Você está na página 1de 4

Disciplina de História

Professor Stefan Chamorro Bonow

Nome: Turma:

Instruções:

• Leia o texto com calma.


• O assunto dele já aparece no título. Fala sobre o que se entende sobre História.
• Após a leitura, responda as perguntas existentes no final. Elas estão relacionadas
com texto.

A história não contada das GRANDES


NAVEGAÇÕES
No livro "O ponto onde estamos", o historiador Paulo Miceli faz uma viagem aos tempos da
expansão marítima portuguesa.
N° Edição: 432

Texto: Por Fabíola Musarra

01/09/2008

[...] No livro “O ponto onde estamos” (Editora Unicamp, 232 páginas), Paulo Miceli revela
surpreendentes facetas das navegações.
DE ALGUM MODO, as imagens que povoam nosso imaginário sobre esse período histórico –
um universo habitado por homens destemidos, misto de Gulliver e Robinson Crusoé, que se
aventuram pelo oceano enfrentando a fúria de temíveis monstros marinhos, piratas, corsários
e toda a espécie de perigo – são verdadeiras, só que a realidade é bem pior. Para começar,
Portugal foi um dos países mais atingidos pela peste bubônica na Europa.
Embora os registros não sejam precisos, o país, já a partir do século 14, foi palco de
avassaladores (e sucessivos) surtos da epidemia, alguns dizimadores, outros menos cruéis,
se é que se pode dizer isso quando o doente e sua família são totalmente isolados e excluídos
do convívio social. Ou quando a porta de sua casa e suas roupas são marcadas para sinalizar
que a doença ali está presente e qualquer pessoa que fale com ele é punida com uma multa
imposta pela coroa portuguesa.
Além da peste, do escorbuto e das demais doenças provindas das péssimas condições
sanitárias e higiênicas das cidades e de seus cidadãos (lembre-se de que eles quase não
tomavam banho), Portugal era ainda duramente castigada por terremotos, catástrofes
naturais e guerras. “O que as navegações têm a ver com isso?”, você deve estar pensando.
Tudo, responde Paulo Miceli. Vou contar algumas curiosidades do livro para que você entenda
essa relação e reflita sobre como ela alterou a nossa história e como ainda agora influencia a
sua vida.
A Lisboa do século 16 começou a se expandir, do lado ocidental, a partir do Mosteiro dos
Jerônimos e da Torre de Belém, tendo, ao leste, o Convento Madre de Deus. Centro econômico
e administrativo, a Ribeira era a área chique da cidade, onde moravam os cirurgiões,
mercadores, professores e funcionários da Câmara. Por suas ruas também transitavam
moleques e vadios que furtavam bolsas e outros objetos dos abastados transeuntes. Até
então, quem fosse pego em flagrante tinha suas orelhas cortadas e expostas em locais
públicos, para servir de exemplo a outros ladrões.
Diante da ameaça da peste e de seu contágio, o rei dom Manuel determinou que as orelhas
decepadas fossem imediatamente enterradas. Mas, como nem a mutilação foi capaz de inibir
os furtos, anos mais tarde, em 1536, o seu sucessor, dom João 3º, determinou que “os moços
vadios, que andam na Ribeira a furtar bolsas, e a fazer outros delitos, sejam desterrados para
o Brasil”. Como viajariam? Nos navios, é claro, nos quais teriam como companhia a fome, a
sede e o trabalho quase escravo “remunerado” com falsas promessas de enriquecimento fácil
nas terras desconhecidas.
Como eles, a maior parte da tripulação das embarcações portuguesas nada entendia sobre o
mar. Imagine que o capitão, vendo-se diante de uma ilha rochosa ou de um recife, pedisse
para que os marinheiros manobrassem o leme a bombordo e eles o fizessem a estibordo,
exatamente para onde estava o obstáculo do qual deveriam desviar. Pfaff! A caravela batia e
afundava. Sorte de quem sobrevivesse! A situação seria ainda mais trágica não fosse a solução
encontrada pelos portugueses.
Sabe o que fez o capitão João Homem, cuja caravela integrava uma frota que partiu de Lisboa
em 1505? Mandou pendurar réstias de alho à esquerda e de cebola à direita (ou vice-versa),
para que os marinheiros distinguissem um lado do outro. Agora, pense na cena: o cenário é
de um profundo azul desconhecido sobre o qual desliza a nau de 60 metros de comprimento.
Em seu interior, cerca de 800 a 1.200 viajantes (em média, era esse o tamanho das
embarcações e a quantidade de gente que transportavam). Num certo momento, o capitão
grita: “Homens, virem o leme para a cebola. Agora, um pouco mais ao alho”. Eu, hein?
Além das guerras travadas em pleno oceano, os marinheiros quase sempre morriam de fome
e de doenças, como a peste e o escorbuto. Na época, pensava-se que esses males podiam ser
curados com a sangria (retirada de sangue várias vezes ao dia), o que causava ainda mais
fraqueza.
NÃO BASTASSE o despreparo dos homens do mar, havia ainda os naufrágios que ocorriam
antes mesmo de a embarcação zarpar, já nos portos do estuário do Tejo (onde o rio de mesmo
nome e o oceano Atlântico se fundem). Motivo? Na ganância de obter mais lucro, o rei e os
arquitetos navais fabricavam a nau com a madeira verde (extraída antes da hora) de sobro,
pinho (usado para o tablado) ou outras espécies que não serviam para esse tipo de construção,
pois torciam, apodreciam ou encolhiam.
Mais do que baratear o custo de produção, eles queriam que a caravela ficasse pronta logo,
ainda que fabricada com matéria-prima inadequada, para que partisse rapidamente e mais
vezes rumo à caça de tesouros. Vale notar que a vida útil dessas embarcações era pequena –
as mais bem construídas faziam de uma a três viagens, no máximo. Em geral, se prestavam
a uma única viagem e não serviam mais. Outro problema era a negligência dos carpinteiros,
que “esqueciam” de colocar pregos em locais estratégicos da nau. Resultado: a água do mar
entrava pelos buracos das tábuas que caíam ou pelas fendas provocadas pela dilatação ou
não da madeira empregada em sua construção.
Não é só. Embora a coroa portuguesa divulgasse que nas novas terras havia muitas riquezas,
nem todos lucravam nessas desvairadas epopeias pelos mares. Adivinhe só quem enriquecia
com elas? O rei, é claro, mas também o capitão-mor, o piloto, o mestre e o contramestre. Já
os marinheiros, soldados, grumetes e pajens eram muito mal pagos – se o capitão-mor
ganhava 10 mil cruzados por mês, um marinheiro recebia dez cruzados, cabendo ao grumete
metade desse valor e ao pajem um terço do que se pagava ao grumete. Detalhe: o piloto, a
quem cabia a tarefa de conhecer o céu, os astros e as cartas náuticas, quase sempre era um
fidalgo a quem o rei devia favores (certamente você conhece histórias bem parecidas) e que
nada sabia sobre a arte de navegar.
[...] Na vida real, os naufrágios eram frequentes e poucos regressavam com vida dessa
desvairada aventura – muita gente morria de fome, sede e doenças, incluindo a peste. Numa
ocasião, dom Manuel, diante da escassez de mão-de-obra, autorizou que portadores da peste
integrassem a tripulação das frotas portuguesas. Nem é preciso contar o final negro desse
capítulo!
PRIMEIRO MAPA DO BRASIL
De autoria de Pedro Reinel (1519), da Escola Portuguesa, a
ilustração ao lado retrata a costa brasileira no primeiro
mapa do Brasil. O tesouro do século 16 hoje faz parte do
acervo da Biblioteca Nacional de Paris, na França.

TAMBÉM ERA COMUM que a comida e a água de bordo acabassem antes do término da viagem.
Na hierarquia de bordo, os oficiais apadrinhados pelo rei podiam levar tonéis de vinho, de
azeite e de água, cabritos, porcos, galinhas e outros suprimentos, enquanto os demais só
embarcavam os gêneros que conseguissem levar na partida, conforme sua condição social
permitisse. Em períodos de calmaria, a maioria dos tripulantes tinha de se contentar com
biscoitos embolorados corroídos por ratos e baratas e água podre. Enfim, com a comida e
bebida que lhes dessem. Se e quando dessem.
No interior das caravelas, os mantimentos eram trancados e a porta da despensa guardada a
sete chaves pelo mestre ou despenseiro. Em terra, quem abastecia as embarcações eram os
armazéns reais. E era aí que começavam os problemas… Ao menos, os da maioria de seus
miseráveis viajantes. Por quê? Bem, inúmeras e imprevisíveis contingências intervinham no
fornecimento dos alimentos, desde a falta de produtos disponíveis para atender às
necessidades da viagem até a contabilidade cobiçosa que mentia sobre o número de pessoas
embarcadas ou aumentava, nos registros, a quantidade fornecida de fato. Jean de Léry sentiu
as consequências dessa matemática enganosa e os efeitos da fome implacável no próprio
navio. Ou melhor, no próprio estômago. Ao deixar o Brasil e voltar para a Europa, ele narra
em seu livro de viagem: “A 12 de maio, o nosso artilheiro morreu de fome, depois de ter
comido as tripas cruas de seu papagaio, e foi como os outros lançado ao mar. Pouco sentimos
sua falta, pois estávamos tão extenuados que daríamos graças a Deus caso fôssemos
apresados por qualquer pirata que nos desse de comer.”
“Mas a necessidade tudo inventa”, prossegue, “lembrou a alguns a caça aos ratos e ratazanas
que, também mortos de fome por lhes termos tirado tudo que pudessem roer, corriam pelo
navio em grande quantidade”. No mesmo relato, De Léry conta que os sobreviventes
cozinhavam camundongos na água do mar, e davam a “essas vísceras maior apreço do que
em terra davam a lombos de carneiro”. Por fim, confessa que a tripulação só não praticou o
canibalismo por “temor a Deus, pois mal podíamos falar uns com os outros sem nos
agastarmos e, o que era pior (perdoe-me Deus), sem nos lançarmos olhares denunciadores
de nossa disposição antropofágica”.
ESSE DRAMA e outros mais fazem parte da intrigante viagem que o historiador Paulo Miceli
fez ao passado e às rotas marítimas percorridas por heróis anônimos do período quinhentista.
Seu trajeto expõe um universo bem distinto dos livros escolares, cujos capítulos exaltam o
arrojo dos reis portugueses, a coragem dos viajantes, o êxito das navegações e as glórias de
suas conquistas. Miceli, contudo, percorre a Lisboa manuelina e revela a miséria, o crescente
número de escravos, o desprezo pelos trabalhos manuais que prevalecem nas ruas de uma
das cidades mais ricas da Europa da época.
Desigualdades sociais que também embarcam nas frotas portuguesas. Suas caravelas são
palco onde se desenvolvem dramas repletos de intrigas, ganância, venda de lucrativos cargos
para oficiais inaptos, descaso quanto ao suprimento de alimentos e água, desprezo pelo
sofrimento alheio e indiferença diante da morte. Navegar por essas águas é desvendar
curiosos fatos do passado. É entrar no túnel do tempo e descobrir uma história que se repete
no presente, uma trama não ficcional em que qualquer semelhança com os governos e
governantes atuais não é mera coincidência.

• Exercícios
1) Quais as palavras que você teve dificuldade para entender?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

2) Quais os riscos que envolviam as viagens marítimas?


______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

3) De que maneiras as diferenças e injustiças sociais influenciaram a necessidade dos


marinheiros?
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

4) Procure e escreva o significado das palavras que você não entendeu?


______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

Você também pode gostar