reconece que su cont enido est á
som et ido a m ut ación hist órica y que, com o Derecho posit ivo, es um fenôm eno condicionado por
circunst ancias de t iem po e lugar. Pero el pensam ient o de um valor absolut o del Derecho no se há perdido del
t odo, sobrevive em la idea ét ica de Just icia, consevado aún por la Jurisprudencia posit ivist a.” KELSEN, Hans.
La Teoría pura Del Derecho . P. 45
53
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 68.
54
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 70.

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MI OZZO, Pablo Cast ro. O problem a da criação j udicial do direit o: da j urisprudência dos conceit os a hans kelsen.
Revist a Elet rônica Direit o e Polít ica, Program a de Pós -Graduação St rict o Sensu em Ciência Jurídica da UNI VALI ,
I t aj aí, v.6, n.3, 3º quadrim est re de 2011. Disponível em : www.univali.br/ direit oepolit ica - I SSN 1980-7791

fazendo m enção a I hering. 5 5 Em seguida cita expressam ente, ainda com o


cor olário dest e dualism o, o pensam ent o de Pucht a, que part ia, com o acim a
referido, da idéia de liberdade com o conceit o fundam ent al ou suprem o do
Direit o.5 6

A Teoria pura do Direit o desenvolve um a const rução a part ir da idéia de dever


ser que inverte radicalm ent e a lógica at é ent ão adot ada. Ou sej a, o direit o
subj et ivo – e m esm o o ilícit o ou ant ij urídico - passa em Kelsen a ser vist o com o
reflexo ou consequência do direit o obj et ivo e não o cont rário.5 7 A norm a j urídica
obj et ivam ent e considerada passa a ser o referencial para análise e aplicação do
Direito. Por outro lado, a validade da norm a j urídica deixa de ser pensada a
part ir de um cont eúdo que lhe é ext erno. Nas palavras do aut or, as norm as

[ ...] no v alen en v ir t ud de su cont enido. Cuelquier cont enido puede


ser Der echo; no hay conduct a hum ana que com o t al est é ex cluída,
em v ir t ud de su sust ancia, de conv er t ir se en cont enido de una
nor m a j ur ídica. La v alidez de est a nor m a no puede ser cuest ionada
por que su cont enido no cor r esponda a un v alor m at er ial de algún
m odo supuest o, t al a v ez la Mor al. Una nor m a v ale com o nor m a
j ur ídica, solo por que fué dict ada en una for m a bien det er m inada,
por que fué pr oducida de acuer do com um a r egla bien
det er m inada, por que fué est abelecida según um m ét odo
58
específico.

I sso não sig nifica, com o m uit as vezes se afirm a nas crít icas a Kelsen, que as
norm as não t enham cont eúdo ou não devam t ê- lo. Tanto o autor adm ite a
exist ência dest e cont eúdo, que afirm a expressam ent e que a Const it uição,
considerada por ele o ápice do ordenam ent o, pode det erm inar, além da form a, o
cont eúdo das norm as de hierarquia inferior, com relação ao cat álogo de direit os
fundam ent ais, por exem plo.5 9 Por conseguinte, na interpretação, tanto científica

55
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 70.
56
KELSEN, Hans. La Te or ía pur a D e l D e r e cho. P. 72. A precedência do direit o subj et ivo em relação ao
obj et ivo para Kelsen possui um a significação ideológica na m edida em que est á ligada ao direit o de
propriedade com o “ [ ...] una cat egoría t ranscendent e frent e al Derecho obj et ivo, una inst it ución ant e la que
encont ra um a barrera infranqueable la est rut uración del cont enido del orden j urídico.” KELSEN, Hans. La
Te or ía pur a D e l D e r e cho. p. 73. E segue o m est re alegando que “ [ ...] No es di fícil com preender por qué la
ideologia del Derecho subj et ivo enlaza com el valor ét ico de la libert ad individual, si en est a libert ad est á
siem pre incluída la propriedad.” KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 74.
57
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 79.
58
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 96.
59
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 109.

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MI OZZO, Pablo Cast ro. O problem a da criação j udicial do direit o: da j urisprudência dos conceit os a hans kelsen.
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quant o dos órgãos aplicadores est e cont eúdo ent ra em j ogo. Sem em bargo, é
um cont eúdo da norm a superior e não ext erior ou superior a ela e ao
ordenam ent o. Ou sej a, não pode ser t om ado com o pont o de part ida ext erno para
int erpret ar o Direit o.

A part ir dest e raciocínio é que Kelsen pode afirm ar que a validade da norm a
depende t ão som ent e de usa concordância com out ra norm a superior. Trat a- se
de um a das cont ribuições fundam ent ais de Kelsen para o pensam ent o j urídico: a
idéia de que o ordenam ent o j urídico é um a const rução escalonada de norm as
j urídicas6 0 , ou um a série de at os criadores de Direit o.

O escalonam ent o norm at ivo part e no que o aut or cham ou de “ norm a


fundam ent al” que não é post a, ou sej a, não é direit o posit ivo. Trat a- se de um
fundam ent o hipot ét ico 6 1 , que possui a função lógica - e não ont ológica - de
oferecer um crit ério de validade e de unidade, perm it indo a visão do
ordenam ent o j urídico com o sist em a de norm as.6 2 “ [ ...] Es el punto de partida de
um procedim ient o; t iene um carát er absolut am ent e dinám ino - form al. De esta
norm a fundam ent al no se pueden deducir las norm as singulares del sist em a
[ ...] ” 6 3 A norm a fundam ent al não é a Const it uição, m as a condição lógico -
t ranscendent al6 4 de validade dessa, conferindo - lhe carát er de dever ser.

60
Opt ou-se por falar em “ const rução escalonada” por várias razões. I nicialm ent e, porque o t ít ulo original do
capít ulo V da prim eira edição da “ Teoria pura” não era “ Dinâm ica Jurídica” com o aparece na segunda, m as
“ Die Recht sordnung und ihr St ufenbau” . KELSEN, Hans. Reine Recht slehre. P. 73. Na versão para o espanhol
o capít ulo se cham a “ El Orden Jurídico e su gradación” . KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho . P. 94.
A expressão com post a alem ã St ufenbau funde “ St ufe” , que pode ser t raduzido por degrau, nível e “ Bau” , que
pode ser pensado com o const rução, obra em const rução, est rut ura. A expressão const rução escalonada
parece denotar be m a idéia de Kelsen acerca do ordenam ent o com o série de at os criadores do Direit o. Ou
sej a, o seu caráter dinâm ico. I dem. p. 96. Adem ais, a palavra “ pirâm ide” não foi encontrada no texto da
“ Teoria pura” , sendo t alvez um a m et áfora at ribuída a Kelsen e não por ele fat icam ent e ut ilizada. Com o é um a
expressão conhecida e aceit a, a const rução em form a de pirâm ide será aqui ut ilizada, sobret udo, a t ít ulo de
com paração com a pirâm ide conceit ual de Pucht a.
61
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 99.
62
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 99.
63
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho . P. 98. Est e carát er dinâm ico-form al da norm a fundam ent al
kelseneana se opõe ao carát er est át ico - m at erial do fundam ent o de validade das t eorias do Direit o Nat ural.
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho . P. 95.
64
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho . P. 100. Em vista disso é que para o autor não se pode dela
deduzir norm as singulares do sist em a j urídico. KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 96. Tam bém
por essa razão é que Kelsen se opõe front alm ent e à Jurisprudência dos Conceit os de Pucht a, que part ia
lógico - dedut ivam ent e do conceit o filosófico de liberdade para descobrir os conceit os j urídicos, que por usa
vez, perm it em a const rução de proposições j ur ídicas que criavam Direit o novo. Ou sej a, o fundam ent o da
pirâm ide conceit ual de Pucht a, além de possuir um cont eúdo, era ext raj urídico. Aqui reside um a diferença
fundam ent al ent re a “ pirâm ide conceit ual” de Pucht a e a “ pirâm ide norm at iva” de Kelsen.

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Ou sej a, o fundam ent o de validade da Const it uição, que inaugura o direit o


posit ivo, não possui cont eúdo, é lógico - form al, o que não significa, com o j á
afirm ado, que a Const it uição não det erm ine a observância de det erm inados
cont eúdos pelas norm as que lhe são hierarquicam ent e inferiores. As leis,
regulam ent os, at os adm inist rat ivos e sent enças j udiciais devem concordância
form al e cont eudíst ica em relação à Const it uição, e a event ual cont radição deve
ser passível de cont role por part e de um a inst ância dest inada para isso, com o,
por exem plo, um Tribunal Const it ucional. 6 5 São norm as que criam Direito a partir
da norm a superior. Há aqui um m ist o de execução e produção j urídica. 6 6

Kelsen ent ende, e ist o é de ext rem a im port ância, que t ant o o at o adm inist rat ivo
quant o a decisão j udicial são norm as. São norm as individuais, que dão concreção
– est a é a palavra usada – ao escalão superior. Aduz o m est re de Viena,

[ ...] a sent ença j udicial es una nor m a j ur ídica indiv idual, la


indiv idualización o concr eción de la nor m a j ur ídica gener al o
abst r act a, la cont inuación del pr ocesso de pr odución j ur ídica desde
lo gener al a lo indiv idual. Solam ent e pudo oscur ecer est a m aner a
de v er el pr ej uicio según el cual t odo Der echo se agot a em la
67
nom a general, la er r ônea ident ificación del Der echo com la ley.
( grifei)

A possibilidade fát ica de cont radições ent re os escalões torna necessária a


int erpret ação, ou sej a, é seu m ot ivo. Adem ais, a necessidade de se saber com o
se ext rai da norm a geral um a norm a individual, é o obj et o da int erpret ação. Est a
se ocupa de t odas as norm as do ordenam ent o.6 8 A relação entre os degraus é de
det erm inação. O at o inferior preenche o superior. Ent ret ant o, sem pre há um a
m argem livre de apreciação ( indet erm inação) m ais ou m enos am pla, int encional
ou não, deixada pela norm a de grau superior à inferior. 6 9

65
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 121.
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho . P. 118.
67
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho . P. 114. Vej a-se o peso dessa afirm ação. Diante dela é
im possível, com o m uit o se faz em dout rina, ident ificar o positivism o kelseneano com o legalism o ou o
exeget ism o do século XI X.
68
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 126.
69
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 128.

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A norm a é com preendida com o um a m oldura dent ro da qual várias


int erpret ações são possíveis. Ou sej a, na est rut ura escalonada do ordenam ent o,
a norm a de escalão superior oferece – na verdade - um a m oldura para a de
inferior, de m odo que est a deve at uar dent ro das front eiras delim it adas por
aquela, preenchendo - a com algum sentido possível. 7 0 Dentro destro dessa
m oldura, não há com o det erm inar um a int erpret ação adequada, dadas as várias
possibilidades que exsurgem .

A int erpret ação em Kelsen é j ust am ent e o result ado da verificação do sent ido da
norm a, ou sej a, a verificação dest a m oldura que represent a a norm a e o
conhecim ent o da várias possibilidades de execução que est ão dadas dent ro dest a
m oldura. 7 1 Para o aut or, qualquer decisão que se aj ust e à m oldura possui o
m esm o valor e o at o de sent ença j udicial a t orna direit o posit ivo. Est a não será
“ a” norm a, m as um a das t ant as possíveis dent ro da m oldura. 7 2

Por out ro lado, não há um m ét odo seguro, que perm it a obj et ivam ent e preencher
a m oldura. 7 3 Na seguint e passagem da “ Teoria pura” é possível apreender a
crít ica feit a às int erpret ações subj et ivist as, que buscavam a “ volunt as
legislat oris” e às int erpret ações obj et ivist as, que se ocupavam da “ volunt as
legis” :

[ . . . ] A pesar de t odos los esfuer zos de la Jur ispr udencia


t r adicional, no se há logr ado hast a ahor a decidir de m odo
obj et iv am ene v álido el conflict o ent r e v olunt ad y ex pr essión, en
fav or de una o de la out r a. Todos los m ét odos int er pr et at iv os
hast a ahor a desenv uelt os solo conducen a un r esult ado posible,
pero nunca al único result ado j ust o. Desde el punt o de v ist a
j ur ídico- posit iv o, t ant o v ale at ener se a la v olunt ad conj ect ur able
del legislador desat endiendo al t ex t o, com o obser v ar est r ict am ent e
el t ex t o desat endiéndose de la v olunt as casi siem pr e pr oblem át ica
74
del legislador.

I nt eressant e, de out ra sort e, é a oposição diret a ao princípio da “ ponderação de


int eresses” , ut ilizado pela Jurisprudência dos I nt eresses, nos seguint es t erm os:

70
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 131
71
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 131.
72
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 132.
73
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 133.
74
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 133.

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[ ...] Aun el pr incipio de la llam ada ‘ponder ación de int er eses’ es


solo una fór m ula, no es una solución del pr oblem a que aqui se
pr esent a; no pr opor ciona la m edida obj et iva com ar r eglo a la cual
puedan ser com par ados ent r e sí int er eses cont r apuest os, y segun
la cual pueden decidir se conflict os de int er eses [ ...] Pues la
necesidad de um a ‘int er pr et ación’ se sigue pr ecisam ent e del hecho
de que la nor m a a aplicar se o el sist em a de nor m as dej a abier t as
m uchas posibilidades, es decir , que no cont iene una decisión
acer ca de cuál de los int er esses em j uego el m ás alt o em v alor ;
m ás bien dej a libr ada la det er m inación de la j er ar quia de los
int er eses a un act o de pr odución nor m at iv a a r ealizar se en la
75
sent encia j udicial, por ex em plo.

Kelsen concebe duas form as de int erpret ação do Direit o. Um a aut ênt ica e out ra
inaut ênt ica. 7 6 Aquela ocorre quando feita por um órgão do Estado. Sej a a
Adm inist ração no exercício do Poder Execut ivo, sej a o Legislat ivo ou m esm o o
Poder Judiciário. Já a inaut ênt ica, é t oda a form a de int erpret ação não realizada
por um órgão aplicador do Direit o, por exem plo, por um indivíduo que procura se
paut ar pelos com ando s norm at ivos. Ainda nessa segunda form a de ent ender a
int erpret ação, Kelsen enquadra o papel da ciência j urídica. 7 7

Para o aut or, exist e um a diferença fundam ent al ent re a int erpret ação aut ênt ica,
realizada pelos t ribunais, v. g., e a int erpret ação que deve ser feit a no âm bit o da
ciência. Em últ im a inst ância, t rat a- se de um a dist inção que pressupõe o exercício
ou não do Poder. A interpretação autêntica feita pelo Juiz, v. g., para o autor é
criat iva, ou sej a, não reproduz um sent ido previam ent e dado pela norm a, m as
cria Direit o. E m ais, est e at o criat ivo é ent endido com o um at o de vont ade 7 8 , não
um at o puram ent e cognoscit ivo. A vont ade preenche a m oldura. 7 9

Ext rem am ent e int eressant e se afigura um a idéia present e som ent e na segunda
edição, de que a int erpret ação aut ênt ica pode criar Direit o inclusive
com pletam ente fora da m oldura, ou sej a, desobedecendo - a.8 0 A afirm ação do
aut or parece t er um cunho descrit ivo, ou sej a, de algo que acont ece, não de que

75
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 134.
76
Est a dist inção não es t á present e na prim eira edição da Teoria pura do Direit o, aparecendo t ão som ent e na
segunda edição, de 1960. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direit o. P. 387.
77
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direit o . P. 393- 397.
78
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 135.
79
KELSEN, Hans. La Teoría pura Del Derecho. P. 136.
80
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direit o . 1994. p. 394.

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possa ou deva acont ecer. É dizer, Kelsen não se posiciona com respeit o a est a
ocorrência, quant o à sua correção ou não.

Est e aspect o descrit ivo fica m ais claro na passagem seguint e em que o aut or
exem plifica um a hipót ese em que isso ocorre. Um a decisão j udicial proferida em
cont rariedade com o Direit o, um a vez est abilizada pelo trânsito em j ulgado,
passa a ser Direit o novo.8 1 Sem em bargo, o aut or se om it e em t ecer m aiores
com ent ários acerca da cont rolabilidade e dos lim it es dest a const rução da
m oldura por part e do j ulgador. Não há um a preocupação com est e aspect o da
int erpret ação.

Por out ro lado, a int erpret ação realizada pela ciência do Direit o – inaut ênt ica -
deve possuir um a função apenas cognoscit iva, ou sej a, não cria Direit o, m as se
lim it a a descrevê- lo. Kelsen refut a a possibilidade de a ciência descobrir direit o
novo a part ir da análise conceit ual, conform e defendido pela Jurisprudência dos
Conceit os, por exem plo. De out ra banda, “ [ ...] O preenchim ent o da cham ada
lacuna do Direit o é um a função criadora de Direit o que som ent e pode ser
realizada por um órgão aplicador do m esm o; e est a função não é realizada pela
via da interpretação do direito vigente.” A Teoria pura da Direito, com o dito, se
preocupa com a ciência do Direit o e não com a sua aplicação. O ideal de
purificação reside j ust am ent e - e t ão som ent e - nest e âm bit o.

CONSI DERAÇÕES FI N AI S

Fazendo -se um cot ej o da Teoria Pura com a Jurisprudência dos Conceit os, a
Jurisprudência dos I nt eresses e com o Movim ent o para o Direit o livre t em - se, em
t erm os de int erpret ação o seguint e: Kelsen advoga um a função descrit iva do
Direit o para a ciência j urídica, cont rariando o papel criat ivo adm it ido pela a
Jurisprudência dos Conceit os. Nest a o Juiz aplicava ( reproduzindo) a pirâm ide
conceitual lógico- dedut ivam ent e concebida e cient ificam ent e “ criada” .

81
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direit o . 1994. p. 395.

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Quant o à Jurisprudência dos I nt eresses, que defendia a exist ência de lacunas no


ordenam ent o e o papel suplet ivo do j ulgador apenas nest e caso, Kelsen aduz ser
um a falácia t ipicam ent e ideológica, j á que o órgão aplicador sem pre cria Direit o e
não é função da ciência j urídica buscar ou se paut ar por um a supost a
finalidade.8 2

Com o “ Direit o livre” o Juiz se desvincula das am arras cient ificist as e cria Direit o
sem um a racionalidade que lhe sirva de parâm et ro e perm it a o cont role
int ersubj et ivo. Pois, paradoxalm ent e, em Kelsen, apesar de não haver um a
defesa dest a form a de com preender o papel do Juiz, há um a conclusão fat alist a
acerca da int erpret ação, na m edida em que est a é vist a com o incont rolável do
pont o de vist a da racionalidade cient ífica. A criação do Direit o pelos órgãos
aplicadores além de inexorável decorre de um at o de vont ade que não perm it e
um a avaliação m et odológica em t erm os de correção.

Num a sínt ese apert ada, poder- se- ia dizer que a herm enêut ica do século XI X e
início do XX, t ransit ou de um a com preensão que concebia o int érpret e com o
autôm ato, para um a m enos ingênua que lhe atribuía um papel m ais ativo, m as
de cert a form a subordinado aos post ulados da ciência, sem no ent ant o, oferecer
um inst rum ent al t eórico que perm it isse avaliar a correção da const rução
int erpret at iva. E, por fim , a out ra que abandona qualquer pret ensão de
racionalidade e delega a at ribuição de sent ido e, port ant o, a criação do Direit o,
para o Juiz/ int érpret e. Em Kelsen ist o é em basado no dualism o int erpret at ivo
quant o ao papel da ciência e dos órgãos est at ais.

Ou sej a, m uit o ant es de se falar em “ neoconst it ucionalism o” e do aum ent o do


poder de criação por part e do Juiz, as corrent es que se deslocaram no int erior do
cham ado “ posit ivism o j urídico” j á se ocupavam dest a t em át ica. Um a m elhor
com preensão do fenôm eno hoj e designado de “ at ivism o j udicial” no Brasil, no
que t ange a seus pressupost os e lim it es, deve passar por um est udo m ais
aprofundado de out ros cont ext os em que o problem a j á foi obj et o de
preocupação. Espera- se com o present e est udo t er cont ribuído para t al int ent o.

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