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As árvores são guardiães das histórias dos nossos ancestrais

As crianças que aprendem a ouvir as árvores passam a ser mais felizes e sabem ser
gratas à natureza.
“Antes que qualquer árvore seja plantada ou qualquer lago seja construído, é preciso
que as árvores e os lagos tenham nascido dentro da alma. Quem não tem jardim por
dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles.”, versos do nosso querido
escritor e poeta Rubem Alves.

Sim, se você não consegue cultivar um jardim dentro da sua alma não tente cultivá-lo
fora de si. Do mesmo jeito é se você não consegue escrever a história da sua vida, não
tente buscar as histórias dos seus ancestrais, elas de nada servirão para você.

Mas, se você é capaz de plantar árvores dentro da sua alma e de rir das suas próprias
histórias, então seja bem-vindo a este texto e eu lhe desejo uma boa leitura, pois para
sentir a vida com todos os cinco sentidos é preciso saber amá-la e conhecer a história
daqueles que vieram antes de nós e nos trouxeram, de alguma forma, até aqui.

As árvores com as suas raízes apontando para a infinitude da terra e os seus galhos
apontando para a luz do sol, a luz da sabedoria infinita do filósofo Platão.

Elas sabem bem o que é sabedoria, pois muitas delas contam séculos de existência e até
mesmo as mais novas já vivenciaram muitas experiências ricas e emocionantes, sim
porque árvore também tem sentimento e se emociona. Chega a chorar a nossa dor, as
nossas perdas, as nossas angústias e aflições quando nos abraçamos a elas. São
sentimentais por demais.

Somos filhos das árvores que brotam do solo e saem se enraizando terra adentro
mostrando os seus frutos, folhas e galhos que se alimentam dos seus nutrientes. Assim
são as nossas histórias, ou seja, somos entrelaçados por um fio invisível que vai tecendo
a nossa existência no presente, alimentado pelo passado e com a esperança no futuro
breve como breve é a vida.

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Quando um fruto dessa árvore cai no chão, nasce com ele um novo ser que carrega as
características dos nossos ancestrais, nossas memórias, nossas histórias e experiências
seculares. Carregamos dos nossos ancestrais características físicas, tipo: cor do cabelo,
cor da pele, formato do nariz, nosso modo de pensar, nossas crenças, a cor dos nossos
olhos. Nossos ancestrais são a árvore secular que nos dão a possibilidade de fazermos
escolhas, de traçarmos os nossos caminhos, de escolhermos o nosso futuro.

As árvores carregam em seus troncos e nas suas raízes mais profundas as sabedorias dos
tempos dos nossos ancestrais que não puderam deixar nada por escrito porque ainda não

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existia a escrita ou porque não sabiam escrever ainda. Para elas foram contadas
sabedorias que não se encontram nas pessoas próximas da gente e que ainda estão vivas,
mesmo as mais velhas não têm a sabedoria de uma árvore milenar.

Quantas histórias não vivem as nossas árvores dos canteiros da nossa cidade sejam elas
de amor, de amizade, de paz, de guerras, de poesia e até mesmo de opressão. Ali,
parecidas quietas, as árvores escutam e vivenciam junto conosco as mais diferentes
histórias dos homens e até mesmo chegam a dar conselhos através dos balanços dos
seus galhos ou de um fruto seu que nos alimentamos e adquirimos energia para
seguirmos adiante.

Elas sabem das histórias dos nossos colonizadores, da opressão sofrida pelos nossos
indígenas, foram testemunhas do grande desflorestamento na época do nosso
descobrimento quando levaram do nosso país muitas árvores Pau-Brasil. Guardam todos
esses acontecimentos para que um dia possam nos lembrar das nossas ancestralidades.

Para que não esqueçamos dos nossos ancestrais, de onde viemos, como surgimos e os
motivos que nos trouxeram até aqui. As árvores sabem que os nossos passados podem
nos ajudar a construirmos um amanhã melhor para nós e para os nossos filhos porque
elas sabem das lutas dos nossos ancestrais, elas conheceram e vivenciaram as batalhas,
as guerras, as transformações sociais, culturais e políticas pelas quais passaram as
nossas infinitas gerações.

Olhar essas histórias que as árvores nos contam requer coragem e um mergulho
profundo em nossas raízes para compreendermos quem somos.

Saber de onde viemos é o primeiro passo para traçarmos os nossos objetivos e


planos para o amanhã e também para passarmos a nos conhecermos melhor e
identificarmos a nossa essência.

Assim como a nossa história possui grandes nomes como Robespierre, Voltaire,
Descartes e tantos outros importantes que influenciaram o mundo e outros que a história
oficial não conta, assim também temos as histórias dos nossos ancestrais que tiveram
seus nomes e sobrenomes apagados e a terra de onde vieram.

O apagamento das nossas memórias é uma estratégia dos nossos colonizadores!

Precisamos buscar pelas histórias e significados dos nomes dos nossos ancestrais, esse
apagamento nos conta o quanto ainda trazemos os costumes e tradições dos nossos
colonizadores. O quanto fomos afetados pelos seus modos de pensarem e de se
vestirem, desses europeus que aqui estiveram e deixaram um lastro de violência e lutas
por uma terra que já era povoada muito antes deles aqui chegarem. Não me refiro
somente ao Brasil, mas aos países do continente africano que também foram

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“colonizados”, quando antes dos europeus chegarem já existiam povos com as suas
culturas e costumes. Todos fomos verdadeiramente invadidos por esses homens.

Este é um processo de embranquecimento das nossas histórias que nos afasta das nossas
origens africanas e dos nossos ancestrais, os indígenas. As árvores milenares viveram
todas essas histórias de lutas e opressão e sabem como ninguém nos alertar sobre os
riscos de sermos invadidos novamente, de termos os nossos pensamentos apagados pela
branquitude, de sermos sequestrados de nós mesmos pelo aparato tecnológico que o
europeu cria e nós usamos de forma abusiva deixando os nossos filhos e jovens viciados
em jogos e redes sociais com algoritmos programados para que façam o que eles
desejam.

As árvores não estão nos nossos terreiros ou na frente das nossas casas apenas para
decorarem, nos darem sombras e frutos. Elas também podem nos mostrar como a
realidade é mascarada todos os dias pela ignorância, pela falta de princípios éticos e
morais que tomam os mais diversos governos no mundo inteiro.

Quando o vento passa pelas árvores balançando os seus galhos eles trazem notícias de
longe que ficam presas nas suas copas. Dali, as informações são processadas e cada
folha seca que cai de uma árvore contém milhas de informações que podem nos ajudar
na busca por um amanhã melhor.

É preciso reconhecer que em nossas famílias vivemos histórias de lutas, daqueles que
vieram antes de nós, resistências, opressão, violência, afetos, tradições e costumes em
que é preciso honrar todas essas histórias que as árvores guardam nas profundezas das
suas raízes e nos seus enormes troncos cuidando delas com carinho e zelo para que
possamos mais tarde ou num futuro próximo aprendermos a valorizar todas essas
sabedorias das árvores para nos ajudar nas escolhas que precisaremos fazer quando o
mundo exigir da gente decisões sérias e importantes à vida.

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Honrar significa tratar com respeito e reverência tanto as árvores quanto o que elas
trazem dentro de si que são as histórias dos nossos ancestrais. Nem todas as histórias
são bonitas e lúdicas. Existem histórias de lutas difíceis de serem contadas. Histórias
que as árvores nos fazem chorar quando nos lembram que os nossos ancestrais
precisaram passar por dificuldades grandes para que nós pudéssemos estar aqui.

Saber ouvir as histórias das árvores não é difícil. Basta se acomodar no silêncio da
natureza, encostar o ouvido no seu tronco e mentalizar os seus ancestrais.

Aqueles que você ainda se lembra e aos poucos as árvores trarão outros pensamentos,
outras histórias que já foram esquecidas por você ou que nunca lhe foram contadas. As
árvores sabem contar histórias como mais ninguém.

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O importante é que não paramos mais para ouvir nada e nem ninguém. Estamos sempre
caminhando apressados pelas ruas. Parecemos máquinas. Andamos cabisbaixos, com
passadas apressadas sem olharmos adiante ou ao nosso redor.

As árvores, muitas vezes, gritam os nossos nomes, querem um pouco de atenção, mas
não nos acostumamos a ouvi-las e achamos que elas nunca falam conosco.

Engana-se quem pensa que árvore não fala. Elas falam, gritam, gemem, cantam e
até ninam.

Elas sabem contar histórias verdadeiras e imaginárias. Elas alegram as crianças que as
procuram para ouvirem histórias que inventam na hora da birra, da incompreensão e da
dor da criança. As suas histórias trazem sempre um pouco de emoção, um lado lúdico e
poético, mas com ensinamentos cheios de gratidão à vida e a natureza por estarmos aqui
e podermos desfrutar deste planeta tão maravilhoso que é a Terra.

Nossas histórias de resistência, mais do que grandes feitos ou aventuras, são as histórias
do cotidiano. Aquelas que vivemos no caminho para a vendinha do bairro, na rotina, nas
manias e nos encontros de família em que o assunto é falar dos parentes distantes ou que
sempre dão uma desculpa para não comparecerem aqueles encontros.

Fico imaginando nas histórias seculares que a árvore da minha rua deve saber sobre as
conversas das pessoas todas as tardes embaixo dela. Faz tantos anos que ela está ali
apenas nos ouvindo, sem nunca ter sido questionada sobre as suas verdadeiras histórias.

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Também fico me questionando sobre as diversas coisas que acontecem embaixo de uma
árvore: menino brincando de carrinho, mulheres fofocando, casais namorando,
velhinhas fazendo crochê, um desconhecido se amparando do sol, uma criança puxando
uma pipa presa na copa e tantas outras cenas do cotidiano que as árvores devem guardar
dentro de si para construírem histórias para os nossos netos no amanhã.

Devemos ensinar às nossas crianças a ouvirem as árvores. Muitas delas estão


cheias de histórias para nos contar.

Estão quase explodindo com tantas histórias. Elas são verdadeiras fábricas de histórias e
sabem quase tudo que se passa próximo delas porque o vento nunca deixa de passar por
elas e sempre que passa deixa um pouco de si e leva um pouco delas para compartilhar
com outras árvores histórias que os homens nunca ouviram, mas que entre si elas
escutam.

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As crianças que aprendem a ouvir as árvores passam a ser mais felizes e sabem ser
gratas à natureza. Não! Não é loucura parar um instante e encostar o ouvido no tronco
de uma árvore para ouvi-la contar uma rápida história. Você vai se sentir bem, muito
bem mesmo. Eu já vivi essa experiência várias vezes e confesso que é um momento
eterno. Parece que nunca vai se acabar aquele instante com o ouvido colado no tronco
da árvore.

Muitas têm a voz grossa outras têm a voz fina, cada uma do seu jeito. Tem algumas que
roncam quando estão falando conosco, parecem que sem querer elas adormecem. Mas,
logo acordam e voltam para o mesmo ponto da história. As árvores são bem engraçadas
e não há melhor contador de histórias no mundo do que elas. Experimente ouvir a
história dos seus ancestrais através de uma delas.

Talvez depois de ouvir a sua história você sinta que não alcançou muita coisa e
desanime, mas pense e lembre que o lugar ocupado ainda exige muitas lutas. Há ainda
muitas barreiras e conflitos para vencermos. Não desista de ouvir a sua árvore. Estamos
avançando e chegaremos aonde desejamos. As nossas histórias não são nada fáceis. Elas
nos fazem lembrar do quanto precisamos ser fortes e corajosos todos os dias para
enfrentarmos os desafios e as intempéries de um mundo cheio de incompreensões.

Você tem construído degraus e sua história também será contada por aqueles que virão
depois de você.

Ser ancestral para os povos africanos e afrodescendentes é viver o sentido de


coletividade.

Existimos porque o outro existe. E a morte para nós não é um fim já que a vida brota a
cada nascimento e mantém a nossa árvore de pé. Assim, de ancestral em ancestral
caminhamos por esta terra.

Não devemos desistir nunca das nossas histórias e de ouvirmos as nossas árvores.
Sempre que pudermos pedir um conselho também é bom. Elas são amigas e gostam de
cuidar de nós com carinho. Ficam tristes quando não nos cuidamos. Quando damos
mais atenção ao outro do que a nós próprios. Quando apesar de tantas vivências e
experiências ainda assim não aprendemos a nos conhecer por inteiro.

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Ouça a história dos seus ancestrais e conheça um pouco das suas raízes. Ademais, entrar
em contato com a nossa ancestralidade é, antes de tudo, uma estratégia de resistência e
um resgate necessário para compreendermos quem somos, de onde viemos e para onde
queremos e precisamos caminhar. A árvore da sua calçada pode lhe contar muita coisa
interessante que você precisa saber.

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CAIXA DE TEXTO:
Esta história-poema, com cheiro de infância e costurada em ternura, encantará as avós e
os netos de todas as idades. Um livro para ser lido com os olhos, as mãos e a memória.
O livro pode ser lido por alunos do terceiro ao sétimo ano, mas não há uma faixa
restrita. Permite o trabalho com resgate familiar, memórias, artesanato, culinária,
jogos. Com mediação adequada, pode-se trabalhar com qualquer faixa etária. Acesse e
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FOTO DO LIVRO

Finalizo com os versos do poeta português Fernando Pessoa que nos diz “Sejamos
simples e calmos, / Como os regatos e as árvores, / E Deus amar-nos-á fazendo de nós /
Belos como as árvores e os regatos, / E dar-nos-á verdor na sua primavera, / E um rio
aonde ir ter quando acabemos!...”.

Sim, sejamos calmos e cuidemos de manter os nossos espíritos sempre serenos para que
possamos assim ouvir o que as árvores têm para nos contar das histórias dos nossos
ancestrais até os dias de hoje. Se nós queremos ser ouvidos, as árvores também querem.
Ouçamos as árvores com alegria.

Autora: Rosângela Trajano

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