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Curso Como Pacificando as relações internas e externas

Facilitador: João Vale – versão de 02.04.15

A carência

A carência é um estado alterado de consciência. Como o desejo, ele retira o foco de si para
acreditar que a felicidade (plenitude) está em algo. Mas se o desejo consegue estabilizar essa
relação, consegue imaginá-la e concretizá-la (ficando, porém, preso no apego) a carência não.
Ela não consegue estabilizar a relação com o objeto de desejo. A carência cria uma ilusão
permanente, nunca preenchida. Seguimos fazendo várias coisas, mas aquela sensação de
“fome” não se sacia. Seguimos insaciáveis, não importa a quantidade de coisas que fazemos.
Na psicologia budista, podemos mesmo ter várias coisas, fazer várias coisas, mas ao nos
olharmos nos vemos como sendo seres incapazes e sem nenhum valor. Ao olharmos para o
que temos, sempre olhamos na perspectiva da falta. A carência é a mestra de apontar o que
falta em si e nos outros. Diferente do desejo, que possui energia, força, mesmo que seja para
buscar algo “estável” que realmente não é estável, a carência possui como uma força
propulsora para baixo. Nada realmente a agrada, nada realmente é satisfatório. Presa na
carência, a pessoa vive refém de ilusões, que pode incluir colecionar relações achando que um
dia vai encontrar uma pessoa ideal ou mesmo se depreciar constantemente, acreditando que
não é boa o suficiente. Na carência, a pessoa está pronta para olhar para o karma e a
impermanência como uma maldição que foi colocada sobre si ou sobre os outros, sem
capacidade de transformá-lo. A pessoa é incapaz de reconhecer as causas e condições que
levaram-na para aquele sofrimento, ela só acha que a vida é triste e, por isso, ela é triste,
impotente. O carente não consegue entender a magia da natureza, a diversidade dos
fenômenos, a potência do fogo, da água, da terra e do ar. Ela não acredita na potência das
coisas, mas sim na negatividade por isso a carência se conecta tanto com a avareza. Por ter
uma ilusão grande do que é a felicidade e se acharem muito indignos do quer que seja, as
pessoas presas na carência são incapazes de doar, de oferecer. Sempre acham que a menor
migalha que possuem pode faltar no futuro, por isso se diz que os fantasmas famintos, os
seres que estão presos na carência, possuem coleções de tesouros guardadas, mesmo que não
consigam se satisfazer com aquilo. Preocupam-se em acumular, sem se saciar. O nome
“fantasmas famintos” é muito bom porque fome todos temos, mas um fantasma com fome é
uma experiência muito difícil, porque imagine que você tenta abocanhar a comida mas não
consegue realmente. Várias vezes você tenta, mas atravessa a comida. E a fome segue.
Perceba que existem duas formas básicas de carência: uma é por ansiar o tempo todo por
algo externo que nunca vem. Como diz Patrul Rinpoche – Às vezes, veem ao longe um pomar
com árvores frutíferas. Como antes, se aproximam, mas ao chegar perto veem que as árvores
enormes estão todas secas e murchas (Palavras do meu professor perfeito, p.145). Perceba
que a expectativa no caso dos fantasmas famintos é muito grande. Nesse caso, eles nem
conseguem chegar perto do que tanto anseiam porque estão ansiando sempre mais e mais. O
ponto deles não é a satisfação, mas a ânsia. A outra forma, a pessoa entra em contato com o
que deseja, mas ela envenena aquilo. É uma mente que se auto-sabota o tempo todo, se auto-
pune e, por isso, pune e julga os outros, vê o mundo como um lugar muito difícil para si e para
os outros. Ela não se se vê como negativa como vê, sempre, o lado negativo de tudo. Ambas as
formas estão focadas numa ausência completa de generosidade (e oposição a generosidade
dos outros). Se falta tanta coisa no mundo, como posso oferecer? E mais, como posso oferecer
sem receber nada em troca? Impensável! Lama Samten no livro A Roda da Vida (p.30) mostra
como uma sociedade onde não estamos satisfeitos com nada, viciados em facilidades e
comodidades, traz consequências desastrosas para nós e para a vida coletiva.

Os quatro aspectos da carência (Corpo, Energia, Mente e Paisagem)

Corpo: quando estamos carentes nosso corpo é frio e sem força, qualquer coisa pode nos
machucar porque estamos completamente reféns das circunstâncias. No entanto, somos
capazes de nos submeter a muitas dificuldades para tentar alcançar nosso objetivo, ainda que
não vamos realmente conseguir. A fome constante acostuma o corpo a muitos sofrimentos,
mas ela acha tudo aquilo natural porque não consegue ser de outro jeito.

Energia: a energia da carência é um vetor para baixo. Uma força que nos empurra para baixo,
para a auto-humilhação, auto-depreciação. No entanto, você pode ver pessoas que
aparentemente estão bem, mas possuem uma energia de fantasma faminto em algum aspecto
de suas vidas e elas realmente se transformam, querendo mais e mais daquilo sem nenhuma
saciedade, tornando-se viciadas emocionais. Por outro lado, outras pessoas seguem um
processo de forte energia de depressão ao envelhecerem por quererem ser jovens para
sempre. Outras se auto-punem e auto-criticam o tempo todo, julgando e punindo as pessoas.

Mente: a mente da carência pode tanto chegar perto do que deseja e entrar em um processo
de sabotamento, envenenando as relações com um diálogo mental depreciativo ou pode nem
chegar perto, afirmando que tudo é muito difícil e usar justificativas mentais para provar isso.
Ela sempre está usando justificativas negativas ou criando diálogos mentais depreciativos.

Paisagem: Sabemos facilmente se estamos presos na carência se – ao olharmos nos espelho,


acreditamos que não podemos ser felizes (plenos). Isso mostra uma carência fundamental –
uma zona de impossibilidade. Não nos achamos dignos, não achamos os outros (ou o mundo)
digno. Não achamos que podemos realmente fazer diferente, não achamos que o outro pode
faze diferente. Há um forte vetor para baixo que não apenas uso em mim, como também nos
outros (e no mundo).

DUKKA

Dukka: lembre-se a carência faz parte do sofrimento “dukka” isto é, ela traz sensações
confortáveis embora traga muito desconforto. É uma expectativa muito alta, um sonho, um
devaneio, em outras palavras, uma tentativa de buscar estabilidade em uma ilusão. Muitas
vezes fica parecendo que os fantasmas famintos eram humanos que conseguiram muitas
coisas e ficaram tão apegados a elas que queriam ter mais e mais, não se importando mais
para que as coisas eram, mas apenas em ter e ter. É como se você gastasse todo o seu dinheiro
em uma liquidação maravilhosa dos seus objetos de desejo preferidos no shopping. Você não
tem mais dinheiro, mas, mesmo assim quer mais e mais daquilo e, mesmo sem dinheiro, quer
saber quando vai se a próxima liquidação maravilhosa. Algumas pessoas chegam a realmente
ficar transtornadas se ocuparam um papel especial e depois não ocupam mais. Ficam
querendo voltar para aquela ilusão, repetir as mesmas coisas que faziam naquela época, usar
as mesmas roupas, etc. Estão completamente viciadas na ilusão, vivem dentro dela. Embora
nos iludirmos possa ser um pouco engraçado e mágico às vezes, o sofrimento e as
consequências disso são bem grandes e, pelo que vemos, não vale mesmo a pena.

Os cinco elementos na carência

Lembre-se:

1. Quando está dentro da carência, você se cria dentro do mundo da carência. (éter)

2. O ar que você inspira já é o ar da carência, ele expande no seu corpo e na sua vida. (ar)

3. Esse ar ao entrar no seu sangue e oxigenar seu corpo, oxigena o corpo da carência (fogo)
produzindo uma sensação de vivacidade da carência.

4. Ao expirar, você relaxa e aprofunda a experiência da carência, reafirmando-se nesse lugar.


(água), acomodando você aí na carência

5. Quando você termina de expirar, antes de inspirar, uma estabilidade surge. Essa
estabilidade é a concretude da carência, é a certeza completa de que esta é a sua experiência,
de que não é possível outra (terra). Essa experiência fecha um ciclo completo e voltamos a
inspirar dentro da carência.

(Evite compartilhar esse texto sem a respectiva instrução de como liberar as pessoas dessa
emoção. Conhecer a emoção é muito importante para gerar honestidade mental, mas saber
como se libertar dela – através da prática da motivação ou das várias outras – é mais
importante ainda porque isso é o que nos faz ajudar mesmo a nós mesmos e aos outros)

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