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Introdução
Temos assistido nas últimas décadas a um envelhecimento progressivo da
população, assim como o aumento da prevalência do câncer e de outras doenças
crônicas(1). Em contrapartida, o avanço tecnológico alcançado principalmente a
partir da segunda metade do século XX, associado ao desenvolvimento da tera-
pêutica, fez com que muitas doenças mortais se transformassem em doenças crô-
nicas, levando a longevidade dos portadores dessas doenças. No entanto, apesar
dos esforços dos pesquisadores e do conhecimento acumulado, a morte continua
sendo uma certeza, ameaçando o ideal de cura e preservação da vida, para o qual
nós, profissionais da saúde, somos treinados.
Os pacientes “fora de possibilidade de cura” acumulam-se nos hospitais, re-
cebendo invariavelmente assistência inadequada, quase sempre focada na tentati-
va de cura, utilizando métodos invasivos e de alta tecnologia. Essas abordagens,
ora insuficientes, ora exageradas e desnecessárias, quase sempre ignoram o sofri-
mento e são incapazes, por falta de conhecimento adequado, de tratar os sintomas
mais prevalentes, sendo o principal sintoma e o mais dramático, a dor. Não se
trata de cultivar uma postura contrária à medicina tecnológica, mas questionar a
“tecnolatria”(2) e refletirmos sobre a nossa conduta, diante da mortalidade huma-
na, tentando o equilíbrio necessário entre o conhecimento científico e o humanis-
mo, para resgatar a dignidade da vida e a possibilidade de se morrer em paz.
Cada vez mais encontramos em nossos serviços pacientes idosos, portado-
res de síndromes demenciais das mais variadas etiologias ou com graves seque-
las neurológicas. Devemos enfrentar o desafio de nos conscientizar do estado de
abandono a que estes pacientes estão expostos, inverter o atual panorama dos
cuidados oferecidos e tentarmos implantar medidas concretas, como: criação de
recursos específicos, melhoria dos cuidados oferecidos nos recursos já existentes,
formação de grupos de profissionais e educação da sociedade em geral(3). Os Cui-
dados Paliativos despontam como uma alternativa, para preencher esta lacuna nos
cuidados ativos aos pacientes.
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Breve história dos Cuidados Paliativos
O Cuidado Paliativo se confunde historicamente com o termo Hospice. Esta
palavra data dos primórdios da era cristã quando estas instituições fizeram parte da
disseminação do cristianismo pela Europa(4). Hospices eram abrigos (hospedarias)
destinados a receber e cuidar de peregrinos e viajantes, cujo relato mais antigo
remonta ao século V, onde Fabíola, discípula de São Jerônimo, cuidava de viajan-
tes vindos da Ásia, África e dos países do leste, no Hospício do Porto de Roma(5).
Várias instituições de caridade surgiram na Europa no século XVII abrigan-
do pobres, órfãos e doentes. Esta prática se propagou com organizações religiosas
católicas e protestantes, e no século XIX passaram a ter características de hospi-
tais. As Irmãs de Caridade Irlandesas fundaram o “Our Lady’s Hospice of Dying”
em Dublin em 1879 e a Ordem de Irmã Mary Aikenheads abriu o “St Joseph’s
Hospice” em Londres em 1905(4).
O Movimento Hospice Moderno foi introduzido por uma inglesa com forma-
ção humanista e que se tornou médica, Dame Cicely Saunders. Em 1947 Cicely
Saunders, formada recentemente como Assistente Social e em formação como
enfermeira, conheceu um paciente judeu de 40 anos chamado David Tasma, pro-
veniente do Gueto de Varsóvia. David recebera uma colostomia paliativa devido
a um carcinoma retal inoperável. Cicely o visitou até sua morte, tendo com ele
longas conversas. David Tasma deixou-lhe uma pequena quantia como herança,
dizendo: “Eu serei uma janela na sua Casa”. Este foi, segundo Cicely Saunders,
o ponto de partida para o compromisso com uma nova forma de cuidar(4). Dessa
forma, em 1967 funda o “St. Christopher’s Hospice”, cuja estrutura não só per-
mitiu a assistência aos doentes, mas o desenvolvimento de ensino e pesquisa,
recebendo bolsistas de vários países(6). Logo à sua entrada podemos ver a janela
de David Tasma.
Cicely Saunders relata que a origem do Cuidado Paliativo moderno inclui
o primeiro estudo sistemático de 1.100 pacientes com câncer avançado cuidados
no St. Joseph’s Hospice entre 1958 e 1965. Um estudo descritivo, qualitativo foi
baseado em anotações clínicas e gravações de relatos de pacientes. Este estudo
mostrou o efetivo alívio da dor quando os pacientes foram submetidos a esquema
de administração regular de drogas analgésicas em contrapartida de quando rece-
biam analgésicos “se necessário”. Este trabalho publicado por Robert Twycross
nos anos 1970 põe por terra mitos sobre os opiáceos. Foram mostradas evidências
que os opiáceos não causavam adição nos pacientes com câncer avançado e que a
oferta regular destes medicamentos não causavam maiores problemas de tolerân-
cia. O que se ouvia nos relatos dos pacientes era alívio real da dor(4).
Profissionais de outros países, principalmente dos Estados Unidos e Canadá
após período de experiência no St. Christopher’s Hospice, levaram a prática dos
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Cuidados Paliativos para seus países de origem. Na década de 1970, o encontro
de Cicely Saunders com Elisabeth Klüber-Ross nos Estados Unidos fez com que
o movimento Hospice também crescesse naquele país.
Em 1982 o Comitê de Câncer da Organização Mundial de Saúde-OMS criou
um grupo de trabalho para definir políticas para o alívio da dor e cuidados do tipo
Hospice para pacientes com câncer, e que fossem recomendados em todos os países.
O termo Cuidados Paliativos, já utilizado no Canadá, passou a ser adotado pela OMS
devido à dificuldade de tradução adequada do termo Hospice em alguns idiomas(7).
A OMS publicou sua primeira definição de Cuidados Paliativos em 1990:
“Cuidado ativo e total para pacientes cuja doença não é responsiva a tratamento
de cura. O controle da dor, de outros sintomas e de problemas psicossociais e
espirituais é primordial. O objetivo do Cuidado Paliativo é proporcionar a melhor
qualidade de vida possível para pacientes e familiares”. Esta definição foi revisa-
da em 2002 e substituída pela atual.
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Baseados no princípio bioético da autonomia do paciente através do consenti-
mento informado, possibilitando que ele tome suas próprias decisões, no princípio
da beneficência e da não maleficência, os Cuidados Paliativos desenvolvem o
cuidado ao paciente visando à qualidade de vida e à manutenção da dignidade
humana no decorrer da doença, na terminalidade da vida, na morte e no período
de luto.
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2. Afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal da vida
Bernard Lown em seu livro “A arte perdida de curar” afirma: “As escolas
de medicina e o estágio nos hospitais os preparam (os futuros médicos) para
tornarem-se oficiais-maiores da Ciência e gerentes de biotecnologias comple-
xas. Muito pouco se ensina sobre a arte de ser médico. Os médicos aprendem
pouquíssimo a lidar com moribundos... A realidade mais fundamental é que hou-
ve uma revolução biotecnológica que possibilita o prolongamento interminável
do morrer”(9).
O Cuidado Paliativo resgata a possibilidade da morte como um evento na-
tural e esperado na presença de doença ameaçadora da vida, colocando ênfase na
vida que ainda pode ser vivida.
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dá ao corpo sua dimensão imaterial, oculta, divina ou sobrenatural que anima a
matéria. O espírito conecta o ser humano à sua dimensão divina ou transcenden-
te”. É mais este aspecto, o da transcendência, do significado da vida, aliado ou
não à religião, que devemos estar preparados para abordar. Sempre lembrando
que o sujeito é o paciente, sua crença, seus princípios.
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observarmos o paciente sob todas as suas dimensões e a importância de todos
estes aspectos na composição do seu perfil para elaborarmos uma proposta de
abordagem. Ignorar qualquer dessas dimensões significará uma avaliação incom-
pleta e consequentemente uma abordagem menos efetiva e eficaz dos sintomas. O
sujeito da ação é sempre o paciente, respeitado na sua autonomia. Incluir a família
no processo do cuidar compreende estender o cuidado no luto, que pode e deve
ser realizado por toda a equipe e não somente pelo psicólogo. A equipe multipro-
fissional com seus múltiplos “olhares” e percepção individual pode realizar este
trabalho de forma abragente.
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O Cuidado Paliativo no Brasil
O Cuidado Paliativo no Brasil teve seu início na década de 1980 e conheceu
um crescimento significativo a partir do ano 2000, com a consolidação dos servi-
ços já existentes, pioneiros e a criação de outros não menos importantes. A cada
dia vemos surgir novas iniciativas em todo o Brasil. Ainda temos muito que cres-
cer, levando-se em consideração a extensão geográfica e as enormes necessidades
do nosso país. Desta forma, será maior a nossa responsabilidade em firmarmos um
compromisso para, unidos num único propósito, ajudarmos a construir um futuro
promissor para os Cuidados Paliativos, para que um dia, não muito distante todo
cidadão brasileiro possa se beneficiar dessa boa prática.
Referências
1. Monteiro, M. G. F. Transição demográfica e seus efeitos sobre a saúde da popula-
ção. In. Barata, R. B., Barreto, M. L., Almeida Filho, N.,Veras, R. P. Equidade
e Saúde: Contribuições da Epidemiologia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/ABRASCO, 1997.
2. Pessini, L. Distanásia: até quando investir sem agredir? Bioética 4, p. 31-43, 1996.
3. GALRIÇA NETO I. Pequeno Manual Básico de Cuidados Paliativos – Região de
Saúde de Lisboa.
4. Saunders, D. C. Introduction Sykes N., Edmonds P.,Wiles J. “Management of Ad-
vanced Disease” 2004, p. 3-8.
5. Cortes, C. C. Historia y desarrollo de los cuidados paliativos. In: Marcos G. S., ed.
Cuidados paliativos e intervención psicossocial em enfermos com câncer. Las palmas: ICEPS;
1988.
6. PESSINI, L. Cuidados paliativos: alguns aspectos conceituais, biográficos e éticos.
Prática Hospitalar, 2005; (41), p. 107-112.
7. MACIEL, M. G. S. Definições e princípios. Cuidado paliativo, CREMESP, 2008; (1-I),
p. 18-21.
8. TWYCROSS, R. Medicina Paliativa: Filosofia e considerações éticas. Acta bioética,
ano VI, nº 1.2000.
9. SIQUEIRA, J. E. Doente terminal. Cadernos de bioética do CREMESP. Ano 1 vol. 1.
2005.
10. SAPORETTI, L. A. Espiritualidade em Cuidados Paliativos. Cuidado paliativo,
CREMESP, 2008; (4-I), p. 522-523.
11. FRANCO, M. H. P. Multidisciplinaridade e interdisciplinaridade-psicologia. Cuidado
paliativo, CREMESP, 2008(1-III) 74-76.
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