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Elaboradores:
Nance M. Nascente Gomes
e Pedro Gomes Neto
I. A Filosofia Grega
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Por volta do século XII a.C. os dórios chegam às proximidades do mar Egeu. Inicia-se,
aí, as civilizações micênicas, que se desenvolveram com ligações estreitas com a civilização
cretense e com contatos com os povos orientais.Os Dórios vieram do norte e dominaram a
região. Embora sejam da mesma linhagem de formação étnica dos aqueus, os dórios
apresentavam níveis civilizatórios menos acentuado do que aqueles. No entanto, possuíam
extraordinária habilidade e incontestável superioridade no tangente ao uso de utensílios e
armas de ferro, o que decidirá as invasões dóricas sobre os micênicos, que permaneciam na
idade do bronze.
A partir deste momento, o cenário filosófico começa a se formar, só se concretizando no
século VI a.C. Da Jônia surgem as epopéias homéricas e as primeiras formulações filosóficas e
cientificas teóricas dos pensadores de Mileto, Samos e Éfeso: Tales, Anaximandro e
Anaxímenes, Pitágoras, Heráclito. No entanto, considera-se Mileto como sendo o berço da
filosofia e como primeiros filósofos: Tales (cerca de 625/4-558/6 a.C.), Anaximandro (cerca de
610-547 a.C.) e Anaxímenes (cerca de 585-528/5 a .C.).
A filosofia nasce na Grécia Antiga, basicamente em Mileto, e sua intenção foi e é
alcançar a verdade. A própria palavra filosofia refere-se a isso. Se considerarmos que o termo
sophós, sapiente, termo base à palavra sophia, tal como o adjetivo Saphés (“clãs”, “verdadeiro”
etc) e que phaós, “luz”, então “filosofia” significa o interesse por tudo aquilo encontrando-se
sobre a luz afaste-se da escuridão. Ou seja, “filosofia” significa o interesse pela verdade, a
busca da verdade, pelo menos no momento emergente deste saber.
O nascimento da filosofia é marcado pela preocupação dos homens no que diz respeito à
busca da verdade das coisas e dos seres, relegando a explicação mitológica e assumindo uma
interpretação racional do mundo, do homem e do saber. Este saber tem características próprias
no século VI a.C., quando emerge a filosofia com Tales, Anaximandro e Anaxímenes, todos de
Mileto.
Tales, Anaximandro e Anaxímenes tentaram conceber um princípio unificador de tudo
que há no mundo. Princípio este que fosse racional, mundano e que não se rendesse às
explicações mitológicas, vigentes naquela época. Segundo Tales, a água era o elemento
unificador de tudo que há no mundo. Para Anaxímenes, o ar era o que mantinha a ordem do
Kósmos. Anaximandro defendia que o indeterminado e não a água ou o ar era o “elemento”
que congregava todas as coisas e seres distintos no mundo. Portanto, o início de filosofia é
marcado pela busca de um ponto fixo, unificador e racional que pudesse, a partir dele, orientar
os homens na busca da essência de todas as coisas.
1.3 – Os Pré-socráticos
Não se sabe ao certo a data de sua existência. Sabe-se, no entanto, que Heráclito viveu
entre os séculos VI e V a.C. De personalidade forte e caráter desconcentrado bem como
temperamento esquivo e desdenhoso, Heráclito foi considerado o filósofo obscuro. Deixou-nos
fragmento de uma obra que, segundo contam alguns especialistas em filosofia antiga, teria
escrito sob o título Sobre a Natureza.
Primeiro filósofo representante da corrente dialética, Heráclito teria iniciado o contexto no
qual aparecerá a palavra dialética, expressão que, doravante, nunca mais saiu do cenário
lingüístico do campo filosófico. Concebia a natureza como algo dinâmico, em fluxo constante,
daí ser considerada sua filosofia como mobilista. Segundo sua filosofia, tudo estava em fluxo
constante; tudo se transformava constantemente, movido pela luta entre contrários. Dizia
Heráclito que dos contrários nasce a mais pura harmonia.
Filosoficamente, seu pensamento ficou marcado pelo atributo da tese por ele defendida
de que os seres e as coisas estão em fluxo constante, em vir-a-ser, em movimento. Heráclito
defendia a tese de que há uma eterna mudança, a realidade é um éter, muda-se
constantemente e a todo tempo. Por esse motivo estamos numa mudança sem fim, num devir
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constante.
Heráclito foi muito divulgado por sua célebre frase: “ninguém entra por duas vezes no
mesmo rio”. Na primeira vez que se entra em um rio, tanto o rio quanto o homem são
determinados. Na Segunda vez, tudo já mudou, eu não sou o mesmo homem nem ele é o
mesmo rio. Tudo muda, tudo se transforma. Estamos em fluxo constante de mudança de devir,
num vir-a-ser permanente.
Parmênides nasceu em Eléia e viveu entre 510 a 470 a.C., aproximadamente. Ficou
conhecido como o filósofo que se opôs à filosofia de Heráclito. Segundo Parmênides, só há
duas formas de como interpretar a natureza: o caminho da filosofia, da razão, da essência, do
ser e o da opinião, da crença, da ilusão, o caminho de Heráclito.
Para Parmênides, só o ser é e somente ele pode ser pensado. O não-ser, ou o vir-a-ser,
não é e, por não ser, não pode ser pensado. Heráclito defendia exatamente o contrário da
filosofia parmenídica: tudo está em vir-a-ser constante. Segundo Parmênides, para que uma
coisa se movimente, se transforme, se altere é necessário, antes de tudo, ser alguma coisa.
Portanto, inicialmente há o ser. Isto não quer dizer que Parmênides aceite a tese da mobilidade,
do movimento, defendida por Heráclito.
Um discípulo de Parmênides, Zenão de Eléia que viveu aproximadamente entre 488-430
a.C., também pertencente à escola dos pensadores eleáticos, tentou demonstrar que a própria
noção de movimento era falsa e que, portanto, só havia repouso. O paradoxo de Zenão tenta
defender que só há repouso e nada se transforma na natureza. O exemplo por ele empregado
trata da corrida de Aquiles para alcançar certa tartaruga.
A aporia de Zenão levanta uma hipótese inicial de que Aquiles andaria sempre a metade
do espaço restante entre ele e a tartaruga. Andando sempre a metade do espaço restante, a
pergunta de Zenão se norteia pela possibilidade ou noção de Aquiles alcançar a tartaruga.
Andando a metade do espaço restante, perguntava Zenão, Aquiles conseguiria ou não alcançar
a tartaruga? Se se anda sempre a metade do espaço restante, do espaço que há entre Aquiles
e a tartaruga, este nunca haveria de alcançar a tartaruga. Sempre haveria um espaço restante,
certa distância entre Aquiles e a tartaruga.
A conclusão da aporia de Zenão é que se Aquiles nunca alcança a tartaruga, pois
sempre haverá um espaço entre ele e a tartaruga, o movimento é ilusório e só há repouso, tese
defendida por seu mestre Parmênides. Só há o ser; o movimento é ilusório, esta é a tese de
Parmênides e a intenção de Zenão: provar que Heráclito estava errado e que só há repouso e
não movimento constante.
Segundo um número considerável de especialistas há, no surgimento da filosofia, certa
divisão temática que distancia os primeiros pensadores: Tales, Anaximandro e Anaxímenes dos
seus sucessores: Pitágoras, Heráclito e Parmênides. Os primeiros são considerados
pensadores cosmológicos, pois se interessavam com os problemas da ordem cósmica. Os
últimos, Pitágoras, Heráclito e Parmênides estariam interessados com as questões ontológicas
e não exatamente cosmológicas.
2 – Platão
2.1 – Sócrates: ironia e aporia
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corpos. Essas essências não nos pertencem nem foram criadas por homem algum. Dessa
forma, por mais que saibamos sobre o mundo dos corpos no que tange às essências, às
coisas-em-si-mesmas, às idéias dos seres e das coisas, nada de verdadeiro saberemos. Por
esse motivo somos todos ignorantes e nada sabemos, a não ser que saibamos que nada
sabemos. Mas essa afirmação tem cunho irônico porque Sócrates, ao ser julgado, queria
afirmar que ele sabia nada saber e não se atrevia a julgar nenhum homem. No entanto, seus
juízos achavam-se sabedores da verdade e o julgavam. A assertiva “tudo que sei é que nada
sei” serve a Sócrates como parte de um discurso no qual ele, ironicamente, defende saber mais
do que os outros, aqueles que o julgavam. E exatamente por saber que não sabia verdade
alguma, não tinha a pretensão de julgar qualquer homem ou coisa que fosse. Assim sendo,
Sócrates queria dizer o contrário do que afirmava: “sei que nada sei”. Pretendia o filósofo dizer
que sabia mais do que seus juízes e por isso mesmo não julgava ninguém.
2.1.2 – Aporia
Platão viveu na Grécia por volta de 428/427 a 347 a.C., aproximadamente. Eminente
filósofo grego, Platão ficou conhecimento como um dos mentores da filosofia que florescia há
aproximadamente duzentos anos. Nascido em Atenas, Aristócles - nome verdadeiro de Platão -,
nos relata Aristóteles que seu mestre teria sido discípulo de Crátilo e seguidor de Heráclito. A
grandeza de seu saber nos inclina a pensar em um homem que ultrapassou sua formação
originária e conseguiu discutir problemas e apontar teses sobre diversas questões passíveis de
análises naquele momento histórico, ao mesmo tempo em que nos legou indagações e
reflexões sobre temas ainda hoje discutíveis.
Sua obra é vasta. Platão nos deixou trinta e seis trabalhos, trinta e quatro diálogos, a
Apologia de Sócrates e as Cartas. Segundo Giovanni Reale – Historiador da Filosofia - e
seguindo a orientação do gramático Trasilo, baseando-se no conteúdo dos escritos de Platão, a
subdivisão da obra de Platão se daria em nove tetralogias:
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IV. Alcebíades I, Alcebíades II, Hiparcos, Os Amantes;
V. Teages, Cármides, Laqués. Lísis;
VI. Eutidemo, Protágoras, Górgias, Ménon;
VII. Hípias menor, Hípias maior, Íon, Menexeno;
VIII. Clitofonte, A República, Timeu, Crítias;
IX. Minos, As Leis, Epinome, Cartas.(Reale, 1990: 127).
A ‘Alegoria da Caverna’ é descrita por Platão em seu diálogo A República. Este, por sua
vez, é composto por dez livros. A ‘Alegoria da Caverna’ aparece no sétimo livro da obra
supracitada. Os livros anteriores discutem, dentre outros assuntos, sobre a educação e a
possibilidade de uma sociedade justa. De repente, surge tal caverna descrita por Platão. Trata-
se do início do livro sétimo da República. Relata Sócrates:
Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância.
Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses
homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoço acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem
ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma
fogueira acessa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada
ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias
que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.(Platão,
2000: 225).
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O interlocutor de Sócrates é Glauco. Após a descrição feita por Sócrates da caverna,
Glauco afirma que está acompanhando o relato de Sócrates. Platão, por intermédio de
Sócrates, continua a descrição da caverna. Diz Sócrates:
Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que o
transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre
esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.(Platão, 2000: 225)
Imagina ainda, diz Sócrates a Glauco, que há um muro e em cima dele passam seres de
todas as ordens: animais, vegetais e minerais, conduzidos por transportadores que passam
falando ou não. Ou seja, o fogo que arde atrás do muro incide luz nos objetos que passam em
cima do muro, gerando uma sombra no interior e parte mais baixa da caverna. Nesse instante
da análise da ‘Alegoria da Caverna’, Platão já nos apresenta a possibilidade de uma
interpretação sobre a educação. Há um muro e em cima dele passam seres de todas as
ordens. Arde um fogo atrás do muro que, por sua vez, lança seus raios nos objetos que
transpassam pelo muro. Quando os raios incidem nos objetos projetam-se sombras no interior
da caverna, local onde se encontram os homens acorrentados.
Os homens atados pelos pés e pescoço só podem ver o que se passa diante deles.
Voltados para o interior da caverna, estes somente se refeririam aos objetos que foram
projetados pela luz do fogo ao interior da caverna. Esses homens só podem ver o que lhes são
dispostos, o que está diante deles, no interior da caverna, lá embaixo. Se o fogo incidiu nos
objetos que passavam em cima do muro e esses foram refletidos no interior da caverna, os
homens acorrentados só poderiam ver as sombras desses objetos e não eles próprios.
Glauco se espanta com tal descrição e se refere a Sócrates dizendo se tratar de um
quadro estranho e de estranhos prisioneiros. Que caverna é essa? Que homens e correntes
está-se referindo? Que situação esquisita é essa de, após seis livros discutindo sobre
educação, justiça etc, Sócrates apresenta certa caverna subterrânea, com homens
acorrentados, muro, fogo, sol? Por que a alusão a uma caverna?
Mais curioso ainda é a resposta de Sócrates: “Assemelham-se a nós”. Nós somos a
própria caverna-prisão. Somos educados desde a infância a olhar o mundo da forma como nos
propõem as pessoas com as quais convivemos. Desde crianças somos atados às
interpretações que as outras pessoas fazem do mundo. Essas direcionam nossos olhares ao
imediato e simples.
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Platão faz distinção hipotética entre dois mundos. Um superior, denominado mundo das
idéias, inteligível. Este se dispõe em Idéia e idéias, representadas pelo Sol e pelo fogo,
respectivamente. A Idéia seria a verdade, as idéias, as essências. Abaixo do mundo inteligível
encontra-se o mundo das sombras, sensível. Este, por sua vez, relaciona-se ao muro e aos
homens e sombras, no interior da caverna. Nele encontramos o imediato e simples, os corpos.
Assim, podemos escolher na hora de decidirmos sobre a educação. Ou instruímos e aí
nos encontramos no mundo dos objetos e das sombras, instruindo as crianças a olharem o que
está diante delas, como imediato e simples, ou, então, nos decidimos pela educação e aí nos
encontramos no mundo inteligível, mundo das idéias.
Suponhamos que um desses homens que se encontram acorrentados consiga soltar
suas amarras e se encaminhar à luz (ao mundo das idéias (essências) e, depois, à Idéia
(verdade)). Lá chegando veria que os seus amigos da caverna-prisão tomam por verdade os
corpos, o sensível das coisas e não as próprias coisas, suas essências, suas idéias. Dessa
feita, altera-se o olhar desse homem que conseguiu se libertar, ao mesmo tempo em que ele
sente a necessidade de falar aos outros, seus amigos de caverna, que haveria a possibilidade
de alterarem seus próprios olhares e ver as coisas de forma diferente daquela que foram
instruídos a ver.
Num primeiro momento, presencia-se a dialética ascensional. Trata-se da dialética que
sobe às luzes. Lembrem-se de que o mundo das sombras é também denominado Létheia,
escuridão, bem como o mundo das idéias é expresso por Alétheia, luz, claridade. A dialética é a
saída do mundo da escuridão ao mundo da luz, da verdade, real. A dialética ascensional é a
subida daquele que conseguiu se soltar do que o prendia no mundo sensível e se encaminhar
ao mundo da verdade, mundo das idéias e da Idéia.
Posteriormente à sua subida ao mundo da verdade, aquele que saiu da caverna tem a
tarefa de retornar ao mundo das sombras, o mundo da Alétheia e iniciar as pessoas que lá se
encontram ao caminho do conhecimento. Em termo figurado, fazer com que as pessoas
acorrentadas soltem suas amarras, por elas mesmas, e se encaminhem ao mundo da luz.
No entanto, pode parecer que o filósofo, aquele que conseguiu sair da caverna-prisão,
tem como, tarefa imposta exteriormente a ele, fazer com que os filósofos retornem ao mundo
das sombras e cumpra a sua missão. Não se trata de uma disposição nem imposta de fora para
dentro, nem mesmo por compaixão ou piedade que o filósofo se propõe a essa tarefa, mas
simplesmente pela possibilidade de manutenção de sua própria vida. Uma vez que alguns ou
até mesmo todos consigam ver que há a possibilidade de olhar o mundo de forma diferente da
das sombras, o filósofo estaria ao mesmo tempo iniciando as pessoas ao caminho do
conhecimento e possibilitando a si mesmo a tese socrática do conheça-te a ti mesmo. Sua
missão não é para os outros, mas para sua própria sobrevivência e, ao mesmo tempo, a de
todos.
Enfim, a tarefa do filósofo é a de um educador. Iniciar as pessoas ao caminho do
conhecimento é o que cabe àquele que conseguiu sair da caverna e ver que era educado via
sombras e não verdade. No entanto, educador é iniciar e não levar à força os acorrentados ao
saber. Cada um deve por si só soltar as suas próprias amarras e se encaminhar à verdade.
A antropologia filosófica platônica pode ser considerada, assim como seu sistema, uma
síntese entre a tradição pré-socrática, Sócrates e Sofistas. Da tradição pré-socrática, Pitágoras
e sua noção de Forma, Heráclito e o problema vir-a-ser e Parmênides e o fundamento no ser
dão testemunhos da articulação filosófica platônica. A noção de Forma irá contribuir
decididamente para a formulação da doutrina das idéias. O problema heraclítico do vir-a-ser
contribuirá para a formulação onto-lógica platônica com um princípio norteado pelo devenir (vir-
a-ser), pelo movimento, não-ser. Por outro lado, mas contribuindo para a arquitetônica do
pensamento filosófico platônico, encontra-se Parmênides e seu pensamento originário no
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mundo filosófico Grego: só o ser é e somente ele pode ser pensado. O não-ser não é, e,
portanto, por não ser, não necessita ser pensado, já que não é.
Inicialmente, essas três vertentes da filosofia pré-socrática corroboram com a síntese
platônica. “O ser, de certa forma, não é e o não-ser, de certa forma, é”, dirá Platão no diálogo
Sofista. Em outros termos, Platão sintetiza e articula as doutrinas de Parmênides e Heráclito,
culminando numa concepção de Idéia, muita influenciada por Pitágoras. O ser é e não é. O
não-ser não é e é. Há, em última instância uma participação do não-ser no ser. O princípio do
movimento fica garantido. Platão pensa ao mesmo tempo em Heráclito e Parmênides. No
entanto, sua articulação se completa à medida que Pitágoras o influencia no que tange à noção
de idéia. Aí, sim, Platão pode pensar na noção de participação e a um só tempo abordar o ser
em movimento numa síntese superior que vise à Idéia.
Numa primeira articulação, Platão arquitetona seu pensar filosófico na congruência das
filosofias de Heráclito, Parmênides e Pitágoras. Uma primeira elaboração de sua antropologia
filosófica pode ser sentida na influência dos pré-socráticos, na qual há relação imediata entre o
homem e o Kósmos. Num segundo momento, no entanto, aparece a necessidade de se discutir
a tradição sofística do homem como ser de Paidéia, ser de cultura, de discurso, de razão
destinado à vida pública. Há, também, a influência da filosofia de Sócrates e o problema da
psyché, da alma.
Segundo Henrique Vaz, no que tange à antropologia filosófica, em Platão congrega-se
duas forças teóricas. De um lado, os diálogos da morte (Apologia, Críton, Ménon, Fédon)
apresentam o tema do logos. Do outro, a idéia do homem é pensada na perspectiva do amor,
apresentada nos diálogos relativos à teoria do amor (Lisis, Banquete, Fedro).1 De um lado, o
logos nos apresenta a teoria das idéias. As idéias das coisas foram inscritas em nós. O
conhecer, nessa perspectiva, comunga com a reminiscência da alma em busca do Primeiro
Amigo, expressa no diálogo Lisis e corroborada com o mito da parelha alada, no Fedro. Neste,
uma carruagem mira a transcendência. Conduzida por um cocheiro e alguns cavalos, a
carruagem expressa pelo mito da parelha alada, aponta para a alma, o mundo das idéias.
Na República, a tricotomia da alma em racional, irascível e concupiscível conduz o
problema da antropologia ao plano da Paidéia, da formação do indivíduo à vida pública justa, na
unificação entre logos e Eros na perspectiva da contemplação entre as idéias do Belo e do
Bem. No Timeu também seria possível encontrar essa dimensão de simetria e proporção entre
logos e Eros com a descrição da formação do universo e da estrutura do corpo e da alma. O
homem é considerado na perspectiva da unificação do corpo com a alma, com a teleologia
(finalidade) da alma racional que possibilitaria a categoria da harmonia.
No Crátilo, Platão afirma que os homens são os únicos que contemplam o que vê. Os
outros animais não examinam o que vêem, nem o analisam nem o contemplam. O homem, ao
contrário, contempla e analisa o que vê. Este tem corpo e alma. Por psique ou alma indicam
que esta está no corpo como a causa da vida, o que a anima (Crátilo, 399d-e). A alma “... é o
que mantém e movimenta a natureza de todo corpo, para que este vive e se mova...” (Crátilo,
400a). A alma é o entendimento, “... o primeiro mantenedor e regulador da natureza” (Crátilo,
400a). A psique é a força que movimenta e mantém a natureza (ver Crátilo, 400b)
O corpo, por sua vez, é passível de várias interpretações. Basta que o modifiquemos.
Para o orfismo, o corpo (sôma) é a sepultura (sêma) da alma . É por intermédio do corpo que a
alma dá expressão ao que quer manifestar. Assim os órficos o denominam, por defenderem que
a alma sofre castigos pelas faltas que foram cometidas, sendo o corpo um receptáculo ou
prisão da alma até que ela cumpra a sua pena.
Num outro viés de leitura, os pressupostos da teoria sofística acerca da natureza
humana, da narração histórica, da relação entre convenção (nómos) e natureza (phýsis), do
individualismo relativista, o desenvolvimento progressivo cultural, do homem como ser de
necessidade e carência e do homem como ser de logos contribuíram decididamente na
formulação da antropologia filosófica platônica. Em suma, surge com os sofistas a concepção
do homem como logos, ou seja, ser de razão, animal racional e como ser de palavra, retórica.
1
Ver LIMA VAZ, H.-C. Antroplogia Filosófica I. são Paulo: Loyola, 1991, p. 36-37. (Col. Filosofia).
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Os sofistas defendiam a proposição de Parmênides de que só o ser é e somente ele
pode ser pensado. No entanto, vivemos enquanto fenômenos, no vir-a-ser, no fluxo das coisas
e dos entes. No fluxo do mundo, no movimento dos corpos, no vir-a-ser dos entes e das coisas,
o que se manifesta é o não-ser. Desta forma, nosso mundo seria ilusório, uma vez que só o ser
é e o não-ser é exatamente o lugar (topos) no qual nos encontramos e vivemos.
Sócrates, de outra forma, visava uma teleologia à medida que sustenta seu pensar
mediante o finalismo intelectualista do bem. A influência socrática em Platão é decisiva. No que
tange à elaboração de sua antropologia filosófica, o conheça-te a ti mesmo socrático e sua
maiêutica marcaram decididamente a concepção platônica do homem.
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2.2 A SEGUNDA FILOSOFIA SISTÊMICA DO OCIDENTE: ARISTÓTELES
Aristóteles (384-322 a.C.) ao lado de Platão foram os dois grandes filósofos sistêmicos da
filosofia grega antiga. A descoberta da lógica permitiu-lhe construir a sua “teoria do
conhecimento”. Como a expressão do conhecimento vem via palavras, inicialmente o filósofo de
Estagira analisou a linguagem. Discute-se a questão gramatical, na qual o sujeito da frase
equivale à substância. A este se predica algo. Por exemplo: Sócrates é mortal. A substância
/sujeito é Sócrates; o predicado, mortal.
Pela gramática é possível que a proposição, por exemplo: “Sócrates é mortal” afirme a
verdade do ser e da coisa. Para isso, impõe-se o princípio da não-contradição, tema já
desenvolvido por Parmênides, segundo o qual uma coisa ou é ou não é, de forma que uma
afirmação não pode contradizer-se a si mesma: a coisa é ou não é; ela não pode ser e não ser
ao mesmo tempo.
As proposições, regidas pelo princípio da não-contradição, formam um conhecimento. Para
que isto seja possível é necessário que haja um encadeamento lógico, denominado silogismo.
Exemplo clássico de silogismo é: Todo homem é mortal; Sócrates é homem; logo, Sócrates é
mortal. Tem-se três proposições. Se as duas primeiras forem verdadeiras, a terceira, a
conclusão, também o será. As duas primeiras preposições são denominadas premissas, maior,
a primeira, menor, a segunda.
No entanto, o conhecimento, segundo Aristóteles deve ser conhecimento do que realmente
existe. A lógica é somente um instrumento para que se alcance tal conhecimento. Se por
exemplo eu disser que Todos os homens são brancos; Paulo é homem; logo, Paulo é branco é
um silogismo correto, mas não verdadeiro. Isto porque a premissa todos os homens são
brancos não é proposição verdadeira.
Aristóteles critica a teoria das idéias de Platão, segundo a qual há um mundo inteligível e um
mundo sensível, dela separado. No entanto, Aristóteles aceita a tese de que o saber busca o
que é fundamental, o universal. Mas, segundo Aristóteles, esse universal não é algo apartado
do nosso mundo. Se somente as coisas do nosso mundo são reais e, por isso, o universal
existe nas coisas individuais, é preciso que os sentidos sejam o ponto de partida para o
conhecimento. Desta feita, Aristóteles formula duas teses fundamentais: (1 a) a ciência como
conhecimento verdadeiro e certo; (2a) a ciência como conhecimento universal.
Aristóteles concebe a ciência como conhecimento verdadeiro e certo. Para tal distinguiu a
ciência em três grandes ramos: 1) ciências teoréticas, ciências que buscam o saber em si
mesmo; 2) ciências práticas, que buscam o saber para alcançar a perfeição moral; 3) ciências
poiéticas ou produtivas, que buscam o saber em função do fazer, isto é, para produzir
determinados objetos. Assim, ciências mais elevadas são as do primeiro ramo de ciência,
constituídas da metafísica, física e matemática.
A ciência, segundo Aristóteles - e da mesma forma que a interpreta Platão -, opõe-se à
opinião. A ciência é conhecimento do que é, do ser enquanto ser, da substância, diz Aristóteles.
Trata-se de investigar a questão fundamental da metafísica, o ser. A opinião pode ser ou não
ser. É algo contingente (que pode ou não ser). É acidental. Se só o necessário pode ser objeto
de ciência, a opinião não serve para o discurso científico. Diz Aristóteles que a “... obra de
ambas as partes intelectuais é a verdade” (Ética, L.VI,3).
Sobre o conhecimento científico, afirma Aristóteles: “Todos nós supomos que aquilo que
sabemos não é capaz de ser de outra forma” (Ética, L.VI,3). O objeto do conhecimento
científico existe necessariamente, donde se segue que é eterno (Ética, L.VI,3). As coisas
eternas, por suas vezes, são ingênitas (inatas) e imperecíveis.
Para Aristóteles, não há ciência do contingente, do acidental, dado ele ser inconstante. Só
há ciência do ser, da substância. Na Metafísica, afirma Aristóteles que “... toda ciência versa
sobre o que é sempre ou ordinariamente, e o acidental não se inclui em nenhuma destas
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classes” (Metafísica, L. XI). Mas o objeto de ciência, segundo a concepção aristotélica, só pode
ser necessário se o ligarmos à sua causa. E o objeto da ciência aristotélica é o necessário e
não o contingente. Desta feita deve-se saber qual a sua causa e como essa causa o produz, ou
como o objeto depende de sua causa, de forma tal que o conhecimento científico é
essencialmente conhecimento pela causa.
No ‘Livro I’ da Metafísica, Aristóteles distingue o conhecimento causal do conhecimento
pelas causas, ou seja, o conhecimento da causa e o conhecimento do efeito, ou o
conhecimento verdadeiro do conhecimento pelas experiências. Não se pode conhecer somente
o que, mas o porquê das coisas. Conhece-se pelas causas e não pelas conseqüências. Para
tal, Aristóteles formulou a teoria das quatro causas: causa material, causa formal, causa
eficiente (ou potencial, ou motriz) e causa atual (ou final) (Metafísica, L.I).
A Metafísica de Aristóteles é uma de suas obras na qual o problema do conhecimento é
apresentado. Em outras obras, como é o caso da Ética a Nicômaco e na Lógica, Aristóteles
também aborda este tema. A Metafísica é dividida em quatorze livros. No livro I ou A, Aristóteles
abordará especificamente o problema do conhecimento. Diz o estagirita: “Apesar disso,
pensamos que o conhecimento e a compreensão pertencem antes à arte do que à experiência,
e julgamos os teóricos mais sábios do que os empíricos (de onde se conclui que em todos os
homens a Sabedoria depende, antes de tudo, do conhecimento); e isso porque os primeiros
conhecem as causas, e os segundo, não. Com efeito, os empíricos sabem que a coisa é assim,
mas ignoram o porquê, enquanto os outros conhecem o porquê e as causas” (Metafísica, L. I).
O problema não é outro do que aquele de afirmar que o objeto deste primeiro livro é o de
identificar a ciência que aborda os princípios e as causas ou mesmo de indicar a ciência dos
primeiros princípios e das primeiras causas. No entanto, desde o início, Aristóteles apresenta o
desinteresse em outras coisas senão o próprio conhecimento ao afirmar que os homens, por
natureza, tendem ao saber.
No ‘Livro I’ de sua Metafísica, Aristóteles descreve os diversos ramos do saber até
alcançar a filosofia e defini-la como a busca da Sabedoria ou o saber que se dispõe ao
conhecimento da verdade por meio das primeiras causas e dos primeiros princípios. Essa
ciência é a sabedoria e seu estudo é a filosofia, de forma que a filosofia primeira (ou a
Metafísica) é a ciência das primeiras causas, a ciência do Ser ele mesmo. Por isso a Metafísica
investiga a substância, o ser enquanto ser, isto é, é do ser enquanto ser que se procuram as
primeiras causas. Esta é a proposta do ‘livro IV’, busca do ser enquanto ser. Busca-se “... os
primeiros princípios e as primeiras causas supremas...” (Metafísica, 1003a).
Ao se referir ao ser, pode-se, pela linguagem, dizê-lo da forma como bem desejar, mas
um fato não pode ser mudado: refere-se a algo, a um ser e não a nada. Diz Aristóteles que “...
são vários os sentidos em que dizemos que uma coisa “é”, mas todos eles se referem a um só
ponto de partida” (Metafísica, 1003b). Trata-se da tarefa de uma só ciência, a investigação do
ser enquanto ser (Metafísica, 1003b). Ou seja, busca-se o princípio das coisas, sua substância.
Mas o que Aristóteles entende por substância? Em sentido genérico, substância significa
estrutura necessária. Aristóteles definiu substância como aquilo que é necessariamente aquilo
que é e aquilo que existe. Ambas as determinações encontram-se na sua obra Metafísica.
Primeiramente, Aristóteles definiu por substância a essência necessária. Trata-se do objeto
próprio do conhecimento científico. A segunda definição determina a substância como aquilo
que existe necessariamente (ver Metafísica, 1031a/1031b). Em outros termos, toda coisa é em
virtude da essência necessária e, portanto, tudo aquilo que há de real ou de cognoscível nas
coisas faz parte da essência necessária e existe necessariamente. Conclui-se que substância,
segundo Aristóteles, significa a estrutura necessária do ser na sua concatenação causal. Isto
porque todas as espécies de causas são determinações da substância. Neste sentido, a causa
é eterna e nem pode ser produzida, nem ser destruída (ver Metafísica, L. VII, 1033a/1034a). Por
outro lado, Aristóteles determina substância em quatro sentidos: essência necessária, universal,
espécie, sujeito: “... algumas coisas “são” pelo fato de serem substâncias, outras por serem
modificações da substância, outras por representarem um trânsito para ela, a destruição, a
12
privação ou uma qualidade dela, ou pelo fato de a produzirem ou gerarem, ou por serem termos
relativos à substância” (Metafísica, 1003b).
A filosofia é a ciência que busca o ser enquanto o ser, os princípios e as causas, a substância, o que é primário,
as coisas que são enquanto são. Há, portanto, uma primeira e uma segunda filosofia. Desta feita, à primeira
filosofia cabe o estudo do ser enquanto ser. Esta é a função do filósofo: “... investigar todas as coisas”.
(Metafísica, 1004b) Trata-se de buscar a causa primeira e os primeiros princípios, ou seja, trata-se de buscar a
substância, dado que ela “... anterior a essas outras coisas”.(Metafísica, 1004b) Neste sentido, nem dialéticos
nem sofistas dão conta do problema. (ver Metafísica, 1004b) Mesmo admitindo que as coisas são redutíveis à
unidade e à pluralidade, compete a uma só ciência, a filosofia, a busca do ser enquanto ser. Para tal, Aristóteles
faz uso de axioma. Um axioma é uma verdade que não necessita de demonstração, “... pois essas verdades
velem para tudo que existe e não para algum gênero especial à parte dos outros (...) a cada gênero possui o
ser”.(Metafísica, 1005a)
O ponto de partida, o princípio da metafísica aristotélica é que uma coisa é ou não é; não é
possível ser e não ser ao mesmo tempo (Metafísica, 1006a). O grande problema no qual se
encontra Aristóteles é sobre a demonstração de tal princípio. Segundo Aristóteles, algumas
causas podem ser explicadas; outras, não. A causa do primeiro princípio não permite
demonstração. Trata-se de um axioma. Conclui-se, portanto, que o primeiro princípio e a
primeira causa de todas as coisas é um axioma, e como tal não permite demonstração.
Aristóteles se defende das críticas à sua tese. Segundo o filósofo estagirita, aqueles que
criticam a sua tese e demonstram negativamente que essa opinião é impossível, sem afirmar
coisa alguma, não pode ser levado a sério, pois nada tem a colocar no lugar, pois, como afirma
Aristóteles, “...não dá razão de nada, por não ter nenhuma” (Metafísica, 1006). As palavras têm
significados e cada palavra equivale ou só pode ser atribuída a uma coisa (ver Metafísica,
1006).
A crítica de Aristóteles é diretamente a Platão e à sua teoria da linguagem, apresentada no
Crátilo, bem como à sua teoria do ser descrita no diálogo Sofista. No Crátilo, Platão faz
referência às palavras e acerca delas afirma que elas não dão conta do ser. Não se trata de
questionar os nomes das coisas, mas as próprias coisas. Embora os nomes sejam e não
representem as coisas, eles não dão conta delas, dado ser Platão mais heraclítico do que
parmenídico. No diálogo Sofista, Platão afirma que ser e não-ser não são contrapostos, mas
encontra-se numa participação constante um no outro, de tal monta que o ser e a mudança se
mostram, mas não se deixa agarrar.
No caso de Aristóteles é diferente. Este analisa os nomes e não exatamente as coisas. Para
este, as palavras são as coisas e estas são, não podendo não-ser. Se forem, podem ser
nomeadas e as palavras devem ser as próprias coisas. O que está em jogo é a distinção entre
substância e acidente. Acidente é tudo aquilo que embora participe da coisa não é essencial a
ela. Um braço e uma perna formam um homem, mas sem eles, o homem continua sendo
homem, embora sem as pernas e/ou os braços. De forma que, segundo Aristóteles “... todos os
atributos são acidentais” (Metafísica, 1006a).
Por outro lado, erram aqueles que se apóiam nos sentidos, tais como Protágoras, Heráclito,
Demócrito e outros. Se cada qual tem opiniões distintas sobre as coisas, mas ao mesmo tempo
equivalentes, todas serão verdadeiras e não haverá uma só verdade, dado que são
condicionadas pelos sentidos, de forma que todos estarão de posse da verdade e ela será na
verdade várias e nunca dela se saberá o que realmente é, dado que serão várias e não uma só
verdade. Isso é impossível.
De um lado, Aristóteles critica a teoria das idéias de Platão e daqueles que são
contraditórios; de outro lado, critica aqueles que baseiam seus princípios no sensível,
identificando conhecimento e sensação, como é o caso de Protágoras. Esses afirmam que o
testemunho dos nossos sentidos deve ser verdadeiro. Esses homens identificam o que é com o
mundo sensível (ver Metafísica, 1010a). Assim, Aristóteles não critica exatamente Platão, mas
sua base teórica, primeiramente, Heráclito e Crátilo.
13
Conclui-se, portanto, que o conhecimento não é uma idéia apartada do mundo sensível,
nem um mundo sensível apartado das idéias, mas que há entre eles certa comunicação. Todo
conhecimento advém das sensações, mas só poderá ser conhecimento se pudermos alcançar
sua alma, sua essência, da qual não pode ser dita, tratando-se de um axioma.
3
Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 1995, p. 33.
4
Criacionismo é uma doutrina que defende que a criação do mundo veio a partir do nada e tem origem bíblica.
15
2.2 – A Patrística
A Patrística é considerada por muitos uma corrente filosófica Cristã que pode ser dividida
em duas grandes linhas de elaboração de sua interferência na formação cultural do Ocidente.
Inicialmente seus desdobramentos com o impacto da mensagem Cristã na área cultural grega
e, posteriormente, latina. O que mais nos interessa é a mensagem Cristã em termos de
interferência na elaboração cultural do homem ocidental. Nesse sentido, Agostinho é
considerado o filósofo representativo do apogeu da Patrística.
Agostinho (354-430) foi um dos filósofos mais significativo para a doutrina Cristã.
Antimaniqueísta, Agostinho elaborou obras de teor filosófico e teológico, numa vasta produção
literária, embora tenha sido convertido ao Cristianismo não tão cedo em sua vida. O grande
problema que ronda as preocupações filosóficas e teológicas foi a tentativa de encontrar a
possibilidade de diminuir a distância entre fé e razão. A fé recebe clareza da razão. Esta, por
sua vez, é impulsionada pela fé.
Agostinho, no tangente ao problema do saber, concebe que todo conhecimento tende à
verdade e que esta é Deus. Demonstrar a verdade nada mais é do que demonstrar a existência
de Deus. Assim, Deus é Ser, Verdade e Bem. O homem, nessa concepção, assume caráter de
pessoa e não a referência geral e abstrata deixada pelos gregos. O conceito de pessoa é
expresso com mais clareza em sua concepção acerca da Trindade. Para Agostinho, Deus, em
sentido absoluto, é na verdade o Pai, o Filho e o Espírito Santo, operando inseparavelmente.
No entanto, essas três pessoas são distintas no que tange ao aspecto da relação entre eles.
No mundo, todas as coisas têm unidade, ordem e forma, vestígios deixados da Trindade
nas coisas. Graças a isso podemos alcançar Deus. Nesse aspecto, o homem é uma pessoa,
um indivíduo único irrepetível. Ele é a imagem das três pessoas da Trindade, expressando a
faculdade da vontade. Tem a possibilidade de escolher entre o bem e o mal. O bem é Deus e
pela vontade livre o homem deve encaminhar-se ao Bem superior. Caso contrário, quando o
homem confunde o bem superior com o mal interior, ele está na alçada do mal. Para encontrar
a verdade, Deus, basta que o homem volte a si mesmo para encontrar a prova da existência do
Criador.
Como vimos, Platão em sua ‘Alegoria da Caverna’ concebe dois mundos. Haveria um
mundo matemático, mundo das idéias, inteligível e um outro mundo, aquele das sombras,
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sensível. Toda a descrição da caverna nos prepara para que o homem acorrentado, preso ao
interior da caverna possa soltar suas amarras e encaminhar-se para o mundo das idéias,
mundo superior. Haveria, portanto, dois mundos: inferior e superior. O homem deve buscar a
auto-suficiência da razão, somente encontrada no mundo superior, inteligível. Agostinho
também nos fala de dois mundos, mas não exatamente como Platão. Há dois mundos, mas
interno e externo, a Cidade Celeste e a Cidade Terrena.
Deus teria criado o mundo segundo as idéias que se encontram na razão divina. Essa
criação não necessitou de nenhuma substância externa, mas criou o mundo do nada,
possibilitando ao criado razões seminais para serem desenvolvidas. Deus é quem determina os
critérios da alma, que são imutáveis e, portanto, necessários. Tudo deve ser regido pelo amor, e
o amor perfeito é Deus, o ser supremo.
Platão elaborou uma filosofia pagã e a distribuiu em forma tripartite. Haveria no cume a
Idéia de Bem-em-si-mesma ou de Justo-em-si-mesmo ou Belo-em-si-mesmo e na base as
coisas sensíveis. Assim, haveria dois mundos: um mundo das idéias, composto da Idéia
absoluta e das demais idéias, ou um mundo do Uno e das Díades e um outro mundo, aquele
das coisas sensíveis, dos corpos, das sombras, no qual há multiplicidade de coisas e seres
sensíveis. No meio desses mundos existiria o filósofo, Éros, o intermediário, o elo de ligação e
de manutenção da ordem cósmica.
Agostinho mantém, de certa forma, essa mesma estrutura platônica. No cume está Deus.
Na parte inferior, o mundo sensível. Lá em cima está a Cidade Celeste. Aqui em baixo encontra-
se a Cidade Terrena. Entre estas duas Cidades há o espaço do intermediário, executando a
tarefa de ligação, intermediação entre ambas as Cidades. Esse é o papel do Padre. A Patrística,
na concepção agostiniana, se mantém pela estrutura pagã da filosofia platônica. É tripartite. Há
ordem. No cume está o ordenador cósmico, no meio o mantenedor dessa ordem na terra e na
base a grande maioria espontaneamente expressa. No entanto, a alteração de Idéia para Deus
promove uma mudança radical de compreensão do mundo, do homem e do saber.
Da filosofia pagã à filosofia Cristã, especificamente em relação a Platão e a Agostinho, os
horizontes do saber se alteram. Além da inversão de Deus para Idéia, promovida por Agostinho,
uma nova concepção de vida se apresenta. As novidades na concepção Cristã para a formação
do homem ocidental são enormes. A partir daí irá prevalecer a leitura monoteísta de mundo e a
preferência de um em relação a vários se instala. Somado ao individualismo preparado desde
os helênicos, mas agora com o Cristianismo invertido em relação à autonomia do homem, o
individualismo cristão é medido pela vontade divina e pela escola do homem. A liberdade
humana é vista pelo aspecto da decisão, da escolha, mediante opções oferecidas de Deus aos
homens. Feito à imagem e semelhança de Deus, o homem, na concepção cristã, perde a sua
autonomia. Fica relegado à vontade divina. Nesse sentido, do homem, enquanto indivíduo
autônomo dos helênicos, o Cristianismo nos aponta um novo saber. O homem é um indivíduo,
mas não autônomo, uma vez que depende da vontade divina. Essas duas concepções de
homem nos trarão problemas futuros quanto à formação do homem ocidental, principalmente
no que tange à concepção de liberdade. Ser livre é ser autônomo? Se sim, em que consiste
essa autonomia? Agir de acordo com a vontade divina, mas a partir de uma escolha individual
não é ser autônomo, mas seria ser livre? Como articular vontade e liberdade? São questões
que ainda hoje permanecem presentes em nossa época, principalmente quando nos referimos
aos processos educacionais. Outros aspectos, tais como a fé se sobrepondo ao conhecimento,
a distinção tripartite do homem - não mais concebido somente como composto de corpo e alma,
mas corpo, alma e espírito -, e a interpretação do amor – não mais como Éros, mas ágape,
juntamente com a negação da imortalidade da alma e a formulação de um saber no qual
concebe-se a ressurreição dos mortos, o Cristianismo nos deixa uma herança fortíssima na
formação do homem ocidental.
No aspecto da Patrística de Agostinho, o primeiro formulador sistêmico da teoria Cristã
Católica, a tentativa de formulação de uma teoria na qual razão é fé pudesse se aproximar é
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marca registrada desse saber. Na acepção de que a razão é impulsionada pela fé e a fé
esclarece a razão, Agostinho nos aponta a necessidade de um mundo no qual não mais cabe a
indiferença à fé. A fé se transformou nos últimos quatro séculos anteriores ao nascimento de
Agostinho num fenômeno que se apresentava, a contragosto ou não, mas que se apresentava
e era aceito e defendido por várias pessoas, povos e raças.
Num segundo aspecto, a fé nos lembra o daimon anunciado por Platão no diálogo Fedro.
Trata-se, quase, de uma inspiração. Nesse sentido, o homem ultrapassa o aspecto do sensível,
constata que há algo além do imediato que faz parte do seu ser e que, ao mesmo tempo, não é
evidente àquele no qual se manifesta. É mais do que uma aporia, ou do que um problema
dentro de uma teoria. Trata-se de um inefável que se deixa objetivar nas ações humanas.
Agostinho tanto quanto Platão nos fala desse campo aparentemente incompreensível, mas
presente nos homens. No caso do pensador cristão, a resposta a essa questão reside na
disposição à vontade de Deus. Essa resposta é uma tentativa de explicação desse fenômeno,
que atualmente poderia ser denominado por religiosidade, mas nesse aspecto são possíveis
abordagens diferentes acerca do mesmo problema.
No caso de Agostinho, Deus é a verdade e conhecer a verdade é conhecer Deus. Mas se
somos nós homens que conhecemos, há que se perguntar sobre o homem. Nesse caso, como
acima foi expresso, o homem é uma pessoa, um indivíduo único, imagem e semelhança de
Deus e se situa no liame entre o bem e o mal. Mas é alguém que tem a possibilidade de
escolha. O homem livre encaminha-se a Deus, que é o bem e, portanto, escapa-se do mal. O
mal nada mais é do que a confusão feita pelo homem entre o bem superior e o mal inferior.
Nesse sentido, para que o homem conheça e possa alcançar o bem e a verdade basta voltar-se
a si mesmo. Nesse aspecto, apresentam-se temas que ainda hoje nos causa espanto e nos
forma. A idéia de que o conhecimento nos trás a felicidade, dado que ele nos aponta ao bem e
que, para muitos, esse bem é Deus, é uma dessas implicações. Mesmo no caso dos cristãos
que colocam a fé acima do conhecimento, mas na formulação mediante a qual o bem é Deus e
conhecer é conhecer a verdade e Deus é a verdade, acredito que a tese da necessidade e
importância do conhecimento permanece forte tanto na filosofia sistêmica de Agostinho quanto
nos moldes da filosofia contemporânea. Posso considerar, portanto, que essa articulação foi e é
marcante na formação do homem do ocidente.
Outro aspecto fundamental é a disposição a si mesmo. A tese antiga socrática do
conheça-te a ti mesmo é novamente recolocada. Ela já tinha sido retomada pelos helênicos e
agora, com os cristãos, é novamente anunciada. Independente das interpretações que foram
dadas e das utilizações feitas dessa tese socrática, o fato que nos permite a ela considerarmos
significado importantíssimo é a necessidade da elaboração individual. O espaço do Eu, do Self,
a interioridade necessária à qual o homem não pode deixar de fazer uso. Essa interioridade que
parece ser um outro elemento além do que os cristãos concebem como homem, corpo, alma e
espírito, a interioridade assumida em seu aspecto de admiração, reflexão, introspecção é ou
faculdade indispensável que nos séculos foi sendo requerido aos homens e que também nos
séculos que se passaram e se passam cada vez mais é esquecida, abandonada, relegada ao
esquecimento, como se esquecêssemos do próprio ser.
Independentemente das concepções que possam advir dessa categoria de interioridade
requerida pelos homens, exatamente porque presente neles, o fato é que nós fomos formados
advertidos de que há algo no homem que é unicamente dele, o seu Eu. Além disso, nós fomos
sendo educados a respeitar a individualidade de cada um, pelo menos em tese. Assim, o
homem do Ocidente, com o Cristianismo de Agostinho nos alerta que essa individualidade
depende da vontade de Deus. Se Platão nos falava do autodomínio da razão, Agostinho nos
aponta a vontade de Deus e nos remete à fé iluminando a razão, que a esclarece.
Por fim, na concepção platônica de que haveria dois mundos: um superior e outro inferior
são alterados por Agostinho. Existem dois mundos, mas não um superior e outro inferior,
exatamente. Há um mundo superior no sentido de interno e algo inferior, no sentido de externo.
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Daí a necessidade de pensar, ao mesmo tempo, em Cidades: a Celeste e a Terrena. Essa
aparente dicotomia que Agostinho enxerga na filosofia de Platão será outra marca transposta
ao homem ocidental contemporâneo e sua disposição à distinção física ou metafísica. O mais
significativo ao saber ocidental, no entanto, é a concepção acerca do mundo como algo unitário.
Assim, como Agostinho admite a Trindade, o mundo é um só, mas que se dispõe em vários e
que é regido por aquele que o criou, Deus. E se Deus é amor (o amor-agápe), tudo deve ser
regido pelo amor supremo, Deus.
A) A Doutrina da Iluminação
A doutrina da iluminação de Agostinho se assemelha e substitui a teoria platônica da
anamnese ou reminiscência. Platão admitia que as almas humanas contemplavam as idéias
antes dessas se encarnarem nos corpos. A alma humana tinha também o poder de recordar
das almas já encarnadas, enquanto na experiência concreta dos humanos. Ao contrário,
Agostinho concebe Deus como a suprema verdade (Platão chama a verdade de Idéia de Bem-
em-si-mesma e também de Luz, Sol, em sua ‘Alegoria da Caverna’). Deus é a luz que ilumina a
mente humana no ato do conhecimento, permitindo aos homens captar as idéias, eternas e
inteligíveis presentes na própria mente divina. Para alcançar o conhecimento, os homens
devem se libertar das mazelas do mundo deve ter alma santa e pura. Trata-se do ideal Cristão:
o homem deve ter boa vontade e pureza de coração como condição necessária para conhecer
e alcançar a Verdade.
2.3 – O Problema dos Universais
Há a posição realista e aposição nominalista. A posição realista se divide em realismo
externo e realismo moderado. O realismo afirma que os universais existem em si mesmo
(realismo externo) ou os universais subsistem antes das coisas, como idéias-arquétipos na
mente de Deus (realismo moderado). O realismo externo de Escoro Eriúgena, Guilherme de
Champeaux e, em parte, de Anselmo de Aosta defendem que os universais existem em si
mesmos, anetes das coisas (ante rem). Essas idéias arquetipicas são modelo da realidade,
bem semelhantes ao mundo das idéias de Platão. Assim, o conhecimento delas é indiretamente
o conhecimento do real.
Segundo a posição nominalista, assumida por Roscelino, o universal seria puro nome
que designa uma multiplicidade de indivíduos. Sendo assim, cada opinião se equivale a
qualquer outra e o resultado não poderia ser outro do que uma conclusão cética. Se não existe
nenhuma ligação substancial entre as palavras/os conceitos com as coisas, o conhecimento só
pode ter resultados céticos.
2.4 – A Escolástica
Outra grande vertente do pensamento filosófico cristão foi a Escolástica. Assim como a
Patrística teve seu marco nos escritos de Agostinho, a Escolástica obteve suas grandes linhas
de Tomás de Aquino (1221-1274). Nessas duas abordagens queremos demonstrar que
inicialmente duas grandes vertentes filosóficas, de cunho cristão católico, foram elaboradas na
Idade Média: A Patrística e a Escolástica. A primeira sofre influência, principalmente, das
considerações da filosofia de Platão. A Escolástica, por sua vez, se desenvolve sobre a égide
do pensamento aristotélico. Os dois grandes sistemas iniciais do Cristianismo sofrem
influências dos escritos dos pagãos Platão e Aristóteles. De um lado Agostinho substitui a
noção platônica de Idéia por Deus e, por outro, Tomás de Aquino altera o Primeiro Motor de
Aristóteles por Deus. As estruturas gerais dessas filosofias permanecem esquematicamente as
mesmas, mas as concepções alteram-se profundamente.
Na sua obra juvenil O Ente e a Essência, Tomás de Aquino delineia os traços marcantes
de sua filosofia e teologia. Ente é considerado como qualquer coisa que existe, podendo ser
tanto lógico quanto real ou extramental, distinção fundamental para se entender um dos
alicerces do pensamento tomasiano, dado que ele concebe que nem tudo que se pensa existe
realmente.
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Pode-se dizer que há uma espécie de realismo moderado na filosofia de Tomás de
Aquino. A concepção de ente lógico corrobora com tal assertiva. O conceito, segundo o
aquinante é fruto da faculdade abstrativa do pensamento. Nem tudo o que é pensado,
simplesmente pelo fato de pensar, não quer dizer que existe da mesma forma como foi
pensado. Por outro lado, um outro aspecto do ente se manifesta na filosofia de Tomás de
Aquino. Paralelamente ao ente lógico encontra-se o ente real. O ente real é tudo que existe.
Tudo que existe é ente. Este, por sua vez, permite outras subdivisões. Há a essência, que se
caracteriza pela potência para ser. Há também aquilo que não se tornará, pois já existe de fato,
ou seja, há o ato de ser. E há, também e finalmente, os transcendentais, o verdadeiro, o uno, o
bom. O uno, por sua vez, é indivisível, mas pode ser participável. Ele se afirma por si mesmo. O
bom refere-se á vontade de Deus. E é verdadeiro porque Deus o permitiu.
Percebem-se as influências que o aquinante sofre da filosofia de Aristóteles. É evidente
que tanto a Patrística quanto a Escolástica se desenrolam pelo viés da fundamentação da fé
pela razão. É claro também que no topo da estrutura desses pensamentos encontra-se Deus.
De forma que vias para se chegar à verdade é o mesmo que provar a existência de Deus. São
cinco as vias para se alcançar a verdade, Deus. Aquino assume distinção entre conhecimento e
ontologia. Deus é o primeiro na ordem ontológico, mas não na ordem gnosiológica. Para se
chegar a Deus é necessário seguir certas vias.
A primeira via é a do movimento. Todas as coisas que se movem são movidas por um
outro que não elas mesmas. Na relação movente/movido um movimento ad infintum se
anuncia, nada explicando. Daí a necessidade de um primeiro motor. A segunda via é a da
causa. Nenhuma coisa pode gerar a si mesma, deve haver uma coisa que causa as coisas,
uma causa das causas. Mas para ainda evitar o regresso ao infinito, deve haver uma primeira
causa não-causada, Deus. A terceira via refere-se à contingência. Não há como todas as coisas
serem contingentes. Deve haver algo de necessário. Tomás o definiu como Deus. A quarta via
trata dos graus de perfeição. Há uma gradação de perfeições, de tal monta que Deus seria a
suma perfeição. A quinta e última via é a do finalismo. Há uma teleologia no pensamento
tomasiano. Há um ser supremo, uma inteligência que dirige todas os seres e as coisas,
dirigindo seus corpos físicos a um fim, Deus.
Essas vias para provar a existência de Deus podem ou não ser adotadas pelos homens.
Os homens são livres. Sendo o homem de natureza racional, ele pode ter uma certa
compreensão da sua finalidade, mas que nunca se tornará absoluta. Nesse sentido, o homem
se refere a fins parciais e a sua vontade depende do seu livre-arbítrio. Nesse sentido, o homem
está livre para pecar ou não. Depende de sua vontade.
Nesse aspecto, há na filosofia de Tomás de Aquino uma teoria do direito. O aquinante
divide a sua teoria do direito em quatro tipos de leis. Há o plano racional de Deus, a ordem do
universo e nisso consiste a lex aeterna. Esta é a primeira lei, aquela que emana do plano
racional de Deus. O universo é composto de duas espécies de coisas: as conhecidas e as não-
conhecidas. As coisas conhecidas fazem parte da lei natural. Próxima à lei natural encontra-se
a lei humana. E há, também, a lei divina. A lei humana divide-se em dois planos distintos de lei.
O primeiro deles diz respeito ius gentium. Este é mais geral. Seria o caso da proibição do
assassinato, por exemplo. O outro é o ius civile. Este e a aplicação da pena, algo mais
específico.
Enfim, o eixo condutor de toda a filosofia de Tomás de Aquino é norteado pela concepção
que o aquinante tem de fé, compreendendo-a como guia da razão. Sua tarefa, ou a tarefa da
filosofia, não poderia ser outra do que a de provar a existência de Deus. Nesse aspecto,
retorna-se à discussão inicial da inversão de Primeiro Motor para Deus, na relação entre a
filosofia de Aristóteles e a do representante maior da Escolástica, Tomás de Aquino.
René Descartes (1596-1650), filósofo francês, nasce num período conturbado da cultura
ocidental. Período marcado por profundas transformações em vários aspectos da vida social,
econômica, política, filosófica etc... No final do século XVI e início do XVII, o cenário europeu
discutia as dificuldades por que passava o saber medieval. Socialmente, este era um tema
muito problemático. Giordano Bruno (1548-1600), Padre domenicano, por exemplo, morre na
fogueira da Inquisição contrapondo-se ao tradicionalismo Cristão da época; Galileu Galilei
(1564-1642) foi por diversas vezes chamado a se defender de denúncias a ele feitas de
heresia, até que em 1633 foi condenado a uma sentença mediante a qual teria que escolher
entre morrer por heresia ou desmentir suas pesquisas. Descartes, preocupado com o cenário
que vivia, mas inspirado pela necessidade de propor uma filosofia que fosse útil à vida das
pessoas, publica em 1637, o seu Discurso do Método.
O Discurso do Método tem como subtítulo: “para bem conduzir a própria razão e procurar
a verdade nas ciências”. A sugestão cartesiana parece-nos clara. Propor um método, um
caminho a ser seguido, mediante o qual fosse possível conduzir a razão, ou a faculdade de
distinguir o verdadeiro do falso, de tal forma a procurar verdade nas ciências, ou num
conhecimento distinto do teológico, que autorizasse desvelar o velado da natureza. A pergunta
que Descartes se põe é: por que alguém escreveria um discurso sobre um caminho a ser
seguido com o propósito de alcançar o conhecimento claro e seguro de tudo que é útil à vida?
O caminho já não havia sido traçado, desde os jônios naturalistas, por volta de VII-VI a.C?
21
Os pensadores antigos e medievais discutiram sobre o ser, mas não conseguiram fazer
com que ele fosse representado (aliás, era possível fazê-lo?). Esta era a sua primeira
preocupação. Se durante vinte e dois séculos de filosofia ocidental nós não conseguimos falar o
que o ser é, será que, realmente, podemos fazê-lo? Ou será que devemos alterar a pergunta.
Não seria mais cauteloso perguntarmos sobre a possibilidade ou não de conhecermos alguma
coisa? A possibilidade do conhecimento direciona a atenção de Descartes. A questão foi
colocada: é possível conhecer as coisas e os seres? Se sim, como fazê-lo? Trata-se de dois
problemas que marcam, não somente o pensar filosófico de Descartes, mas todo o mundo
moderno (final do século XVI até segunda metade do século XVIII): conhecimento e método.
Lembrando Gaston Bachelard, uma pergunta bem formulada é mais do que meia
resposta dada. Descartes teria encontrado a questão que nortearia o pensamento moderno
ocidental: podemos conhecer os seres e as coisas? A filosofia de Descartes é original também
nesse sentido. Partindo da possibilidade do bom uso da razão, como faculdade de distinguir o
verdadeiro do falso na natureza, o pensador francês via reais possibilidade de descortinar,
retirar o véu que escondia, por detrás dos corpos, a essência dos seres e das coisas
alcançando o céu da verdade. Para isso, era necessário que se começasse a pensar o mundo
do seu ponto inicial. Assim sendo, todo saber anterior ao seu deveria ser posto em dúvida.
Descartes elabora a filosofia da dúvida. Duvidava dos seres e das coisas, dos corpos, das
existênciaS e, por fim, até de si mesmo. Mas justamente pela dúvida máxima, hiperbólica –
duvidar da sua própria existência – Descartes chega à sua primeira verdade: ele mesmo.
Duvidando de mim mesmo, uma coisa eu não posso negar: o fato de eu estar duvidando. Assim
sendo, se duvido, penso e se penso, sou. “Eu penso, logo eu sou”. Esta é a primeira tese
oriunda das dúvidas cartesianas. Esta é a primeira verdade atingida pelo método cartesiano: o
sujeito, o cogito, aquele que cogita, pensa.
Mas qual método foi empregado por Descartes? Ele não poderia se apoiar nos métodos
anteriores ao seu, já que tinha negado aqueles saberes. Descartes funda o seu próprio método.
Baseado em quatro preceitos básicos, o método cartesiano partia da dúvida para alcançar a
verdade. O primeiro preceito do seu método era exatamente a dúvida: jamais acolher uma coisa
como verdadeira se eu não a tivesse como tal, diz Descartes. Depois da dúvida, Descartes
propõe um segundo preceito. Trata-se de dividir em quantas parcelas forem necessárias os
objetos por ele analisados. O terceiro preceito consiste em dois momentos complementares. O
primeiro é o de encaminhar suas investigações do elemento mais simples até os mais
complexos. Depois, o de reunir as conclusões às quais chegou em um todo. O último preceito
consiste em verificar na natureza se o conceito ao qual ele chegou correspondia ao objeto
analisado. Caso afirmativo, teria o investigador encontrado a verdade.
Podem-se exemplificar os preceitos do método cartesiano mediante o uso da água. H20
é água. Primeiro preceito: H20 é água? Segundo preceito: deve-se dividir h20 em suas partes:
H - H - º O terceiro preceito propõe: 1) estude H, H e O em separado e 2) reúna suas
conclusões parciais, tais como H=X, H=X e O=Y no todo H20. O que se tem H20=XXY. Por
último verifique se na natureza H20 corresponde a XXY ou se a coisa água corresponde ao
conceito XXY. Havendo correspondência, tem-se um conceito verdadeiro. Em outras palavras,
as coisas podem ser ditas corretamente pelas palavras empregadas para denominá-las.
Lembrando Gaston Bachelard, uma pergunta bem formulada é mais do que meia
resposta dada. Descartes teria encontrado a questão que nortearia o pensamento moderno
ocidental: podemos conhecer os seres e as coisas? De imediato, seu Discurso do Método se
inicia com uma afirmação curiosa em pelo menos dois aspectos: multiplicidade e unicidade das
coisas e dos seres. Diz Descartes: “O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada, pois
cada qual pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os que são mais difíceis de contentar
em qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm”. 5 O bom senso é,
segundo Descartes, a razão (raison, bon sens, sens) ou a faculdade de distinguir o verdadeiro
5
DM: 1-2: “Le bon sens est la chose du monde la mieux partagée: car chacun pense en être si bien pourvu, que
ceux même qui sont les plus difficiles à contenter en toute autre chose, n’ont point coutume d’en désirer plus qu’ils
en ont”.
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do falso. Ele não significa bona mens ou sabedoria, idéias divinas inscritas em nós desde
sempre, a ratio, mas razão ou bon sens (raison, sens), a capacidade que haveria em nós, com
a qual fosse permitido ir à natureza das coisas e saber diferenciar o que é essencial do que é
acidental. O essencial e o que determina os homens é o seu poder de julgamento das coisas, a
razão (raison, bon sens, sens). É ela que nos identifica e ao mesmo tempo, nos diferencia dos
outros. As coisas e os seres são distintos justamente porque cada qual e cada coisa têm nelas
ou neles uma idéia clara do que elas (es) são. Essa essência das coisas e dos seres ao mesmo
tempo em que os distingue, marca a possibilidade da convivência dos diferentes em uma
unidade mais global. Ao encontrar a essência das coisas, poder-se-ia organizar uma vida na
diferença.
Ao intuir que era possível conhecer as coisas, Descartes necessitaria de um método ou
um caminho possível a ser seguido e que lhe garantisse alcançar seu intento. Descartes sente
a necessidade de um método. Começa por duvidar dos ensinamentos que obteve na Escola de
La Flèche, escola dos jesuítas, melhor centro de Estudos da França da época. Diz Descartes:
Fui nutrido nas letras desde a infância, e por me haver persuadido de que, por meio
delas, se podia adquirir um conhecimento claro e seguro de tudo que é útil à vida,
sentia extraordinário desejo de aprendê-las. Mas, logo que terminei todo esse curso de
estudos, ao cabo do qual se costuma ser recebido na classe dos doutos, mudei
inteiramente de opinião. Pois me achava enleado em tantas dúvidas e erros, que me
parecia não haver obtido outro proveito, procurando instruir-me, senão o de ter
descoberto cada vez mais minha ignorância.6
A dúvida de Descartes se estende ao máximo. Ele duvida de tudo. Duvida da mesa, dos
livros, dos homens que passam diante a sua janela, duvida de si mesmo. Será que eu existo
mesmo ou eu não passo de um engano dos meus sentidos? A resposta à dúvida máxima que
Descartes coloca a si mesmo é garantia da primeira verdade que ele procurava. Portanto, se
duvido de tudo que há na vida; se duvido de mim mesmo e de minha existência, é sinal de que
eu sou alguma coisa, pois só se duvida daquilo que é. Desta forma, se duvido de mim mesmo,
é sinal de que eu sou alguma coisa que permita ser colocada em dúvida. Portanto, eu penso,
logo eu sou (je pense, donc, je suis ou cogito ergo sum). Esta é a primeira verdade que
Descartes chega e a partir da qual seu método poderá ser formulado.
Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era
falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E notando
que esta verdade: eu penso, logo sou, era tão firma e tão certa que todas as mais
extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que
podia aceitá-la, sem escrúpulo, como primeiro princípio da Filosofia que procurava. 7
A pergunta dos modernos aos filósofos antigos e medievais, como bem se atesta na primeira
parte do Discurso do Método de Descartes refere-se à proposta de que via conhecimento à
felicidade se apresentaria. Mas se assim fosse, vinte e dois séculos depois do arauto da razão,
a verdade ainda não se fazia traduzida pelos homens. A proposta de via razão encontrar a
verdade das coisas e ser feliz não se efetivou. Dos grandes sistemas de Platão, Aristóteles,
Agostinho e Thomas de Aquino, não se obtiveram verdade alguma que teria sido traduzida
fielmente pela razão. As essências e a verdade foram nomeadas, mas não traduzidas,
esmiuçadas, clarificadas, o que nos permitiria traduzi-la nos moldes de uma convenção e fazer
do mundo o esplendor da razão.
A Idéia de Platão, o Primeiro Motor de Aristóteles e o Deus de Agostino e Thomas de
Aquino não foram substantivamente traduzidos, mas adjetivados. Desta falibilidade da razão, o
projeto de erigir da razão, via conhecimento das essências e da verdade, não conseguiu
guarida nas filosofias antiga e medieval. Em outros termos, a possibilidade de partir da razão e
alcançar a felicidade, via conhecimento das essências e da verdade, não correspondeu com os
fatos. No século XVI passagem ao XVII o que se vê são repulsas a esse projeto. Preocupam
mais com demonologias, astrologia, magias, feitiçarias, bruxarias, como atesta Koyré, do que
com a compreensão racional dos seres e das coisas. Parei aqui
Mas se a verdade está diante de nós, como desvelá-la? Como abordar o ser? De que forma
deve-se procurar as idéias inatas das coisas e alcançar a verdade das coisas? Descartes
propõe um método a ser seguido, mediante o qual, passo a passo, possa-se abarcar a verdade
de todas as coisas. Este método ficou conhecido como racionalista. Contra ele se colocou um
outro método: o empirismo. Na tentativa de reordenação do saber, surge Kant e sua proposta
de unir os dois métodos precedentes a partir de um método dialético transcendental.
O racionalismo é marcado pela análise dualista da realidade. Separa-se sujeito de objeto.
Entre ambos há um elo de ligação. O método assume este papel. Cabe ao método ligar sujeito
a objeto e fazer da leitura científica cartesiana algo contínuo, bem-ordenado, aonde idéias como
finitude, verdade, idéias inatas são permitidas, autorizadas e buscadas. René Descartes funda
uma nova forma de como se conceber o homem, o mundo e o saber. Se esta leitura da
natureza e da metafísica trouxe ao homem ainda ligado aos ditames medievais uma
possibilidade de uma nova leitura do mundo, deixou ao mundo contemporâneo vários vestígios
complexos. Não entraremos nas críticas ao sistema cartesiano, mesmo porque necessitaríamos
de mais investigação cautelosa.
O que nos interessa no presente momento ‘’e precisar a forma como ele concebeu o seu
método. Para Descartes, a natureza é composta por coisas que têm dentro de si idéias inatas
aos seus próprios seres. Estas idéias identificam as coisas a elas mesmas. Estas coisas
existem independentemente dos homens, de forma que de um lado estamos nós e nossa razão
e de outros as coisas do mundo. Na medida em que nós nos preocupamos com as coisas,
estas se transformam em objetos de nossas análises, bem como nós transformamos em
sujeitos, ou seja, em homens pensantes.
Esta ordem, ou esta estrutura do saber obedece a uma ordem, ou a uma estrutura
organizacional, que permite que nós possamos saber o que elas são. Deus é a garantia do
conhecimento, pelo menos no Discurso do Método. A partir desta estrutura ternária entre
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sujeito/objeto/Deus foi possível Descartes pretender alcançar a verdade das coisas existentes
no mundo, ou se quiserem, foi possível a Descartes, pelo menos teoricamente, unir ou
reconciliar o que ele havia separado: sujeito e objeto.
Mas para que tudo isto fosse possível, Descartes teria de demonstrar que havia
realmente verdade e que era possível de ser alcançada. Parte da dúvida. Duvida de tudo que
existe no mundo, inclusive de sua própria existência. Chega à conclusão de que se duvida
pensa e se pensa é porque ele era alguma coisa, pelo menos pensante. Eis que se duvido,
penso, se penso, sou. Penso, logo sou será a máxima defendida por René Descartes.
Conclui-se desta exposição que de racionalista foram chamados àqueles que pela
especulação teoricamente alcançaram alguns alvos. A razão se efetiva naqueles que dela
esperam verdade. Descartes era um destes homens. Outros, até hoje em dia aceitam esta
abordagem filosófica, que sem dúvida revolucionou a sua época.
A filosofia empirista foi outra forma possível de se tentar alcançar a verdade. Ponto
comum entre o Racionalismo e o Empirismo é a assumência da realidade como algo dual. O
dualismo marca estas filosofias. A forma, porém, como estas filosofias enfocaram a natureza é
que se distam uma da outra.
IV – Política
Inicialmente. Mesmo que de forma primária, elementar, faz-se necessário apresentar uma
primeira definição de Estado e de Poder. Essas, no entanto, serão melhor detalhadas adiante
nas concepções liberal, democrático-burguesa e marxista sobre Estado e Poder.
A) Estado
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Uma vez assumido o poder político, nossos representantes agem independente da sociedade
civil, embora a ela esteja condicionado em certos aspectos.
Uma terceira característica do Estado moderno o diferencia do Estado medieval. O Estado
medieval é propriedade do senhor. Ele é dono do território e de tudo que nele exista (homens e
bens). No Estado moderno existe uma identificação, uma filiação absoluta entre o Estado e o
monarca, representante da soberania estatal.
B) Poder
Maquiavel, ao refletir sobre os problemas de sua época, acaba por elaborar não uma
primeira teoria do Estado moderno, mas sim uma teoria de como se formam os Estados
modernos, como eles se constituem. Como acima foi exposto, O Estado na teoria maquiavélica
é autônomo. Isto quer dizer que o Estado passa a ter suas próprias características, faz política,
tem técnicas e leis próprias. Sua função não é mais a de assegurar felicidade e virtude, tal e
qual eram funções do Estado antigo, por exemplo, ao de Aristóteles. O Estado lida com a
realidade efetiva. Segue a linha do pensamento experimental.. As coisas são o que elas são e
não o que elas deveriam ou poderiam ser. Há grande diferença, afirma o italiano, entre o como
as coisas são e o como elas poderiam ou deveriam ser. Daí segue-se um Estado que se
preocupa com o que pode e é necessário fazer e não sobre aquilo que seria certo fazer.
O Estado autônomo de que nos fala Maquiavel em sua obra O Príncipe é centrado no poder
daquele que o recebeu por herança ou daquele que o conquistou, o Príncipe. De outra forma, o
Estado se mantém pelas leis do Príncipe. O Estado é o próprio Príncipe. O poder emana e se
mantém pelo Príncipe.
Maquiavel não nos fala de um poder extra-mundano. Nesse aspecto, o pensador italiano é
muito realista. O Estado se mantém por suas leis e ao Príncipe que conquistou um Estado cabe
o papel de mantê-lo pelo poder que detém. O homem, por sua vez, não é por natureza nem
bom nem mau, mas tem uma tendência a ser mau. Assim sendo, o político não deve confiar na
bondade humana, mas agir com desconfiança em relação aos homens que governa, afinal de
contas ele pode tender ao mau. O político deve governar mantendo duas características
prementes, ser amado e temido ao mesmo tempo. Guiar-se pelo aspecto negativo do homem, a
possibilidade de ser mau e governar pelo inicialmente pelo amor e temor que os homens dele
ter. Caso não o consiga por essas características, o governante deve gerenciar o Estado
usando a força e o poder que tem enquanto autoridade máxima do Estado.
Maquiavel nos fala, em O Príncipe, que este deve, ao conquistar um novo principado, matar
o governante anterior, toda a sua família e seus auxiliares de governo mais próximos para que
nada de antigo possa retornar a pleitear o governo. É bom que mantenha as próprias leis
vigentes e aos poucos alterá-las, imprimindo-as a sua cara. O Estado deve ter a cara do
Príncipe e este deve mantê-lo pelo poder da força.
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1.2.2 – Fortuna e Virtu
Maquiavel não entende o que hoje em dia se compreende por fortuna e virtude. Acima
afirmamos que um Príncipe deve se guiar ou governar não pelo ideal ou o que poderia ser, mas
o que deve ser. A partir dessa consideração, Maquiavel propõe sua concepção de fortuna e
virtude. Diferentemente da tradição, o pensador italiano nos fala de virtude que não consiste em
um conjunto de qualidades morais que o homem pode ter, mas da capacidade que o Príncipe
deve ter para ser flexível às circunstâncias que se manifestam em seu governo e mudando com
elas para manter seu poder político. A virtu, segundo Maquiavel, é a capacidade do político de
se manter no poder, alterando-se constantemente com as circunstâncias que o cercam.
Da mesma forma, a fortuna foi entendida pela filosofia de diversas formas. Nada comparada
ao conceito que Maquiavel lhe imprime. Fortuna significa um conjunto de circunstâncias que
não dependem de nós a da nossa vontade. Fortuna não é riqueza econômica ou religiosa.
Fortuna são todos os fatores com os quais convivemos e que não dependem da nossa vontade.
Assim sendo, um bom político, para o Maquiavel de O Príncipe, seria aquele que conseguisse
se manter no poder em virtude das circunstâncias que podem advir.
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Cientes da possibilidade de se matarem mutuamente e perderem a oportunidade de realizar
alguns dos seus desejos, os homens suportam os seus pares e fundam o Estado. O primeiro
passo para a fundação do Estado é a renúncia de todos os homens aos direitos naturais que
eles têm. Os homens renunciam aos direitos que têm e delegam a um terceiro homem, o
Estado artificial, o controle dos seus desejos naturais. Funda-se o Estado. Este serve para
controlar o impulso dos homens e o início da maldade. Dessa forma, os homens necessitam de
um Estado forte que controle os ímpetos de maldade dos homens.
Livremente, os homens em estado de natureza abrem mão dos seus direitos a tudo e a
todos e, pelo papel do contrato social, no qual todos renunciam aos seus direitos naturais,
nasce o Estado civil. Este é o Leviatã, mostro de sete cabeças que vigiar todos, olha para todos
os lugares, comanda e controla todos os homens.
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sociedade. Para Rousseau, a sociedade civil ou o Estado tornou o homem um ser depravado.
No estado de natureza, os homens não sabem o que é ser bom ou mau. Eles vivem na
condição natural das paixões e da ignorância do vício. Originalmente, os homens não são
racionais, mas sentimentos e paixões, vivem do instinto, não da reflexão, da autoconservação,
não da opressão. Trata-se do estado do bom selvagem inocente. Essa situação termina quando
alguém cerca um pedaço de terra, põe uma estaca na terra e diz: “isso é meu”. Com o
nascimento da propriedade privada, surge a sociedade e a divisão entre os homens.
A passagem do estado de natureza à sociedade civil ou ao Estado se dá por meio do
contrato social. Pelo contrato social, os homens renunciam à liberdade natural, à posse que têm
de bens e riquezas que possuem e concordam em transferi-las a um terceiro, o soberano.
Este,. Tem o poder de criar e aplicar leis. Torna-ser autoridade política. Assim sendo, o contrato
social funda a soberania. Todos os homens têm por direito natural direito à vida, ao que é
necessário à sua sobrevivência, ao seu corpo e à sua liberdade. As partes livres e iguais
contratam entre si e fundam o Estado, exatamente para permitir aos homens a garantia à vida e
a sobrevivência da espécie humana.
O soberano, na filosofia política de Rousseau é a vontade geral. Ele é a figura
representativa da soberania popular. Dessa forma, ao criarem o Estado, os homens estão se
submetendo à uma vida social, sujeitos às leis por eles mesmo criadas, aos direitos e deveres
sociais. Passam-se a viver em sociedade e transformam-se em co-responsáveis pela
sociedade. Tornam-se, enfim, cidadãos.
O alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) nasceu num período conturbado da
história. Aos seus 19 anos vê acontecer a Revolução Francesa, espelho para o povo alemão,
um pais deteriorado, sem infra-estrutura, pobre. Visando essa revolução, Hegel vê a
possibilidade de uma Alemanha altiva, rica, organizada. Mas, filosoficamente falando, o
pensador alemão identifica um problema central na cultura moderna. Trata-se do dualismo
moderno. As pessoas de sua época liam os pensadores modernos. Esses, segundo Hegel,
concebiam a realidade como alga coisa cindida. Há sempre algo de um lado e um outro algo do
outro lado. Os homens admitem que eles se encontram de um lado e a natureza de outro, deles
separada. Essa dicotomia leva Hegel a elaborar sua filosofia. Daí surge seu conceito de
história.
Hegel defendia a tese de que não há separação inicial entre homem e natureza. Tudo se dá
num processo contínuo, de tal monta que o homem está imbricado, reunido, misturado com a
natureza. Daí não se trata mais de uma teoria do conhecimento, teorizar algo apartado de mim,
mas de uma filosofia da história. Reunidos homens e natureza, tudo acontece de forma
histórica, em seu movimento, na dialética dos contrários. A história é a expressão dialética dos
acontecimentos que se formam. A sempre uma tese, a negação da tese e a reunião de ambas
numa síntese. Os aspectos negativos e positivos pelos quais os homens passam formam uma
tese. Num fluxo constante da história, novos acontecimentos ocorrerão e novamente aparecerá
uma nova tese, contrária à anterior: a antítese. O resultado do enriquecimento humano nesse
processo chama-se síntese. Assim a sociedade caminha, destruindo-se e reconstruindo-se no
fluxo eterno da história.
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entendiam que a matéria era o que coordenava e articulava a vida das pessoas. O princípio era
a matéria e não a idéia, como propunha Hegel.
Marx amplia o conceito de matéria dos materialistas. Para ele, o princípio é a matéria, mas
ela se mostra em forma dialética, num movimento próprio que se dá mediante os modos de
produção e os meios de produção. Modo de produção é a estrutura mediante a qual a
sociedade se organiza e se reproduz. Existe, segundo Marx, os modos de produção
escravocrata, asiático, feudal e capitalista. Todos eles significaram a exploração dos mais
poderosos aos menos poderosos, dos detentores do poder em detrimento dos que só possuem
suas mãos-de-obra. Daí pensa Marx em formar uma teoria, questionar e destruir o modo de
produção no qual ele vivia, o capitalismo e funda uma sociedade mais justa.
No capitalismo, modo de produção no qual vive Marx, existe os proletários e os burgueses.
Os burgueses detêm o poder da sociedade, tanto financeiro quanto político. Os burgueses são
os donos dos meios de produção. Estes são todas as fábricas, indústrias e comércios que
controlam a fabricação e a venda do que é necessário à manutenção, à sobrevivência dos
seres humanos. Os proletários contam apenas com as suas mãos-de-obra. São empregados
pelos patrões, os burgueses, e obedecem suas ordens.
Nesse contexto, as relações sociais de produção ocorrem na submissão dos proletários aos
burgueses. Poderia parecer corretor afirmar que a submissão dos empregados aos patrões se
daria em nível financeiro. Para Marx, esta afirmação não é correta. Detento o poder de
manutenção das vidas dos proletários, os burgueses controlam o Estado, elegem os nossos
representantes políticos, controlam o país. São os grandes financiadores dos candidatos aos
cargos públicos e perpetuam sua riqueza em detrimento da pobreza das outras pessoas, os
proletários.
No capitalismo há uma relação social de produção marcada pela submissão geral dos
trabalhadores aos burgueses. Ela perpassa desde o aspecto financeiro até atingir o
pensamento. Os burgueses além da economia, ditam a moda, a Escola padrão, os produtos
mais importantes, a forma de pensar das pessoas. Marx considerava e lutou toda sua vida para
destruir essa forma de poder que aliena as pessoas e as transformam em objetos do mundo
financeiro.
V. Ética
A palavra ética origina-se de termos grego e romano. Tanto o éthos grego quanto o mores
romano têm significados semelhantes. Em última instância, ética significa – originária daqueles
termos – a morada do ser, a casa que se habita, o local de sua morada. Posteriormente, a ética
se distará da moral. Interessa nessa unidade, o estudo das éticas de Aristóteles, Kant e Sartre.
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Mas o que vem a ser virtude? Na alma se encontram, afirma Aristóteles, três espécies de
coisas: paixões, faculdades e disposições de caráter. Por paixões entende o filósofo os apetites
e a cólera, o medo, a audácia, a inveja, a alegria, a amizade, o ódio, o desejo, a emulação
(competição), a compaixão, e em geral os sentimentos que são acompanhados de prazer e dor.
Por faculdades, Aristóteles entende as coisas em virtude das quais se diz que somos capazes
de sentir tudo isso. Enfim, disposição de caráter significa as coisas em virtude das quais nossa
posição com referência às paixões é boa ou má. Por exemplo, com referência a uma dor, nossa
posição é má se a sentirmos de modo violento ou demasiado fraco, mas boa se a sentirmos
moderadamente.
O homem virtuoso é aquele que busca a felicidade como fim último e se dispõe a encontrá-
la em sua vida corriqueira, o que consiste em direcionar-se para o equilíbrio, a moderação, nem
o excesso nem a falta, não em termos quantitativos, mas qualitativos. Caráter é exatamente
viver essa disposição de busca mediana, agindo moderadamente.
5.3 – Sartre
5.3.1 – Existencialismo: liberdade e angústia
Dostoievski escreveu que “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”. Eis o ponto de
partida do existencialismo, afirma Sartre. O homem, assim, é lançado no mundo. Ele está
desamparado porque não encontra nele próprio nem fora dele nada ao qual se possa amparar,
agarrar. A tese central do Existencialismo é a de que a existência precede, vem antes do que a
essência. Dessa forma, nada poderá ser explicado por recurso à natureza humana dada e
definitiva. O homem é livre, é liberdade. O homem está condenado a ser livre. Vivemos sem
desculpas e condenados à liberdade, o que significa que somos responsáveis por tudo que
fazemos ou deixamos de fazer. O homem está constantemente condenado a reinventar o
próprio homem. Este é um ser desesperado, o que significa que só podemos contar com a
nossa vontade ou com o conjunto de probabilidades que tornam a nossa ação possível. Desta
forma, o homem se torna um ser angustiado, tem que decidir sem parâmetro a nada externo a
ele ou tem que tomar decisões e agir por ele mesmo, só restando confiar em seu próprio
instinto.
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Na escolha de determinados caminhos e não de outros, o homem assume responsabilidade
direta sobre a vida de todos os outros homens engajados pela escolha. Assim, a
responsabilidade não é vista de forma exclusiva e individual, mas coletiva. Ao assumir uma
determinada escolha e agirem, os homens têm responsabilidades com o escolhido e com suas
ações, tendo em vista a convivência em sociedade e o afetar de suas ações em relação aos
seus pares. A responsabilidade que seria individual transforma-se em coletiva.
ANEXO: EXERCÍCIOS
3) Durante a Antigüidade, uma forma de trabalho era considerado uma atividade menor.
Tratava-se de qual trabalho:
A( ) Filosófico;
B( ) Científico;
C( ) Manual;
D( ) Intelectual;
E( ) Espiritual.
4) A consciência mítica tem diversos significados. Assinale o que ela NÃO pode significar:
A( ) Uma idéia falsa da realidade;
B( ) Uma crença exagerada no talento de alguém;
C( ) Algo irreal e supersticioso;
D( ) Símbolos que tentam explicar a realidade e dar sentido à vida humana;
E( ) Expressão racional da realidade em que vivemos.
6) A palavra cultura pode assumir diversos significados. Pode-se dizer de uma cultura de
peixes e abelhas, ou ao se referir a pessoas que possuem instruções ou informações,
chamá-las cultas. Da Grécia Antiga para cá, o termo cultura assumiu características
especiais. O que você entende por cultura?
7) O termo trabalho é muito empregado pelos homens. Mas o que se poderia estar entendo
por trabalho, ao fazer uso desta palavra? O que é trabalho?
08) A partir dos quadros abaixo, estabeleça relações entre cultura e consumo alienado
11) A palavra filosofia é formada por dois termos gregos. Quais são e o que significa cada um
desses termos?
2) O que é cultura?
3) O que é alienação?
8) Durante a Antigüidade, o trabalho manual era considerado uma atividade menor. O trabalho
intelectual, executado pelos homens, era considerado uma atividade de maior relevância
entre as pessoas daquela época. O trabalho de maior importância era o filosófico. Explique
o porquê da consideração maior ao trabalho filosófico?
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9) Quais características são próprias de consciência mítica?
10) Qual ou quais características marca(m) a consciência racional?
13) Segundo Gilberto Cotrim, “o comportamento de grande parte dos animais é basicamente
determinado por instintos vinculados a estruturas biológicas hereditárias”. Qual aspecto abaixo
relacionado distingue os homens dos demais animais?
A( ) Os animais, assim como os homens, são instintivos e racionais.
B( ) Os seres humanos diferenciam-se dos demais animais no aspecto do instinto. Nós, seres
14) A consciência mítica tem diversos significados. Assinale o que ela NÃO pode significar:
A( ) Uma idéia falsa da realidade;
B( ) Uma crença exagerada no talento de alguém;
C( ) Algo irreal e supersticioso;
D( ) Símbolos que tentam explicar a realidade e dar sentido à vida humana;
E( ) Expressão racional da realidade em que vivemos.
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