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UNINOVE – uso exclusivo para aluno

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Universidade Nove de Julho - UNINOVE


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01504-001 – Liberdade - São Paulo, SP
Tel.: (11) 3385-9218 - editora@uninove.br
Maurício Silva
Nádia Conceição Lauriti
Organizadores
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

São Paulo
2016
© 2016 UNINOVE
Todos os direitos reservados. A reprodução desta publicação, no todo ou em
parte, constitui violação do copyright (Lei nº 9.610/98). Nenhuma parte desta
publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização
da UNINOVE.

Conselho Editorial Eduardo Storópoli


Maria Cristina Barbosa Storópoli
Patricia Miranda Guimarães
José Carlos de Freitas Batista
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Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade do autor

Capa: João Ricardo Magalhães Oliveira


Editoração eletrônica: Bigtime Serviços Editoriais
Revisão: Os autores

Ficha Catalográfica
Cristiane dos Santos Monteiro – CRB/8 7474
------------------------------------------------------------------------------------------------
Redação: acertos e desacertos da linguagem / Maurício Silva, Nádia
Conceição Lauriti, organizadores. — São Paulo : Universidade
Nove de Julho – UNINOVE, 2016.
152 p. il.

Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-89852-31-9 (impresso)
ISBN: 978-85-89852-23-4 (e-book)

1. Redação. 2.Título. I. Silva, Maurício (org). II. Lauriti, Nadia


Conceição (org.)
CDU 808.1
------------------------------------------------------------------------------------------------
Dedicamos este livro à memória de nosso querido e estima-
do amigo, companheiro de muitos anos de trabalho e pesquisa –

Formado em Letras pela Faculdade Farias Brito, ainda na


década de setenta, Simões (como era chamado por todos os que
compartilhavam de sua amizade) completou seu mestrado e dou-
torado na Universidade Nove de Julho (UNINOVE), onde traba-
lhou por quase duas décadas. Ali, desenvolveu as mais variadas
atividades: da docência superior à revisão técnica, da editoria de
revistas acadêmicas à orientação de alunos, da produção de ar-
tigos de jornal à pesquisa acadêmica. Pouco antes de seu inespe-
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rado falecimento, em 2015, Simões vinha se dedicando com afinco


à linguagem jurídica, ministrando aulas sobre o tema e desenvol-
vendo mais de uma pesquisa sobre o assunto.
Autor de livros sobre redação e gramática da língua portu-
guesa, não pôde ver publicado aquele que, em conversas particu-
lares, revelou ser a realização de um sonho: seu livro de poesia
intitulado Sabor de Maçã. Com poemas confessionais, metalin-
guísticos e introspectivos, trata-se de um livro ainda inédito, em
que não nos espanta encontrarmos passagens em que, na forma
de uma síntese rara, rememoramos a pessoa sempre disponível,
solícita e alegre que foi:

“Em encontros e desencontros, procurava


dentro de mim mesmo a razão do existir.
Numa busca incessante, num inconformismo,
iniciei minha caminhada; fui, fiquei e encontrei,
com inefável prazer, o momento de ser feliz”.

Este livro que organizamos – Redação: acertos e desacertos


da linguagem -, primeiramente idealizado por Simões, é integral-
mente dedicado à sua memória. E a publicação que ora a Editora
da Uninove realiza é mais do que uma justa homenagem àquele
que dedicou toda sua vida à nobre causa da educação e da escrita.

Maurício Silva & Nádia Lauriti


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Prefácio........................................................................................................... 9
Maurício Silva

O tema e a coerência na correção de redações......................................... 15


Cristina Munhão

Que dificuldades os alunos adolescentes enfrentam quanto ao


tema das redações nos vestibulares?......................................................... 33
Lane Gatto Ferreira
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O desenvolvimento da habilidade de leitura e de produção


textual em Língua Materna para o aluno egresso do Ensino
Médio e pré-graduando: enfoque a partir dos PCNs e OCNs................ 43
Lídia Spaziani

Orientações Oficiais para o ensino da Língua Portuguesa no


Ensino Médio: a quem se destinam?......................................................... 57
Thiago Lauriti

O olhar do professor de português ante a normatividade em


textos argumentativos: resistência ou mudança?..................................... 81
Marcello Ribeiro

O texto literário: das sementes de ideias à argumentação de


uma redação bem elaborada.................................................................... 101
Wendel Cássio Christal

Aspectos da produção textual: o trabalho


com as ideias no texto dissertativo........................................................... 117
Maurício Silva

Sobre os autores........................................................................................ 149


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Maurício Silva - 9

Maurício Silva

Numa de suas mais sutis reflexões sobre a linguagem no contexto


pedagógico, o educador brasileiro Paulo Freire alerta-nos sobre a neces-
sidade de se respeitar “a curiosidade do educando, o seu gosto estético,
a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e
a sua prosódia” (FREIRE, 2009, p. 60). Não é outra atitude que o pro-
fessor consciente de seu papel como educador – sobretudo o professor
de língua portuguesa – deve ter, reconhecendo a necessidade de, por
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um lado, respeitar a herança cultural e linguística do aluno e, por outro


lado, esforçar-se por tornar seu legado idiomático ainda mais extenso
e profundo. Somente assim, o aluno poderá alcançar o conhecimen-
to “pleno” do idioma, por meio do qual atingirá sua liberdade política
e psicológica, tornando-se – na semântica freiriana – um indivíduo li-
berto: libertando-se das amarras de um ensino opressor e excludente, o
aluno desalienar-se-á por completo, tornando-se um cidadão conscien-
te de sua cidadania...
Como afirmou Celso Pedro Luft, perseguindo essa mesma tônica,
faz-se cada vez mais urgente, na atual conjuntura educacional brasilei-
ra, um autêntico ensino libertador: “um ensino libertador, a libertação
pela palavra: será esse o grande objetivo a ser perseguido em nossas au-
las de língua materna. Liberto, e consciente de seus poderes de lingua-
gem, o aluno poderá crescer, desenvolver o espírito crítico e expressar
toda a sua criatividade” (LUFT, 1985, p. 110).
Tudo isso só faz sentido, acreditamos, dentro de uma metodologia
rigorosa, pautada na necessária articulação entre um cabedal teórico e
sua aplicação prática. Esse talvez seja o propósito maior de uma verda-
deira educação linguística, conceito que ultrapassa o mero “ensino de
língua” ou a simples atitude, hoje desprovida de sentido, de aplicação
de exercícios gramaticais. Com a complexidade do mundo atual, a co-
municação linguística também se tornou, por assim dizer, mais comple-
xa, obrigando-nos a rever não apenas nossos conceitos, no que concerne
à dinâmica do ensino-aprendizagem da língua materna, mas principal-
mente nossos preconceitos!
10 - Prefácio

Há, evidentemente, várias maneiras de alcançar o tão requisitado


domínio linguístico, de acordo com o contexto em que a educação lin-
guística é aplicada, com o sujeito-falante para o qual ela se volta e com
os métodos utilizados na sua aplicação. De modo geral, há que se con-
siderar, no que compete especificamente ao “ensino” da língua portu-
guesa, pelo menos três possibilidades de interconexão entre a linguagem
e a dinâmica ensino-aprendizagem a que nos referimos aqui: a relação
entre o ensino da língua e a leitura, na medida em que, grosso modo, ler
auxilia no próprio uso da língua; a relação entre o ensino da língua e a
escrita, uma vez que o exercício da escrita tem repercussões positivas
no domínio da comunicação interlinguística; e a relação entre o ensino
da língua e a adoção de uma concepção sociointeracionista da lingua-
gem, tendo como um dos pontos de partida os preceitos metodológicos
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da Linguística da Enunciação e áreas afins.


Essa é, com certeza, a principal contribuição deste livro que ora se
publica (Redação: acertos e desacertos da linguagem), cujos textos pro-
curam, de um modo naturalmente articulado, refletir, mais do que sobre
os acertos e desacertos da linguagem, sobre seus caminhos e descami-
nhos, visto tratar-se de um trajeto de muitas e desconhecidas veredas.
Toda contribuição que se volta para o aperfeiçoamento da linguagem,
para o aprimoramento da comunicação escrita e para o aprofundamen-
to de uma consciência crítica de seu emprego é, por si só, bem-vinda;
quando essa contribuição vem, por acréscimo, acompanhada de uma re-
flexão teórica e de uma experiência profissional, como é o caso dos ca-
pítulos que compõem esta obra, o ganho é ainda maior.

*
São três, a meu ver, as linhas de força que movem essa Redação:
acertos e desacertos da linguagem: a reflexão sobre a produção textual,
que se desdobra, entre outras coisas, em estudos sobre redação, vestibu-
lar e afins; a reflexão sobre o ensino de língua portuguesa, abarcando
do Ensino Médio ao Superior; a reflexão, mais geral, sobre a tipologia
textual, indo do texto dissertativo-argumentativo ao literário.
O primeiro grupo encontra-se representado tanto por estudos sobre
a produção textual de alunos, utilizando-se de abordagens mais espe-
cificamente voltadas para a redação nos vestibulares, com as dificulda-
des de leitura que se refletem na escrita (Lane Ferreira), sem esquecer
Maurício Silva - 11

os processos avaliativos e de correção de textos argumentativos produ-


zidos por candidatos à graduação (Lídia Spaziani e Cristina Munhão).
O segundo grupo está representado por estudos que se voltam
para questões relativas ao ensino da língua portuguesa tanto no Ensino
Médio, articulado à consciência do texto como espaço de interação so-
cial (Thiago Lauriti).
Finalmente, o terceiro grupo acha-se representado por estudos acer-
ca do texto dissertativo e numa abordagem mais pragmática, em que se
discute da normatividade à persuasão (Marcello Ribeiro), não se esque-
cendo, ainda, da importância do texto literário no processo de constru-
ção argumentativa (Wendel Christal).

*
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Durante muito tempo, o ensino da língua portuguesa pautou-se por


uma “pedagogia” que tinha como referência, do ponto de vista teórico,
a gramática normativa e, do ponto de vista prático, o exercício mecâ-
nico de repetição de normas e regras gramaticais em geral descontex-
tualizadas. Em razão do distanciamento que quase sempre existiu entre
as diretrizes pedagógicas institucionalizadas e a prática do ensino do
vernáculo, os sucessivos dispositivos legais formulados com o intui-
to de possibilitar uma nova prática pedagógica (como a Nomenclatura
Gramatical Brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e uma sé-
rie de decretos-leis relativos a matérias afins), não resultaram em altera-
ção substancial do esquema escolar tradicionalmente adotado (MOURA
NEVES, 1994).
Hoje em dia isso não é mais possível. Ou não deveria ser ...
Com o avanço dos estudos da linguagem verbal, responsáveis pelo
deslocamento de uma abordagem assentada na linguística da palavra
para uma abordagem direcionada à linguística do texto e/ou da situação
comunicativa, as práticas pedagógicas de fato avançaram no sentido de
promover uma inflexão no processo de ensino da língua materna: pas-
sou-se, grosso modo, de um estágio normativista do estudo gramatical
para uma abordagem descritivista, como se pode constatar, por exem-
plo, nos pressupostos teóricos veiculados pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN, 1997), cujos limites reconhecemos, mas, em compen-
sação, cujos avanços não podemos negar.
Nem sempre, contudo, prevaleceu na escola (do Ensino Funda-
mental ao Superior) essa visão da língua, falada ou escrita, como
12 - Prefácio

parte de um processo de interação comunicacional e de formação de


um sujeito crítico, perspectiva que os textos aqui reunidos ajudam
a difundir, porque a adotam direta ou indiretamente. Nesse sentido,
pode-se dizer que os capítulos apresentados adotam, conscientemen-
te ou não, o princípio segundo o qual a gramática normativa (e seu
ensino tradicional) revela-se, a depender do modo como é compre-
endida, particularmente preconceituosa, na medida em que, ideolo-
gicamente, impõe-se como lugar de representação das contradições
presentes numa sociedade dividida entre os que supostamente sabem
a língua e os que tentam aprendê-la (SOARES, 2001).
É por isso que – ao se propor não como uma compreensão puramente
teleológica do texto, mas concebendo-o como meio de interação
sociocomunicacional – Redação: acertos e desacertos da linguagem
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adota, do primeiro ao último capítulo, essa perspectiva crítica do en-


sino da língua materna, numa consciência de que letrar, mais do que
simplesmente ensinar uma língua, sugere que cada um se assuma como
sujeito de sua própria história, na tentativa de um domínio pleno do(s)
discurso(s). Para isso, é preciso que aceitemos o convite para trilhar o
percurso que ora se nos apresenta, já que, como disse uma vez o escritor
Antônio Torres, “a graça de todo passeio está nas surpresas que a gente
vai descobrindo pelo caminho” (TORRES, 2006, p. 211).
Maurício Silva - 13

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática edu-


cativa. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade; O gigolô das palavras; Por uma nova
concepção da língua materna. Porto Alegre, L&PM, 1985.
MOURA NEVES, Maria Helena de. Gramática na escola. São Paulo: Contexto,
1994.
SILVA, Maurício. Educação e linguagem: algumas considerações sobre o en-
sino de gramática da língua portuguesa no Brasil. Caminhos em Linguística
Aplicada, Taubaté/SP, v. 10, n. 1, 2014. Disponível em: <http://periodicos.
unitau.br/ojs-2.2/index.php/caminhoslinguistica/article/viewFile/1945/1364>.
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Acesso em: 30 out. 2015.


SILVA, Maurício; PEREIRA, Márcia Moreira. Da educação linguística ao le-
tramento literário: algumas diretrizes metodológicas acerca do ensino de lín-
gua portuguesa e de literatura. Revista (Con) Textos Linguísticos, Vitória/ES,
v. 7, n. 9, 2013. Disponível em: <http://periodicos.ufes.br/contextoslinguisti-
cos/article/view/4854/4449>. Acesso em: 30 out. 2015.
SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo,
Ática, 2001.
TORRES, Antônio. Pelo fundo da agulha. Rio de Janeiro, Record, 2006.
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Cristina Munhão - 15

Cristina Munhão

“Se só tenho a experiência, não


serei mais que um gorila”
Francisco Varela
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Escrever um texto não é simplesmente lançar no


papel uma série de palavras, de frases. Disso, quase
sempre, não resulta um todo organizado. Determi-
nados princípios, certas regras, têm de ser obede-
cidos para que o texto seja reconhecido como tal e
o leitor possa entender a mensagem que está sendo
veiculada (SIQUEIRA, 1990, p. 21, grifo nosso).

As regras para construção de um bom texto não são de hoje. As


observações de Siqueira demonstram claramente esse fato. Nunca se
mudou o conceito do bom texto. Por mais moderno que pareçam no-
vos métodos de ensino, todos os autores são unânimes e concordam em
pontos comuns.
A proposta deste capítulo é tratar das questões temáticas nas reda-
ções realizadas por alunos que prestam vestibulares, processos seletivos,
concursos e outros tipos de seleção que exigem habilidades relaciona-
das à boa escrita. Objetivamos esclarecer pontos duvidosos sobre coe-
rência, mas principalmente sobre tema, fuga do tema e tangenciamento
do tema, ou seja, pretendemos elucidar a forma de avaliar uma reda-
ção neste quesito.
Nosso estudo se justifica pela dificuldade de alinhamento de opi-
niões entre corretores e escritores de textos argumentativo-dissertati-
vos, pois o escritor costuma afirmar que a visão sobre o tema abordado
16 - O tema e a coerência na correção de redações

é matéria subjetiva, visto que, às vezes, ao término de um texto, o au-


tor se sente seguro e acredita que será avaliado com notas altas, o que
nem sempre acontece.
Pretendemos demonstrar que há critérios a serem relevados numa
correção – no que se refere à avaliação temática – e que devem ser man-
tidos de maneira uniforme, identificando aspectos de coerência e o ín-
dice de autoria do texto.
Se porventura forem oferecidos textos de inspiração – como auxi-
lio ao tema – na realização da redação, faz-se primordial que o corre-
tor tenha excessiva intimidade com esses textos, que leia e releia, que
se dedique a entendê-los para identificar tanto cópias quanto paráfra-
ses, o que desmerece a autoria e prejudica a avaliação do trabalho so-
bre o tema proposto.
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Mostraremos a seguir, com base em bibliografia pertinente, mas


especialmente na nova e antiga Retórica, como avaliar melhor os tex-
tos com índice de autoria mais evidente e que sejam, por sua vez, mais
persuasivos e elucidativos. Devemos lembrar que o corretor de redação
é, acima de tudo, um leitor que procura no texto o prazer da leitura. Em
bancas de correção, é comum ouvirem-se elogios a argumentos lógicos
e coerentes sobre fatos inusitados e controversos. Nesse momento, o
corretor sai de sua posição de mero avaliador e passa a ser coadjuvan-
te do texto, opinando sobre ele. Pretendemos elucidar que essa opinião
pode ser pessoal, mas há critérios que evitam discrepâncias de notas.
Por exemplo, quando dois ou mais avaliadores leem a mesma redação,
costuma haver uniformidade de pensamentos. E essa uniformidade de
opinião faz-se justa e necessária, o que comprova que a subjetividade
quase sempre não existe na hora da correção e avaliação.
Analisaremos textos que apresentam o padrão dissertativo-argu-
mentativo, aqueles que defendem uma ideia, posição, ponto de vista ou
opinião a respeito de um tema. São textos que trazem argumentos con-
vincentes, cujo objetivo é a defesa de uma opinião. Trataremos como
dissertativos os textos que seguem a seguinte estrutura: introdução, de-
senvolvimento e conclusão.
Othon M. Garcia, em seu livro “Comunicação em Prosa Moderna”
(1988, p. 39), destaca esse tipo de texto:
Cristina Munhão - 17

Vejamos agora como planejar e elaborar uma dis-


sertação que tampouco exija leitura ou pesquisa
especializada, isto é – uma dissertação que pode ser
feita – como acontece em exames e provas – com
os conhecimentos gerais já de posse do estudante.

Assim como Garcia, tentaremos explicitar, ao máximo, que nos-


so objeto de estudo é a redação, visto que, por meio de uma produção
textual, podemos avaliar não só vários aspectos ligados aos conheci-
mentos gerais e português, mas também raciocínio lógico, organização,
clareza e argumentatividade. Além dos aspectos mencionados, há inú-
meros critérios a serem analisados na correção de um texto redacional
e que, certamente, podem influenciar no entendimento de uma redação.
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Esses critérios serão analisados por nós e classificados como com-


petências e habilidades discursivas. São elas: coesão, coerência, paragra-
fação, concatenação de ideias e raciocínio, argumentatividade, repertório
implícito, obediência aos aspectos principais da norma-padrão, escolha
vocabular, pontuação, índice de autoria e proposta de intervenção sobre
o tema, que trata-se da capacidade do escritor de interferir logicamente
na proposta de redação, apontando soluções para o assunto. Nosso tra-
balho não pretende analisar todas as competências, mas apenas as que
estão relacionadas diretamente à abordagem temática.
Essas competências devem ser examinadas, levando em conside-
ração que, em se tratando de textos – em sua maioria, produzidos por
jovens estudantes ou concluintes de ensino médio que vivem uma con-
temporaneidade marcada por um apelo informativo imediato – há, nes-
te caso, grande tendência à superficialidade do assunto. Eis o primeiro
problema a ser avaliado. Assim, a profundidade na análise de um deter-
minado assunto será vista como positiva na avaliação.
Importante observar que a geração “pesquisei no google” tem mui-
ta dificuldade em identificar a autoria, visto que o pesquisador de inter-
net, sente-se, muitas vezes, proprietário do texto que lê. Uma sensação
que o livro, a revista e o jornal não causam tão veementemente. Esse
novo leitor/pesquisador costuma ter como verdadeira uma série de in-
formações, que, na maioria das vezes, não tem uma fonte confiável. E
pior: faz leituras de fragmentos de textos, tomando como verdadeiras
as informações que não têm um corpo de notícia que se possa analisar
com segurança.
18 - O tema e a coerência na correção de redações

No universo do “clic”, a questão da formação de opinião vem sen-


do muito prejudicada, pois os meios de comunicação (formadores de
opinião) têm-se padronizado. Há pouca preocupação com a análise de
fatos, o que é agravado pelo jornalismo sensacionalista que impera nos
canais abertos da televisão.
Mariotti (2000), mostra, em seu artigo “Cognição, Sociedade e
Novo Autoritarismo”, um tema novo que é a “McDonaltização” do mun-
do, que seria a tendência de padronizar e quantificar as pessoas. Os in-
divíduos tornam-se máquinas de consumo e descarte. A intenção dessa
padronização são o controle, a previsibilidade e a quantificação. Não é
nossa intenção avaliar aspectos cognitivos da nova geração, mas vale
apontar que a superficialidade encontrada nos textos é uma “janela” por
meio da qual podemos observar o mundo superficial e fútil em que vive
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boa parte de nossos jovens, que são tratados como massa de manobra
para consumir sem pensar, e nada mais.
Nesse contexto, temos um candidato diante do grande desafio do
papel em branco, com um tema que o limita, produzindo ideias, con-
junturas e conclusões que nem sempre são sólidas. Cabe ao profissio-
nal corretor avaliar corretamente e saber identificar a diferença entre
um tema explorado em sua profundidade ou apenas um amontoado de
ideias superficiais.

Há uma valorização – por parte dos profissionais de educação –


do bom uso da norma culta, cujo valor é indiscutível, mas esse aspec-
to tem confundido um pouco os candidatos no que se refere à sua nota
e à avaliação.
Se o aluno obedece a critérios como coesão, coerência e norma culta,
já acredita ser seu texto “brilhante”. Isso pode gerar uma grande polêmica,
pois as questões temáticas são encaradas e vistas como assunto subjetivo,
ou seja, para correção de aspectos da norma culta, utilizam-se critérios téc-
nicos de correção, e para a questão temática, “sobraria” o “acho não acho”
do corretor. Sendo assim, a avaliação dos aspectos temáticos seria subje-
tiva, portanto injusta. A coerência – alinhada ao tema – tratar-se-ia de um
assunto passível de discórdia. Todavia, neste estudo, pretendemos provar
que esse critério pode ser uniforme para avaliação do grau de coerência.
Cristina Munhão - 19

Para Abreu (2004), um texto é coerente quando é possível inter-


pretá-lo. Estudar a coerência de um texto é, pois, estudar as condições
de sua interpretabilidade. Existem condições de interpretabilidade li-
gadas diretamente ao texto, como o conhecimento e o uso adequado
dos recursos léxicos e gramaticais da língua. O autor continua sua
explanação afirmando que a coerência de um texto depende também
de outros fatores, como os elementos contextualizadores, que anco-
ram um texto em uma situação comunicativa determinada. Portanto,
fica claro que a questão da interpretabilidade está ligada a vários fa-
tores que discutiremos a seguir.
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Abordar um tema seria, pois, desenvolvê-lo. Se o tema for


“Animais abandonados em zonas urbanas”, o texto deverá versar so-
bre cães e gatos abandonados nas ruas e possíveis danos que possa
causar esse abandono, como acidentes e doenças. Poder-se-ia falar so-
bre o aspecto humanitário no cuidado, trato e criação de animais, pos-
se consciente e muitos outros aspectos ligados à manutenção de um
animal doméstico. Esses seriam aspectos óbvios. Mas e se, de repen-
te, esse aluno morasse na zona rural, e o abandono de animais fosse de
equinos, por exemplo. Ou se vivesse no mundo do circo e escolhesse
escrever sobre animais de circo que são descartados quando deixam
de ser úteis? Dessa maneira, o raciocínio dedutivo e o cotidiano (o en-
timema) entrariam em ação. E partiria do corretor entender que o au-
tor do texto vive uma realidade incomum. Entraria em ação a dedução
trazida pelo uso do entimema.
Conforme Garcia (1988), o raciocínio dedutivo preside ou condi-
ciona praticamente a totalidade de nosso comportamento diário. As mais
simples ações, reações ou atitudes mentais tanto quanto as mais com-
plexas implicam um raciocínio dedutivo.
Um entimema é, portanto, um argumento que contém pelo menos
uma premissa não formulada, habitualmente designada por premissa
implícita. Pode-se também dizer que se trata de uma premissa suben-
tendida ou oculta. Por exemplo: no argumento “José é economista, logo
José tem formação universitária”.
Vejamos o que nos traz a Retórica Aristotélica:
20 - O tema e a coerência na correção de redações

Sendo manifesto que o método hábil estriba em


provas; que a prova é uma demonstração – pois
que a nossa confiança é tanto mais firme quanto
mais convencidos estivermos de ter obtido uma
demonstração -; atendendo a que a demonstração da
Retórica é o entimema; que este fornece; em resu-
mo; a convicção mais decisiva […] tem por missão
tratar de toda sorte de silogismos e que a Dialética;
tomada em conjunto ou numa de suas partes; em
por missão tratar indiferentemente de toda sorte
de silogismos; resulta que todo aquele que melhor
souber as premissas e a marcha dos silogismo será
por isso mesmo; mais apto para manejar o entimema.
(ARISTOTELES, 1994, p. 32).
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Aristóteles esclarece a questão do subentendido. Portanto, no tema


dado como exemplo, o assunto gerará confiança se criar com o leitor
um silogismo implícito que é o entimema.
O repertório de quem escreve e o de quem lê precisam estar em acor-
do, mas isso não significa que escritor e leitor devam dominar exatamente
o mesmo conteúdo. Assim, por mais que se explicite um tema, todas as
ideias decorrentes desse núcleo serão entimemas. Sendo assim, há um li-
mite entre discorrer sobre um tema baseado em repertório, ou fugir desse
tema, que consiste em simplesmente não referenciar o assunto proposto.
Como terceira possibilidade, tem-se o tangenciamento do tema.
O tema tangencial seria aquele que, apesar de abordar o assunto
principal por palavras e expressões, não o desenvolve efetivamente,
não percorre as diretrizes ditadas pela proposta da redação. Há escas-
sez de aprofundamento na defesa de ideias e na conclusão das dis-
cussões apresentadas. O tangenciamento não é propriamente a fuga,
mas uma linha de raciocínio que desvia o cerne principal. No exem-
plo dado anteriormente “Abandono de animais nas zonas urbanas”,
se o texto tratasse de caramujos africanos descartados no Brasil e dis-
seminando doenças, estaria tangenciando, pois a tese principal teria
sido desvirtuada.
Reforçam nossas palavras as observações de Perelman (1996, p. 50):

O objetivo de toda argumentação, como dissemos,


é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às
Cristina Munhão - 21

teses que se apresentam ao seu assentimento: uma


argumentação eficaz é a que consegue aumentar
essa intensidade de adesão, da forma que se de-
sencadeie nos ouvintes a ação pretendida na (ação
positiva ou abstenção) ou, pelo menos crie neles
uma disposição para ação, que se manifestará no
momento oportuno.

Apesar de a análise das Retóricas tratar do discurso oral, fica evi-


dente que um tangenciamento não traria a adesão das ideias do leitor,
sendo ato falho que descaracteriza a boa redação.
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A articulação entre as ideias garante a unidade de sentido do tex-


to argumentativo. A coerência está ligada a uma série de atos enuncia-
tivos que permitem a interpretação de um conjunto de ideias; isso tudo
depende de conhecimentos linguísticos, históricos, textuais, interacio-
nais e de raciocínio. Segundo Abreu (2004, p. 42) “A coerência de um
texto depende também de nosso conhecimento de mundo”.
A coerência de um texto nem sempre está explícita na superfície.
São necessárias pistas textuais e contextuais, organização de informa-
ções, ideias e fatos. É a coerência que garante a veracidade das infor-
mações. Dessa forma, temos a organização dos modos de pensar.
Em seu prefácio à Nova Retórica, Perelman (1996) defende que
os dois modos de raciocinar podem ser por demonstração analítica ou
por argumentação dialética. O primeiro se traduz numa demonstração
fundada em proposições evidentes, que conduz o pensamento à conclu-
são verdadeira sobre cujo estudo se alicerça toda lógica formal; o outro
se expressa através de um argumento sobre enunciados prováveis, dos
quais se poderiam extrair conclusões apenas verossímeis, representan-
do uma forma diversa de raciocinar.
Importante salientar que quem produz um texto tem o direito de
opinar, desde que não fira direitos humanos. É fato que a opinião de
quem escreve e a de quem lê podem divergir. Cabe ao corretor ter dis-
cernimento sobre isso, pois não pode, em hipótese alguma, avaliar mal
um texto, apenas por não concordar com as ideias do autor.
22 - O tema e a coerência na correção de redações

Um exemplo ainda sobre o tema “Animais abandonados em zonas


urbanas”: o candidato poderia sugerir extermínio de animas abandona-
dos, o que poderia não condizer com o que o corretor pensa. Sendo as-
sim, cabe ao corretor respeitar argumentos e, nessa hora despir-se de
suas convicções pessoais. Fique claro que, se o candidato argumentas-
se que esse extermínio trouxesse segurança à população, se esse mes-
mo candidato garantisse dignidade ao animal que iria ser morto, esse
teria que ser respeitado em seu ponto de vista. Nesse caso, o candidato
poderia optar pela argumentação pelo exemplo, citando fatos ocorridos
em várias localidades e situações.
Perelman (1996, p. 401) nos traz que “o emprego da argumentação
pelo exemplo, conquanto abertamente proclamado, tende muitas vezes
a fazer-nos passar deste para uma conclusão igualmente particular”.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Além da argumentação pelo exemplo, vale salientar as metarregras, ci-


tadas por António Soares Abreu (2004, p. 43), que são “fundamentais
para coerência e obediência ao tema”.
As metarregras são muito úteis ao corretor durante sua avaliação,
pois podem ser pontuadas especificamente. São elas:

Repetição – que nada mais é que a coesão textual, quando são re-

cuperados termos de frases anteriores, por meio de pronomes, elip-
ses, elementos lexicais ou substitutivos, o que causa a recorrência de
termos;
Progressão – o texto deve ter informatividade progressiva, evitando

circularidade;
Não contradição – cada pedaço do texto deve fazer sentido com o

que se disse antes;
Relação – o conteúdo do texto deve estar adequado a um estado de

coisas no mundo real ou mundos possíveis.

A seguir, traremos análises em que pretendemos aplicar as teorias


até agora discutidas.
Cristina Munhão - 23

Nosso corpus de análise são textos dissertativos-argumenta-


tivos sobre um tema específico. Os candidatos concorriam a va-
gas em uma Universidade particular. As redações foram transcritas
obedecendo à ortografia do aluno, porém há algumas adaptações, pois
esse material está sendo usado apenas como exemplo para aplicabili-
dade das teorias anteriormente expostas.
Nas análises, adotaremos quatro critérios de qualidade temática em
quatro textos elaborados sobre o mesmo tema, classificando os textos
da seguinte maneira:
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Tema mal abordado;



Tema abordado tangencialmente;

Tema abordado regularmente;

Tema abordado plenamente.

A seguir, a transcrição do tema e o texto de inspiração para redação.

Tema: “Brasil+: o país do futebol”


É sabido que o brasileiro ama futebol. No entanto, algo que deve-
ria trazer prazer e alegria tem sido usado como meio de liberação de
um instinto nada humano. Como o futebol poderia ser útil? Como tra-
zer de volta a beleza e alegria do futebol arte?

Agora, elabore um texto dissertativo de, no mínimo, 25 linhas, fa-


zendo suas reflexões sobre o tema.
Nesse tema, há um direcionamento muito claro do que deverá ser
elaborado. Podemos pontuar como exemplos a serem discutidas:

origens do futebol;

futebol é paixão nacional;

aquilo que deveria ser motivo de alegrias traz tristezas;

24 - O tema e a coerência na correção de redações

o motivo do prazer (futebol) libera instintos nada humanos;



instintos nada humanos são os que corrompem os direitos do ser

humano;
há violência entre os jogadores;

há violência entre torcedores;

o futebol é um esporte, esporte significa saúde e bem-estar, porém

desperta nem sempre instintos animalescos em algumas pessoas;
a violência causa mortes e destruição;

salários altos de jogadores que influenciam em seu desempenho.

E mais infinitas possibilidades ligadas à ideia lançada inicialmente.


Observemos a seguir:
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

REDAÇÃO I

Titulo: Brasil no Futebol

1. Hoje em dia muitas pessoas sai do mundo das Drogas por causa do
Futebol, graças a muitos times grandes que ajuda eles dando uma
vida melhor.
2. Não dá pra fala de futebol sem fala da copa do mundo que é o ano
que vem.
3. A copa tem seu lado bom e seu lado ruim.
4. O bom de ter a copa aqui no Brasil é porque gerou muitos empregos.
5. A parti chato da história que vai gasta milhões em estádio de fute-
bol e a educação eles deixa de lado.
6. Muitos jogadores ganha muito e não serve para nada. Os professo-
res que dá educação para nos não ganha muito.
7. O futebol poderia gastar mesmo dinheiro com jogadores e ajuda mais
quem precisa de verdade. Isso sim é o “futebol arte”.
8. O suporte que o time dão aos meninos da base e bom, eles ensina os
menino.
9. Os meninos a ser mais que jogador.
10. Um humano de verdade.
Cristina Munhão - 25

11. Muitos jogadores do passado. Hoje passa fome no Brasil, os times


tinha que pensar neles também.

Podemos observar a fragmentação de ideias colocadas em desor-


dem; assim a falta de concatenação das ideias e entrecorte dos racio-
cínios prejudicam a compreensão do texto. O tema foi abordado, mas
superficialmente. Em todos os parágrafos é mencionado o futebol, mas
superficialmente, sem nenhum aprofundamento.
É interessante notar que o tema oferecido é de domínio comum.
Futebol é assunto cotidiano. Contudo, está claro que a oferta do tema
conduz a aspectos negativos sobre o assunto: “algo que deveria trazer
prazer e alegria tem sido usado como meio de liberação de um instinto
nada humano.” (trecho extraído do tema da redação transcrito acima).
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Percebemos também um tangenciamento do tema à medida que o


candidato discute vários aspectos ligados ao futebol, mas, em momento
algum, menciona a violência que é aquilo a que o tema conduz.

Análise da introdução:

1. Hoje em dia muitas pessoas sai do mundo das Drogas por


causa do Futebol, graças a muitos times grandes que ajuda eles dan-
do uma vida melhor.

Existe uma ideia núcleo que é defendida: “as pessoas abandonam


as drogas por causa do futebol”. A impressão que se tem é que o candi-
dato vai, em seguida, contrapor o benefício, apresentando um aspecto
negativo. Contudo, essa ideia não é sustentada nem contrastada no pa-
rágrafo seguinte:

2. Não dá pra fala de futebol sem fala da copa do mundo que é o


ano que vem.

Isso também não acontece nos parágrafos seguintes. No desenvol-


vimento, entre o parágrafo 2 e 10, o candidato vai das drogas à copa,
discute o salário dos jogadores comparando-o com salários dos pro-
fessores; fala de “futebol arte”, como ajuda aos necessitados, tentan-
26 - O tema e a coerência na correção de redações

do referir-se ao texto motivador. Só na conclusão fala de jogadores do


passado que hoje passam fome, mas não chega a nenhuma conclusão.
Essa redação não foge do tema, mas claramente tangencia-o.
Podemos perceber que o candidato leu a proposta de redação, mas não
houve compreensão total do tema, menos ainda uma reflexão sobre o
assunto. Não há fundamentação, provas ou mesmo uma sequência de
expressões que se concatenem.
Segundo Garcia (1988), nem sempre temos consciência de estar
elaborando um silogismo completo. Às vezes, o que aflora no plano da
consciência é apenas a conclusão, traduzida em expressão verbal, em
ações, impulsos ou comandos. Mas antes dela, ou melhor, por baixo
dela, subjaz como nos icebergs, uma elaborada série de processos men-
tais que chega a ser bem extensa, quando inclui ainda a indução, que,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

como sabemos, fornece os elementos ou dados para generalização que


vai ser a premissa maior do silogismo dedutivo […].
As afirmações realizadas pelo candidato fogem ao foco principal, e
a progressão textual fragmentada não encaminha o leitor a uma conclu-
são por dedução. Também não há conclusão elaborada. Os argumentos
utilizados são do senso comum e não apresentam nenhuma fundamen-
tação; por isso, o tema foi abordado tangencialmente.

REDAÇÃO II

Titulo: A Copa do Mundo: Suas Qualidades

1. A Copa do Mundo é uma boa forma de demonstra a utilidade e a be-


leza do futebol.
2. A Copa é útil para vários fins, um exemplo será a Copa do Mundo de
2014 aqui no Brasil, será muito útil para nosso país, pois isso trará
muitos turistas, sendo assim gerando muitos empregos para nosso
pais; como as construções, turismo, hotéis, lojas, etc. Com isso tra-
rá um bom capital para nosso país.
3. Mais fora isso temos também a beleza do futebol.
4. A maior prova de que o futebol é belo é a Copa do Mundo, onde nela
podemos ver, a união a fé e a esperança, não só dos brasileiros mais
Cristina Munhão - 27

de todo mundo. É um época onde se reúne amigos, famílias, onde se


esquece as diferenças e os pré conceitos.
5. Com tudo eu acredito que o futebol é útil e belo, onde podemos uti-
liza-los das melhores formas e podemos aprender e encinar ao mun-
do que a arte do futebol ainda existe.

O texto não apresenta progressão de ideias e redunda, nos parágra-


fos 1, 2 e 4, sobre a questão dos benefícios da copa do Mundo no Brasil.
Somente no último parágrafo é mencionada a beleza e o “futebol arte”.
No decorrer de todo o texto, em nenhum momento, o candidato desen-
volve a ideia-chave. Não há nada de novo nem se analisa um repertório
qualificado do candidato, o tema é tratado de forma superficial, visto
que a questão da violência é mais uma vez posta de lado.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Há menor número de problemas com relação ao uso da norma cul-


ta, portanto o texto teve a temática mal abordada.

REDAÇÃO III

Titulo: Futebol, paixão nacional

1. O Futebol tem sido o esporte que mais vem trazendo emoções para os
brasileiros nas últimas décadas, trazendo muitas alegrias, tristezas, tí-
tulos e até mesmo decepções. Contudo, mesmo dividindo opiniões, o es-
porte tornou-se uma paixão nacional.
2. De fato sabemos que o futebol é considerado por muitos como uma
porta de entrada para a fama, o sucesso e o dinheiro. Milhares de
crianças acabam enxergando no esporte a maneira mais fácil para
sair da miséria, o que não deixa de ser verdade, afinal, todos sabe-
mos também que os jogadores profissionais ganham salários exor-
bitantes e levam uma vida que aos olhos dos pequenos aspirantes a
jogador profissional seria impossível de se obter por outros meios.
Assim sendo, o que era antes considerado apena como um esporte
comum, praticado apenas por lazer, torna-se uma indústria que mo-
vimenta bilhões.
3. Quem nunca ouviu falar do Rei Pelé ou do espetacular Garrincha?
Na época desses grande jogadores o Brasil ainda possuía o espíri-
28 - O tema e a coerência na correção de redações

to do “futebol arte”, jogado por amor a camisa e ao time do cora-


ção, e mesmo com diversas adversidades o Brasil ganhou o título de
país do futebol. Porém, em algum momento a arte deu espaço par o
mercado altamente rentável que é o esporte hoje em dia.
4. Ainda não sabemos como resgatar aquele velho espírito do “fute-
bol arte”, mas nossa resta torcer para que o nosso país aproveite a
oportunidade de ser o país sede da Copa do Mundo de 2014, e que
além do título, nossa seleção consiga resgatar a essência do futebol
arte.

Nesse texto – apesar de as discussões não trazerem nada de muito


novo, que não seja de domínio comum –, o candidato reforça muito a
questão do “futebol arte”, discorrendo, no parágrafo 2, sobre os benefí-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

cios de ser um jogador. Não entra no campo da violência sugerida pelo


texto base, todavia comunga, mesmo que superficialmente, com a pro-
posta temática. Sentimos a presença do entimema, visto que o conheci-
mento de mundo está explícito e concorda com os pensamentos comuns,
o candidato tangencia o tema, pois não trata da violência.

REDAÇÃO IV

Título: Futebol: a sociedade e o esporte

1. O futebol nasceu na Inglaterra, em meados do século XVIII, mas


foi no Brasil que ele se desenvolveu, foi aprimorado e acabou se
tornando uma verdadeira manina nacional. O jogo ficou tão po-
pular que logo foi consagrado como esporte nacional, dando ao
Brasil o “status” de país do futebol.
2. No entanto, esse esporte que foi motivo de alegria e comemoração
para muitos, tem sido usado muitas vezes (em especial pelas torcidas
organizadas), como meio de liberação de violência e desrespeito.
3. Os torcedores que outrora, procuravam no esporte, esquecer a dura
realidade do dia-a-dia, a desigualdade social e os problemas econô-
micos do país, hoje fazem dele um meio de protestar, usando, muitas
vezes, a violência. Talvez pelo fato de verem os jogadores de seus
times, preocupando-se mais com seus altos salários do que com a
Cristina Munhão - 29

própria vitória no jogo. Um esporte tão belo, que encanta crianças,


jovens e adultos pode ser usado para melhorar o convívio social nas
comunidades e reintegrar aqueles em situação de risco.
4. A única maneira de resgatar a beleza e a alegria do “futebol arte”
é através do desenvolvimento de políticas públicas que procurem di-
vulgar e desenvolver o esporte nas cidades, isso deve ser feito com
o bom gerenciamento de recursos destinados a área de esportes. Em
2014, o Brasil será sede do maior evento esportivo mundial, a Copa
do Mundo, quem sabe até lá nossos governantes desenvolvam novas
políticas públicas e estimulem a população a voltar a ver no futebol,
um meio de lazer. Afinal, o mundo todo estará com os olhos voltados
para o Brasil em 2014, o evento vai trazer desenvolvimento em diver-
sos setores – especialmente na economia e no turismo. Que os bra-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

sileiros continuem amando o futebol e a pátria, sentindo o coração


bater mais forte a cada grito de gol.

A redação progride parágrafo a parágrafo. Nota-se a presença dos si-


logismos que contribuem para coerência, pois, a cada vertente do tema, o
candidato acrescenta informações novas, amarradas às ideias anteriores.
O “futebol arte” – foco principal do tema – é tratado organizada-
mente, uma vez que foram mencionadas as origens do futebol, a paixão
do brasileiro pelo esporte, aspectos negativos, tais como altos salários e
pouca valorização dos esportistas, e, finalmente, aspectos positivos do
esporte com relação às comunidades.
A linguagem e os elementos coesivos estão bem empregados, o que
contribui, sobremaneira, para a evolução do tema.
Na introdução – parágrafo 1 – discorreu-se sobre as origens do fu-
tebol; o problema é apresentado no parágrafo 2.
No final (parágrafo 3), há uma tentativa de intervenção, o candida-
to aponta supostas soluções para o problema apresentado.
A conclusão (parágrafo 4) continua apontando propostas de inter-
venção e, finalmente, aborda a Copa do Mundo.
O índice de autoria é claro, as informações expressas demonstram
conhecimento sobre o assunto, com datas e dados, e há abordagem da
questão do futebol arte em confronto com a violência. Para nós, o tema
foi abordado plenamente.
30 - O tema e a coerência na correção de redações

Um dos objetivos de nosso capítulo foi elucidar – a corretores e


aos alunos avaliados em sua redação, mas também a todos aqueles que
utilizam-se da escrita como instrumento de expressão, profissional ou
não – aspectos estruturais do texto dissertativo, vinculados à coerência
de modo geral e, em especial, ao tema do texto dissertativo.
Para o leitor deste capítulo, esperamos ter ficado claro não apenas
a necessidade de se estabelecerem critérios de correção das redações,
mas estratégias de identificação de aspectos relacionados à coerência
do texto escrito. Além disso, sobretudo quando se trata de textos argu-
mentativo-dissertativos, faz-se necessário, de alguma maneira, analisar
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

o grau de subjetividade da redação.


Finalmente podemos afirmar que o corretor, na avaliação final de seus
textos, não deve ter nenhuma dúvida sobre o trabalho realizado. Esse cor-
retor tem, em suas mãos grande responsabilidade, pois deve obrigar-se a
ter pleno conhecimento do tema, ler com dedicação e máxima atenção os
textos de inspiração, perceber os entimemas, respeitar diferenças e opini-
ões alheias às suas e, acima de tudo, saber identificar o índice de autoria
do texto, que pode levar a aspectos, inclusive ligados à criatividade, ele-
mento essencial para o bom desempenho das pessoas em qualquer área.
Por outro lado, o aluno que trabalha no campo do verossímil e tem
conhecimento de mundo garante a unidade temática de seus textos. Dessa
forma, trabalha com o plausível, mas sai do óbvio, cria textos criativos
e bem estruturados, sendo, finalmente, bem avaliado.
Diante do tema proposto, deve haver uma reflexão e análise pro-
fundas, por parte do aluno, para chegar a uma síntese que conduza a
elaboração do texto, portanto escrever apenas tendo um insight inicial
certamente não trará bons resultados.
O processo de análise e síntese de um tema ocorre no campo cog-
nitivo. Diante do tema, o aluno terá opções e perspectivas que ele abor-
dará de acordo com seu universo de informações e suas idiossincrasias.
Os conhecimentos e percepções do aluno somados às experiências do
corretor é que formarão novas ideias, que poderão, inclusive, ser con-
sideradas novas e criativas.
Somada à questão verossímil, teremos a variedade de informações,
as evidências características da razão. Segundo Perelman (1996, p. 129),
Cristina Munhão - 31

[...] a razão é o que cumpre criticar e influenciar a


opinião do leitor. A evidência, ao mesmo tempo,
concebida como força à qual toda mente normal
tem que ceder e como sinal de verdade daquilo que
se põe por evidente é que faz crescer o poder da
argumentatividade, e assim, a persuasão.

Um texto argumentativo que priorize a exposição seria, pois, con-


siderado um texto fraco, a persuasão é maior marca de um bom texto.
Experiência em correções e os critérios adotados em cada institui-
ção podem variar, mas isso não deverá, de maneira alguma, proporcio-
nar uma nota injusta. Lembremos que, no momento de uma avaliação,
estamos decidindo o destino de alguém e esse processo não pode ape-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

nas depender do “humor” de quem está corrigindo. O poder de quem


está com a caneta vermelha na mão é muito grande. Por isso, o outro
– que está sendo avaliado – só se sentirá realmente seguro se perceber
que houve uniformidade nos critérios adotados por todos os corretores
de uma mesma banca. Cabe observar que também a instituição educa-
cional, que confia no trabalho dos corretores, põe em jogo a seleção do
melhor candidato e precisa acreditar no trabalho realizado.
Este capítulo tencionou esclarecer alguns critérios comuns que de-
vem nortear a correção dos textos para que não haja incertezas nem de
quem corrige, nem de quem está sendo avaliado. A quem corrige deve
restar essencialmente o prazer da leitura; somar-se-ão as experiências
do leitor e de quem escreve e o resultado não terá caráter subjetivo, mas
uma correção justa e pontual.
32 - O tema e a coerência na correção de redações

ABREU, António Suárez. Curso de redação. São Paulo: Àtica Universidade,


2004.
ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Rio de Janeiro: TecnoPrint, 1994.
DÚVIDA METÓDICA. Disponível em: <http://www.duvida-metodica.blogs-
pot.com.br/>. Acesso em: 22 out. 2015.
GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 14. ed. Rio de Janeiro:
Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988.
MARIOTTI, Humberto, Cognição, sociedade e o novo autoritarismo: uma
análise de algumas abordagens científicas e suas consequências éticas, EccoS
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Rev. Cient., São Paulo, v. 2, n. 1, p. 24-43, jun. 2000. Disponível em: <http://
www4.uninove.br/ojs/index.php/eccos/article/viewFile/185/200>. Acesso em:
22 out. 2015.
PERELMAN, Chaim, Lucie Olbrechts-Tyteca. Tratado da argumentação: a
nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
SIQUEIRA, João Hilton Sayeg. O texto: movimerntos de leitura, táticas de
produção, critérios de avaliação, São Paulo, Seliunte, 1990.
SOUZA, Luiz Marques de; CARVALHO, Sergio W de. Compreensão e pro-
dução de textos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
VARELA, Francisco. O caminhar faz a trilha. In: THOMPSON, William Irwin
(Org.). Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 2000.
Lane Gatto Ferreira - 33

Lane Gatto Ferreira

A maior dificuldade do adolescente quanto ao tema, além do nervo-


sismo e insegurança ante o novo, é a falta de conhecimento pragmático;
hoje os jovens não leem o suficiente, não se preocupam com o vocabu-
lário rebuscado; ao contrário, além do vocabulário, a falta de conheci-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

mento gera um vazio na cabeça dos jovens, o que os impossibilita de


debater alguns temas.
A dificuldade em realizar a leitura não só textual, mas também vi-
sual é tida como um dos maiores obstáculos enfrentados pelos alunos.
Preocupados com essa questão, vários educadores estão em busca de
estratégias para melhorar o desenvolvimento da leitura do aluno e, con-
sequentemente, da escrita, valendo-se de discursos que fazem parte do
cotidiano, tais como música, cinema, teatro, jornal, televisão, revista,
literatura e legislações, mas isso não é suficiente para resolver esse en-
trave ao desenvolvimento desses jovens.
Pesquisas apontam que as escolas públicas não conseguem suprir
as necessidades para resolver essa questão. Vale ressaltar que as esco-
las particulares também vivenciam situação semelhante, o que tem ge-
rado grande preocupação nos educadores.
Importante lembrar que as dificuldades apresentadas na leitura es-
tão intensamente ligadas ao desenvolvimento das habilidades de escrita,
provenientes de má-formação nas séries iniciais e da falta de incentivo,
entre outros fatores que atingem os estudantes brasileiros. O desinte-
resse do jovem pela escola, a incapacidade dos estabelecimentos de en-
sino de incorporar novas linguagens e o dinamismo da sociedade atual
também são razões desse discurso.
Outra característica importante é o “ponto de vista”. Como pode
um adolescente dar sua opinião sobre determinado tema, se ele não tem
conhecimento prévio do assunto de que tratará?
34 - Que dificuldades os alunos adolescentes enfrentam quanto ao tema das redações...

O conhecimento prévio depende de uma série de fatores, entre eles:


a leitura de qualidade e diária, informações sobre conhecimentos gerais,
atualidades e literatura. A base de desenvolvimento de um texto bem
elaborado depende de quanto o aluno leu e de quanto se preparou para
fazer uma boa redação de vestibular.
Ser a favor, contra, “ficar neutro”, não importa. Por mais que o exa-
minador concorde com aquilo que o adolescente escreveu ou dele discor-
de, não aumentará ou reduzirá sua nota em virtude disso. É necessário
que o texto do aluno apresente uma declaração de propósito, indepen-
dentemente do tema sugerido. Este aluno não deve iludir-se, “achando”
que o corretor de sua redação ficará impressionado só com palavras di-
fíceis ou com opiniões óbvias; o que impressiona é a coerência e a co-
esão, qualidades imprescindíveis ao texto produzido com base no tema
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

proposto. Por isso, é preciso que tenha discernimento ao expressar seu


conhecimento e ideias sobre o assunto dissertado, deve ser crítico e ha-
bilidoso com as palavras.
As dificuldades do jovem não param por aí. Quantas vezes dei-
xam de escrever por não “terem ideias” ou não encontrarem palavras
para expressá-las. Não é necessário ser escritor ou poeta para ter expe-
rimentado a sensação de não conseguir romper o silêncio “deu branco!”
“A mente divaga, palavras faltam, parece que tudo o que se apren-
deu perde a eficácia e a forma, incapaz de ser transformado em frase”.
(GUERREIRO, 2011).
Segundo a escritora Sônia Belotto, professora de oficinas de escri-
ta, há três condições para um bom resultado na produção de texto: pri-
meiro, “conhecer o assunto escolhido” para quem se escreve; segundo,
“dominar o assunto escolhido” – este é o grande problema para quem
escreve uma redação no vestibular, e terceiro, “dominar as técnicas
de escrita” – sério problema para o aluno de 3º ano do Ensino Médio.
(GUERREIRO, 2011).
Algumas dicas podem facilitar o trabalho dos adolescentes que en-
frentam, no 3º ano do Ensino Médio, a prova do ENEM e os processos
seletivos em geral; são orientações para quem não depende tanto da es-
crita para viver, mas que dela precisa para dar continuidade aos estudos:

1. A organização dos pensamentos, etapa fundamental na preparação de


um texto bem redigido. Deve-se anotar as ideias que vêm à cabeça
em relação ao assunto sobre o qual se quer escrever.
Lane Gatto Ferreira - 35

2. Definir a finalidade do texto e as possíveis formas de tratar o assunto


para despertar a curiosidade e o interesse do leitor;
3. Registrar, com o máximo de espontaneidade, as ideias relacionadas
ao assunto. Só depois deve ter preocupação com vocabulário, orto-
grafia, concordância e organização do texto.

Ainda segundo a escritora Sônia Belotto, para vencer o bloqueio


criativo, deve-se, primeiro, respirar e relaxar por alguns instantes após
a leitura do tema e, em seguida, começar a escrever o que vier à cabe-
ça, sem nenhum tipo de cobrança, principalmente sobre ser “original”
ou ter “obrigação” de escrever um Best-seller. Quando estiver escreven-
do, apenas escreva, sem se criticar, revisar seu texto ou tentar organizá-
-lo durante a escrita, pois escrever requer muito trabalho como qualquer
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outro projeto de vida. Só depois do texto trabalhado, deve-se revisá-lo,


corrigi-lo e finalmente lê-lo com “olhos de leitor”. (GUERREIRO, 2011).
Segundo Edwiges Morato, livre-docente do Instituto de Estudos da
Linguagem da Unicamp, aquilo que se põe no papel deve fazer senti-
do para quem escreve ou haverá dificuldade de iniciar o texto em razão
de não haver identidade com o tema. Como exemplo, ela cita a redação
de férias que professores propõem a alunos na volta às aulas; não é por
acaso que os alunos demoram a escrever algo, embora seja uma vivên-
cia recente. (GUERREIRO, 2011).
Ainda que o lapso seja normal no processo linguístico, escrever não
é, para muitas pessoas, tarefa simples como falar principalmente para
os adolescentes que enfrentam temas desconhecidos, os dos vestibula-
res, por exemplo. Por isso, vez ou outra, defrontamo-nos com uma pá-
gina em branco que não conseguimos transpor. Não há motivo especial
para que isso ocorra, mas existem razões que podem causar tal bloqueio,
sendo a mais comum a psicológica – o medo de começar a escrever e
o de que o resultado não seja bom. Outro bloqueio é a insegurança do
jovem que não se preparou o suficiente para o momento da redação no
vestibular. (GUERREIRO, 2011).
Aparecida Custódio, professora do Colégio Objetivo, assevera que
a autodepreciação nos impede de expor nossas falhas e de revelar nos-
sas qualidades; ao escrever, estamos nos expondo, e o fato de esse re-
sultado ser submetido à avaliação de outra pessoa pode gerar bloqueio.
(GUERREIRO, 2011).
36 - Que dificuldades os alunos adolescentes enfrentam quanto ao tema das redações...

Estamos mais familiarizados com a fala do que com a escrita; sen-


tirmo-nos inibidos diante da folha em branco pode ser natural, uma vez
que a palavra falada não fica registrada, o que não ocorre com a pala-
vra escrita em razão de ser o registro de nossas “supostas” deficiências.
Muitos alunos não conseguem iniciar seus textos porque relutam com
o perfeccionismo, a ansiedade e a insegurança, decorrentes do temor de
se expor, porém tudo isso pode ser superado com exercícios de escrita
e muita leitura. O leitor “assíduo conta com vasto repertório linguístico
e cultural que lhe oferece amplas possibilidades de escrever um texto”
com maior segurança. (GUERREIRO, 2011).
No entanto, a ansiedade, a dificuldade de entender o vocabulá-
rio e o despreparo linguístico criam nos alunos a insegurança, o medo
à exposição e o, consequente, abandono da redação. Alguns não che-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

gam a completar seus pensamentos e desistem no meio da produção,


pois não são capazes de desenvolver e concluir seus pensamentos, ou-
tros nem tentam e entregam a folha em branco. Já os alunos que gos-
tam de “exatas escrevem com mais facilidade do que os aprendizes de
escritores, porque não se autocensuram e veem a tarefa com mais obje-
tividade, portanto sofrem menos no processo de construção do texto”.
(GUERREIRO, 2011).
É preciso encarar a dificuldade de escrever um texto como
algo natural e comum a qualquer pessoa. Assim como acontece o
esquecimento na hora da fala, quando perdemos a palavra, esse lapso
ocorre no momento da escrita também. “Ainda que o conteúdo possa ser
subjetivo a tarefa de colocá-lo no papel deve ser objetiva. Isso significa
construir uma estrutura textual e traçar um planejamento detalhado do
que será escrito e como será feito”. (GUERREIRO, 2011).
Como sugestão, deve-se fazer um esboço e esquemas para montar
um esqueleto sólido o suficiente para não dar margem ao bloqueio, sem
esquecer do tema que será abordado, quais ideias não podem deixar de
ser mencionadas e que perguntas devem ser respondidas, tudo de for-
ma coerente e seguindo a estrutura básica do texto: introdução, desen-
volvimento e conclusão. Ao pensar neste conjunto, é inevitável atentar
para o encadeamento entre as partes e, sem perceber, a versão inicial
do texto já estará redigida.
Nessa construção, outra característica importante é administrar o
tempo. Alguns alunos relutam em começar a escrever e se perdem no
tempo. Como não conseguem passar o rascunho do texto a limpo, ace-
Lane Gatto Ferreira - 37

leram, cortam fatos relevantes e praticamente “matam” a redação. Para


evitar esse risco, algumas estratégias, tais como construir a estrutura do
texto, fazer a releitura e a escrita desse texto, são eficazes, mas tomam
tempo. Daí a importância de administrá-lo para construir a redação do
processo seletivo.
A facilidade de começar e desenvolver um texto só chega com
a prática e o exercício constante. É irreal pensar que um texto sur-
ja pronto na cabeça de um momento para outro. Até escritores reno-
mados já depararam com esse tipo de situação. Carlos Drummond de
Andrade (2008) já era poeta maior da nossa língua quando escreveu:
“Lutar com palavras é a luta mais vã, entretanto lutamos mal rompe a
manhã”, e João Cabral de Melo Neto (2007) disse: “É difícil defender
só com palavras a vida”. Se para profissionais das letras é difícil, ima-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

gine para não profissionais ou mesmo jovens adolescentes sem conhe-


cimento pragmático.
O exercício diário nos ensina a lidar com as dificuldades que apare-
cem na hora de redigir um texto. Para um jornalista ou um escritor pro-
fissional, a prática de enfrentar os problemas com a escrita surge todos
os dias, mas para o vestibulando, somente no momento de ser avalia-
do, o que o coloca numa posição de grande desvantagem perante escri-
tores profissionais.
Sérgio Rizzo, jornalista, professor e crítico de cinema, sugere que
se faça um aquecimento: “Quando temos de nos dedicar a textos muito
longos e reflexivos ou a um volume de textos encadeados, como uma
tese, é de grande ajuda permitir-se um tempo de aquecimento”. Por
isso, é importante que se tenha horas para queimar, porque a máqui-
na só começa a funcionar depois de algum aquecimento. É essencial
que cada um descubra a sua curva de aceleração, como a de um carro.
(GUERREIRO, 2011).
Segundo Cinthia Rodrigues, jornalista, escritora do “iG Educação”,

Calcular quanto um trabalhador deve receber em


cada parcela do 13º salário pode parecer uma tarefa
trivial após 11 ou, mais recentemente, 12 anos de
estudo que levam uma pessoa até o fim do ensino
médio. A maioria dos jovens que concluíram essa
fase na última década, no entanto, não consegue
chegar ao valor correto. O exemplo ajuda a entender
38 - Que dificuldades os alunos adolescentes enfrentam quanto ao tema das redações...

uma estatística alarmante sobre o conhecimento dos


alunos no terceiro ano do ensino médio. De acordo
com o Ministério da Educação, apenas 10% dos
estudantes adquirem os conteúdos esperados.
A terceira reportagem da série especial do iG Educa-
ção sobre o ensino médio mostra como os jovens se
formam com conhecimentos irrisórios. Nem todos os
alunos dessa etapa escolar passam por avaliações do
MEC – como ocorre no ensino fundamental –, mas
os resultados são suficientes para produzir estatís-
ticas assustadoras. A mais recente delas, do Ibope,
mostra que 62% das pessoas com ensino médio não
são plenamente alfabetizadas. A expectativa era que,
aos 18 anos, e tendo frequentado a escola durante a
infância e a adolescência, os jovens soubessem ler e
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

entender textos longos, mas só 38% o fazem.


Para quem ainda está estudando, o governo aplica,
desde 1999, uma prova, por amostragem, do Sistema
de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Em todas
as edições, o porcentual de  alunos do 3º ano do
ensino médio que chega à pontuação adequada nas
provas de matemática variou entre 9,8% e 12,8%.
No último exame, de 2009, foram 11%. “O que
preocupa é que não saímos desse patamar, mesmo
quando temos uma melhora no fundamental. Quan-
do o jovem vai para o médio, estaciona”, comentou
Mozart Neves Ramos, consultor do movimento “To-
dos Pela Educação”, em apresentação de números
organizados pela ONG a partir da avaliação feita
pelo governo.
Considerando apenas os conhecimentos de língua
portuguesa, o resultado é menos ruim, porém ainda
chocante: 28,9% alcançaram a nota mínima no teste
de 2009. Os números valem para todos os estudantes,
incluída a rede privada. Considerado só o sistema
público, o porcentual cai para 23,3% em português, e
5,8%, em matemática. Segundo o Instituto Nacional
de Pesquisas Educacionais (Inep), a amostra apenas
das particulares é pequena para concluir o porcentual
de estudantes desta rede que aprende o necessário.
Lane Gatto Ferreira - 39

Exemplos em São Paulo, Paraná e Maranhão

O Ministério da Educação mantém, entre suas pu-


blicações, ”a escala do Saeb de língua portuguesa e
de matemática” com todas as capacidades que são
esperadas dos estudantes ao final do ensino médio.
Para ilustrar o que os números sobre a aprendizagem
apontam, o iG selecionou um item em cada disci-
plina, procurou exemplos de situações em que eles
sejam pedidos e levou um teste a jovens matriculados
em escolas de São Paulo, do Paraná e do Maranhão. 
Em matemática, o iG sugeriu um problema já usado
pelo MEC e uma questão elaborada pelo professor
e autor de livros didáticos Luiz Imenes. Ambos
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

avaliam a capacidade de “resolver problemas que


envolvam variação proporcional entre três grandezas
(regra de três simples)”, o que só 7% conseguem,
segundo a estatística do governo.
Em língua portuguesa, foi escolhida uma habilidade
que apenas 6% têm: a de distinguir um trecho opina-
tivo entre as informações de um texto. Novamente
foi apresentada uma questão usada pelo governo e
outra baseada em dois textos do iG Educação, que
tratam do mesmo fato, um informando e outro opi-
nando (RODRIGUES, 2011).

Isso mostra o quanto a educação é deficitária e impossibilita o aluno


de adquirir as habilidades e competências previstas no Plano Nacional
de Educação, formando uma geração incapaz de discorrer sobre temas
que não fazem parte de seu conhecimento.
Vale lembrar que, nos vestibulares, é cada vez mais frequente a
proposta de redação a partir de um ou mais textos, que tratam, geral-
mente, de temas atuais. Nesse caso, é preciso ler os textos com atenção,
identificando o que distingue cada um, compreender os diferentes pon-
tos de vista e escolher elementos relevantes para a construção do tex-
to, de modo direto, usando pequenos trechos com os quais se concorda
ou não, como citações comentadas na dissertação ou, de modo indire-
to, valendo-se apenas as ideias contidas no material de referência para
compor o corpo da redação.
40 - Que dificuldades os alunos adolescentes enfrentam quanto ao tema das redações...

A dificuldade “maior” de nossos jovens vestibulandos, no que se


refere à escrita está no tema, associado à falta de conhecimento, voca-
bulário, ortografia, coesão e coerência.
Voltemos ao discurso inicial deste texto, em que se apresenta a “es-
cola” de ensino básico, fundamental e médio como a grande vilã desse
contexto. A preocupação dos educadores é grande, estamos perdendo
oportunidades de encaminhar nossos jovens para um futuro melhor, uma
vida digna, sujeitos pensantes, críticos e capazes de discernir.
Com base em depoimentos de alunos do terceiro ano do ensino mé-
dio de escolas particulares e públicas da cidade de São Paulo, o “tema”
é o vilão da dissertação no vestibular e a ele se somam outras dificulda-
des tão relevantes quanto o assunto proposto.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno
Lane Gatto Ferreira - 41

AMARAL, Emilia. Novas palavras. São Paulo: FTD, 2010. (Coleção novas
palavras, nova edição; v. 3).
ANDRADE, Carlos Drummond. Antologia poética: [o lutador]. Rio de Janeiro:
Record, 2008.
GUERREIRO, Carmen. Deu branco! Revista Língua Portuguesa, São Paulo,
n. 68, Dez. 2011. Técnica de escrita. Disponível em: <http://revistalingua.com.
br/textos/68/artigo249122-1.asp>. Acesso em: 30 out. 2015.
MELO NETO, João CABRAL DE. Morte e vida Severina. Rio de Janeiro:
2007.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

MOÇO, Anderson. A Prova Brasil em detalhes. Revista Nova Escola, São


Paulo: Ed. Abril, Ano 24, n. 222, maio 2009. Disponível em: <http://revista-
escola.abril.com.br/politicas-publicas/prova-brasil-detalhes-450869.shtml>.
Acesso em: 30 out. 2015.
Revista Língua Portuguesa. São Paulo: Segmento. Ano 5, n. 68,
dez. 2011. Disponível em: <http://revistalingua.com.br/textos/68/sumario.
asp>. Acesso em: 30 out. 2015.
Revista VEJA. São Paulo: Ed. Abril. Ano 41, n. 2074, ago. 2008. Disponível
em: <http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/200808/sumario.shtml>. Acesso
em: 30 out. 2015.
RODRIGUES, Cinthia. Alunos terminam ensino médio sem aprender: avalia-
ções mostram que 90% não têm o conhecimento mínimo esperado para a fase.
Veja exemplos práticos. iG São Paulo, São Paulo, 23 fev. 2011. Disponível em:
<http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/alunos+terminam+ensino+medio+
sem+aprender/n1238097714540.html>. Acesso em: 30 out. 2015.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno
Lídia Spaziani - 43

Lídia Spaziani

[…] se é pelas atividades de linguagem que o homem


UNINOVE – uso exclusivo para aluno

se constitui sujeito, só por intermédio delas é que


tem condições de refletir sobre si mesmo. (OCNs,
200, p. 26)

Neste capítulo, sugerem-se caminhos para atividades que resultem


na produção e compreensão de textos escritos desenvolvidos por alu-
nos pré-graduandos. Por delongado tempo observaram-se falhas na ex-
pressão escrita pertinentes a uma estrutura de ensino e aprendizagem no
Ensino Fundamental II e Ensino Médio, que se mostra ineficaz e obso-
leta. Essas falhas foram analisadas em redações como forma de avalia-
ção para o ingresso do pré-graduando na graduação. A conscientização
(PCN, 1997; OCNs, 2006) de que a escrita é uma prática, antes, social
e depende de um contexto para ser compreendida e utilizada coerente-
mente, este é o escopo da sugestão sobre como aprender leitura e pro-
dução de texto.

O aluno egresso do Ensino Médio tenta ingressar no Ensino Superior


por meio de uma redação, processo avaliativo disponível. Por não con-
seguir a aprovação desejada, deprime-se e se angustia, dando início a
44 - O desenvolvimento da habilidade de leitura e de produção textual em Língua...

um processo de descrença de seu potencial e competências, ao acre-


ditar, erroneamente, que “as uvas estão verdes”, o que não é verdade,
pois as “uvas estão maduras” e precisam ser degustadas. Esse é o prazer
que o conhecimento nos oferece e dele, conhecimento, as oportunida-
des que uma graduação sólida proporciona ao aluno em seu desenvol-
vimento ontológico.

A sociedade abraça esse aluno desde o início de sua existência,


com diversos projetos de assistência social necessários para seu bem-
-estar e desenvolvimento. Entre esses projetos há os referentes à edu-
cação, desenvolvidos por profissionais que, nas esferas educacionais,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

esmeram-se em proporcionar condições para ampliar o conhecimento do


educando. Tais esforços são notados nas diretrizes de ensino de Língua
Portuguesa, nos primeiros nove anos do Ensino Fundamental, em que
os programas de educação nutrem a expectativa de que o aluno se de-
senvolva progressivamente com competência em relação à linguagem,
e, por meio dela, seja capaz de solucionar impasses cotidianos, tenha
acesso aos bens culturais e alcance a participação plena no mundo le-
trado. Na busca desse paradigma, o ensino da Língua Portuguesa tem
por objetivo (PCN, 1997) direcionar o aluno a:

1 – expandir o uso da linguagem em instâncias priva-


das e utilizá-la com eficácia em instâncias públicas,
sabendo assumir a palavra e produzir textos — tanto
orais como escritos — coerentes, coesos, adequados
a seus destinatários, aos objetivos a que se propõem
e aos assuntos tratados;
2 – utilizar diferentes registros, inclusive os mais
formais da variedade linguística valorizada social-
mente, sabendo adequá-los às circunstâncias da
situação comunicativa de que participa;
3 – conhecer e respeitar as diferentes variedades
linguísticas do português falado;
4 – compreender os textos orais e escritos com os
quais se defrontam em diferentes situações de par-
Lídia Spaziani - 45

ticipação social, interpretando-os corretamente e


inferindo as intenções de quem os produz;
5 – valorizar a leitura como fonte de informação,
via de acesso aos mundos criados pela literatura e
possibilidade de fruição estética, sendo capazes de
recorrer aos materiais escritos em função de dife-
rentes objetivos;
6 – utilizar a linguagem como instrumento de apren-
dizagem, sabendo como proceder para ter acesso,
compreender e fazer uso de informações contidas
nos textos: identificar aspectos relevantes; organizar
notas; elaborar roteiros; compor textos coerentes a
partir de trechos oriundos de diferentes fontes; fazer
resumos, índices, esquemas, etc.;
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

7 – valer-se da linguagem para melhorar a qualidade


de suas relações pessoais, sendo capazes de expres-
sar seus sentimentos, experiências, ideias e opiniões,
bem como de acolher, interpretar e considerar os dos
outros, contrapondo-os quando necessário;
8 – usar os conhecimentos adquiridos por meio da
prática de reflexão sobre a língua para expandirem
as possibilidades de uso da linguagem e a capacidade
de análise crítica;
9 – conhecer e analisar criticamente os usos da língua
como veículo de valores e preconceitos de classe,
credo, gênero ou etnia (PCN,1997).

Além dos objetivos levantados a partir dos Parâmetros Curriculares


Nacionais (1997), que orientam o Ensino Fundamental, temos ainda os
das instituições educacionais, desde a gestão (diretores, coordenadores
e auxiliares) até a atuação do professor em sala de aula para direcionar
e aplicar os conceitos propostos pelos PCNs. Nesse ínterim, o profes-
sor e a escola devem:

1 – promover condições para o aluno atuar nas


diversas situações comunicativas por meio do uso
da linguagem;
46 - O desenvolvimento da habilidade de leitura e de produção textual em Língua...

2 – auxiliá-lo a expressar-se e a comunicar-se com


clareza e coerência;
3 – desenvolver a análise histórica, social, econômi-
ca, tecnológica e cultural nas implicações de produ-
ção do conhecimento desse aluno como indivíduo
ou ser ontológico.
4 – desenvolver a compreensão do conhecimento de
forma contextualizada, sendo o professor de portu-
guês mediador das aulas, em um processo socioin-
terativo, desenvolvendo atividades que envolvam
técnicas de uso dos gêneros discursivos, apoiados
por material didático disponibilizado pelo Estado
ou por outras fontes.
5 – prover diversos conhecimentos, entre os quais
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

o da linguagem do corpo em seus aspectos sociais,


conceituais e as vivências inerentes à integração do
eixo nos temas transversais.
6 – motivar o aluno a desenvolver-se com os demais
colegas na formação da microssociedade que trans-
fira seus valores à macrossociedade. Para tanto, são
prioritárias as vivências interacionais por meio de
trabalhos e produções em equipe (PCN,1997).

Tem-se por conclusão parcial que, a partir das instruções propostas


pelos PCNs, o aluno será capaz de transmitir suas ideias por meio de pro-
dução de textos nas modalidades oral e escrita, utilizando-se da análise
linguística adequada a cada contexto bem como da estrutura organiza-
cional constituída pelos eixos sintagmáticos e paradigmáticos, mediados
pelo uso e pela reflexão. Essas características marcam os gêneros textu-
ais que se ligam estreitamente ao conteúdo específico e ao uso efetivo
da linguagem, socialmente adequada às diversas práticas discursivas.
De acordo com as intenções comunicativas de uma comunidade,
utilizam-se determinados gêneros, que assumem relevância social. Esses
gêneros e respectivas representações estão pontuados nos PCNs (1997):

[…] os gêneros literários (poema, texto dramático),


os relacionados à imprensa (entrevista, carta ao lei-
tor, editores), os de publicidade (propaganda), os de
Lídia Spaziani - 47

divulgação científica (exposição, seminário, relatório


de experiências, resumo de verbetes de enciclopé-
dia). Portanto, o aluno aprendeu a se comunicar nas
duas modalidades e dentro dos gêneros.

Essa é a proposição inicial dos PCNs, ampliada pelas OCNs


(Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio), para o alu-
no que ingressa no Ensino Médio. Especificamente na modalidade escri-
ta, deveria haver motivação durante o processo de desenvolvimento das
competências vinculadas à leitura (interpretação) e à escrita (produção)
de texto. Motivar é um

[…] fator fundamental da aprendizagem. Sem


UNINOVE – uso exclusivo para aluno

motivação não há aprendizagem. Pode ocorrer


aprendizagem sem professor, sem livro, sem escola
e sem uma porção de outros recursos. Mas mesmo
que existam todos esses recursos favoráveis, se não
houver motivação não haverá aprendizagem (Pi-
letti, 1986, p. 63).

Depois de definidos os objetivos de ensino e aprendizagem, a ques-


tão que paira é: Por que o aluno não consegue escrever uma simples re-
dação na tipologia dissertativa?

Dentro de todas as instâncias do Ensino Superior, a produção de


um texto dissertativo deve dialogar com a leitura. Tomando-se por base
esse pressuposto, exige-se dos pré-graduandos que, para o desenvolvi-
mento do trabalho escrito a ser solicitado, a redação, iniciem por uma
leitura de texto relacionado com o tema proposto, como tema gerador.
Essa necessidade “cambiante” entre leitura e escrita é visível, porque a
primeira está presente nas habilidades receptoras do ouvir, e a segunda,
alicerçada nas habilidades produtoras, em parceria com o falar.
Todas as habilidades se desenvolvem como competências comuni-
cativas (RUBIN; THOMPSON, 2001), portanto as habilidades ouvir e
ler trazem a competência do compreender e avaliar o que foi veiculado
48 - O desenvolvimento da habilidade de leitura e de produção textual em Língua...

pelo interlocutor/falante na modalidade oral e escrita, respectivamente.


A habilidade de falar e escrever traduz a competência de coesão e coe-
rência ao narrar, dissertar e descrever, admitidas como partes integran-
tes de estudos específicos de língua portuguesa, tratadas, aqui, como
produto das habilidades supracitadas. Essa divisão é apenas didática,
uma vez que as atividades, que envolvem habilidades e competências,
são interligadas e interdependentes.
Com base nas habilidades e competências aventadas, voltemos às
ideias propostas nas ações de professores em sala de aula, nos níveis
Ensino Fundamental II e Ensino Médio, agora com enfoque na nova
abordagem pesquisada e desenvolvida: a sociointerativa – base de di-
versos materiais didáticos – que não prevê as aulas expositivas, cujo
protagonista era o professor, como ocorrera tempos atrás no método tra-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

dicional, Mizukami (1986, p. 14) apresenta:

A relação professor-aluno sendo vertical, em que


um dos polos (o professor) detém o poder decisório
quanto à metodologia, conteúdo, avaliação, forma de
interação na aula, etc. Ao professor compete infor-
mar e conduzir seus alunos em direção a objetivos
que lhes são externos. [...]

Na nova abordagem, a atividade de leitura deveria ser desenvol-


vida pelo aluno, de forma interativa e não mecânica; o professor não
deve ser o modelo de interlocução para o entendimento do texto lido
pelo aluno, como afirma Geraldi (1999, p. 135), ao tratar de ensino e
aprendizagem da língua:

É no texto que a língua se revela em sua totalidade,


quer enquanto conjunto de formas e de seu reapa-
recimento, quer enquanto discurso que remete a
uma relação intersubjetiva constituída no próprio
processo de enunciação marcada pela temporalidade
e suas dimensões.

Nessa visão de totalidade, permeada pela diacronia e sincronia das


escolhas lexicais e estruturais na formação do texto, os fatores sociolin-
guísticos que se apresentam são tanto inconscientes quanto perceptíveis
Lídia Spaziani - 49

aos olhos de quem os quer ver, ou seja, a língua vai além de articular
sons e palavras, frases e orações, “seu uso nas múltiplas situações re-
flete condicionamentos psicológicos, sociais e culturais”. (AZEREDO,
1999, p. 9). No aspecto da diacronia, Azeredo salienta que:

[...] o ato de dizer/ escrever se dá em um contexto


que inclui ouvinte/ leitor, assunto, tempo, espaço.
Quem diz/escreve normalmente o faz buscando a
comunicação […]. O ouvinte/ leitor é tão decisivo
para o caráter do discurso quanto quem o produz.

Nessa esteira de análise, o professor deveria fazer o uso da intera-


ção para instruir, ensinar e, ao mesmo tempo, aceitar aprender com seu
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

aluno, como aponta Mizukami (1986) ao tratar da abordagem socioin-


terativa. O autor explica que, na abordagem sociocultural (aqui, socio-
interativa), “a relação professor aluno é horizontal e não imposta; para
que o processo educacional seja real, é necessário que o educador se
torne educando e o educando, por sua vez, o educador”. (Mizukami,
1986, p. 99)
Nessa perspectiva, o texto seria produzido pelo aluno com ideias
compartilhadas e discutidas entre ele, seus pares e o professor; todos
os coprodutores do trabalho final, fundamentado na prática social. Se
a atividade fosse desenvolvida individualmente, sem troca de informa-
ções, o produto final (texto) seria marcado por técnicas semanticamen-
te amorfas, que, apesar de respeitarem o padrão linguístico, reduziriam
a prática da interação intermodal da produção do texto escrito a um
amontoado de regras.
Ao levantarmos a questão da semântica no texto escrito, buscamos
a relação dos interlocutores, o leitor e o escritor, ambos desempenhan-
do papel importante no processo de produção escrita. Essa relação está
presente no material didático apresentado nos Ensinos Fundamental e
Médio.
O professor como o interlocutor, legitimado pela instituição “es-
cola” e representante dela, muitas vezes é admitido pelo aluno como
opressor em um sistema hierárquico. Ela (a escola) é a forte presença
imagética do padrão privilegiado socialmente, no qual o aluno deve-
ria espelhar-se e tentar seguir. Entretanto, essa é uma posição anti-
quada em relação à realidade do aluno e da sociedade no século XXI.
50 - O desenvolvimento da habilidade de leitura e de produção textual em Língua...

Nas palavras de Geraldi (1999, p. 11), “não é a ausência do interlo-


cutor, mas exatamente a forte presença de sua imagem que represen-
ta a dificuldade”.
Na produção de texto, o professor, legitimado, seria o detentor da
escrita produzida pelo aluno, pois ele, professor, apresenta os meios ou
os instrumentos para o aluno desenvolver sua escrita, sendo também o
leitor do produto final.
O texto é impregnado por marcas linguísticas de seu interlocutor, o
professor. Portanto, ao usar modelos, frases de efeito e estruturas rígidas,
as ideias do aluno se tornam reféns das ideias e ideologias de seu algoz,
que avalia, corrige e pune, por meio de critérios duais, em certo ou erra-
do, ou seja, do professor pouco reflexivo1 e de sua representação social.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

O resultado das concepções e ações legitimadas pela escola, tendo


por mote a realidade do aluno, tende a ser pouco eficiente na produção
de seu texto. Esse impasse é analisado como uma das causas relacio-
nadas aos desvios de expressão nas redações, elos de uma corrente, em
que o aluno falha:

1. ao expor as próprias ideias;


2. ao monitorar-se para suprir os desejos de leitura do professor ou “agra-
dá-lo”, ao escrever o que seu único leitor quer ler;
3. ao esquivar-se de leitura, que lhe daria base para produzir um texto;
4. quando a escrita é motivada pelo professor com viés de correção e
avaliação, e não pela constante formação que ela promove no aluno;

1 Professor reflexivo, para Donald Schön, é aquele que pensa sobre sua ação an-
tes, durante e após a exposição da aula, e a partir dessa reflexão mostra-se mais
coerente diante de seu fazer social, lecionar como interagir. O ato reflexivo é
diferenciado do rotineiro (Dewey, 1933, p. 39), porque o rotineiro é guiado por
impulso, hábito ou submissão à autoridade, enquanto o reflexivo é questionador,
baseia-se na vontade, no desejo e na intuição para a busca de soluções lógicas
e racionais a fim de solucionar problemas. A reflexão se baseia no exame cons-
tante persistente e cuidadoso das crenças e formas de conhecimento à luz dos
fundamentos que as sustentam e das conclusões (Schön, 1992, p. 25).
Lídia Spaziani - 51

5. nos objetivos que, ao escrever, quase inexistem. Esses objetivos ter-


minam no ponto final da redação, como tarefas que foram cumpridas;
6. se a proposta do professor de redação não for coerente com a evolu-
ção de escrita do aluno, pois minimiza-lhe o universo e os conheci-
mentos para “enformá-lo” em conhecimentos desejados.

Essas falhas na concepção da atividade de desenvolver a redação são


desvios que o processo hierárquico do ensino/aprendizagem ultrapassa-
do, e ainda utilizado em algumas instâncias da educação, traz ao aluno.
Outra base nuclear é a do desestímulo à leitura, que, embora ocor-
ra de forma quase imperceptível no Ensino Fundamental I, tende a ser
marcado como ícone de gerações no Ensino Fundamental II e Ensino
Médio: “eu não gosto de ler”.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Para reverter a situação, temos:

1. as ações de ler para escrever melhor;


2. a adequação da leitura de livros que se expandam pela realidade do
aluno;
3. a leitura como ação corriqueira desde a primeira infância.

Acima estão arroladas três ações que tendem a minimizar a fal-


ta de gosto pela leitura, entretanto, esse problema se agrava, como
afirma Meserani (1995, p. 19), ao desamparar o hábito da leitura: “a
escola proclama a degenerescência da juventude que, sem o ler/escre-
ver, ficará não só afásica como mentalmente perturbada, debilitada”.
Analisável como uma afirmação muito enérgica em relação à falta de
interesse pela leitura, que continua a não ser estímulo para o aluno vir
a “gostar de ler”, e sim um meio de coagi-lo para que essa ação ocor-
ra, o que dificilmente o levará à compreensão da leitura, parte essen-
cial de sua formação como indivíduo ou ser ontológico, mencionado
no início do capítulo.
Ao conseguir minimizar os reflexos negativos que as falhas nas
ações pontuadas produzem, acreditamos que o professor deixará o pos-
to de supervisor do conhecimento e se preocupará com a leitura e a pro-
dução de seu aluno como seu incentivador, envolvendo-o, encantando-o
em relação à leitura e à escrita. Há também um fator anterior a qualquer
enlace: respeitar a diacronia e a sincronia constantes na historicidade,
52 - O desenvolvimento da habilidade de leitura e de produção textual em Língua...

com as quais o aluno e o professor são marcados. Aceitar as diferenças


é ampliar o próprio conhecimento de mundo.

O aluno pré-graduando, ao desenvolver uma redação em tipologia


dissertativa, deve conscientizar-se de que o processo de produção de um
texto é uma mescla das habilidades produtoras e receptoras, e nessa pro-
dução é que se amplia a competência comunicativa em gênero textual, ou
seja, entre as diversas competências e habilidades, ele necessita da lei-
tura para aprimorar a própria escrita. Para Orlandi e Guimarães (1985),
a leitura e a escrita apresentam os seguintes aspectos em simbiose:
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

a) A leitura fornece matéria-prima para definir o que escrever. A constru-


ção dos sentidos que o leitor experiente, ativo e crítico faz por meio
da leitura de um texto permite que ele seja capaz de realizar outras
leituras e produzir outros textos.
b) A leitura contribui para aquele que escreve perceber como foram
produzidos os textos que lê. Ele pode, numa relação dinâmica, não
mecânica, produzir textos de acordo com certos modelos, ou mesmo
romper com eles.
c) A leitura põe o leitor em contato com os procedimentos da organiza-
ção do texto, o que lhe permite, a partir da observação do uso de al-
guns mecanismos dessa organização, construir uma forma peculiar
de utilizá-los.

Encontramos ecos nas palavras das duas autoras, pois a leitura tende
a contribuir para a produção do texto escrito, ampliando o conhecimen-
to linguístico e fazendo-o evoluir. É nela (a produção) que as experiên-
cias e conhecimento de mundo se solidificam desde que haja coesão e
coerência, propiciando a escrita com organização, estruturação e cons-
ciência de seu fazer e do tema que se pretende desenvolver.
Assim, a leitura se dá como processo de produção de sentido com
a tarefa de mediação entre leitor e texto, permeada pelo direcionamen-
to consciente do professor como mediador. Esse processo, superficial-
mente descrito, perfaz a prática social, pois o aluno, produtor do texto,
atua como sujeito de seu dizer/escrever.
Lídia Spaziani - 53

Depois de termos tratado da conscientização da leitura e escrita


como habilidades a serem desenvolvidas em competências comunica-
tivas permeadas pela prática social, dedicaremos agora nossa atenção
à produção escrita.

Os PCNs explicam que, no processo de produção escrita, espe-


cificamente na tipologia dissertativa, aulas de redação têm por objeti-
vo ampliar o domínio ativo do discurso do aluno nas várias situações
comunicativas, inclusive nas instâncias públicas de uso da linguagem
para possibilitar a inserção efetiva dele, aluno, “no universo da escri-
ta, propiciando as possibilidades de participação social no exercício da
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

cidadania.” (PCNs,1997); ainda amplia no que se refere a “usar os co-


nhecimentos adquiridos por meio da prática de análise linguística para
expandir sua capacidade de monitoração das possibilidades de uso da
linguagem, ampliando a capacidade de análise crítica” (PCNs, 1997).
Corroboram a concepção de escrita proposta pelos PCNs, os dize-
res de um dos estudiosos da língua portuguesa, Garcia (1992, p. 370):
“A dissertação tem como propósito principal expor ou explanar, expli-
car ou interpretar ideias. Na dissertação, expressamos o que sabemos
ou acreditamos saber a respeito de determinados assuntos; externamos
nossa opinião sobre o que é ou nos parece ser.”
No que se refere a essa tipologia textual, as ideias a serem expla-
nadas, interpretadas e expressas na dissertação devem estar alicerçadas
nos assuntos determinados por leituras anteriores.
Diversos são os autores que definem, discutem e esquematizam
a tipologia textual dissertativa. No entanto, apenas o fazer como prá-
tica social, disseminada na escola como reflexo na e da comunidade
em que o aluno vive, é que pode ser legitimado como instrumento de
comunicação e de expressão. Diante dessa realidade, nosso aluno quer
participar da comunidade acadêmica, tenta ingressar na universidade,
que tem a função social delineada para abarcar os anseios tanto do alu-
no quanto da própria sociedade.
54 - O desenvolvimento da habilidade de leitura e de produção textual em Língua...

Voltemos nossa atenção ao egresso do Ensino Médio para melhor


compreendê-lo. Usaremos o mito de Sísifo, personificado em seu árduo
trabalho inglório, como ilustração do quadro educacional brasileiro.
Ressalte-se o fato de que o protagonista era um deus esperto e habi-
lidoso, e possuía nível superior aos demais. Por ter contrariado Zeus,
ao informar Asopo de que o pai de todos os deuses havia sequestrado
sua filha, Egina, foi considerado traidor e condenado à morte. Sua es-
perteza, acima da média, ajudou-o a arquitetar um plano: solicita que
sua esposa não faça as homenagens fúnebres. Ao entrar no Reino dos
Mortos, Sísifo se queixou a Hades (deus do Reino das Trevas) sobre
a displicência de sua esposa e solicitou a volta à vida para exigir que
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

ela reparasse tal erro, e assim foi feito. No entanto, após o retorno ao
Reino dos Vivos, Sísifo não quis voltar ao das Trevas. Em cena, entra
o deus condutor das almas para o Além e mensageiro de Zeus, Hermes,
que o condena a empurrar uma pedra até o topo de uma montanha.
Como a pedra deslizava invariavelmente e voltava à base, o castigo
dado a ele era o de repetir esse processo infinitas vezes, eternamente.
Poderíamos fazer a ponte entre a prepotência de Zeus, ao se utili-
zar de um poder e agir de forma antiética, e a prepotência de institui-
ções de ensino que legitimam, na ação de seus professores, ideologias
de hierarquização e submissão, remontando épocas antigas.
Pela ética, Sísifo age e é castigado; seu castigo é o do “fazer sem
objetivo”. Na comparação com a realidade dos alunos, os professo-
res os impelem a copiar, repetir e refazer como se esses fossem os ca-
minhos da reflexão, do aprendizado duradouro, efetivo. É o castigo de
passar horas do dia cumprindo tarefas sem compreendê-las, lendo sem
entender, falando sem ser assertivo, ouvindo sem escutar, escrevendo
ou sendo copista em um lugar que perdeu sua função primordial: a de
desenvolver a mente do aluno, motivando-o a trazer soluções aos pro-
blemas. Isso torna a escola um local voltado para seu propósito inicial.
O aluno que pertenceu ao sistema educacional descrito se ressente das
negativas obtidas para dar continuidade a seus estudos e, por fim, desiste.
A desistência não é relacionada ao Ensino Superior, mas a não amplia-
ção de seu universo em vários outros, possibilitados pelo conhecimento.
Essa autonegação extirpa as oportunidades vindouras em uma graduação.
Lídia Spaziani - 55

O aluno, a ser “recuperado” de um momento social complexo, ex-


perimenta uma “subvivência”, menos que uma sobrevivência, intelectu-
al, sendo que ele é reflexo da sociedade na qual interage e se torna seu
“endoprodutor”. A recuperação se dará pelas ações propostas nas insti-
tuições que formam a comunidade, todas com base nas estruturas mar-
cadas na realidade do aluno.
Para disseminação dessas propostas, usamos nossos instrumentos
de comunicação: a fala e a escrita, que nos proporcionam a expressão
de pensamentos, sentimentos, certezas, dúvidas, alegrias e até tristezas.
Em todas as profissões são utilizadas; tratadas com respeito ou não, sem-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

pre servem aos nossos objetivos. Elas seguem regras, assim como nos-
sa vida em sociedade, rebelam-se com as exceções e trazem em seus
murmúrios, nos rodapés das páginas dos livros ou nos comentários de
especialistas e intelectuais, a sabedoria de séculos de história. Sensatos
são os que se curvam a sua magnificência, ao mar de afagos e açoites
que delas pode sair.
O aluno em questão poderia observar o universo de sua língua, de
sua fala e esmerar-se para que o texto produzido não seja uma cópia an-
tiga, porém a mais legitimada ação na prática social, a de envolver-se
e, nesse envolvimento, desenvolver-se.
Salientamos que o Ensino Fundamental e o Ensino Médio não
foram suficientes para encantar o aluno; a própria língua deveria moti-
var a produção de textos, por libertar-nos de padrões estaticamente acei-
tos como corretos, de paradigmas ultrapassados, sendo viva e mutante,
ela nos dá autonomia por existir.
56 - O desenvolvimento da habilidade de leitura e de produção textual em Língua...

Anuário Brasileiro de Educação Básica. Disponível em:


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Thiago Lauriti - 57

Thiago Lauriti

Estou a tentar explicar o que consiste escrever, ter


um determinado estilo. É preciso que isso nos di-
virta. E para nos divertir torna-se necessário que a
nossa narração ao leitor, através das significações
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

puras e simples que lhe apresentamos, nos desven-


de os sentidos ocultos, que nos chegam através da
nossa história, permitindo-nos jogar com eles, ou
seja, servir-nos deles não para os apropriarmos,
mas pelo contrário, para que o leitor os aproprie.
O leitor é, assim, como que um analista, a quem o
todo é destinado.
(Jean Paul Sartre)

Ao longo de quase duas décadas decorridas da publicação dos


Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio de Língua
Portuguesa e das orientações normativas complementares para essa
área, apesar de se terem tornado tema recorrente nos debates sobre a
educação, nem sempre essas reflexões têm contribuído para melhorar a
qualidade do ensino ou facilitar a transposição didática dos princípios
neles contidos para a sala de aula. Isso parece indicar que, para que o
educador desvende a máscara do texto legal, é necessário que ocorra
interlocução constante com os professores e uma mediação suficiente-
mente poderosa das instâncias formadoras, para unir a teoria à prática.
Sem ter a pretensão de chegar a tal intento, busca-se, neste capí-
tulo discutir em que medida os textos legais e normativos são suficien-
58 - Orientações Oficiais para o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio:...

temente claros e objetivos, no que se refere à concepção do ensino da


leitura, da língua e da literatura, para possibilitar a construção de senti-
dos pelos educadores e possibilitar sua transposição didática, já que se
parte do pressuposto de que o texto é um espaço de interação entre su-
jeitos sociais que dialogicamente nele se constituem por meio de ações
linguísticas.
No que se refere ao ensino da língua portuguesa e da literatura, as
novas leis e propostas de orientação curricular direcionam-se para uma
perspectiva interdisciplinar, com a definição de conceitos estruturantes,
conteúdos e opções metodológicas que articulam as diferentes disciplinas
em torno do desenvolvimento de competências e habilidades, no senti-
do em que esses conceitos são pensados no Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM). Esses conceitos estruturadores não se restringem, ex-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

clusiva e solitariamente, a cada disciplina, mas incorporam objetivos co-


muns às diferentes áreas e disciplinas que se reforçam reciprocamente.
Apesar de essas ideias serem discutidas há décadas, a transposição
dessas orientações legais para a sala de aula nem sempre se torna um pro-
cesso de aplicação simples ou imediata. Temos por hipótese que vários
fatores interagem para gerar essa situação, e a questão fundante que quere-
mos pôr em discussão é: conseguirá o professor solitariamente “desvendar
os sentidos ocultos” das orientações oficiais para chegar à sua transposi-
ção didática e desenvolver nos alunos as competências necessárias que
os tornem leitores e escritores autônomos? É nesse aspecto que talvez
os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEMs) e as
demais orientações normativas podem dar sua melhor contribuição, não
só para um processo de formação continuada do professor, mas também
para o desenvolvimento das competências e habilidades necessárias ao
exercício da cidadania plena dos alunos do Ensino Médio.
Na tentativa de refletir sobre os aspectos envolvidos nesse quadro,
são objetivos vertebradores deste capítulo analisar os documentos oficiais
selecionados para identificar os conceitos de língua, leitura e literatura
neles expressos, implícita ou explicitamente, e refletir sobre as condições
institucionais e pedagógicas para que o professor se desenvolva como
sujeito-leitor dessas orientações oficiais, desvendando seu significado.
Justifica-se esta opção temática, quando se tem por cenário dados
estatísticos recentes da avaliação do Sistema de Avaliação da Educação
Básica – SAEB (2011) que descrevem os níveis de desempenho dos alu-
nos da 3ª série do Ensino Médio em Língua Portuguesa, em uma esca-
Thiago Lauriti - 59

la crescente dividida em: de 150 a 175, de 175 a 250, de 250 a 300, de


300 a 350 e de 350 a 375. Os resultados apontam as seguintes médias de
proficiência em Língua Portuguesa dos alunos, no Brasil e por regiões:

Quadro 1: Distribuição de alunos por níveis de acordo com a proficiência em


Português (3ª série do EM)

Brasil 267,73
Norte 254,25
Nordeste 254,04
Sudeste 276,90
Sul 276,35
Centro-Oeste 271,95
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Fonte: <http://portal.inep.gov.br/web/saeb/resultados> – 1995/2005.

A leitura desses dados evidencia que grande parcela dos concluin-


tes do Ensino Médio apresenta um desempenho que varia entre os ní-
veis crítico e intermediário, apresentando algumas habilidades de leitura,
porém insuficientes para o nível de letramento esperado para a 3ª série.
Também os dados do ENEM, relativos ao ano de 2006, já apon-
tavam “índices decrescentes em relação ao ano anterior, confirmando
uma tendência da década” (NISKIER, 2007, p. 23). Essa tendência pa-
rece indicar que a almejada qualidade do Ensino Médio ainda está lon-
ge de ser alcançada, especialmente no que se refere à proficiência em
Língua Portuguesa.
A simples publicação de normas, diretrizes e parâmetros isola-
damente não dá conta de reverter esses dados estatísticos, se não vie-
rem acompanhados por um amplo programa de formação continuada
dos educadores para que possam chegar à transposição didática dessas
orientações oficiais e alterar a prática em sala de aula.
Como ponto de partida desta reflexão, procederemos à análi-
se dos aspectos já arrolados, a partir dos seguintes textos oficiais: Lei
de Diretrizes e Bases 9394/96; Parâmetros Curriculares Nacionais do
Ensino Médio, de 1999; PCN+ Ensino Médio: Orientações Educacionais
Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais de 2002; Lei
nº 10.639, de 2003, que institui a obrigatoriedade no currículo de in-
serção da temática História e Cultura Afro-Brasileira, alterada pela lei
11.645, de 2008 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para
60 - Orientações Oficiais para o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio:...

a Educação das Relações Étnico-Raciais para o Ensino da História e da


Cultura Afro-Brasileira e Indígena; a Resolução nº 1, de 2012, que esta-
belece as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos;
e a Resolução nº 2, de 2012 que estabelece as Diretrizes Nacionais para
a Educação Ambiental.
Trata-se, assim, de uma pesquisa de revisão bibliográfica que, além
dos textos legais supracitados, utiliza como aportes teóricos os dados
oficiais de avaliação em Língua Portuguesa do Ensino Médio, os estu-
dos de Niskier (2007), Gregorin Filho & Nascimento (2000) e Cereja
(2005), que realizam uma análise crítica dos documentos legais que an-
coram o ensino da Língua e da Literatura no Ensino Médio.
Entende-se que existem várias possibilidades de articular esses re-
ferenciais a diferentes focos, de acordo com os objetivos da análise que
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

se pretende realizar. Opta-se, neste capítulo, pela perspectiva de análise


já enunciada em seus objetivos, pela óptica do professor como sujeito-
-leitor dos textos legais a ele direcionados, tentando desvelar o sentido
implícito que eles carregam.

Niskier (2007, p. 23) aponta que, depois da Lei de Diretrizes e Bases


da Educação Nacional de 1996, ocorreu a edição de outras quatorze leis,
mais de uma por ano, alterando artigos importantes, sem que até hoje
seja possível afirmar que ela tenha sido efetiva e completamente imple-
mentada, tornando-se uma coletânea de textos legais fragmentados e de
difícil compreensão pelos professores do Ensino Médio.
Com a flexibilização curricular proposta por essa lei, torna-se pos-
sível garantir nos Ensinos Fundamental e Médio, uma base nacional co-
mum e uma diversificada que precisa estar integrada ao núcleo comum
para ter consistência (Art. 26, § 1º, § 2º e § 4º) e que já traz em seu es-
copo uma postura interdisciplinar capaz de unir pelo trabalho pedagó-
gico o ensino da Língua Portuguesa, da História do Brasil, das Artes e
da Literatura, levando-se em conta as contribuições das diferentes cul-
Thiago Lauriti - 61

turas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente as das


matrizes indígena, africana e europeia.
O próprio Conselho Nacional de Educação, por meio do Parecer
15/98 (CNE, 1998, p. 49), prevê essa necessidade de integração entre
as disciplinas, mostrando que ela poderá ocorrer, entre outras formas,
“por enriquecimento, ampliação, diversificação, desdobramento, poden-
do incluir todos os conteúdos da base nacional comum ou apenas parte
delas […] de acordo com a proposta pedagógica do estabelecimento”.
O problema é instaurado, quando a lei precisa ser convertida em
práticas educativas exercitadas em sala de aula.
Segundo Gregorin Filho & Nascimento (2000), sabe-se que o
avanço do conhecimento produziu uma fragmentação artificial das
disciplinas e, consequentemente, o conceito de especialização. O co-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

nhecimento científico, exercitado em áreas como a da bioquímica, da


biofísica ou da engenharia genética, nega essa divisão, entretanto, nas
demais áreas, a compartimentalização do conhecimento ainda é uma
realidade, e o processo de formação inicial ou continuada dos educa-
dores que atuam na área de História, Artes e, sobretudo, Letras não os
faz transitar confortavelmente por áreas afins, e sim os enclausura no
viés restrito de suas próprias disciplinas.
Atualmente, não é mais possível ignorar as inter-relações entre as
áreas do conhecimento e continuar atuando isoladamente, sob o manto
protetor de disciplinas isoladas, tendo por expectativa que os alunos des-
cubram por si mesmos as várias relações existentes entre História, Artes,
Língua, Literatura, entre outras disciplinas, pois, para que essas relações
sejam desveladas, necessitam da mediação competente de seus profes-
sores. Para que isso ocorra, o olhar interdisciplinar deve ser exercitado
já na formação inicial e alimentado na formação continuada, para que se
torne possível organizar/planejar situações didáticas com os conceitos es-
truturadores interdisciplinares que transitam por essas áreas e para desen-
volver as competências e habilidades consideradas essenciais aos alunos.
Especificamente, em relação ao ensino da Língua Portuguesa e
da Literatura, encontram-se, no artigo 36 da LDB/1996, apenas vagas
referências:

Art. 36 – O currículo do ensino médio observará o


disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes
diretrizes:
62 - Orientações Oficiais para o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio:...

I – destacará a educação tecnológica básica, a


compreensão do significado da ciência, das letras e
das artes; o processo histórico de transformação da
sociedade e da cultura; a língua portuguesa como
instrumento de comunicação, acesso ao conheci-
mento e exercício da cidadania;
(…)
§ 1º Os conteúdos, as metodologias e as formas de
avaliação serão organizados de tal forma que ao final
do ensino médio o educando demonstre:
(…)
II – conhecimento das formas contemporâneas de
linguagem.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Observa-se, claramente neste artigo, a presença de uma concep-


ção da língua “como instrumento de comunicação”, visão herdada da
Lei 5.692/711, que denuncia a permanência de uma perspectiva funcio-
nalista da língua, desconsiderando-se os avanços dos estudos linguísti-
cos que já defendiam, à época, uma concepção interacional, dialógica e
transformadora da linguagem, que enfatiza sua natureza de ação social.
Importante ressaltar que, pela primeira vez, a legislação estabelece
as competências que o aluno do Ensino Médio deve desenvolver, embo-
ra, na área enfocada por este estudo, o faça de maneira vaga, pois não
explicita as “formas contemporâneas de linguagem” a que se refere, já
que há linguagens verbais (português, inglês, espanhol), linguagens po-
éticas (crônicas, romances, poemas), linguagens imagéticas (pinturas,
gravuras e fotografias…), linguagens corporais (danças de diferentes ti-
pos), linguagens sonoras (músicas de diferentes tipos) e as diversas lin-
guagens tecnológicas. Considerando-se que cada uma dessas formas de
linguagem vincula-se à apropriação de códigos específicos de significa-
ção, observa-se que permanecem totalmente vagos tanto os objetos do
conhecimento quanto seus agentes.
Esse caráter vago dos documentos oficiais se mantém, quando
em 1999 são publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. O impor-

1 Revogada pela Lei. nº 9.394/1996.


Thiago Lauriti - 63

tante estudo realizado por Cereja (2005) reafirma essa ideia e resga-
ta historicamente como se instituiu nas escolas brasileiras o ensino
da Língua e da Literatura a partir das duas últimas Leis de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (Lei 5.692/71 e Lei 9.394/96) e os
Parâmetros que vieram a seguir.
Neste estudo, o autor aponta que, depois de promulgada a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/96, algumas ações do
MEC contribuíram para redirecionar o debate com o fito de operaciona-
lizar a nova lei, entre as quais a publicação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Fundamental que coincidiu, em 1997, com a im-
plantação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLEM), criado
pelo MEC para avaliar e comprar, para utilização nas escolas públicas,
livros didáticos destinados ao Ensino Fundamental. As escolas se mo-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

bilizaram em torno da discussão do documento oficial, porque “promo-


ver um ensino de acordo com os Parâmetros passou a equivaler, para
professores, coordenadores, diretores e autores de obras, a um ensino
moderno e de qualidade” (CEREJA, 2005, p. 113).
Em 1999, ainda na efervescência dessas discussões, foram publi-
cados os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, e
esse documento, segundo o autor, causou bem menor impacto que os
do Ensino Fundamental, talvez pelo fato de sua incompletude.
Essa incompletude é textualmente assumida, quando se lê que,
para a explicitação do contexto em que o documento se insere, é neces-
sária a leitura de outros textos, relativos às áreas de Ciências Humanas
e suas tecnologias. Mais adiante, os autores do documento dialogam
com o leitor e recomendam: “Cabe ao leitor entender que o documen-
to é de natureza indicativa e interpretativa, propondo a interatividade,
o diálogo e a construção de significados na, pela e com a linguagem”.
(PCNEM, 1999, p. 4)
A partir dos conceitos de diálogo e construção de significado utili-
zados no texto legal, parece questionável até que ponto esse documento
cumpre sua natureza indicativa e de orientação aos educadores, se ele
prevê um leitor-modelo, isto é, um leitor com repertório suficiente para
partilhar significados e mobilizar conhecimentos teóricos prévios para
que possa ocorrer a interação dialógica. Com o professor questiona-se
que representação social os organizadores do documento têm do educa-
dor para supor que um monólogo vertical possa transformar-se por boas
intenções em um diálogo. Chega-se, assim, a uma das questões centrais
64 - Orientações Oficiais para o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio:...

deste capítulo: Para quem fala o texto legal? É possível que fale consi-
go mesmo, vale dizer, fale para seus pares, para sua plateia composta
por especialistas que possuem saberes prévios que podem ser partilha-
dos para a construção do sentido ocorrer.
Outra constatação é a brevidade do documento que, em apenas qua-
renta páginas, propõe uma concepção supostamente inovadora de en-
sino da língua e da literatura, mas não cumpre seu objetivo, já que não
a desenvolve, sendo mais um repositório de intenções do que um do-
cumento de orientação para o trabalho didático, sem oferecer ao pro-
fessor critérios, exemplificações ou sugestões práticas de transposição
didática do texto normativo.
Cereja (2005) aponta outra razão para justificar o pequeno impacto
desse documento no meio educacional, além de sua brevidade: “Outra
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

razão, menos relevante, pode ser o fato de que, naquele momento, o


MEC não havia estabelecido uma política para a compra de materiais
didáticos para o ensino médio, o que reduziu a intensidade dos debates
sobre os referidos documentos”. (CEREJA, 2005, p. 113).
Mesmo relativizando essa razão, o autor sugere, nas entrelinhas,
que talvez o critério mercadológico seja um dos fatores que possam ter
mobilizado os debates sobre o documento e não a compreensão e dis-
cussão com os professores sobre os princípios, teorias e concepções que
ele apresentava, para que se tornasse possível sua transposição didáti-
ca, mas até hoje esses debates não ocorreram de forma eficaz e vertical.
A análise do documento evidencia sua frágil estrutura, iniciando-se
por uma apresentação que, como já se viu, adverte o leitor sobre sua in-
completude, seguida por uma tentativa frustrante de definir o sentido do
aprendizado da área, arrolando formalmente as competências que deve-
rão ser desenvolvidas no processo de ensino-aprendizagem ao longo do
Ensino Médio pelas diferentes disciplinas da área: Língua Portuguesa,
Língua Estrangeira Moderna, Educação Física, Arte e Informática.
Entre essas competências, estranhamente, não há sequer uma refe-
rência explícita à leitura, como se a competência leitora não fosse rele-
vante, ou fosse demasiadamente específica para ser arrolada na área. Ao
contrário, a competência leitora deveria ser requerida por todas as áreas
como recurso instrumental para o desenvolvimento das demais compe-
tências. Outro aspecto que demonstra o conflito teórico e a incomple-
tude do documento refere-se ao fato de que, em diferentes momentos,
observa-se sua adesão a uma abordagem discursiva da linguagem, enfa-
Thiago Lauriti - 65

tizando-se o caráter dialógico e sociointeracionista da linguagem verbal.


Estranhamente, entretanto, das competências pontuadas pelo documen-
to, pode-se inferir outra concepção de linguagem:

Utilizar-se das linguagens como meio de expressão,


informação e comunicação em situações intersubje-
tivas, que exijam graus de distanciamento e reflexão
sobre os contextos e estatutos dos interlocutores; e
saber colocar-se como protagonista no processo de
produção/recepção. (MEC, PCNEM, 1999, p. 14).

Como aponta Cereja (2005), infere-se, desse fragmento, uma con-


cepção funcionalista da linguagem, pois a ênfase recai na linguagem
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

como meio de expressão, informação e comunicação. A própria desig-


nação do processo como produção/recepção já denota uma visão passiva
do receptor que não é compatível com uma concepção sociointeracio-
nista da linguagem. Sente-se, dessa forma, certo conflito entre os apor-
tes que são declarados nas linhas, com os que podem ser inferidos pelo
leitor nas entrelinhas.
A seguir, são descritos os conhecimentos de Língua Portuguesa
para os quais se reservam quatorze páginas que vão de vagas explica-
ções teóricas e justificativas sobre o conceito de linguagem a críticas
ao ensino da gramática normativa e da literatura, até chegar à proposi-
ção de competências e habilidades a serem desenvolvidas na disciplina
de Língua Portuguesa.
Ao longo de todo o documento, o que se observa é o mesmo dia-
pasão que o acompanha: o generalismo teórico, a falta de objetivida-
de, a ausência de concretas contribuições práticas que se ocultam sob
a égide do respeito à interdisciplinaridade e, principalmente, a descon-
sideração total do estatuto do leitor real desse texto, já que expõem su-
cessivamente jargões específicos da área que só se tornam perceptíveis
aos professores recém-formados nas universidades dos grandes centros
ou aos pós-graduados.
Assim, não é de estranhar que, conforme avalia Cereja (2005), os
PCNEMs, de 1999, não foram bem recebidos pelos professores, sendo
apontadas três razões principais para essa rejeição: a insuficiência teórica
e prática do documento, a falta de clareza em relação à forma de substi-
tuir as antigas práticas escolares por outras de acordo com as novas pro-
66 - Orientações Oficiais para o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio:...

postas e o pouco destaque dado ao ensino da literatura – conteúdo que


passa a ser integrado à leitura.
Sem dúvida, essas razões apontadas pelo autor são pertinentes, en-
tretanto talvez seja possível inferir que a todos esses motivos apontados
subjaz o maior deles: o professor não é visto como interlocutor real do
texto normativo, não há saberes que possam ser partilhados entre esses
atores sociais para que o sentido do texto legal possa ser construído e
transformado em práticas reais em sala de aula.
Trata-se, assim, de um texto criado para interlocução entre pares,
mais acadêmico do que normativo, voltado mais para os que transitam
pelas universidades do que para aqueles que têm a responsabilidade de
organizar e planejar situações de ensino-aprendizagem no cotidiano da
sala de aula.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Um aspecto central da mudança proposta por esse documento re-


fere-se ao ensino da literatura que deixa de existir como campo autô-
nomo e passa a integrar-se à leitura:

Os conteúdos tradicionais de ensino de língua, ou


seja, a nomenclatura gramatical e histórica da lite-
ratura são deslocados para um segundo plano. O
estudo da gramática passa a ser uma estratégia para
compreensão / interpretação / produção de textos
e a literatura integra-se à área de leitura. (MEC,
PCNEM, 1999, p. 18)

Propõe-se que a história da literatura passe para um segundo plano,


mas o que passa a ser, então, o primeiro plano? Qual é a metodologia de
trabalho sugerida para os textos literários? Como dar forma didática à in-
terdisciplinaridade? Que critérios utilizar para selecionar os textos literá-
rios? Se a sequenciação não é mais linear e histórica, como organizar os
conteúdos de outra forma? De quais indicadores deve o professor partir?
Essas e outras questões ficam sem respostas e o documento é con-
cluído com um quadro de competências e habilidades que devem ser
desenvolvidas na disciplina.
Em síntese, esse documento apresenta-se como um texto bastante
genérico que não cumpre sua função normativa, talvez daí sua rejeição
entre os professores.
Thiago Lauriti - 67

Confirmando a incompletude dos PCNEMs de 1999 apontada pela


análise realizada no item anterior, em 2002, surgem os PCNs+ Ensino
Médio com orientações complementares. O documento é iniciado por
duas partes introdutórias cujo objetivo é justificar teoricamente os as-
pectos pedagógicos necessários para contextualizá-lo. São elas:

a) A reformulação do Ensino Médio e as áreas do conhecimento que


englobam segmentos: a natureza do Ensino Médio e as razões da re-
forma; como rever o projeto pedagógico da escola; A escola como
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

cenário real da reforma educacional; novas orientações para o ensino;


conhecimentos, disciplinas e conceitos estruturantes; a articulação en-
tre as áreas; a articulação entre as disciplinas em cada uma das áreas.
b) A área de Linguagens, Códigos e suas tecnologias, contemplando os
seguintes itens: Introdução; Caracterização da área; As competên-
cias gerais da área; Conceitos estruturantes; Conceitos estruturantes
da área; Comentário final; e Bibliografia”.

Na verdade, cada um desses itens explica aspectos dos PCNEMs de


1999, que permaneceram obscuros ou ambíguos, traduzindo-os parafra-
sicamente para uma linguagem mais acessível à maioria dos professores.
O que se observa em linhas gerais, nesse formato, é a reafirmação
dos objetivos e dos eixos vertebradores do documento anterior, que
mantém a mesma perspectiva cognitivista, enfatizando fortemente as
competências e habilidades que o aluno deve desenvolver em Língua
Portuguesa. Curiosamente, nessa versão, são arroladas e comentadas as
dez competências que também o professor deve desenvolver para ensi-
nar com eficácia (PERRENOUD, 2000). O documento assume, assim,
o discurso perrenoudiano que, por volta de 2000, ganhou alguns ad-
miradores e também desafetos no Brasil, aspecto que pouco contribuiu
para delinear, com objetividade, clareza e segurança teórica e prática,
os contornos desse novo documento legal.
No que se refere ao ensino da Língua e da Literatura, Cereja (2005)
faz uma profunda análise crítica desse documento, apontando inconsis-
68 - Orientações Oficiais para o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio:...

tências de que não é possível discordar, entre as quais a seleção de con-


teúdos a unir modelos teóricos diferentes que aglutinam a Semiótica
pierciana (signo, símbolo), a concepção estruturalista (denotação, co-
notação), a gramática textual (gramática e texto) e a concepção enun-
ciativo-discursiva de orientação bakthiniana (interlocução, significação
e dialogismo). Essa aproximação de linhas teóricas diferentes torna-se
um problema, quando se apresentam soluções acentuadamente diferen-
tes para um mesmo fenômeno descrito. Para o autor, essa inconsistência
teórica revela “além de falta de rigor teórico, falta de clareza para defi-
nir os rumos pretendidos para o Ensino da Língua Portuguesa no Ensino
Médio” (CEREJA, 2005, p. 119). Em relação ao ensino da Literatura,
o autor esclarece que, embora os PCNs+ Ensino Médio reafirmem o
ponto de vista dialógico da linguagem literária expresso no documento
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

anterior, recuam em relação ao ensino da Literatura, oferecendo farta


explicação de fragmentos que valorizam o papel do ensino da História
da Literatura, subvalorizado no documento anterior, como pode ser ob-
servado neste fragmento: “Considera-se mais significativo que o ensino
médio dê especial atenção à formação de leitores, inclusive das obras
clássicas de nossa literatura, do que mantenham a tradição de abordar
minuciosamente todas as obras literárias, com seus respectivos autores
e estilos”. (MEC, PCN + Ensino Médio, 2002, p. 71).
Embora esse documento admita o trabalho com a história da lite-
ratura, restringe, quantitativa e qualitativamente, sua abrangência pe-
las expressões minuciosamente e todas as escolas, admitindo também
que se trabalhe com as obras clássicas, contradizendo a crítica feita so-
bre esse aspecto no documento anterior.
Parece-nos claro que a tarefa de justificar, explicitar e exemplificar
o documento que o antecedeu impede a emergência de posições mais
novas, claras e coerentes. Apesar de mais explícito e adequado ao seu
público leitor, a orientação de 2002 continua apresentando um caráter
não operacional, o que dificulta sua transposição didática.
Enquanto os PCNEMs de 1999 apresentam apenas oito competên-
cias/habilidades para a Língua Portuguesa, distribuídas em três cate-
gorias (Representação e Comunicação; Investigação e Compreensão e
Contextualização Sociocultural), os PCNs+ Ensino Médio mantêm es-
sas categorias como competências gerais, mas amplia sua perspectiva,
criando um item para as competências específicas que aparecem vin-
culadas às unidades temáticas de cada tema estruturador. Criam-se, as-
Thiago Lauriti - 69

sim, dezessete competências específicas (habilidades), que ainda deixam


de lado habilidades importantes para a disciplina, tais como reconhe-
cer, resumir, inferir, levantar hipóteses, transferir, justificar ou explicar
(CEREJA, 2005).
É preciso reconhecer as intenções e o trabalho da equipe organizadora
dos PCNs+ Ensino Médio para complementar e explicitar o documento
anterior. Entretanto, é perceptível a dificuldade encontrada para esclarecer/
justificar um documento que eles não haviam produzido. Assim, partindo
do documento anterior que se apresentava sem rumo e pouco operacional,
essa segunda tentativa só poderia resultar no que resultou: um documento
ambíguo, com insegurança teórica e sem assumir posições claras em
relação ao ensino da Língua e da Literatura.
Assim, confrontando-se os dois documentos analisados, é possí-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

vel arrolar os pontos de confluência ou de divergência que sintetiza-


mos no quadro comparativo a seguir, construído para pontuar, de forma
resumida, os aspectos mais relevantes apontados por Cereja (2005) e
Niskier (2007):

Quadro 2: Comparativo entre os PCN (1999) e os PCN+ Ensino Médio (2002)

PCNs (1999) PCNs+ (2002)


• Surgem para operacionalizar • Surgem para complementar
a Lei 9394/96 no que se refere os PCNEMs (1999).
à organização curricular do
ensino médio.
• Apresentam-se como • Apresentam-se com
concepção inovadora de o objetivo de fornecer
ensino-aprendizagem orientações complementares
de Língua Portuguesa aos PCNEMs de 1999, mas
e Literatura, mas não a não dão conta de desenvolver
desenvolvem. uma proposta clara.
• Apresentam-se em tom frio e • Utilizam tom pessoal na
impessoal, sem contato direto tentativa frustrada de eleger
com o professor. o educador como principal
interlocutor.
70 - Orientações Oficiais para o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio:...

• Não apresentam conteúdos, • Sugerem seis temas


critérios, exemplificações ou estruturadores, critérios de
sugestões práticas. seleção, unidades temáticas
relacionadas a competências
e habilidades.
• Manifestam inconsistência • Manifestam inconsistência
teórica pela adesão declarada teórica por aproximarem
à abordagem discursivo- concepções diferentes para
enunciativa da linguagem, tratar do mesmo fenômeno:
contrapondo-se a pressupostos Semiótica de Pierce,
que denunciam uma concepções estruturalistas
concepção funcionalista da e abordagem discursivo –
linguagem. enunciativa.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

• Arrolam oito amplas • Mantêm as oito


competências associadas a competências associadas a
três categorias: representação três categorias, acrescentando
e comunicação; investigação dezessete competências
e compreensão, e específicas a serem
contextualização sociocultural. desenvolvidas pelos alunos.
Não distinguem competências Discutem também as dez
de habilidades. competências que o professor
deve desenvolver.
• O ensino da História da • O ensino da História da
Literatura ocupa o segundo Literatura é desejável, mas
plano. sem a preocupação de cobrir
todas as estéticas literárias e
todos os autores.
• Criticam a falta de discussão • Propõem a leitura de obras
sobre os cânones literários, clássicas, sem aprofundar a
sem proporem uma revisão discussão sobre os cânones.
das obras consagradas.
• O centro das atividades nas • Valorizam o conhecimento
aulas de literatura é o trabalho da estética literária.
com o texto literário e a
formação dos leitores.
Thiago Lauriti - 71

• Estimulam a abordagem • Também estimulam a


intertextual e dialógica da mesma abordagem dos
literatura pela aproximação de PCNEMs.
textos de uma mesma época
ou épocas diferentes.
• Não cumprem seu papel • Não cumprem a função de
normativo de sugerir formas complementar o documento
de trabalho com a Língua e anterior com objetividade e
com a Literatura. clareza.
Fonte: o Autor2

Dessa forma, a análise desses dois documentos autoriza a inferên-


UNINOVE – uso exclusivo para aluno

cia de que, depois de dezessete anos da publicação da LDB 9.394/96, a


lei ainda não conseguiu ser implementada no Ensino Médio, já que tan-
to os PCNEMs (de 1999) quanto os PCNs + Ensino Médio (de 2002)
não conseguiram estabelecer uma real interlocução com os educadores.
Comprovando essa posição, em 2009, ligada ao projeto São Paulo
faz Escola, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEESP)
organiza cadernos do professor e do aluno como parte integrante da pro-
posta curricular para o Ensino Médio que, em sua apresentação, justifica
a utilização do aparato legal, buscando construir um material de apoio
ao professor que relacionasse teoria e prática, integrasse as disciplinas
e as séries em um projeto interdisciplinar e definisse conteúdos, com-
petências, habilidades, metodologias, avaliação e recursos didáticos di-
vididos por bimestres. Essa perspectiva resultou nos cadernos que “[...]
orientam os professores na direção de uma transposição didática possível
daquilo que preconizam as leis”. (Secretaria da Educação
do Estado de São Paulo – SEESP, 2009, p. 2).
Cada unidade é introduzida pela descrição minuciosa de uma situ-
ação de aprendizagem, iniciada por um plano de ensino que orienta o
professor em relação ao tempo previsto, aos conteúdos e temas, às com-
petências e habilidades, às estratégias, aos recursos necessários e à ava-
liação. Esse plano apresenta um roteiro em que se trabalham as situações
de aprendizagem, utilizando-se diferentes atividades que unem conteúdos
de Língua e de Literatura, teoria e orientações sobre aplicação dessas ati-

2 Adaptado das obras de Cereja (2005) e Neskia (2007).


72 - Orientações Oficiais para o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio:...

vidades. Ao final de cada módulo, são sugeridas questões para avaliação


e recuperação, além de recursos para ampliar a perspectiva do professor e
do aluno sobre o tema trabalhado, pela indicação de filmes, livros e sites.
Essa iniciativa do governo de São Paulo ocorreu em 2008 e, segun-
do o próprio documento, apesar de ser sido elaborado por especialistas
da área “[...] incorpora as sugestões e os ajustes sugeridos pelos profes-
sores […] e não foi comunicada como dogma ou aceite sem restrição e
é compreendida como um texto em construção” (Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo – SEESP, 2009, p. 5).
Discussões ideológico-pedagógicas à parte, é inegável que ações
políticas desse tipo, que promovem um diálogo horizontal com seu pú-
blico-alvo, confirmam nossa hipótese inicial de que o “sentido oculto”
dos textos legais, normativos e de orientação curricular deva ser desvela-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

do com o auxílio de uma mediação competente e realista dos especialis-


tas, porém sem deixar de configurar-se como um processo democrático
em que os professores possam ser ouvidos para que se apropriem de
sentidos e significações e possam chegar à sua transposição didática.
Nessa direção, outros pesquisadores também confirmam nossa hi-
pótese inicial. Dias, Ottoni e Lima (2010, p. 175), em recente pesquisa
sobre a interface entre os procedimentos metodológicos utilizados pe-
los professores para o ensino da leitura no Ensino Médio e os objetivos
e sugestões registrados nos PCNEMs, com base no modelo interacio-
nista, defendem que a leitura é um saber procedimental e que “a atitu-
de dos docentes diante dos textos é essencial para qualquer inovação
na escola, pois eles são os únicos em condições de promover mudanças
significativas no ensino”.
Nesse sentido, os documentos legais veem o professor como um
leitor ideal, totalmente preparado, teórica e pedagogicamente, para se-
guir as orientações que eles veiculam, e com pleno domínio de corren-
tes teóricas (como a Linguística Textual e a Análise do Discurso) que
subjazem à concepção interacionista presente nos pressupostos nortea-
dores dos PCNEMs. Apontam-se objetivos, competências e habilidades
que devem ser desenvolvidas, mas não se oferecem sugestões práticas
de transposição didática para a sala de aula, tornando esses “construc-
tos” teóricos esvaziados de sentido para os professores que devem ser
os agentes dessas “mudanças significativas no ensino”.
Também Corvacho, Püschel e Souto (2011) analisam as bases te-
órico-metodológicas que sustentam os PCNEMs, tratando especifica-
Thiago Lauriti - 73

mente do ensino da Língua e da Literatura e apontando entre os fatores


que interferem no desinteresse do aluno por essa área, a concepção ins-
trumental e histórica da linguagem, ainda presente em grande parte das
escolas públicas e privadas, apesar das diferentes versões dos PCNEMs.
Ainda se burocratiza o ensino da Língua e da Literatura, enrigecendo-as
em rituais que não seduzem o aluno para a aprendizagem. Restringem o
trabalho do professor à mera repetição dos roteiros de manuais didáti-
cos (livros e apostilas) e o do aluno à execução mecânica dos exercícios
propostos. Os professores, por se sentirem inseguros em decorrência de
uma formação inicial lacunar, pressionados pela quantidade de aulas,
pela diversidade dos conteúdos e pela consciência daquilo que faltou
em sua formação, fazem desses manuais um porto seguro que se trans-
forma em eixo central do processo.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Em recente artigo, os autores reafirmam que a abordagem enuncia-


tiva do discurso proposta por Bakhtin, sustentada pelo quadro teórico
proposto pelos PCNEMs, está ainda muito distante da prática do pro-
fessor e da maioria dos livros didáticos elencados, segundo o Programa
Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), de 2004.
Para explicar esse distanciamento, argumentam:

Os professores – formados marcadamente pelas


ideias formalistas, do New Criticism, da Estilística
e reforçados pela presença desses elementos nos
materiais didáticos até praticamente os dias de hoje
– deixam clara a surpresa com que receberam os
PCNEM de 1999, que trataram a literatura de uma
forma inovadora. Apoiado nas concepções de lin-
guagem de Mikhail Bakhtin, sobretudo no conceito
de gêneros do discurso, a Literatura deixa de existir
como saber autônomo, passando a ser tratada como
um modo discursivo ao lado de outros: jornalísticos,
científico, coloquial etc. (CORVACHO, PÜSCHEL;
SOUTO, 2011, p. 182, grifo nosso).

Importante ressaltar também o trabalho de Diesel et al (2012), em


que se analisa a adequação dos livros didáticos ao que preconizam os
PCNEMs de Língua Portuguesa, que propõem, como orientação aos pro-
fessores, “[...] uma síntese das teorias desenvolvidas nas últimas déca-
das, sobre o ensino-aprendizagem da língua materna” (p. 99). Defendem
74 - Orientações Oficiais para o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio:...

os autores que os manuais didáticos não podem substituir a reflexão do


professor sobre sua prática, já que funcionam como recursos auxilia-
res que podem atenuar a insegurança diante da operacionalização didá-
tica das teorias que fundamentam as orientações legais. Lembram-nos
da importância de esses materiais serem utilizados de forma criteriosa,
contextualizada, problematizadora e criativa, a partir da realidade do
aluno. Observa-se a necessidade de que a prática do professor não se
restrinja somente a eles, mas possibilite aos alunos o contato com dife-
rentes recursos pedagógicos e tecnológicos para que o educador cons-
trua progressivamente sua autonomia didática pelo viés necessário da
formação continuada.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Depois de anos de uma escola com currículos imersos em visões


tendenciosas que acentuavam a condição de subalternidade dos povos
africanos e indígenas, o governo brasileiro editou, por meio da altera-
ção legislativa à LDB, primeiro a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003,
que foi revogada pelo Decreto-Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008,
tornando obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, ofi-
ciais e particulares.
Trata-se de um dispositivo legal que determina a obrigatorieda-
de de inserir esses conteúdos temáticos, de forma transversal e oblí-
qua. Em seu § 2º, entretanto, determina que, apesar de atravessarem
todo currículo escolar, esses conteúdos constituem atribuições especí-
ficas das áreas de educação artística, de literatura e história brasileiras.
Novamente, insinua-se a necessária interdisciplinaridade que pressu-
põe que esses componentes curriculares estejam integrados quanto ao
planejamento, materiais, metodologias, qualificação dos professores,
objeto de ensino e, sobretudo, quanto à seleção de competências e co-
nhecimentos dos professores, para que possam garantir avanços na
transposição didática da lei para as práticas docentes em sala de aula
(GREGORIN FILHO; NASCIMENTO, 2000).
Decorridos alguns anos da publicação dessa lei, a exigência legal
está longe de ser transposta para as salas de aula, exigindo novos dispo-
sitivos legais e metodológicos para repercutir no cotidiano das escolas.
Thiago Lauriti - 75

A resolução do Conselho Nacional de Educação, de 17 de ju-


nho de 2004, institui então as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena, orientando que as Instituições de
Ensino Superior deverão incluir, nos conteúdos de disciplinas e ativi-
dades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações
Étnico-Raciais bem como o tratamento de questões e temáticas que di-
zem respeito aos afrodescendentes e aos indígenas, por meio de conte-
údos, competências, atitudes e valores.
Nessa perspectiva, se não ocorrer um processo de discussão, de re-
flexão e de formação inicial e continuada do professor de qualidade que
contemple essa área, será difícil fazer valer o que preconiza a lei tanto
no Ensino Fundamental e Médio quanto no Ensino Superior. Trata-se
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

de uma responsabilidade que deve ser, pelo menos em tese, comparti-


lhada entre os profissionais da Educação de todos os níveis e o Estado a
quem cabe criar condições de formação, nas diferentes instâncias, para
que as intenções dos documentos se materializem em práticas de sala
de aula. Há de se estimular projetos de ensino, de pesquisa e de exten-
são que aproximem as universidades da escola básica para a organiza-
ção de programas de formação continuada e de pesquisa, em particular
sobre essa área transversal do conhecimento.
Outras duas resoluções apresentam as mesmas necessidades:

a) A Resolução nº 1, do Conselho Nacional de Educação, de 30 de maio


de 2012, que estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação
em Direitos Humanos, propondo a inserção dessa temática trans-
versalmente, sob a forma de afirmação de valores, atitudes e prá-
ticas sociais na organização dos currículos da Educação Básica e
Superior. O artigo 11 atribui aos sistemas de ensino a tarefa de criar
políticas de produção de materiais didáticos e paradidáticos que te-
nham como princípio orientador a educação em Direitos Humanos.
b) A Resolução nº 2, do Conselho Nacional de Educação, de 15 de ju-
nho de 2012, estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Ambiental a serem observadas pelos sistemas de ensino e
suas instituições de Educação Básica e de Ensino Superior e que vi-
sam à construção de conhecimentos e ao desenvolvimento de habi-
lidades, atitudes e valores que devem imprimir ao desenvolvimento
individual do aluno um caráter social em sua relação com a nature-
76 - Orientações Oficiais para o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio:...

za e com os outros seres humanos. A Educação Ambiental envolve


valores, interesses, visões de mundo e, dessa forma, deve assumir,
na prática educativa, suas dimensões política e pedagógica.

Essa resolução prevê que a Educação Ambiental deve ser desen-


volvida como uma prática integrada e interdisciplinar, contínua e per-
manente, em todas as fases, etapas, níveis e modalidades de ensino, não
devendo, em regra, ser implantada como disciplina ou componente cur-
ricular específico. O parágrafo único do Capítulo II da resolução prevê
que “[...] os professores em atividade devem receber formação com-
plementar em suas áreas de atuação com o propósito de atender de for-
ma pertinente ao cumprimento dos princípios e objetivos da Educação
Ambiental”. (BRASIL/CNE, 2012, p. 3).
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Essas duas novas resoluções preveem uma revisão das práticas es-
colares fragmentadas e atribuem aos sistemas de ensino, em colaboração
com as universidades e outras instituições, a tarefa de criarem condi-
ções concretas para formação inicial e continuada dos professores, com
o objetivo de tornar possível a apropriação do significado das leis e das
resoluções para conseguir sua transposição didática de forma integra-
da, interdisciplinar e multidimensional.
Nesse contexto, as universidades têm muito que contribuir e o
Estado um dever a cumprir. Não basta continuamente culpar o profes-
sor por sua má-formação e pelas competências profissionais que ainda
não desenvolveu. É preciso que cada instância cumpra seu papel e sejam
organizadas redes de formação e de apoio aos professores que temati-
zem, de forma contextualizada e prática, a operacionalização didática
dessas leis e resoluções, para que ocorra a apropriação de ferramentas
teóricas e metodológicas que esse aparato legal pressupõe. Todas essas
leis podem ser vistas como avanços, entretanto, torna-se urgente que,
além dos projetos de formação continuada, sejam elaboradas diretrizes
operacionais mais práticas e claras para que o texto legal não se torne,
como tantos outros, um corpo sem alma, vale dizer, um rol de intenções
que não consegue traduzir-se em práticas educativas eficazes.
Thiago Lauriti - 77

O mundo está a todo o momento dando respostas.


O que demora é o tempo das perguntas. (José Sara-
mago in “Memorial do Convento”)

Diante das respostas parciais que a elaboração deste estudo permitiu


fossem encontradas, chega-se à pergunta fundante que o originou: será
que, com a simples edição de inúmeras leis e textos normativos volta-
dos para o ensino da Língua e da Literatura que amparam a melhoria
do Ensino Médio, conseguirão os professores desvelar, solitariamen-
te, o significado desses textos para chegar a sua transposição didática?
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

A partir das análises dos documentos legais selecionados, tornou-


-se possível observar que os professores reais não estão previstos nes-
se discurso. Questiona-se até que ponto os educadores participaram, de
fato, da elaboração de tais documentos. É provável que não se reconhe-
çam neles, não enxerguem seus sentidos ocultos e, por essa razão não
consigam traduzi-los para chegar a sua transposição didática, desconsi-
derando essas leis e diretrizes como ancoradouro da sua prática. A iden-
tificação e a apropriação, pelo educador, desse vasto aparato normativo
só se tornarão eficazes quando e se os professores participarem do pro-
cesso de sua elaboração, quando puderem assumir o papel de protago-
nistas diante do desafio de ressignificar sua prática, tendo possibilidade
de, pela formação continuada, aprofundar o conhecimento sobre os fun-
damentos teóricos e práticos que possam ajudá-los a alterar essa prática.
Sem dúvida, as reflexões desenvolvidas neste estudo apontam para
a necessidade de uma revisão operacional pedagógica dos PCNEMs e
demais resoluções, cruzando, com clareza, os fundamentos teóricos e
sugestões práticas com os dados da experiência que o professor pode
trazer como contribuição. É importante afastar-se da perspectiva soli-
tária dos gabinetes do MEC para instaurar uma forma de trabalho in-
terdisciplinar e multidimensional, que envolva tanto os pesquisadores
das universidades quanto os professores e gestores das diferentes ins-
tâncias, e possibilitar o exame e a reflexão das articulações, sobretudo
das contradições existentes no processo. Uma reflexão desse teor am-
pliaria as oportunidades de compreensão dos pressupostos teóricos das
ciências das linguagens que dão sustentação às práticas e posições em
78 - Orientações Oficiais para o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio:...

relação ao ensino da língua e da literatura e, principalmente, permiti-


riam uma revisão dos fundamentos e metodologias desse ensino à luz
de seus objetivos pedagógicos e sociais.
Há de se considerar, ainda, que essa urgente revisão precisa ser an-
tecedida por uma ampla análise da formação do professor como leitor
(LAURITI, 2010), que dê conta de mapear o repertório de leituras de-
senvolvido ao longo de sua formação.
É importante viabilizar um investimento significativo na formação
do educador, inicial e continuada, que seja acompanhada por diretrizes
operacionalizadas que deem conta de resgatá-lo de uma alienação que
lhe foi historicamente imposta.
Nesse processo, é fundamental que o professor tenha clareza dos
aspectos frágeis de sua formação e procure saná-los por meio de um
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

processo formativo complementar e permanente para posicionar-se,


com lucidez e espírito crítico, diante de diretrizes e parâmetros oficiais
e, assim, apropriar-se do texto legal, tentando identificar neles as linhas
teóricas, as orientações e tendências para, assim, poder transformá-las
em práticas efetivas e eficazes em sala de aula. Claro está que esse pro-
cesso de formação não pode restringir-se a cursos de treinamento, em
que se perfilam receitas de como pôr os PCNEMs ou as demais diretri-
zes oficiais em ação, desconsiderando-se as necessidades e expectativas
do protagonista desse processo, que obrigatoriamente devem associar a
teoria à prática, configurando um processo de investigação didática da
própria prática do professor que prevê os movimentos de ação, de refle-
xão sobre a ação pedagógica e de reconstrução de sua prática.
Outro argumento que corrobora a necessidade de revisão das dire-
trizes que orientam o trabalho dos professores refere-se ao aparecimento
das novas tecnologias da comunicação e da informação que ampliaram
o conceito de texto, de leitura e de leitor. Novas competências e habili-
dades são exigidas para a construção do professor reflexivo, assim como
são construídas novas formas de estar, de compreender e de interferir no
mundo contemporâneo, marcado pela cultura tecnológica. Conclui-se,
portanto, que é apenas pelo acesso ao estado da arte dos conhecimentos
relacionados a sua área de atuação que o professor poderá enxergar-se
como protagonista de sua história e utilizar a orientação legal proposta
pelos órgãos centrais da Educação para fazer sua transposição didática,
optando por conteúdos, metodologias interdisciplinares e formas de or-
ganização didática, de forma consciente, reflexiva e crítica.
Thiago Lauriti - 79

BRASIL. Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretri-


zes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 01 jun. 2013.
BRASIL. Parecer CNE/CEB nº 15, de 1 de junho de 1998. Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 jun. 1998. Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1998/pceb015_98.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2013.
BRASIL, República Federativa do. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – MEC.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio – Linguagens, Códigos e
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Tecnologias. v. 2. Brasília: Secretaria de Ensino, 1999.


BRASIL, República Federativa do. PCN + Ensino Médio – Orientações
Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais –
Linguagens, Códigos e Tecnologias. Brasília: Secretaria de Ensino, 2002.
BRASIL. Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de
20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação na-
cional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade
da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan. 2003.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.
htm>. Acesso em: 01 jun. 2013.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 1, de 17 de junho de
2004. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 jun. 2004.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/res012004.pdf>.
Acesso em: 01 jun. 2013.
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janei-
ro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temá-
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Marcello Ribeiro - 81

Marcello Ribeiro

Se é fato que a gramática de uma língua é aquela atrelada às ex-


UNINOVE – uso exclusivo para aluno

periências linguísticas a que o falante é exposto e que se vai ressig-


nificando a cada situação, ligando-a ao uso, a fim de que se atenda a
uma suas principais necessidades: o ato de comunicar, por que ain-
da estamos presos a uma inércia conceitual de que a língua é a maior
instância social com que se pode atingir o leitor falante, pura, livre de
imperfeições, mais adequada às necessidades e interesses de grupos
sociais restritos, cujo objetivo parece ser o de formar uma metalin-
guagem para defender um uso que se acredita seja o “modo melhor”
de falar e escrever?
Nosso objetivo, neste capítulo, é apontar e discutir por que, ao ava-
liarmos produções discentes, nosso olhar ainda persiste em um direcio-
namento de determinados usos linguísticos em detrimento de outros,
associando essa “prática” a um único conceito relegado a informações.
Discute-se igualmente se a capacidade de persuadir o leitor existe, de
fato, e se quem escreve traz à tona uma tônica interessante ao tema, apre-
sentando dados que nos levem à reflexão. Nessa toada, ficamos reféns
de uma habilidade, como elemento único capaz de garantir a aprendi-
zagem, entendimento, e que, muitas vezes, nos cega e limita.
De fato, é isso que ocorre conosco, professores de língua: caçado-
res de erros gramaticais legitimados por um grupo restrito, intocável, a
incutir a ideia de que língua é aquela que deve ser entendida como pa-
drão: “uma segunda língua comum que se estabelece por cima da lín-
gua comum diferenciada regionalmente e/ou socialmente, como forma
idealmente unitária, pelo menos para aquelas tarefas e atividades (cul-
turais, políticas, sociais, educacionais), que são tarefas e atividades de
82 - O olhar do professor de português ante a normatividade em textos argumentativos:...

toda a comunidade idiomática.” (Coseriu, 1992, p. 98). É importan-


te salientar que o fato que nos levou a dialogar, neste texto, não é o de
desvalorizar o ensino da norma padrão, ou considerá-la desnecessária.
O que pretendemos aqui é mostrar como a falta de um uso legimitado,
normatizador, leva-nos, muitas vezes, a avaliar um texto de forma equi-
vocada, descaracterizando outras habilidades, que são igualmente im-
portantes para produção de textos e suas instâncias sociais.
Nossas inquietudes surgiram de algumas experiências nas aulas
de produção de textos e de alguns relatos e análises de professores de
língua: como pensam, avaliam e justificam o conceito atribuído àquele
texto atrelado à imagem do que se tem a respeito da língua padrão e de
produções de textos. Percebemos a existência de um fosso entre o que
se entende sobre produção de texto e seus usos linguísticos.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Como a língua é uma instituição ideológico-social disponível ao


homem, que procura adequá-la aos seus interesses, é fato que, a partir
dela, o ser humano pode posicionar-se diante dos fatos físicos, biológi-
cos e sociais, ligando seu uso a interesses e conhecimentos.
Para Coseriu (1987), a língua é um conjunto de possibilidades que
se oferece ao falante, regulamentada pelo sistema, que se impõe siste-
maticamente por meio da norma, regulamentação social abstrata, per-
tencente a grupos sociais que a utilizam de diferentes formas em razão
de seus hábitos e usos linguísticos.

A norma é um contrato social feito entre os membros da comunida-


de, arraigada nas tradições puristas da língua, e que, a partir do momento
em que há um desrespeito, uma ruptura na regra, ocorre o preconceito,
o ataque a quem a utilizou de maneira inadequada.
A concepção de purismo é entendida, segundo Aurélio (1986, p.
104), como [De puro + _ismo] s.m. 1. Preocupação excessiva de observar
a pureza da linguagem, a correção gramatical em relação a um modelo
ideal; vernaculismo. 2. Pronúncia afetada ou pretensiosa das palavras.
Câmara Júnior (1977, p. 16) compreende o purismo como “uma
atitude de extremado respeito às formas linguísticas consagradas pela
tradição do idioma” Para Aristóteles (s/d, p. 184-185), o purismo está
ligado ao princípio do estilo de falar com clareza, pureza. Percebe-se
Marcello Ribeiro - 83

que clareza e pureza estão relacionadas, pois, ao transgredirmos uma,


a outra será afetada.
Nesse ponto é que vem à tona nosso questionamento: existe uma
preocupação tanto do falante quanto do escritor com a preservação da
norma tradicional, calcada no purismo linguístico. Isso porque a língua
é, por natureza, ideológica, focada na correção, e se torna legitimada
para situações de uso específicas: “queira ou não, a tradição linguísti-
ca e sociocultural incide sobre o homem, e não há como evitar fazer as
coisas e usar a língua do modo como todos os outros o fizeram antes de
nós” (LEITE, 1999, p. 40).
Purismo atrelado à normatividade da língua parece ser mais de
cunho político do que linguístico, pois existe uma preocupação exces-
siva com o uso da língua. Segundo Praquette (2001, p. 246-247), os
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

primeiros discursos metalinguísticos nasceram na esfera jurídica, fize-


ram-se presentes também na legislativa até chegarem à gramática e,
por isso, tem-se aí uma tradição presente na política, jogo das inten-
ções, cuja dominação é o palco principal desse cenário. Para o autor,
ainda, o escrito de uma língua se impõe efetivamente por meio da nor-
ma, porque goza de poder, prestígio técnico e, historicamente, abarca
outros aspectos da língua, chancelando, assim, uma relação de proxi-
midade entre coerção e obediência à norma para poder perpetuar essa
relação na sociedade.
Para Aléong (2001), apesar de existirem muitas normas linguís-
ticas, há uma norma, uma variedade da língua, que se impõe por um
aparelho prescritivo: “é um código normalizado de regras imperativas
que definem o certo e o errado em matéria de pronúncia, de gramáti-
ca, de ortografia e de estilo” (op. cit., 2001, p. 153). É um código arti-
ficial imposto exteriormente ao indivíduo por meio da imagem que faz
da língua, do uso e de seu comportamento diante dela, em determina-
das situações, e tem consciência de que, ao desrespeitar tais preceitos,
incorrerá em erro e gerará algum tipo de preconceito.
O francês Alain Rey (2001) aponta que quem dita o uso hoje é aque-
le que mantém o monopólio do discurso da cultura, os gramáticos con-
temporâneos, que se destacam na mídia, ditam e pregam normas, que
repousam em modelo unitário e seletivo do uso, e não aceitam qual-
quer transgressão.
Variação e evolução são dois fenômenos que inexistem para as di-
ferentes formas de comunicação à luz dos normativistas, que enxergam
84 - O olhar do professor de português ante a normatividade em textos argumentativos:...

a correção como uma atitude prescritiva que legitima o bom uso e con-
solida as regras da tradição gramatical.
Partimos do mesmo princípio de Leite (1999) quando aponta que, pela
“metalinguagem purista, então, é possível recuperar posições ideológicas
dos falantes diante de certos fatos que implicam a defesa e preservação
da história e da cultura do homem, pela língua que usa” (op. cit., p. 50).
O conceito e o entendimento de língua explicitados expõem a ima-
gem que a sociedade, em geral, entende e aceita, principalmente quan-
do vemos na e pela escola, o lugar propício para impor a ideologia de
uma classe que contribui para uma violência simbólica.
O conceito de violência simbólica foi criado pelo pensador francês
Pierre Bourdieu para descrever o processo pelo qual a classe que do-
mina economicamente impõe sua cultura aos dominados. Para o autor,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

a cultura é arbitrária, que, ligada e construída por sistemas simbólicos,


perpetua a ideia/ou conceito para uma determinada sociedade. Nesse
jogo, na relação dominante e dominado, existe um processo de interio-
rização e aceitação de tal modo que o dominado, oprimido, não se sen-
te vítima desse processo.
Remetendo-se tal conceito ao de língua e à imagem que, por meio
do Estado, a sociedade faz da mídia e, principalmente, da escola, o bom
uso da fala e da escrita, observada a norma culta, legitima, controla e
instala duas dimensões arbitrárias: o uso normativista da língua, calca-
do na mensagem, e a relação pedagógica exercida pelo autoritarismo.
Entendemos que, nesse jogo, há uma violência simbólica porque o
professor se utiliza de uma língua que não é a da realidade social do alu-
no, e sim diferente. Nessa toada, tem-se o estabelecimento de uma rela-
ção assimétrica, em que um fala e o outro não entende ou até finge. No
entanto, os alunos não só reconhecem seus professores como autorida-
de, mas também legitimam as mensagens que por eles são transmitidas,
recebendo e interiorizando as informações, entre as quais a obrigatorie-
dade do uso de uma norma que, mesmo não conhecida e experenciada
por eles, torna obrigatória sua inserção nas práticas discursivas, tanto
na fala quanto na escrita, durante as aulas.
Esse processo foge da naturalidade e, por consequência, cria-se uma
inércia em relação à realidade e à obrigatoriedade de um uso que contri-
bui para a perpetuação da hegemonia cultural: pessoas que falam e es-
crevem o português culto urbano, bem-sucedidas, respeitadas, porque
têm a seu favor a cultura da classe legitimada. E isso é tão ideologica-
Marcello Ribeiro - 85

mente instado e interiorizado que, segundo Bernstein, paradoxalmente,


crianças atrelam suas relações sociais a seus ambientes sociais e, quan-
do expostas a elementos que não pertencem à sua comunidade, exige-
-se que se esforcem para se adaptarem à nova realidade.
Nessa prática, um esforço adicional é exigido da atividade cogni-
tiva da criança, isto é, capacidade de conhecer algo novo por meio de
sua percepção, raciocínio, memória e até pela memorização. Na pers-
pectiva bourdieusiana, a violência simbólica se dá, notadamente, por
meio do capital cultural e do enfrentamento natural da cultura e do sa-
ber elitizados como instrumentos sociais que, obrigatoriamente, devem
ser inseridos nas culturas em geral, de forma legitimada.
Para Bourdieu e Passeron (1982, p. 140), a ação escolar tradi-
cional “serve automaticamente os interesses pedagógicos das classes
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

que necessitam da escola para legitimar escolarmente o monopólio de


uma relação com a cultura que elas não lhe devem jamais completa-
mente”. “Vê-se que a escola serve de espaço que apenas reproduz es-
truturas sociais e transfere capitais, e que há um jogo de integridade”
(Mendonça, 2006, p. 2).
O uso da violência simbólica por um grupo institucionalizado con-
trola o poder simbólico sobre os outros, fabrica crenças, fazendo os
dominados enxergarem o mundo em sua perspectiva, sob a égide de cri-
térios artificiais que não condizem com a realidade; no caso específico
de nossa pesquisa, o que se verificou é que a norma culta é vista pelo
aluno como instrumento norteador para mostrar que possui habilidade/
competência para desenvolver um bom texto argumentativo; é como se
a boa escrita, aquela calcada na gramática normativa, garantisse outros
critérios de habilidade/competência.
Entendemos, sob o ponto de vista pedagógico (Perrenoud, 1999),
que a competência permite a mobilização de conhecimentos, valores
e decisões, isto é, pressupõe-se que o indivíduo tenha algum conheci-
mento, experiência, utilize-se de diferentes formas de linguagem e faça
uso de diversos recursos para resolver uma situação, um conflito (desa-
fio) que lhe foi exposto. Quanto mais se mostra competente, decidido,
para resolver problemas, mais cria a capacidade de adaptar-se às situa-
ções inusitadas. A habilidade exige domínio do conhecimento, o saber-
-fazer; assim, variáveis como analisar, sintetizar, julgar, correlacionar
e manipular são ações que nos permitem fazer aquilo que desejamos.
A competência é um esforço mental e, para que possa ocorrer, exige, a
86 - O olhar do professor de português ante a normatividade em textos argumentativos:...

todo instante, mobilização de conhecimentos e esquemas para desen-


volver respostas inéditas, criativas, eficazes para problemas propostos.
Dominar a língua padrão é uma competência que exige esforço do
falante/escritor para adequar a língua à situação específica de uso/real.
Sistematizar o controle do fluxo das variedades atreladas à situação é papel
do professor de língua, hoje. No entanto, não podemos atrelar a norma ao
texto em sua plenitude, isto é, considerar que o fato de dominar a língua
garante, no momento da escrita, as outras habilidades inerentes às ações.
Existe um equívoco entre as habilidades que se espera do aluno e
aquelas que ele apresenta realmente. Como, para ele, escrita é uma mo-
dalidade ligada à norma culta, acredita que, só por meio desse quesito, o
texto se completa no entendimento do leitor. Parece que isso se dá pelos
resquícios de um discurso escolar calcado na falsa ideia de que a pro-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

dução ideal está atrelada ao uso linguístico. Nessa perspectiva, um bom


texto é mobilizado pelo uso adequado da língua, estando o mau uso en-
raizado na ideia de pouca habilidade para discutir e refletir, por exemplo.
Instala-se aí um paradoxo ligado a uma ideologia creditada à ga-
rantia de que o bom uso da língua é suficiente para produzir um texto
perfeito. Com isso, questões como tema, argumentos utilizados, inser-
ções, exemplificações, apontamentos; enfim, elementos cujas habilida-
des se fazem presentes na feitura do texto, são desconsiderados pelo
aluno. Ao nos atermos novamente às considerações de Bourdieu, enten-
demos que, mais uma vez, tem-se a influência da escola no conceito da
normatividade, quando remetemos esse processo ao habitus: “sistema
de disposições, modos de perceber, de sentir, de fazer, de pensar, que
nos levam a agir de determinada forma em uma circunstância dada”.
(THIRY-CHERQUES, 2006, p. 32).
Por se tratar de uma situação de estresse como a do vestibular,
ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e ENADE (Exame Nacional
de Desempenho de Estudantes), em que o aluno sofre pressão, decorren-
te do processo de seleção, a utilização da norma padrão será condição
sine qua non para que o candidato seja considerado apto a prosseguir
seus estudos. Tal uso é um código comportamental linguístico e inte-
lectual, que reproduz ilusões necessárias à manutenção do sistema, le-
gitimando, inconscientemente, essa reprodução de uso.
O habitus, para Bourdieu, é matriz cultural que predispõe os indi-
víduos a escolhas. No caso específico, o candidato parece usar a norma
culta no texto como pré-requisito para ser aceito em seu habitus, como
Marcello Ribeiro - 87

parte legitimada que garantirá seu sucesso tanto na avaliação quanto


no grupo social que vislumbra. A utilização da norma, no texto, reme-
te-se à homogeneidade linguística, garante o gosto, preferência do gru-
po/indivíduo, em uma trajetória que exige percepção, comportamento
e atitudes iguais, isto é, o indivíduo, ao escrever, sabe que é necessário
utilizar a norma para adentrar nesse dogma e ser aceito. Fica a questão:
será que o comportamento linguístico do indivíduo está atrelado à pres-
são situacional local a que está exposto e, por isso, sabe que não deve
transgredir o padrão determinado pela nova situação social, pois, caso
o faça, não será aceito?
Nessa perspectiva, a ideia de que existe uma gramática falada di-
ferente de uma gramática do português escrito, de acordo com a cultu-
ral local, é cada vez mais evidente e aceita entre os linguistas e precisa,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

urgentemente, ser entendida pela escola: “não há necessidade de análi-


ses aprofundadas para perceber que diferentes gêneros têm uma tradi-
ção própria e utilizam uma linguagem fortemente marcada pela natureza
do veículo adotado em sua transmissão. ” (ILARI; BARROS, 2012, p.
185). O escritor, ao adequar o uso do português padrão à mensagem, es-
pera ser valorizado pelo prestígio que ela representa no uso. Mas o que
realmente queremos é um padrão de uso excessivo de língua emanado
das gramáticas em detrimento da organização sequencial das ideias, ar-
gumentos, da discussão e reflexão que ficam subjacentes a ela durante,
por exemplo, o momento da correção dos professores, principalmente
os de português? Ou a informação a serviço da língua?
Com esse questionamento, o que se quer não é incentivar uma prática
de texto que não enxerga o registro linguístico bem posto como elemen-
to inerente a ela, e sim que haja uma mudança do olhar “especializado”
em relação ao “erro”, ao desvio, que muitos textos contêm, cometidos
por escritores que são punidos por conta dessa questão. O que se obser-
va é que usá-la é pensar na sua gramática e só! Outros aspectos ligados
à habilidade como contar, observar, verificar, relacionar, inferir, apontar
e refletir são esquecidos ante o que se considera um texto bem escrito.
Parece-nos que o ensino da língua está destituído da leitura/litera-
tura, em decorrência da diversidade das várias tipologias textuais que,
atreladas aos gêneros, seguem uma prática e uso ligados à discursividade.
O professor precisa entender que a criança, ao chegar à escola, já
possui uma sintaxe constituída de estruturas organizacionais e cogniti-
vas da cultura local a que foi submetida, isto é, o que se tem na aula de
88 - O olhar do professor de português ante a normatividade em textos argumentativos:...

português é uma mistura de sintaxes funcionais cujo uso se faz imedia-


tamente àquilo que informam para seu interlocutor. Entretanto, se a es-
cola não se aproveitar dessa diversidade instada na aula e, a partir dela,
não trabalhar um plano de ação voltado à competência linguística liga-
da ao contexto, certamente esse aluno utilizará, em situações de fala ou
escrita, um português considerado “ruim” e “desconexo”.
Nesse cenário, questões sociais precisam ser vistas como objeto de
reflexão para o ensino de um português verdadeiramente mais justo: se
o aluno usar “naonde” em um texto argumentativo, por exemplo, um
espanto atrelado ao preconceito se exarcebará, e ele será prejudicado.
É preciso, primeiro, questionar: por que o fenômeno “naonde” tem-se
instalado na língua? O pronome aonde passou para “naonde”, porque
a preposição advinda da regência do verbo ou nome se acoplou ao pro-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

nome relativo onde, transformando-o em “naonde”, pois “quem vai…


vai em algum lugar”, um fenômeno que cognitivamente se inseriu ao
termo para dar o sentido de deslocamento, isto é, de um lugar a outro.
Há sentido para o uso desse fenômeno, um processo mental em que o
interlocutor estabelece uma relação imagética de um lugar em que está
para outro a que vai. Entende-se, assim, que existe um sentido pragmá-
tico, que, independentemente da gramática aceitar ou não, tem-se ins-
talado e, se fragmentado na língua, pode fixar-se.
Outro fenômeno que parece familiar para o uso, mas à margem dos
ditames da escola, é o verbo existencial ter em lugar de haver. O fato de
a gramática exigir a permanência do verbo haver na 3ª pessoa do sin-
gular está distante até do uso do “existir”, substituído por “ter”. Se for
usado o verbo “haver” numa frase plural, certamente se enxergará sua
ocorrência no plural como em “Haviam fatos para contestar”, por exem-
plo; execrado pela gramática do português.
Esses dois casos foram expostos para entendermos que o fenômeno
em seu uso real está distante do prescrito, daquele exigido pela escola,
abstrato e que só faz sentido para quem escreve ou fala para entendê-
-lo. Existe um autocontrole por meio da gramática que não correspon-
de à realidade e à identidade da criança. O que se aprende deve fazer
sentido ao aprendente, de fato.
Sistematizar a língua, por acaso, não é ensinar nomenclaturas,
análises infundadas e nomes, conceitos que se dão aos vocábulos, cujo
sentido para o aluno é praticamente nulo. Mattoso Câmara Jr. (1957)
apontava que os erros escolares são provenientes de mudanças da lín-
Marcello Ribeiro - 89

gua, que a escola não quer enxergar como parte do uso de uma língua,
cujo objetivo é a comunicação.
Para Cunha (1981, p. 23), “a força de uma língua não reside no seu
passado, mas na sua aptidão de renovar-se: aptidão de criar e integrar
palavras a novos tipos de sintagmas e frases que exprimem as contri-
buições incessantes de uma civilização evolutiva. ” Isto é, a língua que
utilizamos hoje é aquela ligada ao desenvolvimento da sociedade, uma
língua em ebulição.
Para o autor, herdamos de nossos antepassados um idioma riquís-
simo, constituído de sonoridades, flexões e ritmos, mas que o ensino
atrelado a ele estereotipa com fórmulas convencionalizadas, arraigadas
em regras estáveis e passíveis de imitação, cuja idealidade se dá tão so-
mente por um conjunto fechado de palavras que inibe a quantidade, con-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

templando apenas a qualidade. Lembrando Coseriu: “a língua é um fato


social no sentido mais genuíno do termo social, que é o de propriamente
humano” (Coseriu, 1992, p. 45). Observar a língua nessa perspecti-
va é entender que existe um processo interindividual que se realiza en-
tre os seres, e nesse jogo ela se transforma na linguagem.
Para Cunha (1981, p. 73), ainda, “a linguagem é importante pólo
da variedade que corresponde à expressão individual, mas também o é
o da unidade que corresponde à comunicação individual e da intercom-
preensão”. Acertar a concepção da linguagem numa prática docente é
entender que os mecanismos subjacentes à língua são fluidos e condi-
cionados à mudança cultural, por exemplo.
Apontam os PCNs (1998, p. 23): “toda educação comprometida
com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno
possa desenvolver sua competência discursiva. ”
Um problema que nos chamou atenção, principalmente na análise
de novos dados, é a visão desfocada do que seja língua e sua aplicação
ao ensino, que parece desencontrada dos princípios, valores e objetivos
dos PCNs. De um lado, professores advindos do curso de Letras têm
um olhar pouco pragmático sobre as questões do uso linguístico atrela-
do à sua diversidade, como o uso de gêneros. De outro, professores des-
motivados em lidar com a reflexão, debate filosófico e funcionalista de
um ensino que possui vertentes linguísticas que vão além da teoria: “a
língua é um conjunto de conhecimentos linguísticos que o usuário tem
internalizados para uso efetivo em situações concretas de interação co-
municativa” (Travaglia, 2003, p. 17).
90 - O olhar do professor de português ante a normatividade em textos argumentativos:...

Segundo os PCNs (1997, p. 218), “ao longo dos oito anos do en-
sino fundamental, espera-se que os alunos adquiram progressivamente
uma competência em relação à linguagem que lhes possibilita resolver
problemas da vida cotidiana, ter acesso aos bens culturais e alcançar
a participação plena no mundo letrado”. Não se pode negar que seres
humanos nascem propensos a aprender hábitos linguísticos e compor-
tamentais, adquiridos da comunidade a que pertencem, por meio de in-
tenções inerentes a todo sujeito, e que, ao longo do tempo, se adaptam
e se readaptam de acordo com o comportamento adquirido.
Para Tomasello (2003), a aprendizagem se dá por intenções coo-
perativas, isto é, todo indivíduo fala e escreve intencionalmente àquele
com quem também espera que haja um elo: “no desenvolvimento tanto
do contexto sociocultural quanto do sistema comunicativo da criança
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

humana, pode-se observar um aumento na variedade, complexidade e


imprevisibilidade da experiência física e sociocultural, correlacionada
ao surgimento de um modo comunicativo capaz de dar conta da intera-
ção no universo social” (GIVÓN, 1990, p. 431). A escola é uma exten-
são dessa experienciação sociocultural da criança, pois é seu papel levar
o aluno a estabelecer relação mais complexa de uso, por exemplo, das
palavras para fins comunicativos. Quanto mais expressar à criança mo-
delos efetivamente reais de uso, mais fará sentido a ela adequar a cada
situação um vocabulário específico. Além disso, ensinar português com
esse objetivo é promover usos cada vez mais compartilhados.

Para entender como o professor de português considera os desvios


da norma culta, ante outras habilidades que também fazem parte das
competências esperadas na produção dos alunos, como a construção ar-
gumentativa, solicitou-se que 50 professores corrigissem um texto do
gênero argumentativo de um aluno do 3º ano ensino médio, candidato
a uma vaga no ensino superior, e que avaliassem, com notas de 0 a 3,
cada uma das competências: a primeira, referente à norma culta; a se-
gunda, ao tema; a terceira envolveria os argumentos apresentados pelo
aluno; a quarta, coesão e coerência, e a quinta trataria de uma interven-
ção dada ou não ao problema apresentado.
Algumas hipóteses foram por nós pontuadas:
Marcello Ribeiro - 91

A – Problemas de desvios gramaticais contrariaram a nota das outras


competências?
B – O professor encara elementos de oralidade, no texto, como “erros”
de língua?
C – Ao avaliar a competência 1 com nota baixa, o professor repensaria
ou não uma metodologia aplicada a um ensino funcional?
D – Será que o professor ainda mantém a ideia de que o conhecimento
da normatividade garante a produção de um texto argumentativo?

Os professores que fizeram a correção trabalham em escolas públi-


cas e privadas e ministram aulas nos ensinos fundamental e médio. Ao
serem questionados sobre o papel do professor no ensino de português,
apontaram que têm como objetivo a comunicação para que o aluno pos-
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sa dialogar, escrever, debater, em diversas situações. Além disso, ale-


garam que o ensino de português contemporâneo passou a considerar o
aluno como sujeito, aquele que participa, que não precisa mais decorar
regras e nomenclaturas evasivas, sem sentido. Outro apontamento, feito
por todos os docentes com quem conversamos antes de aplicar os tes-
tes da correção, é que haviam mudado o tom e a prática de suas aulas,
tornando-as mais atrativas: utilizavam filmes, acesso à internet, textos
mais ligados à realidade discente, jogos pedagógicos, aulas de teatro,
exercícios interativos.
O texto argumentativo a seguir foi utilizado pelos professores na
correção por competências:

Título: Celular: aproxima ou distancia a sociedade?


Os avanços tecnológicos e aparelhos celulares vêm
afetando cada vez mais as pessoas, pois perdem-se
aquela comunicação face a face, o olhar, o toque em
detrimento da rapidez, do imediatismo, da facilidade
de apenas um toc e lá está o outro, comunicando,
sempre.
Uma pesquisa realizada pela empresa chamada So-
luções e Segurança, constatou que 76% dos jovens
entre 18 à 24 anos, está cada vez mais afastado de
seus grupos sociais, por conta da necessidade de
ficarem atrelado as redes sociais a todo instante, se
esquecendo de que existe outras formas de comuni-
92 - O olhar do professor de português ante a normatividade em textos argumentativos:...

cação, como o de conversar, opinar e participar. Essa


pesquisa se deu em roda de bar, cujos amigos, apesar
de próximos, não desgrudam das redes sociais, como
se não tivesse ninguém ali por perto.
Outra pesquisa realizada foi a da GFK, que também
revelou que 90% dos jovens entrevistado entre 18 e
24 anos de idade possuí celular eles passam o tempo
inteiro com o celular na mão, sempre ocupados, com
sua vida virtual e preferindo abrir mão de passar
momentos que poderiam ser inesquecíveis, com
aqueles que amam de verdade. O que era para ser
um instrumento para comunicar acaba virando uma
coisa tipo necessária, pois lá do outro lado do mundo
você pode comunicar, sim!
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Concluindo, o celular é sim o universo de tudo para


os jovens, que enxerga nele um mundo sem fron-
teiras, que pode tudo e que depende de tudo, a todo
instante. O celular virou uma febre! (Texto produzido
por aluno do 3º Ensino Médio)

De todos os dados analisados, é nosso foco de análise verificar e


entender de que forma a norma culta interfere na avaliação do profes-
sor no que se refere às outras competências.
Um dado que nos chamou atenção foram as notas atribuídas por
competência, especificamente a correspondente à norma culta e a re-
ferente à argumentação, em que o número de professores que consi-
deraram ruim o nível de conhecimento da norma culta (competência
1) foi quase igual ao que pôs, no mesmo nível de avaliação, a com-
petência 3 (a da argumentação). Percebe-se que houve interferência
de uma competência em outra, pois, se observarmos o texto, o aluno
insere exemplos, busca dados pela pesquisa, analisa e opina, de fato.
Entretanto, é na argumentação que os desvios gramaticais são mais
gritantes; assim, não houve coerência na análise das competências.
Partiu-se da seguinte premissa: desvio de norma culta; logo, argumen-
tos fracos; pois os que foram apresentados convergem para uma dis-
cussão, há opinião do aluno.
Marcello Ribeiro - 93

A presença da oralidade incomodou também os docentes, que pu-


niram esse uso na competência 1 (norma culta). Mas é necessário levan-
tar e discutir uma questão: se o gênero reflete e constitui práticas sociais
culturalmente marcadas quanto às formas produzidas, não será possível
que o aluno se utilize dos recursos orais decorrentes dessas práticas?
Assim, nosso papel seria reavaliar nossa prática de ensino e redirecionar
a metodologia, apontando para a natureza do meio em que os textos são
expressos e exteriorizados, além de fazer os corretores perceberem que
determinado modelo discursivo produz modelo de comunicação que se
estabiliza para aquele tipo de discurso. No entanto, o aluno não percebe
essa adequação e acredita que basta comunicar para o leitor ficar satis-
feito com essas considerações. Considere-se igualmente que, em deter-
minadas situações de pressão, como a do vestibular, o candidato será
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obrigado a se adequar ao uso da norma culta da língua.


Na avaliação dos professores, evidenciou-se também que os as-
pectos de coesão e coerência foram prejudicados de maneira que nos
pareceu ter o critério norma culta interferido na nota do professor nes-
sa competência. Na análise da produção do aluno, verifica-se o uso dos
conectivos para estabelecer relações explicativas em “os avanços tec-
nológicos em aparelhos celulares vêm afastando cada vez mais as pes-
soas, pois perdeu-se aquela comunicação face a face.
Por todas essas observações, não podemos apontar que o aluno pos-
sui pouco domínio das “pontas” que compõem o texto. Apesar de não
aprofundar as discussões e de apresentar exemplos considerados senso
comum para argumentar, existe uma adequada mobilidade coesiva en-
tre os parágrafos que estruturam o texto. Conclui-se que os professores
atribuíram a nota mínima para a norma culta sem levarem em conside-
ração os aspectos de coesão e coerência.
Essas considerações sugerem ser a competência 1 o marco divisor
para falar, debater, expor, analisar, exemplificar, solucionar etc. deter-
minadas situações com eficiência. Isso nos remete a pensar se as aulas
de produção textual não estariam sendo pautadas exclusivamente pela
norma culta para garantir sucesso nas outras competências. Além dis-
so, parece-nos que a normatividade é o aspecto que, para o professor,
ainda direciona o olhar, a aceitação e o entendimento do que é fazer um
“bom” texto.
O uso legitimou as condições de argumentação, informação, de es-
tabelecimento das relações, inferências, segundo os dados que nos foram
94 - O olhar do professor de português ante a normatividade em textos argumentativos:...

apresentados. Parte-se, então, da ideia: se o aluno tem pouca habilidade


para o uso da norma culta, é porque também não a possui para outras
competências exigidas. E as questões que se põem são:
• Será que o uso garante uma discussão favorável à temática?
• Torna legítima a discussão apresentada pelo tópico frasal?
• Garante as relações entre as partes do texto?
Os docentes, apesar de apontarem que suas práticas são inovado-
ras, ainda mantêm um olhar diretivo para a norma culta e para o que
sua falta pode ocasionar.
Seguem os resultados:

Competência 1 – Norma Culta


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Avaliação por competência  →  número de professores


0  →  0
1  →  40
2  →  8
3  →  1
4  →  1
Critério 0 – desconhece totalmente as regras do português padrão
(ortografia, acentuação, crase, concordância, regência, pontua-
ção, excesso de oralidade no texto).
Critério 1 – possui pouco domínio dos aspectos da normatividade
da língua (ortografia, acentuação, crase, concordância, regência,
pontuação, presença de oralidade no texto).
Critério 2 – possui domínio regular dos aspectos da normatividade
da língua, mas se nota a presença de oralidade no texto.
Critério 3 – possui bom domínio dos aspectos da normatividade da
língua, apesar de alguns elementos de oralidade.
Critério 4 – demonstra total domínio do português padrão.
Marcello Ribeiro - 95

Competência 2 – Tema
Avaliações por competência →  número de professores
0  →  8
1  →  7
2  →  32
3  →  0
4  →  0
Critério 0 – fugiu totalmente do tema.
Critério 1 – toca no tema, mas não progride, ou até muda.
Critério 2 – trata do tema, mas não progride, chega até a ser
contraditório.
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Critério 3 – trata do tema e discute com poucos argumentos.


Critério 4 – excelente domínio em relação à discussão e argumentação.

Competência 3 – Argumentos apresentados


Avaliação por competência  →  número de professores
0  →  4
1  →  35
2  →  10
3  →  1
4  →  0
Critério 0 – não apresenta nenhum argumento favorável à tese e ao
assunto. Nenhuma discussão.
Critério 1 – possui poucos argumentos favoráveis à tese e ao assun-
to. Nenhuma discussão.
Critério 2 – possui argumentos ligados à tese. Aponta algumas dis-
cussões, mas redundantes.
Critério 3 – bons argumentos ligados à tese e ao assunto. Discussões
pertinentes.
Critério 4 – excelentes variedades de argumentos ligados à tese e ao
assunto. Discussões pertinentes.
96 - O olhar do professor de português ante a normatividade em textos argumentativos:...

Competência 4 – Coesão e coerência


Avaliação por competência  →  número de professores
0  →  0
1  →  40
2  →  5
3  →  5
4  →  0
Critério 0 – texto com graves problemas de coesão e coerência (en-
cadeamento de ideias, problemas com conectivos, estruturação
sintática, sinonímia, adequação vocabular, ambiguidade, para-
lelismo, frases entrecortadas, redundância, imprecisão de ideias,
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queísmo, falta de relação entre os períodos).


Critério 1 – pouco domínio dos aspectos de coesão e coerência
textuais.
Critério 2 – possui domínio regular dos aspectos de coesão e coe-
rências textuais.
Critério 3 – possui bom domínio dos aspectos de coesão e coerên-
cias textuais.
Critério 4 – possui total domínio dos aspectos de coesão e coerên-
cias textuais.

Competência 5 – Intervenção e proposta de solução


Avaliação por competência  →  número de professores
0  →  30
1  →  10
2  →  10
3  →  0
4  →  0
Critério 0 – não possui nenhuma proposta de intervenção ou solução
para o problema apresentado.
Critério 1 – possui uma proposta de intervenção desarticulada para
o problema apresentado.
Marcello Ribeiro - 97

Critério 2 – possui uma proposta de intervenção pouco articulada


para o problema apresentado.
Critério 3 – possui uma boa proposta de intervenção para o proble-
ma apresentado. Não discute.
Critério 4 – possui uma excelente proposta de intervenção para o pro-
blema apresentado. Há discussões e apontamentos.

Os dados expostos trazem à baila uma questão e nos põem diante


de um debate: estamos preparados para lidar com o funcionamento da
língua, com as mudanças por ela instadas em nossa prática de fala e es-
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crita experenciadas e que se legitimam no comunicar, reclamar, opinar,


analisar, por exemplo, aquilo que se pensa?
Nós, profissionais do ensino de língua, ainda entendemos que o uso
da norma culta, arraigado em modelos fossilizados, sobrepõe-se àque-
les advindos da realidade linguística de nossos alunos.
Tem-se ainda uma visão de língua isolada das práticas sociais, re-
parando a oralidade da escrita como se fossem dois domínios dicotô-
micos, em que um não pode mesclar-se ao outro.
Apesar de repensarmos práticas consideradas inovadoras, não per-
cebemos, no depoimento dos professores, ação efetiva de trabalho com
a feitura de textos, como a reescrita, a autorregulação e o caráter mo-
dular, que perpassa por etapas com tarefas específicas e por habilida-
des, por exemplo.
Se cada interlocutor se vale de esquemas linguísticos para desempe-
nhar seu papel social em suas práticas discursivas, não podemos trans-
formar nossas aulas de português em um evento que apresenta fórmulas,
sem atrelar seu uso ao significado e sentido para o aluno.
Apesar dos avanços metodológicos expostos e discutidos por meio
de artigos, seminários, congressos, teses, livros didáticos e até revistas,
estamos ainda muito distantes de um consenso entre o que ensinar e o que
fazer aprender, confluindo para as necessidades reais de nossos alunos.
98 - O olhar do professor de português ante a normatividade em textos argumentativos:...

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UNINOVE – uso exclusivo para aluno
Wendel Cássio Christal - 101

Wendel Cássio Christal

“Sonhou que a sua caravela ia no mar alto, com as


três velas triangulares gloriosamente enfunadas,
abrindo caminho sobre as ondas, enquanto ele ma-
nejava a roda do leme e a tripulação descansava
à sombra.” (SARAMAGO, José. O conto da ilha
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

desconhecida)

Quando a escrita almeja debruçar-se sobre si mesma para explicar-


-se como uma espiral que recorre à sua descrição, caracterizamos tal pro-
cesso como metalinguístico: linguagem que fala de si própria ou de uma
outra linguagem. Escrever sobre a redação, entendida aqui sobretudo
como um gênero textual1, de caráter dissertativo, exigida para o ingresso
em vestibulares e concursos, é fazer um percurso metalinguístico. Mas,
neste propósito, faz-se necessário um recorte temático: discutir a impor-
tância que a literatura exerce, entre outras infinitas possibilidades, sobre
a elaboração de um texto mais sofisticado, no que se refere à argumenta-
ção, à criatividade e à originalidade.
Tendo em vista esse propósito, tomamos como ponto de partida a
epígrafe acima, uma referência a um respeitado escritor: José Saramago,

1 Segundo o Dicionário de gêneros textuais (COSTA, 2009, p. 93), “a dissertação é


um tipo de redação (v.) muito usado na escola básica e, principalmente, na média
e também muito solicitada nos exames vestibulares. […] No meio acadêmico,
é um trabalho monográfico (v. monografia) expositivo-argumentativo, exigido
pelas universidades brasileiras para obtenção de título de mestre […] Em nível
de doutorado, recebe o nome de tese […].”
102 - O texto literário: das sementes de ideias à argumentação de uma redação bem elaborada

único autor em língua portuguesa que obteve o prêmio Nobel de literatu-


ra, em 1998. Saramago publicou inúmeros romances, crônicas, poemas
e contos e alcançou o patamar de uma literatura ímpar e consagrada, so-
bretudo, por meio de seus romances. Suas histórias enredadas num es-
tilo próprio e elaboradas, muitas delas, sob o viés do alegórico, põem
em xeque a condição do homem contemporâneo, revisitando ou não o
passado, para lançar múltiplos olhares críticos sobre a nossa realidade.
A epígrafe supracitada faz parte da obra “O conto da ilha desco-
nhecida” (1998), texto de Saramago, que se destaca por sua natureza
metafórico-alegórica a suscitar diferentes leituras. Para contextualizar
tal citação e situá-la na discussão aqui proposta, convém mencionar ou-
tros excertos do conto. A história recai sobre um homem que vai à por-
ta do rei solicitar um barco para ir em busca de uma ilha desconhecida:
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando o


riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido,
dos que têm a mania das navegações, a quem não seria
bom contrariar logo de entrada, A ilha desconhecida,
repetiu o homem, Disparate, já não há ilhas desconhe-
cidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas
desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só
estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é
essa de que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer,
então não seria desconhecida, A quem ouviste tu falar
dela, perguntou o rei, agora mais sério, A ninguém,
Nesse caso, por que teimas em dizer que ela existe,
Simplesmente porque é impossível que não exista uma
ilha desconhecida. (SARAMAGO, 2000, pp. 16-17).

Conforme se observa no excerto acima, o rei surpreende-se ironi-


camente com o teor da solicitação e a insistência do homem, diante do
desafio àquilo que, na visão do rei, já estava preestabelecido. Por fim, o
monarca cede ao pedido, e na companhia inesperada da mulher da lim-
peza que trabalhava para o rei, juntos, homem e mulher saem à procu-
ra da ilha, singrando o mar do desconhecido com o barco. Ao final do
conto, o casal nomeia o barco de Ilha desconhecida, aquela que está “à
procura de si mesma”. (SARAMAGO, 1998, p. 47).
Nota-se aí a representação do homem inquieto em busca do desco-
nhecido, sua curiosidade e persistência, pois crê na inexistência de ilhas
Wendel Cássio Christal - 103

assim. Como foi dito, é possível fazer diferentes leituras desse conto,
dada sua densa figuratividade. Nossa leitura caminha na direção da re-
lação leitor-texto.
Por esse ângulo, pode-se comparar o homem do barco com o leitor,
ou seja, aquele que possui os aspectos necessários à navegação pelos
mares do texto: especialmente o ímpeto da curiosidade, a necessidade
de navegar/ler, a busca pelo conhecimento, seja ele qual for. No que diz
respeito ao barco, meio de transporte essencial para o homem navegar,
observa-se aí, subjacente a essa figura, a linguagem como componente
indispensável ao homem para se comunicar, mas que potencializa sua
capacidade de “locomoção”, até por “mares nunca antes navegados”, a
partir do contato entre esse barco/linguagem com o mar/texto.
Retomando a epígrafe, assim como o homem do barco sonhou a
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princípio, depois obteve o meio que o fez lançar-se pelos mares à pro-
cura de si mesmo, à medida que se ia encontrando diante dessa trajetó-
ria, da mesma forma cumpre ao leitor semelhante papel diante do texto:
pesquisar, deixar que sua curiosidade emerja, lançar-se ao texto, des-
cortinar o estabelecido; enfim, ler, uma vez que a leitura é, entre outras
inúmeras possibilidades, uma necessidade humana.

Entre as diferentes concepções sobre leitura, valemo-nos daquela


elaborada por Paulo Freire em “A importância do ato de ler” (1992, p.
20): “a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitu-
ra desta implica a continuidade da leitura daquele”. Freire propõe uma
concepção de leitura calcada em um projeto de alfabetização, engendra-
do em sua obra, que alcançou patamares de reconhecimento nacional e
internacional, embora ainda seja mal interpretada por muitos pesquisa-
dores brasileiros que fazem dela uma leitura apressada, quando a fazem.
A partir de um processo de alfabetização que considera a linguagem
local, isto é, a linguagem e as experiências do educando, e não apenas as
do educador, o autor nos propõe um leitura pautada pela crítica à realida-
de e inserida numa relação permanente entre o texto e a vida: da palavra
para o mundo e seu vice-versa, de maneira que haja um processo vivo
de reescrita e reelaboração de leitura e interpretação do texto e da vida:
104 - O texto literário: das sementes de ideias à argumentação de uma redação bem elaborada

De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe


e dizer que a leitura da palavra não é apenas prece-
dida pela leitura do mundo mas por uma certa forma
de ‘escrevê-lo’ ou de reescrevê-lo, quer dizer, de
transformá-lo através de nossa prática consciente.
(FREIRE, 1992, p. 20).

À semelhança do homem do barco que singra os mares do texto


em Saramago, Paulo Freire crê num ato de ler que reverbere em nossa
prática cidadã consciente e crítica, como um mecanismo de leitura mais
apurado da realidade, para transformá-la ou recriá-la, e talvez possibilitar
a todos uma cidadania mais plena, diferente de uma realidade marcada
pelo analfabetismo mutilador, ainda muito presente no Brasil.
Sob a óptica do autor, na obra “Professora sim, tia não”, longe de ser
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apenas entretenimento ou “decoreba” de fragmentos de textos, a leitura é

[…] uma operação inteligente, difícil, exigente, mas


gratificante. Ninguém lê ou estuda autenticamente se
não assume, diante do texto ou do objeto da curiosi-
dade a forma crítica de ser ou de estar sendo sujeito
da curiosidade, sujeito da leitura, sujeito do processo
de conhecer em que se acha. Ler é procurar ou buscar
criar a compreensão do lido; daí, entre outros pontos
fundamentais, a importância do ensino correto da
leitura e da escrita. (FREIRE, 2009, p. 31).

Vista como tarefa exigente que se faz gratificante, o autor concebe


a leitura como um processo inerente ao pensamento e, por isso, combate
a mera leitura de textos prescritivos, ou seja, com respostas prontas ao
leitor, ou aqueles tipos de textos que lhe dizem o que deve ou não fazer.
Não. Freire defende a leitura do texto desafiador e exigente que corres-
ponda a “uma forma crítica de compreender e de realizar a leitura da pa-
lavra e a leitura do mundo, leitura do contexto.” (FREIRE, 2009, p. 36)
Para isso, o educador acredita ainda que não se pode dissociar a
leitura da escrita, desde a mais tenra idade, a exemplo do que ocorre
em culturas letradas, porque, ao isolá-las, impossibilita-se “apreender
a substantividade do objeto, reconhecer criticamente a razão de ser do
objeto.” (op. cit., p. 39), isto é, impede que nos desloquemos do pata-
Wendel Cássio Christal - 105

mar do senso comum, ou de uma visão acrítica, e alcemos experiências


mais fecundas da realidade.
Quando se trata leitura e escrita como ações isoladas, entre outros
fatores, Freire faz menção ao problema da ausência de ideias durante
o ato de escrever: “Essa dicotomia entre ler e escrever nos acompanha
sempre, como estudantes e professores. ‘Tenho uma dificuldade enor-
me de fazer minha dissertação. Não sei escrever’2, é a afirmação comum
que se ouve nos cursos de pós-graduação de que tenho participado.”
(op. cit., p. 30).
Ao se dicotomizar ler e escrever, arrazoa Freire, distanciamo-nos
do que é, de fato e na prática, conhecer, e assim revelamo-nos como
professores e alunos muitas vezes estão distantes “de uma compreensão
crítica do que é estudar e do que é ensinar”. (op. cit., p. 39).
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Ocorre que, entre tantos e variados gêneros textuais, retomamos o


propósito deste ensaio: ressaltar a literatura como fenômeno fundamen-
tal à vida, como fonte de prazer e de sabedoria, como, por exemplo, na
contribuição à prática de uma redação eficiente.
Mas por que, diante da diversidade de textos, focalizamos a lei-
tura de textos literários quando se visa especificamente à produção de
uma boa redação? Primeiro, é consenso que um processo seletivo exi-
ge que o candidato saiba desenvolver uma dissertação, em um texto
de aproximadamente 30 linhas, claro e coeso, a respeito de um tema,
em geral contemporâneo, demonstrando seu ponto de vista, calcado
em argumentos possantes. No entanto, uma das dificuldades enfrenta-
das pelos estudantes está relacionada à falta de leitura, de repertório,
crucial ao desenvolvimento de um texto que saia do patamar do senso
comum, quando se sabe escrever sobre tal tema.
Contudo, a literatura pode oferecer, a nosso ver, rico potencial ar-
gumentativo para a construção de uma redação.
Para Lajolo, “A literatura constitui modalidade privilegiada de lei-
tura em que a liberdade e o prazer são virtualmente ilimitados.” (2002,
p. 106). Desse modo, enquanto texto que ultrapassa as paredes engessa-
das dos gêneros textuais, a literatura dispõe de mecanismos que fazem
o leitor acionar diferentes percepções no nível do racional e do emocio-
nal, construindo sentidos múltiplos.

2 Grifo do autor.
106 - O texto literário: das sementes de ideias à argumentação de uma redação bem elaborada

Além disso, à literatura compete o potencial de “ampliar nossa com-


preensão do real, por um processo que consiste em destruí-lo e recons-
truí-lo, atribuindo valores que em si, ele não tem” (PERRONE-MOISÉS,
1990, p. 108), de modo que reconstrua a realidade pelas palavras, com
destaque àquilo que nos falta, às lacunas da existência humana.
Assim, conceito de amplo espectro, a literatura pode contribuir por
diferentes vias na redação. É indiscutível, por exemplo, o potencial ofe-
recido pela literatura para acesso a um vocabulário mais sofisticado, no
que se refere não só a palavras específicas que circulam pouco no trânsito
falado ou escrito menos elaborado, mas também à possiblidade de conso-
lidar a própria linguagem falada, empregando-a com mais propriedade.
No que concerne à questão de gênero, o destaque recai sobre a
possibilidade de acesso e incorporação de um grau variado de gêneros,
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visto que o texto literário emprega, com frequência, textos em prosa e


em verso que abarcam outros gêneros dentro do próprio romance, por
exemplo, ou mesmo fundindo prosa e poesia, isto é, a prosa-poética, as-
pecto que fornece ao leitor a possibilidade de aprimoramento da com-
petência linguística.
Salienta-se, além disso, que essa gama de possibilidades de que a
arte da palavra pode dispor ao leitor é garantida pelas trilhas do prazer,
por experiências fecundas e liberdade ilimitada.

Sabe-se que esse gênero específico, a dissertação, é um texto exi-


gido nas principais universidades do país, sejam públicas ou privadas,
e possui sempre um peso decisivo na nota total do processo seletivo,
isto é, em geral vale, no mínimo, 40% da nota total. E há processos se-
letivos em que é solicitada apenas a redação.
Por exemplo, o Exame Nacional do Ensino Médio, Enem, é, sem
dúvida, o maior e um dos principais processos seletivos do país que, a
cada ano, aprimora seus critérios, sobretudo em razão do desafio de apli-
car uma prova a tantos candidatos de realidades tão distintas, cultural e
socialmente, dada nossa grande extensão territorial. Além disso, atual-
mente o Enem permite acesso a importantes programas de Governo: o
Programa Universidade para Todos (Prouni), o Fundo de Financiamento
Wendel Cássio Christal - 107

Estudantil (Fies), o Ciências Sem Fronteiras e, mais recentemente, o


Sistema de Seleção Unificada da Educação Profissional e Tecnológica
(Sisutec)”, segundo o guia “A redação no Enem”. (INEP, 2013, p. 3).
Esse exame solicita ao candidato uma dissertação no valor total
1000 pontos, o que equivale a 50% da nota da prova. Conforme o site
do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP,
2013, p 7), o texto deve apresentar os seguintes aspectos:

A prova de redação exigirá de você a produção de


um texto em prosa, do tipo dissertativo-argumen-
tativo, sobre um tema de ordem social, científica,
cultural ou política. Os aspectos a serem avaliados
relacionam-se às ‘competências’ que devem ter sido
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desenvolvidas durante os anos de escolaridade.


Nessa redação, você deverá defender uma tese,
uma opinião a respeito do tema proposto, apoiada
em argumentos consistentes estruturados de forma
coerente e coesa, de modo a formar uma unidade
textual. Seu texto deverá ser redigido de acordo
com a modalidade escrita formal da Língua Portu-
guesa. Por fim, você deverá elaborar uma proposta
de intervenção social para o problema apresentado
no desenvolvimento do texto que respeite os direi-
tos humanos.

Além do Enem, as três maiores universidade públicas do Estado


de São Paulo, UNESP, USP e UNICAMP, também adotam a redação
como texto principal em seus processos seletivos. Aliás, em se tratando
de possibilidades de produção de texto, no caso da UNICAMP, a uni-
versidade oferece ao candidato mais de um gênero textual distinto, dois
ou três, à livre escolha, e, por vezes, seus respectivos temas, ora variam,
ora são os mesmos para as redações, dando ênfase, assim, à possibili-
dade de criação de outras modalidades de texto: cartas argumentativas,
gêneros narrativos, manifestos, resumos, entre outros; aspecto, aliás,
que dimensiona a universidade em um papel de destaque no cotejo en-
tre os processos seletivos do país.
No Brasil, as três maiores universidades privadas, Universidade
Paulista, Universidade Nove de Julho e Universidade Estácio de Sá,
que representam 7% do total matriculado no ensino superior no Brasil,
108 - O texto literário: das sementes de ideias à argumentação de uma redação bem elaborada

de acordo com dados do jornal Folha de São Paulo (RIGHETTI; LEE,


2013), empregam a redação, muitas vezes, como critério único de aces-
so, exceto para os cursos de medicina.
Para pôr em destaque a importância do texto escrito, mencionamos
aqui os processos seletivos destinados ao preenchimento de vagas em
empresas públicas ou privadas, os quais geralmente exigem uma dis-
sertação, entre os quais os promovidos pela Fundação Carlos Chagas
e pela Fundação Vunesp. Isso sem citar o meio acadêmico, que exige
uma dissertação, ao final de um curso de mestrado, e uma tese, no caso
do doutorado, além de artigos de caráter científico.
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Partimos da origem do verbo argumentar, com base no “Dicionário


Houaiss da Língua Portuguesa” (2013, p. 180): do latim argumentāre,
significa “provar através de raciocínio; ver”. A primeira acepção desse
vocábulo no mesmo dicionário é “apresentar fatos, ideias, razões lógicas,
provas etc. que comprovem uma afirmação, uma tese”. (op. cit., p. 180).
Ora, em linhas gerais, o objetivo de uma prova de caráter disser-
tativo é, entre outros, medir a capacidade do candidato de defender seu
ponto de vista sobre um tema, geralmente um problema da realidade
brasileira, como o tema do Enem 2013: “Efeitos da implantação da Lei
Seca no Brasil”.
Mas saber defender um ponto de vista requer habilidade em ar-
gumentar. E como visto na explicação citada da palavra argumentar,
lançando mão do aspecto lógico na organização das ideias, deve-se
apresentar fatos, ideias ou provas que comprovem o que se defen-
de, construindo um texto persuasivo, isto é, que convença o outro da
necessidade de algo, da crença em algo. Nessa construção, tem-se o
emprego da terceira pessoa como mecanismo estratégico ao conven-
cimento, já que a primeira pessoa denota subjetividade, e na disserta-
ção almeja-se o contrário: objetividade, abrangência e profundidade
no uso de argumentos reveladores de senso crítico mais apurado que
se distanciam do senso comum.
Portanto, dissertar requer o uso de bons e plausíveis argumentos,
isto é, “todo procedimento linguístico que visa a persuadir, a fazer o re-
ceptor aceitar o que lhe foi comunicado, a levá-lo a crer no que foi dito
Wendel Cássio Christal - 109

e a fazer o que foi proposto”. (FIORIN; SAVIOLI, 2004, p. 284). E para


tais efeitos, esses autores arrolam, em “Lições de texto: leitura e reda-
ção”, alguns desses recursos linguísticos, chamando-os de “tipos de ar-
gumentos”, a saber:

a) Argumento de autoridade: “citação de autores


renomados, autoridades num certo domínio do saber,
numa área da atividade humana, para corroborar uma
tese, um ponto de vista.” (p. 285);
b) Argumento baseado no consenso: trata-se do uso
de “proposições evidentes por si ou universalmente
aceitas, para efeito de argumentação” como máximas
e axiomas, e não o uso de ideias típicas de “lugares-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

-comuns carentes de base científica, de validade


discutível.” (p. 285-6);.
c) Argumento baseado em provas concretas: Em
vez de cair no erro do uso de generalizações, deve-
-se empregar no texto argumentos que podem ser
comprovados, isto é, usar “dados consistentes,
fidedignos, suficientes, adequados, pertinentes. As
provas concretas podem ser cifras e estatísticas,
dados históricos, fatos da experiência cotidiana etc.
Esse tipo de argumento, quando bem feito, cria a
sensação de que texto trata de coisas verdadeiras e
não apresenta opiniões gratuitas.” (p. 287-8);
d) Argumento baseado no raciocínio lógico: “diz
respeito à própria relação entre proposições”. Aqui,
trata-se do uso da coerência, isto é, da ordem lógica
dos enunciados, primando pela organização do texto,
desde sua estrutura elementar – introdução, desen-
volvimento e conclusão, até a sequência das ideias
empregadas. Nesse caso, os autores citam alguns
problemas que transgridem o aspecto lógico, comuns
em uma dissertação, tais como fuga do tema, uso de
tautologia, justificar um fato por meio daquilo que
não é causa dele, e por fim, ser contraditório, ilógico,
isto é, incoerente.” (pp. 289-91);
e) Argumento da competência linguística: partindo
do pressuposto de que “a argumentação é a explo-
ração de recursos com vistas a fazer o texto parecer
110 - O texto literário: das sementes de ideias à argumentação de uma redação bem elaborada

verdadeiro, para levar o leitor a crer.” (p. 293), a


competência linguística, nesse caso, segundo os
autores, diz respeito ao uso estratégico da lingua-
gem, considerando-se em quais fatores do processo
comunicativo (emissor, receptor, mensagem, código,
canal e referência) objetiva-se a persuasão. No caso
da dissertação, o uso da norma-padrão, por exemplo,
é um expediente do qual não se pode prescindir, ou
seja, demonstrar competência tanto no nível da for-
ma quanto no do conteúdo: como a escolha lexical
adequada ao universo semântico do tema proposto
e argumentos detentores de um saber desse mesmo
universo.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Enfim, verificaremos que a literatura pode contribuir como um su-


porte a esses tipos de argumentos. A mobilização de exemplos do texto
literário, aliás, revelará, além do mais, um autor que é um bom leitor,
pois está calcado em textos renomados e em uma linguagem mais so-
fisticada, a literatura, como fonte de suas ideias. Ainda que sob o viés
do ficcional, revela-se experiência ao demonstrar a leitura de autores,
clássicos ou não, que lidam com temas representativos de nossa reali-
dade, de nossa condição humana.

Com o propósito de ilustrar o uso do texto literário como recurso


argumentativo, vêm a seguir alguns excertos retirados de redações de
diferentes vestibulares. Ressalte-se que todos os excertos estão manti-
dos na íntegra, sem qualquer correção da forma ou do conteúdo.

Exemplo 1: redação do vestibular da UNINOVE 2012 – Univer-


sidade Nove de Julho.
Tema: A importância da leitura no contexto contemporâneo

“Outro motivo muito importante é ler textos que mexem com a nos-
sa sensibilidade, fazendo as emoções da gente chegar a flor da pele.
Para poder não apenas extravasar sentimentos contidos, mas também
passar por experiências assim sem ter que sair do lugar. Exemplo dis-
Wendel Cássio Christal - 111

so é ler poemas da nossa literatura, como Drummond e Bandeira até


Leminski e Chacal.”3

Fazendo jus ao tema proposto, o autor do texto defende a importân-


cia da leitura e demonstra por que ela é necessária ao exemplificar sua
interferência, física ou psíquica, em algo inerente à natureza humana:
as emoções. Para comprovar sua tese, o candidato refere-se a autores
indiscutivelmente expoentes da literatura brasileira. Além disso, ainda
os relaciona, deixando implícito um parâmetro comparativo entre os es-
critores, ao pôr Carlos Drummond de Andrade e Manoel Bandeira de
um lado e posicionar Paulo Leminski e Chacal de outro, estabelecendo
conexão, mas, ao mesmo tempo, distanciamento entre eles, pelo uso da
preposição “até”, talvez no sentido de pôr de um lado dois autores mui-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

to próximos da tradição literária brasileira, e de outro, outros dois escri-


tores representativos da chamada “poesia marginal”.
Em um processo metalinguístico, sugerido pelo tema da prova, em-
bora o candidato apresente uma redação com ajustes a fazer no plano da
forma, no plano do conteúdo o uso de argumento baseado em autorida-
des em se tratando de poesia foi certeiro, porque revela um leitor conhe-
cedor de nossa literatura, sabedor do importante papel que ela exerce,
e capaz de opinar, seja por esses aspectos citados ou por contrastar os
escritores em seu texto, garantindo, assim, as marcas de sua autoria na
elaboração de sua redação.

Exemplo 2: prova comentada do vestibular da UNICAMP 2009 –


Universidade Estadual de Campinas.
Tema: O uso de animais em experimentação científica e suas
controvérsias

“Nesse impasse, a solução momentânea foi dada pelo Senado, com


a aprovação da Lei Arouca. Ela cria o Conselho Nacional de Controle
de Experimentação Animal, responsável por credenciar instituições para
criação e utilização de animais destinados a fins científicos, por estabe-

3 Redação extraída do banco de redação para o vestibular da UNINOVE –


Universidade Nove de Julho.
112 - O texto literário: das sementes de ideias à argumentação de uma redação bem elaborada

lecer normas para seu uso e cuidado e por inspecionar a introdução de


técnicas alternativas, que dispensem a aplicação das cobaias animais.
A medida é o ponto de equilíbrio entre as duas posições antagôni-
cas. Bastante razoável, restringe o uso de cobaias animais às situações
de interesse e necessidade e estimula a adoção de novos mecanismos,
sem impô-los de maneira abrupta, o que causaria vários transtornos à
atividade científica.
Parece que, dessa forma, resgatou-se a valorização da Baleia, de
Graciliano Ramos, sem deixar para trás o menino maior e o menino
menor, merecedores, também, de uma vida melhor, que pode ser propi-
ciada pelos avanços da ciência”.4

Com o objetivo de concluir sua dissertação, o candidato recorre


UNINOVE – uso exclusivo para aluno

ao romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, marco de nossa litera-


tura regionalista, a fim de ilustrar e comparar o tratamento conferido à
cachorra Baleia e aos dois filhos do personagem Fabiano. Na história,
o animal é valorizado e humanizado; em contrapartida, as crianças são
animalizadas: o simples fato de o cão possuir um nome próprio e os me-
ninos não, por exemplo, é um indício desse tratamento. Dessa manei-
ra, o candidato se vale da referência ao romance, acrescentando que a
partir de agora, com a nova lei, haverá uma aproximação entre os trata-
mentos conferidos aos personagens, visto que o vestibulando defende
a tese do equilíbrio com a nova lei. Assim, em sua opinião, ambos são
merecedores “de uma vida melhor”.
Logo, o candidato não demonstra apenas conhecer o clássico ro-
mance em questão, mas estabelece comparação entre a realidade ficcio-
nal com a de agora, reatualizando o contexto do romance e, ao mesmo
tempo, defendendo seu ponto de vista sobre o tema atual. Tais aspec-
tos marcam a sua autoria no texto elaborado, além de demonstrar bom
domínio sobre a norma-padrão, ou seja, o uso do argumento de com-
petência linguística.

4 Excerto extraído de <http://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/2010/


download/comentadas/redacao.pdf >. Acesso em 25 out. 2013.
Wendel Cássio Christal - 113

Os exemplos acima procuraram evidenciar o propósito deste texto:


demonstrar a importância da leitura do texto literário para, especifica-
mente, a redação de uma dissertação bem elaborada exigida em vesti-
bulares e concursos.
Contudo, cumpre destacar que a literatura é apenas um dos inúme-
ros recursos existentes empregados na prática da argumentação. Assim,
reafirmamos que a leitura é algo crucial para esse processo de constru-
ção de uma boa redação, mas, para que se defenda algo com proprieda-
de, também é fundamental o emprego de argumentos variados, obtidos
por meio da leitura de outras fontes, além da literatura, como os textos
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

de caráter científico, jornalístico, histórico e filosófico.


No entanto, como motor gerador da razão de escrever diversos ti-
pos de textos, a leitura de textos literários possibilita-nos a experiência
por caminhos singulares, a aquisição de níveis plurais de linguagem –
do andaime informal ao mais sofisticado –, o questionamento da realida-
de, a começar pela desautomatização da linguagem, enfim, o mergulho
mais profundo em um mar de conhecimentos demarcado pelo legado
de uma dada cultura.
Tais aspectos corroboram, como pudemos observar, a tese defendi-
da por Michèle Petit, em “A arte de ler ou como resistir à adversidade”
(2010), que aponta a leitura como uma necessidade humana que contri-
bui, sobremaneira, para o construção da nossa própria história, tornan-
do-nos autores dos nossos textos, autores de nossa vida:

Os livros são hospitaleiros e nos permitem su-


portar os exílios de que a vida é feita, pensá-los,
construir nossos lares interiores, inventar um fio
condutor para a nossa história, reescrevê-las dia
após dia. E algumas vezes eles nos faz atravessar
oceanos, dão-nos o desejo e a força de descobrir
paisagens, rostos nunca vistos, terras onde outra
coisa, outros encontros serão talvez possíveis.
Abramos então as janelas, abramos os livros.
(PETIT, 2010, p. 266).
114 - O texto literário: das sementes de ideias à argumentação de uma redação bem elaborada

Nesse sentido, a literatura dispõe de repertório cultural essencial


capaz de oferecer ao leitor rico conteúdo, mas que o instigará a escre-
ver também a sua história porque é provocativa e questionadora. É o
que destaca o escritor José Saramago quando, nesta citação, põe em re-
levo o papel do leitor durante a leitura de seus romances:

E ele só pode entender o texto se estiver “dentro”


dele, se funcionar como alguém que está a colaborar
na finalização de que o livro necessita, que é a sua
leitura. Isto que é verdade para todos os livros é
muito mais verdade para um livro que se apresenta
inacabado, com as costuras à vista. De certo modo
pode dizer-se assim: os meus romances apresentam-
-se com as costuras à vista. (SARAMAGO apud
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

REIS, 1998, p. 102).

Nesse processo de costura, retomamos Paulo Freire, com o fito de


arrematar a costura à mostra até aqui percorrida, para quem a leitura
também é essencial. E longe de ser apenas repetição maquinal, está in-
terligada ao ato de escrever no sentido de garantir o ato de reconhecer,
uma vez que, nas palavras do educador, “sem ler e escrever não se pode
estudar, buscar conhecer, apreender a substantividade do objeto, reco-
nhecer criticamente a razão de ser do objeto”. (FREIRE, 2009, p. 39).
Sob esse prisma e à guisa de síntese, o reconhecimento de nossa
condição de sujeito no mundo implica, portanto, o ato de ler e escre-
ver: desde ações práticas, como a elaboração de uma boa redação em
um processo seletivo, à costura, arremate ou descostura de outros tex-
tos e da vida, tecendo e destecendo, dessa maneira e com mais destre-
za, a nossa própria história.
Wendel Cássio Christal - 115

BOSI, Alfredo. Histórica concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix,


2011.
FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e re-
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HOUAISS, Antônio. Grande dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de
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UNINOVE – uso exclusivo para aluno
Maurício Silva - 117

Maurício Silva

Ao contrário do que se costuma pensar, um texto é algo muito mais


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complexo do que aparenta. Por isso, tentaremos aqui expor alguns ele-
mentos que dizem respeito à estrutura básica do texto, especialmente
o texto dissertativo, a fim de compreendermos melhor seu processo de
realização.
Quando nos deparamos com um texto escrito ou enfrentamos o tra-
balho de produção textual, não nos damos conta de que um texto é, no
fundo, a conjunção de vários fatores distintos que, interligados, dão à
escrita um sentido de globalidade, de textualidade. Assim, a partir de
palavras independentes formamos frases diversas, que, unidas, dão ori-
gem a orações, que por sua vez formam períodos, os quais engendram
os parágrafos e esses, por fim, o que chamamos de texto. Daí afirma-
mos que um texto é, grosso modo, um conjunto de estruturas verbais e/
ou frásicas intrinsecamente concatenadas, isto é, estruturas linguísticas
que se entrelaçam como se fossem fios de uma única teia. Aliás, a pró-
pria etimologia do vocábulo texto já nos sugere esse fato, uma vez que
provém do substantivo latino textum, que significava, ao mesmo tem-
po, tecido e, por extensão, trama e entrelaçamento (CUNHA, 1982;
TORRINHA, 1983). Palavras, frases, orações, períodos, tudo contri-
bui de modo contundente para a formação do tecido textual, dessa tes-
situra verbal.
Assim, não há como se pensar nos pressupostos da textualidade,
se não pensarmos antes na substancial relação que ela estabelece com a
noção de unidade, como sugerem alguns teóricos: “o principal atributo
de um texto – para ele ser considerado como tal – é a unidade. A uni-
dade de um texto se define, em princípio, pela sua completude – sem o
118 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

que o texto não poderá ser reconhecido em sua totalidade, nem por suas
partes”. (SAYEG-SIQUEIRA, 1990, p. 12). Evidentemente, a denomi-
nação texto abrange modalidades de escrita muito mais diferenciadas
e singulares do que pode parecer, já que não é novidade alguma o fato
de existirem espécies diversas de textos (relatório, fichamento, resenha,
sinopse, resumo etc.), as quais devem se adequar ao tipo e ao objetivo
da mensagem a ser veiculada por meio da escrita.
Embora o trabalho de produção de um texto esteja mais ou menos
interiorizado pelos indivíduos que tiveram uma alfabetização formal,
o exercício da escrita possui uma estrutura subjacente responsável pela
coordenação das ideias que contém o texto e da linguagem que o con-
forma. Entender essa estrutura é compreender quais são as caracterís-
ticas principais de um texto, isto é, como ele se organiza, quais os seus
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

tipos básicos e, principalmente, qual a lógica que o fundamenta.


Isso tudo não pode ser feito sem que, antes, deixemos claro algumas
questões preliminares a respeito do trabalho de produção textual, como
a necessidade de nos conscientizarmos de que a escrita de um texto re-
aliza-se plenamente a partir de três ações fundamentais e interligadas:
primeiro, escrever significa planejar, já que sem um plano previamente
estabelecido dificilmente o texto alcança a organização de que necessita
para ser compreendido (sem o plano, poderíamos dizer, as ideias aca-
bam por se repetir ou simplesmente por se dispersar, tornando mais di-
fícil a tarefa de execução do texto); segundo, escrever significa redigir,
a ação principal, por meio da qual o texto se concretiza (trata-se neces-
sariamente de uma segunda etapa, realizando-se após o planejamento,
mas nem por ser o ato principal da escrita deve ser considerado o úni-
co); terceiro, escrever significa rever o texto escrito, como que fechan-
do o ato da escrita (sem revisão, que é uma das mais importantes etapas
da produção textual, o texto acaba por reter desde simples erros gráfi-
cos até problemas relativos à lógica das ideias, como as redundâncias,
os lapsos e as contradições).
Assim sendo, pode-se concluir que escrever é mais do que um
mero ato inconsciente e mecânico de redigir: trata-se, antes, de um tra-
balho consciente e criativo de planejamento, redação e revisão do tex-
to, sem o que dificilmente um trabalho escrito poderá desempenhar a
função básica do texto: a comunicação. Não havendo uma fórmula má-
gica para se escrever bem, deve-se considerar, na medida do possível,
alguns aspectos fundamentais da atividade de produção textual, trabalho
Maurício Silva - 119

que se completa, diga-se de passagem, com a leitura frequente e aten-


ciosa. Ler e escrever, no final das contas, acabam sendo os dois limites
entre os quais todo aquele que quer obter êxito nesta tarefa deve-se co-
locar definitivamente.

Antes de tratarmos especificamente das técnicas de produção tex-


tual, há algumas distinções que dizem respeito a essas técnicas e que,
portanto, necessitam de um esclarecimento preliminar, sobretudo se nos
lembrarmos de que, afinal de contas, nossa atenção estará voltada, prin-
cipalmente, para um tipo determinado de texto, a dissertação.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Em primeiro lugar, é interessante nos conscientizarmos de que exis-


tem diferenças sintomáticas entre o que se pode entender por linguagem
falada e linguagem escrita, e a percepção desse fato constitui o primeiro
passo para que possamos estabelecer uma relação mais “cordial” com
o texto e com o seu processo de produção. Com efeito, o emprego da
linguagem falada e da escrita não é o mesmo em todas as situações: se
aquela nasce muito mais espontânea, transgride as regras gramaticais
com mais facilidade (ou, pelo menos, de forma mais inconsciente), de-
pende, em grande parte, de uma série de fatores extralinguísticos e ex-
teriores para se realizar, recebe a imponderável contribuição de outros
“modos” de comunicação humana (como os gestos ou a entonação);
esta, ao contrário, emerge de um esforço de criação que oscila entre a
competência linguística do falante e sua originalidade pessoal, além de
ser ver continuamente atada, de modo mais ou menos rígido, às nor-
mas gramaticais, estabelecendo uma relação de dependência principal-
mente com fatores linguísticos próprios da comunicação textual (fatores
que, por sua vez, dependem de processos como os da coesão e coerên-
cia linguísticas).
Outra distinção que vale a pena ser ressaltada e que, evidentemen-
te, tem uma relação direta com aquela anteriormente citada é a que po-
demos chamar, adaptando tais conceitos às nossas necessidades, de
norma e uso linguísticos: por ser uma produção voltada a um tipo es-
pecífico de comunicação, o texto – e, particularmente, a dissertação –
procura espelhar-se em normas linguísticas rigidamente estabelecidas,
que vão das regras gramaticais à formatação textual, da articulação frá-
120 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

sica às técnicas bibliográficas; nesse sentido, a dissertação – diferente-


mente de qualquer outro tipo de manifestação comunicativa – apresenta
regras definidas de composição, com características próprias. De qual-
quer maneira, o conceito de norma opõe-se, principalmente, ao de uso
linguístico, sobretudo se considerarmos essa última noção como sendo
correlata da linguagem falada, conforme aludimos acima.
Uma última consideração que caberia aqui é aquela que trata da
distinção entre ideias explícitas e implícitas no texto: de fato, a disser-
tação tem como matéria prima uma ou mais ideias, que perfazem a te-
mática do texto; por trabalhar com ideias, conceitos e opiniões, requer
uma série de procedimentos argumentativos e operações afins; além dis-
so, pelo próprio fato de ser uma forma textual diferente da narração e
da descrição, necessita ater-se a modos de conduta particulares que re-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

gem a exposição dessas mesmas ideias (como a impessoalidade, a de-


notação, a comprovação etc.). Tudo isso leva-nos à inferência de que a
dissertação deve, acima de tudo, afirmar-se como expressão de ideias
explícitas, claras e precisas.
Da união das três distinções acima realizadas, pode-se chegar a uma
dedução e a uma conclusão. Pode-se deduzir que a dissertação pressu-
põe um texto materializado, vazado em linguagem específica e contendo
ideias determinadas. E pode-se concluir que este texto apoia-se neces-
sariamente na noção de norma linguística (em oposição à de uso lin-
guístico), já que sua linguagem baseia-se em categorias prescritas pelo
emprego da comunicação escrita (em oposição ao da comunicação fa-
lada), devendo, essas ideias, apresentar-se ao interlocutor/leitor de for-
ma explícita (em oposição à implícita).
Se fôssemos destacar, do conjunto de princípios acima expostos,
aquele que mais de perto ou de forma mais imediata interessa a quem
pretende escrever uma dissertação, certamente procuraríamos chamar
a atenção para a questão relacionada às ideias. É que, não custa dizer,
um texto dissertativo requer, antes de mais nada, o domínio de um ca-
bedal de ideias que serão, posteriormente, organizadas e reproduzidas
graficamente. Assim, pode-se dizer que, efetivamente, o primeiro passo
a ser dado num trabalho de produção textual é a manipulação adequada
das ideias que irão compor o texto. Diante desse fato, podemos propor
um modelo do que se deve considerar as etapas do desenvolvimento de
ideias, relembrando que tal modelo só tem sentido se elaborado junto a
um planejamento mais amplo do texto a ser escrito.
Maurício Silva - 121

Uma Primeira Etapa seria a tentativa de definição do tema central, o


qual pode ser elaborado a partir, por exemplo, da escolha de um vocábu-
lo que represente a ideia principal do texto. É preciso, contudo, lembrar
que tema e título não são um único e mesmo elemento da composição
textual: enquanto o primeiro é mais abrangente e genérico, o segundo
é mais restrito e específico. Assim, poderíamos – a título de exemplo –
escolher como tema de uma dissertação hipotética a “violência urbana”.
Uma Segunda Etapa seria a tentativa de definir temas paralelos ao
central, que com ele mantenham uma relação necessária e evidente, os
quais poderiam ser definidos a partir da escolha de vários vocábulos
que contenham, como dissemos, ideias paralelas à central. Para nos-
sa dissertação hipotética poderíamos elencar os seguintes vocábulos:
assaltos, polícia, cidadão, armas, empregos e educação, entre outros.
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Na Terceira Etapa, faz-se necessário expandir ainda mais esse pro-


cesso, novamente tratando de enriquecer nosso conjunto de ideias: note-
-se que, por enquanto, estamos lidando apenas com vocábulos, embora
não seja descartada a possibilidade de se trabalhar – já nessa fase do pro-
jeto – com pequenas expressões ou até mesmo com frases curtas. Mais
uma vez, essa etapa requer um elenco de vocábulos, agora relacionados
direta ou indiretamente com os temas paralelos. Para nossa dissertação
hipotética, poderíamos propor: bandidos, aumento, violência (para o
tema assaltos); salário, formação, condições de trabalho (para polícia);
medo, reação (para cidadão); lei, uso, despreparo, quantidade, facili-
dade de aquisição (para armas); desemprego, baixos salários (para em-
pregos); falta de estudos, escolas precárias, infância (para educação).
A Quarta Etapa é uma das mais importantes, pois é nela que de-
vemos começar a organizar nossas ideias propriamente ditas, que ainda
se encontram num estágio relativamente primário: trata-se da etapa que
vai se preocupar com a estruturação dos parágrafos, a qual pode ser de
vários tipos (SERAFINI, 1997). Assim, as ideias e temas elencados an-
teriormente devem ser subdivididos de acordo com alguns modelos de
estruturação de parágrafos, como os seguintes: estruturação por exem-
plos (exemplificação), estruturação por contraste (oposição), estruturação
por enquadramento (divisões e subdivisões), estruturação por causali-
dade (causa e consequência), estruturação graduada (do genérico para
o particular ou vice-versa), estruturação por equacionamento (problema
e solução) (GARCIA, 1983). Poderíamos, para a nossa dissertação hi-
potética, escolher uma mistura entre a estruturação por causalidade e a
122 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

por equacionamento, com o que teríamos o seguinte resultado: causas


da violência urbana: empregos (desemprego, baixos salários) e educa-
ção (falta de estudos, escolas precárias, infância); consequências da vio-
lência urbana: assaltos (bandidos, aumento, violência) e cidadão (medo,
reação); soluções hipotéticas para a violência urbana: armas (lei, uso,
despreparo, quantidade, facilidade de aquisição) ou polícia (salário, for-
mação, condições de trabalho). As três partes em que aqui estruturamos
as nossas ideias, requerem, ainda, as seguintes perguntas, as quais certa-
mente nos auxiliarão no momento da redação do texto: para as causas,
poder-se-ia perguntar: por que e como a violência urbana ocorre? Para
as consequências, qual o resultado para a sociedade dessa violência? E
para as soluções, o que fazer diante desse problema?
Assim, temos uma espécie de esquema por meio do qual podemos dar
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mais um passo no sentido de produzir uma dissertação de forma conscien-


ciosa. A partir daí, fica mais fácil trilhar os outros caminhos do trabalho
de produção textual, uma vez que temos em mãos um bom conjunto de
ideias relativas ao tema sobre o qual falaremos durante a escrita do texto.
Em relação a essa escrita, aliás, há que se considerar ainda outras
questões relevantes, como o fato de que, de modo geral, há duas ma-
neiras básicas de se encarar um texto: primeiro, na sua confecção, na
constituição de um tecido verbal que ainda não se realizou e deve ser
construído; segundo, na sua compreensão, no entendimento de um com-
plexo verbal já existente e que carece – para se afirmar como texto – de
um interlocutor. À este último processo, damos o nome de interpreta-
ção; e àquele, o nome de redação.
Interpretar um texto é tentar entendê-lo na sua essência, isto é, na-
quilo que ele possui de mais fundamental. Não se trata, evidentemen-
te, de entendê-lo apenas na sua estrutura formal ou no seu conteúdo
temático. É preciso, acima de tudo, compreendê-lo na sua globalida-
de, exatamente na conjunção necessária entre forma e fundo, a fim de
que se possa abarcar toda sua significação. De certa maneira, interpre-
tar um texto é tentar reestabelecer o plano hipotético do mesmo, a par-
tir do qual o autor o construiu. Processo inverso deve ser considerado
na redação: aqui, não se trata mais de partir de um texto real e atingir
um plano hipotético, mas, contrariamente, partir de um plano concreto
que encontra sua realização em um texto. Redigir, nesse sentido, não é
senão um processo de exposição lógica de ideias previamente determi-
nadas. Assim, enquanto a interpretação diz respeito à redução do texto,
Maurício Silva - 123

a redação refere-se à sua expansão. Ora, não nos interessa tratar aqui
do processo de interpretação, mas antes do processo de realização con-
creta do texto, isto é, de sua redação. E se, como acabamos de afirmar,
esse processo caracteriza-se por ser a exposição lógica de ideias prees-
tabelecidas, é importante destacar alguns elementos que se referem par-
ticularmente a essa mesma lógica.
Quando nos referimos à lógica textual, estamos querendo salientar
pelo menos dois fenômenos imprescindíveis para a “perfeita” realiza-
ção de um texto: a coesão e a coerência (FÁVERO, 1991). Todo texto
necessita, para ser considerado como tal, de uma lógica interna que or-
dene seus componentes e, assim, possibilite sua mensagem. A articula-
ção lógica das ideias de um texto é conhecida pelo nome de coerência,
o que nos leva a concluir que um texto coerente é aquele que apresen-
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ta uma racionalidade temática, uma lógica significativa. Assim, as re-


lações de coerência de um texto promovem não apenas a expansão do
texto, mas também a sua fixação, por meio da redundância da informa-
ção nele presente. (GUIMARÃES, 1990).
Como complemento necessário à coerência, que diz respeito à or-
ganização das ideias do texto, temos a coesão, articulação lógica de
sua linguagem. Um texto será tanto mais coeso, quanto maior for a sua
organização linguística, quanto mais racional for sua estrutura. Nesse
sentido, pode-se dizer que a coesão apresenta três níveis distintos: o
fonológico (que diz respeito aos fonemas do texto), o morfossintático
(que diz respeito à gramática do texto) e o semântico (que diz respeito
a alguns recursos estilísticos específicos). Desses três, o mais importan-
te parece ser, sem dúvida alguma, o nível morfossintático, já que é por
meio de alguns fenômenos essencialmente gramaticais que o texto ad-
quire, com mais relevância, a coesão necessária ao seu entendimento.
Poder-se-ia pensar, assim, no papel fundamental desempenhado pe-
las conjunções, pelos advérbios, pelas locuções prepositivas etc., dentro
de um texto, sem os quais seria praticamente impossível fazer o encade-
amento lógico de suas partes estruturais. São, portanto, esses elementos
morfossintáticos que atuam de modo imponderável na constituição do
texto, tornando-se responsáveis diretos pela coesão do texto.
Comparemos, a título de ilustração, dois textos semelhantes, um
que dispensa, inadvertidamente, estes conectivos e outro que procu-
ra empregá-los, a fim de constatarmos a importância desses elementos
gramaticais de coesão:
124 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

O homem é o ser mais nocivo que existe na Terra. É nocivo


porque agride a natureza e os seus próprios companheiros.
É nocivo porque destrói tudo o que encontra à sua frente.
E acaba maltratando a si mesmo. O homem sofre as conse-
quências de seus próprios atos. Há ainda uma chance para
o homem se salvar. A chance é tornar-se amigo da natureza
e protegê-la.

Sem dúvida, o homem é o ser mais nocivo que existe na Ter-


ra. Em primeiro lugar, é nocivo porque agride a natureza e,
além disso, os seus próprios companheiros. Depois, é nocivo
porque destrói tudo o que encontra à sua frente, maltratando,
por conseguinte, a si mesmo. Por isso, o homem sofre as
consequências de seus próprios atos. Contudo, há ainda uma
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chance para o homem se salvar, a saber: tornar-se amigo da


natureza e protegê-la.

Não há dúvida de que enquanto o primeiro texto se revela muito


mais entrecortado, desconexo, repetitivo e “primário”, o segundo mos-
tra-se mais corrente, entrelaçado, diversificado e original. A diferença
entre ambos é, simplesmente, o uso adequado dos conectivos que con-
cedem ao segundo texto a propriedade da coesão. Praticamente o mes-
mo pode ser dito acerca de alguns conectivos de natureza diversa, como
os pronomes, extremamente importantes para se atingir a coesão a que
acabamos de aludir. Vejamos mais dois exemplos:

Ontem, li uma notícia no jornal; a notícia dizia o seguinte:


um empresário saía de seu trabalho e foi raptado por uma
quadrilha. Os componentes dessa quadrilha eram antigos
funcionários do empresário. Depois de alguns dias, o em-
presário fez amizade com um dos bandidos. Este bandido
acabou ajudando-o a fugir. Mas algumas horas depois, a
polícia encontrou o empresário e o sequestrador numa es-
trada próxima ao cativeiro. A polícia já tinha sido avisada
antes pela família. A polícia levou o seqüestrador para a
cadeia e o empresário partiu para sua residência.
Maurício Silva - 125

Ontem, li uma notícia no jornal que dizia o seguinte: um


empresário, o qual saía de seu trabalho, foi raptado por uma
quadrilha, cujos componentes eram antigos funcionários do
empresário. Depois de alguns dias, este fez amizade com um
dos bandidos, que acabou ajudando-o a fugir. Mas algumas
horas depois, a polícia, a quem a família já tinha avisado
antes, encontrou o empresário e o sequestrador numa estrada
próxima ao cativeiro: este foi levado para a cadeia e aquele
partiu para sua residência.

Parecem evidentes as vantagens que o segundo período possui em


relação ao primeiro: a economia de vocábulos, a clareza expressiva,
uma melhor articulação frásica, uma maior organização das ideias, de
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tal forma que elas se relacionam de um modo quase natural.


Enfim, numa acepção estritamente linguística, pode-se dizer que o
texto consiste numa unidade de sentido intimamente ligada à nossa ati-
vidade comunicativa:

O discurso é manifestado, linguisticamente, por


meio de textos. Neste sentido, o texto consiste em
qualquer passagem, falada ou escrita, que forma um
todo significativo, independente de sua extensão.
Trata-se, pois, de uma unidade de sentido, de um
contínuo comunicativo contextual que se caracteriza
pela coerência e pela coesão, conjunto de relações
responsáveis pela tessitura do texto. (FÁVERO &
KOCH, 1983, p. 25).

Dissertar significa discorrer, expor ideias, argumentar sobre de-


terminado assunto. A definição de dissertação, consequentemente,
pressupõe o resultado de todas essas ações em conjunto: “exposição
desenvolvida, escrita ou oral, de matéria doutrinária, científica ou ar-
tística”. (FERREIRA, 1986, p. 122). Se fôssemos nos aprofundar ain-
da mais nessas definições e buscássemos a origem etimológica desse
126 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

termo, talvez nos causasse espanto o fato de o mesmo provir de verbos


que têm, entre os seus significados, os sentidos de entrelaçar, atar, unir,
o que nos remete à ideia de que a aludida exposição depende, antes, das
condições de encadeamento da matéria que a compõe. Isso tudo, aliás,
faz-nos lembrar mais uma vez todos aqueles conceitos, já expostos aci-
ma, relacionados ao sentido da palavra texto.
De qualquer maneira, escrever um texto dissertativo pressupõe, pelo
menos, dois atos distintos, porém interdependentes: exposição e união
de ideias. Isso, que num primeiro instante parece simples, revela-se de-
masiadamente complexo quando nos damos ao trabalho de redigir uma
dissertação: com efeito, como costuma acontecer, a teoria, na prática, é
bastante diferente! Até porque tais conceitos não devem ser encarados
de maneira tão ingênua: além de tudo o que acabamos de dizer, é im-
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portante salientar que toda dissertação pressupõe, de início, dois outros


conceitos: o de comunicabilidade e o de intencionalidade.
Quando falamos de comunicabilidade, estamos querendo nos refe-
rir à concepção mais clássica da linguagem (e, por extensão, da disser-
tação): a de instrumento de comunicação. Por isso, escrever um texto é,
em última instância, estabelecer uma relação comunicativa, um ato que
se inscreve na sociedade e nela encontra os fundamentos de sua própria
definição: trata-se, portanto, de uma atitude fundamentalmente social.
Por isso, nós escrevemos com a finalidade precípua de estabelecer o
que aqui podemos chamar de relações comunicativas, isto é, com a in-
tenção de tornar nossas ideias comuns a eventuais interlocutores, à so-
ciedade de modo geral. Mas a comunicabilidade não se refere apenas à
necessidade de compartilhar nossas ideias com determinada comunida-
de – liga-se também à noção de legibilidade: escrever uma dissertação
é, para além de tudo o que dissemos, produzir um texto legível a todos
aqueles que compõem uma comunidade letrada. Daí a necessidade de
organizarmos nosso texto de maneira que sua função comunicativa não
seja comprometida de início, empregando todos os recursos que a lín-
gua nos oferece, da gramática à lógica. Em suma, uma dissertação tem
de comunicar, mas para tanto precisa se adequar a determinadas condi-
ções de legibilidade.
O segundo conceito a que nos referimos é o de intencionalidade.
De fato, uma dissertação não é apenas atitude comunicativa, mas tam-
bém e principalmente, o resultado concreto de uma intenção comunica-
tiva. A vontade de comunicar, mas também a sua necessidade, leva-nos
Maurício Silva - 127

a organizar nosso pensamento por meio de palavras, frases, orações,


períodos, enfim, de textos dissertativos. Não há processo comunicati-
vo sem que haja, por trás do mesmo, uma clara e fundamental intencio-
nalidade; sem que haja – em outros termos – essa indefectível vontade
humana de expor suas ideias, seus conceitos, suas opiniões. Por isso,
embora pareça tratar-se de uma noção abstrata, a intencionalidade é um
dos fundamentos estruturantes do processo dissertativo, como já ressal-
tou mais de um estudioso do assunto: “a produção de um texto envolve
uma intenção, e seu entendimento envolve não apenas o conteúdo se-
mântico – aquilo que o texto diz – mas a decodificação da intenção de
quem o produziu [...] o que identifica a natureza de um texto é a sua in-
tencionalidade”. (ABREU, 1991, p. 10-63).
Mas isso não é tudo: para que um texto dissertativo possua comu-
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nicabilidade e intencionalidade, é necessário que esteja assentado sobre


uma determinada organização. Organização, aliás, é a palavra-chave de
tudo o que se relaciona, direta ou indiretamente, com um texto escri-
to. Com efeito, todo texto possui ou deve possuir uma organização in-
terna capaz de lhe conceder a possibilidade de compreensão por parte
daquele que o lê. Essa organização é responsável pela própria fluência
do texto, na medida em que auxilia na sua elaboração e no seu entendi-
mento. Evidentemente, a organização de um texto não é padronizada,
quer dizer, não segue modelos rígidos de estruturação, podendo assu-
mir infinitos modelos, conforme o objetivo do autor, gênero do texto,
finalidade da mensagem, modo de exposição das ideias.
Contudo, é possível apontar para um modelo básico de organização
textual: aquele que prescreve para qualquer texto, mas sobretudo para
a dissertação, uma disposição tripla, composta por uma introdução, um
desenvolvimento e uma conclusão. Em termos gerais, podemos dizer
que a introdução requer quatro elementos fundamentais: a definição do
assunto a ser tratado, onde se estabelecem as diretrizes que serão desen-
volvidas posteriormente; a situação histórico-geográfica do assunto, ne-
cessária principalmente para que o leitor possa se situar adequadamente
diante dele; a motivação do leitor, adquirida a partir de alguns meca-
nismos de persuasão; e a indicação clara do caminho a ser percorrido
ao longo do texto. Já o desenvolvimento diz respeito sobretudo à divi-
são do trabalho em partes, constituindo-se no local do texto em que as
ideias serão apropriadamente trabalhadas. Cumpre ressaltar que é du-
rante o estágio de desenvolvimento do texto que se fará não apenas a
128 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

divisão do assunto em várias partes autônomas, mas também a coorde-


nação dessas partes relativamente independentes. Finalmente, sobre a
conclusão pode-se dizer que nesse estágio do texto se requer, entre ou-
tras coisas: a elaboração de um resumo que retome as ideias principais
desenvolvidas anteriormente; uma certa brevidade característica de uma
finalização; a declaração do ponto de vista do autor, como a marcar a
etapa conclusiva do texto; a predisposição para a abertura de expectati-
vas futuras, já que nenhum texto deve ter a pretensão de esgotar abso-
lutamente um determinado assunto. (BOAVENTURA, 1990).
Introdução, desenvolvimento e conclusão vêm a ser, no final das
contas, elementos fundamentais na estrutura organizacional de um tex-
to dissertativo. Por isso, de acordo com o que tínhamos exposto ante-
riormente sobre as três partes da organização textual, e contrastando-as
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com o texto lido, pode-se chegar à seguinte dedução genérica: enquan-


to a introdução tem como propósito a apresentação do assunto a ser tra-
tado e/ou a exposição do problema a ser discutido, o desenvolvimento
procura dividir o assunto/problema em partes para discorrer sobre os
mesmo (empregando uma série de artifícios, que vão da utilização de
dados à consideração de fatos diversos) e a conclusão procede ao fe-
chamento do texto, a partir de julgamentos e propostas.
Contudo, para entendermos quais são os aspectos principais da
dissertação, isto é, suas características mais relevantes, talvez seja in-
teressante começarmos por suas particularidades genéricas, e a melhor
forma de se chegar a elas é por meio da comparação com e do contras-
te entre o texto dissertativo e duas outras modalidades abrangentes de
texto, a narração e a descrição.
Assim sendo, podemos dizer que a narração, de modo geral, ca-
racterizada-se, em primeiro lugar, por se apresentar como um texto de
natureza ficcional, procurando, antes de tudo, relatar um ou mais aconte-
cimentos; trata-se, portanto, de um texto “dinâmico”, cujos componentes
se conjugam obedecendo a uma relação de anterioridade/posteriori-
dade. Já a descrição pode ser considerada um texto que, como o pró-
prio nome sugere, tem como objetivo principal descrever fatos, seres
ou objetos, podendo ou não aparecer num contexto ficcional; trata-se,
portanto, de um texto relativamente “estático”, cujos componentes esta-
belecem entre si uma relação de paralelismo. Finalmente, em oposição
a esses dois tipos básicos de texto, a dissertação afirma-se como uma
produção gráfica que tem uma natureza basicamente interpretativa ou
Maurício Silva - 129

argumentativa, constituindo-se, portanto, num texto ideológico e ten-


do os componentes ligados por uma relação de logicidade. Em resumo,
dizemos que a dissertação procura apoiar-se em argumentos, a fim de
expor ideias por meio de uma articulação lógica tanto dos argumentos
quanto das próprias ideias.
Mais importante do que destacar as características genéricas da
dissertação – um tanto abstratas para aqueles que têm como preocupa-
ção imediata a produção de textos dissertativos e, não, sua teorização –,
é expor, de forma sistemática e organizada, seus aspectos específicos.
De modo geral, podemos dizer que esses se apresentam a partir de três
categorias conceituais distintas: a objetividade, a credibilidade e a per-
ceptibilidade. Vejamos cada uma delas, a fim de que possamos entender
mais a fundo como se manifesta, afinal de contas, um texto dissertativo.
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1. A objetividade é um dos principais conceitos ligados à disserta-


ção, dizendo respeito a aspectos de linguagem que se articulam no texto
dissertativo, com o propósito de lhe conferir condições de inteligibili-
dade linguística. Evidentemente, fica claro que tais aspectos de lingua-
gem referem-se, no que concerne à lógica do texto, a questões relativas
à coesão textual. É, aliás, em função do conceito de objetividade que a
dissertação procura se definir, fazendo dele a própria razão de sua exis-
tência enquanto discurso. E para que um texto dissertativo alcance esta
objetividade, é necessário lançar mão de alguns procedimentos básicos,
sem os quais qualquer dissertação corre o grave risco de perder parte de
sua função argumentativa.
Assim, o primeiro procedimento que deve ser levado em conta du-
rante a elaboração da dissertação é a necessidade de se evitar verbos
conjugados na primeira pessoa, sobretudo os chamados verbos discen-
di (verbos de dizer), já que revelam uma natureza profundamente sub-
jetiva do discurso, além de expressar mais a opinião pessoal do autor
do que categorias discursivas científicas isentas de (pre)conceitos indi-
viduais. Afinal de contas, um dos propósitos do texto dissertativo é ar-
gumentar a partir de um conjunto de ideias cientificamente consensuais
e, não, com base em julgamentos calcados em interpretações pessoais
da realidade. A melhor maneira de obter êxito nesse empreendimento é
tentar realizar, no texto, um processo contumaz de diluição da figura do
enunciador, utilizando artifícios como o emprego de pronomes de cará-
ter coletivo e impessoais, verbos no infinitivo ou formas sintáticas em
130 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

que predomina a voz passiva. Vejamos como um desses procedimentos


aparece, concretamente, num trecho de dissertação:

Uma retrospectiva sobre a tradição literária revela


que a palavra modernidade – que pretende expres-
sar a autoconsciência de nosso tempo como época
em oposição ao passado – ao mesmo tempo parece
desmentir, paradoxalmente, essa intenção pelo seu
retorno histórico cíclico. O termo não foi criado para
o nosso tempo, e tampouco parece adequado para
caracterizar, de modo inconfundível, a feição única
de uma época. A criação do substantivo la modernité
é recente, bem como seu correspondente alemão
die Moderne. O surgimento dessas duas palavras
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situa-se no limite do horizonte cronológico que se-


para a percepção do mundo histórico familiar desse
passado que já não nos é acessível sem a mediação
da compreensão histórica. Nesse sentido, podemos
considerar o romantismo, enquanto época literária e
política, como o passado de que nossa modernidade
se despediu. Se fixarmos seu término histórico na
revolução de 1848, o surgimento do termo novo la
modernité parece, na verdade, marcar a consciência
de uma nova compreensão do mundo. (JAUSS,
1996, p. 32).

O texto transcrito traz, ele todo, como uma de suas marcas discur-
sivas o emprego do plural de modéstia (representado pelas categorias
gramaticais vinculadas à terceira pessoa do plural: nosso, podemos, fi-
xarmos, nos etc.) que desempenha várias funções: tornar o texto mais
objetivo, dar-lhe um caráter mais científico, revelar a natureza impesso-
al dos argumentos, compartilhar com o leitor a responsabilidade pelas
afirmações proferidas, manifestar a “modéstia” de reconhecer que suas
ideias fazem parte de um conjunto cognitivo universal (não pessoal).
O segundo procedimento relacionado à objetividade do texto dis-
sertativo diz respeito ao cuidado com o emprego das palavras, que de-
vem ser utilizadas rigorosamente no seu valor denotativo, isto é, na sua
“versão” concreta e real. Aliado a esse procedimento, devemos atentar
para a necessidade de se empregar, na dissertação, uma linguagem cul-
Maurício Silva - 131

ta e formal, evitando-se o emprego de gírias, termos populares ou afins,


que acabam neutralizando a objetividade do texto. O trecho acima cita-
do serve também como exemplo do emprego de uma linguagem que se
destaca não propriamente pela erudição, mas por uma utilização parci-
moniosa da língua, adequada aos objetivos do autor, que é a exposição
de ideias objetivas por meio de argumentos. Talvez o mais importan-
te nesse procedimento seja mesmo a contenção linguística, a modera-
ção no uso dos vocábulos e a simplicidade sintática, já que o excesso
de erudição (vocabular, sintática, ideológica) pode ter um efeito contra-
producente, ocasionando exatamente o oposto do que o autor pretendia.

2. A credibilidade, por sua vez, diz respeito a aspectos de inter-


textualidade que devem necessariamente estar presentes numa disser-
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tação, com o intuito de dar ao texto maior autoridade e aceitação entre


os eventuais leitores. Além disso, a presença desses aspectos numa dis-
sertação lhe confere maior capacidade argumentativa, já que as opini-
ões, exposições e ideias acabam ganhando o peso e a importância de
um consenso científico geral, por meio da contribuição compulsória de
personalidades do assunto tratado.
Por isso, se a objetividade é um dos fundamentos teóricos da dis-
sertação, não é menos importante que um texto desse tipo possua tam-
bém, diante do leitor e da comunidade que irá julgá-lo, um profundo
“sentido de verdade”, isto é, uma credibilidade. É sobretudo o caráter
científico da dissertação que fica comprometido sem esse “sentido de
verdade” no texto, quer dizer, se não houver elementos que possibilitem
ao leitor ter, diante do mesmo, uma atitude de absoluta confiança. Essa
confiança é adquirida por meio de alguns recursos igualmente impor-
tantes: na medida do possível, deve-se apoiar os argumentos contidos
na dissertação em algum tipo de autoridade no assunto que está sendo
abordado, por meio de citações ou atitudes afins. A citação, nesse senti-
do, destaca-se como um dos principais procedimentos argumentativos,
sem a qual o texto pode parecer excessivamente superficial. Analisemos
o excerto abaixo transcrito:

O subdesenvolvimento político é evidente quando


o Estado é capaz de absorver ou de controlar direta-
mente demandas sociais. O sinal desta comunicação
direta entre grupos de interesses e o Estado central é
132 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

a sua existência de partidos únicos ou que se querem


únicos. Situação frequente na América Latina. Mesmo
no Chile, país de pluralismo antes do golpe de Estado
em 1973, A. Foxley e T. Moulian, analisando o siste-
ma político no período da Unidade Popular, observam
que os partidos consideravam-se como portadores de
um projeto global de sociedade e, portanto, tendiam
a eliminar seus adversários por razões doutrinárias.
J. Payne, ao estudar o sistema político colombiano,
aparentemente o mais sólido de todos, observa da
mesma forma no período anterior ao golpe de Estado
de Rojas Panilla, uma tendência [...] para romper o
sistema bipartidário. (TOURAINE, 1989, p. 56).
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Percebe-se claramente a intenção do autor em consolidar seus argu-


mentos por meio de citações implícitas (referências) de outros autores
que, de alguma forma, constituem uma autoridade no assunto trata-
do. Essas citações acabam entrando no texto como um modo de tornar
mais sólidas as argumentações do autor, donde podemos depreender o
seguinte esquema:

a) argumentação preliminar: o subdesenvolvimento político é eviden-


te quando o Estado é capaz de absorver ou de controlar diretamente
demandas sociais. O sinal desta comunicação direta entre grupos de
interesses e o Estado central é a sua existência de partidos únicos ou
que se querem únicos;
b) argumentação complementar: trata-se de uma situação frequente na
América Latina;
c) primeira referência: no Chile, A. Foxley e T. Moulian observam que
os partidos consideravam-se como portadores de um projeto global
de sociedade e, portanto, tendiam a eliminar seus adversários por ra-
zões doutrinárias;
d) segunda referência: J. Payne observa da mesma forma no período an-
terior ao golpe de Estado de Rojas Panilla, uma tendência para rom-
per o sistema bipartidário.
Maurício Silva - 133

Observe-se que todas as referências feitas pelo autor são considera-


das citações indiretas (o autor não reproduz literalmente as palavras dos
nomes citados, mas apenas suas ideias gerais ou suas conclusões), que
buscam consolidar os argumentos precedentes. Desse modo, as ideias
expressas pelo autor ganham mais consistência, e seu texto soma forças
no sentido de persuadir os eventuais leitores. Enfim, a dissertação adqui-
re uma credibilidade maior, já que se compartilha com outras persona-
lidades a responsabilidade das ideias defendidas e dos temas expostos.
Há ainda a possibilidade de utilizar citações explícitas, muito mais
eficientes na sua tarefa de conceder à dissertação maior credibilidade.
Vejamos mais um excerto:

O próprio Freud orgulhava-se de relacionar seu con-


UNINOVE – uso exclusivo para aluno

ceito de eros com o dos antigos gregos. E escreve:


‘quem olhar com desprezo para a psicanálise deve
lembrar o quanto o destaque aí dado à sexualidade
coincide com o eros do divino Platão’ (...) Não só o
conceito freudiano de eros é radicalmente diferente
do de Platão como, conforme declara o professor
Douglas Morgan, após prolongado estudo do amor
platônico e freudiano, ‘a verdade é que o amor freu-
diano é quase o oposto do amor platônico. Em seus
fundamentos metafísicos e dinâmica não só diferem,
mas até se contradizem’. Phillip Rieff concorda com
isso: ‘o eros psicanalítico é basicamente diferente do
platônico’. (MAY, 1992, p. 65).

Vemos, nesse trecho, que a credibilidade e o aludido sentido de


verdade são alcançados basicamente por meio da citação explícita, isto
é, aquela que traz no corpo do texto um outro texto: texto alheio, mas
pertinente; diferente, mas complementar. O pensamento do autor vai-se
construindo por meio de uma racional articulação de suas ideias com a
de outros autores, que trataram do mesmo assunto ou de assuntos cor-
relatos. Assim, suas ideias vão-se tornando mais verossímeis, vão ad-
quirindo maior confiabilidade por parte do leitor, vão-se tornando mais
consistentes. Note-se que o fenômeno da intertextualidade é um dos
fundamentos do texto dissertativo, já que ele perpassa – no trecho cita-
do – todo o texto: já Freud teria citado (direta ou indiretamente) Platão;
quando o autor cita Freud, faz também uma referência indireta a Platão;
134 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

além disso, quando cita explicitamente Morgan, não deixa de citar im-
plicitamente Freud e Platão; e assim por diante. Como tínhamos suge-
rido no início, um texto é feito a partir da contribuição de vários “fios”
que se entretecem para formar o “tecido” final: esses fios não são ape-
nas as ideias do autor que constrói o texto, mas também as de outros
autores que contribuem na construção de um texto muito maior, abs-
trato, que pode ser conhecido pelo nome de Ciência ou Conhecimento.
Além desse procedimento, a credibilidade é alcançada por meio da
apreensão de conceitos sólidos, retirados das diversas áreas do conheci-
mento humano. Nesse sentido, é importante que se busque o apoio do
consenso, ressaltando fatos cujo conteúdo seja unanimemente aceito.
Não é aconselhável, por exemplo, que se trabalhe com conceitos duvi-
dosos ou que careçam de comprovação científica, vocábulos polissê-
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micos ou vagos, ideias que tenham origem em concepções pessoais ou


culturais dos fatos da realidade. Imaginemos o seguinte texto:

A Terra é o único planeta do sistema solar que possui água,


elemento essencial para a sobrevivência da espécie huma-
na. Sem a água, os seres-humanos não sobreviveriam por
muito tempo, o que revela nossa fragilidade física e bioló-
gica. Esse é, sem dúvida, um fato interessante. Por isso, po-
demos dizer que a água é um elemento essencial à espécie
humana. Por sorte, há água suficiente no mundo para todos,
pois as reservas são inesgotáveis.

Um simples trecho como esse pode apresentar uma série de impro-


priedades do ponto de vista da credibilidade dissertativa, sobretudo no
que se refere ao uso de ideias e vocábulos pouco consensuais. Vejamos:
em primeiro lugar, há aí afirmações que carecem de comprovação cien-
tífica, oriundas da impossibilidade de se provar a afirmação ou mesmo
do desconhecimento do autor (“a Terra é o único planeta do sistema
solar que possui água” e “as reservas são inesgotáveis”); em segundo
lugar, o emprego de vocábulos vagos ou que pouco contribuem para a
compreensão total do texto acaba comprometendo-o inevitavelmente,
no sentido de torná-lo menos consistente aos olhos do leitor (“interes-
sante” e “por sorte”); em terceiro lugar, há passagens que revelam uma
concepção demasiadamente pessoal do assunto, novamente por desco-
Maurício Silva - 135

nhecimento ou por surgir de determinadas considerações particulares


do autor (“há água suficiente no mundo para todos”).
Todas essas afirmações acima salientadas são passíveis de serem
contestadas: poder-se-ia facilmente objetar: como provar que a Terra é
o único planeta do sistema solar que possui água, se ainda não há pes-
quisas suficientes a esse respeito em relação aos outros planetas? Como
podemos acreditar que as reservas de água do planeta são inesgotáveis,
se esse é um fato difícil de ser provado e se, por outro lado, há até afir-
mações no sentido de que a água é um bem limitado? Em que sentido
pode-se fazer uma afirmação tão vaga quanto a de que haveria água su-
ficiente no mundo para todos, já que não está especificado no texto o
que significa esse termo “todos” (todas as pessoas, todos os países, to-
das as classes sociais)? Portanto, diante dessas observações, o que se
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espera de um texto dissertativo é que ele evite empregar vocábulos e fa-


zer afirmações como essas, tomando certas precauções no que diz res-
peito ao uso de conceitos, ideias e palavras. Melhor seria, nesse caso,
tentar “consertar” o texto com o emprego de ideias/palavras relativiza-
doras, corrigindo as ambiguidades, os conceitos vagos, as colocações
inadequadas, tudo resultando, em hipótese, num texto mais ou menos
como o seguinte:

Não se sabe ainda se a Terra é o único planeta do sistema


solar que possui água, mas o fato é que a água é elemento
essencial para a sobrevivência da espécie humana. Sem a
água, os seres-humanos não sobreviveriam por muito tem-
po, o que revela nossa fragilidade física e biológica. Esse
é, sem dúvida, um fato que merece nossa atenção e deve
ser estudado com mais afinco. Por isso, podemos dizer que
a água é um elemento essencial à espécie humana. Embora
não seja certo, é desejável que haja água suficiente no mun-
do para todos, ainda que tenhamos dúvida sobre a capaci-
dade de nossas reservas.

Com as modificações que foram efetuadas – algumas simples, ou-


tras mais complexas, levando inclusive à mudança total de sentido de
algumas orações –, o texto torna-se um pouco menos impreciso, adqui-
rindo maior consistência argumentativa e científica. Adquire, enfim,
mais credibilidade.
136 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

Faz-se necessário, ainda, no intuito de conceder ao texto disserta-


tivo mais credibilidade, buscar a comprovação dos dados expostos no
texto por meio de experiências concretas ou observação acurada da re-
alidade. Uma das formas de se comprovar as afirmações contidas numa
dissertação é, por exemplo, lançar mão de dados estatísticos ou afins,
com o que o texto torna-se mais substancial. Quando uma determinada
afirmação está assentada em dados como esses, há uma tendência geral
em aceitá-lo de modo menos conflitante, em grande parte pelo poder que
os números exercem sobre a nossa sociedade. É diferente, portanto, eu
fazer uma afirmação apoiado exclusivamente em observações superfi-
ciais e/ou pessoais da realidade ou fazê-la com base em sólidos dados
de natureza estatística. Comparemos estes dois textos abaixo, adapta-
dos de uma reportagem jornalística:
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Em relação aos Estados Unidos, o Brasil praticamente não


tem tradição no ramo da filantropia. Enquanto os americanos
mais ricos são capazes de doar verdadeiras fortunas para as
entidades de assistência social de seu país, no Brasil a situa-
ção nesse campo é ainda de penúria completa, sobretudo se
levarmos em consideração o tamanho dos problemas sociais
que temos por aqui.

Em relação aos Estados Unidos, o Brasil praticamente não


tem tradição no ramo da filantropia. Enquanto os americanos
mais ricos são capazes de doar verdadeiras fortunas para as
entidades de assistência social de seu país, no Brasil a situ-
ação nesse campo é ainda de penúria completa, sobretudo
se levarmos em consideração o tamanho dos problemas
sociais que temos por aqui. Para se ter uma ideia, enquanto
um único magnata americano (George Soros) doa 350 mi-
lhões de dólares a entidades carentes, a soma das doações
das principais empresas brasileiras durante um ano não
ultrapassa 300 milhões. Outro magnata americano (Ted
Turner), por exemplo, fez uma doação recorde de 1 bilhão
de dólares.

É evidente que, em relação ao primeiro trecho, o segundo revela-se


bem mais convincente e mais digno de crédito. Além disso, as afirmações
Maurício Silva - 137

feitas no começo do texto puderam ser comprovadas por dados esta-


tísticos, o que conferiu ao segundo texto maior poder argumentativo.
Outros meios de consolidar afirmações feitas no texto dissertativo
podem ser ainda levados em consideração, como o artifício da exemplifi-
cação ou a utilização de relações lógicas entre as ideias. Com efeito, quan-
do lançamos mão de exemplos, nosso texto passa a ter uma consistência
científica e argumentativa maior: as ideias nele contidas adquirem maior
credibilidade, já que se tornam mais concretas, mais palpáveis e reais.
Um texto sem exemplos é um texto demasiadamente abstrato e herméti-
co, logo, mais difícil de ser apreendido por um leitor médio. O exemplo
ilustra, esclarece, torna a dissertação mais compreensível. Já no que diz
respeito às relações lógicas a que nos referimos, é preciso levar em con-
sideração que a arte do convencimento faz-se por meio de um encadea-
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mento racional de ideias e argumentos, que devem estar articulados de


maneira a tornar o pensamento mais claro e o texto mais legível, como
quando estabelecemos, na dissertação, relações de logicidade (causa e efei-
to, circunstância e finalidade, tese e antítese, proposição e inferência etc).

3. Além da objetividade e da credibilidade, um outro conceito im-


portante ligado ao processo dissertativo é o da perceptibilidade, que diz
respeito a aspectos de textualidade, imprescindíveis para que a disserta-
ção cumpra todas as suas funções comunicativas e argumentativas. Tais
aspectos, aliás, articulam-se com questões relativas à coerência textual,
já que envolvem uma série de fatores diretamente relacionados à arti-
culação das ideias contidas no texto.
Nesse sentido, o primeiro fator a ser considerado é exatamente
aquele sobre o qual já falamos aqui em várias oportunidades: a argu-
mentação. Com efeito, já aludimos antes a procedimentos argumentati-
vos, à função argumentativa, à capacidade argumentativa do texto, mas
sem tratar especificamente da elaboração de uma argumentação. Ora,
qualquer texto que procure, direta ou indiretamente, convencer o lei-
tor de algo, abordar ideologicamente um tema ou simplesmente expor
uma determinada teoria pode ser considerado, senão um texto disserta-
tivo no rigor do termo, ao menos um texto de natureza argumentativa.
Mas isso não quer dizer que a simples manifestação de uma intencio-
nalidade argumentativa possa ser considerado um autêntico processo
argumentativo. Tal processo implica, antes, na elaboração de algumas
etapas dentro do texto, como as seguintes:
138 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

a) etapa preliminar: trata-se de uma primeira etapa, em que se deve


estabelecer o tema a ser tratado no texto, de modo claro e sintético,
para que o leitor possa, durante toda a leitura da dissertação, ter um
assunto como referência necessária (tópico frasal);
b) etapa intermediária: trata-se de uma etapa destinada à elaboração de
uma tese propriamente dita, sempre a partir de uma ou mais hipóte-
ses: nessa etapa, ainda, o autor procura adiantar seu ponto de vista
sobre determinado aspecto do tema ou sobre o tema como um todo,
a fim de, posteriormente, argumentar contrária ou favoravelmente ao
mesmo;
c) etapa final: trata-se de uma etapa conclusiva, em que o autor procu-
ra defender ou combater a tese e a(s) hipótese(s) levantada(s) ante-
riormente: é nessa etapa especificamente que devemos concentrar os
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nossos argumentos mais consistentes, já que teremos de levar o lei-


tor a concordar com as ideias expostas no texto.

Como acabamos de ver, a argumentação depende, basicamente, de


um encadeamento lógico de etapas destinadas a levar nossas ideias a
um bom termo e nossos argumentos ao êxito, isto é, à sua aceitação por
parte do leitor. O processo argumentativo não se limita nem se caracte-
riza, assim, por procedimentos aleatórios de convencimento do leitor,
mas pela articulação racional de fases diferentes da construção textu-
al, que – e isso é importante – não precisam vir necessariamente na or-
dem acima apresentada.
Vejamos como isso pode se apresentar num texto jornalístico par-
ticularmente marcado por processos de argumentação, como são os
editoriais:

A economia brasileira vem passando por transfor-


mações importantes na sua estrutura produtiva e na
oferta de empregos. Um dos aspectos mais visíveis
dessas mudanças é a menor oferta de empregos no
setor industrial; os jornais têm noticiado a perda de
cerca de 67 mil empregos na indústria nesse ano.
A perda de empregos no setor industrial é um proces-
so que se observa em quase todos os países industria-
lizados e em vários países em desenvolvimento mais
Maurício Silva - 139

avançados. Em comum há o fato de que os ganhos de


produtividade na indústria, com os novos processos
industriais altamente informatizados, representam
uma profunda mudança tecnológica que ainda deve
avançar mais. [...]
Na América Latina, a participação da indústria no
PIB também vem caindo. Essa participação era de
33% do PIB do Brasil em 1980 e caiu cerca de 25%
em 1995. Na Argentina, o recuo foi de 29% para
20% no mesmo período.
A maior parte dos empregos perdidos na indústria
terá de ser compensada por ocupações no setor de
serviços. Mas no Brasil tende-se a pensar esse se-
tor como sendo quase exclusivamente o comércio.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Ora, há limites na criação de empregos no comércio


também.
Os dois setores que podem empregar mais gente
são profissionais de apoio na área de saúde e na
educação. A população vem demandando mais
atenção a essas áreas, mas, infelizmente, prefere-
-se dar grandes incentivos fiscais a montadoras de
automóveis em vez de dedicar mais recursos aos
setores mencionados.
Na medida em que o país cresça, será necessário
gastar mais com saúde e educação. Falta o governo
acordar para essa realidade. (Folha de São Paulo,
21.10.1997).

É lógico que nesse texto há uma série de procedimentos que se in-


tegram para compor uma dissertação, sejam eles relativos à organização
textual (introdução, desenvolvimento, conclusão), sejam ligados a ou-
tros aspectos específicos da dissertação (como objetividade e credibili-
dade). Mas é possível, por exemplo, perceber momentos em que aquelas
três etapas do processo argumentativo, acima aludidas, são ressaltadas:

a) primeira etapa: estabelece-se o tema, que aqui pode ser subdivido


em duas partes: as transformações por que vem passando a econo-
mia brasileira (primeiro parágrafo) e a menor oferta de emprego no
setor industrial (primeiro parágrafo);
140 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

b) segunda etapa: tendo sido colocada propositadamente no final do ar-


tigo, a tese exposta pelo autor desdobra-se, igualmente, em duas: os
dois setores que mais deverão empregar no futuro são aqueles liga-
dos à área da saúde e da educação (quinto parágrafo); e, com o cres-
cimento do país, o governo será obrigado a gastar com esses dois
setores (sexto parágrafo);
c) terceira etapa: a defesa da tese feita pelo autor pode ser encontrada,
direta ou indiretamente, em vários momentos do texto, dos quais des-
tacamos dois: na América Latina a participação da indústria no PIB
vem caindo consideravelmente (terceiro parágrafo); e a maior parte
dos empregos perdidos na indústria deverá ser compensada pelo se-
tor de serviços (quarto parágrafo).
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Como dissemos, o artigo reproduzido – embora não respeite a se-


quência das etapas sugeridas antes – pode ser considerado um texto ar-
gumentativo ou, no mínimo, um texto cujos procedimentos relacionados
à argumentação são bastante salientes. No final das contas, o importante
mesmo é que, no conjunto, o texto convence, isto é, cumpre sua função
argumentativa, levando o leitor a concordar com (ou, pelo menos, con-
siderar) as ideias do autor. Trata-se, sem dúvida alguma, de uma disser-
tação de natureza argumentativa.
Um outro fator que pode ser considerado nessa abordagem da per-
ceptibilidade textual é aquele que podemos desdobrar em simplicida-
de e clareza. De fato, um dos principais méritos que uma dissertação
pode ter é o da simplicidade e o da clareza, o que depõe contra uma
ideia muito popular de que texto bom é texto difícil, hermético, denso.
Ao contrário, podemos afirmar sem receio que um texto bem escrito é,
sobretudo, aquele que se esteia nas duas colunas acima citadas, isto é,
um texto simples e claro. Simplicidade não quer dizer mediocridade:
um texto pode ser original, instigante, inteligente, mas vazado numa
linguagem simples e moldado por uma concatenação lógica das ideias.
Da mesma forma, clareza não quer dizer primariedade, mas se refere a
uma utilização adequada dos elementos que compõem a linguagem do
texto e promovem a articulação de suas ideias.
Talvez, tudo isso possa ser resumido por um único conceito: so-
briedade ou parcimônia. É o que sugere, por exemplo, um dos grandes
estudiosos de nossa língua: “no bom estilo não se diz nem de mais nem
Maurício Silva - 141

de menos; diz-se o que é preciso, na medida exata do que se pensa e


sente, com vigor e com clareza. E, pecar por pecar, antes pecar por so-
briedade do que por inútil sobrecarga de palavras” (LAPA, 1975, p. 8).
A simplicidade, por exemplo, pode ter relação com a utilização de
frases curtas, não subordinadas ou com uma subordinação correta, sem
exageros. A clareza, por sua vez, pode ter relação com o emprego cons-
ciencioso dos vocábulos, que não devem ser polissêmicos ou ambíguos.
Ambos os conceitos – clareza e simplicidade – devem-se articular, no
intuito de tornar o texto mais comunicativo. Analisemos dois textos hi-
potéticos abaixo transcritos:

Atualmente, com o avanço do desenvolvimento científico,


as relações pessoais, que antigamente eram mais gostosas
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e quentes, porque as pessoas dispunham de mais tempo e


podiam se encontrar mais e também porque não tinham
medo umas das outras, como ocorre hoje em dia, em que
são mais frias e distantes, como se pode perceber com o
que acontece com a Internet, onde as pessoas conversam,
trocam ideias, estabelecem as mais diversas relações por
meio da máquina e não pessoalmente, sem contato próprio,
o que acaba acarretando um distanciamento entre os seres-
-humanos, tornando-os mais frios, mais distantes.

Atualmente, com o avanço do desenvolvimento científico,


as relações pessoais, são menos humanas e mais distantes.
Antigamente, eram mais incisivas e calorosas, seja porque as
pessoas dispunham de um tempo maior, podendo encontrar-
-se com mais frequência, sem que isso lhes causasse medo;
seja porque não tinham receio umas das outras. Hoje em dia,
a distância parece ter aumentado, como se pode verificar com
o que acontece com a Internet: as pessoas conversam, trocam
ideias, estabelecem as mais diversas relações por meio da
máquina, mas sem contato próprio. Isso acaba acarretando
um distanciamento entre os seres-humanos, tornando-os
mais insensíveis e isolados.
142 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

Embora as modificações sofridas pelo primeiro texto pareçam ir-


relevantes e mínimas, foram essenciais para uma melhor compreensão
da mensagem. Primeiro, aproximou-se o sujeito da primeira oração (“as
relações pessoais”) com o seu predicado (“são mais frias e distantes”,
transformado em “são menos humanas e mais distantes”). Segundo,
procurou-se diminuir a extensão dos períodos, eliminando algumas su-
bordinações, o que tornou o texto mais enxuto. Terceiro, eliminaram-se
algumas redundâncias, sobretudo a repetição de vocábulos e expressões
(frias, distantes, pessoalmente, porque). Quarto, retiraram-se do texto
termos que podem ter um sentido ambíguo ou pouco claro, substituin-
do-os por outros (gostosas x incisivas, quentes x calorosas, mais frias
x menos humanas, frios x insensíveis). Quinto, suprimiram-se também
termos que pudessem ser substituídos por sinais de pontuação (onde,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

o que) ou conjunções (mas). Sexto, optou-se por uma disposição das


ideias pautada no confronto (atualmente x antigamente) ou na alternân-
cia (seja/seja), o que ressalta aspectos argumentativos do texto. O resul-
tado é que o segundo texto revela-se, sobretudo, mais simples e claro,
enquanto que o primeiro, mais hermético e obtuso.
Outros fatores devem ainda ser levados em consideração, como a
precisão, a ênfase e a concisão textuais. No que diz respeito à precisão,
devemos nos lembrar de que a melhor forma de expor um determinado
assunto é não usar de subterfúgios ou tergiversações, indo diretamente
ao cerne do tema, àquilo que realmente importa para a economia do tex-
to: rodear excessivamente um tema, sem tratá-lo com parcimônia e rigor,
revela falta de domínio do tema pelo autor, o que pode, inclusive, afetar
sua credibilidade. Com relação à ênfase, vale a pena lembrar que a coe-
rência de um texto se dá também pela recorrência de suas ideias centrais,
o que, além do mais, auxilia o leitor na compreensão do assunto tratado e
na memorização do mesmo; não se deve confundir, nesse quesito, ênfase
(necessária) com repetição ou redundância (desnecessárias). Finalmente,
no que se refere à concisão, conceito que, de certo modo, resume os dois
outros acima citados, lembramos que sua principal função é tornar o tex-
to mais “dinâmico”, assimilável e legível: vai precisamente de encontro
a um vício muito comum nas redações, que é a redundância.
Não podemos encerrar essas considerações sem antes dizer que
um dos fatores mais importantes na formação do que aqui chamamos
de perceptibilidade textual refere-se à informação contida no texto. Do
ponto de vista da decodificação do texto, há basicamente dois tipos de
Maurício Silva - 143

informações: aquela que configura um texto quente (em que as infor-


mações estão mais condensadas) e aquela que conforma um texto frio
(em que as informações estão mais diluídas). No primeiro tipo de texto,
portanto, as informações encontram-se bastante concentradas, expostas
sem detalhamento dos temas, com uma linguagem erudita; já no segun-
do tipo, estas informações apresentam-se de uma maneira mais clara,
menos opaca, já que ele contém uma série de recursos utilizados com
a finalidade de explicar melhor as ideias ali contidas. Podemos ainda
classificar os dois tipos de texto, a fim de melhor compreendê-los, de
texto intensivo e texto extensivo (BLIKSTEIN, 1991).
A opacidade e a falta de um espírito de detalhamento ao se escre-
ver um texto, embora não sejam um defeito no sentido estrito do termo,
podem comprometer seu entendimento e representar, ao leitor pouco ha-
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bituado com o assunto tratado, dificuldades de intelecção. O ideal numa


dissertação é que se procure tornar o texto o mais “frio” possível, isto
é, mais evidente e translúcido, para que suas informações possam ser
compreendidas pelo leitor na sua integridade, para que nada fique su-
bentendido ou ignorado. Há, como acabamos de sugerir, algumas for-
mas práticas de realizar esse “esfriamento” do texto, como o uso de
conjunções/expressões explicativas, o esclarecimento de fatos obscu-
ros, a comparação e outros. Comparemos os textos que seguem, a fim
de analisá-los sob a perspectiva da decodificação das informações:

O modelo de privatização da telefonia ganhou con-


tornos definidos: o Sistema Telebrás será dividido
em três grandes holdings regionais; no prazo de três
a cinco anos, o regime de competição será aberto em
todo o País; a Embratel terá reserva de mercado para
a telefonia internacional, mas sofrerá concorrência
nas ligações interurbanas de longa distância. (O
Estado de São Paulo, 25.10.97).

O modelo de privatização da telefonia ganhou contornos de-


finidos: o Sistema Telebrás, que administra todo o complexo
de telefonia do Brasil, será dividido em três grandes hol-
dings regionais (conjunto de companhias em que o controle
acionário é divido entre seus integrantes); no prazo de três
a cinco anos, o regime de competição será aberto em todo o
144 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

País; a Embratel – Empresa Brasileira de Telecomunicações


– terá reserva de mercado para a telefonia internacional, isto
é, dominará sozinha todas as ligações realizadas para fora
do país, mas sofrerá concorrência nas ligações interurbanas
de longa distância. (Adaptação).

Embora não seja correto considerar o primeiro texto inadequado


(na verdade, ele cumpre um dos princípios fundamentais do jornalismo,
que é a concisão), é evidente que o segundo encontra-se muito mais in-
formativo, já que há uma sequência de elementos explicativos que aca-
bam por evidenciar uma série de elementos eventualmente obscuros a
um determinado leitor. Esse é um dos principais recursos empregados
no “esfriamento” dos textos, já que o autor deve partir do pressupos-
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to de que nem todo mundo tem conhecimento de informações veladas


contidas no texto. Assim, um eventual leitor pode não saber o que é
exatamente o Sistema Telebrás; não compreender um termo técnico e
proveniente de uma língua estrangeira, como holding; não se lembrar
do nome literal da sigla Telebrás; ou, finalmente, não entender muito
bem o que vem a ser uma reserva de mercado para a telefonia inter-
nacional. Note-se que isso ainda é mais verdadeiro, na medida em que
nem mesmo na adaptação do texto foi possível esclarecer o que o autor
quis dizer com ligações interurbanas de longa distância, já que não foi
especificado o que o governo entende, aqui, por longa distância. O lei-
tor, consequentemente, ficou sem saber, precisamente, em que tipo de
ligações a Telebrás sofrerá concorrência das empresas privadas, o que
para ele pode ser fundamental. De qualquer maneira, o segundo texto
revela-se mais “frio” do que o primeiro, procurando tornar as informa-
ções mais transparentes ao leitor.
Em suma, enquanto podemos dizer que o texto quente contém ideias
latentes, o texto frio, em contrapartida, contém ideias patentes, o que, do
ponto de vista da decodificação, apresenta uma funcionalidade maior e
mais ativa, motivo pelo qual este último deve ser preferido pelo autor
no momento de redigir sua dissertação.
Maurício Silva - 145

Vimos, até agora, quais são os elementos que, de um modo geral,


compõem a estrutura de uma dissertação, sobretudo de uma dissertação
de natureza científica, ligada à pesquisa acadêmico-profissional. Não po-
deríamos encerrar esse capítulo sem tratarmos, ainda que de modo su-
perficial, dos defeitos que um texto dissertativo pode apresentar, a fim
de podermos contrastar erros e acertos e, finalmente, chegar a um bom-
-termo no que diz respeito à melhor maneira de proceder na confecção
da dissertação. E nisso consistirá nossa conclusão!
Nesse sentido, podem-se destacar três tipos básicos de defeitos:
aqueles ligados aos vocábulos, a que podemos chamar de defeitos de
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conceitos; aqueles ligados à linguagem, a que podemos chamar de de-


feitos de coesão; e aqueles ligados às ideias, a que podemos chamar de
defeitos de coerência.
No primeiro caso, defeitos de conceitos, devemos nos preocupar
principalmente com a utilização adequada dos vocábulos que compõem
o texto, para que não haja uma divergência significativa entre esses e a
estrutura do texto. Assim, devem-se evitar, por exemplo, conceitos ge-
néricos (sobretudo aqueles que podem ser caracterizados como polissê-
micos), conceitos contraditórios ou conceitos incorretos. A utilização de
vocábulos que se enquadram nesses conjuntos pode comprometer de-
finitivamente a dissertação, já que os mesmos acabam comprometendo
a própria compreensão das ideias ali contidas. O emprego de concei-
tos genéricos torna a dissertação ambígua, inconsistente e pouco cla-
ra; o emprego de conceitos contraditórios compromete a lógica mesma
do texto, um dos principais fundamentos da dissertação; o emprego de
conceitos incorretos simplesmente inviabiliza o entendimento total ou
parcial do texto, fazendo com que o autor exponha ideias contrárias e/
ou diferentes daquelas que deveriam estar presentes na dissertação.
No que diz respeito aos defeitos de coesão, podemos dizer que
eles comprometem a própria linguagem da dissertação, já que podem
tornar um texto, no mínimo, “truncado” e, no máximo, ininteligível. É
uma das falácias que mais dificultam a compreensão do texto, porque
atua diretamente na sua organização linguística, podendo fazer com
que o leitor simplesmente não decodifique as mensagens ali contidas.
Podemos citar pelo menos três espécies de comprometimento do tex-
146 - Aspectos da produção textual: o trabalho com as ideias no texto dissertativo

to num nível linguístico, relacionadas ao uso de pronomes, de conjun-


ções ou da pontuação.
Finalmente, temos que atentar também para os defeitos de coerên-
cia, relativos às ideias que perfazem o texto. Para que uma dissertação
cumpra aquela que talvez seja sua principal função – a comunicação
–, é necessário que as ideias ali contidas estejam logicamente entrela-
çadas, isto é, estabeleçam entre si uma relação de necessidade: uma
ideia deve, necessariamente, levar a outra – que lhe é complementar –,
a qual, por sua vez, pressupõe uma terceira ideia, e assim por diante. É
esse encadeamento, no final das contas, que permite à dissertação atin-
gir sua completude ou, como dissemos anteriormente, sua textualidade.
Entretanto, para se obter êxito nesse desígnio é necessário estar atento
não somente para o modo como as orações estão organizadas no tex-
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to (o que tem a ver mais com problemas de coesão), mas para o modo
como o conteúdo dessas orações está exposto, a fim de que o produto
final não seja um texto bem redigido, bem encadeado, porém sem fun-
damento ideológico.
Nesse sentido, deve-se tomar cuidado, por exemplo, para que a
dissertação não contenha frases vazias de sentido ou frases deslocadas,
com ideias subentendidas. Quando falamos em frases vazias, estamos
nos referindo exatamente àquelas frases cujo conteúdo revela-se com-
pleta ou parcialmente pobre, sem que se possa depreender nenhum sig-
nificado expressivo para o texto, chegando, às vezes, a atentar contra o
“bom senso”. O mesmo pode-se dizer a respeito das frases deslocadas,
aquelas que contém ideias subentendidas, isto é, não explícitas. Esse é
um dos defeitos mais comuns, encontrado geralmente em redações es-
colares, pelo próprio fato de se tratar de um texto escrito por indivíduos
que nem sempre dominam muito bem as categorias estruturais da dis-
sertação, por falta de hábito, desatenção ou carência de qualificação. É
comum, por isso, encontrarmos períodos incompletos: com introdução,
mas sem conclusão; com causa, mas sem efeito; com premissa, mas sem
finalização; com proposição, mas sem inferência. Isso acontece, em ge-
ral, porque o autor manipula ideias subentendida, que estão presentes
apenas em sua mente ou em seu projeto, mas não no texto, onde real-
mente elas deveriam aparecer. Consequentemente, esse defeito acaba se
traduzindo num texto sem sentido, com ideias falhas e sem coerência.
E isso é tudo o que uma dissertação não deve ser!
Maurício Silva - 147

ABREU, Antônio Suárez. Curso de redação. São Paulo: Ática, 1991.


BLIKSTEIN, Izidoro. Técnicas de comunicação escrita. São Paulo: Ática,
1991.
BOAVENTURA, Edvaldo. Como ordenar as idéias. São Paulo: Ática, 1990.
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FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1991.
FÁVERO, L.L & KOCH, I.G.V. Linguística textual: introdução. São Paulo:
Cortez, 1983.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portu-


guesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
GARCIA, Othon Maria. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro:
FGV, 1983.
GUIMARÃES, Elisa. A articulação do texto. São Paulo: Ática, 1990.
JAUSS, Hans Robert. Tradição literária e consciência atual da modernidade.
In: OLINTO, Heidrun Krieger. Histórias de literatura: as novas teorias ale-
mãs. São Paulo: Ática, 1996.
LAPA, M. Rodrigues. Estilística da língua portuguesa. Coimbra: [S.l.], 1975.
MAY, Rollo. Amor e vontade: Eros e repressão. Petrópolis: Vozes, 1992.
SAYEG-SIQUEIRA, João Hilton. O texto: movimentos de leitura, táticas de
produção, critérios de avaliação. São Paulo: Seliunte, 1990.
SERAFINI, Maria Teresa. Como escrever textos. São Paulo: Globo, 1997.
TORRINHA, Francisco. Dicionário latino português. Porto: Gráficos
Reunidos, 1983.
TOURAINE, Alain. Palavra e sangue: política e sociedade na América Latina.
Campinas, SP: Trajetória Cultural/Unicamp, 1989.
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Sobre os autores - 149

Cristina Munhão
Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Mackenzie,
Pós-Graduada em Literatura brasileira e Gramática pela Universidade
Metodista e Graduada em Letras pela Universidade São Judas Tadeu.
Atuou como Professora das Cadeiras de Redação Publicitária e
Comunicação e Expressão do Curso de Publicidade e Propaganda da
UNINOVE e também como revisora e corretora de textos no processo
seletivo UNINOVE.
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Lane Gatto Ferreira


Graduada em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
(1979), Curso de extensão universitária em Literatura Comparada pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie (1980). Graduada em Pedagogia
a Administração Escolar pela Universidade Bandeirantes de São Paulo
(2003). Pós-Graduada em Formação de Docência para o Ensino Superior
pela Universidade Nove de Julho – UNINOVE (2008). Curso para mi-
nistrar aulas em EAD pela Universidade Nove de Julho – UNINOVE
(2010). Atuante no magistério desde 1979 com Ensino Fundamental I,
II, Médio e Técnico profissionalizante.
lane.gatto.ferreira@globo.com; lanegf@uninove.br

Lídia Spaziani
Há 27 anos envolve-se com o ensino e a aprendizagem especifica-
mente no Ensino Superior. As áreas de interesse são Inglês em Língua,
Literatura, Prática de Ensino e Metodologia, Português em Língua,
Metodologia e Prática. Leciona na UNINOVE há dezesseis anos e na
UNIP na Coordenadoria de Estágios em Educação. Concluiu o Mestrado
em Filologia e Língua Portuguesa (USP) e, atualmente, é Doutoranda
pela FFLCH-USP.
lidialiss@hotmail.com; lidialis@uninove.br
150 - Sobre os autores

Marcello Ribeiro
Tem 23 anos de experiência no magistério, sendo 15 no ensino su-
perior. É Doutor em Língua Portuguesa pela USP, pelo Departamento de
Filologia. Tem Mestrado em letras pela PUC/SP e também em Educação
pela Metodista /SP. Leciona a disciplina de Comunicação e Expressão
na UNINOVE para os cursos de Publicidade e Propaganda e Jornalismo.
marcelloribeiro@uninove.br

Maurício Silva
Possui doutorado e pós-doutorado em Letras Clássicas e Vernáculas
pela Universidade de São Paulo; é professor do Programa de Mestrado
e Doutorado em Educação, na Universidade Nove de Julho (São Paulo);
atuou como pesquisador da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
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de 2012 a 2013 e, atualmente, é pesquisador residente da Biblioteca


Brasiliana Guita e José Mindlin, da Universidade de São Paulo; é autor
de livros diversos, como A Hélade e o Subúrbio. Confrontos Literários
na Belle Époque Carioca (São Paulo, Edusp, 2006), A Resignação dos
Humildes: estética e combate na ficção de Lima Barreto (São Paulo,
Annablume, 2011), O Sorriso da Sociedade. Literatura e Academicismo
no Brasil da Virada do Século (1890-1920) (São Paulo, Alameda,
2012)  entre outros.
mauriciosilva@uninove.br

Nádia Conceição Lauriti


Mestre em Língua Portuguesa pela PUC/SP (1990). Especialista em
Avaliação Institucional (2002) pela UnB. Especialista em Programação
Neurolinguística (1996) pela UNAERP. Especialista em Linguística/
Semântica e Filologia (1975) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras Oswaldo Cruz. Especialista em Língua Francesa e Literatura
Portuguesa (1973) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
Oswaldo Cruz. Graduada em Pedagogia pela Universidade Nove de
Julho (1979) e em Letras (1972) pela Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras Oswaldo Cruz.
nadia@uninove.br
Sobre os autores - 151

Thiago Lauriti
Doutorando e mestre em Letras pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-
USP). Especialista em Direito Constitucional (Direitos Humanos)
pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP), em Psicopedagogia
Clínica e Institucional e em Docência Universitária pela Universidade
Nove de Julho (UNINOVE). Bacharel em Letras (Língua Portuguesa)
pela (FFLCH-USP) e Licenciado em Língua Portuguesa pela (FE-
USP). Bacharel em Direito e licenciado em Pedagogia pela UNINOVE.
Avaliador (parecerista) da Revista da FUNDARTE – Fundação
Municipal de Artes de Montenegro, Rio Grande do Sul, Brasil.
thiagolauriti@uninove.br
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Wendel Cássio Christal


Graduado em Letras, Português e Italiano e Mestre em Letras,
Teoria da Literatura, pela UNESP – Universidade Estadual Paulista.
Atualmente é doutorando em Educação pela UNINOVE – Universidade
Nove de Julho, onde atua também como docente na graduação em
Pedagogia; e doutorando em Letras pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
wendel@uninove.br
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