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O FILHO DA BUSCA: Etnografia e biografia do Babalorixá Daniel Sena Lopes

Leonardo Maciel Margalho1

Introdução:

Este artigo parte de um relato da carreira religiosa do Babalorixá Daniel Sena Lopes, em cuja
casa de Santo, o Centro de Manifestações Mediúnicas Oxalufã, tenho participação ativamente.
Minha trajetória acadêmica mantêm um elo com a minha inserção pelo universo das religiões
de matriz africana. Na graduação em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia que
realizei pela UFPA, desenvolvi uma pesquisa sobre o tema da “Interiorização religiosa Afro-
Brasileira no Pará: a expansão do culto Mina-Nagô no município de Abaetetuba”, no ano de
1997, orientado pela Profª Mestra Anaíza Vergolino. Posteriormente em 2010, ingressei no
Curso de Especialização em Educação para as Relações Étnico-Raciais pelo IFPA, no qual
desenvolvi uma pesquisa com o título “Centro de manifestações mediúnicas Oshalulã: como
ser africano sem ser puro, orientado novamente pela Profª Msc Anaiza Vergolino. No ano de
2012 ingressei no Mestrado em Ciências da Religião, pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará, no qual defendi a dissertação com o
título “Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã: uma forma cosmopolita de ser afro-
religioso”, orientado pela Profª Drª Taissa Tavernard de Luca, com a co-orientação da Profª
Msc Anaiza Vergolino. Quero destacar que durante meu percurso neste mestrado tive a honra
de participar do Grupo de Estudos das Religiões de Matriz Africana na Amazônia
(GERMAA). Posteriormente passei a representar o GERMAA na região do Baixo-Tocantins,
dando continuidade às ações de estudos e pesquisas de temáticas afro-religiosas.

1. Apresentando o pai Daniel Sena Lopes:

1
Mestre em Ciências da Religião pelo Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião da UEPA, Licenciado
em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia pela UFPA, Especialista em Educação para as relações étnico-
raciais pelo IFPA, representante do GERMAA na região do Baixo-Tocantins e professor de Sociologia no Ensino
Médio e das disciplinas das Ciências Humanas em Faculdades de Abaetetuba.
Figura 1

Arquivo Daniel Sena Lopes - Daniel em Conferência na Associação Comercial de Abaetetuba como
Presidente do Conselho Fiscal.

O personagem central de minha pesquisa de Mestrado, é Pai Daniel Sena Lopes.


Abordei o seu trânsito pelos segmentos da Umbanda, do Candomblé Ketu e Mina-Nagô. A
esse trânsito chamado de “busca” tentei traduzir como seu processo de procura, conhecimento
e de encontro final, com aquele segmento que melhor respondia à sua sensibilidade e
inteligência.
Essa “busca” não é aquela encontrada entre os chamados “errantes da fé”, isto é,
daqueles homens que sucessivamente batem à porta das tantas modalidades de ofertas
religiosas sem se fixarem em nenhuma delas porque nenhuma parece responder à sua procura
existencial. Movendo-se, no interior do universo das religiões de matriz africana, o processo
de “busca” do sacerdote que examinei difere daquele padrão em que o médium se sente
“evoluído” mediunicamente da Umbanda até chegar a alguma modalidade de Candomblé
(ketu, angola, jêje) e, ali chegando procura se “especializar” o mais que possa na modalidade
escolhida pela busca das raízes, pelo aprendizado da língua africana, adotando assim uma
espécie de exclusivismo religioso.
Como será visto a seguir, a “busca” de meu informante tem, ao contrário, as marcas do
inclusivismo religioso à medida em que ele circula por três segmentos religiosos de matriz
africana – a Umbanda, Mina-Nagô e o Ketu para não se confinar em nenhum deles, mas sim,
para beber na fonte dos três e, juntando elementos dessas fontes, construir uma realidade de
ordem superior e finalmente responde à sua “busca”.
Seu nome civil é Daniel Sena Lopes, branco, nascido em 25 de maio de 1964, solteiro,
Bacharel e Licenciado em Geografia pela Universidade Federal do Para (UFPA) no ano de
1997; com Pós-Graduação Lato Sensu (Especialização) em Metodologia do Ensino pela
Universidade do Estado do Pará (UEPA) no ano de 1998; Gestão Escolar pelo Centro de
Ensino Superior do Pará (CESUPA) no ano de 2005 e Gestão Empresarial pela Universidade
Corporativa, no ano de 2009.
Seu Curriculum Vitae traduz seu perfil de intelectual que, ao contrário do homem
religioso buscou se especializar na área da Educação.

Figura 2

FONTE: Arquivo Daniel Sena Lopes – Curriculum profissional de Daniel S. Lopes


Na vida sacerdotal é “feito” no Candomblé Ketu na cidade de Fortaleza capital do
Estado do Ceará pelo sacerdote Brenio T’y Oya (Brenio Oliveira da Costa) com quem
“assentou” seus orixás que são: Oshalufã e Yemanjá.
Possui uma segunda iniciação no segmento Mina-Nagô, tradição afro-paraense, que
foi realizada por “Mãe Emília” (Maria Emília Miranda da Cruz) que por sua vez é “filha” dos
orixás Iansã e Xangô/Badé. Na sua casa-de-culto – Centro de Manifestações Mediúnicas
Oxalufã cultua os seguimentos da Umbanda, do Candomblé Ketu e do Mina-Nagô. Após esta
breve apresentação civil e religiosa do sacerdote, começo analisar o inicio de sua história de
vida.

2. Na história de vida da família, o ethos evangélico.


“O nome civil do sacerdote religioso personagem da presente dissertação é Daniel
Sena Lopes”, filho do casal Dária Sena Lopes e Sebastião Aleixo Lopes, ambos natural do
município de Marapanim. Sua mãe era descendente de uma africana com um inglês; seu pai
era descente de indígenas e chinês. Ambos nasceram e se criaram na zona rural de
Marapanim, filhos de agricultores. Sua mãe Dária, casou-se pela primeira vez muito jovem
tendo do primeiro casamento um casal de filhos. Após o falecimento de seu primeiro marido,
casou-se novamente com o senhor Sebastião. O casal resolveu mudar residência para o
município de Salinas onde morou durante 10 anos. Após esse período mudou-se para Belém
do Pará fixando residência na Trav. Barão do Triunfo s/n, no bairro da Pedreira.
Mesmo nascidos e criados na zona rural seus pais adquiriam habilidades profissionais
por terem tido momentos de estadias em Belém. Sua mãe Dária era uma exímia costureira,
habilidade adquirida em criança desde seus nove anos de idade, quando morou num curto
período de um ano com sua “madrinha”; professora, pianista, pertencente a uma família
tradicional de Belém, a família Moura Palha. Sua mãe destacava-se pelas condições de
autodidata. Em curto período de tempo aprendeu a ler e a escrever, obteve noções de música,
bordado, tecia tricô, fazia pinturas em tecido, destacando-se pela bela voz e a habilidade que
possuía para cantar. Com esses conhecimentos retornou ao seu lugar de origem, ao seio de sua
família contribuindo para a formação de seus irmãos. Dária era a segunda filha e tinha
orgulho de dizer que bordou e costurou o enxoval de seus 10 irmãos mais novos. Sobressaia-
se pelo interesse de aprender coisas novas, era altamente disciplinada, organizada e criativa.
Extremamente exigente quanto a hábitos de posturas sociais.
Seu Pai Sebastião, também obteve curto período de estadia em Belém. Como aluno de
escola rural, teve a sorte de ser reconhecido por sua inteligência em ocasião de uma visita do
então governador do Estado do Pará Joaquim Magalhães Barata. Em sua escola, quando o
Governador entrou na sala de aula e a professora exigia a atenção de todos os alunos para a
autoridade máxima que estava ali presente, o aluno Sebastião continuava cabisbaixo
escrevendo. Percebendo isso, o governador Magalhães Barata dirigiu-se à sua carteira para
verificar o que estava acontecendo e constatou que o aluno Sebastião estava concluindo o
desenho do próprio governador Magalhães Barata. Daquele momento em diante, o aluno
passou a fazer parte da comitiva do governador, recebendo total destaque pela sua habilidade
de desenhar com apenas 12 anos de idade. Após a visita, o governador do Estado do Pará,
solicitou aos seus pais que enviasse imediatamente Sebastião Aleixo para Belém do Pará,
onde o mesmo passou a frequentar o Instituto Lauro Sodré – extinta Escola Profissionalizante.
Durante sua estadia no Instituto, Sebastião adquiriu várias habilidades profissionais como
alfaiataria, tocar clarinete e “riquinta”, fazer serviços de entalhamento de imagens e peças
diversas de escultura. Aprendeu ainda restauração de imagens sacras, carpintaria naval e civil
e, finalmente, com a que mais se identificou foi com a marcenaria, especificamente a
movelaria na qual ganhou reconhecimento dentro e fora do Estado do Pará.
Retornando à vida conjugal do casal Dária e Sebastião após casarem passou um
período de 20 anos sem ter filhos, período esse em que os filhos do primeiro casamento de
Dária, cresceram, formaram-se e decidiram buscar novos horizontes no sul do País, no Estado
de São Paulo. O casal teve uma formação religiosa católica, pois ambos faziam parte do coral
da igreja católica de São Sebastião no lugarejo pertencente ao município de Marapanim.
Sebastião Aleixo exercia liderança comunitária e Dária por suas habilidades profissionais e
sociais também mantinha uma liderança importante na comunidade.
Certo dia foi convidado por amigos da Assembleia de Deus para fazer uma visita a
essa igreja para assistir um culto evangélico. Portador de uma profunda habilidade de
comunicação foi convidado a “aceitar Jesus” comovido pelo clima de acolhida entre os
membros da igreja ali presentes. Foi nessa ocasião que manifestou, ou seja, confessou
publicamente o seu interesse em integrar a denominação evangélica da Assembleia de Deus –
isso por volta do ano de 1954.
A grande expectativa de receber uma bênção para Sebastião Aleixo era ter filhos, o
que aconteceu em 1963, com o nascimento do primeiro filho do casal Moisés Sena Lopes; e
em 25 de maio de 1964, com o nascimento de Daniel Sena Lopes às 19h (sexta-feira) em sua
residência na Trav. Barão do Triunfo, parto assistido por uma parteira bastante respeitada por
suas habilidades de benzedeira.
Mesmo o casal sendo evangélico não existia nenhuma preocupação em escolher
nomes bíblicos aos filhos que fossem nascendo, tanto que o nome –Daniel -foi
espontaneamente dado pela própria parteira que usou a seguinte expressão na hora do parto –
“nasceu Daniel”, sua mãe Dária Sena Lopes achou muito bonito o nome dizendo que tinha
tudo a ver com seu filho – uma criança branca de grande estatura e olhos claros. Daniel, com
pouca diferença de idade de seu irmão mais velho, passou a ser o centro das atenções para o
casal, ambos com idade acima de 40 anos já possuíam uma formação religiosa bem
estruturada, pois contavam com 10 anos como membros da Assembleia de Deus. Seu pai,
Sebastião exercendo a função de pastor, levou a comunidade evangélica a realizar uma grande
“festa espiritual”, um culto no antigo templo da Assembleia de Deus na travessa 14 de março
– hoje considerado o templo central – onde Daniel Sena Lopes, foi apresentado, segundo o
relato de seus pais. Eles contavam que aquela noite havia sido, maravilhosa, vários membros
consagrados da Igreja falaram “línguas estranhas”, profetizando que aquela criança ora
apresentada, trazia consigo o dom espiritual muito lindo e uma missão sacerdotal que jamais
poderia deixar de ser cumprida.
Em 1966, Dária Sena Lopes e Sebastião Aleixo Lopes, decidiram sair de Belém para
São Paulo objetivando ali fixar residência. Essa viagem foi fruto de um sonho que seu pai o
Senhor Sebastião tivera e não conseguira interpretar, mas como nas décadas de 50 e 70 existia
uma irmã, membro da Assembleia de Deus em Belém, respeitadíssima em fazer revelações
espirituais, confuso e preocupado com o sonho que Sebastião teve, o casal procurou a casa da
irmã “Maria Batalha”, descendência indígena, que após fazer, orações e ler a Bíblia fazia
previsões, interpretava sonhos e fazia revelações. O sonho que Sebastião tivera tratava-se de
uma imagem contemplativa sobre uma cidade, onde seres flutuantes em cima de feixe de
lenha visualizavam uma cidade totalmente moderna, iluminada, tráfego imenso de carros, de
pessoas, muitos prédios, indústrias, etc. Quando passava no solo, em torno de si, começava a
brotar vários tipos de grãos e hortaliças, muito rápidos, depois o feixe de lenha retornava ao
lugar de origem. Maria Batalha descreveu esse sonho aos pais de Daniel com o seguinte
“discernimento da serva de Deus”, segundo o linguajar evangélico foi o seguinte: “vocês irão
fazer uma grande viagem ao sul do País, onde já existe a modernidade e o progresso. Serão
muito abençoados e prósperos financeiramente em curto período de tempo, tudo vai dar certo,
porém vocês irão voltar – pois aqui existe uma grande missão a ser cumprida. Seu pai possui
uma missão sacerdotal e seu filho menor também – tudo vai iniciar quando vocês retornarem
a Belém”.
A previsão feita pela “irmã Maria Batalha” se cumpriu nos mínimos detalhes em São
Paulo. Ao retornar de São Paulo, a família de quatro pessoas (Dária, Sebastião, Moisés e
Daniel), foi morar na Avenida Dalva, nº 562 no bairro da “Velha Marambaia”. No retorno a
Belém, seus pais resolveram mudar de denominação evangélica – saíram da Assembleia de
Deus e passaram a ser membros efetivos da Congregação Cristã no Brasil, conhecida como “a
Igreja do véu”, onde as mulheres ocupam lugares dentro do tempo separadas dos homens e se
cobrem com um véu branco de nylon ou filó2.
Daniel, repetidamente, continuava a ouvir a afirmativa de que um dia seria um líder
religioso. Que existia um ministério religioso que lhe aguardava. Que jamais poderia deixar
de assumir essa missão.
Acontece que, essa missão pré-destinada aconteceria no contexto das religiões de
matriz africana, isto é, de religiões mediúnicas com experiência da possessão (cf Lewis, 1977)

3. – A carreira “afro” na voz do informante


Ao narrar sua carreira religiosa, pai Daniel divide a mesma no que chama de
“momentos”, a saber, o 1º momento (1978), da “constatação” mediúnica; o 2º momento
(1979/1983) fase marcada pelo que chama de “tratamento mediúnico”; 3º momento
(1984/1992) marcado pela sua “iniciação mediúnica”; 4º momento (1993/1996) fase que
chama de “visitando os terreiros”; 5º momento (1996/2008) o de sua “iniciação no
candomblé” e finalmente o 6º momento (2004/2010) como a “retomada e iniciação no tambor
de Mina”. Para falar dessa trajetória utilizamos a periodização feita pelo próprio informante.

4. A constatação mediúnica (1º momento)


Na sua narrativa esse primeiro momento aconteceu quando ele estava com quinze anos
de idade (1978). Ele conta que foi com três anos de idade que começou a ter manifestações
mediúnicas ainda pouco decifráveis. Era a visão de um “velho com um cajado”, o qual ele
chamava de “O velho da bengala”, referindo-se ao orixá de cabeça de Daniel e sua
indumentária. Com o passar do tempo começaram a surgir problemas de saúde, tais como:
mal estar, indisposição e muita irritação com a criança, o que deixou a família, em especial
seu pai, em situação desconfortável, pois os mesmos eram membros de uma congregação
cristã, em que o pai pastor que era, tinha um filho que apresentava crises estranhas para os
padrões religiosos evangélicos. À medida que o tempo foi passando, a situação se aprofundou,
pois já não era somente a “visão do velho”, mas o quadro evoluiu para conversas entre aquela
visão e o jovem Daniel, o qual relatava que a visão lhe dizia: “você será meu!” ou “vou lhe
oferecer muitas coisas que você vai gostar”.

2
Quero observar que este texto se trata da transcrição de um longo depoimento elaborado por meu próprio pai de
santo. Conservei-o na integra por razões metodológicas de colocar os dados à disposição do leitor, mas,
sobretudo, como forma de manter com a narrativa, a memória que meu pai de santo tem de seus queridos e
falecidos pais. (Nota do autor)
Sua mãe começou então a se desabafar com a vizinhança, sobre seu filho mais novo
que tinha esses problemas. Foi quando a sua vizinha Dona Deusarina, após ouvir o relato de
Dona Dária se prontificou a levar o jovem Daniel, para procurar à senhora Marieta Assunção
Lucas, conhecida como “Mãe Marieta”, que tratava desses casos. Dona Dária aceitou ajuda da
vizinha.
Isto ocorreu no ano de 1978. A casa da “Mãe Marieta” era cheia de muitas pessoas
para serem atendidas, porém, ao ver o jovem Daniel, já com 15 anos de idade, foi logo lhe
dando, um passe, rezando e dizendo: “Você, jovem, é de missão, só que eu Marieta, não irei
fazer nada a não ser isso aqui (o passe); procure alguém que possa lhe ajudar. ”
A afirmação foi um choque para toda a família, até porque foi avisado dos riscos que
Daniel estaria correndo, caso não iniciasse um tratamento chamado “desenvolvimento
mediúnico”. O maior entrave naquele momento era a questão religiosa da família. Como
trazer a público, aquela situação?
Com as idas de Daniel à casa de Mãe Marieta, as crises se acalmaram
temporariamente; mas, como nenhum tratamento espiritual tivesse sido iniciado, o quadro
continuou. Na fala de nosso informante, percebe-se aqui uma tensão que acontece:

“Quando surgiu a preocupação por parte de meus pais a respeito do que as pessoas
iriam pensar e falar de uma família tradicionalmente evangélica ter um filho
envolvido com “Macumba” (Daniel 01/10/2003) ”.

Com essas manifestações mediúnicas, criou-se um impacto muito grande porque essa
experiência do transe não tinha nenhuma correlação com o tipo de formação religiosa que até
então ele recebera.
Evidentemente, o surgimento desse dom foi problemático para o jovem Daniel, porém
não há aqui um conflito do tipo expulsão de casa a ponto do sujeito ter que pedir ajuda e “ir
morar com amigos” como ocorreu nos casos registrados por Vergolino e Silva no trabalho O
Tambor das Flores (1976).
O problema aconteceu quando ele começou a identificar as manifestações mediúnicas
como “afro”, configurando uma tensão que era mais de ordem religiosa e social como declara
o informante sobre o conflito.

“Sim. Quando as manifestações mediúnicas começaram a surgir criou-se um


impacto muito grande por não ter nenhuma correlação com o tipo de formação
religiosa que eu possuía. Esse conflito aconteceu quando eu comecei a me
identificar com as manifestações mediúnicas afro” (Daniel 09/12/2013).
5. A Iniciação mediúnica (3º momento)
Compreende o período entre 1984 e 1992, quando ele estava na casa dos seus 20 a 28
anos de idade e acontece na casa-de-santo de Cleonice Carvalho (Mãe Cleonice) que morava
em Belém e cultuava a Mina.
Com o falecimento de mãe Giloca, Daniel rumou para a capital do Estado orientado
por sua prima que já conhecia mãe Cleonice. No ano de 1984, foi a Belém para conhecer mãe
Cleonice que residia na Trav. Nena Barreto no bairro do Telégrafo. Ficou naquela casa até o
ano de 1992, tendo, portanto oito anos de tratamento mediúnico na Mina. Foi lá que recebeu o
seu primeiro “Amaci”, banho de ervas com a finalidade de fortificar sua cabeça enquanto
médium. Ali também, Daniel passou a identificar melhor suas entidades, a saber: Yemanjá,
Ogum, Toya Jarina, Rompe Mato, Preto Velho, Mãe Maria da Angola e Pai Joaquim. Em
dezembro do ano de 1992, sua então “mãe de santo” de Mina, faleceu.
A partir de 14 de abril de 1979, passa a funcionar o Externato Caminheiro do Bem, em
sua residência, passando em 1990 para Centro Escolar “Caminheiro do Bem” legalizado junto
ao Conselho Estadual de Educação – CEE e passa a funcionar em regime de convênio com a
Secretaria Estadual de Educação – SEDUC. Sendo que Daniel Sena Lopes, já pertencia ao
quadro efetivo de professores da SEDUC desde 1985.

6. Visitando os Terreiros (4º momento)


No período entre os anos de 1984 e 1996, passou a visitar terreiros em Belém e em
Abaetetuba na busca de se congregar em algum deles. Foi nesse circuito que conheceu Mãe
Nenê Gaia (Umbanda), em Belém do Pará. Em companhia de Mãe Cleonice visitou várias
vezes a casa de Pai Bené. Antes de frequentar a casa de Mãe Cleonice em Belém, passou pela
casa de Pai Paulo Cardoso (Mina Nagô), em Abaetetuba/PA, em que chegou a “assentar o seu
anjo da guarda” por meio de ritual próprio, mas não teve afinidade com nenhuma dessas
casas.

7. Iniciação no Candomblé (5º momento)


A iniciação do sacerdote afro Daniel Sena Lopes aconteceu após quatro anos de
falecimento da Mãe Cleonice, ou seja, em 1996 quando ele conheceu o jovem Brenio Oliveira
da Costa, “Babalorixá Brenio Ti Oya Delejan”, o qual, por intermédio do jogo de búzios,
propôs para Daniel fazer o que os orixás lhe estavam cobrando.
A aproximação entre Brenio e Daniel ocorreu através do intermédio de sua cunhada
Rosa Calandrini, que na época era aluna do Ensino Médio na Escola Estadual de Ensino
Fundamental e Médio Prof. Bernardino Pereira de Barros, onde Daniel já trabalhava como
professor.
Foi quando Daniel tomou a iniciativa de ir até a residência de Pai Brenio para jogar os
búzios e retomar seu processo iniciático. Houve uma grande simpatia em torno do diálogo que
ocorreu entre os mesmos, Daniel identificou-se com pai Brenio e o acolheu como o seu novo
pai-de-santo.
Pai Brenio que morou um período em Abaetetuba, resolve fixar residência em
Fortaleza/Ceará dando prosseguimento a sua missão Afro-Religiosa, estrutura seu terreiro no
segmento Candomblé Ketu e Daniel passa a realizar suas obrigações periodicamente em
Fortaleza/Ceará.
Com a realização do seu primeiro “bori de ejé”, Pai Brenio fez em Daniel um “ebó de
limpeza”, tirou a “mão de vumi” (a energia da mão da mãe de santo falecida), “assentou” os
seus “exus catiços” e seu orixá Oshalufã, dono do seu ori (cabeça), conferindo-lhe ainda a
“mão de Jogo de búzios”.
A partir desse período, Daniel se iniciou nos “fundamentos” do 3º segmento afro – o
Candomblé Ketu, mas sempre orientado pelo Babalorixá Brenio a não misturar os
“fundamentos”, isto é, os objetos portadores de axé (força sagrada), de cada um desses
segmentos, já existentes no CEMMO (Centro de Manifestações Mediúnicas Oxalunfã).
O Babalorixá não fez nenhuma objeção com relação à permanência dos segmentos de
Umbanda e Mina, já cultuados no CEMMO. Em virtude da sobrecarga de trabalho como
Diretor e Professor da SEDUC, Daniel esperou doze anos para realizar sua “feitura”
(iniciação ritual).
Durante o período de 1996 a 2008, Pai Brênio realizou quatro “Boris de ejé” em
Daniel. Em julho de 2008, Daniel, já aposentado da SEDUC, realizou sua “feitura”. No
Candomblé de Ketu com o Babalorixá Brenio no ILÉ OYA OBIRIN GBADAGAN,
localizado na Rua Doutor Antônio Carneiro, nº 382, Bairro Vicente Pizon, na cidade de
Fortaleza, Estado do Ceará. Pai Daniel foi iniciado no Ketu, tendo como 1º Orixá Oshalufã,
2º Orixá Yemanjá e 3º Orixá Yansã.
No mesmo período de 05 a 10 de janeiro de 2010, “pagou obrigação” de um ano de
santo com o Babalorixá e no período de 26 de agosto a 04 de setembro de 2011, “pagou
obrigação” de três anos em Abaetetuba já no espaço do CEMMO, através do “assentamento”
de seu “carrego de santo” (Exu Lalu, Ogum Já, Oxum Yeye Alá, Oxoguiã Babá Etejan e Aira
Itila).
Atualmente, o segmento Ketu está praticamente com seus “assentamentos”
concluídos, faltando apenas o “assentamento” das divindades “Odudua” e “Orumila”.
Foi através do jogo de búzios, que o Babalorixá Brenio definiu o nome da casa =
(CEMMO) no segmento Ketu em Yorubá, a saber, – “IGBÁ ASÉ IBIN LAYÉ”, com a
seguinte tradução: “Assentamento das forças que passaram na terra e as encheu de alegria”. O
Orixá dono da cumeeira é Ogum e a dona do Axé é Yemanjá.
No entanto, surgia uma necessidade espiritual, o de desenvolver as entidades caboclas,
pois o Candomblé Ketu não trabalha com entidades caboclas. Sobre isso o próprio Daniel
relata que:

“A nação Ketu, não assenta e nem desenvolve mediunidade de caboclos, comecei


sentir falta de um tratamento mediúnico para receber minhas entidades caboclas
(Dona Jarina, Seu Rompe Mato, etc.) porque no Ketu, cultuam-se somente os orixás.
Sacerdote Afro Daniel Sena Lopes” (Daniel 08/11/2012).

No culto os seus caboclos, eram para Daniel, uma grande lacuna religiosa, pois desde
o inicio de sua missão sempre fora acostumado a cultuar essa classe de entidades. E foi essa a
razão que o levou a um retorno à tradição Mina.

8. Retomada e iniciação no tambor de Mina (6º momento)


Esse último momento de sua carreira compreende os anos de 2004 e 2010 quando ele
estava na fase dos 40 a 46 anos de idade.
Depois de 12 anos, em seu primeiro caminho com a Mina na casa de mãe Cleonice,
Daniel retornou ao Mina do Pará, agora com a senhora Maria Emília Miranda da Cruz, “Mãe
Emília”, proprietária do Terreiro de Mina Nagô Toya Jarina, localizado, no bairro do Benguí,
em Belém – Pará.
A escolha da pessoa religiosa que deveria iniciá-lo na Mina é outra das singularidades
de sua carreira uma vez que, a mesma surgiu no contexto de um evento cultural-religioso e
com a mediação de dois intelectuais, sendo um deles adepto e o outro pesquisador das
religiões de matriz africana.
O evento em questão foi o lançamento do CD “Ponto de Santo” que finalizava um
projeto de etnomusicologia desenvolvido pela pesquisadora Anaíza Vergolino (UFPA) e
patrocinado pela Secretaria de Cultura do Estado (SECULT), no ano de 2004. A festa de
lançamento aconteceu no espaço histórico “Feliz Luziânia” em uma noite de lua cheia, as
margens da Baía do Guajará, e contando com a presença maciça do chamado “povo do santo”
que cantava e fazia ofertório ritual a Oxum entidade das águas doce. Desse modo, o evento
que deveria ser apenas cultural, ganhou densidade religiosa, sobretudo quando renomadas
lideranças religiosas da Mina entraram em transe com suas entidades. Uma dessas lideranças
foi a médium Maria Emília Miranda da Cruz (Mãe Emília), muito notória no mundo da Mina
com sua cabocla-chefe, dona Mariana. Daniel que se encontrava na assistência acompanhado
por mim, que já pertencia à sua casa-de-santo, sentiu grande empatia por aquela mãe de santo
e logo me pediu que solicitasse à pesquisadora que o colocasse em contato com aquela mãe-
de-santo.
A identificação entre ambos foi mútua e imediata e assim, entre os anos de 2004 e
2010, sua busca pela Mina finalmente se concretizou. Nesse período de sete anos, Mãe Emília
cuidou da “feitura” de Daniel realizando “amacis” ─ liquido preparado com folhas sagradas,
maceradas e repousadas ─ com as quais pacientemente ia banhando a cabeça de seu novo
“filho”. Zelou seus “otás” (pedras sagradas), e demais objetos rituais. Em outubro de 2010,
Daniel cumpriu seu 7º “amaci” tendo então recebido, o título de “sacerdote pleno” do culto
afro-religioso da Mina-do-Pará.
Mãe Emília fez ainda o “assentamento dos orixás” Yemanjá e Ogum; no Mina Nagô;
fez o “assentamento” do Terreiro consagrando o mesmo à entidade Toya Jarina; e consagrou
os tambores do terreiro para a entidade Toya Jarina, Yemanjá e Oxalá, tendo “assentado”
também o “indá” (segurança/axé) da casa de santo. Iniciou-se na casa uma fase de festas
públicas com toque de tambor e assim, o Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã
surgia plenamente como espaço de culto Mina. Conforme explana o informante:

“É evidente que cada rito possui as características específicas, quando estou dando
um passe na Umbanda não posso afirmar que é igual a um rito de descarrego na
Mina. Considero que cada um complementa o outro dentro da minha concepção, não
existe para mim um mais importante que o outro. Na Umbanda tenho os Exus
Catiços, Zé Pilintra, Preto Velho e as Almas. Na Mina tenho os senhores de toalha
(nobres), os caboclos. No Ketu tenho os Orixás” (Daniel 01/10/2013).
Figura 3

Foto do Arquivo Daniel Sena Lopes: Terreiro Mina-Nagô Toya Jarina em Belém-PA.
Figura 4

FONTE: Arquivo Particular de Daniel Sena Lopes

9. Um religioso cidadão do mundo


O Pai-de-Santo Daniel participa sempre que pode de excursões por vários estados e
cidades na busca de um aprimoramento, focado sempre na área da educação e da religião
afro-brasileira, a qual professa. Tem participação ativa em congressos nacionais, é sempre
convidado para mesas redondas, debates e seminários na área a qual vem gradativamente
buscando aperfeiçoamento. Para ele, mesmo o turismo torna-se também uma vertente na
busca do religioso, porque sempre inclui: visitação a museus, a terreiros, a pais e mães de
santo para troca de informações sobre a religião, ele já passou por cidades como: Rio de
Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Curitiba, etc., complementando seus
passeios turísticos com informações religiosas.
Daniel sempre procura manter uma leitura atualizada nas suas áreas de interesse tais
como: educação e religião afro e, já está construindo um acervo tanto bibliográfico, quanto
fotográfico, musical, áudio-visual sempre voltado para área afro-religiosa.
Busca sempre se atualizar de modo geral, sobre todos os assuntos do momento, e
constantemente busca informações na Internet e na literatura que abrange o assunto religião
afro-brasileira. Essa constante busca de conhecimento certamente está ligada à sua formação
intelectual. (ANEXO 2)
Por ocasião da realização do I Encontro de Religião de Tradição Africana em Vigia
realizado em 28 de Agosto de 2013, mesmo encontro em que participou a acadêmica, a sua
orientadora Taissa, o professor e sacerdote afro Daniel Sena Lopes foi convidado pela
coordenação do evento não somente para assistir, também para participar de uma Mesa
Redonda, falando de sua experiência nas nações Mina e Ketu. Entre outros Sacerdotes
presentes, destacou-se por sua apresentação ao tratar dos segmentos afros com discernimento
e fundamento religioso. Tanto é que 15 Sacerdotes presentes ao Encontro demonstraram total
apreço por sua posição dentro da Religião Afro. Sua fala fundamentou-se em elementos
importantes dentro do culto Afro-Brasileiro como: a criação de espaço sagrado – O Terreiro
(recriação da natureza); o culto à natureza – seus elementos simbólicos (mineral vegetal e
animal); e a preservação das tradições religiosas, a saber; a origem de santo, a família de
santo, a fidelidade ao Axé de nascimento; preceito e sua postura religiosa dentro e fora do
terreiro. Suas observações provocaram a participação de Pais de Santo local, para falar mais
abertamente de suas experiências religiosas e pedir orientações sobre vários aspectos da
religião ao sacerdote Daniel. A partir desse momento criou-se um laço de amizade, confiança
e respeito com sacerdote resultando em outras visitas para tratar de assuntos Afro-religiosos.
A convite de uma filha de santo da casa, Pai Daniel foi participar do festejo no Estado
do Maranhão do Vodun Badé no Terreiro de Mina Pedra de Encantaria do Pai de Santo José
Itaparandi. O que concretizou um antigo desejo seu, pois, durante ser adepto praticante da
Mina do Pará ele ainda não tinha tido a oportunidade de frequentar uma casa de culto afro de
Mina Vodun. Essa oportunidade aconteceu de maneira surpreendente e a busca de
fundamentos Jéje foi alcançada a partir do seu encontro em São Luís do Maranhão, com Pai
Itaparandi.
O terreiro possui uma estrutura de espaço físico espaçoso. A postura de dezenas de
filhos de santo em relação ao visitante foi das melhores. O respeito às entidades cultuadas e
mais ainda, o tratamento recebido consagrou esse laço entre dois pais de santo Daniel e José
Itaparandi.
A segunda visita de Pai Daniel ao Maranhão ao terreiro de Pai José Itaparandi, foi
retribuída com a visita deste último ao CEMMO, em Abaetetuba, proporcionando momentos
de grande felicidade para os dois adeptos Afro-brasileiros.

10. Interpretando a “busca”


Penso ter deixado claro ao longo da descrição da trajetória do sacerdote Daniel seu
modo de pensar e agir, e suas atitudes em síntese, sua “postura afrorreligiosa” que, como
vimos, apresenta duas marcas: o inclusivismo e a circulação.
Desde o início sua carreira sacerdotal se construiu pontuada pelo trânsito, pelo
movimento e pela circulação, sendo que vale apena remarcar que esse trânsito nunca se
confundiu com a transitoriedade do comportamento daqueles médiuns do tipo “errantes da
fé”. E se no inicio de sua carreira ele foi aquele sujeito que “visitou casas”, isto ocorreu
porque sabia exatamente o que queria quando deu início ao longo processo de construção do
que ele mesmo costuma chamar de “o Daniel religioso”.
No roteiro de viagem de sua “busca” religiosa seu itinerário o levou a percorrer três
trajetos com idas-e-vindas pelos caminhos e veredas da Umbanda, do Min-Nagô e do
Candomblé Ketu. Trilhou as veredas da Umbanda quando frequentou as casas de Marieta
Assunção de Lucas (Mãe Marieta) e Julieta dos Santos Carvalho (mãe Giloca) ambas, já
falecidas, em Abaetetuba; e em Belém quando esteve com “Mãe Nenê Gaia”, a então
Presidente da Federação Espírita Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará
(FEUCABEP) e dirigente da extinta “Seara de Umbanda Olhar de Jesus”, uma das mais
renomadas “casas de santo” com frequência da classe média na Belém dos anos 60 e 70.
Como se percebe, Daniel circulou por Casas e lideranças de grande renome, mas o então
médium não se filiou a nenhuma delas porque sua “busca” tinha outros critérios. Seu itinerário
iria finalizar somente quando tivesse os dois encontros que marcariam a sua vida religiosa.
O primeiro com Brênio Oliveira da Costa, seu pai-de-santo no Candomblé Ketu que, como
vimos, é de outra capital (Fortaleza) e outro Estado (Ceará). Como pessoa religiosa Brênio
T’y Oya com Odé Oxossi. Como pessoa civil é um homem novo, branco, olhos verdes,
cabeleireiro de um salão “top de moda” da elite de Fortaleza, é profissional sempre em
contato com os grandes centros da estética brasileira.
O segundo, com Maria Emília Miranda da Cruz (Mãe Emília), sua mãe-de-santo no
culto Mina-Nagô. Residente em Belém é mulher de ascendência negra, muito respeitada no
santo, professora e Diretora aposentada de um estabelecimento de Ensino Particular. É a
fundadora e dirigente do “Terreiro de Mina-Nagô Toya Jarina”. Sendo filha de Xangô e
Yansã, é admirada pelos seus pares religiosos incluindo até mesmo os candomblecistas, como
uma mulher “guerreira”, impetuosidade que é atenuada pelos anos que trabalhou no
magistério. Atualmente é a Presidente eleita da Federação Espírita Umbandista e dos Cultos
Afro-brasileiros do Estado do Pará (FEUCABEP).
Observando essas escolhas feitas por Pai Daniel é possível perceber que estamos
diante de um processo de mudanças socioculturais quando se trata das religiões de matriz
africana e do qual um sacerdote com o seu perfil é um bom exemplo. Ele é “feito” no
Candomblé Ketu, mas não se iniciou na Bahia, reconhecida Meca do Candomblé no Brasil.
No primeiro momento de sua carreira ele abre mão do prestígio simbólico que poderia
angariar sendo “filho” de qualquer uma das renomadas lideranças que estiveram em fácil
alcance de suas mãos em Belém. Por que razões?

Fonte:: Arquivo particular Daniel S. Lopes – seus criadores Mãe Emília


Mina-Nagô e Pai Brenio Candomblé Ketu.

Inicialmente, devemos observar que, se existem religiosos, sobretudo dentre os


adeptos do Candomblé, para quem um “retorno à África” seja um investimento simbólico em
razão dos ganhos políticos, das políticas públicas, existem adeptos para quem a
“africanização” (busca de raízes, aprendizado da língua, etc.), seja, como observou Prandi
(2006), uma espécie de “culto aos orixás à moda antiga” e que, por assim ser, não lhe desperte
o interesse. Deste modo, atualmente.

“Cada um, a partir da África e fora do circuito dominante do candomblé baiano,


reconstrói seu terreiro selecionando os aspectos que lhe pareçam mais convenientes
ou interessantes. Nesse sentido, a africanização é bricolagem, também é invenção de
tradições. Não é à volta ao original primitivo, mas a ampliação do aspecto de
possibilidades religiosas para uma sociedade moderna, em que a religião é também
serviço e, como serviço, se apresenta no mercado religioso de múltiplas ofertas,
como dotada de originalidade, competência e eficiência”. (Prandi, 2006, p. 106/107).

Pode-se então concluir que uma “forma moderna de culto aos orixás” seria, por
conseguinte, aquela mais escolarizada, mais bem sucedida, mais original, mais urbana e mais
cosmopolita. E esta é sem dúvida, a escolha feita pelo sacerdote Daniel, no seu processo de
“busca” religiosa.

REFERÊNCIAS:

PRANDI, Reginaldo. Referências Sociais das Religiões Afro-Brasileiras. Sincretismo,


Branqueamento, Africanização” IN Faces da Tradição Afro-Brasileira. Religiosidade,
Sincretismo Reafricanização, Práticas Terapêuticas, Etnobotânica e Comida/ Carlos Caroso,
Jefferson Bacelor (organizadores) – 2ª Ed. – Rio de Janeiro: Pallas Salvador, BA: CEAD,
2006.

VERGOLINO E SILVA, Anaíza. O Tambor das Flores. Uma análise da Federação Espírita
Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará (1965 – 1975). Dissertação de
Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da
Universidade estadual de Campinas. Campinas: 1976.

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