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O caso cabo-verdiano
1 Introdução
A formação dos novos Estados africanos é o resultado da conjugação de forças internas e externas ao
continente. Estas forças agiram integradas, principalmente a partir do final da II Guerra Mundial, em torno dos
movimentos organizados contra a ordem colonialista e com a bandeira desfraldada do nacionalismo. Parafraseando
Fanon, «era o início da luta dos condenados da terra num processo de dimensões internacionais que não se
reduzia à África» 1. Quase todas as nações afro-asiáticas viveram a partir dos anos cinquenta a conquista das
independências políticas (Anexo I) por meio das mais variadas estratégias, desde a via pacífica da negociação até
à violência da guerra civil.
Era também a revolta dos colonizados que tinham vivido as mudanças dos seus padrões materiais por meio
do trabalho forçado, da proletarização dos seus camponeses e do racismo como prática social. A exploração do
homem pelo homem, por meio da expropriação económica e da destruição da memória colectiva de um passado
que deveria ser negado em função dos paradigmas metropolitanos, começou a ser fortemente combatida pelos
intelectuais colonizados e cristalizados nos movimentos e nos partidos de libertação nacional.
Os movimentos publicitaram as suas propostas já no final da década de cinquenta e início da de sessenta,
em torno de lideranças carismáticas como as de Senghor, N´Krumah, Nyerere, Kenyatta, Boigny, Lumumba,
Mondlane, Amílcar Cabral. Articuladas em torno de movimentos sólidos e progressistas como a Frente de
Libertação Nacional (Argélia) e o Movimento Nacional Congolês (Zaire), de organizações reformistas como a União
Africana do Quénia e a União Africana de Tanganica, ou de partidos organizados como o United Gold Coast
Convetion (fundado em 1947 e liderado por N´Krumah), as reivindicações nacionalistas começaram a tomar fôlego
não só na intelectualidade e pequena-burguesia, mas também na sociedade como um todo.
O apelo nacionalista dos movimentos, perfeitamente compreensível em termos de repulsa ao colonialismo,
foi uma bandeira de dupla face no processo de descolonização. Por um lado, foi o herdeiro legítimo de dois tipos de
movimentos que o antecederam: os de resistência à conquista colonial desde o século XIX, as resistências argelina
e sudanesa, as guerras axantis contra os ingleses, as guerras zulus contra o trabalho forçado na África Austral, etc.;
e os de renovação islâmica, que, com um carácter religioso, procuravam enfrentar os dogmas da colonização do
norte da África.
Por outro lado, ao assimilar temas abrangentes como liberdade, igualdade, fraternidade, soberania popular
e parlamentarismo, o nacionalismo pregado pelos movimentos de libertação ficou prisioneiro do ideário burguês e
ocidentalizante dos seus colonizadores. Foi nesse sentido que, apesar de um movimento de ideias de renovação
política, da radicalização de muitos movimentos de libertação e da própria crise hegemónica das metrópoles
europeias provocada pela II G M, o processo da luta anti-colonial ficou atrelado à intermediação e à tutela da
administração colonial, que tentou, na maioria dos casos, uma transição pacífica do poder a minorias locais,
brancas ou negras, que estivessem dispostas a não alterar estruturalmente as sociedades africanas.
Por isso, a independência das colónias francesas ocorreu sob a égide da «Lei-Quadro» (1957) 2, que
estimulava a introdução de uma descentralização administrativa nas colónias por meio da ampliação do voto pelo
sufrágio universal e da africanização dos administradores coloniais. Essa estratégia contribuiu para a destruição de
associações combativas, como as federações da África Ocidental Francesa e da África Equatorial Francesa, e para
a balcanização dos movimentos dessa região. A consequência natural desse processo foi o surgimento de Estados
sem poderes reais e em permanente competição entre si.
Anexo I
Com este anexo pretende-se indicar as datas formais do nascimento dos Estados africanos
contemporâneos. Excluiu-se os Estados constituídos anteriormente à descolonização, no caso da Etiópia, que teve
a sua origem na Antiguidade, a Libéria, que surgiu no século XIX, e o Egipto, que teve o seu renascimento em
1922.
País Dia Mês Ano
1 Líbia. Em 1969 rei Idris deposto por junta militar. Coronel Kadhafi chefe de 24 12 195
Estado; 1986, EUA bombardearam a Líbia face ao apoio de Kadhafi ao 1
terrorismo internacional; intervenção esporádica no Chade desde 1973; faixa
de Aozou ocupada, 1973, guerra fronteiriço com Chade desde 1984.
6 Guiné-Conakry.
Notas bibliográficas
1 FANON, Franz. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968.
2 Lei-Quadro de 23 de Julho de 1957.
3YAZBEK, Mustafa. Argélia: a guerra e a independência. São Paulo, Brasiliense, 1983.
4 Ibidem, p. 36
5 Lei Constitucional n.º 3/74, de 14 de Maio: define a estrutura constitucional transitória que regerá a
organização política do país, até a entrada em vigor da nova Constituição da República Portuguesa.
6 Decreto n.º 726/74, de 18 de Dezembro: nomeia o Alto-Comissário em Cabo Verde.
7 Decreto n.º 754/74, de 28 de Dezembro: para além do alto-comissário Vicente Almeida D´Eça, a parte
portuguesa no governo de transição foi ainda representada pelo major Manuel Vaz Barroso (administração Interna)
e tenente-coronel V asco Wilton Pereira (Equipamento Social e Ambiente, empossado mais tarde); e a cabo-
verdiana por Carlos Reis (Justiça e Assuntos Sociais), Amaro da Luz (Coordenação Económica e Trabalho) e
Manuel Faustino (Educação e Cultura).
8 Lei n.º 13/74, de 17 de Dezembro: aprova o Estatuto Orgânico do Estado de Cabo Verde.
9 Decreto-Lei n.º 203-A/75, B.O n.º 15, de 15 de Abril: define normas a que deve obedecer a eleição, por
sufrágio directo e universal, de uma assembleia representativa do povo de Cabo Verde.
10 LIMA, Aristides. Reforma Política em Cabo Verde. Do pluralismo à Modernidade do Estado. Praia,
Edição do Autor, s/d.
11 Lei Sobre a Organização Política do Estado, publicado no n.º 1 do B.O. da República de Cabo Verde, de
5 de Julho de 1975.
12 Voz di Povo, 26-03-77.
13 Lei eleitoral, B.O. n.º 15, de 15 de Abril: define normas a que deve obedecer a eleição, por sufrágio
directo e universal, de uma assembleia representativa do povo de Cabo Verde.
14 Constituição da República de Cabo Verde, promulgada em 7 de Outubro de 1980, publicada no B. O n.º
41.º, de 13 do mesmo mês.
15 Lei Constitucional n.º 2/III/90: institui o princípio do pluralismo político.
16 CHABAL, Patrich. Transição Democrática em África: Problemas e perspectivas.
17 Constituição da República de Cabo Verde, publicada no B.O., de25 de Setembro de 1992.