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Promovido pela Prefeitura de Belo Horizonte, através da Fundação

Municipal de Cultura/Diretoria de Teatros, com curadoria de Fernando


Mencarelli e Nina Caetano, o projeto Laboratório: Textualidades
Cênicas Contemporâneas cumpriu sua primeira etapa, a realização de
um seminário com especialistas da área, focando os teatros pós-
dramáticos, a cenas hibridas, as interlinguagens e as dramaturgias da
cena. A segunda etapa inicia-se com pesquisas e oficinas nos espaços do
Teatro Francisco Nunes, com apresentações artísticas em novembro de
2007.

No dia 18/08, Luiz Fernando Ramos, encenador, dramaturgo, crítico e


documentarista, professor da USP, falou sobre Mimese, estética e
cena contemporânea. Ele começou apresentando o conceito de
mímese numa perspectiva filosófica. A mímese, que difere da diegese,
por ser a primeira uma narrativa direta sem mediação e a segunda uma
narrativa indireta, quando alguém diz de algo para outro alguém, era
tomada por Platão como imitação de uma imitação. Já que o mundo
sensível é uma cópia das idéias originais, a mímese dos artistas era,
portanto, uma cópia da cópia. E, por conseguinte, sem valor para a
educação da juventude.

Já em Aristóteles, prossegue Luiz Fernando, o poeta - o fazedor de


mundos - ocupa um lugar diverso. Em vez de ser desvalorizada, a
mímese favorece o aprendizado. A catarse que ela provoca, em termos
de piedade e pavor, colocaria as pessoas da cidade em contato com
suas próprias realidades, diria, projetadas à sua frente. A mímese em
Aristóteles tem a ver com a potência de reprodução da vida - o
verossímel. E não com o conceito de adequação, como seria posta pelos
neo-clássicos, no século XVII. Como tekné, a arte é uma capacidade
igual a da natureza, que o poeta, portanto, domina. A mímese, surge,
assim, numa ambivalência: de um lado, tomada como cópia, do outro,
tomada como capacidade produtiva.

Ramos, então, passa a focar o pensamento de Kant, para o qual a arte


deixa de possuir um sentido finalista, tornando-se um jogo livre entre
imaginação e entendimento. Torna-se, assim, livre das regras
neoclássicas, que haviam capturado a mímese como adequação com
uma realidade. O conferencista passa por Wagner e Nietzsche,
apontando, por fim, para o movimento anti-mimético e anti-teatral, que
irá caracterizar o século 2o. Para Luiz Fernando, esse movimento será
basicamente anti-teatral, no sentido de colocar em crise a
representação. Artaud, por exemplo, diria que se trata não mais de
repetir a vida (o que faria o conceito de mímese como imitação), mas de
reinventá-la (o que poderia, sob outra visada, ter a ver com mimese
como produção de vida). O que Luiz Fernando conecta imediatamente
com Brecht, por outra via: o social como invenção e a cena intervém na
produção dessa re-invenção.

Luiz Fernando Ramos abordou, ainda, Beckett, que seria um artista


emblemático da crise da representação. Perpassa, então, por toda uma
gama de artistas que questionam o estatuto da imitação, chegando a
discutir A encenação que Henrique Diaz fez de A Gaivota, recentemente
no Brasil (2007). Nesse espetáculo, os procedimentos de construção da
personagem, que deveriam ficar de fora, fazendo parte somente do
processo, entram no resultado, na cena. E, antes de tudo, influenciam
na narrativa. Ou seja, tornam-se narrativa. Aqui, ocorreria, segundo
Ramos, uma cena fracassada (que não se completa, numa visão
positiva) aguçando a crise da representação. A mímese, entendida como
potência de vida e não como adequação do objeto a uma verdade ou
realidade que lhe é exterior, pode ser, nas trilhas traçadas por Luiz
Fernando Ramos, um modo de ver a crise da representação.

No dia 14, seria a conferência de Fernando Villar, autor, diretor,


ecenador e ator, lecionando na UnB, que falaria sobre sobre as
Dramaturgias Híbridas. Infelizmente, Villar ficou impedido de vir por
causa de um pequeno acidente, antes de sair de Brasília. Foi acertado,
então, sua vinda no dia 10 de setembro, a fim de as pessoas possam
partilhar de sua apresentação sobre o tema.

Nesse dia, o curador Fernando Mencarelli, para que as pessoas não


perdessem a viagem, apresentou um vídeo sobre Tadeuzs Kantor, A
Classe Morta, e um trecho de The Dead Dream of Monocleone Man, do
grupo de Teatro Físico inglês, DV-8. Discutiu-se as especificidades
dessas narrativas e suas relações com a análise que Lehmann faz do
que ele denomina teatro pós-dramático.

Dia 15 foi a vez de Christine Greiner, que abordou a Reinvenção do


Corpo no Japão do pós-guerra. Greiner exibiu imagens de quatro
experiências corpóreas sobre a mulher na cena janonesa: a mulher/atriz
no Teatro Nô, o homem que faz o papel de mulher no Kabuki, Hijikata
com a performance intitulada A Menina e um Anime, no qual o corpo da
mulher se camufla com o ambiente. Christine Greiner avança sobre a
noção de impermanência na cultura japonesa, abordando
especificamente a cena do pós-guerra. A recusa de Hijikata, quanto ao
corpo samurai, assim como em relação ao corpo nacional e, ainda, aos
modelos ocidentais, é apresentada por Greiner e discutida mais
demoradamente: um corpo precário - um corpo cadáver. O contexto da
cultura japonesa do pós-guerra teria, segundo Greiner, impulsionado
nessa direção: o Imperador é obrigado a renunciar como ser divino e
assumir sua condição humana. A idealização dos corpos que vimos no
Nô e no Kabuki depara-se com outro plano corpóreo: corroído e
atravessado por todo tipo de forças. Vendo a projeção em vídeo da
performance de Hijikata pude sentir o que Deleuze e Guattari entendem
por Corpo sem Órgãos.

O público, composto por artistas de dança, teatro, performance e outras


áreas, discutiu muito, também, a modernização do Japão, a questão das
identidades culturais, voltando, ainda, às informações sobre o estado da
arte da cena vanguardista japonesa.

No dia 16, Houve a mesa redonda com a presença dos criadores da


cena contemporânea belo-horizontina. Falaram Inês Kinke, artista
plástica e criadora cênica, Ione Medeiros, do Grupo Oficcina Multimédia,
Tarcísio Ramos e Gabriela Christófaro, bailarinos-criadores. A mediação
foi dos curadores Fernando Mencarelli e Nina Caetano.

Ione Medeiros expos um breve histórico do Grupo Oficcina Multimédia,


sua origem , sua criação nos anos 70 pelo músico Rufo Herrera, como
um grupo de pesquisa da Fundação de Educação Artística, liderada esta
pela musicista Berenice Menegalle. Traçou as suas influências e
motivações estéticas que levaram à criação de uma cena outra: os
procedimentos sincréticos (eliminação de toda informação supérflua,
ilustrando-o com o desenho do Touro de Picasso), de distorção, como é
o caso da caricatura, e de assimetria (exemplificando com a escultura de
Alber Giacometti). Ione ainda falou da ruptura com a visão tradicional
da personagem no drama teatral, apresentando, no seu lugar, festos e
movimentos que ampliam o foco, além do desenvolvimento de funções
práticas na cena (carregar coisas etc.), passando pela música e pelo
ruído como elementos dispostos não hierarquicamente, juntamente com
a imagem, o texto falado e os objetos. Trata-se, como ela disse, da
criação de uma tessitura interdisciplinar.

Tarcísio e Gabriela falaram desse lugar fronteiriço entre teatro e dança,


na busca por uma dramaturgia da dança. Tarcísio enfatizou as seguintes
linhas de abordagem da questão: a) a dramaturgia do corpo do
bailarino; b) a dramaturgia da cena; c) a da cena como pontos
estruturados em conexões com os demais elementos; c) a dramaturgia
de fundo, como sendo o inconsciente do espetáculo, com seus silêncios
e pausas e a dramaturgia que, se não me engano, refere-se ao que está
sendo feito diante do público.

Inês Link, uma artista plástica alemã que vive em Belo Horizonte,
explorou sua conexão com as artes cênicas a partir das questões
relativas à instalação. Sua questão ou pergunta: como o espaço pode
afetar fisicamente os atores. Para ela, trata-se de saber como as
materialidades influenciam os atores na criação. Ela procura convidar o
público a adentrar no jogo cênico tomando, para tal, uma composição
cênica que trabalha com a justaposição de realidades heterogêneas. Um
pensamento de criação que passa por uma nova percepção da realidade.
Além disso, Inês expõs suas pesquisas em que pensa a cidade de modo
cenográfico: ocupações, instalações, percursos etc.

Laboratório é o nome desse projeto. A segunda parte vem com as


oficinas de Antônio Araújo e Fernanda Lippi para os Núcleos de Criação,
com apresentações artísticas em Novembro de 2007.

Para saber mais:


Sobre Buto:
Vídeos sobre performances de Hijikatta no YouTube
BOGÉA, Inês (ed.) e Luisi, Emidio (fotos) Kazuo Ohno. São Paulo: Cosac&Naify, 2002.
GREINER, Christine. Butô - Pensamento em Evolução. São Paulo: Escrituras, 1998.
BAIOCCHI, Maura. Butoh - Dança Veredas D'Alma. São Paulo: Palas Athena, 1995.

Sobre Teatro Pós-dramático:

LEHMANN, Hans-Thies. Postdramatic Theatre. New York: Routledge, 2005.


COHEN, Renato. Working in progress na cena contemporânea. São Paulo: Perspectiva,
1998.

Sobre a retomada do conceito de Mímeses:


COSTA LIMA, Luiz. Mímesis e modernidade: formas das sombras. RJ: Graal Editora,
198

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