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Introdução:
Este artigo parte de um relato da carreira religiosa do Babalorixá Daniel Sena Lopes, em cuja
casa de Santo, o Centro de Manifestações Mediúnicas Oxalufã, tenho participação ativamente.
Minha trajetória acadêmica mantêm um elo com a minha inserção pelo universo das religiões
de matriz africana. Na graduação em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia que
realizei pela UFPA, desenvolvi uma pesquisa sobre o tema da “Interiorização religiosa Afro-
Brasileira no Pará: a expansão do culto Mina-Nagô no município de Abaetetuba”, no ano de
1997, orientado pela Profª Mestra Anaíza Vergolino. Posteriormente em 2010, ingressei no
Curso de Especialização em Educação para as Relações Étnico-Raciais pelo IFPA, no qual
desenvolvi uma pesquisa com o título “Centro de manifestações mediúnicas Oshalulã: como
ser africano sem ser puro, orientado novamente pela Profª Msc Anaiza Vergolino. No ano de
2012 ingressei no Mestrado em Ciências da Religião, pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará, no qual defendi a dissertação com o
título “Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã: uma forma cosmopolita de ser afro-
religioso”, orientado pela Profª Drª Taissa Tavernard de Luca, com a co-orientação da Profª
Msc Anaiza Vergolino. Quero destacar que durante meu percurso neste mestrado tive a honra
de participar do Grupo de Estudos das Religiões de Matriz Africana na Amazônia
(GERMAA). Posteriormente passei a representar o GERMAA na região do Baixo-Tocantins,
dando continuidade às ações de estudos e pesquisas de temáticas afro-religiosas.
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Mestre em Ciências da Religião pelo Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião da UEPA, Licenciado
em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia pela UFPA, Especialista em Educação para as relações étnico-
raciais pelo IFPA, representante do GERMAA na região do Baixo-Tocantins e professor de Sociologia no Ensino
Médio e das disciplinas das Ciências Humanas em Faculdades de Abaetetuba.
Figura 1
Arquivo Daniel Sena Lopes - Daniel em Conferência na Associação Comercial de Abaetetuba como
Presidente do Conselho Fiscal.
Figura 2
2
Quero observar que este texto se trata da transcrição de um longo depoimento elaborado por meu próprio pai de
santo. Conservei-o na integra por razões metodológicas de colocar os dados à disposição do leitor, mas,
sobretudo, como forma de manter com a narrativa, a memória que meu pai de santo tem de seus queridos e
falecidos pais. (Nota do autor)
Sua mãe começou então a se desabafar com a vizinhança, sobre seu filho mais novo
que tinha esses problemas. Foi quando a sua vizinha Dona Deusarina, após ouvir o relato de
Dona Dária se prontificou a levar o jovem Daniel, para procurar à senhora Marieta Assunção
Lucas, conhecida como “Mãe Marieta”, que tratava desses casos. Dona Dária aceitou ajuda da
vizinha.
Isto ocorreu no ano de 1978. A casa da “Mãe Marieta” era cheia de muitas pessoas
para serem atendidas, porém, ao ver o jovem Daniel, já com 15 anos de idade, foi logo lhe
dando, um passe, rezando e dizendo: “Você, jovem, é de missão, só que eu Marieta, não irei
fazer nada a não ser isso aqui (o passe); procure alguém que possa lhe ajudar. ”
A afirmação foi um choque para toda a família, até porque foi avisado dos riscos que
Daniel estaria correndo, caso não iniciasse um tratamento chamado “desenvolvimento
mediúnico”. O maior entrave naquele momento era a questão religiosa da família. Como
trazer a público, aquela situação?
Com as idas de Daniel à casa de Mãe Marieta, as crises se acalmaram
temporariamente; mas, como nenhum tratamento espiritual tivesse sido iniciado, o quadro
continuou. Na fala de nosso informante, percebe-se aqui uma tensão que acontece:
“Quando surgiu a preocupação por parte de meus pais a respeito do que as pessoas
iriam pensar e falar de uma família tradicionalmente evangélica ter um filho
envolvido com “Macumba” (Daniel 01/10/2003) ”.
Com essas manifestações mediúnicas, criou-se um impacto muito grande porque essa
experiência do transe não tinha nenhuma correlação com o tipo de formação religiosa que até
então ele recebera.
Evidentemente, o surgimento desse dom foi problemático para o jovem Daniel, porém
não há aqui um conflito do tipo expulsão de casa a ponto do sujeito ter que pedir ajuda e “ir
morar com amigos” como ocorreu nos casos registrados por Vergolino e Silva no trabalho O
Tambor das Flores (1976).
O problema aconteceu quando ele começou a identificar as manifestações mediúnicas
como “afro”, configurando uma tensão que era mais de ordem religiosa e social como declara
o informante sobre o conflito.
No culto os seus caboclos, eram para Daniel, uma grande lacuna religiosa, pois desde
o inicio de sua missão sempre fora acostumado a cultuar essa classe de entidades. E foi essa a
razão que o levou a um retorno à tradição Mina.
“É evidente que cada rito possui as características específicas, quando estou dando
um passe na Umbanda não posso afirmar que é igual a um rito de descarrego na
Mina. Considero que cada um complementa o outro dentro da minha concepção, não
existe para mim um mais importante que o outro. Na Umbanda tenho os Exus
Catiços, Zé Pilintra, Preto Velho e as Almas. Na Mina tenho os senhores de toalha
(nobres), os caboclos. No Ketu tenho os Orixás” (Daniel 01/10/2013).
Figura 3
Foto do Arquivo Daniel Sena Lopes: Terreiro Mina-Nagô Toya Jarina em Belém-PA.
Figura 4
Pode-se então concluir que uma “forma moderna de culto aos orixás” seria, por
conseguinte, aquela mais escolarizada, mais bem sucedida, mais original, mais urbana e mais
cosmopolita. E esta é sem dúvida, a escolha feita pelo sacerdote Daniel, no seu processo de
“busca” religiosa.
REFERÊNCIAS:
VERGOLINO E SILVA, Anaíza. O Tambor das Flores. Uma análise da Federação Espírita
Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará (1965 – 1975). Dissertação de
Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da
Universidade estadual de Campinas. Campinas: 1976.