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LÚCIFER
NO ÉDEN
A HISTÓRIA NÃO CONTADA
BRUNO SUNKEY

ARAGUARI

2020
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SUMÁRIO

I. A VISÃO NO CAMPO ............................................................................................................. 3


II. DO CAMPO PARA O CÉU .................................................................................................... 8
III. A CRIAÇÃO DO MUNDO ................................................................................................... 11
IV. O PLANO INFERNAL......................................................................................................... 17
V. A EXECUÇÃO DO PLANO ................................................................................................. 22
VI. O DESFECHO FINAL ........................................................................................................ 28
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I. A VISÃO NO CAMPO

Era um domingo de manhã, acordei cedo para ir a um campo tomar

um ar. Era um campo verdejante, distante da cidade. Era possível

contemplar as belas montanhas, o céu azul e um lago de águas cristalinas

que estavam diante de mim. Passei todo o dia lá, sozinho, meditando e

em jejum. Sempre fui cético, mas decidi pedir a Deus ou a um ser

sobrenatural que se revelasse a mim, e ali estava eu à procura de uma

experiência básica do divino.

Um amigo havia me dito que eu encontraria Deus na natureza, por

isso retirei-me ao campo. Lembrei-me das palavras de minha falecida

mãe de que para entrar em contato com a divindade é preciso jejum e

meditação. Minha mãe sempre foi muito religiosa, buscou ensinar-me os

pilares de sua fé. Era uma católica muito devota, cuja religiosidade eu

admirava. Quando criança, eu ia às missas com ela, mas quando cresci,

percebi que nada daquilo fazia sentido para mim.

Na adolescência, vi minha mãe morrer de câncer. Logo me

perguntei: “Se há um Deus, por que ele deixaria isso acontecer?” Fiquei

completamente sem ninguém depois de sua morte. Nunca tive contato

com meu pai. Ele era casado com uma outra mulher, e minha mãe era

sua amante. Quando minha mãe engravidou, ele disse a ela que eu
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deveria ser abortado. Minha mãe se recusou a realizar o aborto, e meu

pai foi embora para desaparecer e nunca mais voltar.

Eu sempre odiei meu pai e não desejo conhecê-lo. Nunca fui atrás

dele, nem pretendo ir. Já minha mãe, logo depois que meu pai a

abandonou, começou a fazer parte de uma igreja. Foi graças à paróquia

que ela frequentava, que ela conseguiu receber ajuda para cuidar de

mim. Todo esse acolhimento que ela encontrou nos cristãos, fez dela uma

mulher de muita fé.

Sei que os cristãos ajudaram minha mãe, embora eu conheça

muitos crentes que são, na verdade, perversos e hipócritas. Até mesmo

o padre da paróquia da minha mãe foi acusado de pedofilia. Bem, eu não

sei se as acusações eram verdadeiras. Ele nunca fez nada comigo, talvez

porque eu sempre estivesse na companhia de mamãe. No entanto,

quando minha mãe faleceu de câncer, eu nunca mais quis colocar meus

pés na igreja.

Se Deus existe, por que ele levou mamãe? Como Deus poderia ser

tão cruel a ponto de permitir uma coisa dessas? Se Deus é bom e tem

todo o poder, por que coisas ruins acontecem? Ah, se eu fosse Deus e

tivesse todo poder! Eu jamais deixaria que coisas ruins acontecessem.

Eu transformaria os desertos em campos de alimento para que ninguém

passasse fome. Eu eliminaria todas as doenças e acabaria com a morte

para sempre. Mas Deus, mesmo tendo todo o poder, não faz nada disso!
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Pelo contrário, ele permite que crianças sejam abusadas sexualmente,

ele deixa milhões morrerem de fome e ele fecha seus olhos toda vez que

um estupro acontece.

Todas essas questões se passavam pela minha cabeça enquanto

me encontrava ali no campo. Apesar de todo meu ceticismo, queria dar

uma última chance a Deus. Logo, me coloquei a orar: “Deus, se você

existe, se revele a mim!” Comecei a repetir isso várias vezes, mas nada.

O campo parecia um lugar monótono e silencioso. Quanto mais eu

clamava para que Deus se revelasse, mais o silêncio e o vazio pareciam

se intensificar.

Quando a tarde se aproximava, senti muita fome, mas decidi

continuar o jejum. Lembrei-me da minha mãe. Então uma raiva e ódio

encheram meu coração, e eu bradei bem forte: “Deus, por que você levou

mamãe? Eu te odeio. Como pode fazer isso? Como pode me abandonar

dessa forma? Tudo que eu precisava era de um pai e o senhor poderia

ter sido meu “papai”. Mas você fez pior do que meu pai biológico. Meu pai

biológico deixou eu e mamãe, já você a matou!”

O sol começou a se pôr, a fome era forte, mas continuei firme. No

entanto, já começava a me sentir fraco. Deitei-me na grama e fiquei

contemplando as estrelas no céu. De repente, presenciei algo estranho.

Uma estrela cintilante parecia descer do céu, aproximava-se cada vez

mais de mim. No começo pensei ser um meteoro e estremeci de medo.


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Mas quanto mais se aproximava de mim, mais a estrela ganhava forma

humana. Teria Deus ouvindo minhas orações e enviado um sinal?

Ali estava eu sozinho, enquanto se descortinava diante de mim essa

impressionante visão. Estava fraco, tremia de pavor, o medo tomava

conta de mim e eu estava pálido. Tentei me levantar, mas estava sem

forças. A criatura se aproximou de mim, era um ser angelical, alto e com

asas. Quando o vi, seu brilho era tão forte que quase me cegou. Desmaiei

e perdi os sentidos.

Em seguida, a mão daquele ser me levantou, e eu fiquei ajoelhado

enquanto me apoiava nas palmas de minhas mãos. Olhei para o anjo, ele

encontrava-se vestido com linho branco, sua cintura era cingida por um

cinto de ouro. Seu corpo parecia-se com as atléticas estátuas gregas, seu

rosto brilhava como um relâmpago e seus olhos eram como chamas de

fogo. Olhei para os seus pés, e eles pareciam feitos de bronze polido.

Sua voz era tão forte que soava como a um trovão.

Ele então me disse: “Sou um poderoso anjo e escolhi você pois

desejo revelar-lhe minha real história. Compreendo seus sentimentos de

ódio contra Deus. Vim compartilhar contigo desses sentimentos e quero

que você descubra a verdade sobre o que vou te mostrar.” O anjo então

entregou em minhas mãos um livrinho e uma pena daquelas usadas para

escrever, e disse: “Anote tudo o que vou te revelar, você é o canal

escolhido para que mais pessoas saibam da verdade.”


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Foi assim que surgiu este pequeno livro. Ele é resultado destas

minhas visões no campo. Estas visões mudaram minha vida, descobri

que muita coisa foi ocultada dos livros sagrados e que toda história tem

mais de uma versão. Eu buscava Deus no campo e encontrei a verdade.

Melhor dizendo, a verdade me encontrou. Dedico, pois, este livro a todos

os amantes da verdade.
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II. DO CAMPO PARA O CÉU

Declaro que tudo que passo a relatar aqui é fiel e verdadeiro. Fui

arrebatado ao céu. Eu mesmo não sei dizer se fui para lá em meu próprio

corpo ou se foi apenas o meu espírito. Mas de qualquer maneira, estive

no lugar que os religiosos costumam chamar de paraíso e ouvi coisas que

ultrapassam as capacidades humanas de descrevê-las.

O céu era incrivelmente magnífico. Contemplei uma grande cidade

reluzente revestida de ouro. Foi me revelado ser ela a Jerusalém

Celestial. A Cidade cintilava com um brilho inconfundível, era coberta de

uma pedra muito preciosa de jaspe transparente, o mais belo e puro

cristal. Suas muralhas eram altas e largas e suas portas eram feitas de

madeira de cedro. Toda a cidade formava um cubo, cuja altura, largura e

comprimentos eram iguais, medindo dois mil e duzentos e vinte

quilômetros. A cidade era de ouro puro, transparente como o vidro mais

cristalino. Em suas muralhas, encontravam-se encrustadas pedras

preciosas.

Vi então o trono de Deus que ficava no centro da cidade. A luz que

rodeava o trono era intensa e me impedia de ver a face da divindade.

Além disso, o lugar onde Deus estava era cercado por um arco-íris e

criaturas estranhas voavam ao redor do trono. Do trono da divindade


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jorravam cintilações, como se todas as brilhantes estrelas se

concentrassem num mesmo lugar.

Vi ainda outros vinte quatro tronos, mas menores e sobre eles

estavam homens de barba e cabelos alvos como a neve. E esses vinte e

quatro velhos estavam todos vestidos de roupas de linho branco puro

com diademas de ouro em suas cabeças. Do trono saía um rio de águas

cristalinas. Então o anjo me revelou que esse era o rio da água da vida

que, claro como cristal, fluía do trono de Deus. Suas águas passavam

pelo meio da rua principal da cidade. De cada lado do rio estava a árvore

da vida, que era capaz de conferir imortalidade àqueles que se

alimentassem de seus frutos.

Vi que um belo anjo que se aproximava do trono e mantinha-se na

companhia de Deus. Essa criatura é aquela que ficou conhecida como a

brilhante estrela da alva, o filho da manhã, a luz que desponta com os

primeiros raios do sol. Seu nome é Lúcifer, o querubim ungido. Dele fala

o texto bíblico que diz: “Tu eras querubim ungido para proteger, e te

estabeleci; no monte santo de Deus estavas, no meio das pedras

afogueadas andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em

que foste criado, até que se achou iniquidade em ti.” (Ezequiel 28, 14-15).

Lúcifer era um grande querubim, fiel amigo de Deus e popular entre

toda a classe angelical. Mas não entendia a razão pela qual Deus

governava os céus com total exclusividade. Não concordava ele com toda
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a hierarquia de anjos. Por que algumas classes angelicais deveriam

dominar sobre outras? Suas dúvidas, Lúcifer não guardou para si, suas

ideias alcançaram o coração principalmente dos anjos de classes

inferiores. Diante de uma iminente rebelião, Deus reagiu e disse que

Lúcifer invejava seu poder. Os anjos entraram em guerra entre si,

divididos entre os fiéis a Deus e os seguidores da nova ideia.

Na minha visão, me foi revelado que um terço de todos os anjos

seguiam Lúcifer, mas perdendo a guerra, foram lançados no Caos

primordial. Lá ficaram por séculos em densas trevas. No entanto, num

certo dia espalhou-se a notícia: Deus criaria do caos um novo mundo,

povoado com novas espécies de criaturas. Lúcifer, então, convocou uma

assembleia com todos os anjos caídos, e lhes exortou dizendo: "Ainda

que extinta jaz a nossa glória, que em grande miséria nos encontremos,

nossa luta hoje ganha nova força. O Opressor Ovante que o Céu governa,

decidiu criar um mundo novo. Se esperto formos poderemos conquistar

para o nosso lado essas novas criaturas, e com mais adeptos em nossa

fileira, contra o Ditador Onipotente faremos guerra!"


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III. A CRIAÇÃO DO MUNDO

Foi-me revelado que antes de criar o mundo, Javé Deus tinha de

dominar o Caos primordial. Antes da criação, o que havia era a matéria

informe e vazia, coberta por densa escuridão e submergida em águas.

Essas águas, no entanto, eram dominadas por uma Serpente primitiva, o

Leviatã. Para desfazer o Caos e criar o mundo, Javé deveria primeiro

derrotar esse monstro marinho: "Naquele dia, Javé, com a sua espada

dura, e grande, e forte, voltou sua atenção para o Leviatã, a Serpente

deslizadora" (Isaías 27,1).

Mas o monstro marinho era forte demais até para o poderoso Javé.

As escamas do Leviatã eram o seu escudo, da sua boca saíam chamas,

seu coração era duro como a rocha e a mais afiada espada era pra ele

como palha. Javé travou com a Serpente primordial uma terrível batalha,

sua espada era impotente para penetrar o monstro. Depois de várias

tentativas sem êxito, Javé viu que os olhos do Leviatã brilhavam e

refletiam tudo como um espelho. Aquele era o único ponto do corpo do

monstro que poderia ser perfurado pela espada. Javé então cegou o

monstro, conseguiu dominá-lo e o estrangulou até a morte. Destruído o

dominador do Caos primitivo, Javé logo agiu para banir as trevas do

mundo primevo: "E disse Deus: Haja luz; e houve luz" (Gênesis 1,3).
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Foi me revelado que a origem da criação se deu a partir dos quatro

elementos. A origem do Universo foi também a origem dos quatro

elementos primordiais que estão latentes em toda a ordem cósmica.

Estes são os princípios ativos de todo o Universo, desde o menor dos

átomos até a maior das estrelas. No princípio Deus disse "Haja Luz", o

primeiro elemento que procede do Espírito (Akasha) é o fogo (Tejas),

esse fogo se expressou no princípio como uma explosão de luz que se

expandiu pelo cosmos e tornou-se sua energia ativa.

Depois disso, no seio da criação estabeleceu-se o conflito entre

forças polares. Passou a haver polos de dualidade: "céu e terra", "luz e

trevas", "dia e noite", de modo que o surgimento do fogo exigiu um

segundo elemento primordial que surgisse como seu oposto. Este

elemento é a água (Apas), o princípio de contração pelo qual o Universo

realiza um movimento de implosão. Daí os dois princípios opostos que

não poderiam existir um sem o outro, possibilitam o ciclo de expansão e

contração do Universo e mostram que no Universo tudo existe num polo

de dualidade: bem e mal, masculino e feminino...

Além do fogo e da água, há, ainda, os elementos que não existem

"em si", são eles: o ar (Waju), o elemento intermediário de equilíbrio entre

o fogo e a água e que coloca toda a vida em movimento e, a terra

(Prithivi), que faz com que os elementos possam se expressar numa


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concreção fática, numa dimensão de espaço e tempo, em formas densas,

físicas e corpóreas.

Depois de criar todo o Universo, Deus voltou sua atenção especial

para o planeta terra. A terra era a princípio sem forma e vazia, uma densa

escuridão a cobria. Então, Deus dispersou a escuridão que cobria a face

do céu, fazendo com que o sol, a lua e as estrelas, antes ocultos, se

revelassem. Em seguida, Deus fez florescer a vegetação, criou animais

aquáticos de diversos tipos e, então, fez os animais da terra.

Mas não foi Deus quem criou o ser humano como a Bíblia narra.

Foi-me revelado que o homem foi criado por um Ser supremo de um

domínio superior ao domínio do próprio Javé. Esse Ser é na verdade a

Sabedoria. Certo dia, ao atravessar um rio, a Sabedoria viu um pedaço

de barro. Logo teve a ideia de modelá-la a fim de formar uma nova

criatura. A Sabedoria tomou um pouco do barro e começou a dar-lhe

forma. Enquanto contemplava o que havia feito, apareceu Javé.

A Sabedoria pediu a Javé que soprasse o espírito no boneco de

barro. O que Javé fez com prazer. Quando, porém, a Sabedoria quis dar

um nome à criatura que havia criado, Javé discordou, dizendo que aquela

criatura pertencia a ele. Javé exigiu que fosse dada à criatura o seu nome.

A Sabedoria e Javé começaram a discutir e, por fim, decidiram que o

Destino, o juiz de todas as questões, era quem deveria julgar a disputa.


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Fiquei surpreso ao descobrir em minhas visões que o Destino

também era um deus, de um domínio mais superior ainda ao de Javé e

ao da Sabedoria. Até hoje não entendo muito bem essa hierarquia de

deuses, ainda é tudo muito obscuro e misterioso para mim. O Destino

tomou a seguinte decisão que foi reconhecida como justa por ambos:

“Você, Javé, é quem lhe deu o espírito. Quando a criatura morrer,

o espírito dela voltará a você que o deu e o pó (corpo) retornará à Terra

de onde veio.

Você, Sabedoria, terá de cuidar e acompanhar a criatura enquanto

ela viver.

No entanto, a criatura será chamada humano, que significa ‘feito da

terra’’”

Todavia, Javé convenceu a todos, incluindo seu próprio Filho, que

Adão foi criação sua. Como companheira do homem, a Sabedoria criou

uma mulher chamada Lilith que deveria conviver com Adão na terra.

Como era Javé o criador do globo terrestre, cabia a ele o governo de tudo

o que vivia me seu planeta, ainda que fosse fruto da criação de divindades

de outros domínios. Lilith era uma mulher ousada, que não se submetia

a homem algum, que sonhava com a liberdade e a independência.

Lilith odiava as exigências de Javé de que ela deveria ser submissa

a Adão. Javé é um Deus-masculino, mas Lilith era filha da Sabedoria,

uma Deusa feminina superior a Javé. Ela não suportava a ideia javista de
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que o homem é superior e deve dominar a mulher. Certa vez, Lilith veio

reclamar a Javé dizendo:

“Eu não suporto a ideia de ter que ser passiva no sexo. Adão deita

sobre mim e me penetra de forma dolorosa e agressiva. Não aceito isso.

Quero também ser ativa no sexo, quero poder me deitar por cima de

Adão”.

Javé, irado, disse: “Se é assim, você está expulsa do paraíso que

criei e será condenada a vagar como um demônio.” Javé transformou

Lilith em um Súcubo, que até hoje visita os sonhos das pessoas para lhes

sugar as energias sexuais. Toda vez que alguém sonha estar fazendo

sexo com uma mulher, está na verdade fazendo sexo com Lilith. Embora

os religiosos tenham tentado excluir qualquer menção a Lillith nos textos

sagrados, há ainda passagens que falam dela na Bíblia:

“E as feras do deserto se encontrarão com hienas; e o sátiro

clamará ao seu companheiro; e Lilith pousará ali, e achará lugar de

repouso para si.” (Isaías 34,14)

É dela também que se fala a seguinte passagem:

“Ela também o livrará da mulher imoral (Lilith), da pervertida que

seduz com suas palavras, que abandona aquele que desde a


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juventude foi seu companheiro e ignora a aliança que fez diante de

Deus. Ela se dirige para morte, que é a sua casa, e os seus

caminhos levam às sombras. Os que a ela procuram jamais

voltarão, nem tornarão a encontrar as veredas da vida.” Provérbios

2, 16-19

Sem Lilith, o homem encontrava-se sozinho. Deus então pensou

consigo mesmo: “Não é bom que o homem esteja só. Criarei uma mulher

que realmente seja submissa ao homem, tornando-se sua serva de modo

a lhe corresponder.” Então Javé fez o homem cair em profundo sono e,

enquanto este dormia, retirou dele uma de suas costelas. A partir dessa

costela, Javé criou Eva, uma mulher bela, recatada e submissa. Disse

então Adão: "Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne!

Enfim, uma mulher que me será submissa de verdade.”


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IV. O PLANO INFERNAL

O novo mundo já criado estava. Vi então que Lúcifer convocou nova

assembleia a fim de decidir como agir. Presidindo a reunião, o deus do

Orco disse a toda hoste de anjos caídos reunidos: "Iniciemos o debate

sobre qual dos modos convém lutarmos contra o Ditador Ovante que o

Céu governa: se trama oculta ou declarada guerra!". O primeiro a falar foi

o Serafim Molech: "Defendo que devemos fazer guerra aberta, muitos

somos e armas temos e, com elas, o Tirano Javé derrotaremos!"

Em seguida, foi a vez de Belial, aquele que era o mais belo dos

anjos: "Nosso Desprezível Inimigo tem às suas ordens legiões

inumeráveis, uma declarada guerra será nossa derrota certa. Muito mais

êxito teremos, se pela astúcia desejarmos iludir a Divina Providência."

Tendo ouvido as duas propostas, a assembleia colocou-se em votação.

Por pouca diferença, o plano de Belial recebeu maior razão. A assembleia

foi encerrada, mas nova reunião já foi marcada, a fim de discutir como

seria da trama oculta a execução.

Reunidos mais uma vez estavam os anjos caídos, agora para

definirem com que trama oculta se levantariam contra o Altíssimo. Logo

se colocou a falar Belzebu, o mais poderoso depois de Lúcifer: "Fiquei

sabendo que uma nova criatura foi formada pelo Opressor ovante, a

quem deu Ele o nome de 'homem', um ser semelhante a nós, pois é


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dotado de inteligência. Levaremos essa criatura a se revoltar contra seu

Criador, de modo que Javé se arrependa de o haver criado."

Por unanimidade, a assembleia aceitou o conselho de Belzebu.

Mas logo surgiu a questão: "quem deveria ir seduzir o homem?" Todos

os anjos caídos se silenciaram, temiam tamanha empresa, até que o

próprio Lúcifer se levantou e disse: "eu irei!". Admirados de tamanha

coragem, todos diante de Satã se curvaram, prestando-lhe adoração.

Disso se seguiu aplausos e cânticos de exultação, como se os demônios

tivessem bebido das águas do rio Lete, e de suas dores esquecido. E,

assim, foi encerrada a reunião estigial.

Satã caminhava rumo ao Jardim do Éden, mas no caminho se

defrontou com os doze querubins, os guardiões da entrada do paraíso.

Raziel, o líder deles, voltou-se para o diabo e disse: "Que fazes aqui,

querubim desertor? Retornes de onde viestes, desprezível traidor!" Mas

um dos doze anjos possuía alguma simpatia por Lúcifer. Esse era Naás,

querubim que encantado pela beleza de Adão e Eva, desejava coabitar

com eles.

Este foi ter de noite com Lúcifer e disse-lhe: "Ardo de desejos pelo

primeiro casal, ensina-me a arte de tomar forma humana e irei arrumar

uma jeito de deixá-lo entrar." A troca foi feita, Naás assumiu a forma de

um belo homem e foi ter com Eva. Sedutor galanteador, o querubim

conseguiu levá-la ao adultério. Mas suas intenções não pararam por aí.
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Adão, certa vez, caminhava sozinho pelo Jardim enquanto Eva

dormia sono profundo. O querubim, cuja beleza era como a de

Ganimedes, atraiu os olhares do primeiro homem. Naás possuiu Adão

como os senhores romanos faziam com seus escravos, penetrou-o como

a um efebo. O amor perverso e proibido, no coração dos nossos primeiros

pais encontrou abrigo.

O amor entre Naás e Adão só crescia. O querubim havia aprendido

a assumir qualquer forma que desejasse. Numa tarde de primavera, Naás

assumiu a forma de uma bela águia e aproximou-se do primeiro homem.

Nosso primeiro pai, encantado pela beleza daquela formosa ave,

aproximou-se dela acariciando-lhe a plumagem. Com cuidado, a águia

envolveu Adão, segurou-o com suas garras e o elevou aos altos céus.

Movido por incontrolável paixão, Naás possuiu Adão em pleno voo.

Um ato desses em pleno céus não podia passar desapercebido de

Javé, que do Seu trono no Empíreo viu tudo. Ardendo em ira, o Criador

expulsou Naás do Éden e o condenou a habitar o deserto como um

demônio caprino. Naás se tornou um Íncubo, passando a acompanhar

Lilith. Toda vez que alguém sonha estar fazendo sexo com um homem,

está na verdade se relacionando com Naás. É desse modo que Naás

suga energia dos humanos.

Como ainda não havia dado aos homens nenhuma lei proibindo tal

ato, Javé não pode punir Adão. Mas Naás causou um princípio originário
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do mal no coração do primeiro casal. Desde então, Adão e Eva passaram

a questionar a autoridade de Deus, já que Ele havia lhes tirado o anjo que

eles amavam.

Diante das ações demoníacas que do Caos vieram atormentar o

paraíso, vi que o divino conselho se reuniu nos céus. O Verbo Eterno,

também chamado Filho, disse ao Pai Onipotente: "Ó Pai meu, o homem,

tua mais recente criatura, caminha para a mais terrível perdição. Deixarás

que destruída seja a obra tua, permitirás que teus planos sejam frustrados

e que tua boa criação converta-se em ruína?"

Deus, então, respondeu: "Ó meu amado Filho, já esperava que isso

ocorresse, mas escolhi salvar alguns entre a humanidade perdida. Minha

justiça requer que o homem morra, mas há uma possibilidade de

salvação: que uma vítima pura se sacrifique em seu lugar. Mas onde se

encontrará vítima tão amorosa que entregue sua vida por uma raça

perdida?"

Então um anjo forte bradou por todo o céu em grande voz: "Qual de

vós, ó imortais, se apresenta como ilustre vítima pelos homens?"

Profundo silêncio estabeleceu-se entre as miríades de anjos. E ninguém

no céu, nem na terra, nem debaixo da terra se apresentava para tal faina.

Até que o Arqui-Filho, movido de amor profundo, interviu e disse: "Eis-me

aqui, envia-me a mim." Então milhões de milhões, e milhares de milhares

de seres celestes se colocaram em torno do trono do Filho e adoraram


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dizendo: "Digno é o Cordeiro, que há de ser morto, de receber o poder, e

riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de graças."


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V. A EXECUÇÃO DO PLANO

O próximo passo de Lúcifer foi assumir a forma de um belo arcanjo

e ir falar com o querubim Uriel: "Quão lindo é este jardim! Poderia me

levar para conhecer o lugar em que o homem habita? Vim do céu à terra

para contemplar essa recente obra divina para melhor ao Criador

glorificar!" Enganado, Uriel respondeu: "Oh formoso anjo, me siga! Serei

aqui seu guia."

Enquanto caminhava pelo paraíso, os olhos de Lúcifer encheram-

se de lágrimas, lembrava-se de como era a vida no Céu antes de ser

expulso. Sentia-se um exilado, distante da sua morada original. Enquanto

contemplava o Jardim, encantava-se com os passarinhos e as belas

flores. Tudo o lembrava de sua vida paradisíaca antes de se tornar um

anjo caído.

Sua consciência agora doía em remorso, seu coração

desesperado se contorcia com saudades do céu. Haveria uma maneira

de recuperar o paraíso perdido? O único meio seria a submissão. Mas

subordinar-se ao Ditador Ovante que o céu governava, seria trair

princípios. E Lúcifer preferia perder todas as glórias celestiais a fazer o

que considerava errado.

Caminhando guiado por Uriel, Lúcifer chegou diante da floresta,

pela qual era preciso passar até chegar à habitação de Adão e Eva. Logo

foi possível ouvir sons de música e dança. Os pássaros daquele belo


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bosque entoavam cânticos enquanto belas ninfas dançavam. Elas

moviam-se em círculo em torno de Pã, que no centro tocava uma flauta

acompanhando os sons dos pássaros.

Pã era metade humano, mas possuía chifres e pés de bode, atuava

como guardião da floresta. Era preciso passar por ele, antes que se

pudesse chegar ao lugar em que estava Adão. Uriel, então,

respeitosamente lhe disse: "Trago aqui comigo um formoso arcanjo

celestial, peço que lhe dê passagem, pois ele deseja contemplar a

recente obra de nosso Deus, a fim de melhor glorificar a Majestade!"

Naquele momento Lúcifer foi tomado de um sentimento de medo e

pânico, temia ser descoberto. Pã era capaz de sentir o pânico de Lúcifer

e percebeu que ele poderia ser uma criatura maligna em disfarce. Mas a

verdade é que Pã invejava Adão, queria ser como ele, tendo um corpo

completamente humano. Assim, sem muita dificuldade, Pã deu

passagem a Lúcifer, torcendo que assim contribuísse para a corrupção

do gênero humano.

E ali estava Eva no Jardim, caminhava feliz enquanto cantava junto

aos pássaros e animais que a acompanhavam. Então ouviu um som, o

som de uma água que corria. Eva, então, seguindo o som, caminhou até

as margens de um rio e contemplou as águas que se dividiam em outros

quatro rios e que regavam aquele jardim.


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Eva debruçou-se sobre aquelas águas e viu a imagem de um rosto

oval, de bochechas rosadas e cabelos anelados. Era a figura mais linda

que Eva já havia visto, oh que bela criatura que a tudo a imitava, que

simpática e amável figura. Poderia ficar ali enamorando aquela imagem

para sempre. Quando Eva sorria, a figura sorria de volta, quando acenava

para a imagem, a imagem também acenava para ela. No entanto, seu

momento foi interrompido, ouviu a voz de um homem dizendo: "És tu

mesma que vês, bela criatura". Era Adão advertindo Eva de que a figura

que via era sua própria imagem refletida.

Lúcifer logo ficou sabendo que Deus havia dado uma única

proibição a Adão: "Da árvore do conhecimento não comerás; porque no

dia em que dela comeres, certamente morrerás." Ao saber disso, logo

Lúcifer se pôs a pensar: "Que tamanha injustiça! Quer dizer então que o

conhecimento é um pecado? Só poderá viver o homem enquanto

permanecer na ignorância? E se desejar o homem saber algo, será

punido com a morte?"

Mais uma vez estava claro para Lúcifer que Deus era um ditador,

cujo governo precisava ser questionado. Era este o propósito ao qual o

anjo caído colocou no coração: convencer Adão e Eva de que Deus era

injusto, que suas leis não deveriam ser obedecidas, que o conhecimento

deveria ser buscado, que a ignorância não era uma virtude e que a

autonomia era o caminho para a liberdade.


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O desafio que Lúcifer estava disposto a colocar para os humanos

era o de que reconhecessem que com a ignorância, Deus os escondia

informações vitais. Desejava que o primeiro casal questionasse se

realmente Deus exercia Seu governo de modo legítimo e justo.

Lúcifer sempre foi incrivelmente belo, seus cachos eram dourados

e ele sabia tocar talentosamente sua harpa, cantado e glorificado a Deus

com um antigo epitalâmio. Seu brilho fazia dele o mais esplêndido de

todos os fulgurantes anjos no céu. Mas, como já relatei, ao questionar o

Ditador Ovante que do Empíreo governa, Lúcifer foi expulso e lançado no

abismo caótico chamado inferno. É dele que fala aquele poema de Isaías

que diz: "Como caíste do céu, ó Lúcifer, Héspero luzente, tu que ao ponto

do dia parecias tão brilhante?" (Isaías 14,18).

Javé havia condenado o homem à ignorância, interditando seu

acesso à arvore do conhecimento, mas o luzente filho da alva assumiu

para si a tarefa de ser o libertador da humanidade. Lúcifer é aquele que

também foi chamado de Prometeu, de quem se diz ter roubado o fogo

dos deuses e dado aos homens. Esse fogo é a luz do conhecimento.

Lúcifer não só se propôs a não resignar ante seu Opressor, como estava

decidido a levar o homem à sabedoria e o conduzir à verdadeira

autonomia.

Depois de intrujado ter acompanhado Lúcifer até Adão, o anjo Uriel

foi conversar com o anjo Gabriel: "Hoje encontrei um belo arcanjo vindo
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do céu para contemplar a obra do Criador." Mais astuto e informado,

Gabriel respondeu: "Temo que tenha sido enganado, estimado insígne.

Sei do próprio Javé que Satanás deixou o inferno, poderá ser ele

transfigurado em arcanjo de luz, esse que veio visitar o Jardim."

Então, os dois anjos chamaram Zéfon, o querubim que guardava as

montanhas e Ituriel, um arcanjo meticuloso e organizado. Aos dois foi

dada por Gabriel a ordem de aumentarem a proteção e a vigia no Jardim;

localizarem Lúcifer e; impedirem seu plano maléfico. Ituriel tomou sua

lança, decidido de encontrar o anjo caído, enquanto Zéfon foi à morada

de Adão e Eva a fim de guardá-los e mantê-los protegidos.

Ituriel, na escura noite, saiu à procura de Lúcifer e o encontrou

dormindo em uma caverna. O arcanjo então pensou consigo "Esta é a

minha oportunidade! Deus entregou o seu inimigo em minhas mãos."

Ituriel estendeu a mão e apanhou a lança para ferir Lúcifer, foi quando o

próprio Javé apareceu e disse: “Não estendas a tua mão contra o anjo

caído!”

Logo, Lúcifer despertou de seu sono, Deus então perguntou a

Satanás: "De onde tu vens meu rebelde filho?" E Satanás respondeu a

Javé: "Venho do Orco a fim de contemplar vossa mais recente criação."

E disse Javé a Lúcifer: "Observaste a coroa da minha criação? Viu como

é belo Adão e aquela que de sua costela retirei?" Então Lúcifer disse a

Javé: "Sim, mas quero propor-lhe uma aposta: sei que os proibiu de
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comer da árvore do conhecimento, dê-me autorização para tentá-los e

assim tu poderás testá-los." Javé respondeu: "Aposta aceita! Eis que te

dou autorização para fazer o que pretendes e nenhum dos meus anjos

poderá impedi-lo."
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VI. O DESFECHO FINAL

Vi que Javé enviou o anjo Rafael a Adão e Eva para lhes alertar

contra o pecado que estavam prestes a cometer. Rafael disse aos nossos

primeiros pais: “Por que é que vocês estão tão furiosos? Sei que vocês

amavam Naás, mas ele não era bom para vocês. Se vocês obedecerem

a tudo que Javé ordena, vocês serão aceitos e viverão felizes. Mas se

desobedecerem, vocês serão castigados com o sofrimento e a morte. Se

vocês agirem mal e não obedecerem, prestem atenção, porque o pecado

está à espera para poder atacar vocês, e o seu desejo é destruí-los. Cabe

a vocês resistirem à tentação.”

Tal fala teve o efeito contrário do desejado, despertando em Adão

e Eva mais ainda o desejo de comer do fruto proibido. Eva foi até a árvore,

lá estava Lúcifer transfigurado em uma serpente. Lúcifer convenceu Eva

do quanto Javé era autoritário e injusto. Explicou-lhe como Deus a havia

impedido de amar Naás, contou-lhe também sua história de expulsão e

disse-lhe que Javé desejava mantê-la na ignorância. Eva comeu do fruto

e depois o deu a Adão.

Em seguida, Lúcifer apossou-se do corpo de Adão. Tendo em seu

controle um corpo humano, Satanás coabitou com Eva, lançando em seu

ventre sua semente. Foi assim que Eva ficou grávida de Caim. É por isso

que a Bíblia diz que “Caim era do Maligno” (1 João 3,12), isto é, Caim era
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filho do diabo. Ante o pecado de Adão e Eva, Javé resolveu castigar a

humanidade, ele disse consigo mesmo:

“Eu poderia eliminar os humanos, aniquilá-los da existência. Irei, no

entanto, salvar apenas os que entre eles se tornarem submissos a

mim. Mas antes, quero que todo ser humano filho de Adão e Eva

sofra. Transformarei a Terra num mundo de sofrimento. Sempre

haverá guerra, fome, miséria. A Terra será meu campo de

concentração e de tortura, pois farei a raça humana pagar por ter

me desobedecido.”

O anjo que me revelou essas coisas era o próprio Lúcifer.

Terminada a visão, ele me disse: “Agora entende porque sua mãe morreu

de câncer? Entende por que existe sofrimento no mundo. Javé é um Deus

injusto, intolerante e autoritário. Desde que Adão e Eva o

desobedeceram, ele decidiu fazer desta terra um lugar de sofrimento. A

resposta a seu dilema existencial é que Deus não é bom. Ele é um ditador

mesquinho e orgulhoso.”

Essa foi minha visão no campo. Se quiserem acreditar nela ou não,

vocês têm liberdade para fazê-lo. Eu, porém, sei que o que vi é real e não

pude deixar de compartilhar minhas visões.


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