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Sumário
RESUMO.........................................................................................................
INTRODUÇÃO...............................................................................................
RESUMO
INTRODUÇÃO
A sociedade disciplinar que surgia na Europa por volta do século XVIII, tinha
como objetivo tornar os corpos dóceis e produtivos, corroborando com a Revolução
Industrial. O princípio era vigiar, identificar, classificar, punir e corrigir para extrair
lucros.
Os saberes sobre sexualidade vão sendo constituídos pela religião, ciências
biomédicas, políticas públicas, leis com o objetivo de disciplinar a espécie humana. A
ciência da época encontrava seu financiamento principal nos burgueses capitalistas.
Portanto, sua construção levará em conta a moral que rege esse grupo.
A família passa a ser considerada a célula fundamental de funcionamento do
sistema socioeconômico que surgia na Europa no século XVIII e se espalhava pelo
mundo. A vida será gerida pelas biopolíticas que estipularão regras sobre como se deve
viver para atingir a tão sonhada qualidade de vida. Dentre os aspectos abordados por essa
política está a definição do que seria uma sexualidade normal e saudável. As práticas
sexuais que não atendiam aos padrões eram submetidas à punição e tratamento para que
fossem corrigidas e normalizadas. Travestis ainda são consideradas fora do padrão de
normalidade, pois infringem as normas de gênero que fundamentam a sociedade.
Após a sociedade disciplinar surge a sociedade de controle. O que importa para
essa sociedade é que haja produção, consumo e reprodução. A prescrição é para que os
corpos sejam sarados, ágeis, adaptáveis e sempre jovens. Portanto, a travesti idosa
significa uma verdadeira resistência diante daquilo que é prescrito socialmente. Pois,
além de não serem jovens, não estão de acordo com as normas.
Tanto o gênero como a velhice são performatizados por meio de atos que
reiterados transmitem a impressão de que há uma espécie de essência fixa e natural, que
se manifesta no corpo de cada um. Esses atos fazem parte do conjunto de comportamentos
padronizados para o gênero e velhice. Eles variam conforme a época e o local.
Nas últimas décadas, os padrões de comportamentos prescritos para o gênero e a
velhice vêm sofrendo modificações. Os idosos atuais são estimulados a fazerem o que os
jovens fazem. Em nome da chamada qualidade de vida, a sociedade de controle não
permite que ninguém envelheça carregando os antigos estigmas de doença e decadência.
Embora haja pressões para se comportar dessa ou daquela forma, cada um vive
sua velhice de forma singular. As travestis desde pequenas já enfrentam muitos
desafios. Muitas já sofrem preconceito na própria família, depois na escola, alistamento
militar e mercado de trabalho. Alegam que vão para a prostituição, pois não puderam
estudar e não conseguem ocupação em lugar nenhum.
Reiteram que sem formação escolar, ganham mais reconhecimento
comercializando seus corpos do que tentando se encaixar no mercado formal de trabalho.
Elas precisam investir maciçamente no design e construção de corpos que sejam
lucrativos. Nesse campo, enfrentam risco de morte, pois estão em contato com a rotina
violenta das noites urbanas. As que conseguem ir para fora do país, juntam dinheiro
suficiente para quando voltar, se preparar para a velhice.
É importante lembrar que para as travestis que se prostituem, a velhice chega
quando não podem mais trabalhar. Enquanto seus corpos forem considerados atraentes,
elas continuam atuando. Não há números oficiais, mas segundo relatos, isso pode
acontecer até mais ou menos os quarenta e poucos anos. Esse segmento da população é
invisível em toda a sua trajetória existencial. As que chegam à velhice podem ser
consideradas verdadeiras sobreviventes. Servem de alerta e reflexão para as mais novas.
Devido à quantidade razoável de pesquisas sobre travestis na infância,
adolescência e idade adulta, fez-se necessário investigar o que acontece ao atingirem o
chamado envelhecimento (Benedetti, 2005; Kulick, 2008; Pelúcio, 2009; Silva, 2007).
Foi encontrado apenas um estudo realizado sobre o assunto, realizado por uma
antropóloga da Universidade Federal de Santa Catarina (Siqueira, 2004). Estudar a
velhice travesti é procurar saber qual o impacto que as marcas físicas do envelhecimento
têm sobre um corpo cuidadosamente construído ao longo da vida para ser sempre jovem
e lucrativo.
Para coleta de dados são utilizadas entrevistas abertas com foco nas histórias de
vida de cada entrevistada. Acredita-se que conhecendo suas trajetórias de vida, é possível
levantar quais são as estratégias de sobrevivência adotadas ao longo do processo. Além
disso, é preciso identificar quais são suas necessidades para a elaboração de políticas
públicas que as amparem não só na velhice, como em todos os momentos de suas vidas.
O que se sabe é que sendo consideradas ininteligíveis desde pequenas, atravessam
a vida inteira como seres invisíveis. A velhice é vista como parte de um processo de uma
vida inteira, que no caso delas é considerado inexistente. Cada uma envelhece de uma
forma, pois cada uma é de uma forma.
Essa pesquisa tem o foco principal na Gerontologia e, portanto é de caráter
interdisciplinar. Busquei dialogar com autores das ciências sociais, biomédicas e
filosofia. Os primeiros dois capítulos tratam justamente de como o controle foi se
apropriando dos corpos individuais para posteriormente se apropriar do corpo da espécie.
Tanto a sexualidade como a velhice foram socialmente construídos em nome desse
controle.
O terceiro capítulo discorre sobre a abordagem metodológica utilizada para a
realização dessa pesquisa. No quarto capítulo estão transcritas e analisadas a
entrevistas, tendo como referência teórica os primeiros dois capítulos. Para terminar,
seguem as considerações finais apontando sugestões para pesquisas futuras sobre o
tema.
CAPÍTULO II
2) Revisão de literatura
Em Sex versus Gender, Prince defende que o gênero pode ser performatizado
independentemente do sexo anatômico. Ela diz que há grande confusão entre órgão
genital e sexo performatizado. O que se busca é a mudança de gênero, não de sexo (órgão
genital). Para ela o sexo está entre as pernas e o gênero está entre as orelhas.
Ela acredita que no futuro as barreiras entre os gêneros serão abolidas. As pessoas
poderão transitar entre um e outro sem sofrerem preconceito. Não haverá roupas
específicas para homens e mulheres. Classificações como transexuais, travestis,
homossexuais, bissexuais e heterossexuais se tornarão obsoletas, pois as pessoas serão
classificadas apenas como pessoas. Não haverá mais necessidade de tratá-las disso ou
daquilo. Aquilo que chamamos de androgenia será cada vez mais comum. Haverá uma
fusão completa entre o que chamamos de masculino e feminino (Prince, 2005b). Já em
Transsexuals and Pseudotranssexuals Virginia argumenta que não quis a cirurgia de
redesignação sexual, pois seu caso tratava de questões de gênero (psicossociais) e não e
sexo (biológicas e fisiológicas). A sociedade machista, polarizada e patriarcal é que
associa gênero, sexo e orientação sexual. Socialmente se entende que como o sexo é dado
ao nascer, o gênero também deve ser. Prince argumenta que tanto homens quanto o
restante da sociedade considera se alguém é homem ou mulher por sua anatomia física.
Tal idéia também foi defendida por (Bento, 2008 e 2006). Ela critica transexuais que
buscam a cirurgia de redesignação sexual argumentando com sua idéia clássica de que o
gênero está entre as orelhas e não entre as pernas. É como se a neovagina concedesse
autorização social para que as transexuais vivessem o estilo de vida que sempre quiseram
(Prince, 2005c). Em The “transcendents” or “trans” people, Virginia defende que nos
casamentos heterossexuais ao invés de duas pessoas inteiras se acompanharem, há duas
pessoas dependentes da parte suprimida da outra, buscando assim, seu complemento.
Para a autora, a mulher reconheceu antes do homem que era preciso lutar pela integração
e romper as categorias estanques de gênero. Ela ainda argumenta que muitos problemas
emocionais são advindos da criação e educação para se adequar ao gênero imposto, de
acordo com o genital de nascimento (Prince, 2005d).
É interessante perceber que Virginia se tornou completamente aquilo que se
chama de transgênero por volta dos sessenta anos de idade, ou seja, momento do processo
de vida que chamamos de velhice. Foi militante, lutou por direitos e escreveu artigos e
livros científicos sobre o tema. Assim como Virginia, outras pessoas consideradas
transgêneros, se tornam militantes em idade avançada. No capítulo a seguir, vamos saber
sobre as vidas de algumas pessoas que chegaram à velhice como aquilo que as ciências
biomédicas denominam de transgênero, do qual as travestis fazem parte.