1. O documento discute a distinção entre direito e outras ordens normativas como religião, normas sociais e moralidade.
2. Vários critérios são analisados para distinguir direito e moralidade, como coercibilidade e foco na conduta externa versus intenção, mas nenhum é perfeito.
3. Embora direito e moralidade tenham diferenças, o princípio da não litigância estabelece que o direito deve ser eticamente neutro e não impor regras imorais, para manter a harmonia social.
Descrição original:
Título original
Introdução ao Direito- aprofundamento dto e ordens normativas
1. O documento discute a distinção entre direito e outras ordens normativas como religião, normas sociais e moralidade.
2. Vários critérios são analisados para distinguir direito e moralidade, como coercibilidade e foco na conduta externa versus intenção, mas nenhum é perfeito.
3. Embora direito e moralidade tenham diferenças, o princípio da não litigância estabelece que o direito deve ser eticamente neutro e não impor regras imorais, para manter a harmonia social.
1. O documento discute a distinção entre direito e outras ordens normativas como religião, normas sociais e moralidade.
2. Vários critérios são analisados para distinguir direito e moralidade, como coercibilidade e foco na conduta externa versus intenção, mas nenhum é perfeito.
3. Embora direito e moralidade tenham diferenças, o princípio da não litigância estabelece que o direito deve ser eticamente neutro e não impor regras imorais, para manter a harmonia social.
1 – O Direito como ordem normativa e como sistema institucional:
confronto com outras ordens normativas É possível, no que diz respeito à ordem social, distinguir aquilo que é a sua componente fáctica (contendo esta áreas como a sociologia, a economia, a história, etc.), sem qualquer função regulatória, e, por outro lado, a componente normativa, dotada do objetivo de estabelecer regras dentro da ordem social. Esta última é composta por quatro grandes ordens normativas: a religião, as normas de trato social, a moral e o direito. A primeira, considerada de origem divina (fonte), dotada apenas de sanções espirituais e tendencialmente infra individuais, pretende regular a conduta apenas dos crentes (eficácia) tendo em vista a sua posição, não perante os outros humanos, mas perante Deus e a Sua palavra, e as exigências do Seu culto (conteúdo). As normas de trato social destinam-se a tornar mais agradável a convivência em sociedade, embora não sejam necessárias ao progresso social, tendo por sanção mais habitual a segregação social do elemento que desrespeitou a norma, e são de origem orgânica (não formalizada).
A moral e o direito merecem distinções mais profundas, dado que, se tivermos em
conta não a moral individual, mas antes a moral coletiva, as dificuldades de distinção destas duas ordens normativas são bem mais acrescidas do que ocorreu nas anteriores. São, com efeito, várias as propostas que visam esclarecer em que consistem as semelhanças e diferenças entre a moral e o direito. Antes de mais, creio ser importante referir que ambas têm fins diferentes: a moral visa o aperfeiçoamento da pessoa humana, encaminhando-a para o Bem; já o direito visa a harmonia social nas relações entre os indivíduos de determinada comunidade, perseguindo a justiça como o valor que o guia. Pese embora estas distinções, é difícil, se apenas a elas recorrermos, na prática distinguir quais os campos de ação de cada uma das ordens normativas, sendo necessários critérios mais específicos que permitam fazê- lo. Um desses critérios é o do chamado mínimo ético: o direito garante às normas morais tidas como indispensáveis uma proteção acrescida. Decorre daqui que todas as normas jurídicas são normas morais. Ora, este critério tem um problema (problema esse que o invalida): o facto de um grande número de normas jurídicas ser eticamente neutro, ou seja, não são dotadas de uma carga moral, como é o caso do código da estrada ou as normas processuais, por exemplo. Um segundo critério é o da heteronomia ou da heterovinculação do direito. Segundo este critério, o direito é uma criação exterior ao sujeito, sendo que este está submetido ao direito que lhe for aplicável, enquanto que a moral é uma opção de escolha individual alicerçada na liberdade de consciência de cada um (autovinculação). No entanto, também este critério tem as suas ressalvas, dado que, por um lado, é errado dizer-se que a moral é uma autoimposição do sujeito aos ditames da sua consciência, tendo esta também um grande potencial de regulação exterior oriundo das convicções morais dominantes em cada sociedade a que o sujeito está submetido; por outro lado, a ordem jurídica, para ser tida como legítima entre a população que a ela está submetida, deve ser em grande parte autonomamente acolhida por esta (fator que é ainda mais determinante nas sociedades democráticas). Um terceiro critério, e que está relacionado com o anterior, é o da coercibilidade, ou seja, o facto de que as normas jurídicas, ao contrário das morais, gozam da possibilidade de serem impostas ao sujeito através de sanções físicas ou materiais (essencialmente impostas pelo Estado), sendo que, por oposição, as normas morais apenas têm sanções ou ao nível interior do sujeito ou através da reprovação social alheia. Mais uma vez, também este critério tem os seus problemas, sobretudo o facto de várias normas jurídicas não serem dotadas de coercibilidade, nomeadamente as normas do direito internacional público. No entanto, e apesar das falhas, este critério é dos mais uteis no que diz respeito à distinção entre estes dois tipos de ordens normativas, dado que todas as normas que gozam de coercibilidade são normas jurídicas. Ao fim e ao cabo, creio poder-se resumir este ponto da seguinte maneira: nem todas as normas jurídicas gozam de coercibilidade, mas todas as normas que gozam de coercibilidade são normas jurídicas. Um último critério, denominado de critério da exterioridade da conduta. Segundo este critério, a diferença entre as normas morais e as normas jurídicas reside no facto de que as primeiras dizem respeito à parte interna do sujeito, isto é, as intenções, enquanto o direito incide sobre a exterioridade da conduta, ou seja, as ações propriamente ditas e o comportamento de um individuo. Também não é totalmente correta esta distinção, visto que o direito penetra frequentemente no interior psicológico das ações humanas, como refere o professor Freitas do Amaral, em casos como o direito penal, onde é evidente que as intenções de uma dada ação atenuam ou agravam a pena dessa mesma ação, por exemplo, as penas para um homicídio involuntário, cometido por negligência, são diferentes das penas aplicadas a um homicídio doloso ou intencional. Ou seja, ao contrário do que pretende afirmar este critério, intencionalidade de uma conduta não é indiferente para o direito. Pode-se realçar, porém, a existência de uma versão adaptada deste critério: o direito tem como ponto de partida o lado externo da conduta, enquanto a moral tem como ponto de partida o lado interno da mesma, sendo que, deste modo, o direito não censura intenções que não se convertam em atos propriamente ditos.
Da relação entre o direito e a moral, e apesar das diferenças já delimitadas, resulta
aquilo que se pode chamar de princípio da não litigância. Este princípio salienta que o direito não pretende promover melhores sujeitos, mas apenas garantir a sua convivência pacífica e harmoniosa, deste modo, o direito deve ser eticamente neutro, não devendo impor regras que atentem contra a moral do sujeito, pelo que este deve poder recolher-se quando as normas jurídicas vão contra a sua moral. Ou seja, o direito pode permitir um ato imoral, não devendo, no entanto, impô-lo. Batista Machado refere que esta não imposição de normas jurídicas imorais deve ocorrer não porque seria imoral fazê-lo, mas antes porque tal iria perturbar a harmónica convivência social, causando um “dano social”. Deste modo, também o direito não deve tutelar excessivamente as normas éticas, não devendo o Estado ser um órgão paternalista de direção moral.