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Baffles no Padrão 0.

965in
Por Andrés Esteban de la Plaza

Introdução aos refratores vintage


Os telescópios refratores acromáticos vintage japoneses, pequenas maravilhas do período entre
mediados de 1950 e finais de 1970, foram para muitos, a chave para observar as maravilhas do
céu e se iniciar na Astronomia Amadora.
Estes telescópios, em geral denominados de foco longo, com aberturas entre 60 mm e 100 mm
e relações focais f maiores que 10, sendo comuns os f/13, f/15 e até f/20, são objetos de coleção
e cobiçados instrumentos dada a qualidade das montagens e principalmente pela qualidade
óptica dos dubletos acromáticos. É claro que há exceções e alguns destes instrumentos tem uma
péssima qualidade, mas em geral, a grande maioria desses refratores acromáticos vintage tem
qualidade óptica melhor que a maioria dos refratores acromáticos atuais, mesmo com todas as
vantagens de melhores coatings dos dubletos atuais. É uma longa discussão, mas quem já teve
nas mãos um instrumento de 60 mm a 100 mm de abertura e relação focal f/15, conhece
perfeitamente a qualidade das imagens destes instrumentos e dificilmente se desfará de um
deles.
Na imagem a seguir, figura 1, um refrator acromático de 76,2 mm de abertura e relação focal
f/16.4 (1250 mm de distância focal), propriedade do autor.

Figura 1. Refrator acromático Dan Beam, Circle K, de 76,2 mm de abertura e 1250 mm de


distância focal.

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Mas há um problema com estes refratores vintage: praticamente a totalidade da produção deles
é para oculares no padrão 0,965 polegadas ou 25,4 mm. Ao considerarmos este padrão, a saída
para estas oculares (em sua grande maioria Huygens ou Ramsden) nos dá um field stop máximo
nelas de uns 17 mm. O problema surge pois no posicionamento e dimensões dos baffles internos
dentro do tubo óptico dos telescópios (OTA – Optical Tubo Assembly).

Na prática verificamos que a grande maioria destes telescópios vintage japoneses tiveram seus
diafragmas (baffles) calculados imaginando um cone luminoso que termina num ponto no plano
focal. Tal como indicado na seguinte figura 2.

Figura 2. Cone de luz até o plano focal em muitos diagramas de telescópios

Na prática, o cone luminoso terminando num ponto ou numa área extremadamente pequena,
como ilustrado na figura 1, só se verifica para estrelas e planetas e com oculares de curta
distância focal.

Sigamos considerando o padrão 0,965 polegadas de oculares. Ao colocarmos uma ocular nesse
padrão, por exemplo uma das originais no kit de oculares do telescópio, uma H20 mm,
observamos que a lente de campo tem uns 12 mm e certamente o cone de luz não terminará
num ponto. Neste caso, se os baffles estavam calculados "certinhos", a objetiva não vai
conseguir iluminar os 12 mm do diâmetro da área focal pois os baffles não vão deixar.
Imaginemos então se colocarmos oculares de distância focal maior até chegar a oculares com
lentes de campo com 17mm praticamente (o diâmetro interno do barril do padrão 0.965") e o
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OTA só iluminando um ponto central. Resultado? Vinhetagem, perda de iluminação no campo
da ocular e efetivamente uma abertura menor que a real.

Dando nova vida aos vintage


Um dos aspectos mais interessantes destes telescópios vintage é a possibilidade de colocar
diretamente no tubo do focalizador (drawtube) um adaptador que permita usar oculares no
padrão 1,25 polegadas. Com os projetos mais modernos de oculares, com campo maior, por
exemplo 60º contra os 30º ou menos das oculares originais Huygens ou Ramsden, o telescópio
ganha uma nova vida e mostra efetivamente uma qualidade invejável nas imagens, superando e
de longe muitos equipamentos atuais da mesma abertura. Na figura 3 vemos um adaptador com
saída direta para o padrão de 1,25 polegadas (no centro), feito a partir de um adaptador 0,965”
para 1,25” modificado (à esquerda). À direita, o terminal original de saída para oculares no padrão
0,965 polegadas.

Figura 3. Modificando um adaptador 0,965” para 1,25”

Na seguinte imagem, figura 4, podemos observar o adaptador 1,25” já roscado na saída do tubo
do focalizador. O instrumento agora está preparado para oculares modernas no padrão 1,25
polegadas e mostrar todo seu potencial. Mas, será que é só isto?

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Figura 4. Novo adaptador roscado com saída direta para 1,25”

Erros conceituais de projeto de baffles


Circula por aí um desenho, figura 5, segundo o qual os baffles para observação visual deveriam
ser calculados assumindo que a imagem focal termina em um ponto e para o caso
astrofotográfico, que termina em uma área focal. Este conceito está errado!!!

Figura 5. Supostos cones de luz para observação visual e fotográfica.


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Sob nenhum aspecto o cone de luz incidente na objetiva do telescópio se traduz num cone
pontual no foco! Este é um erro conceitual maiúsculo que, infelizmente, é repetido em muitos
livros, inclusive livros de Física.

A situação óptica real e o campo real de observação


Toda ocular que você colocar num telescópio e que tem um diâmetro "d" de lente de campo, será
a referência para o final do cone luminoso da objetiva. O cone luminoso será um cone truncado
que termina numa área focal de diâmetro "d", como podemos observar na figura 6:

d
Máximo diâmetro interno do barril nessa
Padrão da ocular em polegadas [“] ocular = máximo field stop possível = máximo
diâmetro da lente de campo nessa ocular

0.965 17 mm
1.25 27 mm
2 46 mm

Os respectivos Campos Reais Máximos ou True Field of View - TFoV dependerão, claro, da
distância focal "Df" da objetiva:

TFoV= 2 . Arctan ( d / 2Df)

Figura 6. Cone de luz central terminando em área focal de diâmetro “d”.

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Exemplo:

Por exemplo para um telescópio refrator de 76 mm de abertura e distância focal Df = 1250


mm
teremos os seguintes TFoV máximos dependendo do padrão usado
Telescópio de distância focal Df = 1250 mm
d [mm] máx.
Cálculo do
Padrão da ocular Diâmetro do field Tfov [º]
TFoV
stop da ocular
0.965” 17 2.Arctan(17/2.1250) 0.78º
1.25” 27 2.Arctan(27/2.1250) 1.24º
2” 46 2.Arctan(46/2.1250) 2.11º

É comum cair na mesma armadilha em que caíram os japoneses. Independente do critério de


index CA seja Sigdwick, Conrady e da relação focal do telescópio, NUNCA teremos um cone de
luz pontual. O que teremos no final é o diâmetro “d” da lente de campo (field stop) da ocular
usada. Assim de simples. Não importa se for no padrão 0.965" (17 mm), 1,25" (27 mm) ou 2" (46
mm).

O que acontece é que se colocarmos por exemplo uma ocular HM20 mm que tem uma lente de
campo com uns 12 mm de diâmetro, e o cone que começa com por exemplo 75 mm (cara interna
do dubleto) termina nos 12 mm. O "cone" de luz se ajusta automaticamente ao diâmetro da lente
de campo. Mas se os baffles foram colocados para um ponto, então vai ter vinhetagem porque o
cone de luz vai terminar nos 12 mm porque não pode violar as leis da Física, mas para isso vai
reduzir a abertura efetiva da objetiva. Não estaremos usando os 75 mm internos de abertura da
objetiva!
Vejamos a figura 7: Nela tem os baffles calculados para o sistema de foco pontual (que não
existe!!!!). Começa na lente de diâmetro D e termina num ponto ou quase, representado pelo
cone de luz azul claro. Os baffles foram calculados e posicionados de acordo a este cone de
luz!!!

Figura 7. Cone de luz real (em vermelho).

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Agora, se colocarmos uma ocular com uma lente de campo bem pequena, por exemplo uma HM
6 mm (d = 3mm?), ok, não teremos quase problema... na prática ainda seria o cone de luz azul
claro. Em princípio não haveria problema.

Mas vejamos a figura 8 a qual representa a situação de colocarmos uma ocular HM 20 mm, que
tem uma lente de campo com diâmetro d = 12mm. O cone agora seria esse que está
representado pelos dois raios em vermelho, mas não pode ser porque os baffles vinhetam a
imagem, ou seja “cortam” o caminho. O cone de luz real neste caso só poderá ser o
representando em verde.

Como os baffles obstaculizam a passagem da luz então vai ter sim o cone de luz terminando
nesses 12mm (d), queiramos ou não, só que o caminho "de volta" vai passar pelo baffle que
deixe passar a linha reta desde a borda externa da lente do campo pela borda do baffle até
chegar na objetiva D. Aí a conclusão é óbvia: o cone de luz real na prática agora será o verde,
que acaba terminando num diâmetro Dreal menor que o original (Ver figura 8).

Figura 8. Vinhetagem e perda de abertura da objetiva por colocação errada de baffles.

Mesmo que tenhamos um tele padrão 0.965” com os baffles calculados certinhos para essas
oculares e o diâmetro “d” máximo do barril com 17mm de diâmetro na área focal, ao colocar uma
ocular no padrão 1.25" com área focal máxima de 27 mm, a conclusão é óbvia: para oculares
com field stop amplo, vai acontecer a mesma coisa. Pensemos o “estrago” com uma ocular no
padrão 2"!!!

Não sei se consegui me fazer entender. Uma ocular HM 6 mm ou Or 4 mm nesse padrão 0.965"
até que podem funcionar pois a lente de campo é quase um ponto... mas outras oculares vão
reduzir a abertura efetiva do telescópio. Certamente uma ocular HM 20 mm vai sofrer e outras
maiores sofreram ainda mais! Por isso não adianta colocar esses adaptadores 0.965" para 1.25",
que resolvem o problema de forma parcial, mas que reduzem a abertura efetiva do telescópio,
justamente em oculares de longa distância focal, as quais queremos usar para objetos mais
fracos! E neste caso o efeito é a redução da abertura do telescópio.

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Na verdade, é um crime fazer isso num telescópio vintage de alta relação focal! Esses
instrumentos, quando já modificados com os baffles devidamente reposicionados para o padrão
1.25” por exemplo, aproveitando assim a totalidade da abertura sem ter vinhetagem, ao usarmos
oculares wide field (60º, 66º ou mais) nesse padrão 1.25” em baixos aumentos (oculares de 20
ou mais milímetros de distância focal) as imagens obtidas são simplesmente espetaculares!!!

Andrés Esteban de la Plaza © - 2019

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