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(Obs.: Este é o terceiro e último artigo da série que encetei recentemente em minha
coluna no CPADNews tratando sobre a crise espiritual da igreja evangélica nos EUA.
Se você ainda não leu os outros dois artigos, favor lê-los antes para compreender
melhor nosso raciocínio neste artigo e também para não se encontrar eventualmente
fazendo questionamentos que já foram respondidos nos dois artigos anteriores. O
primeiro artigo pode ser lido AQUI e o segundo, AQUI).
No meu último artigo desta série, lembrei que, em reação a essa onda de
secularização e de progressismo na sociedade norte-americana nas últimas décadas,
houve um movimento nos anos de 1990 que pregava que os evangélicos e
conservadores em geral deveriam se engajar mais nas áreas cultural e política do
país. Porém, esse engajamento, mesmo tendo acontecido, não foi o suficiente para
frear o avanço secularista e a implementação da agenda progressista nos Estados
Unidos, os quais se tornaram ainda mais fortes de lá para cá, de maneira que houve
mais recentemente, em resposta ao recrudescimento dessa ascensão progressista,
uma reação desesperada conservadora para fazer frente ao que teimava avançar.
Essa resistência começou nos EUA por volta de 2010.
Nesse cenário, alguns políticos tradicionais conservadores nos EUA foram acusados
pela parte conservadora da população de esmorecerem, de contemporizarem, de até
mesmo - em alguns casos - cederem ao avanço do progressismo. Em geral, ees foram
acusados de se mostrarem menos conservadores agora, mais “centristas”, enquanto o
Partido Democrata, por sua vez, estava se esquerdizando rapidamente, diminuindo
cada vez mais a sua outrora maioria "centrista". Logo, em contraposição a esse novo
contexto, alguns novos nomes entre conservadores e evangélicos ascenderam
politicamente nos EUA por se mostrarem, ao contrário dos antigos nomes de sempre,
mais combativos em seu conservadorismo.
Aqui, um rápido parênteses para lembrar que, uma vez que essa reação ao avanço da
agenda progressista no mundo é global – com essa agenda tendo um grande avanço
no mundo quando a já liberal Europa encontrou uma parceria perfeita nos oito anos de
governo Obama e em uma América Latina mais à esquerda nesse período –,
explodiram na mesma época que nos EUA reações conservadoras em várias partes
do planeta, inclusive no Brasil. Logo, não é por acaso que as estratégias de contenção
a essa reação conservadora usadas pelos establishment nos EUA foram reproduzidas
pelo establishment de todos os demais lugares, inclusive no Brasil. Como todos
enfrentaram os mesmos problemas, os métodos foram similares.
Bem, simultaneamente a tudo isso, as redes sociais haviam chegado ao seu auge, de
maneira que essa guerra, esse clima de beligerância, foi transferido para a internet.
Refiro-me tanto à guerra mais acirrada entre liberais e conservadores quanto à guerra
interna entre os conservadores, o que refletiu nas igrejas norte-americanas, pois os
evangélicos, mais engajados ainda na questão política devido aos novos tempos, não
puderem escapar do envolvimento nesses conflitos. Aliás, nunca os norte-americanos,
de forma geral, estiveram tão engajados e preocupados com política do que agora, de
maneira que é inescapável que os evangélicos nos EUA (e em outras partes do
mundo), que fazem parte da população (sendo, inclusive, uma grande fatia dela)
sejam envolvidos por essa guerra (sobretudo pelo prélio "Conservadorismo x
Progressismo"), ainda mais que ela envolve a discussão de alguns valores que são
caros não apenas para a sociedade, mas também e em especial para os cristãos.
Mas, não houve apenas os que resolveram não votar. Houve os evangélicos que
preferiram votar em Biden. Enquanto parte dos evangélicos partiu para a confrontação
direta à agenda progressista, outra parte ficou tão incomodada pelo calor do debate
(Tipo: “Eu sou contra essas coisas também, mas o tom está agressivo demais”) que
partiu para uma postura mais passiva, de acomodação de posições aqui e acolá, na
tentativa de ser considerada mais “equilibrada” e simpática à opinião pública (Tipo: “Ei!
Eu não sou como aqueles malucos, esses evangélicos 'trumpistas'! Eu sou legal,
compreensivo, afável etc. Aqueles crentes não representam o cristianismo normal...”).
Só que, na prática, a oposição os usou como “idiotas úteis”. A oposição não se
importou com a mensagem do evangelho pregada por eles; apenas usou politicamente
a posição política ambígua e envergonhada deles para jogar evangélicos contra
evangélicos nos EUA e desgastar os que se opõem mais direta e fortemente à agenda
deles. E no final, como muitos desses que declararam seu apoio a Biden eram
lideranças evangélicas respeitadas, isso levou uma boa parte dos evangélicos (no
mínimo 25%) a votar em Biden.
Bem, o que ganharam foi mesmo uma mídia menos barulhenta, menos buzinando em
seus ouvidos. Aliás, pela temperatura da imprensa, parece que a “paz” se estabeleceu
na América do Norte de janeiro para cá – o Washington Post até acabou com sua
agência de “fact-checking”, criada durante o governo Trump, depois que Biden
assumiu (Afinal, o atual governo só fala a “verdade”, não é mesmo?). Mas, por outro
lado, esses evangélicos que só queriam paz também ganharam um presidente que,
nos primeiros meses de governo, decretou o investimento público ao aborto e políticas
pró-ideologia de gênero, essas coisas “menos prejudiciais” e “menos importantes” do
que o comportamento de Trump; além de uma política externa que, pelo menos por
agora, não parece ser das melhores; o maior aumento de impostos das últimas
décadas; o ressurgimento da inflação no país; um aumento cavalar do endividamento
público dos EUA com os pacotes econômicos aprovados no início deste ano etc.
Aí muitos desses evangélicos ditos “não-radicais” nos EUA, quando se deram conta
disso, se disseram “frustrados” com seu apoio a Biden. E, claro, passaram a ser
criticados por colegas evangélicos pela posição que tomaram nas eleições. Então, em
resposta, se esquivaram. E a cisão na igreja evangélica norte-americana, em vez de
sarar, piorou. Há ressentimentos dos dois lados. Nas últimas semanas, pastores como
Ted Jakes chegaram a pregar uma “reconciliação” entre a igreja evangélica dividida.
Parece que pouca gente ouviu. Do lado das lideranças que apoiaram Biden, há alguns
que até pularam fora de suas igrejas nos últimos meses, sem falar que houve até
quem se anunciasse católico agora, pois o evangelicalismo teria, para ele, "morrido".
Outros dizem que não querem mais saber de política. Dos que pularam fora de suas
denominações, há os que estão se tornando independentes e há os que estão
mudando de denominação, e alguns justificam sua saída dizendo que é porque
apoiam o “igualitarismo ministerial” (pastorado feminino) ou porque simpatizam com a
polêmica Teoria Crítica da Raça (que é absurda, como toda Teoria Crítica [Escola de
Frankfurt], além de defender fantasias como “racismo estrutural”).
Um detalhe é que a maioria dos evangélicos anti-Trump (a maioria, friso, não todos)
vem de regiões dos EUA onde as igrejas evangélicas não são fortes e a maioria da
população é liberal, enquanto a maioria dos evangélicos pró-Trump vem do
chamado Bible Belt ("Cinturão da Bíblia"), onde as igrejas evangélicas ainda são fortes
e a maioria da população é conservadora. Essa constatação não é minha, mas de
Timothy Dalrymple, presidente da revista Christianity Today e ele mesmo um anti-
Trump, em editorial no qual ele tentava conter a evasão de leitores da revista meses
após um editorial escrito pelo seu então editor-chefe Mark Galli - e endossado por ele -
pregando o impeachment de Trump (AQUI) (O artigo foi absolutamente precipitado,
pois, ao final, as acusações contra Trump se mostraram falsas. Para piorar, 200
líderes evangélicos publicaram um manifesto contra o editorial logo que ele saiu.
Muitos leitores migraram para o concorrente The Christian Post e Galli sairia da revista
poucos dias depois do seu polêmico editorial, votaria em Biden e ainda anunciaria sua
conversão ao catolicismo). No referido artigo, Dalrymple até cunha os termos "Igreja
Remanescente", para designar os evangélicos anti-Trump como ele por virem, em sua
maioria, de regiões onde a igreja não é forte e é cercada de liberais; e "Igreja
Reinante", para designar os evangélicos pró-Trump, que vêm em sua maioria da
região do "Cinturão da Bíblia", de maioria conservadora.
O que eu acho de tudo isso? Que a igreja nos EUA precisa é de um avivamento! Não
é à toa essa queda vertiginosa (percentual e numérica, como vimos no primeiro artigo
desta série) dos evangélicos nos EUA nos últimos 30 anos. Por outro lado, enquanto o
protestantismo tradicional está minguando, sendo o carro-chefe dessa queda, o
pentecostalismo e os movimentos de renovação estão crescendo. Aliás, já há algumas
décadas que o protestantismo no mundo tem crescido às custas do crescimento do
movimento pentecostal/carismático.
A tempo: não digo que os irmãos norte-americanos não devem se envolver com
política, mas, sim, que podem se preocupar com essas coisas sem deixar de cuidar
sobretudo com a qualidade da vida espiritual de suas vidas e de suas igrejas no geral.
Deus ajude os irmãos norte-americanos! Não somos melhores do que nossos irmãos,
apenas temos a graça de estarmos vivendo hoje em uma situação espiritualmente um
pouco melhor - aqui, por exemplo, a igreja tem crescido sem parar, diferentemente de
lá. Mas também precisamos vigiar para que não aconteça conosco o que tem
acontecido com eles hoje lá.