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Nf~OCIAN1[~f O~l~O~~A~CfmO~
Ubiratan Castro de Araújo
t i réveillon do cônsul
j~ o primeiro dia do ano de 1846. O jovem éleve consul Pierre Victor
M.lllboussin, responsável pelo Consulado Francês na Bahía, assiste da
plllflla de um sobrado da Rua da Praia, que interliga os vários ancoradouros
1111 IllJl'to da Bahia, a procissão marítima do Senhor dos Navegantes, que
"llIIlIlZ a imagem do Cristo Crucificado da Igreja de Nossa Senhora da
'iíllf·eic.:áo até a Igreja da BoaViagem. situada a quatro milhas, no interior
·1,. H.tÍa de Todos-as-Santos.
A cena da partida comove até um coração agnóstico como o do
J"lrC'11l aprendiz de diplomata, conhecido por suas ideias republicanas. A
lill,I~:',l\lllda Virgem Mãe acompanha a imagem do Filho Crucificado até
" .I11"IIradouro. O passo ritmado é a dor da separação; a ligeira oscilação
du .111<101' sugére a benção de urna mãe saudosa. Carregado por brancos
'i{'ltlltll'(!Svestidos de festa, o Filho embarca em uma galeota' enfeitada.
ti:; panos, a embarcação segue ao ritmo das vigorosas remadas de
ll.i,:glp.; escolhidos,
No ponto de chegada, uma grande festa aguarda o Divino Viajante.
I I'!i da igreja, ouvem-se cânticos e músicas dos senhores da cidade; do
I,jdu fie lora, na praça e nas ruas adjacentes, a algazarra do povo, Uma mul-
jjd.1i I dl~ negros, mulatos, mestiços, livres, libertos, escravos, marinheiros,
{')itl.lill'l:ddiços,estivadores, pescadores de baleia, todos, gente do mar que
\IJI' u hatucam e pedem graças por mais um ano de navegação que se inicia.ê
1\"1"">'1<1 flJlIlmrc;1I;n.o de passeio movida por vários pares de remos, muito usada no trans-
i ".111" 1.1..' "uloridadefô e P(;SSOi.lS ricas no interior da Baía de Todos-as-Santos.
f\ ! ;\110,,;".1 1"'111 ri"r 1••,1['-' na associa esta procissão i:J iníciativa dos navegadores du costa
rl'i\lr 1<',1'". .!i''t',llIldn " Iti:;lol'iOLclnr S.ilvuCampos esta manifestaçáo religiosa teria sido ini-
','i"!IV,, di)': (\11-"1 .ir,,·; 1.'pilol Il!: 'i1l(' 1'.lzim"l1n tráft'(}J negro nas costan claAfríca".SaJvodnr uço
t,~jÍ(t. i '1'()CÚlfiÚC~1d,' ,";\llvlIdor, :';.t!v(l\hr: SMEC/FIl'lpI'OMI G,':l./íÚt ri;.! Bahía. lnrH,
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o jovem cônsul ainda não entende muito bem estas coisas da Bahia. Cada navio negreiro que partia para a Costa d'África pagava ao oficial
Sua cabeça está voltada para a oposição à Santa Aliança que humilha a sua responsável pela visita do navio uma propina (para fechar os olhos)
pátria, para a reforma eleitoral em França e para a abolição da escravidão tabelada em 500.000 réis por brigue e 250.000 réis por goeleta.Quando
nas Antilhas. Pergunta-se em voz alta: um negreiro voltava, o oficial de polícia do porto ou o subdelegado do
- Afinal, por que tanto fervor deste povo a pedir boa navegação, se local de desembarque recebia entre 2 a 3 contos de réis, a depender da
a Baía de Todos-as-Santos é táo segura, se a pesca é tão farta e as linhas quantidade de escravos desembarcados. Compreendeu, enfim, o ar de
costeiras tão intensamente navegadas? satisfação cem que o seu interlocutor assistia à partida de mais uma
O movimento firme e lento da mão de um velho nagô. seu criado, goeleta negreira, pois
conduz a visão do francês para o outro lado do cortejo marítimo, para a
se as expedições à Costa d'África nâo tivessem mais
saída da baía. Uma outra embarcação, bem mais comprida, recolhia os
sucesso, os administradores de alfândega, o capitão do
remos e levantava os seus panos. porto, o chefe de polícia e seus delegados nâo poderiam
- É a Amélia e vai para a Costa! Exclamou o africano. mais ser gratificados como atualmente pela sua
Um outro presente, empregado na alfândega e amigo do jovem cônsul. conivência culposa. Se não recebessem mais, em cada
não somente confirmou como deu mais detalhes do navio negreiro. Era chegada de um navio negreiro, negros ou seu valor em
dinheiro segundo a sua escolha, não poderiam mais com
a goeleta'' Amélia, de 169 toneladas, tripulada por 13 homens. O capitão
os seus módicos proventos construir as casas mais belas e
era o Freitas e viajava com um passaporte de passageiro. O "farol", ou levar eles mesmos o modo de vida de pródigos e opulentos
falso capitão, era um embarcadiço de nome José de Sousa Pinto. A ar- mercadores de escravos."
madora era a viúva Lopes e o grande financiador era o Tomás Pedreira
Jeremoabo. Como destino declarado figurava nos papéis oficiais o Ceará, O ano novo de 1846 trazia para o cônsul Mauboussin a revelaçáo de
no Norte do Brasil, mas o seu destino verdadeiro era a Costa d'África, que ele representava seu país em um porto de piratas. Sua juventude e
mais precisamente Lagos. fervor republicano o impeliram, então, a fazer, por conta própria, uma
- Onírnl." resmungou o Tio da Costa. investigação sobre o tráfico de escravos na Bahia,f de modo a contribuir
O francês ficou de queixo caído. O Jeremoabo, quem diria! Era um dos com a campanha no seu país pela abolição da escravidão nas colônias."
mais prestigiados nomes na praça de Salvador, proprietário de muitas
terras e homem de ideias progressistas ... Havia mesmo se metido em uma A viagem
aventura de instalação de máquinas a vapor em seu engenho de açúcar. Decidido a obter o máximo de informaçóes possível sobre as ativi-
Soube ainda pelo funcionário da alfândega que o Sr. Tomás Jeremoabo dades dos negreiros, o cônsul francês mobilizou todos os seus amigos. No
havia comprado recentemente, na Costa d'África, a goeleta Agajá Dossu dia S de janeiro deixou o porto de Salvador o brigue Três Amigos, de 406
aos italianos da Sardenha, bem como mantinha um porto clandestino toneladas. Era o maior transportador de escravos em operaçáo, construído
para o desembarque de escravos em seu engenho situado na Ilha dos na cidade portuguesa do Porto especialmente para este fim. Em algumas
Frades, no interior da Baía de Todos- os-Santos. viagens trazia mais de 1.300 homens da Costa d'África. O traficante era
Diante de todas estas revelações, o jovem cônsul-aprendiz pergun- I ambé m o maior de todos: Joaquim Pereira Marinho."
tou ao funcionário por que ele e outras autoridades navais da capitania
dos portos não reprimiam aquela navegação tão ilícita e táo ostensiva.
Soube estarrecido que todos os responsáveis civis e militares pelo con-
~,-,------
:; Archives du Ministàrs des Afaires Étrangéres, Quai d'Orsay (doravante AMAE). Corres-
trole da navegação recebiam uma "taxa" pela importação de escravos. pondance Consulaire et Comrnerciale, Consulat Bahia, vol, S, fol, 20.
I: OS resultados desta investigaçáo estão 'contidos no relatório de 25 de março de 1847, en-
.,_.'------ viado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da França, intitulado "Rapport sur Ia traite
:3 Tradução do francês goelette, adotada por Pierre Verger para distinguir da pequena de noí I'S à. Bahia en 1846", AMAE, Correspondance Consulaire et Cornrnerciale, Consulat
r,nh,(o, vol. S.
galeota. Trata-se de urna embarcação à vela da família das galeras, muito usadas no
tráfico africano. Sua característica é a utilização de remos, o que permite a manobra / Dosde 1839 se desenvolvia o debate parlamentar, na França, a partir do projeto Iracy e a
em águas rasas, (';jlll pa 11 na aholicionista liderada por Victor Schoe1cher.
4 Denominação de Lagos, atual capital da Nígéria. muito corrente na documentação baiana H ']',.,;1,1-::(> do ruais larnoso traficante de escravos na Bahia, citado por toda a historiografia
sobre o tráfico. Correspcnde, de fato, ao núcleo inicial desta cidade, localizado ua rostinga inclusive por Piurre Verger, Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo de
lhlÍilJld,
da gl'illlde laguna. que lhe dá o nome. Di'ldo e 'I lJu/iiu de nulo.': o:; Son 10:;, dos século,'! XVII o XIX, S5.o Paulo: Corrupto, 1987.
9-05 búzi;-;;~~uris, como eram chamados na Costa d'África, eram tradicionalmente uti-
lizados como moeda, tanto na África Ocidental como no Reino do Congo. George Dalton, I :.~ I':x prí':J:;50 corrente até hoje no Brasil para indicar uma açáo simulada apenas para
Primitive, Archaic and Modern Economíes. Essays of Karl PoJanyi, Garden CityjNew cumprir urnc formalidade. Ela vem do tempo do tráfico clandestino, quando o gover-
l!tl hrasi le iro adotava atitudes formais apenas para burlar urna fiscalização inglesa.
York: Anchor Books, 1968.
.1 u l ill';:'d"lt,;n.
10 AMAE,Correspondance Consulaire et Commerciale, Consulat Bahia, voI. S, fl. 28.
11 Expressão usada correntemente nas correspondéncias entre traficanrcn P1l1 li Ii.\ilI' da pil' 1:·1 llldr.lIrtn C":;t1'11 ÜC> Arilújo, "Lo poli tique et l'éconornique dans une societé esclavagisto.
l1illi id, 1I1i.O·II3Wl' ('Ii';1(; de Doutorado, Universidade de Paris Iv-Sorbonne, 1992),
lavra escravo, para dissimular o tráfico .
.~::
1-------
Idem
Idem
Agaja Dossu 122 ton,
Idem
_ .. __ Bom Sucesso 199 tono
I:1!
o investigador
francês também descobriu que estas expediçóes eram negreiros é o Sr. Francisco de Souza, conhecido lieJe
vulgo de Chachá, tributário do rei d'Haomey, Err
apenas parte de uma rede bem mais complexa de operações necessárias Arnbriz, um Sr. Jauffret. antigo capitão de longo curse
ao sucesso do tráfico, pois estes negreiros saíam do porto da Bahia vazios, do porto de Marselha, instalou-se por conta da mesma
como o Três Amigos no dia S de janeiro, com a única missão de trazer da casa belga-francesa Gantois e Pailhet para envíar-Ihe
Costa d'África o seu carregamento humano, e muito antes já se havia Negros. Um mulato chamado Domingo José Martins
desencadeado a expedíçâo das mercadorias necessárias à compra dos brasileiro, está estabelecido em Porto Novo e recebe os
seus aprovisionamentos em mer-cadorias de uma casa ds
escravos em África. O sistema utilizado até então. no período do tráfico Hamburgo. Hoje, ele é o maior instigador do comércio ds
clandestino, era muito conhecido. Os navios mercantes europeus e ame- escravos."
ricanos passavam pela Bahia transportando mercadorias manufaturadas,
às quais se juntavam a cachaça e o fumo da Bahia. Com a sua carga com-
pleta, seguiam viagem para a África, onde a sua carga era depositada nas o negócio de escravos
feitorias brasileiras. Enquanto cada negreiro fazia a travessia do Atlântico, uma operação
Por volta de 1845, o sistema aperfeiçoou-se mais ainda. De um lado, muito complicada se desenrolava na Costa d'África: a compra do escravo.
as exportações legais de fumo e cachaça para a Costa d'África eram feitas Segundo apurou o cônsul francês, os termos de troca eram muito instáveis.
diretamente do porto da Bahia através de barcos mercantes que não Habitualmente, a regra fundamental para os responsáveis pelas feitorias
faziam o tráfico e, portanto, nâo tinham as características estruturais de era manter esse negócio sempre na base da troca de mercadorias por
um navio negreiro, nem transportavam apetrechos ou sinais do tráfico, escravos e, ao mesmo tempo, manter a oferta dessas mercadorias em
como correntes, cadeados etc ... Neste mesmo ano de 1846, partiram da um nível mínimo. As mercadorias mais procuradas eram o fumo de
Bahia para esta dastinaçâo 4.896 pipas de cachaça" e 50.198 mangotes de corda, para fumar e para mascar, e a cachaça. As outras mercadorias
fumo." Por outro lado, os produtos manufaturados eram entregues dire- correntes eram as espingardas, a pólvora e os tecidos. Quando essas
tamente nas feitorias brasileiras na Costa d'África por navios mercantes mercadorias escasseavam na Costa d'África, era possível comprar mais
americanos ou europeus. Para estas operações, os traficantes da Bahia escravos, posto que o preço deles baixava sensivelmente.
se beneficiavam de créditos generosos fornecidos pelos comerciantes Mauboussin nos dá um exemplo dessa operação: quando faltava
ingleses para pagamento a termo, em prazos muito mais dilatados do que tumo e cachaça, era possível comprar um escravo por apenas um rolo de
os concedidos aos senhores de engenhos, os grandes consumidores finais fumo, pesando duas arrobas e valendo 5 mil réis (15 francos aproxima-
do produto deste tráfico: o escravo. damerrte]. A arte do traficante era a de saber manejar com a raridade
Cada grande traficante da Bahia operava através de uma feitoria na relativa de cada mercadoria,' propondo sempre na troca um "pacote"
Costa d'África, onde um representante-traficante associado se encarregava uquilibrado de mercadorias por um escravo." Em 1846, o pacote mais
do armazenamento das mercadorias e da realização das compras. Segundo correntemente utilizado era: um barril de pólvora, uma espingarda, um
Mauboussin, a rede de traficantes estava assim constituída em 1846: fui o de fumo e uma ou duas peças de tecido, valendo aproximadamente
Onim (Lagos), Uidá e Ambriz sâo os pontos para onde !n;,'lS francos por cabeça de escravo. Se o agente da feitoria quisesse
são expediclas as mercadorias. Em Onirn, D Sr. Ferrugem, operar em moeda, seriam necessárias 5 onças de ouro (aproximadamente
português, é o agente feitor dos S1's Alves da Cruz Rios, 'lUO francos) por cabeça, pelos mesmos negros, ou seja, cerca de oito
da viúva Lopes e do Sr . Joaquim Pereira Marinho: o
\l1.'t:l'!S o preço obtido no escambo.
Sr. Syres Português (e antes dele o Sr. Jean Nosl Sala,
francês, atualmente residen.te na França) representa a Para atribuir um valor nominal a cada mercadoria, era corrente na
casa belga-francesa Gan.tois e Pailhet, estabelecida na Co::ta d'África a unidade "onça", que, segundo Mauboussin, nâo correspon-
Bahia: ° °
Sr. Dalvi, um sarda, é agente da casa Manuel li i'l tI "onça de ouro", mas a um valor nominal inteiramente convencional.
Pinto da Fonseca, do Rio de Janeiro e da maior parte
das companhias formadas recentemente. Em Uidá
o correspondente principal de todos os traficantes
TI I\fVIl\E, (.\)/'I'eSI/(lndclllce Consulnire et Comrnercície, Consular de Bahia. vol. S, fel, 23.
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1:::.iHi'!.:i:.ilonlil dI! "pucotos" fui Jal'gaml'tltC' utilizado para a compra de outros produtos da
18 A pipa ele cachaça correspondia a 800 litros. 1\II'I('d, ('(11110 (I nuu'Ilm e fi :i5nd,ilo. E.likio M'B(Jkli/O, Afriqoe uoír«. Hist:o;re el. civilisnt.iOlw.
l\,,'in: I! 11 1 \<.'1', J !JD2,}' 1.\'1.
19 O mangotc ele fumo pesava de 29 a 58 kg.
L'\[;.I,~::.'\t,;Hl\\!t),'
I~I I
A partir deste relatório, pode-se encontrar uma correspondência
A investigaçáo continua. a cônsul conseguiu, entáo, receptar e copiar
entre esta onça do tráfico e as moedas cotadas no mercado internacio-
um documento original contendo instruções e indicando as despesas para
nal. a preço do escravo foi adotado como a referência mais geral de ste
montar uma feitoria de negros em Onim, pelo qual se pode ler referência
comércio, verdadeira mercadoria-moeda dos africanos neste tipo de
do valor desta onça do tráfico: troca. Na lista de preços de escravos apresentada, o preço praticado
Valor das mercadorias que sáo importadas na Costa: entre as feitorias parece estar mais próximo à relação índicada como
Um fuzil representa lança corrente entre um "pacote" de mercadorias (S5,7 S francos) e um escravo.
Uma peça de tecido de 28 a 30 jardas, 1 onça Assim, se pode chegar a um valor estimativo de 3,71 francos por onça do
Um garrafáo de 20-50 litros vazio, 1onça tráfico. No relatório Mauboussin tamhém está indicada uma cotação de
Um garrafáo cheio, 1onça 331 réis por franco, o que nos permite estimar a seguinte equivalência
Uma pipa de cachaça do Brasil, 24 onças para o ano de 1846:
Idem de Havana, 20 onças 1 onça do tráfico = 3,71 francos = 1.228 réis
Um mangote de fumo, lança
e nos permite estimar os seguintes valores unítáríos para
Um barril de búzios (com 17.500 búzios cada), 1onça7.2 um escravo comprado em Onirn, 1846:
Preço atual dos Negros na Costa d'África: 15 onças = 55.65 francos = 18.420 réis
Comprado em máo do rei, 17 onças
Comprado aos "cabeceiras" do rei, 17 onças
Somando-se as taxas e serviços pagos em Onim, obtém-se um valor
estimado de 2.259 réis por escravo embarcado, o que nos indica um valor
Comprado em mâcs de populares, 13 onças
Todos os Negros comprados e vendidos entre feitorias, 15 onças
unitário de 20.679 r éis. Seguindo a investigação contábil, o cônsul indica
que se deve acrescer o valor unitário do frete do navio da Costa d'Ãfrica
As mulheres valem uma onça a menos
à Bahia de 120.000 réis por escravo e também pagar 20.000 réis por cada
Os jovens Negros valem quase o mesmo que os outros.P
negro ao consignatário, para serem distribuídos com as autoridades
,\tualmente as despesas sâo as seguintes: brasileiras e mais 25.000 réis por cada cativo <3.0 proprietário do ponto
Taxa pelo desembarque de cada navio paga ao Rei de Onim, 60 onças ele desembarque na Bahia, para que cada um recebesse uma camisa. um
Taxa para a.casa e domésticos do Rei. 36 onças calção e alimentos durante o tempo em que estivessem armazenados.
Taxa para chapéu e guarda-chuva do Rei. 20 onças Esse conjunto de elementos permite a seguinte composição de valor
Três pipas de cachaça de presente ao Rei. 60 onças dos 6.825 escravos importados do pais de Onim para a Bahia em 1846,
Pagamento nos carpinteiros, serralheiros e toneleiros empregados calculados em moeda brasileira (réís).
nos armazéns de Negros,l30 onças · .'-' Elemento Valores unitários Valores globais %
Despesas com 4 canoas e 4 companhias de 214 homens cada, 325 onças ......•. ---
(Estas canoas e estes homens vêm da possessão holandesa de Elminal I
I .~-
c'- ___
Preço de compra 18$420 125:716$500 9.92
Pagamento ao homem encarregado do desembarque das mercadorias, laxas e serviços (Onim) 2$259 15:417$675 1.21
k·'.
35 onças
Pagamento ao vigia de terra, 12 onças .--,
Frete do navio _ .
120$000 819 :000$000 64.62
Propinas (Bahia) 20$000 136:500$000 10.77
Raçáo diária de cachaça para os canoeiros (uma garrafa cada vez que ~.... .._--'
22 AMAE, Correspondance Consulaire et Cornrnerciale, Consulat de Bahia, vol. S, fi. 24. :;cW,unclo IX; hábitos do mercado de escravos baíano. o preço destes escravos
uovou l,tj';:llIWflCJ:) elevado do que o preço de urn africano residente no país,
23 Idem, fi. 25.
24 Idem. fi. 24.
,'1(.
"ao i\niMI
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iOQ [lI' 1.1!:iI \IW::I:\-; 001 W\Hi'I.) (li' !}.'iIV\V!.(i ..
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porque eles ainda não estavam adaptados às condições de trabalho no Ganhos do tráfico
Brasil e apresentavam grande risco de doenças na chegada. fosse pelas Neste ramo de comércio em que a regra fundamental era a esper-
condições subumanas da travessia ou pela aquisição de doenças do país. teza aplicada em cada operação, foi muito difícil para o investigador
francês estabelecer claramente as margens de ganho. Admitindo corno
Variação dos preços dos escravos, segundo a origem nacional preço médio final de importação 185$679 réis e os preços mínimos de
Bahía, 1846 (em réis) mercado na Bahía. na faixa de 450$000. obteremos uma margem de
-------_ .._--- ganho de 264$321 por escravo vendido, o que representa uma expec-
Mínimo .1...... __ - __ - Máximo
_ --_._,
I -- tativa de lucros na ordem de 142%, em um prazo de três meses. o que
Africano desembarcado 450$000 480$000 perfaz 473% ao mês. Este simples exercício especulativo nos dá urna
Africano residente jovem 428$750 529$677 medida de quão atraente era o investimento no tráfico de escravos em
------_.,,-
Africano residente ainda jovem 400$000 470$000 urna praça comercial em que as oportunidades de investimento eram
Brasileiro jovem 478$000 496$428 ilimitadas aos negócios de exportação do açúcar. aliás um produto mal
---------- colocado no mercado internacional. e em outras economias de exportaçáo
Brasileiro ainda íovarn 430$000
os CO[·1sl:;'lrl,tp~::. alternativas. de maturaçáo bem mais demorada.
M'()ubou~_;5in Q 0:5 dados tc:vdn,tados Mel i'íiô iosé de' ~:;OUZil 1\.11d i'del,', 1\ Não é difícil, pois, compreender que a participação nas armações
môo de obm eSCT"ClVO em Solvoc!oJ". j·JF)60, Sáu Paulo Cnrrupio. 19f3El
negreiras fosse o investimento de curto prazo mais atraente. apesar
do alto risco. o que aliás tornava sua remuneração mais alta. Os efeitos
Estes preços podiam variar ainda mais para cima. pois era hábito desta atração exerci da pelo tráfico sobre os capitais disponíveis na pra-
de alguns traficantes fazerem um pequeno investimento ensinando ça se fazem logo sentir pela escassez e pelo canse quente alto custo do
algumas palavras em português ao africano, tanto para enganar uma dinheiro em Salvador, expresso pelas altas taxas de juros ali praticadas.
fiscalização eventual contra o tráfico. quanto para aumentar o valor I'»tas estimativas para o ano de 1846 revelam a gravidade e a extensão
de venda do escravo." 11..1 falta crônica de recursos financeiros na Bahia durante o período de
A grande diferença entre o preço de compra do escravo na Costa uuportaçâo clandestina de escravos.
d'África, 18 mil réis por cabeça. e o preço de venda no mercado de Salva- A sede de recursos financeiros justificou a criação. em 1845, do Banco
dor, 480 mil réis, indicada por Mauboussin em seu relatório, é compatível Comercial da Bahia, que se transformou. em 1846, no segundo banco
com a notícia encontrada em manuscrito atribuído ao Lord John Hay: comercial brasileiro. Ele tinha sido criado como um banco de depósitos e
"Que o risco é válido torna-se evidente. quando se conhece a diferença ,h, descontos, com a faculdade de emissão de letras de câmbio e de bônus.
dos preços dos escravos na África e no Brasil: no primeiro país eles podem !'rljo valor não podia ser inferior a 100$000 réis, resgatáveis em dez dias.
ser comprados por 10 dólares a cabeça e vendidos no último por 500".26 I·:::tirnulados pela escassez de dinheiro. seus diretores tomaram a decisão
dI' exceder os limites previstos no estatuto da sociedade para lançar no
mercado bônus pagáveis à vista. ou seja, verdadeira moeda-papel. No
,i no de 1846, foram lançados no mercado financeiro local 532 contos
til' róis destes papéis. Neste mesmo ano o banco descontou um total de
::,11'/3:800$000 réis em letras de câmbio, o que representava uma cifra
-'
25 Anedota contada por Maximiliano de Habsburgo pela qual os traficantes ensinavam uma muito próxima de 2.467:421$522 réis, expectativa de ganhos totais com
só palavra ao africano - Minas =, para demonstrar aos juízes que este escravo era antigo ,\ i mportação de 9.403 escravos neste ano de 1846. O sucesso deste em-
residente no país. "Como você se chama?' Resposta: Minas, um nome muito comum entre
escravos. 'Onde você nasceu?' Resposta: Minas, uma das províncias do Brasil, mas também
l'ICq'lidimpnto.legal e seguro, era medido pela distribuição de dividendos
uma tribo muito importante de negros africanos fornece aos brasileiros a melhor carne ,IIIU dc1cHtistas na ordem de 12.22% ao fim do ano, percentual muito mais
humana. 'Onde você trabalha?' Resposta: Minas. Minas sâo as minas de ouro e diamante IlIi!l}outo do que os ganhos no tráfico?
que constituem uma importante riqueza do país. O juiz que naturalmente também possui Corno alternativa incomparável de investimento a curto prazo, o ne-
escravos, anota as três Minas, arquiva os autos e a questão está resolvida, para a satisfa-
ção das partes". Maximiliano de Habsburgo, Bohia 1860. Esboços de viagem, Rio de Janei- dei tráfico mohilizava os mais ricos e ativos comerciantes da praça de
1'0; Tempo Brasileiro, 1982, p. 154.
26 Rosernarie Erika Horch, "On the slave trade" (transcrição e tradução], Revhd,} rio Im:til'uto
de fÚ;l:udo$ Brosileiros, no. 213 (1980), ]). 147. "I.o FiCtliliqw' t'1 1'('COlillllli'I\W''', p. 4(')13,
li
Salvador, em uma quantidade e variedade de agentes que ultrapassavam Não apenas no mundo do comércio e da agricultura podiam ser
em muito os notórios traficantes baianos, os armadores e proprietários encontrados os beneficiários do negócio do tráfico. Havia todo um ramo
de navio, como Joaquim Pereira Marinho, Joaquim Alves da Cruz Rios, de atividades ligadas ao mar que estavam tecnicamente no centro da
a família da viúva Lopes, Thomas Jeremoabo, Pedroso de Albuquerque, atividade traficante. Eram os donos de estaleiros, os proprietários de
Domingo Gomes Bello, Hygino Pires Gomes. Mauboussin demonstra navios, os capitães e imediatos, eram os marinheiros.
grande indignação com a presença ativa de comerciantes estrangeiros Maboussin não conseguiu detalhar os gastos específicos com a
como armadores e proprietários de navio, muito especialmente com o reparação dos navios velhos nem as despesas de armação dos navios
francês Guillaume Pailhet, sobre quem faz referências inflamadas em com cordas, velas e outros equipamentos. Ele apenas indica que estes
outro relatório enviado a seu ministério. Este francês chegou à Bahia gastos eram consideráveis em relação à armação dos navios, pois tudo
em 1837, logo associou-se a um belga de nome Gantois, para formar uma era comprado da melhor qualidade. Sabe-se também que dois navios, a
sociedade exclusivamente dedicada ao tráfico de escravos cuja razão social goeleta Mariquinha e o brigue Isabelle, sofreram reparos sérios depois
era Gantois &1 Pailhet, que depois incorporaria, como sócio, o Sr. Marback, de terem sido capturados em Santa Helena pelos ingleses, que certa-
um judeu inglês estabelecido em Liverpool. Outras personalidades de mente, como de hábito, danificaram os navios para prejudicar o tráfico.
destaque na comunidade de comerciantes estrangeiros na Bahia estavam Também os ganhos dos capitães e imediatos não foram especificados.
associadas nas armaçóes negreiras, e Mauboussin indica os cônsules da Jvlauboussin apenas descobriu que os capitães e imediatos recebiam um
Santa Sé, da Espanha e do Uruguai. A grande maioria, no entanto, dos .vdiantarnento em dinheiro de 200$000 e 100$000 réis, respectivamente,
associados no tráfico nâo pode ser no minada pelo cônsul. Eram todos os licando o restante condicionado ao sucesso da expedição. Falta também
investidores que aplicavam dinheiro na armação de cada expedição sob no relatório Mauboussin a indicação dos gastos de frete e seguro das
rnercadorias transportadas diretamente da Europa para as feitorias na
a liderança dos armadores e consignatários.
Atento a esta relação íntima entre o gosto pela especulação financeira Costa d'África. Ele nos revela, no entanto, um montante global destinado
e a habitualidade do tráfico de escravos, Mauboussin registrou, em 1846, ,:,economia naval em 1846, através do pagamento de 120$000 réis por
uma situação em que uma importante atividade econômica é prejudicada r-seravo transportado para um total de 9.403 escravos transportados,
1,:;1 imado em 1.128:360$000 réis.
pela falta dos capitais aplicados massivamente no tráfico. A exploração
de diamantes no centro da Província da Bahia tornou -se uma atividade Outros grandes beneficiários e cúmplices do tráfico, desde o primeiro
importante desde 1844, quando foram descobertas grandes jazidas de ruomento. eram os funcionários do estado. Na verdade, os funcionários
diamantes na localidade de Mucugê. Em 1846, a exploração diamantífera civis e militares do porto embolsavam propinas como se fossem um ver-
acelera-se na Serra do Sincorá, gerando uma importante concentração de d.uteiro imposto, com a pequena diferença que o faziam privadamente
população, o que foi um fator de aumento de importaçóes baianas. Neste I' 11.10 para os cofres públicos, Estima-se que, à razão de 500$000 por
contexto de verdadeira corrida ao diamante, o cônsul francês registra 1.lI'igue e 250$000 por goeleta, foram embolsados 6:500$000 réis, o que
«quivalia a 4,5 salários do tenente-coronel. comandante-geral do Corpo
com indignação:
11" Polícia da Província da Bahia. Para os grandes funcionários, chefes
Este infame tráfico (negreiro), é triste reconhecer, é o
d,' polícia e subdelegados, a parte no butim era bem mais importante.
único comércio para o qual estão aptos os capitalistas da
Bahia e a prova disso é convincente pois não há um só deles 1',!I'.1 o ano de 1846, foram distribuídos 188:060$000 réis de propinas
que tenha querido aplicar seus capitais na exploração das .' (J ,1f',rDdos, correspondentes a um pouco mais de 1.000 escravos novos a
minas de diamante descobertas nesta província. Por gostá l.f\'l'I.;Ode desembarque.
e por especialidade, preferiram todos explorar o Negro e HIi também, na Bahia, os beneficiários menores, para quem a par-
empreender expediçóes à Costa, ao invés de experimentar
i It'ipaçffi.o no tráfico torna distintos de outras pessoas do seu mesmo
especulaçóes sobre as quais poderiam obter pobremente
i.'til dtn!o social: os marinheiros do tráfico, As tripulações eram recrutadas
lucros com toda garantía."
li" ll,ddn entre a gente de cor habituada a esta navegaçáo. A estimativa
do:! contingentes de tripulação é muito prejudicada pelo hábito, como
t udu 110 tráfico, de náo declarar o total da tripulaçáo no momento da
_._-_ .... ~-----
28 P.V.Maubõussin,"Mémoire adjoint aux états genéraux de commerce et de navigation d
"';! fd,i do pO!'1 o de Salvador. As próprias informações constantes neste
li
J r:kf( ú!'Ío pc:'rnüte111 estimar que. no conjunto de 19 expedições de S1.1CeSSO,
port de Bahia,année 1846", AMAE,Correspondance Consulníre et Commerciule,CO/lSIJ"
)(1(01111]J!1f!,m: fi?? saláríou rl(l marinheiros pela travessia do AtlflJ.'ltieo, tl
lCll de Bahio, vol. S. fl. 48.
31 Claude Meillassoux, Antropologia da escravidáo: o ventre de ferro e dinheiro, Rio de Ja- H: lI:lill1l0fl (1 conceito de "convenção" tal como é trabalhado pelos economistas que buscam
neiro: Jorge Zahar, 1995, ,\ ,lllál ise da coordenação econômica não apenas através da auto-regulaçáo de mercado,
32 Pierre Pluchon. La route des esc1aves; négriers et bons d'ébime ou XVII" síêcle, Paris: Ha- 111i1.:) ta mbém através de convenções sociais, André Orléan (org.),Analyseéconomique des
chette, 1980. ri IItVI'1J l'ilJll:;. Paris: PUF.1994.
33 François Crouzet, "Angleterre et Brésil, 1697/1850. Un siécJe et demi d'échanges com- H; !:liri:\lllphi'r Fyfe. "Wcfll ntric.m ITnc1e A, 0.1.000 - U30Q", in 1. F, Ade Ajayi e tan Espi«
merciaux", Histoire, économie et societé, vol. 9, no. 2 (1990), pp, 287 -317. YCOJ':i nf Wt':;1 A(riC<.Ili fJ.iD/.'Ofy, (lbadüo; lbadan Univol't,i'l:y un.d Nelsou,
(11)'1;:1,), 1\ T1lflJJSlllld
34 Fcrnand Braudel, Os jogos das trocos, Lisboa/Rio de Janeiro: Cosmos, 1985, 1:,1'/1), pp, >~:rl:,,!3~~,
africano, o rei de Onim não tinha qualquer soberania para além da feitoria, referências de trocas culturais para povos extremamente diferentes
assegurando apenas as condiçóes de segurança das operaçóes na Costa Olhar para a territorialidade do tráfico é como antever formas precoce:
em troca igualmente de propinas e taxas disfarçadas em presentes. Para da globalização contemporânea, onde, no lugar do Atlântico, navega-SE
completar o quadro de ausência de regulamentação estataL a decretação o ciberespaço.
da ilegalidade deste comércio pela Inglaterra e sua imposição ao fraco
estado brasileiro, impediam o estabelecimento de qualquer acordo bilateral A diferença negreira
entre o Império do Brasil e o Reino de Onim." Tudo realmente dependia, A interseção negreira provoca também a sua negaçáo em ambas as
inclusive a moeda de referência, dos consensos estabelecidos entre os partes.
parceiros do negócio. Os conflitos entre eles certamente existiam, mas
não há notícias de afrontamentos ou rupturas graves. Predominava Ca-B
principalmente o que registrou Pierre Pluchon: "Todos, que só pensam B-Ca
em enganar-se mutuamente no acessório - tirar o máximo desvantagens
possíveis do interlocutor - manifestam uma estrita solidariedade sobre No lado africano, a revolta contra a deportaçáo para uma escravidáo
o essencial: o comércio dos cativos."38 mercantil do outro lado do Atlântico constitui uma das mais emocionantes
Um terceiro elemento a ser considerado é a reprodução, nos dois sagas de luta pela liberdade escritas na história dos povos. As constan-
lados do Atlântico, de grupos sociais que viviam do tráfico e que se tes revoltas no interior africano. nos portos da Costa, nos navios e no
constituíam em agentes do intercâmbio social, econômico e cultural porto de desembarque. Essa reaçáo africana ao tráfico deve ser também
para além da compra e venda de escravos. Quando se extingue o tráfico considerada nos processos de desestabilizaçáo dos reinos soberanos
transatlântico e, portanto, os comerciantes brasileiros viram as costas traficantes e de facilitaçáo da ocupação colonial posterior à aboliçáo do
para a Costa d'África. esses grupos de "brasileiros" na África e "africanos" tráfico atlântico, que trazia como bandeira o fim da escravidão, como,
na Bahia permanecem como elo de comunicação entre os povos da Costa por exemplo, a resistência do povo do reino de Ketu à escravidão que lhes
e da diáspora na Bahia.ê? havia imposto o reino do Daorné.?
Um último elemento que uma leitura contemporânea desta interseção No lado baiano, a reação ao tráfico se dá tanto pela resistência
negreira não pode desconsiderar, é a produção de uma territorialidade à escravidão, manifestada pelas revoltas africanas nas plantaçóes de
do tráfico. Diferentemente da equação historicamente construída das açúcar e nas armações de peixe da Bahía, pela participação crioula em
economias nacionais localizadas em territórios contínuos delimitados, revoltas populares, pelos quilombos e pelas fugas. Manifesta-se também
ocupados por populações vivendo em situação de contiguidade e submetidas a oposição ao tráfico que resulta da rej eiçáo à presença africana no Brasil
a um sistema de poder unificado nacionalmente. a interseção negreira sustentada por liberais, alguns dos mais radicais, do fim do século XVIII
construiu um espaço em rede40 interligando, pela navegação aventureira aos fins do século XIX, que defendiam a reexportaçáo dos filhos do tráfico
e perseguida, portos de tráfico, articulando poderes diferentes e criando para a África ou, no pior dos casos, uma" civilização" tão radical do negro
no Brasil que apagasse da memória dos restantes a "barbaria" africana.
Um exemplo eloquente desse tipo de oposição ao tráfico é a defesa que
37 A posição de distanciamento da África adotada pelo Império Brasileiro é bem demons- fez Miguel Calmon da colonizaçáo europeia, em 1835, ainda traumatizado
trada pela história diplomática brasileira: Alberto da Costa e Silva, As relações entre o pela insurreição dos malês: a colonização tinha o objetivo
Brasil e a África Negra, de 1822 à 1a Guerra Mundial, Luanda: Museu Nacional da Es-
cravatura/Instituto Nacional do Patrimônio Cultural, 1996; Alberto da Costa e Silva, "O de prevenir, com efficácia e evidente utilidade, a funesta
Brasil. a África e o Atlântico no século XIX",STVDlA. no. S2 (1994), pp.195-220. necessidade de africanos, ou os efeitos ainda mais funestos
da existencia de tantos bárbaros neste abençoado Paiz.
38 Pluchon, Laroute des escJaves, p.12S.
39 O fenômeno dos "brasileiros" na África já foi bastante estudado: Verger, Fluxo e refluxo, pp. 1... J Reconheço que a Colonisaçâo nesta Província, tem que
599-632; Jerry Michael Turner, 'Les brésiliens. The ímpact of former Brazilian slaves upon encontrar náo pequenas difficuldades. 1... J. A Za consiste
Dahomey" (Tese de Doutorado, Boston University, 1975); Bellarmin Coffi Codo,"Lesbrésiliens
en Afrique de l'Quest: hier et aujourd'hui", UNESCO/SSHRC Summer Institute: La route des
esclaves - The slave route, Toronto: York University, 1997; e Manuela Carneiro da Cunha, Ne-
gros, estrangeiros: os escravos libertos e sua volta à África, São Paulo: Brasiliense,198S. '11 1':li:llit' ~~(JIlIiI',)J I 'li, "1',',,11\ "!le 11\rorior to the Coast: J3ridging the Gap in lhe Study of the Sla-
vf i TI.IiI.! .nul ~)I<IV"i"y ill DdIHJIlIPy", [JllesCClj.<;SH.l~CSIIUlI!I(!r
Iml'itlll:e: Lorourc eles escl«-
40 Milton Santos et alii, Territ6rio, globalizoção e fragmentação, São Paulu: Hucircc/
\1<".': '1"11';t.li/vf' ("(!lth', 'lbl"fillt(J; Ynrk LfI!ivpl':;!I y, l Dfl/.
t\NPUR. 1996.
BUCa
Expressão mesmo de uma cultura afro-brasileira resultante da vivência
Dale T. Grader
dos filhos da diáspora africana no Brasil, civilizando africanamente uma
sociedade brasileira e estabelecendo as referências que tornam possíveis
as navegaçóes contemporâneas que reatam contato com aqueles outros
que abrasileiraram a Costa d'África. Navios construídos nos Estados Unidos desempenharam um papel
irnportante no comércio transatlântico de escravos da África para as
Américas. Com o fim da Guerra de 1812 entre os Estados Unidos e a Ingla-
I orra (1812-15), comerciantes e armadores norte-americanos procuraram
II1Ivas oportunidades de negócios na economia atlântica em expansáo.
I' liIa delas foi o transporte de escravos para o trabalho em propriedades
'il:rícolas no Caribe e no Brasil. Apesar da existência de uma lei federal
nus Estados Unidos, de 1807, proibindo o comércio de escravos para aquele
I'" ís e declarando a participação no comércio negreiro um crime federal a
I'd rtir de 1 de janeiro de 1808, empresários norte-americanos investiram
('l!lIsideravelmente neste negócio ultramarino. O transporte de africanos
11.11'<10 Brasil e Cuba em navios dos Estados Unidos, do começo da década
42 Miguel Calmon du Pin e Almeida, Memória sobre o estabelecimento cI'U.llICI rruunnnhio ele ,!,',I,hl'l"dlJ I""' L.lllld Gucdos. Agl'ildct;o a leitura I~ os comentários de David Shcinin, 1-11'11-
colonização nesta Provindo, Salvador: Centro de Estudos Baianos/UFHA, IfHI~;,[/[1,:1,(i··7, li I lI'. I( I':r"y I' W,dll!l' I,,\l,'rllll~r.
l!iO 1\ 11I,H III ( 1\ II 11')\\' II\I'!.' : til i 11\'\1 I.'q 1I1 I!i< I Ii\VO! ,