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Deus rejeita a oração? Oraçao é alimento?

 Pergunta de Aline Ramos Pereira, Guaiçara


 

  22521
 

  11/02/2011

 Ivete Holthmam

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A oração é baseada na convicção de que Deus existe, escuta e responde a todos os


seres humanos (Sl 65,2) – que Ele é uma divindade pessoal. De certo modo, é a
resultado do conceito bíblico de que o ser humano foi criado “à imagem e semelhança
de Deus”(Gn 1,26-27), que implica, entre outras coisas, relação com Deus. Embora a
oração tenha uma base intelectual, tem uma característica essencialmente emocional.
É uma expressão da busca do ser humano e sua ânsia de “derramar” sua alma diante
de Deus (Sl 42, 2-3; 62,9). Por esta razão a oração toma diferentes formas: súplica,
confissão, meditação, louvor, recolhimento, agradecimento, adoração e intercessão.
Embora se possa fazer uma distinção entre “louvor”, “confissão” etc., e oração no
sentido mais formal de oração “litúrgica”, a fonte é a mesma; no coração humano se
fundem todas as categorias, a relação do “Eu e o Tu”. Assim, oração e louvor se
entremeiam (1Sam 2,1-10), súplica e ação de graças seguem o mesmo princípio (Sl
13,1-5). Muitas orações na Escritura parecem oscilar entre discurso e súplica (Ex 3-12),
meditação e pedido (Jr 20,7ss), ou discussão e súplica (Job). O estilo variado da oração
bíblica originou uma riqueza de terminologia para oração. Os rabinos já tinham
notado que a “oração é nominada por dez diferentes expressões” (Sif. Dt. 26), Fazendo
uma análise mais apurada, se pode encontrar ainda mais. A palavra mais comum para
a oração é tefilá (Is 1,15); o verbo correspondente é hitpallel (1Re 8,42). Na Escritura a
raíz pll significa “intervir, julgar, esperar” Estes significados são altamente apropriados
para a concepção da oração bíblica como intercessão e auto-exame que conduz à
esperança. Outros termos são: qara’ (“chamar” o nome da divindade, isto é., adorar –
Gn 4,26); za‘aq (“clamar” por socorro – Jz 3,9); shiwwa‘ (“gritar” por ajuda – Sl 72,12);
rinnah (“clamor” de alegria ou tristeza - Sl 17,1); darash “procurar” Deus – Am 5,4);
biqquesh penei “buscar a face” de Deus – Os 5:15); sha’al (“pedir” – Sl 105,40); nasa’
(“levantar” – Jr 7,16); paga‘ (“encontrar”, isto é, curvar-se, ganhar o favor – Jr 7,16);
hithannen (“implorar”, isto é., procurar um favor – Dt 3,23); shafakh lev (“derramar” o
coração – Sl 62,9); e si’ah (“queixar-se”’ – Sl 142,3). Apesar da variedade de tipos, a
oração bíblica é essencialmente uma reação humana. Os rabinos descrevem-na como
“o serviço do coração” (Taan. 2 a); a expressão tem suas raízes no pensamento bíblico
(Os 7,14; Sl 108,2; 111,1). Mas as necessidades do ser humano são tantas e complexas
que, inevitavelmente acabam por refletir a enorme variedade de sentimentos
humanos: medos, esperanças, desejos e aspirações. No período Patriarcal, uma
simples invocação, por exemplo, chamar o nome de Deus (Gn 12,8; 21,33) era
suficiente. A aproximação a Deus neste período era marcada pela espontaneidade e
familiaridade – Deus estava próximo. Para o ser humano, o futuro foi sempre coberto
por um mistério, freqüentemente não sabe como agir, mas deseja saber. Por isso
pedem um sinal ou oráculo que podia ser dirigido diretamente a Deus (Gn 24,12-14),
ou indiretamente através do sacerdote (1Sam 14,36-37) ou profeta (2Re 19,2). Deste
estrato surgiram orações magníficas de orientação e discernimento (Nm 6,24-26; 1Re
3,6ss; Sl 119,33). Mas, na emergência o ser humano não quer simplesmente saber o
futuro; ele procura tomar uma decisão com a ajuda de Deus. Assim Jacó (fazendo um
voto) rezou por necessidades materiais (Gn 28,20ss); Eliezer por sucesso na sua
missão (Gn 24,12-14); Abraão pela salvação de Sodoma (Gn 18,23-33); Moisés pela
falha de Israel (Ex 32,31-32); Josué pela ajuda divina na hora da derrota (Jos 7,6-9);
Ezequias pela libertação das mãos de Senaqueribe (2Re 19,15-19); os profetas em
favor do povo (Jr 14,1ss; 15,1ss; Am 7,2ss); Daniel pela restauração de Israel (Dn 9,3-
19); Esdras, pelos pecados do seu povo ( Esd 9,6-15) e Neemias pela angustia do seu
povo (Ne 1,4-11). A oração de Salomão por ocasião da dedicação do Templo (1Re 8,12-
53) abrange quase todos os tipos de oração – adoração, ação de graças, pedido e
confissão. Também acentua um caráter universal (8,41) repetida freqüentemente
pelos profetas. Assim a oração bíblica alcança todos os níveis, desde as necessidades
materiais até os anseios espirituais mais elevados (Sl 51,1ss; 119,1ss), transcendendo,
como a profecia, os horizontes da história e alcançando o domínio da escatologia (Is
66,22-23). Havia uma relação entre sacrifício e oração (13,4; 26,25), que persistiu até a
destruição do Segundo Templo. O sacrifício sugeria uma submissão do ser humana à
vontade divina. A oração freqüentemente fornecia um comentário sobre a oferenda.
Mas os dois não estão necessariamente ligados. É digno de nota observar que o
regulamento sacrificial não fez preparativos para a liturgia (exceto para o Dia do
Perdão, Lv 12,21); mas as oferendas eram verdadeiramente uma forma dramática de
oração. Na sinagoga, a oração, acompanhada por leituras e explicações da Escritura,
tomava o lugar das oferendas do altar. Exemplos de oração de intercessão já foram
citados. O intercessor quer seja profeta, sacerdote, rei ou líder nacional, não faz
referência à necessidade de um intermediário no culto: “O Senhor está perto de todos
os que o invocam, de todos os que o invocam na verdade” (Sl 145,18). O intercessor é
alguém que, pelas suas qualidades naturais, coloca ênfase na súplica. A oração,
distinta do sacrifício, podia ser oferecida em qualquer lugar (Gn 24,26; Dn 6,11 no
quarto superior; Esd 9,5ss), mas havia uma tendência natural em procurar um lugar
sagrado (ex.: Silo ou Gibeon). Finalmente o Templo de Jerusalém se tornou o lugar
mais importante de oração (Is 56,7), todos os que não podiam estar lá pessoalmente,
ao menos dirigiam o olhar em direção a ele enquanto rezavam (Dn 6,11; cf. Sl 5,8). No
futuro o Templo devia ser uma casa de oração para todas as nações (Is 56,7). A
sinagoga teve sua origem durante o exílio da Babilônia; originariamente era um lugar
de reunião, e se tornou, no seu devido tempo, casa de oração e estudo. A ênfase na
oração comunitária começou a crescer, mas a oração pessoal nunca foi abolida. O
coração e não a hora ordenava o momento da oração. Dia e noite o Pai Celestial podia
ser solicitado. (ex.: 1Sam 15,11; Sl 86,3; 88,1). No entanto, a necessidade de
regularidade ocasionou a sincronização dos momentos da oração e do sacrifício:
oração da manhã corresponde à oblação da manhã (Sl 5,3), a prece da tarde
corresponde ao sacrifício da tarde (1Re 18,36; Esd 9,5). O cair da tarde era uma outra
ocasião de louvor, assim a oração é oferecida três vezes ao dia (Sl 55,18; Dn 6,11,
embora duas vezes em 1Cro 23,30). As sete vezes mencionadas no Sl 119,164 significa
“muitas vezes” ou “freqüentemente”. Na Bíblia não há gestos particulares prescritos
em conexão com a oração. Mas algumas posturas se desenvolveram naturalmente
para dar ênfase ao conteúdo da oração: de pé, o que é normal (1Sam 1,26; 1Re 8,22);
ajoelhado (Dn 6,11; Esd 9,5); prostrado (Jos 7,6); inclinado (Gn 24,26, Nee 8,6); mãos
estendidas para cima (1Re 8,22; Sl 28,2); rosto entre os joelhos (1Re 18,42); e mesmo
sentado (2Sam 7,18). Os mais importantes acompanhamentos da oração eram o
jejum, lamentação e choro (Is 58,2-5; Jl 2,13). Mas o critério último permaneceu o ardor
do coração (Jl 2,13). Originalmente a oração era espontânea e pessoal; mas com a
necessidade de colocar ordem na religião criou-se modelos litúrgicos e versões
musicais Esd 2,65; 1Cro 16). Fórmulas de oração são encontradas já no Pentateuco (Dt
21,7ss; 26,5-15). Os Salmos nos fornecem modelos de desenvolvimento litúrgico
completo, incluindo coral e instrumentos característicos. A resposta “Amém” ocorre
em Nm 5,22; Sl 41,14 etc.; a doxologia em Ne 9,5.42; uma revisão de como Deus age
com seu povo para o conduzir a uma conversão (Ne 9,6-10). A oração é ouvida e
atendida pela divindade, esta é uma verdade bíblica aceita (ex.: Gn 19,17-23; Nm
12,9ss.); no entanto, a Escritura mostra também que a oração não é respondida (Gn
18, 17ss.; Is 29,1ss.). O ritual não é suficiente quando a oração é hipócrita (Is 1,15; Am
4,4ss.); e há momentos que a intercessão é proibida (Jr 7,16; 11,14). É neste ponto que
o conceito bíblico de oração é visto na sua verdadeira interioridade. No paganismo o
culto era considerado como algo mágico, por meio do qual a divindade era obrigada a
cumprir o desejo do sujeito que reza; o elemento moral era completamente ausente.
Na fé bíblica a resposta divina é essencialmente ligada a valores espirituais e éticos. O
ser humano como é, responde à sua própria oração (Gn 4,7), e a resposta é
fundamentalmente uma mudança de espírito e de perspectiva. Abraão aprendeu a
lição da fé (Gn 15,1-6); Moisés se tornou o libertador do povo (Ex 3,2 – 4,18); Isaias foi
transformado em profeta (Is 6,5-8). Oração e profecia eram provavelmente
correlacionadas, a primeira foi o solo preparatório na qual a semente da revelação
aconteceu (Jr 1,6ss.; Hab 1,13 – 2,3). Em muitos casos a oração assume um caráter
impetuoso (Jr 12; Sl 22), mas a tempestade sempre termina numa fé renovada e na
paz. Às vezes, no entanto, Deus responde antes de ser chamado (Is 65,24; cf. Dn
9,20ss.), não só o ser humano suplica por Deus, mas também Deus procura o ser
humano (Is 50,2; 65,12). Entre o Eu e o Tu há uma relação recíproca.

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