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FEMININA NOS
CONTOS DE FADAS
TRADICIONAIS E
CONTEMPORÂNEOS
MARIA DA CONSOLAÇÃO MARTINS*
E ste artigo se propõe analisar como algumas personagens femininas são repre-
sentadas nos contos de fadas – tradicionais e contemporâneos – e questionar
a influência que essas personagens podem exercer sobre o comportamento infantil.
Souza (1996), ao pesquisar tasia e realidade, o que o auxilia produtor de sentidos do texto que
sobre a expressão “conto de fadas” na elaboração de seus conflitos ouve/lê.
encontrou para a palavra “fada”, internos. A psicóloga Sayão Os contos de fadas estão carre-
de raiz grega, o significado “aqui- (2001) acrescenta que o adulto, ao gados de valores pertencentes ao
lo que brilha”. Da idéia de brilho e contar histórias, demonstra, além contexto em que foram criados,
do radical, a palavra derivou para de um ato de carinho, o reconheci- mas abordam questões considera-
o latim fatum, que significa desti- mento de que a criança pode das universais e atemporais, como
no. Dessa forma, as palavras fabu- aprender muito, de modo lúdico e os conflitos familiares, as relações
loso, fábula, fatalidade, fado e prazeroso, a respeito de tudo que a de poder, a formação de valores,
fada têm a mesma origem. A auto- cerca. O conto de fadas, além de sempre misturando realidade e
ra aponta, ainda, para o emprego estimular a imaginação da crian- fantasia. Daí o seu fascínio e sua
do termo, só popularizado em fins ça, ajuda-a a desenvolver seu inte- importância tanto no ambiente
do século XVII, quando os primei- lecto, a tornar claras suas emo- familiar, quanto na escola. Ao
ros compiladores de contos da tra- ções, a se harmonizar com suas ouvir e/ou ler histórias, a criança
dição oral começaram a publicar ansiedades e aspirações, a reco- poderá fazer associações entre os
suas coletâneas. A denominação nhecer suas dificuldades e, ao personagens e as pessoas com
“conto de fadas” passou então a se mesmo tempo, a sugerir soluções quem lida no seu dia-a-dia. Um
aplicar à espécie de narrativa em para os problemas que a pertur- bom exemplo dessa ligação pode
que interfere o elemento maravi- bam. estar na representação da figura
lhoso. Dessa forma, o conto de fadas feminina na vida da criança. Em
O interesse de vários estudio- merece destaque na literatura grande parte de seu tempo, ela se
sos – psicanalistas, sociólogos, infantil e deve ser alvo de interes- mantém em contato com pessoas
antropólogos e psicólogos – pelos se tanto dos pais quanto dos pro- do sexo feminino (irmãs, mãe,
contos de fadas tem demonstrado fessores. Esses educadores preci- madrasta, tias, avós, professoras)
a importância dessas narrativas sam conscientizar-se da importân- que, de alguma forma, influen-
para o desenvolvimento infantil. cia desse gênero textual para o ciam na sua formação.
Segundo alguns psicanalistas, desenvolvimento da criança. A figura feminina está presen-
dentre eles Betelheim (1980), a Devem ocupar-se em ler histórias te, se não em todos, na maioria dos
leitura e/ou escuta dos contos de e/ou contá-las ao público infantil contos de fadas, e a forma como é
fadas possibilitam ao sujeito, sem a preocupação de explicá-las, apresentada nessas histórias, de
durante o seu desenvolvimento, a mas delegando à criança o papel acordo com vários estudos realiza-
realização da integração entre fan- de intérprete, de leitor criativo, de dos por psicólogos, antropólogos e
que as histórias infantis sejam as próprio nome. Os enteados, por para que elas, através do sacri-
grandes responsáveis pelo signifi- sua vez, também refutam a palavra. fício, aprendam a dar valor à
cado negativo da palavra madrasta. Alguns escritores tentam vida que possuem.
Segundo a lingüista Nelly Car- amenizar a imagem da madras- Percebe-se que, apesar de
valho, citada por Galvão (1999), a ta, dentre eles Belvedere (1986) todos os protestos em relação à
palavra madrasta já vem carregada ao contar a história Um amor de utilização da palavra madrasta,
de tom pejorativo, pois, no imagi- Cinderela. Apesar de comparar devido ao seu significado negati-
nário popular, ela já está consoli- a madrinha da menina a uma vo, ainda existem autores de con-
dada pela imagem de uma mulher madrasta dos contos de fadas tos de fadas contemporâneos que
malvada. tradicionais, pois Dona Mastro- preservam a imagem da madrasta
Essa afirmativa se justifica, gilda obriga a afilhada a fazer dos contos de fadas tradicionais,
talvez, pelo fato de que, até mea- todos os trabalhos domésticos, ou pelo menos alguns aspectos de
dos do século XX, as separações no final da história se revela sua personalidade. Talvez isso
eram muito raras e o pai só se casa- que, mesmo aplicando maus ocorra devido ao desejo da criança
va novamente quando enviuvava. tratos à garota, a madrinha lhe de dar solução aos seus conflitos
Hoje em dia, como as separações quer bem e reza para que sua associados à relação mãe/filho. É
estão cada vez mais constantes, o afilhada seja feliz. Dessa forma o que explica Bettelheim (1980):
pai casa-se de novo e, muitas ambígua, muda um pouco a
vezes, leva os filhos do primeiro imagem da madrasta, atribuin- a divisão típica do conto de
casamento para morar com ele e do-se-lhe, também, bons senti- fadas entre a mãe boa (normal-
sua nova esposa. E o que parece mentos. Com esse desfecho, a mente morta) e uma madrasta
estar acontecendo, atualmente, é narrativa sugere que todo o malvada é útil para a criança.
uma rejeição da palavra “madras- rigor utilizado pela madrinha, Não é apenas uma forma de
ta”, que é substituída por “namo- na educação da afilhada, tinha preservar a mãe interna total-
rada do pai”, “minha outra mãe” por finalidade contribuir para mente boa, quando na verdade
dentre outras denominações. sua formação. Isso demonstra a mãe real não é inteiramente
De acordo com Galvão que alguns adultos ainda consi- boa, mas permite à criança ter
(1999), as esposas dos pais deram correta uma educação raiva da “madrasta” malvada
têm recusado a denominação baseada em maus tratos e casti- sem comprometer a boa vonta-
“madrasta” e querem ser cha- gos, por pensarem que, agindo de da mãe verdadeira que é
madas, pelos enteados, por dessa maneira, estarão moldan- encarada como uma pessoa
“mãe” ou simplesmente pelo do a personalidade das crianças, diferente. (p.86)
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