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23/11/2019 Com Ciência - SBPC/Labjor

REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO

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Dossiê                       
Editorial Artigo
A propósito do belo e
da beleza - Carlos Vogt Belo: a breve história de uma idéia
Reportagens Por Taisa Helena P. Palhares
A sonhada beleza
10/07/2006
virtual
Carolina Cantarino
Se alguém em nossos dias quisesse descobrir na produção artística contemporânea a
manifestação dos conceitos de beleza forjados por nossa cultura, sua tarefa com certeza
Diversidade garante seria malograda. Sua busca teria maior sucesso se analisasse os cartazes publicitários, as
expansão do mercado revistas, as produções televisivas, a moda, ou seja, se recorresse a toda produção do
Mariana Perozzi mass media, pois há muito tempo a Arte deixou de ter a supremacia neste assunto.
Diferentes modos de Tentar alcançar hoje uma noção mais ou menos nítida de Belo não implica, como na
ser belo época moderna, voltar-se para as artes.
Patrícia Mariuzzo
Essa situação revela algo que na maior parte do tempo é esquecido pelo senso comum:
Os oblíquos caminhos tanto a Arte quanto o Belo são categorias históricas. E mais, a noção tão difundida de
do belo
Belas-Artes só se consolida nos século XVIII e XIX. No mundo antigo, a arte é, enquanto
Yurij Castelfranchi techné, qualquer atividade humana que implica um determinado saber fazer ordenado,
A estética da bossa uma habilidade característica para execução de uma coisa. O que distingue, por exemplo,
nova a pintura da agricultura neste caso é que a primeira é uma arte da imitação, enquanto a
Mariana Garcia segunda é produtiva. Para Platão, quem imita não possui um saber propriamente dito,
logo sua arte nem será verdadeiramente uma arte. Além disso, o pintor e o escultor
Artigos imitam sobretudo a aparência das coisas, dos seres vivos, da natureza. Eles produzem
Sobre a beleza do feio uma representação distorcida daquilo que em si já é uma imagem das Idéias, cujo
e a sublimidade do mal conhecimento só pode se dar mediante o pensamento racional. Como conseqüência, em
Márcio Seligmann-Silva sua república ideal o filósofo grego resolve banir todos os artistas imitativos.
Belo: a breve história
de uma idéia Por outro lado, durante a Antigüidade e Idade Média se constrói uma rica metafísica do
Taisa Helena P. Palhares Belo que será fundamental para compreensão do Belo artístico a partir do Renascimento.
Sob influência do pensamento de Pitágoras, para quem o princípio de todas as coisas é o
Dormindo com o número, o Belo será associado a conceitos como ordem, proporção, harmonia, simetria e
inimigo. Mulher, feiúra
forma. Do mesmo modo que um corpo belo ou uma bela flor revelam a ordenação
e a busca do corpo
perfeito matemática do mundo, o belo na arte deve guiar-se pela proporção matemática e pela
simetria. Para tradição pitagórica, o exemplo a ser seguido é o do belo natural: a
Joana V. Novaes e Junia
de Vilhena harmonia do cosmo e da natureza.

Branca, preta, híbrida: Uma outra relação importante efetuada pelos antigos é a associação entre o conceito de
qual é a cor da beleza Belo e as noções de Verdade e Bem. Nesse sentido, será belo tudo o que é verdadeiro,
na propaganda
brasileira hoje? justo e bom. Para o pensamento cristão, Deus como a Verdade e o Bem em si, é também
identificado ao Belo em si. A corporificação da beleza no mundo nada mais é do que a
Ilana Strozenberg
manifestação da divindade. Essas breves observações apontam para o valor ontológico do
Por uma estética da belo no pensamento pré-moderno. A qualificação estética do belo representa, na história
psicanálise ocidental das idéias, uma desvalorização de sua valência original.
Carlos Augusto Peixoto
Junior
Entre a beleza e a
problematização das
cidades
M. Cecilia Loschiavo

Resenha
Arte e beleza na
estética medieval
Germana Barata

Entrevista
Denise Bernuzzi Sant
´Anna
Entrevistado por Marta
Kanashiro

Poema
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Deserdação
Carlos Vogt

Humor
HumorComCiencia
João Garcia

Rafael: Nossa Senhora Sistina", 1513-14

Contudo, há de se notar que a exigência de observação do belo natural como origem do


belo artístico já vinha sendo questionada por alguns pensadores. Durante o
Renascimento, torna-se muito popular e comentada a seguinte história sobre o pintor
Zêuxis: tendo de representar Helena, ele reúne cinco jovens belas e escolhe de cada uma
os aspectos mais belos, compondo-os numa imagem que não tem equivalência na
natureza. Por outro lado, Cícero explica que Fídias, ao esculpir seu Zeus, não se baseava
em um indivíduo real, mas numa idéia de beleza presente em sua mente. Segundo
Plotino, as artes não imitam as coisas visíveis, antes se elevam às formas ideais, das
quais decorre a própria natureza. As discussões sobre essas histórias indicam o
movimento, fundamental para compreender a concepção de Arte do Renascimento, de
valorização da atividade artística como cosa mentale, como disse Leornado da Vinci, em
primeiro lugar, e da relação intrínseca entre belo e arte. Na verdade, a partir de agora, o
artista deve se basear em uma Idea, uma forma a priori, ou no Cânone, obra na qual se
encarnam todas as regras da arte, como uma espécie de lei. A produção pictórica de
Rafael é o exemplo mais cabal desses pensamentos, o grande arquétipo de todo
Classicismo posterior, no qual vingará de vez o conceito de Belo Ideal (Rafael, Nossa
Senhora Sistina, 1513-14, Gemäldegalerie, Dresden).

Uma das mais importantes transformações na história do pensamento sobre o belo


artístico no Ocidente ocorre no final do século XVIII com o livro Crítica da Faculdade do
Juízo (1790) do filósofo Immanuel Kant. Nele, Kant dá forma cabal a uma nova
sensibilidade que tentava entender o papel do gosto no julgamento artístico. Neste
momento, o belo, que antes era um atributo das coisas ou das obras de arte, passa a ser
a experiência de um prazer desinteressado. Essa guinada subjetiva do conceito irá
alimentar grande parte da estética e da arte modernas. Ela representa também o ocaso
definitivo das poéticas dogmáticas e seus cânones acadêmicos.

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Rembrandt - Auto-retrato, 1659

Paralelamente, outros valores conquistam legitimidade no campo artístico. Tudo o que


parecia ter sido condenado pelo ideal clássico começa a receber uma nova avaliação: o
informe, o grotesco, o estranho, o tenebroso, o feio, o diferente, o ilimitado, o
desproporcional, o obscuro são defendidos enquanto possíveis valores estéticos. O Belo
vai perdendo espaço para noção de Sublime no espírito dos artistas. Não que esses
atributos tenham ficado ausentes da história da arte até então. Basta pensarmos nos
movimentos maneirista e barroco, em Caravaggio e Rembrandt, para citarmos dois
exemplos mais conhecidos. Ambos transgrediram as convenções e costumes em suas
figuras realistas muitas vezes disformes nas quais se reconhece uma busca da verdade e
o desprezo pelo ideal canônico de beleza (imagens). Não por acaso, eles estabeleceram
afinidades com o trabalho dos pintores do século XIX.

É exatamente na segunda metade daquele século que o filósofo alemão Friedrich


Nietzsche irá teorizar, em O Nascimento da tragédia no espírito da música, sobre a
duplicidade constitutiva da cultura ocidental. Para ele, já no espírito grego, coloca-se a
oposição entre um impulso comtemplativo-formal (o apolíneo) e um doloroso e obscuro
impulso dissoluto-extático (o dionisíaco). No mesmo momento, o Romantismo procura, no
que provavelmente representa a última grande teorização sobre o conceito de Belo
artístico, acolher numa espécie de co-presença essas oposições. Para concepção
romântica de beleza finito e infinito, vida e morte, eterno e transitório, totalidade e
fragmento, razão e coração são qualidades que devem conviver em dinamismo constante
na obra de arte. O poeta e crítico de arte francês Charles Baudelaire é quem de forma
lapidar apresenta essa nova concepção de beleza no ensaio O pintor da vida moderna: “O
belo é sempre e inevitavelmente uma dupla composição, ainda que a impressão que ele
produz seja uma só (...) é feito de um elemento eterno, invariável, cuja quantidade é
extremamente difícil de ser determinada, e de um elemento relativo, circunstancial, que
será, vamos dizer assim, sucessivamente ou tudo junto, a época, a moda, a moral e a
paixão. Sem esse segundo elemento, que representa algo como a cobertura divertida,
saltitante, aperitiva, do divino bolo, o primeiro elemento seria indigesto, impossível de ser
apreciado, não adaptado e não apropriado à natureza humana. Duvido que se encontre
uma amostra qualquer de beleza que não possua esses dois elementos”. Pois, “o belo é
sempre bizarro”, ele “contém sempre um pouco de estranheza, que o faz ser
particularmente Belo”, afirma o poeta em outro momento.

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Matisse: Dança (II), 1910

O pintor E. Manet será o responsável por dar corpo a essa noção de beleza em sua Vênus
moderna, Olympia, pintada em 1863. Provocador, Manet retoma o cânone clássico da
Vênus de Urbino de Ticiano para metamorfoseá-la na figura de uma mulher venal. Nessa
tela, a beleza desce de seu céu metafísico, transcendente, para habitar as coisas mais
prosaicas e mundanas. Obra-manifesto, Olympia é definitivamente o maior ícone da
beleza moderna.
No século XX, o conceito de belo é definitivamente desvalorizado no âmbito da arte (e
provavelmente por esse motivo tenha migrado para outras “regiões”). O que não significa
que o público tenha abdicado completamente de uma noção conservadora de beleza em
seus julgamentos estéticos. Na verdade, é conhecida a péssima recepção que as pinturas
de H. Matisse encontravam em sua época. Após a primeira apresentação pública de uma
de suas obras-primas, Dança (II) (1910), a reação foi de espanto e horror, sendo que os
adjetivos utilizados para classificá-la foram: primitiva, grotesca, diabólica, bárbara e
canibalesca (naturalmente em sentido pejorativo).

Matthew Barney - Cremaster 4, 1994

Evidentemente, uma história de mais de dois mil anos não pode ser apagada da noite
para o dia. Quando afirmamos que o Belo se enfraquece enquanto valor estético ou idéia
reguladora não quer dizer que ele não esteja presente aqui e acolá. Contudo, o que
parece não existir é uma nova concepção, algo que seja próprio do momento
contemporâneo. O que há sim, é uma restituição de algumas das idéias forjadas no
decorrer da história. Uma espécie de sobrevida que irrompe nos locais os mais
inesperados (pensa-se aqui, por exemplo, na arte abstrato-geométrica de Mondrian).
Voltando ao nosso inquiridor inicial, talvez o grande desafio fosse refletir, a partir da
produção exemplar de um artista contemporâneo como é o caso do norte-americano
Matthew Barney, sobre os caminhos às vezes inusuais da sensibilidade atual, habituada

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ao poder de recriação e modificação sem limites das formas naturais, neste caso do
próprio corpo humano.

Taisa Helena P. Palhares é graduada em Filosofia pela Universidade de São Paulo, onde
desenvolve tese de doutoramento desde 2005. Recentemente publicou o livro Aura: a
crise da arte em Walter Benjamin (Editora Barracuda, Fapesp, 2006).

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