Você está na página 1de 114

ESCOLA POLITÉCNICA DA

UNIVERSIDADE DE SÃO
PAULO
Departamento de Engenharia Naval
e Oceânica

ESPECIALIZAÇÃO EM
ENGENHARIA NAVAL
Módulo 3: Hidrodinâmica

PROF. DR. ALEXANDRE NICOLAOS SIMOS

Material de apoio ao curso oferecido na


Universidade de Pernambuco – UPE

2007
Especialização em Engenharia Naval 1

Versão Data Observações


Final 14/02/2007 Texto Completo
Apostila:
ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA NAVAL
Módulo 3: Hidrodinâmica
Dept./Unidade Ano Autor
PNV/EPUSP 2007 Prof. Dr. Alexandre Nicolaos Simos
Curso oferecido pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
na Escola Politécnica da Universidade de Pernambuco

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 2

ÍNDICE
1. Introdução............................................................................................... 4

1.1 O curso: Objetivos, conteúdo e abordagem...................................... 4

1.2 Programação do Módulo 3: Hidrodinâmica ....................................... 5

2. Resistência ao Avanço e Potência Requerida..................................... 7

2.1 Decomposição da Resistência .......................................................... 8

2.1.1 Resistência Friccional ................................................................ 9

2.1.2 Resistência de Pressão Viscosa.............................................. 12

2.1.3 Resistência de Ondas.............................................................. 15

2.2 Resistência Total............................................................................. 20

2.3 Métodos para Estimativa da Resistência ao Avanço ...................... 22

2.3.1 O Emprego de Ensaios em Tanques de Provas ...................... 22

2.3.2 O Emprego de Métodos Simplificados..................................... 29

2.4 Determinação da Potência Requerida ............................................ 31

3. Comportamento no Mar....................................................................... 32

3.1 O Ambiente Marítimo – Ondas........................................................ 33

3.1.1 Ondas Regulares ..................................................................... 33

3.1.2 Ondas Irregulares – O Mar ...................................................... 39

3.1.3 Espectro de Energia das Ondas do Mar .................................. 48

3.1.4 Espectros de Energia Padrão .................................................. 54

3.2 Funções de Transferência de Movimento ....................................... 57

3.2.1 Equações Diferenciais e Períodos Naturais dos Principais


Movimentos do Navio .............................................................. 58

3.2.2 Funções de Transferência do Navio ou RAO’s ........................ 62

3.3 Cálculo dos Movimentos (Cruzamento Espectral) .......................... 66

3.3.1 Exemplo ................................................................................... 68


Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 3

3.3.2 Período de Encontro e Modificação do Espectro ..................... 72

3.4 Estabilização ................................................................................... 73

4. Manobrabilidade................................................................................... 78

4.1 Equações do Movimento e Estabilidade Direcional ........................ 80

4.2 Ensaios em Tanques de Provas ..................................................... 88

4.3 Avaliação da Manobrabilidade em Escala-Real .............................. 90

4.4 Dispositivos de Manobra: O Leme .................................................. 96

4.4.1 Os Principais Tipos de Lemes ................................................. 99

4.4.2 Fórmulas Simplificadas para Cálculo da Força e Torque


no Leme ................................................................................. 100

5. Referências Bibliográficas ................................................................ 103

APÊNDICE A: Análise Dimensional no Problema de Resistência ao


Avanço ............................................................................................... 105

APÊNDICE B: O Oscilador Massa-Mola................................................... 108

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 4

1. INTRODUÇÃO
“...THERE WAS FAR MORE IMAGINATION IN THE HEAD OF
ARCHIMEDES THAN IN THAT OF HOMER.”

VOLTAIRE

1.1 O curso: Objetivos, conteúdo e abordagem

A mecânica dos fluidos é uma ciência fundamental para diversas áreas da


engenharia, como mecânica, hidráulica, aeronáutica, naval e oceânica.
Obviamente, cada uma das diferentes áreas de aplicação tecnológica requer
conhecimentos específicos e, assim, por exemplo, efeitos de compressibilidade
no escoamento se mostram de fundamental importância para a engenharia
aeronáutica, enquanto efeitos de superfície-livre estão freqüentemente presentes
nos estudos de engenharia naval e oceânica.

O desafio do engenheiro naval consiste em projetar sistemas que naveguem ou


permaneçam estacionários no mar de forma eficiente. A medida de tal eficiência
depende do tipo de sistema em questão, mas, de uma maneira geral, objetivos
como a redução da potência necessária para navegação, um bom comportamento
em ondas, estabilidade direcional e manobrabilidade adequada são
constantemente perseguidos. Para que estes objetivos possam ser alcançados, é
essencial o conhecimento das forças externas que atuarão sobre o sistema,
permitindo uma correta avaliação de sua dinâmica sobre a ação destas forças.
Além das forças aerodinâmicas decorrentes da ação do vento, os sistemas navais
e oceânicos estão constantemente submetidos à ação de correnteza e ondas de
superfície. Conseqüentemente, a hidrodinâmica assume papel crucial na
formação do engenheiro naval, permitindo que o mesmo modele a ação destes
agentes ambientais e, dessa forma, possa prever suas conseqüências sobre o
sistema a ser projetado. Além disso, com esse conhecimento, o projetista pode
adotar, de antemão, medidas que procurem minimizar os efeitos indesejados na
operação do futuro sistema.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 5

As aplicações da hidrodinâmica na área de engenharia naval e oceânica são


vastas. Em geral, o estudo do desempenho hidrodinâmico de uma embarcação
pode ser desmembrado em três áreas principais: resistência e propulsão,
manobrabilidade e comportamento no mar (seakeeping). O objetivo principal
deste módulo consiste em familiarizar o aluno com os aspectos centrais de cada
um destes tópicos, servindo como base para um estudo mais aprofundado.

Esta apostila foi elaborada com o intuito de servir como um texto introdutório em
hidrodinâmica marítima e é voltada ao aluno que pretende uma especialização
nesta área. Ela deve ser entendida como um guia para a orientação dos estudos,
os quais devem ser complementados através de referências bibliográficas
específicas sugeridas ao longo do texto. O conjunto de referências que servirá de
apoio para o curso é composto tanto por obras de introdução geral à engenharia
naval como obras já clássicas em hidrodinâmica marítima, as quais possibilitam
um aprofundamento nos conceitos básicos. O aluno deve ter em mente que o
estudo destes textos complementares é essencial para a solidificação dos
conceitos que serão discutidos no curso.

1.2 Programação do Módulo 3: Hidrodinâmica

O módulo se inicia com uma discussão sobre “Resistência ao Avanço”. Neste


tópico serão apresentados os principais fenômenos físicos que dão origem às
forças que se opõem ao deslocamento de uma embarcação, bem como a
metodologia normalmente empregada para avaliar a magnitude destas forças. O
segundo tópico se refere ao problema de “Comportamento no Mar” de um navio
ou sistema oceânico. Trata, especificamente, da avaliação dos movimentos
induzidos por ondas do mar. Para o estudo deste tópico será apresentada,
primeiramente, uma introdução sobre a descrição estatística das ondas do mar. O
módulo se encerra com o estudo de “Manobrabilidade”, no qual serão discutidos
aspectos de estabilidade direcional e apresentados os principais mecanismos que
garantem o controle do curso do navio. Serão também discutidos os principais
testes de verificação de manobrabilidade aos quais um navio é normalmente
submetido.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 6

A carga horária deste terceiro módulo será de 30 (trinta) horas-aula, de acordo


com a seguinte programação:
Data Período Horários Assunto
18:30h – 19:20h Apresentação: Professor, alunos e módulo 3
Quinta-feira
22/02/2007

19:20h – 20:10h Resistência ao Avanço: Introdução


Noite

20:10h – 21:00h Resistência Friccional


21:00h – 21:50h Resistência de Pressão Viscosa
18:30h – 19:20h Resistência por Geração de Ondas
23/02/2007
Sexta-feira

19:20h – 20:10h Métodos para Estimativa de Resistência


Noite

20:10h – 21:00h Ensaios em Tanque de Provas


21:00h – 21:50h Estimativa de Potência
08:00h – 08:50h Comportamento no Mar: Introdução
08:50h – 09:40h O ambiente marítimo: Ondas
Manhã
24/02/2007

09:40h – 10:10h Ondas Regulares


Sábado

10:10h – 11:00h Ondas Irregulares


13:00h – 13:50h O Conceito de Espectro de Energia
Tarde

13:50h – 14:40h Espectros de Energia Padrão


14:40h – 15:30h Aspectos de Geração de Ondas do Mar
Data Período Horários Assunto
18:30h – 19:20h Revisão dos Tópicos Anteriores
Quinta-feira
01/03/2007

19:20h – 20:10h Equações de Movimento e Períodos Naturais


Noite

20:10h – 21:00h Funções de Transferência dos Movimentos


21:00h – 21:50h Exemplos
18:30h – 19:20h Cálculo dos Movimentos: Cruzamento Espectral
02/03/2007
Sexta-feira

19:20h – 20:10h Exemplo


Noite

20:10h – 21:00h Período de Encontro


21:00h – 21:50h Estabilizadores
08:00h – 08:50h Manobrabilidade: Introdução
08:50h – 09:40h Modelagem Hidrodinâmica
Manhã
03/03/2007

09:40h – 10:10h Ensaios em Tanque de Provas


Sábado

10:10h – 11:00h Testes de Mar


13:00h – 13:50h Lemes: Principais Tipos
Tarde

13:50h – 14:40h Forças e Torque


14:40h – 15:30h Discussão e Encerramento

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 7

2. RESISTÊNCIA AO AVANÇO E POTÊNCIA REQUERIDA


Mesmo com o avanço da capacidade de processamento computacional e das
técnicas numéricas que constituem a chamada “mecânica dos fluidos
computacional” (computational fluid dynamics, CFD), ainda hoje não existem
meios consolidados e validados para uma estimativa numérica confiável da força
de resistência experimentada por um navio ao se deslocar sobre a superfície da
água. De fato, o problema de determinação da resistência ao avanço de uma
embarcação de superfície ainda depende fortemente de ensaios em tanque de
provas e do emprego de modelos empíricos aproximados.

Dada a intrincada natureza do fenômeno, até meados do século XIX não havia
formas de se estimar a resistência que um determinado casco sofreria ao se
deslocar com uma certa velocidade, ou, o que é equivalente, não havia meios
científicos capazes de prever a força necessária para mover um determinado
casco com uma certa velocidade de avanço.

A razão para as dificuldades apontadas acima reside na própria natureza do


fenômeno, com sua forte dependência de efeitos de viscosidade do fluido e da
interação destes com efeitos ondulatórios na superfície-livre. De fato, quando um
navio de formas usuais se movimenta com velocidade de avanço constante (V)
em águas calmas (na ausência de ondas), ele experimenta a ação de uma força
que se opõe ao seu deslocamento. Esta força é formada pela composição de
diversos fatores que interagem entre si; dentre estes se encontram o atrito da
água sobre o casco, a geração de uma esteira rotacional à jusante do
escoamento e a formação de ondas na superfície.

Para estimar a resistência ao avanço de um determinado navio, os engenheiros


navais normalmente recorrem a modelos simplificados que se fundamentam em
uma decomposição dos diferentes efeitos hidrodinâmicos. Através desta
simplificação, as componentes de resistência são trabalhadas de forma
independente, embora alguns coeficientes de correção sejam introduzidos para,
de certa forma, levar em conta as interações entre as componentes.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 8

2.1 Decomposição da Resistência

Ao longo do tempo, a forma como a decomposição da resistência é realizada foi


exaustivamente discutida no meio científico. Um dos modelos de maior aceitação
atualmente é ilustrado na figura abaixo. Uma discussão detalhada sobre os
métodos mais modernos de decomposição da resistência pode ser encontrada no
trabalho de Larsson & Baba (1996).

Figura 1: Decomposição da Resistência ao Avanço. Extraída de Bertram


(2000)

A seguir, discutiremos a origem e os métodos existentes para estimar as


principais componentes de resistência ao avanço. Veremos que dois parâmetros
adimensionais (a saber, o número de Reynolds Rn e o número de Froude Fn)
desempenham um papel fundamental sobre a magnitude destas componentes. A
representatividade destes parâmetros como indicadores das características
hidrodinâmicas do problema pode ser entendida através de um exercício simples
de análise dimensional, apresentado no Apêndice A desta apostila. Recomenda-
se ao aluno que visite este apêndice antes de prosseguir no texto.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 9

2.1.1 Resistência Friccional


A chamada Resistência Friccional (em inglês Frictional Resistance) corresponde à
força de atrito exercida pelo fluido sobre a superfície molhada do casco. Esse
atrito esta diretamente ligado à viscosidade da água e a força total exercida pelo
fluido será diretamente proporcional à área de superfície molhada do casco (SW).
Em razão da origem viscosa do fenômeno, a magnitude das forças de atrito
depende do número de Reynolds (Rn), dado por: Rn = ρVLWL / µ , onde µ

representa o coeficiente de viscosidade dinâmica do fluido. Definindo o chamado


coeficiente de viscosidade cinemática (ν) como ν = µ / ρ , o número de Reynolds

também pode ser escrito como Rn = VLWL /ν . Fisicamente, o parâmetro Rn

relaciona a magnitude das forças inerciais (de aceleração do fluido) e viscosas de


um escoamento.
O método empregado para determinar a resistência friccional de um navio admite,
como passo inicial, a hipótese de que esta será igual à força exercida pelo fluido
sobre uma placa plana com área igual à área de superfície molhada do casco
(SW). Se denotarmos esta componente de resistência friccional por RF0, podemos
definir um coeficiente de resistência friccional (CF0), que será função de Rn:
RF 0 (1)
CF 0 = = f ( Rn )
1 / 2 ρSW V 2

A função f(), por sua vez, depende do tipo de escoamento sobre a placa, ou seja,
se estamos falando de um escoamento laminar (possível para baixos números de
Reynolds) ou turbulento. De fato, o tipo de escoamento exerce uma influência
grande sobre as tensões de cisalhamento (ou seja, sobre o atrito) exercido pelo
fluido sobre a placa. Esta influência é ilustrada na figura a seguir, onde se
apresenta um conjunto de resultados experimentais obtidos em ensaios com
placas planas e os valores previstos através de duas funções teóricas que
relacionam o coeficiente de fricção na placa com o Rn do escoamento:

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 10

Figura 2: Fricção em placa plana sobre regime laminar e turbulento (extraída


de PNA, 1988)

A função que ajusta os resultados para escoamento laminar é a chamada linha de


Blasius (válida para valores de Rn baixos). Quando falamos de navios, no entanto,
estamos geralmente interessados em escoamentos com elevados números de
Reynolds1. O escoamento sobre o casco do navio, portanto, é tipicamente
turbulento. Nesse regime, como indica a Figura 2, a função que melhor ajusta o
coeficiente de fricção sobre uma placa plana é a chamada linha de Schoenherr
(proposta originalmente em Schoenherr (1932)), a qual é expressa por:
0.242 (2)
= log10 ( Rn .C F 0 )
(C F 0 ) 5

A figura acima também mostra que existe uma região de transição, tipicamente na
faixa 10 5 < Rn < 10 6 , na qual o coeficiente de fricção é muito sensível a pequenas

perturbações no escoamento (note que nesta região muitas vezes valores


distintos de coeficiente de atrito são obtidos em ensaios com o mesmo Rn).
Voltaremos a discutir esta região de transição quando estudarmos o emprego de
ensaios em tanques de provas.

1
De fato, basta observar, por exemplo, que para um casco com LWL = 100m que se desloca com
uma velocidade V = 5m/s (aprox. 10 nós), temos Rn = 5x108

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 11

É importante observar que uma estimativa de resistência de fricção baseada


exclusivamente no modelo de placa plana equivalente não seria precisa, pois,
como já indicado anteriormente na Figura 1, há uma influência da geometria do
casco sobre as forças de atrito. As razões desta influência são simples: Em
primeiro lugar, a velocidade local do escoamento em cada ponto do casco difere
da velocidade de avanço V e depende fundamentalmente das formas da região
submersa. Assim, próximo à proa e à popa do navio, a velocidade do fluxo tende
a ser menor do que V, enquanto na região central a velocidade tende a ser maior
do que V. Em função desta variação de velocidade há uma variação na tensão de
cisalhamento. Além disso, também motivada pelas variações de velocidade na
região de popa, em geral ocorre uma separação da camada-limite (que
discutiremos mais adiante), a qual também afeta a resistência friccional nesta
região do casco.
Para garantir uma estimativa mais precisa da resistência friccional sobre cascos
de formas usuais, a ITTC (International Towing Tank Conference) de 1957 se
baseou em uma série de medições de resistência de navios (escala real) e em
ensaios com modelos em tanques de provas para propor a seguinte linha de
correlação, a partir da qual é possível calcular a resistência friccional (RF):
RF 0.075 (3)
CF = =
1 / 2 ρSW V 2
(log10 Rn − 2) 2

O termo “correlação” aqui se refere à extrapolação dos resultados obtidos em


ensaios de tanque de provas (com modelos em escala reduzida) para a escala
real (navio). Discutiremos o emprego de modelos para a determinação da
resistência ao avanço mais adiante, na seção 2.3.1.
A variação da componente friccional prevista pela linha da ITTC é ligeiramente
diferente daquela obtida pela linha de Schoenherr (placa plana equivalente), como
ilustra a figura a seguir.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 12

Figura 3: Comparação das linhas de Schoenherr e ITTC 1957. Extraída de


Tupper (1996)

2.1.2 Resistência de Pressão Viscosa


Conforme discutimos acima, existe uma parcela de resistência viscosa que
depende da forma do casco. Em parte, isso se dá simplesmente pelo fato de a
velocidade do fluxo variar ao longo do casco. Além disso (e aqui o aluno deve se
recordar dos fundamentos de mecânica dos fluidos), a presença da chamada
“camada-limite” sobre o casco e sua eventual separação afetam a distribuição de
pressão sobre a superfície molhada e, conseqüentemente, a força resultante
sobre o casco. Aqui, vale uma pequena recordação de alguns conceitos básicos:
A Figura 4 ilustra alguns fenômenos importantes no problema de escoamento ao
redor de um corpo submerso. A parte (a) da figura indica como seria a distribuição
de pressão sobre o corpo caso os efeitos de viscosidade do fluido não
existissem2.

2
Em mecânica dos fluidos, escoamentos de fluidos inviscidos são denominados “escoamentos
potenciais”. Trata-se, obviamente, de um estudo aproximado, visto que na realidade todo fluido é
provido de viscosidade, mas que encontra inúmeras aplicações importantes em engenharia naval
e oceânica.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 13

Figura 4: Escoamento em torno de um corpo submerso (extraída de PNA,


1988)

Nesta condição, a pressão no fluido (p) se relaciona diretamente com a


velocidade local do escoamento (v), relação esta ditada pela conhecida Equação
de Bernoulli:

p v2 (4)
+ + gh = cte
ρ 2

É possível mostrar que, se o fluido fosse desprovido de viscosidade, a distribuição


de pressão sobre o corpo se daria de tal forma que a força de arrasto resultante
sobre o corpo seria nula (este fato é conhecido na hidrodinâmica como Paradoxo
de D’Alembert). A Figura 4(a) mostra um caso particular no qual o corpo é
simétrico. Neste caso, as linhas de corrente do escoamento (b) e, portanto, o
campo de velocidades (v) também o será. Dessa forma, de acordo com a
equação de Bernoulli, o campo de pressão resultará simétrico como indica o
gráfico em (a). As regiões de proa e popa são regiões nas quais a velocidade do
fluxo é menor do que a velocidade ao longe (V), e, por essa razão, a pressão
nestas regiões é maior do que a pressão do fluido ao longe (daí o sinal +). Na

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 14

região média do casco, onde sua largura é maior, a velocidade do fluxo resulta
maior do que V, e, portanto, a pressão é menor (daí o sinal (-)). A pressão em
cada ponto da superfície do corpo dá origem a uma força perpendicular à
superfície no referido ponto e, em virtude da simetria, pode-se inferir na figura (b)
que a resultante da força será de fato nula. O problema é que, na realidade, o
fluido apresenta viscosidade. Essa viscosidade faz com que a camada de fluido
em contato com a superfície do corpo permaneça aderida ao mesmo. A
velocidade das partículas fluidas em contato imediato com a superfície do corpo é
então nula e aumenta gradualmente à medida que nos afastamos desta
superfície. A camada de fluido entre a superfície do corpo e os pontos nos quais a
velocidade média do fluxo já é igual a 0.99V é denominada “camada-limite” (em
inglês boundary layer), ilustrada na parte (c). Fisicamente, a variação de
velocidade na camada-limite é a responsável pelo atrito experimentado pelo
corpo, dando origem à resistência friccional, como vimos. Se o corpo tiver
variações abruptas de geometria (comuns, especialmente na popa de navios), a
camada-limite tende a se “descolar” do corpo, formando turbilhões no fluxo à
jusante do mesmo (esteira). Para formar esses turbilhões (ilustrados na parte (d)),
se gasta energia, energia esta que é sentida como uma força de resistência ao
avanço. Essa parcela de resistência é conhecida como resistência por geração de
vórtices (em inglês, eddy-making resistance).

A presença da camada-limite, seu descolamento e a esteira que se forma à


jusante do corpo acabam por afetar o campo de velocidades na região de popa e,
conseqüentemente, o campo de pressão. Via de regra, a tendência é uma
redução da pressão na região de popa, que assim deixa de contrabalançar a
região de pressão positiva na proa. Isso acaba por induzir uma força de
resistência. Como o mecanismo que gera essa força em sua origem na ação de
efeitos de viscosidade sobre o campo de pressão, refere-se a esta componente
de resistência como resistência de pressão viscosa (em inglês, viscous pressure
resistance).

Essa parcela de resistência depende, fundamentalmente, das formas do casco.


Em geral, quanto mais rombudo o casco, maior será a participação desta

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 15

componente na resistência total. Ela não pode ser inferida diretamente em


ensaios de resistência e é difícil de estimar de forma teórica ou numérica. Em
geral, a magnitude desta parcela é avaliada a partir de medições de resistência
em baixas velocidades (ausência de ondas), ao se descontar força medida a
parcela friccional.

Atualmente, os modelos para cálculo de resistência ao avanço procuram


incorporar a influência da forma do casco sobre a resistência viscosa através da
adoção do chamado fator de forma (k):

CV = C F (1 + k ) (5)

onde o valor de k é determinado a partir de regressões matemáticas sobre


resultados de ensaios com modelos em escala reduzida.

2.1.3 Resistência de Ondas


Corresponde à parcela de resistência que surge sobre o casco devido à geração
de ondas na superfície da água conforme a embarcação se desloca. De fato,
essas ondas carregam com si uma quantidade de energia, energia essa que
advém do deslocamento do corpo e, portanto, a geração destas ondas também
está associada a uma força que se opõe a tal deslocamento.
A resistência de ondas depende da geometria do corpo e o parâmetro físico que a
controla é o chamado número de Froude ( Fn = V g ⋅ L ) (ver Apêndice A).

Fisicamente, a geração de ondas está associada às variações do campo de


pressão do fluido, discutidas na seção anterior. As regiões de proa e popa
contribuem de forma mais significativa para a geração de ondas, pois são as
regiões onde a pressão varia de forma mais abrupta. Um estudo particularmente
esclarecedor sobre o mecanismo de geração de ondas por um navio de superfície
foi realizado por Wigley (1931), que realizou ensaios com cascos cuja geometria é
ilustrada na Figura 5, a seguir. Nela, são mostrados 5 diferentes sistemas de
ondas gerados pelo movimento do casco. A interferência entre estes sistemas
controla a força de resistência de ondas.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 16

Embora os cascos de navios tenham variações de geometria mais suaves do que


os cascos Wigley, seu estudo fornece uma boa aproximação para o que ocorre
com embarcações em geral. Há um sistema denominado sistema primário, o qual
corresponde a elevações da superfície da água nas regiões de pressão mais alta
(cristas na proa e popa) e uma depressão na região de pressão mais baixa
(cavado no corpo paralelo-médio). No caso do casco Wigley, esse sistema é
simétrico graças à simetria do casco em relação à sua seção-mestra. O
comprimento da onda do sistema primário independe da velocidade do barco e,
assim, é como se essa onda acompanhasse o navio conforme ele se desloca. A
altura da onda, por sua vez, varia tipicamente com o quadrado da velocidade de
avanço V.

Figura 5: Sistemas de Ondas para Cascos Wigley (extraída de PNA, 1988)

As outras quatro componentes de ondas que se formam constituem o chamado


sistema secundário. A composição destas ondas forma o trem de ondas
característico que estamos acostumados a ver à ré de uma embarcação em
movimento e que se encontra ilustrado na Figura 6.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 17

(a) (b)

Figura 6: Vista do campo de ondas gerado pelo deslocamento de um navio:


(a) diagrama esquemático; (b) vista aérea. Fonte: PNA, 1988.

A uma certa distância do navio esse trem de ondas se mostra composto por um
conjunto de ondas que se propaga com direção paralela à direção do movimento
(ondas transversais) e um trem de ondas divergente, que se afasta do navio (em
forma de “V”).

Embora essa geometria global independa da velocidade, o comprimento de onda


das componentes do sistema secundário aumenta com a velocidade do navio.
Assim, o padrão de interferência na composição das diferentes ondas muda com
a velocidade (e, portanto, com o número de Froude).

Além do aumento da amplitude de cada componente (tipicamente com V2), com o


aumento da velocidade do navio há oscilações na amplitude das ondas
resultantes, a qual aumenta em casos de interferência construtiva e diminui em
casos de interferência destrutiva. Esse processo está ilustrado na Figura 7, a
seguir.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 18

Figura 7: Variação na interferência de ondas com o número de Froude.


Fonte: Larsson & Eliasson (1994).

A força de resistência por formação de ondas (RW) varia com a amplitude de onda
ao quadrado e esta, por sua vez, varia tipicamente com a velocidade de avanço
ao quadrado. Em média, portanto, se fizermos um gráfico de RW x Fn,
identificaremos uma tendência dada por RW ∝ ( Fn ) 4 . O crescimento, no entanto,

não será monotônico graças à interferência de ondas e, assim, notaremos


aumentos na resistência para valores de Fn que implicam em interferência
construtiva e reduções caso contrário. Em resumo, a curva RW x Fn apresentará
uma tendência média de crescimento com Fn, mas esse crescimento se dá de
forma oscilatória.

Definimos o coeficiente de resistência de ondas (CW) da seguinte forma:

Rw (6)
CW =
1 / 2 ρSW V 2

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 19

A Figura 8 apresenta a forma usual da curva CW x Fn, onde podem se identificar as


oscilações mencionadas acima. Nesta figura são apresentadas também as
contribuições das ondas transversais e divergentes para a resistência total de
ondas.

Figura 8: Coeficiente de Resistência de Ondas (CW). Extraída de PNA,1988.

Em particular, nota-se o abrupto aumento da resistência de ondas em torno de


Fn ≅ 0.40 . Nessa faixa de Fn, para conseguirmos um pequeno aumento de

velocidade é necessário um grande aumento da potência do motor. Por essa


razão as velocidades máximas atingidas pelos navios de carga é em geral
limitada a valores próximos de Fn ≅ 0.45 3.

Ainda hoje a resistência de ondas não pode ser estimada por intermédio de
formulações teóricas, embora estudos nesse sentido tenham sido desenvolvidos
ao longo de mais de cem anos. Soluções numéricas baseadas em escoamento
potencial conseguem fornecer hoje em dia boas aproximações, mas ainda
enfrentam problemas. Uma das complicações decorre do fato de que, acima de

3
Velocidades mais altas são facilmente alcançadas pelos chamados cascos “de planeio” ou por
embarcações dotadas de hidrofólios, por exemplo.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 20

uma certa velocidade (tipicamente para Fn acima de 0.25), a razão entre a altura e
o comprimento da onda gerada4 se torna muito elevada e a onda “quebra”.
Quando a onda do sistema primário quebra, ela afeta o padrão de onda do
sistema secundário. Além disso, como a elevação da superfície varia ao longo do
comprimento do navio, induz-se um trim de popa e a situação de flutuação do
casco muda, o que também acaba por afetar o campo de ondas gerado.

Em virtude destas dificuldades, a determinação mais precisa da resistência de


ondas de uma embarcação ainda depende, em geral, de ensaios em tanques de
provas.

2.2 Resistência Total

Para embarcações de formas usuais, as três componentes discutidas acima


respondem pela maior parte da resistência hidrodinâmica. No entanto, outras
componentes existem e também contribuem com uma parcela de força. Dentre
essas, uma das mais importantes é a resistência aerodinâmica. Esta parcela se
refere à resistência imposta pelo ar ao deslocamento da embarcação e pode
chegar a 10% da resistência total para navios de formas usuais. Obviamente, no
entanto, a força aerodinâmica total é bastante variável e dependerá das
condições de vento enfrentadas pelo navio ao longo do curso. Além disso, todas
as parcelas discutidas até então se referem ao deslocamento em águas calmas.
No entanto, a correnteza marítima e as ondas do mar também afetam a
resistência hidrodinâmica da embarcação.

A Figura 9, a seguir, mostra uma relação aproximada entre as principais


componentes da resistência ao avanço (em águas calmas) para duas condições
de velocidade.

4
A essa razão dá-se o nome de declividade da onda.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 21

Figura 9: Relação entre as componentes da resistência em duas condições


de velocidade de avanço.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 22

2.3 Métodos para Estimativa da Resistência ao Avanço

Ainda hoje, o procedimento para uma determinação mais precisa da resistência


ao avanço de uma embarcação requer o emprego de ensaios em tanque de
provas. Conforme abordado no primeiro módulo deste curso, o projeto de um
navio é geralmente conduzido de forma interativa, seguindo o princípio expresso
pela chamada espiral de projeto. Normalmente os métodos de cálculo
empregados crescem em complexidade (e custo) ao longo do projeto (de uma
volta para outra na espiral). Neste espírito, em etapas preliminares do projeto,
quando a geometria do casco ainda pode sofrer maiores modificações,
normalmente a resistência é estimada de forma mais grosseira, utilizando, por
exemplo, as chamadas séries sistemáticas. Mais adiante no projeto, quando as
formas do casco já estão mais consolidadas, via de regra parte-se para ensaios
com modelo em tanque de provas. A seguir, discutiremos os principais aspectos
envolvidos na estimativa de resistência com base em modelos e, ao final desta
seção, abordaremos brevemente o uso de métodos simplificados voltados para as
etapas preliminares de projeto.

2.3.1 O Emprego de Ensaios em Tanques de Provas


A estimativa da resistência do navio (dito em escala real) é obtida com base no
ensaio de reboque de um modelo do casco (dito em escala reduzida) em um
tanque de provas, ver Figura 10.

O modelo é construído em escala reduzida mantendo semelhança geométrica


com o casco real e o mesmo é rebocado com diferentes velocidades.

A metodologia que permite extrapolar os resultados obtidos com o modelo para a


escala real foi proposta originalmente por William Froude, por volta de 1870.
Froude percebeu que as duas principais componentes de resistência (friccional e
de ondas) são controladas por parâmetros físicos distintos e que ao reduzir a
escala do problema não é possível manter os dois parâmetros inalterados

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 23

simultaneamente. Dessa forma, não seria possível garantir semelhança dinâmica


completa5.

(a)

(b)

Figura 10: Ensaio de reboque em tanque de provas: (a) o carro de reboque


(dinamométrico), (b) modelo em escala reduzida.

Froude, no entanto, contornou esse problema supondo que a resistência pudesse


ser desmembrada em uma parcela friccional e uma parcela de ondas, sendo a
parcela de ondas determinável a partir dos ensaios com base em sua “lei de
comparação” (similaridade de Froude). Tal lei de comparação consistia em manter
inalterado o parâmetro que hoje recebe seu nome. Se denotarmos com o sobre-
índice r as medidas em escala real e pelo sobre-índice m aquelas referentes à

5
Por semelhança dinâmica entenda-se semelhança entre as diferentes componentes de força na
escala real e na escala do modelo.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 24

escala do modelo, o que Froude propôs na realidade é que os ensaios fossem


feitos de forma que: Fnm=Fnr

Segundo a hipótese de Froude, isso garante que o coeficiente de resistência de


ondas do navio real seja igual àquele obtido nos ensaios do modelo, ou seja, CWm
= CWr. O coeficiente friccional do navio real poderia então ser obtido a partir da
hipótese de placa plana equivalente e, somando as duas componentes (de ondas
e friccional) seria determinada a resistência total do navio.

O conceito proposto por Froude foi extremamente engenhoso e abriu as portas


para a determinação da resistência ao avanço com base em ensaios. Seu
sucesso motivou a construção do primeiro tanque de provas em 1879 na
Inglaterra e logo outros tanques surgiram em diferentes locais da Europa.

O procedimento atualmente utilizado pelos engenheiros navais para a


determinação da resistência ao avanço ainda se baseia, em sua essência, no
método proposto por Froude. No entanto, ao longo do tempo algumas
modificações foram introduzidas para aumentar a precisão das estimativas, já que
existem algumas complicações, como veremos a seguir.

O primeiro problema decorre da grande diferença resultante entre o número de


Reynolds do navio real e aquele do modelo. Para exemplificar essas
discrepâncias consideremos um navio com LWL = 100m e suponhamos que
queiramos estimar sua resistência ao avanço quando navegando a uma
velocidade de 10 nós (aproximadamente 5 m/s). Para isso, construímos um
modelo em escala 1:100 (fator de escala λ = 100). Nesse caso, o valor do número
de Froude do navio é Fnr = 0.16 e, para mantermos esse mesmo valor em escala
reduzida, o ensaio deverá ser realizado com velocidade de avanço Vm = 0.5m/s
(note que a imposição de mesmo Fn implica que a velocidade do ensaio deve ser
λ vezes menor do que a velocidade do navio). Ao mesmo tempo, enquanto o
número de Reynolds na escala real é de Rnr = 5.108, o valor resultante no ensaio
será de apenas Rnm = 5.105 (é fácil mostrar que, supondo que a densidade e a
viscosidade da água seja aproximadamente igual nas duas escalas, o valor de Rn
na escala do modelo será λ3 / 2 menor do que aquele na escala real). Observemos

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 25

novamente a Figura 2. Essa figura demonstra que, enquanto para o navio sua
camada-limite será efetivamente turbulenta sobre o casco, o modelo se situará na
chamada faixa de transição. O problema é que, nesta faixa, é muito difícil prever
efetivamente qual será o valor da resistência friccional sobre o casco e, com isso,
o método perderia precisão. Na prática, tenta-se contornar esse problema com o
uso dos chamados excitadores de turbulência. Esses excitadores são
normalmente faixas de areia ou pinos posicionados próximos à proa do modelo de
forma a induzir artificialmente a turbulência da camada-limite para que esta se
aproxime da situação prevista para o navio real.

A Figura 11, abaixo, ilustra um dos aparatos empregados para a medição da força
de resistência em um modelo. Esse método se baseia no uso de cabos e polias e
dois contra-pesos. A figura também ilustra, esquematicamente, a presença do
excitador de turbulência (no caso, uma faixa de areia).

Figura 11: Ilustração do aparato para medição de resistência em um modelo.


Extraída de Bertram (2000).

O segundo problema na aplicação direta do método proposto por Froude é o fato


de que este não leva em conta a chamada resistência de pressão viscosa,
incluindo aí a parcela que depende da geometria do casco. Essa componente,
dada a sua origem viscosa, também depende fundamentalmente do número de
Reynolds e, quanto menor o valor de Rn, maior tende a ser sua contribuição. Esse
fato pode ser observado através de um conjunto de experimentos realizados com
o navio Lucy Ashton na década de 50. A Figura 12, a seguir, apresenta uma

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 26

comparação dos resultados do coeficiente de resistência medidos em ensaios de


reboque do navio e aqueles obtidos com seis modelos em diferentes escalas.

Figura 12: Estudo de Resistência do Navio Lucy Ashton. Fonte:


Tupper(1996)

Os testes foram realizados para diferentes velocidades de avanço. À medida que


a velocidade diminui, a resistência de ondas decresce rapidamente e, segundo a
hipótese de Froude, a curva de resistência deveria se aproximar de forma
assintótica à curva de resistência de fricção de uma placa plana equivalente (linha
de Schoenherr). Todavia, fica claro na figura que a resistência medida tende para
uma curva com valores maiores do que os previstos por Schoenherr. Essa
discrepância é resultado da componente de pressão viscosa, que depende da
forma do casco, conforme discutimos anteriormente.

Por essa razão, nos métodos de cálculo de resistência mais recentes, é feita uma
correção que busca representar a influência dessa componente. Em geral, essa
correção se baseia no emprego do coeficiente de forma k, já discutido na seção
2.1.2.
Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 27

O modelo de cálculo de resistência ao avanço mais comumente empregado hoje


em dia foi proposto pela ITTC em 1978. Esse procedimento será discutido em
maiores detalhes a seguir.

O Método de Cálculo da ITTC 1978

Em um ensaio de reboque com modelo em escala reduzida mede-se a resistência


total do modelo RTm para uma determinada velocidade de avanço do modelo (Vm).
Com isso, obtém-se o coeficiente de resistência total do modelo:
m (7)
CT m = RT
1 / 2 ρSW (V m ) 2
m

A partir desse coeficiente, calcula-se o coeficiente de resistência de ondas do


modelo, descontando-se a parcela de resistência viscosa:

CW m = CT m − (1 + k )C F m (8)

O coeficiente de resistência friccional do modelo é calculado através da fórmula


proposta pela ITTC 1957 (ver eq. (3)), empregando-se para tanto o número de
Reynolds do modelo Rnm. O fator k é o fator de correção de forma que deve ser
obtido através dos ensaios de reboque. O procedimento para sua obtenção será
discutido mais adiante.

O coeficiente de resistência de ondas do navio é igual ao do modelo para o


mesmo número de Froude (ou seja, para uma velocidade de avanço V r = λ .V m ).

Portanto, para essa velocidade: CW = CW


r m

O coeficiente de resistência total do navio será então dado por:

CT r = (1 + k )C F r + CW r + C A + C AA (9)

r
onde o valor de C F será novamente calculado pela eq. (3), mas agora a fórmula
é usada com Rnr.

O coeficiente CA é um fator de correção que leva em conta a rugosidade do casco


do navio. Para navios novos, normalmente se utiliza C A = 0.00041 .

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 28

O coeficiente CAA contabiliza a resistência aerodinâmica do navio. É calculado


através da seguinte expressão:

AT (10)
C AA = 0.001.
SW r

Onde AT representa a área projetada frontal do navio acima da linha d’água.

Finalmente, a força de resistência total do navio para a velocidade V r = λ .V m é


então obtida:

RT = 1 / 2 ρSW (V r ) 2 CT (11)
r r r

Repetindo-se o procedimento acima para diferentes velocidades de reboque é


possível obter a curva de resistência ao avanço do navio em função do número de
Froude (RT x Fn).

A Figura 13, abaixo, apresenta o formato típico da curva de coeficiente de


resistência total.

Figura 13: Curva de Resistência Típica. Fonte: PNA,1988.

Resta apenas discutir a obtenção do fator de forma k. Este é obtido a partir dos
resultados experimentais levantados para as diferentes velocidades de reboque
(e, portanto, para os diferentes valores de Fn ensaiados). De posse dos valores

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 29

medidos de coeficiente de resistência total, o método da ITTC propõe que se use


a seguinte regressão:

CT m ( Fn m ) b (12)
= (1 + k ) + a
CF m CF m
Ajustando-se a função acima à curva experimental são obtidos os valores dos
parâmetros de ajuste a e b e do fator de forma k, suposto o mesmo para o modelo
e o navio.

2.3.2 O Emprego de Métodos Simplificados


Ensaios em tanques de provas envolvem processos demorados e custosos. Além
disso, nas etapas iniciais de projeto, estimativas preliminares de resistência
devem ser realizadas para se avaliar aproximadamente o peso e volume
necessário de motor e o volume dos tanques de combustível. Como esse
procedimento envolve interações sucessivas, ensaios em tanque de provas não
são uma alternativa viável em termos de custos e prazos para essas primeiras
avaliações.

Dessa forma, as estimativas iniciais de resistência recaem sobre procedimentos


empíricos, dentre os quais podemos destacar:

• Séries Sistemáticas: As chamadas séries sistemáticas consistem


basicamente na organização de um grande conjunto de resultados
experimentais. Define-se um modelo-base para um determinado casco (por
exemplo, um navio petroleiro) e, então, se constrói uma série de outros
modelos variando-se sistematicamente alguns parâmetros geométricos
(como, por exemplo, L/B, B/T, Cb, Cp, etc...). Os diferentes modelos são
ensaiados em tanque de provas e regressões matemáticas sobre os
resultados permitem exprimir a influência dos diferentes parâmetros na
resistência do navio. Os resultados finais são normalmente apresentados
em conjuntos de gráficos ou tabelas. Principalmente entre as décadas de
30 e 70 um grande número de séries sistemáticas foi publicado. Exemplos
são a série de Taylor, a série 60 e a SSPA. Hoje em dia, porém, é
Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 30

consenso entre os projetistas de que as séries para navios mercantes já se


encontram ultrapassadas, não representando adequadamente os cascos
atuais. Por essa razão, o seu emprego se encontra cada vez mais em
desuso. As exceções são embarcações com cascos especiais como
veleiros, lanchas de planeio e catamarãs, para os quais séries ainda se
encontram em desenvolvimento.

• Regressões baseadas em diferentes navios (ex Lap-Keller; Holtrop-


Mennen, Hollenbach): São trabalhos baseados em regressões estatísticas
sobre um grande número de resultados obtidos para diferentes tipos de
navios. Fornecem estimativas grosseiras, mas, graças à facilidade de
programação, se encontram implementadas em vários programas de
CAD/CAM voltados para projetos navais.

• Comparação com navio semelhante: Uma boa estimativa inicial pode ser
obtida por comparação com navio semelhante (parent ship). Normalmente
se emprega um fator de conversão para relacionar a potência necessária
no navio projetado com aquela instalada no semelhante. Um dos fatores
mais aceitos atualmente é o coeficiente de almirantado (dado por
V 3 ∆2 / 3 Potência ). Obviamente, a aproximação será tanto melhor quanto
mais próximos forem os parâmetros geométricos e a velocidade dos dois
navios.

Deve-se sempre ter em mente, todavia, que qualquer um dos métodos acima é
bastante aproximado e se destina apenas a inferências iniciais. No decorrer do
projeto do navio, métodos mais sofisticados vão sendo empregados para avaliar a
resistência de forma mais confiável. Hoje em dia, métodos numéricos (como
programas de CFD) são cada vez mais empregados, embora esta ainda não seja
a regra. As avaliações finais continuam a depender de ensaios em tanque de
provas, discutidos na seção precedente.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 31

2.4 Determinação da Potência Requerida

Os estudos de resistência ao avanço fornecem os resultados necessários para se


determinar a potência de motor necessária para que um determinado navio possa
atingir uma certa velocidade.

Uma vez definida a velocidade máxima de projeto (V) e a resistência ao avanço


associada a esta velocidade (RT), sabe-se a potência necessária para manter o
movimento (dada simplesmente pelo produto da força pela velocidade):

P = RT ⋅ V .

Essa potência é normalmente chamada de potência efetiva (normalmente


abreviada por EHP, de effective horse power). Deve-se observar que essa seria a
potência necessária para rebocar o navio (sem apêndices) com essa velocidade
de avanço. Na realidade, a presença do propulsor altera o escoamento sobre o
casco e, portanto, tem efeito sobre a resistência. Além disso, devido a perdas de
potência associadas ao propulsor, à transmissão e ao próprio motor, a potência
instalada deverá ser maior do que a efetiva. Dessa forma, para a determinação
desta potência, devem ser consideradas as diferentes eficiências mecânicas (do
propulsor, da transmissão, do motor).

A incorporação destes efeitos dá origem ao então chamado estudo de interação


casco-hélice-motor. Este estudo se destina a quantificar as interações
hidrodinâmicas entre o casco e o propulsor (cujas características são usualmente
obtidas na ausência de um casco, ou em “águas abertas”) e o reflexo destas
sobre a potência requerida.

Maiores detalhes serão fornecidos no Módulo 5, que trata de sistemas de


propulsão.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 32

3. COMPORTAMENTO NO MAR
Quando falamos do problema de “comportamento no mar” de uma embarcação,
nos referimos ao estudo para previsão dos movimentos que essa embarcação
apresentará quando submetida à ação das ondas do mar. Na literatura de língua
inglesa, esse tópico é conhecido por seakeeping. Há vários motivos pelos quais o
projetista deseja limitar os movimentos e acelerações de um navio em ondas,
dentre os quais, podemos destacar:

• Segurança ao emborcamento (garantir a estabilidade dinâmica do


sistema);

• Reduzir episódios de “água no convés” (greenwater);

• Reduzir a carga de slamming (impacto da proa do navio contra as ondas,


causando vibrações estruturais);

• Evitar acréscimos consideráveis de resistência ao avanço (resistência


adicional em ondas);

• Conforto e segurança da tripulação.

No caso de sistemas oceânicos, como plataformas de petróleo flutuantes, há


outros problemas causados pela ação das ondas, como:

• As cargas dinâmicas sofridas pelos risers e umbilicais dependem


diretamente dos movimentos do sistema flutuante;

• Alguns equipamentos de convés apresentam níveis máximos de


movimento e/ou aceleração para sua operação.

Atualmente, existem métodos de eficiência comprovada que permitem estimar as


características de comportamento no mar de uma determinada embarcação. Os
métodos mais empregados pelos projetistas de grandes sistemas se baseiam em
softwares que resolvem o problema hidrodinâmico e calculam as forças impostas
pelas ondas sobre o sistema e, assim, sua resposta dinâmica.

Nosso objetivo neste capítulo será o de compreender o mecanismo através do


qual a dinâmica de um corpo flutuante é excitada pelas ondas do mar, identificar

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 33

quais os principais parâmetros de projeto que controlam as características de


movimento de um sistema naval e quais são as medidas que podem ser adotadas
para reduzir os movimentos. Como primeiro passo, veremos as principais
características das ondas do mar e quais os modelos matemáticos normalmente
utilizados para descrevê-las.

3.1 O Ambiente Marítimo – Ondas

Para entendermos o princípio através do qual os projetistas calculam os


movimentos de sistemas flutuantes no mar, precisamos estudar a forma mais
simples de uma onda de superfície e sua descrição matemática. Este é o tópico
fundamental da chamada Hidrodinâmica Marítima, da qual estaremos
interessados apenas em alguns resultados principais. A hidrodinâmica de ondas é
um dos tópicos mais complexos na área de engenharia naval e oceânica e, em
geral, requer recursos avançados de cálculo. O PNA (1988), Vol III oferece uma
introdução a este tópico. Para aqueles que desejarem se aprofundar no assunto,
recomenda-se a leitura de Newman (1977), este já com tópicos bem mais
avançados.

3.1.1 Ondas Regulares


A onda elementar na descrição matemática do mar é chamada de onda plana
progressiva regular e está ilustrada na figura abaixo:

Figura 14: Onda Plana Progressiva.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 34

Obviamente, a forma da superfície varia tanto no espaço como no tempo. A parte


(a) da figura ilustra a variação espacial (é como se fosse uma fotografia da onda
em um instante de tempo fixo). A parte (b) representa o que chamamos de série
temporal da onda, ou seja, representa a variação da superfície em um
determinado ponto (x,y) ao longo do tempo. No caso exemplificado na figura, a
onda se propaga na direção do eixo x. Dizemos que se trata de uma onda plana
pois a elevação se repete em qualquer cota y. Assim, podemos descrever
completamente a elevação da superfície (ζ) a partir de duas variáveis apenas:
ζ(x,t).

O que caracteriza uma onda regular é o fato de ela ter um período de oscilação
(T) bem definido. Esse período pode ser medido, por exemplo, como o intervalo
de tempo entre duas cristas (ou cavas) sucessivas. O período das ondas do mar é
expresso normalmente em segundos. Muitas vezes, ao invés do período,
preferimos trabalhar com a freqüência de ondas (f=1/T, em Hertz) ou,
alternativamente, com a chamada freqüência angular ( ω = 2π T = 2πf , em rad/s).

Enquanto o período (ou freqüência) caracteriza a variação da onda no tempo, o


comprimento de onda (λ) caracteriza sua variação no espaço. Trata-se, como
mostra a figura, da distância entre duas cristas ou cavas sucessivas.

Para que a descrição da onda elementar esteja completa resta ainda um


parâmetro, que é a sua amplitude (chamaremos, por simplicidade de A, embora
na figura denote-se por ζa). A chamada altura de onda (H) é o dobro da amplitude
( H = 2 A ).

Por fim, dizemos que a onda é progressiva porque um observador fixo veria as
cristas (e as cavas) se deslocando numa certa direção com o passar do tempo. A
velocidade com a qual o observador vê esse movimento é a chamada velocidade
de fase ou velocidade de propagação e é dada por c = λ T .

Doravante, nos referiremos sempre ao problema de profundidade infinita, caso em


que a profundidade do mar no local (h) é muito maior do que o comprimento típico
de ondas. Essa hipótese é sempre adotada nos estudos de sistemas navais e
oceânicos em “mar aberto”.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 35

Uma das propriedades mais importantes das ondas de superfície é o fato de o


comprimento de onda estar relacionado com a freqüência da mesma. Mostra-se
que, em profundidade infinita, a relação entre esses dois parâmetros é dada por:

2π ω2 (13)
k= =
λ g
onde g é a aceleração da gravidade. O parâmetro k é conhecido como número de
onda. A relação (13) é conhecida como Relação de Dispersão e desempenha um
papel fundamental para a compreensão do ambiente marítimo. Com base na
equação (13), podemos reescrever a velocidade de propagação de uma onda de
várias formas alternativas:

λ k ω gλ (14)
c= = = =
T ω g 2π
Fisicamente, então, a relação de dispersão implica que as ondas mais “longas”
têm velocidade de propagação maior.

Na forma de representação mais simples de uma onda plana regular, a oscilação


da superfície-livre é descrita através de senos ou cossenos, como, por exemplo:

ζ ( x, t ) = A cos( kx − ωt + ε ) (15)
onde ε representa uma certa fase da onda (determina um valor inicial da função
para o instante de tempo t=0).

A teoria de ondas em hidrodinâmica se preocupa em descrever o escoamento de


água abaixo da superfície, quando da passagem de uma onda. Trata-se de uma
teoria muito bonita e que permite chegar a resultados analíticos que retratam a
realidade de forma bastante fiel. Essa teoria permite, por exemplo, descrever a
velocidade que o escoamento terá em cada ponto e em cada instante de tempo. A
Figura 15, a seguir, ilustra a direção e a magnitude da velocidade da água abaixo
de uma onda que se propaga com velocidade de fase c=VP no sentido indicado.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 36

Figura 15: Campo de velocidades sob uma onda plana progressiva.

A ilustração acima nos permite ressaltar algumas características interessantes.


Em primeiro lugar, deve-se observar que a velocidade do fluxo sob a onda é
menor do que a velocidade de propagação (aquela com que vemos a onda se
deslocar). Sob as cristas, a velocidade da água tem o mesmo sentido da
propagação da onda, enquanto sob as cavas, esse sentido se inverte. Na
realidade, cada partícula de fluido descreverá uma trajetória circular ao longo do
tempo.

Para nós, um dos fatos mais importantes indicados na figura diz respeito à rápida
atenuação da velocidade do escoamento à medida que nos deslocamos para
pontos de maior profundidade. De fato, sendo z=0 a posição da superfície-livre
média, com z orientado conforme a Figura 14, a teoria mostra que a velocidade do
fluxo cai exponencialmente com a profundidade, ou seja, cai com e kz . Isso
significa que os efeitos da onda decrescem muito rapidamente com a
profundidade6.

Da mesma forma que a onda induz um movimento do fluido, induz também um


campo de pressão neste fluido. Esse campo de pressão será o responsável pelas
forças que farão um corpo flutuante se movimentar nas ondas. A teoria também

6
Este é um fato conhecido, por exemplo, por quem mergulha.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 37

mostra que esse campo de pressão será composto pela soma de duas parcelas
na forma:

p( x, z, t ) = ( p atm − ρgz ) + ρgζ ( x, t )e kz (16)

Aqui, patm representa a pressão atmosférica na superfície. O termo entre


parênteses representa nada mais do que a pressão hidrostática no fluido (lembrar
que z é negativo abaixo da superfície). Essa parcela de pressão é responsável
pelo empuxo e, portanto, pela flutuação de um corpo na superfície. Soma-se a
esta uma parcela de pressão diretamente proporcional à elevação da onda em um
determinado ponto. Essa parcela é conhecida como pressão dinâmica. Com
auxílio da equação (15), é fácil perceber, então, que a pressão dinâmica tem
média nula e oscila no tempo com a mesma freqüência da onda, ou seja, oscila
com freqüência ω. É essa parcela de pressão a responsável pelos movimentos de
uma embarcação quando submetida a ondas. As forças sobre o corpo (dadas, em
cada instante, pela integração do campo de pressão) também oscilarão com ω e,
conseqüentemente, os movimentos do corpo se darão na mesma freqüência da
onda que incide sobre ele.

É importante notar, todavia, que a pressão dinâmica também decai


exponencialmente com a profundidade. Assim, um corpo submerso praticamente
não “sentirá” mais os efeitos da onda a partir de uma certa profundidade de
submersão.

De fato, é esse o princípio que norteia o projeto de muitos sistemas oceânicos,


caso, por exemplo, das plataformas semi-submersíveis. A idéia aqui é simples:
posicionar a maior parte do volume de flutuação do corpo em uma profundidade
na qual a ação das ondas já seja pequena (ver Figura 16) e, com isso, reduzir os
movimentos em ondas. Outros sistemas oceânicos (como as plataformas TLP e
SPAR), adotam o mesmo princípio para o projeto de seus cascos.

Nos navios de superfície, por outro lado, o projeto do casco não é orientado tendo
como objetivo principal reduzir os movimentos em ondas, mas sim almejando uma
boa relação entre a capacidade de carga e a resistência ao avanço. Dessa forma,

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 38

com um grande volume próximo á linha d’água, os navios sofrem diretamente a


ação das ondas e podem experimentar grandes movimentos.

Figura 16: Plataforma semi-submersível.

Tudo o que discutimos até o momento diz respeito a uma onda elementar. As
ondas do mar, em geral, não apresentam uma freqüência bem definida, mas sim
uma combinação de ondas que se propagam com amplitudes, freqüências e até
mesmo direções distintas. Para prevermos o movimento excitado por estas ondas
precisaremos saber como a energia se distribui entre essas diferentes
componentes.

Em termos de modelagem matemática, representamos o mar como sendo a


somatória de um grande número de ondas elementares, cada uma com suas
características próprias. Essa modelagem será discutida a seguir.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 39

3.1.2 Ondas Irregulares – O Mar


Dentre os diferentes fenômenos físicos responsáveis por induzir efeitos
ondulatórios no ambiente marítimo, encontramos a geração de ondas causada
pela ação do vento sobre a superfície do mar. As ondas de superfície originadas
por esta ação são aquelas que apresentam maior interesse no contexto da
engenharia naval e oceânica porque apresentam períodos e amplitudes típicas
capazes excitar de forma significativa a dinâmica de navios e sistemas oceânicos
usuais. Estas ondas freqüentemente apresentam caráter bastante aleatório, com
períodos e alturas de ondas variando continuamente com o tempo e, muitas
vezes, com ondas se propagando em diferentes direções. Essa aleatoriedade nos
obriga, então, a uma abordagem estatística das ondas do mar, com o intuito de
extrairmos informações importantes sobre os efeitos causados por diferentes
“estados de mar”.

Atualmente, existem diversas bases de dados que reúnem informações


estatísticas das ondas de mar para diferentes regiões do globo. Estas bases
foram construídas ao longo dos anos com base em registros de ondas dos
diferentes locais.

Esses registros podem ser obtidos por diferentes meios. Antigamente, as


informações sobre as ondas eram quase que exclusivamente baseadas em
observações visuais reportadas pelas tripulações das embarcações. Hoje, no
entanto, há diversos meios, muito mais precisos, para a inferência estatística das
ondas do mar em determinado local. O método mais difundido consiste na
utilização das chamadas bóias oceanográficas, mas alternativas se tornam cada
vez mais difundidas como, por exemplo, a medição de ondas através de radares
ou por satélite.

A Figura 17, a seguir, apresenta um trecho típico de um registro de ondas do mar.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 40

Figura 17 – Trecho de Série Temporal de um Registro de Ondas

Quando este tipo de registro se encontra disponível, uma análise simplificada é


suficiente para obtermos informações estatísticas importantes. Via de regra,
considera-se que o tempo de registro deve ser pelo menos 100 vezes maior do
que o maior período de ondas registrado para garantir uma base estatística
confiável.

A seguir, discutiremos alguns dos parâmetros estatísticos mais importantes para a


descrição das ondas do mar. Nosso objetivo, por enquanto, é introduzir alguns
parâmetros estatísticos fundamentais através de um exemplo numérico e um
tratamento simplificado.

Período Médio de Ondas

O período médio de ondas T (average wave period) pode ser obtido facilmente a
partir de um registro como a média dos períodos entre zeros ascendentes
(average zero up-crossing period) ou dos períodos entre cristas ou cavas
sucessivas.

Estatísticas de Altura de Ondas

De um modo bem simplificado, a altura média de ondas pode ser obtida com base
em um histograma contendo as informações do número de ocorrências dentro de
determinadas faixas de alturas de ondas. A razão entre o número de ocorrências
em cada faixa e o número total de ciclos contido no registro fornece quocientes de

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 41

freqüência que caracterizam a chamada função densidade de probabilidade f(x)


(probability density function). A soma cumulativa destes quocientes fornece, por
fim, a chamada função de distribuição F(x) (distribution function) das alturas de
onda.

Um exemplo numérico é fornecido abaixo, para um registro de 150 ciclos:

Os resultados acima são apresentados graficamente na figura abaixo. A função


densidade de probabilidade se apresenta na forma de um histograma (a). A
função de distribuição é dada em (b).

Figura 18 – Função Densidade de Probabilidade e Função de Distribuição de


Alturas de Ondas

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 42

Informações estatísticas importantes podem ser obtidas a partir da função f(x).


Por exemplo, a probabilidade de que a altura de onda no registro exceda um
determinador valor a é dada simplesmente por:
∞ (17)
~
P{H w > a} = ∫ f ( x)dx
a

Como exemplo, é fácil verificar no caso acima que a probabilidade de a altura de


onda exceder 3.25 m é de 4%.

A altura média de ondas H (mean wave height) é dada por:


∞ (18)
H = ∫ x. f ( x)dx
0

e, no caso acima, H = 1.64 m.

Um parâmetro importante normalmente empregado para a descrição de um


determinado estado de mar é a chamada altura significativa de ondas H1/3
(significant wave height)7. A altura significativa é definida como a médias das
ondas 1/3 maiores. Assim, dividindo-se a área do histograma da função f(x) em
três partes iguais e denotando por a0 o limite inferior do terço mais à direita, a
altura significativa será dada por:
∞ (19)
H 1 / 3 = ∫ x. f ( x )dx
a0

No exemplo numérico acima, a altura significativa é dada pela média das 50


maiores ondas no registro e, portanto, H 1 / 3 = 2.51 m.

7
A razão para o emprego da altura significativa como parâmetro estatístico tem origem histórica.
Estudos mostraram que um observador bem treinado tende a fornecer como a altura característica
de ondas irregulares um valor que se aproxima muito de H1/3. Assim, dada a importância já
ressaltada das inferências visuais como fonte original para as estatísticas de ondas do mar, a
altura significativa passou a ser um parâmetro usual na modelagem.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 43

A Estatística das Ondas do Mar

Para um tratamento estatístico mais apropriado, uma análise mais completa do


registro de ondas se faz necessária. Neste caso, uma amostragem (sampling) da
elevação da superfície será realizada a partir de um número grande (N) de
registros tomados a intervalos de tempo iguais ( ∆t ), conforme ilustrado na figura
a seguir.

O tempo total do registro é dado por TR=N ∆t e a freqüência de amostragem


(sampling frequency) é dada por f S = 1 ∆t . Na análise das ondas do mar,

usualmente se utilizam registros que variam de 15 a 20 minutos de aquisição,


com freqüência de amostragem típica por volta de 2 Hz. Esses valores de tempo
de registro são altos o suficiente para garantir a aquisição de um número mínimo
de ciclos de ondas, mas ainda baixos o suficiente para evitar a influência espúria
de fenômenos de baixa freqüência, como a variação dos níveis de maré.

Figura 19 – Amostragem de um registro de ondas.

Através da amostragem, gera-se uma série com N valores da elevação ζ n medida

a cada intervalo de tempo.

A seguir, discutiremos aspectos estatísticos importantes das ondas do mar. Uma


boa referência para um estudo mais profundo dessa abordagem estatística é o
livro de Ochi (1998).

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 44

Irregularidade do Mar e Gaussianeidade

A análise de registros de ondas obtidos em campo demonstra que a função


densidade de probabilidade da série discreta de elevação da superfície ζ n é

muito bem reproduzida por uma distribuição Gaussiana (ou normal). Como ζ n

representa a oscilação da superfície em torno de seu valor indeformado, é óbvio


que sua média é nula. Assim, a função densidade de probabilidade de ζ n pode

ser representada por uma distribuição normal de média nula e desvio-padrão σ :

−ζ (20)
2
1
f (ζ ) = e 2σ 2

2πσ
sendo o desvio-padrão dado por:

1 N 2 (21)
σ= ∑ζ n
N − 1 n =1
Uma distribuição Gaussiana é plenamente caracterizada por dois parâmetros: sua
média (no caso nula) e seu desvio-padrão. A figura abaixo apresenta a
representação gráfica de uma distribuição Gaussiana com média nula e desvio-
padrão σ = 1.

Figura 20 – Distribuição Normal ou Gaussiana com média nula e σ = 1.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 45

Percebe-se que os pontos de inflexão da distribuição são dados por x = ±σ . Em


uma distribuição normal, a probabilidade de que a variável aleatória exceda um
certo valor a é dada por:
∞ ∞
−ζ (22)
2
1
P{ζ > a} = ∫ f (ζ )dζ = ∫e 2σ 2

a 2π σ a

A probabilidade de que a variável seja maior do que o desvio-padrão é de


aproximadamente 32%, ou seja P{ζ > σ } = 0.32 , enquanto que a probabilidade de
exceder um valor equivalente a 3σ é de apenas 0.3% ( P{ζ > 3σ } = 0.003 ).

A razão da Gaussianeidade de f (ζ ) pode ser melhor entendida se nos


remetermos ao processo de geração das ondas aleatórias. Estas ondas são
resultantes da composição de várias componentes causadas pela ação do vento
em diferentes locais da superfície do mar. A ação do vento em regiões distintas
ocorre de maneira independente e, assim, as ondas irregulares podem ser
entendidas como a soma de variáveis independentes. Sabe-se, a partir do
Teorema do Limite Central, que a distribuição de probabilidade de uma variável
aleatória composta pela superposição de variáveis independentes é Gaussiana,
independentemente da forma das distribuições de probabilidade das variáveis
originais. Esse resultado, de fato, constitui a razão fundamental da importância da
distribuição normal na teoria da probabilidade.

As propriedades matemáticas das distribuições Gaussianas podem ser


encontradas em qualquer texto sobre variáveis aleatórias. Uma propriedade em
especial é muito importante no contexto do estudo de comportamento no mar e,
portanto, merece ser destacada: Uma operação linear sobre uma variável
Gaussiana preserva a Gaussianeidade do processo. Em outras palavras, se X é
uma variável aleatória com distribuição Gaussiana, média µ e variância σ 2 , então
a variável Y = aX + b também terá distribuição Gaussiana com média aµ + b e

variância a 2σ 2 . Dessa forma, se pudermos supor que a dinâmica de um sistema


oceânico sob ação de ondas irregulares é linear na amplitude de onda, a resposta
do sistema será necessariamente Gaussiana na medida que ζ (t ) também o é.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 46

Distribuição de Rayleigh das Amplitudes

Na grande maioria dos casos de interesse é possível mostrar que a estatística de


amplitudes (ou alturas) de ondas seguirá um outro tipo de distribuição estatística,
conhecida como distribuição de Rayleigh. Esta distribuição é expressa
matematicamente por:

A −A
2
(23)
f ( A) = e 2σ 2
σ 2

De acordo com esta distribuição, a probabilidade de que a amplitude de onda A


exceda um determinado valor a é dada por:
∞ ∞ 2 2
(24)
1 −A −a
P{ A > a} = ∫ f ( A)dA = 2 ∫
Ae 2σ 2
dA = e 2σ 2

a σ a

O valor médio das amplitudes que excedem o valor a pode ser visualizado,
graficamente, como a coordenada x do baricentro da área hachurada na figura
abaixo:

Figura 21 – Distribuição de Rayleigh

Por definição, a amplitude significativa é dada pela média das amplitudes 1/3
maiores, assim:
Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 47

∞ (25)
A1 / 3 = ∫ A. f ( A)dA
a0

a0 2

sendo: P{ A > a 0 } = e 2σ 2
= 1 / 3 e, portanto, a0 = 1.4823σ.

Então, é fácil verificar que:

A1 / 3 ≅ 2σ (26)
H 1 / 3 ≅ 4σ

A expressão (24) pode ser reescrita em termos das alturas de onda na forma:

− 2 ⎛⎜ h ⎞

2 (27)
P{H > h} = e ⎝ H1 / 3 ⎠

que indica a probabilidade de a altura de onda exceder um certo valor h em um


mar com altura significativa H1/3.

Um outro parâmetro normalmente empregado na análise dinâmica de sistemas


oceânicos é a máxima altura de onda (maximum wave height) esperada em um
estado de mar. Por convenção, esta altura é calculada como sendo aquela cuja
probabilidade de ser excedida é 1/1000. Esse valor, aparentemente arbitrário, foi
definido considerando-se que um estado de mar típico tem duração aproximada
de 3 horas (tempo característico de uma tempestade) e contém, grosso modo, um
número de ciclos de ondas próximo de 1000. Segundo esta convenção, a máxima
altura de onda HMAX pode ser calculada em função de H1/3 por intermédio da
equação (27):

H MAX = 1.86 H 1 / 3 (28)

Até o momento, nos preocupamos em derivar parâmetros estatísticos importantes


que podem ser obtidos a partir de registros de ondas. Para um enfoque estatístico
da resposta de sistemas oceânicos, todavia, é ainda necessário que
caracterizemos de forma mais precisa o que entendemos por “estados de mar”.
No projeto de sistemas oceânicos, as análises dinâmicas são realizadas com

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 48

base em estados de mar típicos da região na qual o sistema irá operar. As


características do mar em uma dada região são obtidas através de análises
estatísticas de “longo prazo” e a representação de seus diferentes estados é feita
através do espectro de energia de ondas. O conceito de espectro de energia será
discutido em maiores detalhes a seguir.

3.1.3 Espectro de Energia das Ondas do Mar

Vimos que as ondas irregulares do mar podem ser representadas através da


superposição de ondas regulares de diferentes amplitudes e freqüências.
Representaremos, assim, uma determinada condição do mar através da
superposição de ondas elementares, cada qual com freqüência, amplitude e
direção de propagação própria, como ilustra a Figura 22.

Figura 22 – Representação do mar como superposição de ondas regulares

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 49

O procedimento clássico para se obter o conteúdo de freqüência de um certo sinal


aleatório é decompô-lo em uma série de Fourier8. Suponhamos então um certo
registro de onda ζ (t ) com tempo total de medição TR. Definindo:


∆ω =
TR
ω j = j∆ω

a variação no tempo da elevação da superfície pode ser aproximada pela


seguinte série:
∞ (29)
ζ (t ) = ∑ A j cos(ω j t + ε j )
j =1

onde os coeficientes Aj representam a amplitude de cada uma das componentes


harmônicas e os coeficientes εj suas respectivas fases.

Como ζ (t ) é Gaussiano de média nula, os coeficientes de Fourier também o


serão. Portanto, a amplitude (Aj) segue a distribuição de Rayleigh e a fase εj é
uniformemente distribuída no intervalo − π ≤ ε j ≤ π .

Uma vez que estamos interessados apenas na estatística e não em reproduzir a


real elevação da superfície em dado instante de tempo t, as fases εj entre as
componentes harmônicas podem ser desconsideradas.

A hidrodinâmica marítima mostra que a energia transportada por uma onda varia
com o quadrado da amplitude dessa onda. Assim, uma medida da energia das
ondas do mar em torno de uma dada freqüência ω n é dada por:

1 ωn + ∆ω 1 2 (30)
S ζ (ω n ) = ∑ An
∆ω ω n 2

ou, no limite em que ∆ω → 0 :

8
Maiores detalhes podem ser encontrados, por exemplo, em Ochi (1998).

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 50

1 2 (31)
S ζ (ω n ).dω = An
2

A função S ζ (ω ) assim definida em (31) é conhecida como “densidade espectral”

ou simplesmente espectro de energia das ondas. A figura abaixo ilustra as


definições acima.

Figura 23 – Definição de Densidade Espectral

Por definição, a variância do sinal ζ (t ) também pode ser dada a partir de seu
espectro de energia, na forma:
∞ (32)
σ 2 = ∫ S ζ (ω n ).dω
0

A Figura 24, a seguir, fornece uma interpretação gráfica do significado físico do


espectro de ondas e de como ele se relaciona com o registro de ondas original.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 51

Figura 24 – Representação esquemática da relação entre o espectro de


energia e o registro de ondas original

Em unidades SI, o espectro S ζ (ω ) tem unidade de m2s e pode ser representado

também em termos da freqüência de onda em Hertz ( f ). Nesse caso, porém,


convém observar que o espectro sofre uma transformação. O requisito a ser
imposto para a conversão de freqüência é o de que a energia total contida nos
intervalos ∆ω e ∆f seja igual, e, portanto: S ζ (ω ).dω = S ζ ( f ).df . Como

dω df = 2π , deduzimos que a conversão pode ser feita através de uma conta


bastante simples:

Sζ ( f ) (33)
S ζ (ω ) =

A relação (33) permite converter a representação do espectro da freqüência para
a freqüência angular e vice-versa.

A Figura 25 ilustra a representação de um espectro de mar típico nas duas bases


diferentes.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 52

Figura 25 – Espectro de Mar em termos de ω (rad/s) e f (Hz)

Uso do Espectro para Cálculo dos Parâmetros Estatísticos

O espectro de energia das ondas é a figura de representação usada pelos


engenheiros navais para caracterizar uma determinada condição de mar. Uma
vez conhecido o espectro, podemos extrair do mesmo todos os parâmetros
estatísticos das ondas que ele representa. Esses parâmetros são calculados a
partir dos chamados “momentos espectrais”, definidos por:
∞ (34)
mk = ∫ ω k S ζ (ω ).dω
0

onde o sub-índice k denota o momento k-ésima ordem.

É fácil verificar, a partir das expressões (32) e (34), que a variância da elevação
ζ (t ) corresponde ao momento espectral de ordem zero (m0). O desvio-padrão do
sinal de elevação da superfície é então dado por:

⎡∞ ⎤
1/ 2 (35)
σ = RMS = m0 = ⎢ ∫ S ζ (ω ).dω ⎥
⎣0 ⎦

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 53

Através da expressão (26), pode-se relacionar também o momento m0 com a


amplitude (ou com a altura) significativa de onda na forma:

A1 / 3 = 2 m0 (36)

H 1 / 3 = 4 m0

Dois períodos característicos importantes são relacionados aos momentos de


primeira e segunda-ordem. De fato, o momento de 1ª ordem (m1) permite estimar
a freqüência do baricentro do espectro através da relação m1 = ω1 m0 e, assim, o

período (T1) dado por:

m0 (37)
T1 = 2π
m1
é conhecido como período central do espectro (mean centroid wave period).

O momento de 2ª ordem, por sua vez, fornece uma estimativa do momento de


inércia de área do espectro. Esse momento pode ser escrito como m2 = ω 2 m0 ,
2

onde a freqüência ω 2 faz o papel de “raio de giração”. O período associado, dado


por:

m0 (38)
T2 = 2π
m2

é chamado período médio entre zeros (mean zero-crossing wave period). Muitas
vezes esse período aparece na literatura denotado por Tz.

Como veremos na próxima seção, outro período característico importante é o


período de máxima energia do espectro ou seu período de pico (Tp). Este, por sua
vez, se relacionará com o período central e com o período entre zeros
dependendo da forma do espectro de energia.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 54

A estatística das ondas do mar vem sendo estudada há várias décadas, a partir
de registros em diferentes regiões do globo. Com isso, foram desenvolvidas
algumas formas-padrão de espectro, com fórmulas matemáticas que permitem
representar um espectro de energia com base em poucos parâmetros. Os dois
principais espectros-padrão serão apresentados a seguir.

3.1.4 Espectros de Energia Padrão

Dois formatos padronizados de espectro são os mais comumente empregados


nos dias atuais e, por essa razão, serão discutidos em maiores detalhes a seguir.

O Espectro de Pierson-Moskowitz

O espectro original proposto por Pierson & Moskowitz (1963) foi obtido de forma
semi-empírica com base na análise de um grande número de registros de ondas
do Atlântico Norte. Por terem sido realizados em uma região “aberta”,
supostamente estes registros se referem, em sua maioria, a mares plenamente
desenvolvidos9. O espectro original era dado por:

0.0081g 2 ⎡ ⎛ gV ⎞ ⎤
4 (39)
S ζ (ω ) = exp ⎢− 0.74⎜ ⎟ ⎥
ω5 ⎣⎢ ⎝ ω ⎠ ⎦⎥

onde V aqui representa a velocidade média do vento medido a uma altura de 19.5
metros.

Posteriormente, algumas modificações foram propostas e o espectro passou a ser


aceito com o seguinte formato:

9
Um mar plenamente desenvolvido é aquele oriundo da geração por vento em uma região onde
houve uma área de superfície suficiente para que as ondas tenham atingido um equilíbrio.
Normalmente representam ondas em “mar aberto”, ou seja, longe da costa.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 55

A ⎛ B ⎞ (40)
S ζ (ω ) = exp⎜ − 4 ⎟
ω 5
⎝ ω ⎠

Em 1967, a ISSC (International Ship Structures Congress) recomendou, por sua


vez, a adoção de dois parâmetros como base para a representação do espectro,
a altura significativa e o período central T1. Nesse caso:
2
173H 1 / 3
A= 4
T1
692
B= 4
T1

O espectro sugerido pela ISSC é também conhecido como espectro de


Bretschneider e é, hoje em dia, a forma mais usual de emprego do espectro de
Pierson-Moskowitz. Para esta forma de espectro, as seguintes relações teóricas
podem ser obtidas para os períodos característicos: T p = 1.296T1 = 1.407T2

O Espectro de JONSWAP

Entre 1968 e 1969 um extenso programa de monitoração de ondas, conhecido


como Joint North Sea Wave Project (JONSWAP), foi conduzido no Mar do Norte
ao longo de uma linha de 100 milhas com origem na ilha Sylt (costa noroeste da
Alemanha). A análise dos dados resultou na proposta de um formato de espectro
para mares gerados em pistas limitadas (fetch-limited) ou costeiros.

A 17ª ITTC (1984) recomenda a seguinte definição do espectro de JONSWAP


para mares com pista limitada:

320.H 1 / 3
2 ⎧⎪ − 1950 − 4 ⎫⎪ A (41)
S ζ (ω ) = 4
ω −5 exp⎨ 4
ω ⎬γ
Tp ⎪⎩ T p ⎪⎭

com:

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 56

γ = 3.3
⎧ ⎛ω − 1 ⎞ ⎫
2

⎪⎪ ⎜ ω p ⎟ ⎪⎪
A = exp⎨− ⎜ ⎟ ⎬
⎪ ⎜ σ 2 ⎟ ⎪
⎪⎩ ⎝ ⎠ ⎪⎭

e a constante σ assume diferentes valores dependendo de ω:

σ = 0.07 (se ω < ω p )

σ = 0.09 (se ω > ω p )

A relação entre os períodos característicos para o espectro de JONSWAP é dada


por: T p = 1.199T1 = 1.287T2

O parâmetro γ é conhecido como peakedness factor. Muitas vezes, o espectro de


JONSWAP é empregado tendo como terceiro parâmetro o valor de γ.

É importante mencionar que a expressão (41) recupera o espectro de


Bretschneider ao se considerar γ A = 1.522 .

Comparação entre os Espectros

A Figura 26 apresenta uma comparação entre os espectros de onda de


Bretschneider e JONSWAP para mares com altura significativa de 4 metros e
períodos de pico de 6, 8 e 10 segundos.

Percebe-se que os espectros de JONSWAP se caracterizam por apresentarem


picos mais pronunciados. Conseqüentemente, a declividade média das ondas é
maior segundo a representação de JONSWAP. De fato, uma das críticas
encontradas na literatura ao modelo proposto por Pierson-Moskowitz se refere a
uma eventual subestimação da declividade característica do mar.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 57

Figura 26 – Comparação das formulações espectrais de Bretschneider e


JONSWAP

Como prática de projeto, é usual a modelagem de “mares locais” tendo como


base o espectro de JONSWAP e a consideração do espectro de Bretschneider
para regiões “abertas”, ou mares considerados plenamente desenvolvidos.

3.2 Funções de Transferência de Movimento

Como vimos, sistemas navais e oceânicos são freqüentemente excitados por


mares irregulares e a estimativa dos seus efeitos sobre o comportamento desses
sistemas (movimentos, por exemplo) se faz através de um método que pressupõe
a obtenção das chamadas funções de transferência dos movimentos.

Uma função de transferência nada mais é que relação entre a excitação de onda
e a resposta do sistema, mediante o conhecimento de parâmetros relacionados
com a inércia, restauração e amortecimento do mesmo.

Obviamente, já que navios e plataformas podem se mover livremente nos 6


graus-de-liberdade, ver Figura 27, uma análise de comportamento no mar exige o

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 58

conhecimento de uma função de transferência para cada um desses graus-de-


liberdade e, portanto, a compreensão da dinâmica completa pode representar
uma tarefa razoavelmente complicada para o leitor que se inicia no assunto.

Graus de Liberdade
Índice Nomenclatura
j Português Inglês
1 Avanço Surge
2 Deriva Sway
3 Afundamento Heave
4 Balanço ou Jogo Roll
5 Caturro ou Arfagem Pitch
6 Guinada Yaw
Figura 27 – Os 6 graus de liberdade de sistemas navais e oceânicos.

Para ilustrar o conceito de função de transferência, um exemplo simples de um


oscilador com um grau-de-liberdade é trabalhado no Apêndice B. Sugere-se ao
aluno a leitura deste exemplo antes de prosseguir no texto.

3.2.1 Equações Diferenciais e Períodos Naturais dos Principais Movimentos


do Navio
Tendo sido discutidos os principais aspectos da função de transferência do
movimento de um oscilador simples (sistema massa-mola, forçado e não
amortecido), passemos agora a analisar as equações diferenciais que regem a
dinâmica dos três graus-de-liberdade responsáveis pelos movimentos verticais do
navio, no caso o os movimentos de roll, pitch e heave.

Como em primeira análise nos concentraremos na obtenção dos períodos


naturais de cada um desses graus-de-liberdade, estaremos preocupados apenas
na solução homogênea das equações diferenciais dos movimentos, portanto, sem
a consideração de forças de excitação.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 59

O Movimento de Roll

Partindo do pressuposto que o navio é estável, se considerarmos ϕ o ângulo de


rotação em torno do eixo longitudinal da embarcação em qualquer instante, rever
Figura 27, haverá um momento restaurador agindo sobre o mesmo que o trará
para a condição de equilíbrio. Conforme visto em módulos anteriores, assumindo-
se pequenos ângulos de inclinação este momento restaurador será dado por:

ρg∇ × GZ = ∆GM T ϕ . (42)

Em termos dinâmicos, esta condição impõe ao navio uma aceleração angular

d 2ϕ
, cuja relação direta com o momento restaurador se faz através da II Lei de
dt 2
Newton, ou seja:

∆k12 d 2ϕ d 2ϕ gGM T (43)


= − ∆GM T ϕ ou + ϕ = 0.
g dt 2 dt 2 k12
Note que a relação entre a aceleração angular e o momento restaurador se
estabelece através da inércia de rotação em torno do eixo longitudinal da
∆k12
embarcação, , onde: k12 refere-se ao raio de giração.
g

Portanto, a equação diferencial (43) é responsável por ditar a dinâmica do


movimento de roll não amortecido, cujo período natural (por analogia com o
sistema massa-mola) será definido como:

k12 2πk1 (44)


Tϕ = 2π = .
gGM T gGM T

De acordo com (44) este período natural é independente da inclinação ϕ , e sua


validade, na maioria dos navios, vai até inclinações de aproximadamente 10° .
Ainda com base na eq. (44), percebemos que quanto maior a altura metacêntrica
transversal, GM T , menor será o período de roll.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 60

O Movimento de Pitch

Este movimento em torno do eixo transversal da embarcação, ângulos de rotação


θ , é controlado por uma equação bastante semelhante àquela de roll, diferindo
apenas com relação a altura metacêntrica e o raio de giração, neste caso,
longitudinais (respectivamente GM L e k 22 ). Desta forma:

d 2θ gGM L (45)
+ θ = 0.
dt 2 k 22

E, analogamente, os períodos naturais de pitch serão ditados por:

2πk 2 (46)
Tθ = .
gGM L

O Movimento de Heave

Para analisarmos o movimento de heave consideremos no instante t um


afundamento z do navio a partir do calado de equilíbrio. Nesta situação uma força
vertical de restauração hidrostática, com magnitude ρgAw z , tenderá a trazer a

embarcação para o calado inicial, onde Aw refere-se à área no plano de linha


d’água.

De maneira análoga aos demais movimentos, espera-se uma aceleração vertical


do navio, relacionada com a restauração hidrostática através da seguinte equação
diferencial também advinda da II Lei de Newton:

d 2 z gAw (47)
+ z = 0.
dt 2 ∇

E, portanto, resultando em um período natural de heave de:

∇ (48)
Tz = 2π .
gAw

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 61

Observações

1. Na prática, o movimento do navio perturba o fluido ao redor do casco,


fazendo com que seu efeito total seja um aumento da massa e da inércia
do sistema. Estas parcelas inerciais a mais são denominadas de massa
adicional e inércia adicional, ambas dependentes da freqüência de
oscilação. Para o roll a inércia adicional tipicamente representa um
aumento de aproximadamente 5% no raio de giração transversal. Para o
pitch a inércia adicional é desprezível. Já para o heave a massa adicional
tem importância fundamental, visto que pode atingir valores da ordem do
deslocamento do navio.

2. Conforme mencionado, outro fator que afeta o movimento do navio é o


amortecimento. Basicamente são dois os mecanismos principais
responsáveis pela perda de energia durante os movimentos. O primeiro
relacionado com a viscosidade do meio fluido, portanto, por uma
resistência friccional e, eventualmente, o desprendimento de vórtices; e o
segundo mecanismo relacionado com geração de ondas de superfície.

A hipótese mais simples quanto à consideração do amortecimento diz


respeito a assumi-lo linearmente dependente da velocidade de translação
ou rotação, conforme o grau-de-liberdade. Assim, no caso do roll, por
exemplo, a equação diferencial advinda da II Lei de Newton também
deverá levar em consideração um termo de dissipação associado ao
amortecimento linear do movimento. Desta forma:

∆k12 d 2ϕ dϕ (49)
+ B + ∆GM T ϕ = 0 ,
g dt 2 dt
onde: B é a constante de amortecimento linear.

Reescrevendo esta equação diferencial na forma:

d 2ϕ dϕ (50)
+ 2bωϕ + ωϕ2ϕ = 0 ,
dt 2 dt
onde, por definição:

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 62

gGM T Bg
ωϕ2 = e b= .
k12 2ωϕ ∆k12

Chegamos, então, ao seguinte período de roll afetado pelo amortecimento:

2π (1 − b 2 ) −0,5 (51)
Tϕ = (1 − b 2 ) −0,5 = 2πk1 ,
ωϕ ( gGM T ) 0,5

Obviamente, o mesmo tipo de análise pode ser aplicado aos demais graus-
de-liberdade do navio, em especial o heave e o pitch.

3.2.2 Funções de Transferência do Navio ou RAO’s

Na seção anterior apresentamos as equações diferencias que regem os principais


movimentos do navio, mas não obtivemos suas respectivas funções de
transferência, também conhecidas como RAO’s – Response Amplitude Operators.

A obtenção desses RAO’s segue o procedimento explicado de maneira


simplificada através do oscilador massa-mola, ou seja, a obtenção da
amplificação do movimento para cada condição de força de excitação atuante no
sistema.

No entanto, já que os RAO’s são dependentes de parâmetros inerciais, de


restauração e amortecimento para cada grau-de-liberdade, além de serem
afetadas por aspectos como o ângulo de incidência da excitação de onda, é
comum que sua obtenção se faça experimentalmente (através de modelos em
escala reduzida, ensaiados em tanques de prova), ou numericamente (através de
programas especificamente concebidos para essa finalidade, por exemplo: o
programa WAMIT®).

Independente da maneira como os RAO’s são obtidos (numérica ou


experimentalmente), dizem respeito a relações entre os movimentos do navio
(nos 6 graus-de-liberdade) e a magnitude da força excitante para cada freqüência
de variação da mesma. Neste caso, já que se tratam de forças de excitação

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 63

advindas da ação de ondas, e estas dependem da amplitude e freqüência, é


comum a apresentação dos RAO’s na forma de relações das amplitudes de
movimento pela amplitude de onda unitária incidente, para cada uma das
freqüências ou períodos considerados. Assim, se denotarmos cada um dos
movimentos da Figura 27 por ξj, {j=1,..,6}, os RAO’s nos darão a os valores de
ξ j A para cada freqüência de onda.

A título de exemplo, a Figura 28 ilustra RAO’s reais obtidos para um navio


petroleiro VLCC (Very Large Crude Carrier) na condição de calado de operação e
para ondas incidindo pelo través (90o em relação ao navio). Nesse caso, os
movimentos significativos são os de sway, heave e roll, ilustrados nos gráficos.

Obviamente, uma mesma onda será responsável pela excitação simultânea de


mais de um grau-de-liberdade e, deste modo, os RAO’s também trazem
informações quanto às fases relativas desses movimentos e a onda incidente,
que, no entanto, foram omitidas por simplicidade.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 64

VLCC Calado 18.45m - RAO Sway

1,10

1,00

0,90

0,80

0,70
|Sway| (m/m)

0,60

0,50

0,40

0,30

0,20

0,10

0,00
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 1,2 1,4 1,6 1,8 2 2,2 2,4 2,6 2,8 3
w (rad/s)

(a)

VLCC Calado 18.45m - RAO Heave

1,70

1,60

1,50

1,40

1,30

1,20

1,10

1,00
|Heave| (m/m)

0,90

0,80

0,70

0,60

0,50

0,40

0,30

0,20

0,10

0,00
0,00 0,20 0,40 0,60 0,80 1,00 1,20 1,40 1,60 1,80 2,00 2,20 2,40 2,60 2,80 3,00
w (rad/s)

(b)

VLCC Calado 18.45m - RAO Roll

5,50

5,00

4,50

4,00

3,50
|Roll| (grau/m)

3,00

2,50

2,00

1,50

1,00

0,50

0,00
0,00 0,20 0,40 0,60 0,80 1,00 1,20 1,40 1,60 1,80 2,00 2,20 2,40 2,60 2,80 3,00
w (rad/s)

(c)

Figura 28 – Exemplo de RAO’s para um navio VLCC. Incidência de ondas de


través. (a) Sway; (b) Heave; (c) Roll

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 65

A Figura 28 permite discutir algumas características importantes quanto ao


comportamento no mar de navios de grande porte. As ondas do mar têm sua
energia espalhada em uma faixa de períodos que vai tipicamente de 4 segundo a
20 segundos (ou seja, 0.3rad / s ≤ ω ≤ 1.6rad / s ). Para esses navios, normalmente
os períodos naturais de pitch não são excitados por ondas porque, graças aos
elevados valores de GML, esse períodos se situam acima dos 20 segundos. O
mesmo contudo não ocorre para os movimentos de heave e roll, cujos períodos
naturais geralmente se situam na faixa de energia das ondas do mar.

Os resultados da Figura 28 indicam que a freqüência natural de heave é próxima


de 0.50rad/s (Tz = 12.6 s) e a freqüência natural de roll aproximadamente
0.44rad/s (Tφ = 14.3 s).

Embora apresente ressonância, o movimento de heave é bastante amortecido,


principalmente porque quando o casco se move verticalmente ele gera muitas
ondas, dissipando assim boa parte da energia. Por essa razão, a função de
transferência (RAO) de heave não costuma apresentar um pico pronunciado no
período natural.

O movimento de roll, por outro lado, é pouco amortecido pois o navio


praticamente não gera ondas quando joga. O amortecimento do movimento fica a
cargo apenas das forças de origem viscosa (entre elas, o atrito do fluido sobre o
casco quando o navio joga). Por essa razão, o RAO de roll apresenta um pico
pronunciado no período natural, indicando que, nesta freqüência, o navio
experimentará amplitudes elevadas de roll. No gráfico da Figura 28, por exemplo,
vemos que, na ressonância o navio sofrerá uma amplitude de movimento de roll
de 4,9 graus por metro de onda. Assim, para uma onda de amplitude 3 metros, o
navio jogará aproximadamente 15o para cada bordo.

Deve-se destacar também que a influência do amortecimento sobre a amplitude


de movimento ressonante é bastante intensa. Isso dá margem a se projetar
dispositivos (como é o caso das bolinas) que podem ser instalados no casco no
intuito de aumentar o amortecimento de roll e com isso reduzir a amplitude de

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 66

movimento. Esse mecanismo será discutido mais adiante na seção 3.4, quando
falarmos dos mecanismos de estabilização de movimento.

3.3 Cálculo dos Movimentos (Cruzamento Espectral)

Uma vez conhecidas as funções de transferência dos movimentos para amplitude


de onda unitária (RAOs), espectros de energia dos movimentos (também
chamados espectros de resposta) podem ser facilmente calculados para qualquer
espectro de mar S ζ (ω ) .

O procedimento para tanto é simples. Lembremos, inicialmente, da definição do


espectro de energia do mar (ver eq. 31):

1 2
S ζ (ω n ).dω = An
2

Analogamente, o espectro de resposta do movimento j pode ser definido por:

1 2 (52)
S j (ω ).dω = ξ j (ω )
2
e, portanto:

ξ j (ω ) 1 (53)
2

S j (ω ).dω = A(ω ) 2
A(ω ) 2

ou seja:
2
S j (ω ) = Z j (ω ) S ζ (ω ) (54)

onde Z j (ω ) representa o RAO do movimento j.

O procedimento para obtenção dos espectros de resposta descrito pela eq. (54) é
conhecido como cruzamento espectral. Uma interpretação gráfica deste
procedimento é apresentada na figura a seguir.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 67

Figura 29 – Interpretação gráfica do cruzamento espectral.

Uma vez determinados os espectros S j (ω ) , as mesmas inferências estatísticas

discutidas na seção anterior com respeito às ondas do mar podem ser obtidas
agora para os movimentos do corpo. Obtêm-se, então, as estatísticas de resposta
do corpo para um determinado estado de mar. Tomemos mais uma vez como
exemplo o movimento de heave para exemplificar o processo. O espectro de
resposta em heave é S 3 (ω ) . O momento espectral de k-ésima ordem do

movimento de heave é então dado por:


∞ (55)
m3,k = ∫ ω k S 3 (ω ).dω
0

A amplitude significativa do movimento de heave será, por sua vez:

A 3 1 / 3 = 2 m 3, 0 (56)

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 68

e o período médio de movimento pode ser estimado como o período central do


espectro de resposta:

m3 , 0 (57)
T1 = 2π
3

m3,1

O período entre zeros do movimento é dado por:

m 3, 0 (58)
T2 = 2π
3

m 3, 2

Como a dinâmica do sistema foi suposta linear, a função distribuição da resposta


será Gaussiana, na medida que a distribuição de onda também o é. A distribuição
de amplitudes de resposta seguirá a distribuição de Rayleigh e, portanto, a
probabilidade de que a amplitude de heave exceda um determinado valor a pode
ser calculada como:

−a
2
(59)
P{ A > a} = e
3 2 m3 , 0

Podemos ainda estimar o número médio de vezes que isso ocorrerá ao longo de
uma hora:

3600 (60)
N hora = P{ A 3 > a}
T23

Procedimentos análogos podem ser realizados para os outros graus-de-liberdade,


complementando-se assim as estatísticas de resposta dos movimentos.

3.3.1 Exemplo
Heave de um Navio Hipotético Excitado por uma Onda Regular

Com exemplo da análise de comportamento no mar, iniciemos por um caso bem


simples com apenas um grau-de-liberdade.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 69

Suponha um navio hipotético, cuja função de transferência para o movimento de


heave (translação vertical) é dada na forma gráfica pela Figura 30.

Note se tratar de uma representação simplificada da função de transferência do


movimento de heave, onde sua amplitude z é adimensionalizada pela amplitude
de onda ζ a , tendo influência apenas no intervalo de freqüências angulares entre

π eπ.
10

z
ζa
0,3

π π ω [rad / s]
10
Figura 30 – Função de transferência do movimento de heave de um navio
hipotético.

Com base nestas informações, determine a amplitude de resposta em heave do


navio, sabendo que o mesmo é excitado por uma onda regular.

A Figura 31 ilustra parte suficiente do registro temporal desta onda. Perceba o


caráter regular da onda pela amplitude constante, no caso:

81
ζa = m.
17

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 70

ζ (t) [m]
81
17

t [ s]

Figura 31 – Parte do registro temporal da elevação da onda regular


excitando o navio hipotético.

Solução A:

De acordo com a Figura 31, verificamos se tratarem de 3 períodos completos de


onda em 9 segundo de registro.

9
Essa excitação regular apresentará um período de: T = = 3s , e portanto, uma
3

freqüência angular de ω = rad/s.
3

z
Observando, agora, a Figura 30 vemos que é função da freqüência angular
ζa
ω e que, portanto:

z z 1 ⎛ π ⎞
= (ω ) = ⎜ω − ⎟
ζa ζa 3π ⎝ 10 ⎠

2π z 17
Desta forma, sabemos que ω = ⇒ = m .
3 ζ a 90 m

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 71

81
Como o próprio enunciado alerta para uma amplitude de ζ a = m , então a
17
resposta em heave do navio hipotético será:

z 17 81
zR = ⋅ζ a = ⋅ = 0,9m
ζa 90 17

Solução B:

Uma maneira alternativa de se resolver este problema simples parte de


lembrarmos que:
2
S j (ω ) = Z j (ω ) S ζ (ω ) .

Neste caso, já sabemos que:

z z 1 ⎛ π ⎞
Z 3 (ω ) = = (ω ) = ⎜ω − ⎟ .
ζa ζa 3π ⎝ 10 ⎠

2

2
2π z ⎛ 17 ⎞ 2
Portanto, em ω = , Z 3 (ω ) = (ω =
2
) =⎜ ⎟ m 2 .
3 ζa 3 ⎝ 90 ⎠ m

Por outro lado, sabemos também que:


2
1 2π 1 ⎛ 81 ⎞
Sζ (ω ).dω = ζ a2 ⇒ Sζ (ω = )= ⎜ ⎟ m ⋅s .
2
2 3 2dω ⎝ 17 ⎠

Então:
2 2 2 2
z ⎛ 17 ⎞ 1 ⎛ 81 ⎞ 2 1 ⎛ 81 ⎞ 2
S 3 (ω ) = S R (ω ) = (ω ) ⋅ Sζ (ω ) = ⎜ ⎟ ⎜ ⎟ m ⋅s = ⎜ ⎟ m ⋅s.
ζa ⎝ 90 ⎠ 2dω ⎝ 17 ⎠ 2dω ⎝ 90 ⎠

No entanto, da mesma forma que para a excitação:

1 2
S R (ω ).dω = zR ⇒
2
2
⎛ 81 ⎞
⇒ z R = 2 ⋅ S R (ω ).dω = ⎜ ⎟ = 0,9m.
⎝ 90 ⎠

Mesmo resultado obtido através da Solução A.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 72

3.3.2 Período de Encontro e Modificação do Espectro


Quando calculamos os movimentos em ondas de um navio em curso, com
velocidade de avanço V, é necessária uma correção do espectro de energia do
mar. Essa correção decorre do fato de que, dependendo da direção relativa entre
o movimento do navio e a direção de propagação das ondas, um observador no
navio enxergará as ondas com comprimentos e períodos diferentes daqueles
observados em um referencial fixo. O período de onda medido por um observador
no navio é chamado de período de encontro (TE). Por exemplo, se o navio vai
diretamente de encontro às ondas (navio e ondas em sentidos opostos), o período
de encontro será menor do que o período real das ondas ( TE < T ), enquanto se o

navio navega a favor das ondas (no mesmo sentido), teremos TE > T . A Figura 32
ilustra a situação para uma situação genérica.

Figura 32 – Período de Encontro.

O período de encontro pode ser calculado facilmente, como a relação entre o


comprimento real de onda (λ) e a velocidade relativa entre a onda e o navio, dada
por: c − V cosα . Dessa forma:

λ T (61)
TE = =
c − V cos α 1 − V cos α
c

A freqüência de encontro, com auxílio da eq. (14), pode ser escrita então como:

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 73

2π 2π ⎛ V ⎞ ⎛ V ⎞ ⎛ Vg ⎞ (62)
ωE = = ⎜1 − cos α ⎟ = ω ⎜1 − cos α ⎟ = ω ⎜1 − cos α ⎟
TE T ⎝ c ⎠ ⎝ c ⎠ ⎝ ω ⎠

Portanto, dependendo da velocidade e da direção do navio, a forma do espectro


de ondas “relativo ao navio” se modificará. Sua energia, contudo, deve se manter
inalterada. A energia, como vimos, é dada pela área sob a curva S(ω), ou seja,
pela integral do espectro. Manter a energia inalterada implica então em:

S (ω E )dω E = S (ω )dω (63)

ou:

dω (64)
S (ω E ) = S (ω )
dω E
E, finalmente, usando a eq. (62):
−1 (65)
⎛ 2ωV ⎞
S (ω E ) = S (ω )⎜⎜1 − cos α ⎟⎟
⎝ g ⎠

Para o cálculo dos movimentos de um navio em curso, basta então lembrar que o
cruzamento espectral dado pela eq. (54) deve ser efetuado utilizando-se o
espectro de ondas modificado da eq. (65). Assim:
2
S j (ω E ) = Z j (ω ) S ζ (ω E ) (66)

3.4 Estabilização

Vimos nas seções anteriores que o movimento de jogo ou roll de um navio é um


dos mais excitados pelas ondas do mar, tendo em vista que os períodos naturais
de roll dos navios geralmente se situam na faixa de maior energia das ondas do
mar. Além disso, as amplitudes de movimento também podem ser grandes
porque o movimento de roll é pouco amortecido. Por outro lado, existem diversos
mecanismos que podem ser adaptados aos cascos de forma a reduzir esse
movimento.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 74

Em linhas gerais, os mecanismos de estabilização podem ser divididos em


passivos ou ativos. Dentre os primeiros encontramos as bolinas fixas e os
tanques passivos. Como mecanismos ativos, há as aletas móveis e os tanques
ativos. A seguir, discutiremos brevemente o princípio de funcionamento de cada
um destes sistemas.

Bolinas Fixas (Bilge keels)

Trata-se do mais popular mecanismo passivo de estabilização. As bolinas são


encontradas na grande maioria dos navios. Consistem em placas montadas
perpendicularmente ao casco na região do bojo, como ilustra a Figura 33.
Longitudinalmente, o comprimento dessas placas varia entre metade e 2/3 do
comprimento do navio.

Figura 33 – Bolina fixa. Fonte: Tupper (1996)

Seu princípio de funcionamento consiste em aumentar o amortecimento de roll.


De fato, quando o navio joga, as bolinas movimentam uma quantidade de água e
geram arrasto. Como o movimento de roll é tipicamente ressonante, um aumento
do amortecimento implica em uma considerável redução da amplitude de
movimento. Por essa razão, as bolinas podem representar uma redução de mais
de 1/3 na amplitude de roll.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 75

A eficiência das bolinas normalmente é aumentada com a velocidade de avanço


do navio. Todavia, para não gerar um aumento da resistência ao avanço, as
bolinas devem ser alinhadas com a direção do fluxo de água ao longo do
comprimento do casco.

Tanques Passivos

Esse mecanismo consiste basicamente em um tubo na forma de U posicionado


transversalmente no interior do casco. Quando o navio inclina, a água tende a fluir
de um bordo do tanque para o outro.

Regulando-se a seção do trecho horizontal, pode-se variar o “atraso” da


movimentação da água com relação à inclinação do navio. O ajuste da vazão é
feito de forma que o “atraso” seja tal que, quando o navio está no máximo de
inclinação para um bordo, o tanque no bordo oposto se encontre cheio, reduzindo
assim o movimento.

Como o tanque é passivo, esse ajuste só pode ser feito para um determinado
período de movimento (sintonia do tanque). Escolhe-se normalmente o período
natural de roll do navio, por se tratar do período para o qual ocorrem as maiores
amplitudes de movimento.

O custo destes sistemas e o espaço interno exigido pelos mesmos fazem com
que essa alternativa não seja tão comum quanto, por exemplo, o uso de bolinas.

Aletas Móveis

Funcionam como asas montadas junto ao bojo do navio (ver Figura 34). Um
atuador mecânico controla o ângulo de ataque dessas asas de forma a gerar
forças de sustentação (lifts) que se oponham ao movimento de jogo do navio.
Esse mecanismo é ativo e controlado por um sensor que mede a intensidade do
movimento de forma a ajustar o melhor ângulo das aletas ao longo do tempo.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 76

Figura 34 – Aletas Móveis. Fonte: Tupper (1996)

A intensidade da força de sustentação aumenta com o ângulo de ataque e com o


quadrado da velocidade de avanço. Assim, o controle leva em conta a velocidade
do navio, impondo ângulos menores para velocidades de avanço maiores.

As aletas móveis representam o mecanismo de estabilização ativa mais popular.


Em geral permanecem expostas o tempo todo, embora existam também aletas
retráteis, de custo bem mais elevado.

Tanques ativos

Usam o mesmo princípio de funcionamento dos tanques passivos. A diferença é


que a vazão (e portanto o “atraso”) no fluxo de água aqui é controlado por
bombas (ver Figura 35).

Atuando sobre a vazão, o sistema pode controlar o atraso em função do período


de movimento medido por sensores, a cada instante.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 77

Figura 35 – Tanque de estabilização ativo. Fonte: Tupper (1996)

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 78

4. MANOBRABILIDADE
O estudo de manobrabilidade de um navio envolve a avaliação de diferentes
características, dentre as quais podemos listar:

• capacidade de manutenção de curso;

• capacidade de mudança de curso (à qual normalmente associamos o


termo manobrabilidade);

• capacidade de mudança de velocidade (em especial, quanto à parada de


um navio).

Essa avaliação deve fornecer os subsídios necessários para se responder a


diversas perguntas, como:

• O navio é capaz de manter um determinado curso com facilidade (quer


seja pilotado em modo automático ou manual)?

• Para quais condições de vento e correnteza o curso pode ser mantido e


quais as ações necessárias para compensar a ação destes agentes
ambientais?

• Quais as condições limite de vento e correnteza nas quais o navio pode ser
atracado sem assistência de rebocadores?

• Qual a taxa de mudança de curso para diferentes velocidades ou, em


outras palavras, qual a distância mínima necessária para o navio desviar
de um obstáculo em caso de emergência?

Evidentemente, a análise destas capacidades ainda em projeto requer o cálculo


de forças hidrodinâmicas. Entre elas encontramos as forças resultantes sobre o
casco do navio durante uma manobra e as forças proporcionadas pelo leme, que
é o principal mecanismo de controle de curso da embarcação. No entanto, um
estudo mais preciso de manobrabilidade deve levar em conta outras
características como o número de propulsores, a influência do propulsor sobre o
leme, a interação casco-propulsor-leme, etc.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 79

Vimos no capítulo 2, que o cálculo da resistência ao avanço de um navio é uma


tarefa complexa que ainda hoje requer o emprego de ensaios em tanques de
provas para garantir estimativas adequadas. Quando falamos de manobra, o
problema é ainda mais complicado, pois envolve forças dinâmicas no fluido
(devido às acelerações do navio). Além disso, graças à velocidade de giro do
navio (velocidade de yaw), a velocidade e a direção de incidência do fluxo varia
ao longo do casco.

Por todas essas razões, a análise de manobrabilidade de um navio é um dos


tópicos mais difíceis em hidrodinâmica marítima e é, provavelmente, aquele
sujeito às maiores imprecisões. Como os efeitos viscosos no escoamento são
muito importantes, assim como no caso do estudo de resistência ao avanço,
predições numéricas (baseadas em CFD) não garantem a precisão necessária.
Recai-se novamente em ensaios em tanque de provas, mas agora ensaios
dinâmicos, com mudança de curso e de velocidade. Todavia, como não é mantida
a igualdade do número de Reynolds, os efeitos de escala sobre as forças
medidas são agora muito mais pronunciados. Medidas simples, como o uso de
excitadores de turbulência, não são suficientes para emular no modelo a
separação da camada-limite e a esteira de vórtices do navio real quando em
manobra. Assim, é difícil extrapolar os resultados de tanque de provas para a
escala real.

Obviamente, no que se refere ao projeto de navios convencionais, a evolução


histórica dos projetos já estabeleceu uma base suficiente para auxiliar o projetista
na definição dos mecanismos de controle de manobras (por exemplo, no projeto
do leme). Mais ainda, o estudo das características de inúmeros navios permitiu a
criação de normas de projeto e regulamentações que visam garantir as corretas
características de manobrabilidade. Mesmo assim, quando um navio novo é
entregue ao armador, uma série de testes de manobra deve ser conduzida para
verificar sua adequação a estas regulamentações.

Para o projeto de navios ou embarcações não-convencionais, quando não há uma


base sólida de cascos semelhantes, o estudo de manobrabilidade normalmente
envolve uma combinação de testes em tanque de provas e análises

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 80

computacionais. O nível de detalhamento dos modelos hidrodinâmicos envolvidos


é muito grande e, assim, uma discussão mais aprofundada dos mesmos fugiria ao
escopo deste curso.

O objetivo deste capítulo é apresentar uma visão de sobrevôo do problema,


introduzindo os principais aspectos referentes ao estudo de manobra. Assim,
inicialmente discutiremos a modelagem hidrodinâmica usual, mas de maneira
simplificada, para que o aluno possa compreender as principais forças
hidrodinâmicas envolvidas. Em seguida, apresentaremos os principais testes
realizados em tanques de provas e os testes de mar, em escala real. Por fim,
discutiremos os mecanismos de controle de manobra de um navio, em especial o
projeto do leme e as formulações básicas que permitem predizer as forças
proporcionadas pelo mesmo.

Para um estudo mais profundo do tema, o PNA (Vol. III) e Bertram (2000) são
boas referências.

4.1 Equações do Movimento e Estabilidade Direcional

Para estudar a manobrabilidade de um navio, em geral trabalhamos com as três


equações de movimento correspondentes ao movimento de avanço (com
velocidade u), ao movimento na direção transversal ao navio ou de deriva (com
velocidade v) e ao movimento de rotação ou giro do navio (com velocidade
angular r). A Figura 36, abaixo, ilustra as definições.

y (j)

r u
x(i)
CG o

Figura 36 – Definição dos eixos no problema de manobra


Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 81

É fácil notar que só equacionamos, portanto, o movimento do navio no plano


horizontal. Via de regra, essa é a hipótese adotada; a de que os movimentos do
navio no plano vertical não exercem influencia significativa sobre a dinâmica de
manobra10.

As forças hidrodinâmicas que atuam sobre o casco são usualmente denotadas


por:

• X: Força na direção longitudinal (corresponde à resistência para os casos


de rumo e velocidade constante);

• Y: Força na direção transversal ao casco;

• N: Momento de yaw (ou de guinada).

Essas forças dependem basicamente das velocidades (u , v, r ) e acelerações


(u& , v&, r&) 11 do navio e do ângulo de leme, que chamaremos de δ (por convenção,
positivo para bombordo).

Como muitas vezes as forças hidrodinâmicas são obtidas em ensaios com


modelos, costuma-se trabalhar com valores adimensionais (assim como fizemos
no estudo de resistência ao avanço). Na literatura sobre o assunto, normalmente
a adimensionalização das forças é feita da seguinte maneira:

X Y N (67)
X′= ; Y′ = ; N′ =
1 2 ρu L pp
2 2
1 2 ρu L pp
2 2
1 2 ρu L pp
2 3

onde a velocidade de avanço longitudinal é usada como velocidade de referência.

As velocidades e acelerações também são adimensionalizadas por relações


simples:

v r.L pp u&.L pp v&.L pp r&.L pp 2 (68)


v′ = ′
; r = ′
; u =
& ′
; v = 2 ; r =
& & ′
u u u2 u u2

10
No estudo de embarcações de alta velocidade ou no caso de veleiros, por exemplo, considera-
se também o movimento de inclinação do navio (roll).

dx
11
Aqui usamos a notação x& = , por simplicidade.
dt

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 82

O problema consiste em determinar as forças hidrodinâmicas em função das


velocidades e acelerações do navio e do ângulo de leme. Como já dissemos, não
existem meios teóricos ou numéricos capazes de estimar essas forças para
condições arbitrárias de velocidade e aceleração. Dessa forma, os engenheiros
navais costumam adotar um modelo hidrodinâmico baseado em resultados
medidos em ensaios. Esse modelo é conhecido na literatura como modelo de
derivadas hidrodinâmicas. Ele consiste, basicamente, em se expandir as forças
como potências das velocidades e acelerações, com coeficientes que devem ser
obtidos nos ensaios em tanque de provas. Tomemos como exemplo a força
transversal Y´. Essa força pode ser aproximada por uma expressão do tipo:

Y ′ = Yv&′v& ′ + Yr&′r& ′ + Yv′v ′ + Yv′3 (v ′) 3 + Yvr′ 2 v ′(r ′) 2 + Yv′δ 2 v ′(δ ) 2 + Yr′r ′ + Yr′3 (r ′) 3 + ... (69)

Na equação (69), os coeficientes { Yv′; Yv&′; Yr′;... } que multiplicam os termos de

velocidades e acelerações são chamados de derivadas hidrodinâmicas da força


transversal. Expressões semelhantes são adotadas para representar a força
longitudinal X ′ e o momento N ′ . Os modelos mais completos costumam
expandir as forças até termos na quinta potência das velocidades e acelerações.

As derivadas hidrodinâmicas do navio são, então, obtidas através de regressões


matemáticas baseadas nos resultados de uma série de ensaios em tanque de
provas realizados com diferentes combinações de velocidades, acelerações e
ângulos de leme (discutiremos o emprego de modelos na seção 4.2).

A título de ilustração, a Figura 37 apresenta conjuntos completos de derivadas


hidrodinâmicas obtidas com modelos de quatro diferentes tipos de navios: um
navio petroleiro, um navio cargueiro Série 60, um porta-conteineres e um ferry.
Esse conjunto de resultados foi extraído de Wolff (1981), trabalho até hoje
reputado como um dos mais precisos em termos de levantamento de derivadas
hidrodinâmicas.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 83

Figura 37 – Derivadas Hidrodinâmicas obtidas por Wolff (1981) para


diferentes navios. Fonte: Bertram (2000).

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 84

Uma vez obtidas as derivadas hidrodinâmicas, podemos escrever as equações do


movimento do navio (2ª Lei de Newton) no plano horizontal. Se adotarmos como
origem do sistema de referência a posição do centro de gravidade do navio
(fazendo O=CG na Figura 36), essas equações são dadas simplesmente por12:

m ′(u& ′ − v ′r ′) = X ′
m ′(v& ′ + r ′) = Y ′ (70)
I zz′ r&′ = N ′

Onde m′ e I zz′ correspondem à massa (deslocamento em massa) e momento de


inércia de massa em torno do eixo vertical, devidamente adimensionalizados:

m I zz
m′ = e I zz′ = .
1 2 ρL pp 1 2 ρL pp
3 5

Com base no sistema de equações (70), podemos criar algoritmos


computacionais que simulam o movimento de um navio usando como variáveis de
controle a velocidade de avanço e o ângulo de leme, ambos controlados pelo
usuário. São os chamados simuladores de manobra, que efetuam a integração no
tempo do sistema (70) para calcular a resposta do navio. Esses simuladores são
comumente empregados para treinamento de pilotos. Quase sempre são
baseados em modelos de derivadas hidrodinâmicas.

A partir do sistema (70) podemos também inferir a chamada estabilidade


direcional do navio. Por estabilidade direcional entendemos a capacidade que o
navio tem de, por si só, voltar a seu rumo original depois de sofrer pequenas
perturbações nesse rumo. Caso, dada uma pequena perturbação (por exemplo,
uma pequena velocidade lateral v << u por um curto intervalo de tempo), o navio

12
As componentes de aceleração de corpo rígido estão aqui expressas em relação ao sistema de
referência solidário ao corpo. A dedução destas equações pode ser acompanhada no PNA (1988),
Vol III.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 85

não seja capaz de retornar por si só (sem ação de medidas corretivas, como a
ação do leme) ao rumo original, dizemos que ele é instável direcionalmente.

O estudo de estabilidade de um sistema dinâmico, como o sistema (70) sempre


envolve o estudo de pequenas perturbações em torno de uma condição de
referência. No caso em estudo, essa situação de referência corresponde ao navio
navegando com uma certa velocidade de avanço u em rumo constante. As
perturbações, por sua vez, serão representadas matematicamente por pequenas
velocidades e acelerações na direção transversal ou pequenas velocidades e
acelerações angulares. Aqui é importante notar que, por “pequena” velocidade
entendemos uma velocidade pequena em relação à velocidade de referência u.
Dessa forma, do ponto de vista do modelo matemático, pequenas perturbações
v
no curso original implicam em v ′ = << 1 ; r ′ << 1 ; v& ′ << 1 , etc.
u

Nesta situação, é importante observar que os termos que são não-lineares (ou
seja, quadráticos, cúbicos, etc...) nas expressões das forças hidrodinâmicas (ver
eq. (69)) terão magnitudes muito menores do que aquelas referentes aos termos
lineares (de primeira ordem) nas velocidades e acelerações. Assim, no caso de
trabalharmos com pequenos desvios em torno da situação média, podemos
desprezar esses termos de maior ordem e trabalhar com equações de movimento
aproximadas, retendo apenas os termos lineares de força. Assim, as equações de
movimento “linearizadas” podem ser escritas como:

m′u& ′ = X u′& u& + X u′ ∆u


m′(v& ′ + r ′) = Yv&′v& ′ + Yr&′r&′ + Yv′v ′ + Yr′r ′ + Yδ′δ (71)
I zz′ r& ′ = N v′& v& ′ + N r′& r& ′ + N v′ v ′ + N r′ r ′ + N δ′ δ
Ou, reagrupando alguns termos:

m′u& ′ = X u′& u& + X u′ ∆u


(m′ − Yv&′)v& ′ = Yr&′r& ′ + Yv′v ′ + (Yr′ − m′)r ′ + Yδ′δ (72)
( I zz′ − N r′& )r& ′ = N v′& v& ′ + N v′ v ′ + N r′ r ′ + N δ′ δ

Além disso, como dissemos anteriormente, a estabilidade direcional se refere à


capacidade de o navio manter o rumo sem ação do leme. O estudo de
Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 86

estabilidade é feito, então, considerando-se sempre δ=0. Através do estudo do


sistema definido em (72) é possível mostrar que o navio será direcionalmente
estável se:

N r′ N′ (73)
> v
Yr′ − m′ Yv′

A expressão (73) define o critério de estabilidade direcional de um navio.


Fisicamente, ela indica que, para o navio ser estável, o centro de aplicação da
força hidrodinâmica lateral no movimento de yaw puro deve estar avante do
centro de aplicação da força lateral quando no movimento de sway puro. A partir
desta constatação fica fácil compreender que o critério de estabilidade se refere a
um binário formado por essas duas forças transversais. Se, dada uma pequena
mudança no rumo, esse binário atuar no sentido de trazer o navio de volta ao
rumo original, o navio será dito estável. Caso contrário, diremos que o navio é
direcionalmente instável.

O critério de estabilidade pode ser escrito também em função de um índice de


estabilidade ( C ′ ):

N r′ N′ (74)
C′ = − v >0
Yr′ − m′ Yv′

Quanto maior for o valor de C ′ , mais estável será o navio. Assim, maior será
também a força de leme requerida para manobrar o navio.

O principal problema na aplicação deste critério de estabilidade é de ordem


prática. Como veremos mais adiante, as medidas das derivadas hidrodinâmicas
em ensaios de tanque de provas estão sujeitas a imprecisões. Como a eq. (73) é
muito sensível a pequenas variações nos valores dessas derivadas, a
confiabilidade dos resultados é muitas vezes questionável, o que acaba por exigir
estudos mais complexos para se garantir a estabilidade direcional.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 87

Vários trabalhos foram realizados no sentido de avaliar a influência da geometria


do casco sobre a estabilidade direcional. Uma descrição mais detalhada sobre
esse tema pode ser encontrada no PNA (1988), Vol III, seção 16.3. Dada a
dificuldade em se medir as derivadas hidrodinâmicas, muitas vezes os resultados
destes estudos são conflitantes. Desse conjunto de trabalhos, o que de mais
importante se pode destacar é:

• O aumento da relação L/B melhora a estabilidade direcional. Cascos mais


rombudos (como os de navios petroleiros) são menos estáveis do que
cascos mais afilados (como os de fragatas, por exemplo);

• Em quase todos os estudos, o aumento de L/T provocou redução da


estabilidade direcional;

• Em geral, aumento no coeficiente de bloco CB também reduz a estabilidade


direcional.

A influência de outros parâmetros de forma sobre a estabilidade é difícil de se


avaliar de forma independente, não existindo tendências que se mantenham
inalteradas para diferentes tipos de cascos.

Regressões para as Derivadas Hidrodinâmicas Lineares

No trabalho publicado por Clarke et al. (1983), os autores reuniram um grande


número de medidas de derivadas hidrodinâmicas obtidas com modelos de
diferentes navios. Com isso, lhes foi possível determinar expressões analíticas
para as derivadas hidrodinâmicas lineares que melhor se ajustavam aos dados
experimentais.

Através deste estudo, foram propostas as seguintes expressões aproximadas


para as derivadas hidrodinâmicas lineares:

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 88

Yv&′ = −π (T / L pp ) 2 .(1 + 0.16C B B / T − 5.1( B / L pp ) 2 )


Yr&′ = −π (T / L pp ) 2 .(0.67 B / L pp − 0.0033( B / T ) 2 )
N v′& = −π (T / L pp ) 2 .(1.1B / L pp − 0.041B / T )
N r′& = −π (T / L pp ) 2 .(1 / 12 + 0.017C B B / T − 0.33B / L pp ) (75)

Yv′ = −π (T / L pp ) 2 .(1 + 0.40C B B / T )


Yr′ = −π (T / L pp ) 2 .(−0.5 + 2.2 B / L pp − 0.08B / T )
N v′ = −π (T / L pp ) 2 .(0.5 + 2.4T / L pp )
N r′ = −π (T / L pp ) 2 .(0.25 + 0.039 B / T − 0.56 B / L pp )

As expressões acima são de pouca utilidade para o estudo de manobra de um


navio específico. Isso porque, além dos erros envolvidos na determinação
experimental dos dados empregados, existem os erros nas próprias regressões
matemáticas realizadas sobre o conjunto de dados. Assim, as expressões (75) se
prestam apenas a aproximações grosseiras para cálculos preliminares, já que os
erros envolvidos podem ser grandes.

4.2 Ensaios em Tanques de Provas

Os coeficientes de forças e momentos (as derivadas hidrodinâmicas) empregados


no modelo de manobra são obtidos em ensaios com modelos em escala reduzida.
Em geral, para estes ensaios, os modelos são equipados com leme e propulsor. A
similaridade de Froude é adotada como base para redução de escala, assim
como nos ensaios de resistência ao avanço. No entanto, nos ensaios de
manobra, graças aos ângulos entre o fluxo e o casco do modelo (que podem ser
por vezes grandes) e também às acelerações durante os ensaios, garantir a
similaridade na separação da camada-limite entre o modelo e o navio real é muito
difícil. Por essa razão, prefere-se usar modelos maiores (menor redução de
escala) no intuito de reduzir os efeitos de escala.

Os ensaios realizados para determinação das derivadas hidrodinâmicas são


chamados de ensaios com modelo cativo. Recebem essa denominação porque os

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 89

movimentos do modelo são impostos por um mecanismo ao qual ele está


acoplado. Ensaios de manobra com modelos livres auto-propelidos são às vezes
realizados em tanques de grandes dimensões, mas não são comuns. Os dois
principais tipos de ensaios de modelo cativo são:

• Ensaios de Reboque Oblíquo: São realizados em tanques de reboque.


Consistem em rebocar o modelo com ângulos de yaw fixos. Vários ângulos
de leme são ensaiados para cada condição de reboque. As forças
longitudinal, transversal e o momento de yaw são medidos e, em alguns
casos (principalmente para embarcações de alta velocidade), também se
mede o momento de roll.

• Ensaios em Planar Motion Mechanism (PMM): PMMs são atuadores


mecânicos instalados no carro de reboque de um tanque de provas. Eles
permitem superpor movimentos senoidais (puramente transversais ou
combinados com yaw) ao movimento longitudinal de reboque ao longo do
tanque. O procedimento a partir do qual as derivadas hidrodinâmicas são
calculadas é discutido em maiores detalhes no PNA (1988), Vol.III, seção
8.

Figura 38 – Tipos de movimentos usuais em ensaios de PMM.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 90

Alguns PMMs induzem o movimento oscilatório de forma mecânica, a partir


de um movimento circular, via eixo excêntrico. Outros, mais modernos e de
custo bem mais elevado, empregam motores elétricos controlados por
computador. São os chamados CPMC (computerized planar motion
carriage). Eles permitem induzir movimentos arbitrários em modelos cativos
e também podem ser usados para medir a trajetória em ensaios de modelo
livre.

4.3 Avaliação da Manobrabilidade em Escala-Real

As principais características de manobrabilidade de um navio, listadas na


introdução deste capítulo, são avaliadas nas chamadas provas de mar. As provas
de mar consistem em testes realizados em águas abertas antes de o navio entrar
em operação. As condições nas quais os testes são realizados são
regulamentadas: profundidade superior a 2,5 vezes o calado do navio, ventos
inferiores a Beaufort 4 e águas calmas (ondas de pequena amplitude).

No conjunto de testes das provas de mar, os principais testes de manobra


seguem as recomendações do Manoeuvring Trial Code da ITTC (1975) e a
circular MSC 389 da IMO (International Maritime Organization). A IMO, através da
resolução A.601(15)13 de 1987, também especifica o display de resultados dos
testes na ponte de comando do navio e a elaboração de um manual de manobra
que faz parte da documentação obrigatória a bordo.

Os principais testes de manobra de navios são:

1. Teste de Raio de Giro (Turning Circle Test)

Com o navio navegando a uma velocidade constante e rumo fixo, dá-se um


determinado ângulo de leme δ (normalmente o máximo ângulo de leme possível),

13
Provision and display of manoeuvring information on board ships.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 91

o qual é mantido fixo até que o navio realize uma trajetória circular perfazendo, no
mínimo, 1 ½ volta (540o) . Os testes são realizados tanto para bombordo como
para boreste. As informações essenciais extraídas deste teste (normalmente
através de GPS) são (ver Figura 39):

• Raio de Giro (R)

• Diâmetro tático;

• Avanço máximo;

• Transfer;

• Tempos para mudar o aproamento de 90o e 180o;

• Variação da velocidade de avanço.

Figura 39 – Teste de Raio de Giro. Fonte: Bertram (2000)

Valores típicos de diâmetro tático se encontram em uma faixa de


aproximadamente 4,5Lpp a 7,0Lpp no caso de navios afilados e 2,4Lpp a 4,0Lpp no

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 92

caso de cascos rombudos. O principal parâmetro que controla o raio de giro é o


chamado fator de esbeltez ( L pp / ∇1 / 3 ). Notar que esse parâmetro se relaciona

inversamente com m′ . Assim, em geral, quanto menor for o valor de m′ do navio,


maior deverá ser o raio de giro (considerando que o leme se mantenha
inalterado).

Devemos destacar ainda que o raio de giro (R) para navios bastante estáveis
(aqueles com baixos valores de m′ e diâmetros táticos próximos de 4,0Lpp ou
maiores) ou para navios em geral mas sob pequenos ângulos de leme pode ser
estimado de forma simplificada a partir do modelo de derivadas hidrodinâmicas.
Nestas situações, as velocidades ( v ′; r ′ ) durante a manobra de giro serão de fato
pequenas comparadas com a velocidade de avanço. Assim, podemos usar as
equações de movimento linearizadas para estimarmos, de forma fácil, o raio de
giro. Recuperando então as equações de movimento simplificadas (72) e
percebendo que durante a trajetória temos v& = r& = 0 , podemos escrever:

Yv′v ′ + (Yr′ − m′)r ′ + Yδ′δ = 0 (76)


N v′ v ′ + N r′ r ′ + N δ′ δ = 0

r.L pp
Lembrando ainda que r ′ = e notando que u = Rr durante a trajetória
u
L pp
circular, tem-se que r ′ = durante o giro. Substituindo na equação acima,
R
podemos resolver o sistema para as duas variáveis ( v ′; R ), obtendo assim a
seguinte expressão para o raio de giro em função das derivadas hidrodinâmicas:

L pp ⎡ Yv′( N r′ ) − N v′ (Yr′ − m′) ⎤ (77)


R=−
δ ⎢⎣ Yv′( N δ′ ) − N v′ (Yδ′ ) ⎥⎦

Lembrar que na equação acima o ângulo δ deve ser usado em radianos.

Ressalta-se, mais uma vez, que a expressão acima só é razoável para estimar o
raio de giro de navios afilados. Para cascos rombudos, o emprego da

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 93

aproximação acima resulta em erros consideráveis. Para ilustrar esse fato,


tomemos como exemplo o navio petroleiro (tanker) cujos dados são apresentados
na Figura 37. É fácil verificar que a aproximação dada em (77) nos fornece neste
caso: R = 0.181 L pp δ . Sabendo que Lpp = 290m, o raio de giro previsto para um

ângulo de leme de 40o é de apenas 75 metros, ou seja, um diâmetro tático de


aproximadamente 150 m (1/2 Lpp). Estes valores estão certamente subestimados
em virtude de o casco ser rombudo (alto m′ ) e do ângulo de leme ser elevado,
situação na qual o emprego da aproximação (77) não é recomendada.

Por outro lado, a equação (77) é útil para estimar o raio de giro para pequenos
ângulos de leme, por exemplo, até 10o, quando os erros serão certamente
menores. Retomando o exemplo do navio petroleiro, para δ=5o o raio de giro
previsto é de 600 metros.

2. Manobra em Zig-Zag

Raramente um navio necessitará empregar ângulos de leme maiores do que 30º,


como aqueles usualmente empregados na manobra de raio de giro. Para se
avaliar a resposta do navio para pequenos ângulos de leme normalmente recorre-
se ao teste de manobra em zig-zag. Navegando com velocidade constante em
rumo fixo, aplica-se um ângulo de leme de 20o para um dos bordos e espera-se o
aproamento do navio variar dos mesmos 20o. Quando este ângulo é atingido,
inverte-se o ângulo de leme, dando os mesmos 20o para o outro bordo e, mais
uma vez, aguarda-se o aproamento do navio variar até atingir 20o no outro
sentido.

A Figura 40 ilustra as séries temporais de variação do ângulo de leme e do


aproamento do navio (heading) durante uma manobra de zig-zag.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 94

Figura 40 – Manobra de zig-zag. Fonte: Tupper (1996)

As medições mais importantes durante este teste são:

• O ângulo de overshoot (ver Figura 40);

• Os intervalos de tempo necessários para o aproamento variar de 20o e


para o navio atingir a máxima variação de aproamento;

• O período de oscilação da manobra.

3. Manobras em Espiral

Esta manobra tem por objetivo avaliar a estabilidade dinâmica do navio. Partindo-
se de um rumo e velocidade constante, aplica-se um ângulo de leme para um dos
bordos, por exemplo 15o para estibordo (starboard S). Aguarda-se o navio atingir
uma taxa constante de variação de aproamento, quando então o ângulo de leme
é reduzido, por exemplo para 10oS. Repete-se o procedimento para 5oS, 5oP
(bombordo – port P), 10oP e 15oP. Durante a manobra o navio terá então descrito
uma trajetória em espiral. As taxas de variação do aproamento (ou taxa de giro,
rate of turn) medidas são então plotadas em função dos ângulos de leme, como
ilustra a Figura 41.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 95

Se o navio for estável, cada ângulo de leme estará associado a uma taxa de
variação bem definida (parte (a) da figura). Caso contrário, para um mesmo
ângulo de leme mais de uma taxa de variação será medida, dependo se este
ângulo foi atingido no sentido crescente ou decrescente (parte (b) da figura).

Figura 41 – Medidas de Manobra em Espiral. Fonte: Tupper (1996)

Os resultados do teste permitem prever a faixa de ângulos de leme para as quais


o navio apresenta comportamento instável. Definem também o valor mínimo de
ângulo de leme necessário para garantir uma determinada taxa de variação de
aproamento. Essas informações, registradas a bordo, são de suma importância
para o comando do navio.

4. Manobra de Pull-Out

Também fornece uma medida da estabilidade direcional do navio. Com o leme


aberto em um certo ângulo e o navio com uma taxa de variação de aproamento
constante, retorna-se o leme a zero e mede-se a resposta do navio. Se o navio for
estável, a taxa de giro cairá a zero com o tempo e o navio assumirá um rumo fixo.
Caso contrário, haverá um valor residual da taxa e o navio não seguirá em linha
reta. As duas situações são ilustradas na Figura 42.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 96

Figura 42 – Medidas em Teste de Pull-Out. Fonte: Bertram (2000)

Como as condições iniciais para este teste correspondem às condições


verificadas ao final de um teste de raio de giro, normalmente eles são feitos em
seqüência.

4.4 Dispositivos de Manobra: O Leme

O leme é o principal dispositivo responsável pela manobra de um navio em curso.


Dependendo de suas características, os navios podem ser dotados de um (single
rudder) ou dois lemes (twin rudders).

Figura 43 – Vista do leme e propulsor de um navio

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 97

O princípio de funcionamento dos lemes é o mesmo de uma asa: garantindo um


certo ângulo de ataque com o fluxo incidente (no caso, definido basicamente pelo
ângulo de leme δ), gera uma força de sustentação hidrodinâmica (lift), sendo esta
perpendicular à direção do fluxo incidente. Como os lemes são posicionados na
popa do navio, essa força implica em um momento que tende a mudar o curso da
embarcação. O estudo hidrodinâmico do leme se baseia, assim, sobre os
resultados da chamada Teoria de Asas, teoria esta muito bem estabelecida.

Dentre estes resultados, é importante o aluno saber que a força de sustentação


gerada pelo leme é diretamente proporcional à área lateral14 do mesmo (AR) e ao
quadrado da velocidade do fluxo incidente. Essa, por sua vez, depende em parte
da velocidade de avanço da embarcação (V). A velocidade média do fluxo sobre o
leme não é igual à velocidade de avanço pois há a influência do fluxo gerado pelo
propulsor e a influência do casco, que também modifica o fluxo incidente.

Sobre a força de sustentação podemos escrever:

F ∝ ARV 2δ (78)

Como indica a equação acima, a força de sustentação aumenta com o ângulo de


leme. Todavia, existe um limite para este aumento, definido por um fenômeno
conhecido como estol (em inglês, stall) da asa. Acima de um ângulo limite existe a
separação da camada-limite junto ao nariz da asa, fazendo com que se perca
quase que totalmente a força de sustentação. Esse fenômeno é ilustrado na
Figura 44, abaixo.

Figura 44 – Vista da seção de uma asa em estol.

14
Refere-se à área projetada do leme em vista lateral.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 98

O projeto do leme deve levar em conta diversos fatores, como a velocidade de


projeto do navio, suas características de estabilidade direcional, a interação entre
o propulsor e o leme, entre outras. Deve-se garantir que o leme seja capaz de
proporcionar a máxima força em situação de emergência sem que ocorra o estol
do leme. Também não se pode superdimensionar a área de leme sob pena de
aumentar desnecessariamente a resistência ao avanço e de se tornar o navio
muito sensível em manobras. A área de leme em navios mercantes varia
1 1
tipicamente na faixa L pp T ≤ AR ≤ L pp T , sendo T o calado de projeto do
70 60
navio.

Além disso, a equação (78) também indica que, em baixas velocidades, o leme do
navio será pouco efetivo. Esse é um problema enfrentado principalmente durante
manobras de atracação. Nessa situação, as velocidades são muito baixas e há a
necessidade de se aplicar grandes giros ao casco. Por essa razão, as manobras
em atracação são muitas vezes assistidas por dispositivos de manobras
auxiliares, como por exemplo os bow thrusters, ou por rebocadores. Os bow
thrusters nada mais são do que propulsores montados transversalmente junto à
proa do navio e que produzem um momento de giro no casco pela geração de
empuxo lateral.

Figura 45 – Vista da proa de um navio com bow thruster.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 99

4.4.1 Os Principais Tipos de Lemes


Embora o princípio de funcionamento seja o mesmo, vários tipos de lemes com
detalhes construtivos diferentes foram desenvolvidos ao longo do tempo. Em
geral, as principais diferenças entre eles se referem ao seu balanceamento15 ou
ao arranjo de fixação junto ao casco.

Figura 46 – Principais Tipos de Lemes. Fonte: Bertram (2000)

Os tipos de leme mais comumente encontrados são:

• Simplex: É o tipo mais comum devido ao seu baixo custo. Trata-se de um


leme balanceado (centro de pressão sobre o eixo de rotação), o que faz
com que ele exija pouca potência para girá-lo. Suas principais
desvantagens se referem ao arrasto gerado pelas estruturas de suporte e o
fato de a separação da camada-limite nestas estruturas aumentar as
vibrações induzidas pelo propulsor. Por estas razões, navios mais
modernos com hélice único passaram a adotar outros tipos de lemes. No
entanto, os lemes simplex são ainda empregados em larga escala em
embarcações de menor porte e em barcos pesqueiros, por exemplo.

15
O que define o balanceamento de um leme é a distância entre o centro de pressão (ponto de
aplicação da força de sustentação) e o seu eixo de rotação.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 100

• Spade: São bastante utilizados em navios ro-ro e militares. São lemes


bastante efetivos, com alta relação lift/drag. Devido à forma de suporte, seu
eixo é submetido a grandes esforços de flexão.

• Semi-Balanceados: São dotados de uma estrutura de suporte avante do


leme (ver foto na Figura 43). Essa estrutura reduz os esforços de flexão,
em comparação com os lemes tipo spade. Por outro lado, a presença desta
estrutura tem influência negativa sobre a hidrodinâmica do leme e, por
essa razão, são menos efetivos em termos de geração de força de
sustentação. Além disso, por serem semi-balanceados, exigem maiores
potências de máquina do leme.

• Lemes com Flap: Trata-se de um tipo especial de leme, com versões


patenteadas (ex, os lemes Becker). Os flaps no leme funcionam
exatamente como flaps em aerofólios, aumentando o lift para cada ângulo
de leme. O ângulo do flap deve variar com o ângulo de leme e é controlado
por um atuador mecânico ou hidráulico. Podem proporcionar até 70% de
ganho no valor máximo da força de sustentação comparado a um leme
convencional de mesma área.

4.4.2 Fórmulas Simplificadas para Cálculo da Força e Torque no Leme


A teoria de asas permite prever de forma bastante precisa as forças sobre asas
de diferentes geometrias. A aplicação desta teoria no caso de lemes, no entanto,
apresenta complicações que estão relacionadas à definição do escoamento que
realmente incide sobre a asa. Esse escoamento é em geral bastante complexo
graças à influência do propulsor e do casco. Dessa forma, análises mais precisas
devem recorrer a métodos numéricos ou experimentais para se avaliar
corretamente o escoamento incidente.

Ao longo do tempo, no entanto, várias formulações aproximadas para o cálculo da


força no leme foram propostas. Estas formulações fornecem estimativas médias,
baseadas em um grande conjunto de resultados experimentais. Elas permitem um

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 101

cálculo preliminar de força e torque no leme e, assim, possibilitam uma primeira


estimativa da potência necessária na máquina do leme.

Uma das formulações simplificadas propostas na literatura adota como base a


equação (78) para representar a força no leme da seguinte forma:

F = 577 AR (cV V ) 2 sin(δ ) (79)

A influência hidrodinâmica do casco e do propulsor está implícita no valor da


constante de proporcionalidade e no valor da constante que multiplica a
velocidade de avanço (cV). Sugere-se adotar cV = 1,3 para um leme

imediatamente atrás de um propulsor central e cV = 1,2 para navio com leme

central e duplo-hélice (twin-screws).

Para determinar o torque no leme é necessário saber a posição do centro de


pressão. Para lemes retangulares, sugere-se admitir que a distância entre o nariz
do leme (ou bordo de ataque) e o centro de pressão seja de aproximadamente
35% da corda (comprimento horizontal) do leme. Para lemes com outras
geometrias, métodos para cálculo da posição do centro de pressão podem ser
encontrados, por exemplo, no PNA (1988), Vol.III.

A distância horizontal entre o centro de pressão e o eixo do leme define, então, o


braço de momento para o cálculo do torque no eixo.

Para ilustrar o emprego dessa formulação, vejamos um exemplo de cálculo:

Exemplo: Um leme semi-balanceado com área de 20m2 tem seu centro de


pressão a uma distância de 1,2m do eixo. Sabendo que o navio é dotado de um
único propulsor central e um único leme e navega a uma velocidade de 15 nós,
calcule o torque no eixo para um ângulo de leme de 35o. Supondo que a tensão
admissível neste eixo seja de 100 MPa, estime o diâmetro mínimo necessário
para este eixo.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 102

Solução

Utilizamos a equação (79) para calcular a força no leme para um ângulo δ = 35o .
Por se tratar de um leme central, adotamos como valor da constante de
velocidade cV = 1,3 . Assim:

F = 577. AR (cV V ) 2 sin(δ ) = 577 × 20 × (1,3 × 15 × 0,5144) 2 × sen(35) = 665991N

O torque no leme é dado pelo produto da força pelo braço de momento:

Torque = F (1,2) = 665991 × 1,2 = 799189 Nm

Por se tratar de um leme semi-balanceado, podemos admitir que o momento fletor


sobre o eixo será pequeno se comparado com o torque no leme. Assim, é
razoável estimar a tensão no eixo empregando como carga única o torque.

Sendo D o diâmetro do eixo, a tensão máxima proporcionada por um torque sobre


o mesmo é dada simplesmente por:

Torque ⎛ D ⎞
σ= ⎜ ⎟
J ⎝2⎠

onde J representa o momento polar de inércia da seção do eixo. Como o eixo é


circular, esse momento polar é dado por: J = πD 4 32

Dessa forma, o diâmetro mínimo necessário para o eixo será aquele para o qual a
tensão admissível será atingida, portanto:
1/ 3
⎛ 16 1 ⎞
D=⎜ × × 799189 ⎟ = 0,344m
⎝ π 100 E 6 ⎠

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 103

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] Benford, H. “Naval Architecture for Non-Naval Architects”, Jersey City, NJ,
1991, 239p.

[2] Bertram, V. “Practical Ship Hydrodynamics”, Butterworth-Heinemann, 2000.

[3] Clarke, D., Gedling, P. and Hine, G., “The application of manoeuvring
criteria in hull design using linear theory”. The Naval Architect, pp.45-68,
1983.

[4] Larsson,L. & Eliasson, R.E. “Principles of Yacht Design”, International


Marine, 1994

[5] Larsson, L. and Baba, E. “Ship Resistance and Flow Computations”,


Advances in Marine Hydrodynamics, M. Okhusu(ed.), Comp. Mech. Publ.,
1996, pp.1-75.

[6] Lewis, E.V., “PNA – Principles of Naval Architecture, The Society of Naval
Architects and Marine Engineers – SNAME, Second Revision, 1988.

[7] Newman, J.N., “Marine Hydrodynamics”, Cambridge: MIT Press.

[8] Ochi, M.K. “Ocean Waves. The Stochastic Approach”. Cambridge Ocean
Tech. Series (6), Cambridge University Press, 1998.

[9] Pierson, W.J. & Moskowitz, L. “A Proposed Spectral Form for Fully
Developed Wind Seas Based on the Similarity Theory of
S.A.Kitaigorodsku”, Tech. Report U.S. Naval Oceanographic Office
Contract No 62306 – 1042, 1963

[10] Price, W.G. & Bishop, R.E.D. “Probabilistic Theory of Ship


Dynamics”, Chapman and Hall Ltd, London, 1974

[11] Tupper, E., “Introduction to Naval Architecture”. 3rd ed. Oxford;


Boston: Butterworth-Heinemann, 1996. 361 p.

[12] Wigley, C., “Ship Wave Resistance”, Trans. NECI, Vol.47, 1931.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 104

[13] Wolff, K., “Ermittlung der Manövriereingenschaften fünf


repräsentativer Schiffstypen mit Hilfe von CPMC-Modelversuchen”. ifS
Report 412, Univ. Hamburg, (1981).

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 105

APÊNDICE A: ANÁLISE DIMENSIONAL NO PROBLEMA DE


RESISTÊNCIA AO AVANÇO
O princípio da análise dimensional reside no fato de que qualquer equação
matemática que represente um fenômeno físico deve preservar a homogeneidade
dimensional. Existem três quantidades básicas na mecânica: o comprimento (L), o
tempo (T) e a massa (M). Qualquer outra quantidade é uma combinação dessas
três quantidades básicas. Por exemplo, velocidade tem dimensão (L/T) e
aceleração tem dimensão (L/T2). Força é o produto da massa pela aceleração e,
portanto, tem dimensão (ML/T2).

Nesta seção discutiremos a aplicação da análise dimensional ao problema de


resistência ao avanço de uma embarcação. Como resultado dessa análise,
chegaremos a alguns parâmetros adimensionais que regem os fenômenos
hidrodinâmicos que originam a força de resistência. Nosso objetivo aqui é tão
somente identificar esses parâmetros.

O primeiro passo no estudo de análise dimensional consiste em identificar o


conjunto de variáveis que têm influência sobre o problema em questão. Assim,
podemos intuir que a resistência ao avanço (R) de um navio dependerá das
seguintes variáveis:

• Velocidade da embarcação (V);

• Tamanho da embarcação, que pode ser representado por L;

• Densidade do fluido (ρ);

• Viscosidade do fluido (µ);

• Aceleração da gravidade (g);

• Pressão do fluido sobre o casco (p);

Uma vez relacionadas as variáveis, escrevemos R como um produto das mesmas


com expoentes ainda não conhecidos, ou seja:

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 106

R ∝ ρ aV b Lc µ d g e p f (A.1)

Escrevemos então, cada uma das quantidades em função das básicas (M,L,T)16,
e reescrevemos a relação (1.1) na forma:
a b
ML ⎛ M ⎞ ⎛ L ⎞ c ⎛ M ⎞ ⎛ L ⎞ ⎛ M ⎞
d e f (A.2)
∝⎜ 3 ⎟ ⎜ ⎟ L ⎜ ⎟ ⎜ 2⎟ ⎜ 2 ⎟
T2 ⎝ L ⎠ ⎝ T ⎠ ⎝ LT ⎠ ⎝ T ⎠ ⎝ LT ⎠
Igualamos os expoentes nos dois lados da equação. Com isso, obtemos, após
algum trabalho algébrico:

a = 1− d − f (A.3)
b = 2 − d − 2e − 2 f
c = 2−d +e
Substituindo a, b e c na equação (1.1), vem:

⎛ µ ⎞ ⎛ gL ⎞
d e
⎛ p ⎞
f (A.4)
R ∝ ρV L ⎜⎜2 2
⎟⎟ ⎜ 2 ⎟ ⎜⎜ ⎟⎟
⎝ ρVL ⎠ ⎝ V ⎠ ⎝ ρV
2

A relação (1.4), por sua vez, também poderia ser escrita como:
−d −2 e (A.5)
R ⎛ ρVL ⎞ ⎛ V ⎞ ⎛ p ⎞
f

∝ ⎜⎜ ⎟⎟ ⎜ ⎟ ⎜⎜ ⎟
⎜ gL ⎟ 2 ⎟
ρV L ⎝ µ ⎠ ⎝ ρV ⎠
2 2
⎝ ⎠
A partir da relação (1.5) não conhecemos a relação exata entre a resistência e os
demais parâmetros, pois não conhecemos o valor das incógnitas (d,e,f). Todavia,
essa expressão nos indica que o coeficiente adimensional de resistência17
( R ρV 2 L2 ) é função de três parâmetros, ou seja:

R ⎡⎛ ρVL ⎞ ⎛ V ⎞ ⎛ p ⎞⎤ (A.6)
= f ⎢⎜⎜ ⎟⎟, ⎜ ⎟, ⎜
⎜ ⎟⎥
2 ⎟
ρV 2 L2 ⎢⎣⎝ µ ⎠ ⎝ gL ⎟⎠ ⎝ ρV ⎠⎥⎦

O primeiro parâmetro, o número de Reynolds, rege o atrito do fluido sobre o casco


(resistência de fricção), o segundo é conhecido como número de Froude e
controla a geração de ondas pelo navio em movimento (e, portanto, a resistência

16
A viscosidade do fluido (µ) tem dimensão M/(LT)
17
Na engenharia, normalmente o coeficiente de resistência usa como medida de área L2 a área de
superfície molhada do casco (SW).

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 107

de ondas) e, finalmente, o terceiro é conhecido como número de Weber. Esse


último parâmetro é importante para o fenômeno de cavitação (usual em hélices) e
será discutido em maiores detalhes no módulo que trata da propulsão. Todavia,
ele desempenha papel pouco importante na resistência ao avanço quando
comparado aos demais.

A análise dimensional fornece informações valiosas para o estudo dos mais


diferentes fenômenos físicos e a importância dos dois principais adimensionais
identificados acima para os métodos de cálculo de resistência ao avanço é
discutida em detalhes ao longo do Capítulo 2 desta apostila.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 108

APÊNDICE B: O OSCILADOR MASSA-MOLA


Consideremos o sistema ilustrado na Figura B.1, com massa m , submetido a uma
restauração de mola k e sujeito à ação de uma excitação harmônica do tipo:

F (t ) = F0 cos(ω t ) , (B.1)

onde: F0 é a magnitude dessa força de excitação e ω sua freqüência de

variação.

x
k
m F(t)

Sem atrito

Figura B.1 – Oscilador massa-mola, forçado e não amortecido.

Para esse sistema, se aplicarmos a II Lei de Newton, chegamos à seguinte


equação diferencial linear não homogênea representativa de sua dinâmica:

m&x& + kx = F0 cos(ω t ) (B.2)

Esta equação pode ser reescrita dividindo-se todos os termos pela massa m e,
então:

&x& + ω n2 x = f 0 cos(ω t ) , (B.3)

F0
onde: ω n = k é a freqüência natural não amortecida do sistema e f 0 = a
m m
razão entre a magnitude da força de excitação e o termo inercial do sistema.

Sabemos que esta equação diferencial tem solução geral do tipo


x(t ) = x H (t ) + x P (t ) , onde:

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 109

x H (t ) = X 1 sen(ω n t ) + X 2 cos(ω n t ) é a solução da equação homogênea

m&x& + kx = 0 ;

e x P (t ) = X 0 cos(ω t ) é uma solução particular que assume o mesma

característica da força de excitação F (t ) , quando ω ≠ ω n .

Substituindo essa solução particular x P (t ) na equação diferencial linear não


homogênea, obtemos:

f0
− ω 2 X 0 cos(ω t ) + ω n2 X 0 cos(ω t ) = f 0 cos(ω t ) ⇒ X 0 = .
ω n2 −ω2

Desta forma, a solução particular da equação diferencial do movimento fica sendo


dada por:

f0 (B.4)
x P (t ) = cos(ω t ) .
ω n2 −ω 2

E a solução geral pela sobreposição desta à solução homogênea x H (t ) , já


apresentada:

f0 (B.5)
x(t ) = X 1 sen(ω n t ) + X 2 cos(ω n t ) + cos(ω t ) .
ω n2 −ω 2

De acordo com essa solução geral (B.5), se o sistema apresentar condições


iniciais [ x(0), x& (0)] = [ x0 , v0 ] , então as amplitudes X1 e X 2 podem ser

determinadas, resultando em:

v0 ⎛ f ⎞ f0 (B.6)
x(t ) = sen(ω n t ) + ⎜⎜ x0 − 2 0 2 ⎟ cos(ω n t ) +
⎟ cos(ω t ) .
ω ⎝ ωn − ω ⎠ ω 2
n − ω 2

Neste ponto, com base em (B.6), dois casos particulares merecem uma análise
mais aprofundada: o batimento e a ressonância.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 110

O Batimento

Se as condições iniciais do problema são nulas [ x (0), x& (0)] = [0,0] , a solução geral
se torna bastante simples:

f0
x(t ) = [cos(ω t ) − cos(ω n t )] , ou seja:
ω n2 −ω2

2 f0 ⎛ ω − ω ⎞ ⎛ ωn + ω ⎞ (B.7)
x(t ) = sen⎜ n t ⎟ sen⎜ t⎟.
ω n2 −ω 2
⎝ 2 ⎠ ⎝ 2 ⎠

Desta forma, quando ω se aproxima do valor de ω n , verificamos o fenômeno de

⎛ω +ω ⎞
batimento. Percebemos um movimento ditado pela alta freqüência ⎜ n ⎟ e
⎝ 2 ⎠

⎛ω −ω ⎞
uma modulação da amplitude, dada pelo termo ⎜ n ⎟.
⎝ 2 ⎠

Exemplo: para f 0 = 1,5 N , ω n = 2 rad e ω = 1,9 rad , a Figura B.2 mostra a


kg s s
resposta do sistema massa-mola não amortecido, de acordo com a solução geral
para condições iniciais nulas, eq. (B.7).

Figura B.2 – Exemplo de batimento, caso particular da solução geral.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 111

A Ressonância

Por outro lado, suponha agora que a freqüência da excitação harmônica seja
exatamente igual à freqüências natural do sistema, ω = ω n .

Neste caso, a solução particular x P (t ) = X 0 cos(ω t ) também passa a ser solução

da equação homogênea e se faz necessária a proposição de uma nova solução


particular do tipo: x P (t ) = tX 0 sen(ω t ) , a qual, segundo aplicação de um

procedimento análogo ao anteriormente apresentado, e sob as mesmas


condições iniciais [ x(0), x& (0)] = [ x0 , v0 ] , leva à seguinte solução x(t) para o caso de

ω = ωn :

v0 f0 (B.8)
x(t ) = sen(ω t ) + x0 cos(ω t ) + tsen(ω t ) .
ω 2ω
Como exemplo a Figura B.3 mostra o comportamento dinâmico do sistema,

partindo de [ x (0), x& (0)] = [0,0] , com f 0 = 1,5 N e ω = ω n = 2 rad .


kg s

Figura B.3 – Exemplo de ressonância, outro caso particular da solução


geral.

Note o caráter ilimitado da resposta na condição de ressonância, em geral, uma


situação profundamente indesejada nos sistemas dinâmicos.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 112

Graficamente podemos, ainda, apresentar a amplificação das oscilações ( X ),


f0
ou função de transferência do movimento, como função da relação entre a

freqüência da excitação forçada e a freqüência natural do sistema (ω


ωn ) . A
Figura B.4 ilustra a representação gráfica da função de transferência para o
sistema em estudo.

Figura B.4 – Representação gráfica da função de transferência do sistema


massa-mola não amortecido.

De acordo com a Figura B.4 percebemos que na situação em que (ω


ωn ) = 0 a
força excitante é não oscilatória e a resposta do sistema é o deslocamento
estático dado por X = f 0 . Desta forma, para ω muito menor que ω n a

restauração do sistema é o fator dominante e o comportamento é praticamente


estático.

Por outro lado, para (ω


ω n ) → ∞ , a resposta aproxima-se de zero e neste caso de
altas freqüências, ω muito maior que ω n , a inércia do sistema é o fator dominante
na resposta.

Módulo 3 – Hidrodinâmica
Especialização em Engenharia Naval 113

Note, ainda, que a consideração de um sistema não amortecido leva a uma

situação de amplificação infinita em (ω


ω n ) = 1 , característica marcante da
ressonância neste tipo de sistema, conforme ilustrado na Figura B.3.

Obviamente, sistemas navais e oceânicos são dotados de amortecimento, o que


limita a amplitude máxima na ressonância. Comentários sobre a importância do
amortecimento são feitos no Capítulo 3.

Módulo 3 – Hidrodinâmica

Você também pode gostar