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Não acredite em tudo o que lê

Pode parecer exagero, mas não é. Em tempos de


compartilhamento fácil da informação isso se faz mais do que
necessário

Ana Holanda

As redes sociais podem nos aproximar de pessoas que


admiramos, que moram longe ou para resgatar antigas
amizades. E também costumam ser uma boa fonte de
informação desde que você cheque o que lê antes de replicar.
Isso mesmo. É cada vez maior a quantidade de notícias falsas,
conforme alerta o jornalista e cientista social Diogo Antonio
Rodriguez. “As mentiras hoje podem chegar a milhares de
pessoas. Vidas podem ser arruinadas por conta de boatos.
Pessoas podem ser expostas a humilhações públicas”, alerta.
Diogo é criador do Me Explica?, plataforma de jornalismo
explicativo, de política a tratamentos médicos. E é defensor da
importância de checarmos toda notícia que nos é apresentada
de maneira chamativa.

O que é a chamada pós-verdade?

“Pós-verdade” é um termo que entrou na moda. Ele


descreve a ideia de um mundo em que mais importante que
relatar fatos é ser convincente. Isso aconteceria devido à
dificuldade de saber a verdade sobre qualquer assunto. A
internet seria a culpada de nos inundar com informações,
tornando a verificação de qualquer tipo de verdade impossível.

Como isso surgiu?


Esse termo começou a aparecer na internet de maneira
espontânea e se tornou um chavão para falar do mundo em que
vivemos. É essencial saber que, de fato, o mundo está repleto
de informações e, mais importante, falsas. O fato de existir um
termo como pós-verdade mostra que estamos com dificuldade
de entender e contextualizar os acontecimentos. Hoje,
recebemos diversos materiais pelo celular, muitas vezes
vindos de familiares, falando sobre assuntos variados. Na
grande maioria das vezes, é impossível saber se a informação é
verdadeira. Como estamos muito ocupados, acabamos não
pensando muito naquilo e, na dúvida, repassamos o conteúdo.
Essa é uma das maneiras pelas quais ajudamos a construir a
pós-verdade.

Devemos checar tudo o que lemos?

Pode parecer neurose, mas o ideal seria que checássemos


tudo. Como isso é impossível, os jornalistas são, em teoria, os
responsáveis por fazer isso. Mas um dos problemas que
enfrentamos agora é que, na prática, qualquer um pode
publicar o que quiser, seja verdade, seja mentira. Basta ter uma
conexão com a internet. E muita gente se aproveita dessa
facilidade para manipular a população. Existem indícios disso,
no Brasil e no exterior. Um exemplo é a interferência da Rússia
nas eleições americanas, um caso que está sendo investigado.

O que podemos fazer para


checar minimamente uma informação?

Existem várias técnicas fáceis. Em primeiro lugar, não


acredite em conteúdos que chegam sem links. Essa triagem já
consegue eliminar uns 60% das notícias falsas. Mesmo que
exista um link, olhe com cuidado se ele é mesmo do veículo que
diz representar. Diversos sites confundem as pessoas usando
nomes de jornais e revistas famosos com pequenas variações
para “pegar” os leitores. Quando estiver lendo a matéria
original no link, procure ler o texto até o fim. Muita gente usa
uma velha técnica do mau jornalismo, o sensacionalismo, para
espalhar informações falsas usando uma matéria verdadeira.
Quando você lê o texto, não encontra a tal informação ali. Se
você não souber se um site é confiável, olhe outras matérias.
Veja se ele fala de outros assuntos, se usa manchetes
sensacionalistas e catastróficas. Se sim, desconfie. Preste
atenção também ao uso de adjetivos. Eles são um sinal de que
ou o texto é opinativo, ou está tentando manipular sua opinião.
Textos informativos evitam adjetivos.

Quais as consequências de compartilhar


inverdades?

Informações falsas podem até matar. Em 2014, no


Guarujá (SP), uma página de Facebook espalhou um retrato
falado de uma mulher que supostamente usava crianças em
rituais de magia negra. Uma mulher foi confundida com o
retrato e, apesar de não ter qualquer relação com esse tipo de
ritual, foi linchada e morreu. Imagine isso numa escala de
milhares de pessoas. Podemos tomar decisões erradas a
respeito do nosso voto, podemos acusar pessoas por crimes
que elas não cometeram. Especialistas afirmam que Donald
Trump se beneficiou de notícias falsas para ganhar a eleição
presidencial nos EUA, embora não se possa atribuir sua vitória
apenas a isso. Outro caso famoso é o do referendo a respeito do
Brexit, que também viu uma inundação de dados falsos a
respeito da economia britânica, que podem ter induzido muita
gente a votar pela saída do Reino Unido da União Europeia.

Que conselho você daria para evitar que as


mentiras se propaguem?
Acho que as pessoas deveriam ter mais calma na hora em
que recebem algo, principalmente em aplicativos de
mensagens, como o WhatsApp. Devem olhar para aquilo de
maneira crítica: “Será que é verdade?”, “Onde posso encontrar
uma fonte confiável para checar isso?”. Digo que, geralmente,
se algo parece bom demais para ser verdade, geralmente esse
algo é mentira. Conteúdos que dizem exatamente aquilo que a
gente pensa podem ser armadilhas. Sempre tome cuidado com
o que todo mundo diz que é verdade.

Muitas vezes, a certeza das pessoas não se baseia em


fatos. Todos temos o direito de ter opinião, mas não podemos
usar mentiras para confirmar o nosso ponto de vista. Outra
coisa importante é sempre procurar ler jornais, revistas, blogs
e sites que fazem jornalismo de verdade. Os jornalistas são
profissionais treinados e preparados para procurar fatos,
confirmá-los, e contá-los a nós. Parece uma coisa fácil de ser
feita, mas não é. Leva tempo, custa dinheiro e é necessário ter
pessoas que sabem fazer isso. De novo, escrever na internet
qualquer um consegue. Fazer jornalismo é outra história. E nós,
hoje, precisamos de jornalistas mais do que nunca.
(Fonte: Revista Vida Simples, 13/05/2020. Disponível em:
https://vidasimples.co/transformar/nao-acredite-em-tudo-o-que-le/.
Acesso em: 01/09/2020.)

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