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Entrevista com Jane Goodall

Tema principal: A inteligência dos animais

Jane Goodall nasceu em 1934 em Londres. Teve muitas dificuldades para estudar
porque a sua família era muito pobre. Aos 26 anos instalou-se sozinha nas florestas
junto ao lago Tanganica, na região de Gombe na Tanzânia, para estudar os
chimpanzés. Dedicou a sua vida ao seu estudo tendo revolucionado a forma como
encaramos os animais mais próximos de nós. As suas descobertas acabaram por
influenciar também a própria conceção de ser humano.
Nos últimos anos orientou as suas energias a viajar pelo mundo promovendo, através
de conferências e outras intervenções, um programa especialmente dirigido aos
jovens: Roots and Shoots.
Em maio de 2006 esteve em Portugal, precisamente a divulgar este programa.
Reproduzimos um extrato da entrevista que deu ao Público.

(...) Depois de ter passado mais de 30 anos na selva, a estudar os chimpanzés,


desde 1986 que percorre o mundo. Como é que se passa de uma vida isolada nas
montanhas para este cosmopolitismo missionário? Foi o seu trabalho com os
chimpanzés que a inspirou no lançamento deste movimento?
Fi-lo porque senti a necessidade de pagar a dívida que tinha para com as comunidades
que estudei.

Pagar a dívida?
Sim, agradecer-lhes tudo o que fizeram por mim e pela humanidade. Porque aquilo
que aquela comunidade me mostrou, e mostrou a nós todos, é que fazemos todos parte
do mesmo mundo animal, que não somos seres à parte. Aqueles chimpanzés obrigam-
nos a todos a sermos muito mais humildes.

Porquê? Porque possuem um património genético praticamente igual ao nosso


ou porque se comportam de uma forma quase humana?
Porque se comportam de uma forma muito idêntica à dos humanos. Quando, depois
das minhas primeiras observações no terreno, fui para Cambridge, disseram-me que
tinha feito tudo mal. Disseram-me que não devia ter dado nomes aos chimpanzés, que
não devia falar dos seus sentimentos, que não podia pensar que cada um deles tinha
uma personalidade diferente e única. Mas eu sabia que não tinham razão porque cresci
com um cão extraordinário que me ensinou que os animais podem ter personalidade.
Foi por isso que tive coragem para os enfrentar.

Se os animais têm sentimentos e personalidade, como podemos traçar uma linha


a separar o que é humano do que não é?
Não podemos. O que nos separa dos outros animais é uma linha muito esvanecida,
muito fina. É por isso que temos de ser humildes e perceber que não pertencemos a
um mundo à parte.

Quando estudava os chimpanzés descobriu que estes possuíam quer um lado


sombrio e eram violentos e impiedosos, como podiam mostrar carinho, amizade,
mesmo amor e compaixão. Se nós, os humanos, também temos esse lado sombrio
e violento, há alguma coisa na sua experiência com os chimpanzés que possa
ajudar a humanidade a combater essa faceta da sua natureza mais profunda?
Há. Há ter percebido que temos a enorme vantagem de termos desenvolvido uma
linguagem extremamente sofisticada. Pessoalmente acredito mesmo que foi o
desenvolvimento da linguagem que esteve na origem do desenvolvimento "explosivo"
das capacidades do nosso cérebro. Hoje possuímos um cérebro que tem a capacidade
de controlar os nossos instintos, pelo que termos partilhado com os chimpanzés um
antepassado comum com comportamentos violentos não faz de nós obrigatoriamente
seres violentos.

Essa ideia contrasta com outra, anterior aos seus estudos, segundo a qual os seres
humanos seriam os únicos animais capazes de se matarem uns aos outros sem ser
para se alimentarem.
Mas não são. Os chimpanzés também o fazem. E as hienas também. No fundo aí está
outro aspeto comportamental em que somos parecidos com outros animais, o que
mais uma vez nos mostra que somos menos únicos, menos diferentes, do que antes
acreditávamos ser. O que faz a nossa diferença é a linguagem sofisticada que
conseguimos desenvolver e dominar.

É a linguagem que nos permite estabelecer regras de comportamento em


sociedade, regras morais?
A linguagem permite-nos pelo menos falar sobre isso, permite-nos discutir, permite-
-nos aprender com a experiência do passado e preparar um futuro melhor. A coisa
mais importante que nos permite termos dominado a linguagem é podermos discutir
ideias.

Costuma por isso referir que uma das razões porque mantém a esperança no
futuro é porque acredita nas capacidades do cérebro humano. Mas também
sublinha a capacidade de resistência e recuperação da natureza, a energia dos
mais novos e a vontade de realizarmos os nossos sonhos...
Para realizar os nossos sonhos é necessário nunca desistir.

Como a Jane Goodall?


Sim, acho que sim. Quando era nova todos diziam que alimentava um sonho
impossível, que era uma doideira querer ir para África. Mas não era.

Para isso foi importante a experiência que teve na sua juventude durante a
guerra (nasceu em Londres em 1934)? Foi importante ter assistido à capacidade
de resistência dos britânicos, à sua resposta ao apelo de Churchill para que não
desistissem?
Muito importante. O que se passou foi o oposto do que hoje se passa, quando George
Bush e outros líderes dizem para termos medo. Churchill disse o contrário: disse-nos
para não termos medo que não seríamos subjugados. E tudo o que nos defendia dos
alemães era um estreito e algumas linhas de arame farpado mais alguns aviões, mas
como toda a nação se uniu, isso fez a diferença e vencemos

José Manuel Fernandes, Público, 2006-06-03

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