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Uma análise sobre a crise espiritual da

igreja evangélica nos Estados Unidos


(Parte 1)

Ter, 25/05/2021 por

De 1990 para cá, enquanto o evangelho tem experimentado um


verdadeiro “boom” de crescimento nas Américas Central e Sul, no
continente africano e na Ásia, o que se vê nos Estados Unidos é uma
queda vertiginosa. E essa queda, frise-se, não é só em relação aos
evangélicos: é uma queda do cristianismo ali de forma geral, de 1990
para cá, e de forma impressionante. Vejamos primeiro o caso
específico dos evangélicos, que é o que mais nos toca.
 
Em 1990, os evangélicos eram 60% da nação. Em 2007, eles eram
51%; em 2012, 48%; em 2014, 47%; em 2018, 43%; e em 2021, 40%.
Veja: de 1990 a 2021, em apenas 31 anos, os evangélicos nos EUA
caíram de 60% da população para, segundo o levantamento do
Instituto Gallup publicado em março deste ano, apenas 40% (sic). Isso
é uma queda de um terço em apenas três décadas! Isso é maior, por
exemplo, do que a queda do catolicismo no Brasil.
 
Em 1970, os católicos eram 91,8% da população brasileira; e em
2010, 64,6% – ou seja, uma queda de 29,6% em quatro décadas,
enquanto nos EUA os evangélicos caíram 33,3% em apenas três
décadas. Outra coisa: os católicos no Brasil caíram percentualmente,
mas continuam crescendo numericamente, enquanto os evangélicos
nos EUA, nas três últimas décadas, caíram percentual e
numericamente.
 
Em 1776, ano da independência dos EUA, os evangélicos eram 97,6%
da população norte-americana; no ano de 1900, eram 90% – ou seja,
após 124 anos, houve uma queda irrisória percentualmente falando,
sem falar que, em contrapartida, houve enorme crescimento numérico
dos evangélicos nesse período. É apenas durante o século 20 que
haverá a primeira queda percentual realmente significativa dos
evangélicos nos EUA, mas, mesmo nesse caso, há ainda ressalvas
importantes. É verdade que de 1900 a 1990 os evangélicos nos EUA
caíram de 90% para 60% da população, uma queda também de
33,3%; mas, além de essa queda ter se dado em 90 anos e não em 30
anos (ou seja, durou três vezes mais tempo), há sobretudo o fato de
que, nesse período, os evangélicos continuaram crescendo
numericamente de forma muito significativa, o que não ocorreria de
1990 em diante. A queda percentual de 1900 a 1990 se devia não a
uma falta de crescimento dos evangélicos, mas ao crescimento
exponencial da imigração para os EUA de latinos, italianos e
irlandeses durante o século 20, o que fez aumentar imensamente o
número de católicos no país.
 
Ou seja, em termos percentuais, a única diferença do cristianismo nos
EUA no século 20 (pelo menos até 1990) em relação ao dos primeiros
124 anos da história daquele país é que, por questões meramente
imigratórias, a massa geral de cristãos norte-americanos passou a ser
mais heterogênea no século 20, com grande porcentagem de
católicos. No mais, os cristãos em geral continuavam sendo a
esmagadora maioria da população, permanecendo em torno dos 90%.
 
Por outro lado, quando olhamos para o período subsequente, de 1990
a 2021, vemos exatamente o contrário:
 
(1) Houve uma queda abrupta do número de evangélicos, da ordem
de 33,3%, em apenas 31 anos!
 
(2) Essa queda não foi apenas percentual, mas numérica. A
população dos EUA em 1990 era de 250 milhões de pessoas, o que
significa dizer que, se 60% da população era evangélica nessa época,
havia 150 milhões de evangélicos no país naquele tempo. Já em
2021, quando a população dos EUA é de 330 milhões de pessoas,
apenas 40% da população é evangélica, o que significa que há
atualmente 132 milhões de evangélicos naquele país – isto é, 18
milhões a menos do que 31 anos atrás. Isso é mais do que a
população da Holanda, mais do que a população do estado do Rio de
Janeiro. Em outras palavras, nem o crescimento vegetativo foi
suficiente para cobrir o buraco crescente de evasão dos anos que se
seguiram.
 
(3) Trata-se também de uma queda dos cristãos no país de forma
geral, ou seja, os católicos inclusos. Estes caíram de 30% para 20%
em 31 anos. Segundo o Gallup, se somarmos católicos e evangélicos
hoje nos EUA, eles representam juntos 60% do país, a mesma
porcentagem que os evangélicos representavam sozinhos naquele
país até 1990, isto é, um dia desses. Se considerarmos de 2007 para
cá, isto é, apenas os últimos 14 anos, a queda do número de cristãos
nos EUA foi de incríveis 15% – de 75% de cristãos em 2007 para 60%
em 2021. Em 2007, havia 225 milhões de cristãos nos EUA, enquanto
em 2021 há apenas 198 milhões – 27 milhões a menos, ou seja,
quase 2 milhões a menos por ano. Isso significa que não está
ocorrendo nos EUA uma forte migração de cristãos de um segmento
para outro do cristianismo (como ocorre no Brasil) sem afetar o
número geral de cristãos no país, mas uma queda mesmo do número
de cristãos de forma geral, sejam eles evangélicos ou católicos.
 
Aqui, um parênteses para uma curiosidade: segundo pesquisa
Datafolha de 2016, 48% dos evangélicos no Brasil nasceram em lares
evangélicos e sempre foram a vida toda de uma única denominação;
44% são católicos que se tornaram evangélicos; 4% são evangélicos
que migraram de denominações tradicionais para igrejas pentecostais;
2% vieram do espiritismo para a igreja; 1% é de pentecostais que
migraram para igrejas tradicionais; e o 1% restante veio da umbanda,
do candomblé e de outras religiões para a igreja. Isso significa dizer
que 48% é fruto de crescimento vegetativo, 47% é fruto de
evangelização e 5% é de crentes que migraram entre denominações,
com a migração sendo 4 vezes maior de tradicionais se tornando
pentecostais e não o contrário. 
 
Mas, voltemos aos Estados Unidos.
 
A pesquisa nos EUA supracitada, de março deste ano, feita pelo
Instituto Gallup, também revelou que, pela primeira vez na história,
menos da metade dos norte-americanos – sejam eles católicos,
evangélicos, ortodoxos, judeus ou islâmicos – pertencem a alguma
igreja, sinagoga ou mesquita. Mais precisamente, apenas 47% dos
norte-americanos se declaram membrados a alguma casa de culto,
seja igreja, sinagoga ou mesquita. Desde 1937, o Gallup faz
levantamentos sobre a religiosidade nos EUA e, segundo esses
levantamentos, de 1937 a 2000, o número de norte-americanos que
se declaravam filiados a alguma casa de culto oscilou de 76% a 68%,
sendo que no ano 2000 era de 70%. Porém, de 2000 a 2020, foi só
ladeira abaixo: em 2005, eram 64%; em 2010, 61%; em 2015, 55%; e
em 2020, 47%. Isso significa uma queda de 23 pontos percentuais em
20 anos, enquanto de 1937 a 2000 – isto é, em 63 anos – foram
apenas 6 pontos percentuais de queda.
 
Enquanto isso, o número de pessoas que se declaram sem nenhuma
religião nos EUA chegou a 21% em 2021, segundo o Gallup, mas
pode ser pior, já que, segundo outros censos divulgados também em
março deste ano, esse número já seria de 30%. Os cristãos em geral
(católicos, ortodoxos e protestantes) caíram para 63% em 2019,
segundo o Pew Research, e para 60% em 2021, segundo o Gallup.
Lembrando que apenas um terço dos evangélicos nos EUA
frequentam a igreja toda semana – ou seja, a grande maioria não o
faz.
 
Portanto, hoje temos 30% da população norte-americana de pessoas
sem religião e apenas 40% de evangélicos, mas com só um terço
deles indo à igreja; e cristãos ao todo são apenas 60% da população e
caindo (há apenas 30 anos, eram cerca de 90%). Traduzindo: os sem-
religião já são METADE do tamanho dos cristãos no país e só 25%
menor que a quantidade de evangélicos nos EUA – e se você
comparar apenas com os evangélicos praticantes, os sem-religião JÁ
SÃO o maior grupo no país. Sem dúvida alguma, a igreja está
perdendo terreno nos Estados Unidos.
 
Bem, há pelo menos algum sinal à vista hoje de que isso pode mudar?
Infelizmente, não. Segundo outro levantamento feito, cresce a cada
ano o número de crentes nos EUA que não compartilham a sua fé
como deveriam – inclusive o número daqueles que nem fazem mais
isso.
 
O Instituto Barna fez três levantamentos sobre isso nos EUA – um em
1993, outro em 2018 e um mais recente em 2019, os dois últimos com
resultados assustadores. Na pesquisa de 1993, 89% dos crentes
entrevistados afirmavam que todo cristão tem a responsabilidade de
compartilhar a sua fé, o que nada mais é do que cumprir a Grande
Comissão instituída pelo Senhor Jesus em Mateus 28.19,20 e Marcos
16.15. Porém, em 2018, apenas 64% afirmaram concordar com isso –
uma queda de 25 pontos percentuais em 25 anos. Para piorar, uma
pesquisa do Barna realizada ano passado revelaria ainda que 47%
dos cristãos nos Estados Unidos situados na “Geração Y” ou
“Millennial” (nascidos entre os anos de 1980 e 2000 – ou seja,
pessoas com a idade hoje entre 39/40 e 19/20 anos) simplesmente
afirmavam considerar errado evangelizar, numa demonstração de que
a cultura pós-moderna do “politicamente correto” e do relativismo
cultural, que absurdamente considera o evangelismo algo “ofensivo”,
já contaminou praticamente metade da juventude evangélica norte-
americana de nossos dias.
 
O esfriamento evangelístico tem afetado as igrejas evangélicas nos
EUA de forma geral, de maneira que, se não se cuidarem, elas
poderão ter o mesmo fim do protestantismo europeu. Em 2018,
segundo pesquisa do Pew Research Center, não obstante 64% da
população europeia ainda se dizer cristã, 70% destes eram não-
praticantes. Isso significa dizer que somente 30% dos cristãos
europeus (o equivalente a 18% da população da Europa) eram
cristãos praticantes, que não apenas professavam a fé, mas também
frequentavam suas igrejas.
 
Ora, com menos cristãos engajados, menos evangelização; e com
menos evangelização, a igreja não cresce. Essa é a realidade da
Europa já há algum tempo e é a dos EUA também hoje.
 
Como os EUA chegaram a isso? No próximo artigo, pretendo tratar
das principais razões desse declínio.
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Uma análise sobre a crise espiritual da


igreja evangélica nos Estados Unidos
(Parte 2)

Ter, 08/06/2021 por

O que explica essa queda abrupta, vertiginosa e contínua da igreja


evangélica nos Estados Unidos nos últimos 30 anos, evidenciada
pelos dados que apresentamos no meu último artigo?
 
Creio que há um consenso que resume tudo: os Estados Unidos estão
em decadência moral e espiritual, e isso não é de hoje. Há quem
acredite que por volta de 1950 a semente dessa decadência começou
a ser plantada, já que várias vozes no meio evangélico se levantaram
nesse período denunciando tendências perigosas que estavam
começando a se formar naquela época no meio evangélico. Só a título
de amostra, podemos lembrar dos artigos-alertas de A. W. Tozer
(1897-1963) nesse período, publicados posteriormente em livro, como
é o caso de The Root of the Righteous, de 1955; e da obra Why
Revival Tarries, de Leonard Ravenhill (1907-1994), publicada em 1959
(Essas obras foram publicadas décadas depois em nosso país sob os
títulos A Raiz dos Justos e Por que Tarda o Pleno Avivamento?,
respectivamente). Outros exemplos poderiam ser citados de obras que
faziam sinalizações nesse sentido, mas o conteúdo desses dois títulos
– que se tornariam clássicos – já é suficientemente emblemático. Não
obstante essas preocupações, a igreja evangélica nos EUA
continuava muito forte e crescendo.
 
É importante frisar aqui que quando falo de “tendências perigosas” e
“crise espiritual” não estou falando especificamente da existência de
movimentos heréticos no meio evangélico norte-americano, pois estes
sempre existiram e, apesar deles, a igreja evangélica nos EUA
continuava crescendo na maior parte do século 20. Estou falando de
decadência moral e espiritual de forma geral. Os movimentos
heréticos, claro, contribuem para isso, mas fato é que essa
decadência pode existir independente da existência ou não de fortes
movimentos heréticos.
 
A Igreja Primitiva, por exemplo, sofreu com fortes heresias durante os
primeiros séculos da sua existência, as quais trouxeram muitos
prejuízos para ela naqueles dias, sem dúvida alguma; mas, esses
movimentos heréticos não foram – assim como a perseguição secular
também não foi – estorvo suficiente para paralisar o crescimento da
igreja nesse período, pois a igreja naqueles tempos, em sua
esmagadora maioria, não perdera ainda a sua integridade moral e
espiritual. Já nos séculos seguintes, a corrupção moral e espiritual
aumenta, e com ela a paganização da igreja; e se a igreja ainda
continua crescendo no período medieval, é, em algumas
circunstâncias, devido à graça de Deus e aos esforços de alguns por
Ele instrumentalizados de alguma forma; e em outras situações, a um
crescimento que é um verdadeiro inchaço, com muitos cristãos
meramente nominais ou pagãos cristianizados às custas da
paganização do cristianismo oficial.
 
O problema maior da igreja evangélica dos Estados Unidos de
algumas décadas para cá, como apontavam Tozer e Ravenhill, é
sobretudo as tendências negativas sutis de ordem espiritual que
muitas vezes passavam despercebidas, invadindo-as sem qualquer
vigilância atenta, e que cobrariam um alto preço mais tarde.
 
Nos anos de 1950 a 1970, não havia ainda uma crise espiritual
generalizada instalada nos EUA, mas apenas tendências
preocupantes sinalizadas aqui e acolá que ainda não comprometiam o
todo. A maioria da igreja estava em vitalidade moral e espiritual.
Entretanto, no final dos anos de 1980, a coisa aparentemente
começou a degringolar. Ao que parece, 30 anos depois, o que era
uma tendência cresceu e começava a produzir os seus frutos.
 
O final dos anos de 1980 seriam marcados pelos maiores escândalos
do meio evangélico norte-americano desde a fundação do país, os
quais só seriam superados décadas depois. Essa é a época de obras
como Set the Trumpet to thy Mouth (1985), do falecido David
Wilkerson (publicado no Brasil como Toca a Trombeta em Sião,
CPAD); de Integrity Crisis (1988), do falecido Warren Wiersbe
(publicado no Brasil como Crise de Integridade, Editora Vida);
e Integrity (1993), do também falecido Richard Dortch (publicado no
Brasil como Orgulho Fatal, CPAD).
 
Então, como se essa onda de escândalos dos anos 80 tivesse sido um
presságio, vemos, de 1990 em diante, a decadência começando de
fato, evidenciada eloquentemente pelos números.
 
Quando digo “decadência”, obviamente não estou afirmando que
todas e cada uma das igrejas daquele país estão em decadência. Há
muitas igrejas ali que estão bem, graças a Deus. Falo do panorama
geral do protestantismo nos EUA, da igreja evangélica como um todo
naquele país. E este não é um diagnóstico a partir de uma coleção de
fatos estarrecedores, porque às vezes fatos estarrecedores são
apenas fatos isolados, não representando o estado majoritário de uma
comunidade, logo não podem servir sempre de referência. Aludo a
fatos estarrecedores também, mas corroborados por números. Os
números estão aí para provar que, mais do que uma coleção imensa
de fatos tristes nos últimos anos, há uma decadência em ritmo
vertiginoso.
 
De 1990 para cá, como vimos no último artigo, os evangélicos
despencaram percentual e numericamente. Desde 2012 – ano em
que, pela primeira vez na história, os evangélicos passaram a não ser
mais maioria no país, caindo para 48% da população, eles passaram a
ser vistos como não mais determinantes nas eleições daquele país.
Lembremos que 2012 foi o ano da reeleição de Obama, o qual foi
reconduzido ao cargo não obstante a maioria dos evangélicos não ter
votado pela sua reeleição. A própria imprensa secular nos EUA
celebrou esse fato na época. Aliás, o próprio Obama, quando
presidente, diria que os EUA “não é mais uma nação cristã”, mas, sim,
uma nação cristã, muçulmana, ateia, budista etc.
 
A queda dos evangélicos, celebrada pela imprensa liberal em 2012,
era prevista. Os especialistas sabiam que era uma questão de tempo.
Afinal, como vimos, de 1990 a 2004, em apenas 14 anos, os
evangélicos já haviam despencado de 60% para 53%; e de 2004 a
2008, em apenas 4 anos, caíram de 53% para 50%. Logo, quatro anos
depois, cair para 48% não era nada inesperado. Era previsível. E a
queda avançou, chegando agora, 9 anos depois da perda da
hegemonia, para 40%.
 
Não só a imprensa acompanhava a evolução dessa queda nesse
período, mas a própria igreja evangélica norte-americana estava
ciente dela e reagiu nas últimas décadas de formas distintas diante do
problema. Alguns acharam que, uma vez que só as igrejas
neopentecostais cresciam muito (embora esse crescimento fosse
artificial, atraindo mais crentes de outras igrejas do que ganhando
pessoas não-crentes para Cristo), seria melhor aderir à teologia da
prosperidade e à confissão positiva, enquanto outra parte passou a
atribuir a queda dos evangélicos exclusivamente a esses movimentos
que envergonhavam o evangelho puro, de maneira que a solução dos
problemas seria não só combater essas heresias, mas também
empreender uma volta radical ao que seria “A ortodoxia protestante
original”, aquela que fundou a América. Isso gerou, entre outras
coisas, movimentos como o neocalvinismo, o neopuritanismo etc, que
seriam a solução, pois seriam “A volta ao evangelho”.
 
Por outro lado, os dados do Instituto Barna mostravam a influência
crescente dos valores da pós-modernidade sobre os evangélicos nos
EUA nas últimas décadas. Logo, o neopentecostalismo não era mais o
único problema. Havia também a pós-modernidade, que muitos vão
considerar até como sendo “O” problema de fato. Sim, a influência da
pós-modernidade é um problema, assim como as heresias
neopentecostais são um problema também, mas os problemas da
igreja evangélica nos EUA não se resumiam a esses. Tanto é que,
não demorou muito, outras reações surgiram para tentar explicar e
combater a queda da igreja evangélica no país, pois essas duas
reações não eram suficientes.
 
Enquanto isso, em outra vertente, alguns evangélicos, ignorando as
discussões teológicas, resolveram focar, de forma mais pragmatista,
em novos métodos de crescimento de igreja: para uns, a saída seria o
sistema de igreja em células, baseado no sucesso desse sistema de
organização eclesiástica na Coreia do Sul; para outros, seria o modelo
da “igreja sensível aos que buscam”, de Willow Creek, dentre tantos
outros métodos concebidos. Muitas igrejas aderiram a esses modelos,
que fizeram elas até crescerem, principalmente atraindo crentes
afastados de outras igrejas; entretanto, décadas depois, viu-se que
isso não serviu para alterar o panorama geral das igrejas no país,
além do que alguns desses modelos adotados foram vistos como
fundamentalmente falhos – caso de Willow Creek, cujo líder admitiu há
pouco mais de dez anos que, não obstante a sua igreja ter crescido
muito sob o modelo utilizado, ela gerou uma igreja com membros
espiritualmente superficiais.
 
Paralelamente a isso, na virada do século 20 para o século 21, alguns
pastores e teólogos norte-americanos, observando as mudanças na
sociedade na era pós-moderna e entendendo que o problema do
gráfico descendente das igrejas no país era não estarem atentas e
sintonizadas a essas mudanças, passaram a defender que, em vez de
lutar contra a pós-modernidade, a igreja evangélica nos EUA deveria
se adaptar a ela para sobreviver como igreja. Assim surgiu o
Movimento de Igrejas Emergentes. Bem, a verdade é que, como nos
outros casos, com o passar do tempo, esse movimento não só não
resolveu o problema da queda da igreja evangélica como grande parte
dessas igrejas acabaram se tornando mais parecidas com o mundo do
que com o evangelho.
 
Ainda dentro dessa linha, porém tentando fugir do que se tornaram
algumas igrejas e líderes do Movimento de Igreja Emergente, outros
irmãos passaram a defender uma “reinvenção” do evangelicalismo
como saída, já que a igreja não estaria mais conseguindo se
comunicar com o mundo, mais propriamente com este novo mundo.
Não era uma mudança na essência do evangelho, mas apenas na
embalagem e na linguagem. Era preciso, dizia-se, um evangelicalismo
“mais humilde” e mais despojado, menos formal; outros dirão também
que seria necessário um evangelicalismo mais voltado ao social;
outros ainda falarão de um evangelicalismo “mais de centro” (seja lá o
que isso signifique – as definições do que isso seria são as mais
variadas) ou de “revisar o centro” teologicamente falando, revisitando
o que há de bom de certas correntes históricas do protestantismo e
fazendo uma mistura disso. Falou-se também de um
“conservadorismo mais compassivo” ou de “uma ortodoxia mais
generosa”, motes usados originalmente pelos fundadores do
Movimento de Igrejas Emergentes e que agora haviam sido
reciclados. Enfim, o evangelicalismo deveria mudar, deveria ter uma
nova face. Todas essas discussões acabaram influenciando a própria
estética do culto; a forma de apresentação e de vestimenta dos
pastores; a estética dos templos; os estilos musicais; a elaboração de
uma nova linguagem supostamente mais adequada aos novos
tempos, mas tendo o cuidado para não se perder a essência do
evangelho; os estilos musicais etc.
 
Não necessariamente todas essas mudanças são ruins. O problema,
contudo, é que todas elas são erros de premissa, sequer tocando no
cerne do problema. Tanto é que nada disso adiantou: os evangélicos
continuaram e continuam caindo nos EUA, não obstante todas essas
mudanças aplicadas.
 
Também paralelamente a isso tudo, muitos cristãos passaram a se
preocupar com a necessidade de os cristãos se envolverem mais com
as questões culturais e políticas do nosso tempo, já que a influência
cristã na cultura, na academia e na política havia caído absurdamente
nos EUA nas últimas décadas, com o avanço do progressismo, do
secularismo e até do marxismo em plagas norte-americanas. Veio,
então, nos anos de 1990, o movimento de cosmovisão cristã,
inspirado nos escritos do falecido Francis Schaeffer. Seus seguidores
começaram a desenvolvê-lo no início dos anos de 1990, mas ele
cresceu de fato a partir da primeira década dos anos 2000 (Charles
Colson, Nancy Pearcey etc). O movimento tem suas virtudes e
importância. Porém, esse engajamento foi visto por alguns como “A
Solução”, o que não é o caso. O problema da queda dos evangélicos
e do Cristianismo nos EUA não será resolvido apenas por uma
agenda de guerra cultural. Ela tem seu valor, mas não é tudo.
 
Na esteira desse engajamento cultural, houve ainda a ascensão da
apologética cristã, com a valorização maior de nomes que já militavam
havia um bom tempo nessa área, como Norman Geisler, William Lane
Craig, Hank Hannegraff, Ravi Zacharias etc. Mas, mesmo muitos
desses fazendo um grande trabalho de base e tendo excelente
desempenho em debates públicos contra estrelas do ateísmo ou do
liberalismo/progressismo, os evangélicos continuaram caindo nos
EUA. E mais uma vez, não porque esse trabalho não seja importante.
Longe disso! Apenas não é o suficiente e não toca no cerne da coisa.
Tanto é que Ravi Zacharias teve um final triste e Hank Hannegraff
terminou abandonando o protestantismo e se tornando membro da
Igreja Ortodoxa. Porque o problema é mais fundo.
 
Não é que o trabalho na área cultural não deva ser feito, nem que o
labor apologético não seja necessário, nem muito menos que não
tenha sua importância se preocupar em levar o evangelho sabendo se
comunicar bem com esta geração sem abrir mão da ortodoxia bíblica.
A questão é, na verdade - o problema é, sobretudo -, de ordem
espiritual, no sentido de qualidade da vida espiritual da maioria dos
crentes norte-americanos.
 
Muitos dos problemas enfrentados pelos irmãos norte-americanos
(heresias neopentecostais, influência da pós-modernidade, guerra
cultural, necessidade apologética) são conhecidos também pelos
irmãos nas Américas Central e do Sul, na África e na Ásia (aliás, todas
essas ondas nos EUA influenciaram também as igrejas evangélicas
nas outras regiões do mundo), mas nestas regiões, apesar de todos
esses problemas, as igrejas evangélicas – no panorama geral – têm
crescido, enquanto nos EUA e na Europa, com os mesmos problemas,
não. Por quê? Talvez porque, ao que tudo indica, apesar dos muitos
problemas que também temos, há ainda, na média geral, muita
vitalidade espiritual nessas outras regiões, graças a Deus.
 
Com isso, claro, não estou dizendo que não há igrejas problemáticas
nas outras regiões do mundo onde agora está havendo crescimento,
nem que as igrejas nos EUA ou mesmo na Europa estão todas e cada
uma delas em decadência, mas estou dizendo – volto a frisar – que o
panorama geral nessas regiões de que falei é de crescimento apesar
dos problemas, enquanto nos EUA, como na Europa, é de
decadência, e que isso, ao que tudo indica, tem a ver com uma
provável média geral de vitalidade espiritual maior nas igrejas nessas
regiões do que nos EUA e Europa, apesar de toda riqueza, história e
cultura das igrejas nos EUA e na Europa.
 
Ou seja, a igreja nos EUA e na Europa precisam de um avivamento.
Sim, aqui há igrejas que precisam de um avivamento também, assim
como na África e na Ásia, mas não há sombra de dúvida de que na
Europa e nos EUA a situação é muito mais premente.
 
Aumento do conhecimento bíblico e doutrinário, aprimoramento
apologético e zelo na ortodoxia, bem como a preocupação com a
comunicabilidade e com o uso de novas tecnologias na vida da igreja,
são importantíssimos, mas nada disso é suficiente se não há
vitalidade espiritual. Tudo isso pode produzir, em muitos casos, até
aparência de vitalidade, mas só aparência.
 
Hank Hannegraff abandona o protestantismo e se torna cristão
ortodoxo. Ted Haggard, até então um dos evangélicos mais influentes
do país e presidente da Associação Nacional dos Evangélicos nos
EUA, cai em um terrível escândalo. Há o caso do falecido Ravi
Zacharias. Há também a Liberty University processando seu ex-
presidente Jerry Fawell Jr. em 10 milhões de dólares por escândalo
sexual. Paul Maxwell, doutor em Teologia e professor de Filosofia do
Instituto Bíblico Moody, mais conhecido como um dos principais
articulistas e autores do ministério Desiring God, do pastor John Piper,
anunciou em 9 de abril, em suas redes sociais, que não é mais cristão
e que está “feliz com isso”. A própria igreja de Piper, a Igreja Batista
de Bethlehem, em Minneapolis, desde que ele se aposentou do
pastorado há 9 anos, já está no quarto pastor, após quatro renúnicas
seguidas em quatro meses, todos renunciando após acusarem o
presbitério da igreja de exercer "uma liderança tóxica e abusiva"
(Segundo se fala, o presbitério não aceitou que esses pastores
aplicassem na igreja a Teoria Crítica da Raça, o igualitarismo
ministerial e uma maior flexibilização na área do divórcio). O pastor
Joshua Harris, que foi uma referência para muitos jovens cristãos nos
EUA nos anos 2000, como líder de um movimento de pureza sexual,
com abstinência até o casamento, resolveu, em 2010, preocupado por
estar sendo taxado de “fundamentalista”, “sexista” e “radical” por suas
posições, dizer que defendia uma “ortodoxia humilde”; depois, em
2016 e 2017, pediu desculpas sobre alguns de seus posicionamentos
nessa área; em 2018, chegou ao ponto de tirar de circulação a sua
principal obra tratando sobre namoro, com mais de 1,2 milhão de
exemplares vendidos; e em 2019, passou por uma crise no
casamento, se divorciou e anunciou que não era mais cristão, decisão
mantida até hoje.
 
Poderia citar muitos outros casos recentes, enfileirar caso após caso
dos últimos anos, mas vamos parar por aqui. Voltemo-nos agora para
o ápice desse quadro todo, o principal sintoma dessa queda
vertiginosa, que é a atual divisão visceral vivida pela igreja evangélica
nos EUA. Nos Estados Unidos, o país e a igreja estão divididos. E é
sobre isso que trataremos no próximo e último artigo desta série.

Uma análise sobre a crise espiritual da


igreja evangélica nos Estados Unidos
(Parte 3 - final)

Seg, 28/06/2021 por

(Obs.: Este é o terceiro e último artigo da série que encetei recentemente em minha
coluna no CPADNews tratando sobre a crise espiritual da igreja evangélica nos EUA.
Se você ainda não leu os outros dois artigos, favor lê-los antes para compreender
melhor nosso raciocínio neste artigo e também para não se encontrar eventualmente
fazendo questionamentos que já foram respondidos nos dois artigos anteriores. O
primeiro artigo pode ser lido AQUI e o segundo, AQUI).
 
No meu último artigo desta série, lembrei que, em reação a essa onda de
secularização e de progressismo na sociedade norte-americana nas últimas décadas,
houve um movimento nos anos de 1990 que pregava que os evangélicos e
conservadores em geral deveriam se engajar mais nas áreas cultural e política do
país. Porém, esse engajamento, mesmo tendo acontecido, não foi o suficiente para
frear o avanço secularista e a implementação da agenda progressista nos Estados
Unidos, os quais se tornaram ainda mais fortes de lá para cá, de maneira que houve
mais recentemente, em resposta ao recrudescimento dessa ascensão progressista,
uma reação desesperada conservadora para fazer frente ao que teimava avançar.
Essa resistência começou nos EUA por volta de 2010.

A ascensão do progressista Obama ao poder, com o apoio da maioria esmagadora da


mídia nos Estados Unidos e no mundo, fez com que a agenda progressista avançasse
muito no país, como nunca antes na história dos EUA. Mas não só lá: também no
resto do Ocidente, que já tinha a União Europeia com uma agenda totalmente
progressista e uma América Latina com a esquerda em ascensão. Logo, com o maior
país do mundo conduzido agora também por essa agenda, os avanços foram
extraordinários no planeta.

Nesse cenário, alguns políticos tradicionais conservadores nos EUA foram acusados
pela parte conservadora da população de esmorecerem, de contemporizarem, de até
mesmo - em alguns casos - cederem ao avanço do progressismo. Em geral, ees foram
acusados de se mostrarem menos conservadores agora, mais “centristas”, enquanto o
Partido Democrata, por sua vez, estava se esquerdizando rapidamente, diminuindo
cada vez mais a sua outrora maioria "centrista". Logo, em contraposição a esse novo
contexto, alguns novos nomes entre conservadores e evangélicos ascenderam
politicamente nos EUA por se mostrarem, ao contrário dos antigos nomes de sempre,
mais combativos em seu conservadorismo.

Ou seja, como muitos líderes políticos conservadores não estavam mais


representando seu público eleitor, criou-se uma desconexão entre essa elite política
conservadora e seus eleitores, abrindo as portas para nomes menos alinhados à
liderança política conservadora tradicional, outsiders que eram mais sintonizados com
o sentimento popular.

Essa é a época do surgimento do "Movimento Tea Party", dentro do qual surgirão


vários dos novos nomes conservadores da política norte-americana recente. Esse
movimento é formado em sua maioria por conservadores frustrados com o Partido
Republicano, mas também por eleitores decepcionados com a esquerdização do
Partido Democrata; e é esse movimento que, logo depois, se transmutará naquilo que
a mídia, em uma pobreza de linguagem, chamará genericamente de “Trumpismo”,
devido à recepção positiva que grande parte dele dará à emergência do bilionário
Donald Trump, ele mesmo um ex-democrata, dentro da causa. Chamar de
“Trumpismo” é impróprio porque Trump não criou essa onda. Ela o antecede e o
envolveu. Donald Trump foi apenas uma pessoa que percebeu a onda, sofrendo ele
também a sua influência e, inteligentemente, soube capitalizá-la para si e “surfar” nela.
Ademais, suas discussões públicas com Obama durante a gestão do democrata
(quando Trump abraçara publicamente a causa do "Movimento Tea Party") geraram
fortes ressentimentos entre os dois os quais empurrariam o ousado bilionário,
inevitável e naturalmente, a uma disputa presidencial. Sintonizado com os anseios
desse novo movimento desde o início, e encarnando o outsider totalmente alinhado
aos anseios de grande parte da população contra o mainstream, e sem se preocupar
com os ditames do “politicamente correto” (já totalmente em vigor nessa época),
Trump se sagrou vencedor no pleito de 2016.

Os conservadores mainstream, diante da vitória de Trump e da constante perda de


adesão popular a eles na base conservadora devido à frustração desta com eles, em
vez de reverem suas posições, passaram a taxar, ressentidos, esse movimento
popular como “reacionário”, “radical”, “esquerda de sinal trocado” etc. Ora, como todo
movimento, há, sim, os extremistas, como os chamados Alt-Right, a “Direita
Alternativa”, que é mais radical; porém, estes são um grupo absolutamente minoritário.
Eles são uma pequena espuma desse movimento recente, que, em sua esmagadora
maioria, não tem essa linha. Mesmo assim, para fins de narrativa, os progressistas,
que estavam também obviamente assustados com a vitória de Trump em 2016,
pegaram o gancho e passaram a tentar colar em Trump e seus apoiadores (ajudados
pelo próprio jeitão Trump de ser e tentando explorar o politicamente incorreto de
Trump contra ele) todas as pechas possíveis de radicalismo, até mesmo as mais
histriônicas: “supremacismo branco”, “nazismo”, “fascismo” etc. Ora, Trump pode ter
vários defeitos, mas supremacista branco, nazista e fascista são coisas que ele
certamente não é. Tudo balela. Mas, era a guerra.

Aqui, um rápido parênteses para lembrar que, uma vez que essa reação ao avanço da
agenda progressista no mundo é global – com essa agenda tendo um grande avanço
no mundo quando a já liberal Europa encontrou uma parceria perfeita nos oito anos de
governo Obama e em uma América Latina mais à esquerda nesse período –,
explodiram na mesma época que nos EUA reações conservadoras em várias partes
do planeta, inclusive no Brasil. Logo, não é por acaso que as estratégias de contenção
a essa reação conservadora usadas pelos establishment nos EUA foram reproduzidas
pelo establishment de todos os demais lugares, inclusive no Brasil. Como todos
enfrentaram os mesmos problemas, os métodos foram similares.

Bem, simultaneamente a tudo isso, as redes sociais haviam chegado ao seu auge, de
maneira que essa guerra, esse clima de beligerância, foi transferido para a internet.
Refiro-me tanto à guerra mais acirrada entre liberais e conservadores quanto à guerra
interna entre os conservadores, o que refletiu nas igrejas norte-americanas, pois os
evangélicos, mais engajados ainda na questão política devido aos novos tempos, não
puderem escapar do envolvimento nesses conflitos. Aliás, nunca os norte-americanos,
de forma geral, estiveram tão engajados e preocupados com política do que agora, de
maneira que é inescapável que os evangélicos nos EUA (e em outras partes do
mundo), que fazem parte da população (sendo, inclusive, uma grande fatia dela)
sejam envolvidos por essa guerra (sobretudo pelo prélio "Conservadorismo x
Progressismo"), ainda mais que ela envolve a discussão de alguns valores que são
caros não apenas para a sociedade, mas também e em especial para os cristãos.

Alguns evangélicos norte-americanos, no entanto, se assustaram com o tom mais


combativo de alguns de seus irmãos; e os mais engajados, por sua vez, acusaram de
omissão diante do avanço da agenda progressista aqueles evangélicos que não
adotavam um tom mais firme. E esse estranhamento foi crescendo nos quatro anos do
governo Trump.

Uma parte dos evangélicos, mesmo tendo posições conservadoras, ficou


envergonhada de ter sua imagem associada a Trump, seja pelo comportamento do
presidente em seus enfrentamentos com a mídia militante progressista, seja pelos
defeitos de Trump amplificados por essa mídia (A mídia, naturalmente, como toda a
população, foi envolvida por essa guerra, com sua ala progressista - que é majoritária -
se tornando um verdadeiro exército em bloco contra o governo Trump). Esse
evangélicos não ficaram reticentes pela política econômica de Trump, que era ótima –
o melhor desempenho econômico em 50 anos. Não era também pela política de
Trump em relação a Israel, que também era muito boa (Até Embaixada dos EUA em
Jerusalém saiu do papel depois de décadas). Também não era pela política externa de
Trump, já que em seu governo os EUA não se envolveram em nenhuma guerra e
aproximações e acordos de paz históricos foram firmados. Também não era por apoio
ao aborto, à liberação das drogas, à ideologia de gênero, nada disso, pois Trump era
contra tudo isso. Também sua política em relação às liberdades religiosa e de
expressão eram positivas. As escolhas dos juízes para a Suprema Corte por Trump
estiveram também entre as melhores das últimas décadas, segundo admitiam os
próprios conservadores – mesmo os “anti-Trump”. O problema mesmo era... O jeito
Trump. John Piper chegou a dizer que achava o comportamento pessoal de Trump
muito mais prejudicial moral e espiritualmente para o país do que o aborto (sic). Por
isso, ele declarou ano passado que não iria votar em ninguém. Os democratas
agradeceram.

Mas, não houve apenas os que resolveram não votar. Houve os evangélicos que
preferiram votar em Biden. Enquanto parte dos evangélicos partiu para a confrontação
direta à agenda progressista, outra parte ficou tão incomodada pelo calor do debate
(Tipo: “Eu sou contra essas coisas também, mas o tom está agressivo demais”) que
partiu para uma postura mais passiva, de acomodação de posições aqui e acolá, na
tentativa de ser considerada mais “equilibrada” e simpática à opinião pública (Tipo: “Ei!
Eu não sou como aqueles malucos, esses evangélicos 'trumpistas'! Eu sou legal,
compreensivo, afável etc. Aqueles crentes não representam o cristianismo normal...”).
Só que, na prática, a oposição os usou como “idiotas úteis”. A oposição não se
importou com a mensagem do evangelho pregada por eles; apenas usou politicamente
a posição política ambígua e envergonhada deles para jogar evangélicos contra
evangélicos nos EUA e desgastar os que se opõem mais direta e fortemente à agenda
deles. E no final, como muitos desses que declararam seu apoio a Biden eram
lideranças evangélicas respeitadas, isso levou uma boa parte dos evangélicos (no
mínimo 25%) a votar em Biden.

A maioria dos evangélicos, porém, mesmo não concordando com certos


comportamentos ou expressões de Trump, entendeu que, diante do contexto, pesando
tudo na balança, não havia dúvida de que – apesar dos pesares – o melhor seria
apoiá-lo. Estes não entenderam como alguns de seus colegas não tinham esse
discernimento, logo criticaram estes seus colegas e recebiam de volta, pelo desgosto
da crítica, a pecha de “trumpistas”, "idólatras de político" etc. Alguns proeminentes
líderes evangélicos nos EUA passaram até mesmo a falar, com ares de profetas do
apocalipse, de uma “Religião do Trumpismo” que estava invadindo e destruindo a
igreja evangélica. Eles chegavam a confundir qualquer apoio e fervor político naturais
de campanha eleitoral como se fossem sinônimos de idolatria (sempre há excessos de
apoiadores em campanha, sabemos, mas eles generalizavam), e para piorar
contraditoriamente ainda fizeram uma campanha acirrada e aberta contra a eleição de
Trump e acharam nada demais. Se acusavam líderes cristãos de usarem os valores
da sua fé como justificativa para escolher apoiar Trump, eles também usaram como
justificativa os valores da sua fé para votar em Biden. Dezenas de nomes de destaque
se uniram e formaram o grupo “Evangélicos Pró-Biden”. Sim, eles conseguiram
encontrar em Biden virtudes que o faziam uma melhor opção para os EUA e o mundo
que Trump. O que encontraram, não sei. Suspeito que, no fundo, no fundo, tenha sido
o vislumbre de que, uma vez Biden eleito, haveria menos barulho na mídia, o mundo
pareceria calmo de novo (afinal, guerra midiática estressa) e ficariam agora menos
receosos quando seus colegas da mídia os chamassem para uma entrevista, pois não
passariam pela situação desagradável de serem abordados por perguntas que
associavam os evangélicos a Trump. Ufa!

Bem, o que ganharam foi mesmo uma mídia menos barulhenta, menos buzinando em
seus ouvidos. Aliás, pela temperatura da imprensa, parece que a “paz” se estabeleceu
na América do Norte de janeiro para cá – o Washington Post até acabou com sua
agência de “fact-checking”, criada durante o governo Trump, depois que Biden
assumiu (Afinal, o atual governo só fala a “verdade”, não é mesmo?). Mas, por outro
lado, esses evangélicos que só queriam paz também ganharam um presidente que,
nos primeiros meses de governo, decretou o investimento público ao aborto e políticas
pró-ideologia de gênero, essas coisas “menos prejudiciais” e “menos importantes” do
que o comportamento de Trump; além de uma política externa que, pelo menos por
agora, não parece ser das melhores; o maior aumento de impostos das últimas
décadas; o ressurgimento da inflação no país; um aumento cavalar do endividamento
público dos EUA com os pacotes econômicos aprovados no início deste ano etc.

Aí muitos desses evangélicos ditos “não-radicais” nos EUA, quando se deram conta
disso, se disseram “frustrados” com seu apoio a Biden. E, claro, passaram a ser
criticados por colegas evangélicos pela posição que tomaram nas eleições. Então, em
resposta, se esquivaram. E a cisão na igreja evangélica norte-americana, em vez de
sarar, piorou. Há ressentimentos dos dois lados. Nas últimas semanas, pastores como
Ted Jakes chegaram a pregar uma “reconciliação” entre a igreja evangélica dividida.
Parece que pouca gente ouviu. Do lado das lideranças que apoiaram Biden, há alguns
que até pularam fora de suas igrejas nos últimos meses, sem falar que houve até
quem se anunciasse católico agora, pois o evangelicalismo teria, para ele, "morrido".
Outros dizem que não querem mais saber de política. Dos que pularam fora de suas
denominações, há os que estão se tornando independentes e há os que estão
mudando de denominação, e alguns justificam sua saída dizendo que é porque
apoiam o “igualitarismo ministerial” (pastorado feminino) ou porque simpatizam com a
polêmica Teoria Crítica da Raça (que é absurda, como toda Teoria Crítica [Escola de
Frankfurt], além de defender fantasias como “racismo estrutural”).
 
Um detalhe é que a maioria dos evangélicos anti-Trump (a maioria, friso, não todos)
vem de regiões dos EUA onde as igrejas evangélicas não são fortes e a maioria da
população é liberal, enquanto a maioria dos evangélicos pró-Trump vem do
chamado Bible Belt ("Cinturão da Bíblia"), onde as igrejas evangélicas ainda são fortes
e a maioria da população é conservadora. Essa constatação não é minha, mas de
Timothy Dalrymple, presidente da revista Christianity Today e ele mesmo um anti-
Trump, em editorial no qual ele tentava conter a evasão de leitores da revista meses
após um editorial escrito pelo seu então editor-chefe Mark Galli - e endossado por ele -
pregando o impeachment de Trump (AQUI) (O artigo foi absolutamente precipitado,
pois, ao final, as acusações contra Trump se mostraram falsas. Para piorar, 200
líderes evangélicos publicaram um manifesto contra o editorial logo que ele saiu.
Muitos leitores migraram para o concorrente The Christian Post e Galli sairia da revista
poucos dias depois do seu polêmico editorial, votaria em Biden e ainda anunciaria sua
conversão ao catolicismo). No referido artigo, Dalrymple até cunha os termos "Igreja
Remanescente", para designar os evangélicos anti-Trump como ele por virem, em sua
maioria, de regiões onde a igreja não é forte e é cercada de liberais; e "Igreja
Reinante", para designar os evangélicos pró-Trump, que vêm em sua maioria da
região do "Cinturão da Bíblia", de maioria conservadora.

O que eu acho de tudo isso? Que a igreja nos EUA precisa é de um avivamento! Não
é à toa essa queda vertiginosa (percentual e numérica, como vimos no primeiro artigo
desta série) dos evangélicos nos EUA nos últimos 30 anos. Por outro lado, enquanto o
protestantismo tradicional está minguando, sendo o carro-chefe dessa queda, o
pentecostalismo e os movimentos de renovação estão crescendo. Aliás, já há algumas
décadas que o protestantismo no mundo tem crescido às custas do crescimento do
movimento pentecostal/carismático.

A tempo: não digo que os irmãos norte-americanos não devem se envolver com
política, mas, sim, que podem se preocupar com essas coisas sem deixar de cuidar
sobretudo com a qualidade da vida espiritual de suas vidas e de suas igrejas no geral.

Deus ajude os irmãos norte-americanos! Não somos melhores do que nossos irmãos,
apenas temos a graça de estarmos vivendo hoje em uma situação espiritualmente um
pouco melhor - aqui, por exemplo, a igreja tem crescido sem parar, diferentemente de
lá. Mas também precisamos vigiar para que não aconteça conosco o que tem
acontecido com eles hoje lá.

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