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CONTEXTUALIZACAO HISTÓRICO-LITERÁRIA
Trata-se de um conjunto de doze relatos de naufrágios, baseados em episódios verídicos da gesta dos
Descobrimentos. São, de uma maneira geral, relatos apreciados pela qualidade da prosa e pelo seu extremo
realismo. Um dos mais conhecidos fica a dever-se a Jerónimo Corte-Real, que narrou o Naufrágio e Lastimoso
Sucesso da Perdição de Manuel de Sousa Sepúlveda (1594).
No que respeita aos relatos que atualmente se conservam, a maioria data do período entre 1550 e 1650.
As histórias são verdadeiras e diretamente relacionadas com um momento marcante na vida económica
e social da nação: as Descobertas. As personagens centrais são de elevada estirpe social.
Os relatos são “normalmente precedidos por uma longa didascália”, que elucida sobre as “coordenadas dos
acontecimentos”, pelo que “servem sobretudo de demonstração exemplar da justiça divina”, havendo
uma ligação entre culpa e castigo.
A sua estrutura narrativa não se afasta muito da “matriz tradicional da narrativa de viagens”,
apresentando os seguintes “núcleos de sentido”:
Atentemos agora no título – História Trágico-Marítima. O primeiro elemento aponta para a dimensão de relato,
de narrativa de um facto verídico, por intermédio de um narrador, participante ou não na ação (um sobrevivente
ou uma testemunha). O segundo elemento aponta para a dimensão trágica destes relatos que se reportam a espaços
marítimos, revelando o espírito de desinquietação e de efemeridade associado à vida humana.
INÍCIO DA VIAGEM
TÓPICOS DE ANÁLISE
Os primeiros parágrafos deste capítulo V (1-4) fornecem ao leitor dados importantes sobre o contexto
político, social e religioso em que decorrerão os “casos que nesta narrativa se contêm ”.
Para além disso, no primeiro parágrafo, são-nos apresentados os antecedentes familiares daquele que virá
a ser o protagonista desta narrativa – Jorge de Albuquerque Coelho: o pai, um “fidalgo de reto espírito,
nobre, perseverante, trabalhador”, a quem D. João III tinha dado a capitania de Pernambuco; os nomes do
irmão e da mãe.
Os parágrafos dois a quatro apresentam, de forma bastante sintética, outros factos relevantes: a viagem do
pai e dos filhos para a metrópole; o falecimento do pai na metrópole; a notícia de um levantamento dos
indígenas na colónia, acontecimento que desencadeia a viagem de regresso dos dois irmãos para
Pernambuco e a consequente eleição de Jorge de Albuquerque Coelho como chefe militar da capitania.
Segue-se um breve relato das suas ações, com vista a destacar as suas qualidades de guerreiro, bem como as
suas qualidades morais (cf. 5.º parágrafo), como preparação para a narração da viagem que Jorge de
Albuquerque Coelho decide empreender da vila de Olinda até Lisboa, uma vez que a capitania estava
pacificada.
A segunda parte do excerto é dedicada ao início da viagem na nau “Santo António”, sobre a qual nos é dito
que ia “Carregada […] de muita fazenda” e que saiu do “belo porto da vila de Olinda”, no dia “16 de maio de
65”. Note-se, aliás, que não faltam referências temporais concretas ao longo do texto, que marcam a
sucessão dos acontecimentos.
Logo no início da viagem começam os contratempos. Com efeito, ainda não tinham saído da barra, o vento
conduziu a nau para um baixo. Foram socorridos por batéis, mas a nau só desencalhou quando cortaram os
mastros, o que a obrigou a regressar ao porto, onde foi examinada e novamente preparada e carregada.
Perante este incidente, é curioso observar duas reações distintas: os amigos de Jorge de Albuquerque
Coelho aconselham-no a não embarcar; ele, pelo contrário, não deu ouvidos “a tais prognósticos” e
embarcou com os outros passageiros.
No entanto, a viagem recomeçou com novos obstáculos: a mudança de vento obrigou a atirar carga ao mar,
o casco acabou por abrir, um furacão partiu um mastro; ocorreram trovoadas.
Assim, a deterioração da nau (mastros cortados, logo na primeira viagem), o atraso na partida (a primeira
viagem foi malsucedida) e o excesso de carga (poucos dias depois da segunda partida, tiveram de deitar
mercadoria ao mar, pois “a nau lhes mareava mal”) são as causas que fazem prever a tragédia que se
avizinha.
TÓPICOS DE ANÁLISE
Este excerto tem como evento central o ataque de corsários franceses à nau dos portugueses. O relato deste evento
mostra-nos:
a bravura, a determinação, o patriotismo de Jorge de Albuquerque Coelho, que, apenas com duas armas e
com sete homens, luta contra os corsários; a inclusão quer do discurso indireto livre (ll. 6-9), quer do
discurso direto (ll. 36-41) confere realismo e força à caracterização desta personagem;
a traição, a fraqueza dos restantes tripulantes (exceto “sete homens”) que, mal veem os corsários, decidem
render-se; só não o fazem imediatamente porque Jorge de Albuquerque consegue dissuadi-los, numa
primeira fase;
o contraste entre a nau dos franceses – “bem artilhada e consertada”, “maravilhosamente bem ordenada,
cerrada e empavesada da popa à proa”, “tão limpa de costado que parecia caiada” – e a nau portuguesa,
sobre a qual se diz que “mais artilharia não havia a bordo que um falcão e um só berço” e que era “tão
despreparada para a guerra”;
o contraste entre o número de combatentes portugueses – “sete homens” e Jorge de Albuquerque – e o
número de combatentes franceses – “seis dezenas de arcabuzeiros”;
o respeito e a admiração que o capitão francês revela pelo capitão português, concedendo-lhe, por
exemplo, depois da rendição dos portugueses, o privilégio de jantar à sua mesa.
TÓPICOS DE ANÁLISE
Este é um excerto carregado de dramatismo, atendendo às várias peripécias relatadas com extrema
vivacidade e impacto e que denunciam mais desventuras da tripulação.
Primeiro, têm de deitar mercadoria – caixas e armas – borda fora. Depois, assola-os uma tempestade que
atira muitos homens ao mar (portugueses e franceses), provoca ferimentos noutros e, sobretudo, desperta
o medo e o terror. A juntar a estas desventuras, verificamos o abandono dos corsários (“o navio dos
corsários se não avistava”) e a fome.
A tempestade é descrita com muita vivacidade, o que se deve à conjugação de vários recursos:
• uso recorrente de adjetivos (“Um mar mais violento”; “O negro mar”; “vaga altíssima, toda negra por
baixo”);
• uso de vocabulário sugestivo, que revela sensações auditivas (“turbilhonando nuvens, rendilhando
espumas, açoitando no escuro”) e visuais (“Um relâmpago risca, ilumina a treva”);
• uso de alguns recursos expressivos (metáfora – “vaga altíssima […] coroada de espumas”;
personificação e hipérbole – “Fuzilavam relâmpagos”).
A dada altura, fala-se nos “companheiros que morreram de fome” e que, por isso, têm de ser lançados ao
mar. Perante a violência deste ato e o desespero em que todos se encontravam, só Jorge de Albuquerque
parece manter a razão e a humanidade, destacando-se mais uma vez.
Finalmente, avistam a serra de Sintra. No entanto, o navio não tinha condições para se aproximar da costa.
Algumas embarcações passam pela “Santo António”, mas só uma “barca pequenina” acode os portugueses.
Já em terra, Jorge de Albuquerque recompensa o chefe dessa barca. E, mostrando a sua religiosidade, vai
“em romaria a Nossa Senhora da Luz”. A sua caracterização fica, assim, completa: é um homem de palavra
e de fé.
A cena final – o diálogo travado entre Jorge de Albuquerque e o seu primo – serve para mostrar o impacto
que aquela viagem e as suas desventuras tiveram no capitão. Com efeito, Jorge de Albuquerque estava tão
desfigurado que o primo não o reconheceu.
HISTÓRIA TRÁGICO-MARÍTIMA
Temática Viagem
Função sociológica – saber notícias de parentes ou amigos que tinham partido em viagem
Materiais – mau estado das embarcações; excesso de carga; partida com tempo
Causas para os
desfavorável (ventos, estado do mar)
naufrágios
Humanas – egoísmo, ambição, desleixo
Nem sempre constam autores precisos, mas a maior parte das narrativas apresenta autoria
Autores (alguns autores eram sobreviventes de naufrágios; outros foram testemunhas dos factos
que narram)