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Universidade de São Paulo - USP

Instituto de Matematica e Estatı́stica- IME


Bacharelado em Matemática Aplicada e Computacional
Trabalho de Conclusão de Curso

Equações Diferenciais com Atraso e Aplicações


em Modelagem Biológica

Tamires Costa

Orientador: Prof. Dr. Luis Carlos de Castro


Santos

São Paulo-SP
Julho de 2015

1
Resumo

Neste trabalho realiza-se um breve estudo sobre aplicações de equações diferencias


com atraso. No capı́tulo 1 são enfatizadas as diferenças entre equações diferenciais or-
dinárias e equações diferenciais com atraso e o método dos passos é descrito. No capı́tulo
2, é descrito o funcionamento de métodos numéricos para resolução de equações diferenci-
ais com atraso. No capı́tulo 3, um modelo de equações diferenciais com atraso descreve a
epidemia de dengue ocorrida entre 2004 e 2005 em Cingapura e são estudadas as alterações
na intensidade da epidemia pela variação de alguns parâmetros do modelo.
Abstract

In this work is made a brief study about applications in delay differential equations.
In chapter 1, the differences between delay differential equations and ordinary differential
equations are emphasized and is described the method of steps. In the chapter 2, is
described how numerical methods to solve delay differential equations work. In chapter 3,
an application of delay differential equations reproduces the epidemic of dengue occurred
between 2004 e 2005 in Singapore and changes on the intensity of the epidemic is analyzed
by changing some parameters in the model.
Sumário

1 Equações Diferenciais com Atraso 5


1.1 Introdução a Equações Diferenciais com Atraso . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2 Equação logı́stica com atraso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.3 Método dos Passos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.4 Equação Caracterı́stica e Estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2 Métodos Numéricos 13
2.1 Método de Runge Kutta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

3 Modelo da Epidemia de Dengue em Cingapura 16


3.1 Epidemia de Dengue em Cingapura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.2 O modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.3 Parâmetros modificados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.4 Controle contı́nuo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
3.5 Controle discreto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

4 Considerações Finais 27

Referências Bibliográficas 28
Capı́tulo 1

Equações Diferenciais com Atraso

Equações Diferenciais Ordinárias são amplamente usadas para modelar fenômenos


biológicos [10]. Embora esses modelos sejam úteis para possibilitar o entendimento de
fenômenos complicados, os modelos mais simples podem não reproduzir a variedade de
dinâmicas observadas em sistemas naturais. Uma possibilidade para contornar essa difi-
culdade é recorrer a grandes sistemas de equações diferenciais ordinárias, mas, como eles
normalmente possuem muitos parâmetros, pode não ser possı́vel determinar alguns deles
experimentalmente. Outra forma é introduzir atrasos no tempo das equações diferen-
ciais. As denominadas equações diferenciais com atraso aparecem em muitos ramos da
modelagem biológica. Eles aparecem nos estudos de epidemiologia, sistema respiratório,
crescimento de tumores, redes neurais, só para citar alguns. Análises estatı́sticas de da-
dos biológicos também demostraram a presença de efeitos devido a atraso no tempo na
dinâmica populacional de muitas espécies [7]. Neste capı́tulo será introduzido o conceito
de equações diferenciais com atraso e o método mais básico de sua resolução, o método
dos passos.

1.1 Introdução a Equações Diferenciais com Atraso


Equações Diferenciais com Atraso são equações diferenciais da forma

dx
= f (t, x(t), x(t − τ1 ), x(t − τ2 ), ..., x(t − τn )) (1)
dt

onde τ1 , τ2 , ..., τn representam os atrasos no tempo t, ou seja, diferentemente das equações


diferenciais ordinárias, que só são dependentes do tempo atual t, a função dx dt
é depen-
dente do tempo atual e também de momentos anteriores a t. Os termos τi podem ser
constantes positivas, podem ser dependentes do tempo t, ou seja, τi = τi (t) ou podem
ser dependentes de t e da própria função x(t), ou seja τi = τi (t, x). Para solucionar uma
equação diferencial com atraso, não basta apenas o valor de x(t) no instante inicial τ0 , é
necessário também o valor em instantes anteriores a t0 .

5
1.2 Equação logı́stica com atraso
Uma das aplicações mais conhecidas de equações diferenciais ordinárias é na des-
crição de dinâmica populacional [10]. A equação mais simples que descreve o crescimento
de uma população supõe que a taxa de crescimento de uma população é proporcional à
própria população.

dx
= ax(t) (2)
dt
Nesse modelo, a representa a taxa constante de crescimento da população em es-
tudo, dx
dt
é a taxa de variação de uma população no instante t e o parâmetro a representa a
taxa de variação constante. De acordo com esse modelo, a população cresce exponencial-
mente sem limites, o que não é verdade. A equação logı́stica de crescimento populacional
limita o tamanho da população:

dx x(t)
= ax(t)(1 − ) (3)
dt k

No modelo logı́stico, k representa a capacidade de suporte, ou seja, quando a


população atinge esse limite, ela pára de crescer e se estabiliza. Nesse modelo, a taxa de
crescimento dx dt
varia instantaneramente com a população x(t), por essa razão ele não é
tão realistico, pois alguns processos que influenciam no crescimento da população levam
um tempo para se manifestar. Nesse caso, uma equação diferencial com atraso descreve
melhor essa situação.
dx x(t − τ )
= ax(t)(1 − ) (4)
dt k
que se trata da equação logı́stica com atraso, introduzida por G. E. Hutchinson em 1948
[4]. Nessa equação, o atraso no tempo τ pode representar o perı́odo de gestação de uma
espécie, ou seja, só depois desse perı́odo são introduzidos novos indivı́duos na população.
O atraso τ pode representar o perı́odo necessário para recuperação dos recursos que sus-
tentam uma população, e pode também representar o perı́odo de maturação sexual do
indivı́duo, por isso a taxa de fecundidade depende apenas dos indivı́duos de idade maior
que τ [9].

1.3 Método dos Passos


O modo mais simples de resolver uma equação diferencial com atraso é pelo método
dos passos. Este método consiste em representar a equação diferencial com atraso em
uma sequência de equações diferenciais ordinárias, cada uma definida no intervalo de

6
comprimento igual a τ . O método inicia com uma função inicial x(t) = f0 (t) definida no
intervalo [-τ ,0]. No intervalo [0, τ ], x(t-τ ) tem o conhecido valor f0 (t − τ ). Usando essa
função, reduz-se a equação diferencial com atraso em uma equação diferencial ordinária
no intervalo [0, τ ]. Resolvendo a equação com condição inicial x(0) = f0 (0), obtém-se
a função x(t) = f1 (t) em [0, τ ]. Então avança-se para o intervalo [τ, 2τ ] e repete-se o
procedimento.
Tomando como exemplo a equação diferencial com um atraso

dx
= −x(t − 1) (5)
dt

com a condição inicial x(t) = f0 (t) = 1, para t em [-1,0]. No intervalo [0,1], x(t-1) =
1. Resolvendo dx dt
= -x(t-1) = -1 com condição inicial x(0)=1, temos x(t) = f1 (t) = 1-
t. No intervalo [1,2], x(1) = 0 e dx dt
= -x(t-1) = −f1 (t − 1) = -(1-(t-1)) = t-2. Então
x(t) = f2 (t) = 21 (t2 − 4t + 3). No intervalo [2,3], x(2) = −1 2
e -x(t-1) = −f2 (t − 1) =
1 1
- 2 ((t − 1) − 4(t − 1) + 3). Resolvendo, temos f3 (t) = 6 (−t + 9t2 − 24t + 17) = x(t) em
2 3

[2,3]. No intervalo [3,4], com x(3) = −16


1
e f4 (t) = 24 (t4 − 16t3 + 90t2 − 204t + 149)

7
Figura 1.1: Solução de dx dt
= −x(t − 1) no intervalo [-1,4] obtida pelo método dos passos.
f0 , f1 , f2 , f3 e f4 são os gráficos no intervalo [-1,0], [0,1], [1,2], [2,3] e [3,4], respectivamente

Assim pode-se prosseguir para encontrar a solução da equação diferencial com


atraso no intervalo de interesse. Geralmente há uma descontinuidade na primeira derivada
da solução no ponto inicial t0 , como pode-se ver neste exemplo. Essa descontinuidade
ocorre porque geralmente x0 (t0 −), que é a derivada da função inicial, f00 , é diferente de
x0 (t0 +) = f10 . No exemplo (5), x0 (0−) = f00 = 0 e x0 (0+) = f10 = -1. Essa descontinuidade
se propaga ao longo da solução mas em τ0 a segunda derivada é descontı́nua, em 2τ0 a
terceira derivada é descontı́nua e em nτ0 a derivada de ordem n+1 é descontı́nua. Assim,
a solução vai ganhando regularidade.

1.4 Equação Caracterı́stica e Estabilidade


Para encontrar a solução geral de uma equação diferencial ordinária linear e ho-
mogênea, pode-se procurar soluções da forma x(t) = Ceλt . Esse procedimento leva a
uma equação caracterı́stica na variável λ e, resolvendo, encontra-se a solução em forma
de x(t) = ni=1 Ci eλi t , onde n é o número de raı́zes da equação caracterı́stica. No caso
P

8
de a equação diferencial ser de primeira ordem, há apenas um valor de λ. Em equações
diferenciais com atraso lineares, é possı́vel fazer o mesmo procedimento, apesar de muitas
vezes não ser tão simples como em equações diferenciais ordinárias, porque ele resulta em
equações transcedentais que podem conter infinitas raı́zes. Usando como exemplo

dx
= ax(t − 1) (6)
dt

onde a é uma constante. Neste exemplo, há um único ponto de equilı́brio x = 0. Substi-
tuindo x(t) por Ceλt , resulta:

Cλeλt = aCeλ(t−1) (7)

e então temos a equação caracterı́stica

(λ − ae−λ ) = 0 (8)

Nesse caso, deve-se procurar intersecções entre as funções z = λ e z = ae−λ . Assumindo


que λ é real, os gráficos abaixo ilustram as intersecções para a > 0 e a < 0.

Figura 1.2
Para λ real e a positivo [4]

No caso de a>0, há uma única intersecção e λ positivo. Portanto a solução x(t)
= Ceλt cresce exponencialmente quando t tende a infinito, se afastanto do equilı́brio x
= 0, tornando-o instável. No caso de a <0 , pode haver duas intersecções, uma só ou
nenhuma. No caso de uma só intersecção, como ae−λ e λ se tangenciam, igualando suas

9
derivadas, resulta:
−ae−λ = 1 (9)

ou
a = −eλ (10)

substituindo a em (8), resulta λ = -1. Então, a tangência ocorre em a = ac = −e−1 .


Portanto, para a = −e−1 , há um autovalor λ < 0. Para −e−1 < a < 0 há dois autovalores
reais negativos. Para a < −e−1 não há autovalores reais. A solução de (6) é a soma de
funções exponenciais. Se a está em [−e−1 , 0] os autovalores reais são negativos, portanto
as soluções tendem a zero conforme t cresce. Se a < −e−1 , não há raı́zes reais.

Figura 1.3
Para λ real e três valores de a < 0. Há um ponto de tangência para a = ac e não há
raı́zes reais para a < ac [4]

Agora, considerando os autovalores complexos, substituı́mos λ por λr + iλi na


equação caracterı́stica (λ − ae−λ ) = 0 e temos:

λr + iλi = ae−λr −iλi (11)

λr + iλi = ae−λr (cos(−λi ) + isen(−λi )) (12)

λr + iλi = ae−λr cos(λi ) − ae−λr isen(λi ) (13)

,
λr = ae−λr cos(λi ) (14)

10
e
λi = −aeλr sen(λi ) (15)
λr
= −cotg(λi ) (16)
λi
As duas últimas equações levam a duas equações paramétricas para a e λr usando λi como
parâmetro:
λr = −λi cotg(λi ) (17)
−λi
a= λ cotg(λ i ) sen(λ )
(18)
e i i

À medida que λi varia de −∞ a ∞ um número infinito de curvas vão sendo traçadas,


devido à peridiocidade das funções trigonométricas.

Figura 1.4
Figure 5: Para λ complexo, há um número infinito de curvas de solução. Também
incluı́da na figura a curva de solução para λ real. [4]

Para um dado parâmetro a, a solução de (6) é x(t) = ni=1 Ci eλi t e x = 0 é estável


P

para os valores de a para os quais λ tem a parte real negativa, ou seja os valores a
pertencentes ao intervalo [ac2 , 0]. O valor de ac2 , segundo a figura acima, corresponde à
λr = 0 e λi não nulo. Utilizando novamente a equação (14)

0 = acos(λi ) (19)

11
portanto
+ π
λi =− + kπ (20)
2
e usando a equação (15)
λi = −asen(λi ) (21)

ou
+
λi =− a (22)

e
+
a =− λi (23)
π −π
Então, para os valores negativos de a, λi = 2
e ac2 = 2
. Portanto, x = 0 é estável para
a pertencente a [ −π
2
, 0]

12
Capı́tulo 2

Métodos Numéricos

O método dos passos e modificações de métodos numéricos populares para resolver


equações diferenciais ordinárias podem ser usados para resolver equações diferenciais com
atraso. Por ser o mais popular, apenas o método de Runge Kutta explı́cito é descrito
neste trabalho.

2.1 Método de Runge Kutta


Com o metodo dos passos em mente, é natural usar metodos numéricos para
equações diferenciais ordinárias, como o método de Runge Kutta, para resolver equações
diferenciais com atraso. O método de Runge-Kutta para um sistema de equações di-
ferenciais de primeira ordem inicia com um valor inicial x0 , calcula uma sequência de
aproximacões x1 , x2 , ..., xn para a solucão nos tempos t0 , t1 , ..., tn da seguinte forma: dado
o valor anterior xn , temos:

xn,1 = xn

fn,1 = f (tn , xn,1 )

E então para j = 2,..., s temos:

j−1
X
xn,j = xn + hn βj,k fn,k
k=1
,
fn,j = f (tn + αjhn , xn,j )

s
X
xn+1 = xn + hn γk fn,k
k=1

13
(24)
Onde s, βj,k , αj e γk são escolhidos de forma que xn+1 seja uma aproximação precisa
de x(tn+1 ).
No uso do método para equações diferenciais com atraso, os termos com atraso
podem cair entre os tempos ti e ti+1 mas, pelo método de Runge Kutta, só temos apro-
ximações nos tempos t1 , t2 , ...tn e não entre eles. Para contornar essa dificuldade, é natural
usar um interpolador para aproximar x(t-τ ) para ti < t − τ < ti+1 . Para ordens suficien-
temente baixas de Runge Kutta, o interpolador de Hermite oferece aproximações em todo
o intervalo [tn , tn+1 ]. A função do Matlab dde23, baseada em Runge Kutta de terceira
ordem, funciona dessa forma. À medida que a ordem aumenta, é mais difı́cil fazer a in-
terpolação com o interpolador de Hermite. Atualmente, códigos baseados nos métodos de
Runge Kutta usam sua extensão contı́nua para aproximar os valores da função em todo
o intervalo [tn , tn+1 ]. Assim, obtém-se um polinômio interpolador que aproxima a solução
em todo o intervalo de cada passo. Então, os interpoladores de cada passo formam um
polinômio que aproxima a solução desde o tempo inicial até o atual tn .
Se o passo h for maior que o atraso τ , precisamos do valor t − τ > tn , que ainda
não está disponı́vel, então o método de Runge Kutta se torna implı́cito. Para evitar essa
dificuldade, comandos antigos normalmente restringiam o tamanho do passo h, mas isso
os tornava ineficientes para atrasos pequenos τ , pois quanto menor o tamanho do passo,
mais ”caro”é o algotitmo. Os comandos mais modernos usam os valores obtidos com a
extensão contı́nua do Runge Kutta nos passos anteriores para predizer os valores em todo
o intervalo [tn , tn+1 ], assim Runge Kutta explı́cito pode calcular a solução em tn+1 . Esse
procedimento lembra o método de previsão e correção para métodos de passos múltiplos.
A ordem de precisão do método de Runge Kutta depende da suavidade da solução
no passo considerado. Isso normalmente não é problema com equações diferenciais or-
dinárias, mas, como já foi visto, é esperado encontrar descontinuidades no processo de
resolução de uma equação diferencial com atraso. Comandos populares lidam com as
descontinuidades em diferentes formas. O comando dde23, por exemplo, localiza todos
os pontos onde há descontinuidade no intervalo de interesse e os arranja para que sejam
incluı́dos no conjunto [ t0 , t1 , ...].
A seguir, uma tabela comparando a solução da Equação diferencial com Atraso (6)
obtida pelas funções do Octave ode23d, ode45d e ode78d, baseadas na versão modificada
de Runge Kutta de ordem (2,3), (4,5) e (7,8), respectivamente. Em comparação com o
resultado obtido usando apenas o método dos passos, observa-se que a função ode45d é a
que oferece os resultados mais precisos.

14
Figura 2.1: Comparação entre a solução de (6) obtida pelo ode23d, ode45d, ode78d e pelo
método dos passos.

Para resolver o sistema de equações diferenciais com atraso do capı́tulo 3, foi usada
a função ode45d do Octave. Mais detalhes sobre seu funcionamento podem ser encontra-
dos na referência [6].

15
Capı́tulo 3

Modelo da Epidemia de Dengue em


Cingapura

3.1 Epidemia de Dengue em Cingapura


A dengue é uma doença viral infecciosa transmitida por mosquitos fêmeas princi-
palmente da espécie Aedes aegypti, sendo mais frequente em regiões onde o clima é tropical
ou subtropical. A dengue é endêmica em mais de 100 paı́ses pelo mundo, sendo as regiões
da América, sudeste da Ásia e do Oceano Pacı́fico ocidental as mais atingidas. Em Cinga-
pura, a dengue foi reconhecida como problema de saúde pública na década de 60 quando
um programa nacional de controle do mosquito da dengue foi introduzido. O programa
consistia de controle das larvas com larvicida, instrução à população a não acumular água
em recipientes caseiros e multa a quem tivesse repetidas ações que favorecessem o apare-
cimento dos mosquitos. O programa resultou na redução da incidência da dengue junto
com a redução do ı́ndice de presença do mosquito Aedes nas casas de 25% a 2%. Mesmo
assim, epidemias ressurgiram de 1989 em diante, com um notável crescimento na segunda
metade de cada ano, devido ao clima.
Os anos de 2004 e 2005 excederam todos os recordes precedentes de casos anuais
de dengue, com 9.459 e 13.817 casos, respectivamente. Para ilustrar a epidemia de dengue
ocorrida em 2004-2005 em Cingapura e para comparar estratégias de controle da epide-
mia, foi usado um modelo dinâmico de equações diferenciais que leva em conta variações
climáticas em incidência, caracterı́stica de epidemias de dengue.

3.2 O modelo
O modelo, proposto por Massad et all. [2], descreve a dinâmica de uma epidemia de
dengue em três componentes de transmissão: humanos, mosquitos e ovos (este incluindo
os estágios intermediários do mosquito, larva e pupa).

16
No modelo descrito abaixo, SH são os humanos suscetı́veis, IH são os humanos
infectados, RH são os humanos recuperados (e imunes), SM são os mosquitos suscetı́veis,
LM são os mosquitos infectados e latentes, IM são os mosquitos infectados e infectantes,
SE são os ovos suscetı́veis e IE são os ovos infectados.

dSH SH NH
= −abIM − µH SH + rH NH (1 − )
dt NH kH
dIH SH
= abIM − (µH + αH + γH )IH
dt NH
dRH
= γH IH − µH RH
dt
dSM IH
= ps cs (t)SE − µM SM − acSM
dt NH
dLM IH SM (t − τ )
= acSM − e−µM τ ac − µM LM
dt NH NH (t − τ )
IM IH (t − τ )
= e−µM τ acSM (t − τ ) − µM IM + pcS (t)IE
dt NH (t − τ )
dSE (SE + IE )
= [rM SM + (1 − g)rM IM (1 − − µE IE − pS cs (t)SE
dt kE
dIE (SE + IE )
= [grM IM ](1 − ) − µE IE − pI cS (t)IE
dt kE
onde cS (t) = d1 − d2 sen(2πf t + φ) reproduz influências do clima na produção de
ovos dos mosquitos. Pode-se simular a duração e severidade do inverno através dos termos
d1 e d2 . Para d1 maior que d2 , o inverno tem duração curta e é pouco rigoroso, como no
caso de Cingapura. Para d1 menor que d2 , o inverno é mais longo e rigoroso. Neste caso
seria necessário multiplicar cs (t) por uma função indicadora θ(d1 − d2 sen(2πf t + φ), que é
igual a 0 caso seu argumento seja negativo e 1 caso seja igual ou maior que zero. Humanos
suscetı́veis crescem à taxa rH NH (1− NkHH )−µH SH onde µH é a taxa de mortalidade humana,
rH é a taxa de natalidade humana e kH é a capacidade de suporte da população humana.
Os humanos suscetı́veis adquirem a doença de acordo com a taxa −abIM NSHH onde a é
a média de picadas por dia de um mosquito e b é a taxa de picadas que transmitem a
infecção. A segunda equação descreve os humanos infectados, que podem ou se recuperar
com taxa γH ou morrer com taxa (αH + µH ). A terceira equação descreve a recuperação
dos humanos, que assim permanecem pelo resto da vida. A quarta, quinta e sexta equação
descreve os mosquitos suscetı́veis, latentes e infectados, respectivamente. Os mosquitos
suscetı́veis variam à taxa
pS cS (t)SE − µM SM

onde µM é a taxa natural de mortalidade dos mosquitos, ps SE é o número de ovos cho-


cados por unidade de tempo. O termo cs (t) simula variações climáticas na produção de

17
ovos. Os mosquitos suscetı́veis ficam infectados à taxa acSM NIHH onde c é a fração de
picadas dos mosquitos suscetı́veis nos humanos infectados, assim infectando esses mos-
quitos. Esses mosquitos, assim que infectados, passam um tempo no perı́odo latente,
denominado perı́odo de incubação extrinsico. A fração desses mosquitos sobreviventes do
perı́odo latente, com probabilidade e−µM τ , se torna infectante. Portanto, a taxa de mos-
quitos que ficam infectantes por unidade de tempo é e−µM τ acSM (t − τ ) NIHH(t−τ )
(t−τ )
. O termo
pI IE é o número de ovos infectados que chocam por unidade de tempo e que sobreviveu ao
perı́odo intermediário (larva e pupa). A sétima e a oitava equação representam a dinâmica
envolvendo os ovos suscetı́veis e infectados, respectivamente. Na sétima equação, o termo

(SE + IE )
[rM SM + (1 − g)rM IM ](1 − )
kE

representa a taxa de ovos suscetı́veis postos por mosquitos suscetı́veis com taxa

(SE + IE )
rM SM (1 − )
kE

e por mosquitos infectados com taxa

(SE + IE )
(1 − g)rM IM (1 − )
kE

onde o parâmetro g representa a quantidade de ovos infectados postos por mosquitos


infectados. Na oitava equação o termo

(SE + IE )
[grM IM ](1 − )
kE

representa a taxa à qual mosquitos infectados botam ovos infectados.

18
Figura 3.1
As notações dos parâmetros, seus significados biológicos e valores aplicados nas
simulações [2]

Aqui, o modelo foi implementado no Octave usando os parâmetros da tabela acima.


Para resolver o sistema de equações diferenciais, foi usada a função ode45d [6]. As si-
mulações foram divididas em controle contı́nuo e controle discreto.

3.3 Parâmetros modificados


Assim como no artigo [2] que serviu de base para este trabalho, a intenção deste
estudo não é interpolar os dados reais, é reproduzir qualitativamente o comportamento
da epidemia. Neste trabalho as condições iniciais e o parâmetro a foram estimados de
modo que a solução do sistema de equações diferenciais tenha o mesmo comportamento
no tempo que os números de casos de dengue. Em [2], a capacidade de suporte dos
mosquitos kE é variável e neste trabalho ela é uma constante. Os parâmetros d2 e kH
foram alterados de modo a se adaptarem aos parâmetros estimados e a aproximar os dados
reais. Os valores dos parâmetros ajustados e as condições iniciais usados neste trabalho
são:
a = 0.654,
d2 = 0.02.
kH = 98000000,
kE = 98000000,
SH (0) = 4000000,

19
IH (0) = 50,
RH (0) = 0,
SM (0) = 15000000,
LM (0) = 0,
IM (0) = 0,
SE (0) = 8000000,
IE (0) = 50.
Os demais parâmetros do modelo são os mesmos da tabela.

3.4 Controle contı́nuo


O sistema de equações diferenciais foi resolvido usando a função do Octave ode45d
[6]. Mesmo com alguns parâmetros diferentes do artigo [2], o resultado ficou bastante
próximo do original.

Figura 3.2
Resultado obtido neste trabalho

20
Figura 3.3
Resultado obtido em [2]

Para combater a epidemia de dengue, em outubro de 2005, o governo de Cinga-


pura implementou medidas adulticidas e larvicidas em todo o paı́s, resultando na queda
drástica nos casos de dengue nas primeiras semanas seguintes. Abaixo, foram simula-
das as seguintes medidas de combate à epidemia de dengue: redução da população de
mosquitos adultos por meio do uso de máquinas nebulizadoras para dedetização, redução
da população das formas imaturas do mosquito (ovos, larvas e pupa) pela destruição de
focos de dengue e pelo uso de larvicidas e uso de repelentes pelas pessoas infectadas para
evitar o contato delas com mosquitos suscetı́veis. Para simular as medidas adulticidas,
larvicidas e de diminuição do contato entre mosquitos suscetı́veis e humanos infectados,
os parâmetros µM e µE foram aumentados em 10% e o parâmetro c foi diminuı́do em 10%.
Abaixo, o resultado das simulações comparando as medidas.

21
Figura 3.4: Comparação de medidas de combate à dengue no número de casos

A figura acima simula a aplicação de medidas a partir do tempo 120. O gráfico


em linha escura descreve previsão de como seria a epidemia na ausência de aplicação de
alguma medida contra a dengue. O gráfico em linha clara representa a epidemia depois
da aplicação de medidas larvicidas (aumento de µE em 10% ). O gráfico pontilhado
representa a epidemia depois da redução do contato entre pessoas infectadas e mosquitos
suscetı́veis (redução de c em 10% ). Embora continue a epidemia, essa medida reduziu
bastante os casos de dengue. O gráfico tracejado representa a epidemia após a aplicação
de medidas adulticidas (aumento de µM em 10% ). Essa medida acaba com a epidemia
rapidamente, se mostrando a estratégia mais eficiente.

22
Figura 3.5: Comparação das três medidas contra a epidemia de dengue aplicadas simul-
taneamente com a aplicação delas isoladamente

Também foi simulada a aplicação das três estratégias simultaneamente, preser-


vando a intensidade da aplicação de cada uma isoladamente. Nota-se que as três medidas
de combate à dengue são mais efetivas quando aplicadas juntas que isoladamente, embora
não haja tanta diferença entre o resultado da medida adulticida isolada e combinada com
as outras duas medidas.

3.5 Controle discreto


As simulações acima foram aplicadas de forma contı́nua, representando aplicações
das medidas de controle da epidemia sem interrupção que, embora interessante do ponto
de vista teórico, na prática não é viável. Portanto, é mais realistico simular a imple-
mentação do controle de forma discreta, isto é, mecanismos de controle interrompidos
periodicamente de forma a que os parâmetros afetados voltem aos seus valores naturais.
De novo, foram simuladas isoladamente medidas adulticidas e larvicidas, mas dessa vez
aplicando pulsos de duração limitada (um dia) a cada 5 semanas. Dessa forma, a po-
pulação de mosquitos e ovos volta a crescer até a próxima sessão do controle de sua
população. As medidas adulticidas foram simuladas reduzindo a população de mosquitos
em 50% e as medidas larvicidas, reduzindo a quantidade de ovos em 50%. Baseando-se

23
nos gráficos, observa-se que as medidas adulticidas são mais eficientes contra a epidemia,
assim como foi mostrado no caso contı́nuo.

Figura 3.6: O gráfico em forma de linha representa o número de casos de dengue após
a aplicação de medidas larvicidas e o gráfico tracejado, após a aplicação de medidas
adulticidas.

Também foram simuladas as duas medidas aplicadas simultaneamente que, como


já era intuitivo, se mostram mais eficientes que isoladas, embora não sejam muito mais
eficientes que as medidas adulticidas aplicadas isoladamente.

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Figura 3.7: Comparação com as medidas adulticidas (gráfico tracejado), medidas larvici-
das (gráfico em linha escura) e as duas medidas combinadas (gráfico em linha clara).

Figura 3.8: Casos reais de dengue (pontos) comparados com o resultado das simulações
de combate à dengue obtidas em [2]

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Como no controle contı́nuo, as medidas adulticidas aplicadas de forma discreta se
mostraram tão eficientes quanto combinadas com as medidas larvicidas.
Baseando-se nos resultados das simulações contı́nuas e discretas, conclui-se que
controlar a população de mosquitos adultos é a medida que mais causa impacto nos casos
de dengue que, aplicada isoladamente, se mostra quase tão efetiva quando aplicada em
conjunto com outras medidas de controle.

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Capı́tulo 4

Considerações Finais

Neste trabalho foi falado sobre as formas de resolução de equações diferenciais


com atraso, em geral mais complicadas que as de equações diferenciais ordinárias. No
capı́tulo 1, foi resolvida uma equação usando o método dos passos, no qual a cada passo
de tamanho igual ao atraso foi resolvida uma equação diferencial ordinária, e também
foi falado sobre as soluções de uma equação diferencial com atraso linear propondo uma
solução da forma x(t) = eat , do mesmo jeito que é feito para resolver equações diferenciais
ordinárias, e analisamos as raı́zes (infinitas) da equação transcedental resultante. No
capı́tulo 2, foi descrito como o método de Runge Kutta, usado com interpoladores, pode ser
adaptado para a resolução de equações diferenciais com atraso. No Capı́tulo 3, foram feitas
simulações da epidemia de dengue em Cingapura com a ajuda de um sistema de equações
diferenciais com atraso. Também foram simuladas possı́veis estratégias de controle da
epidemia alterando alguns parâmetros. O modelo implementado pode ser utilizado em
conjunto com outras propostas de estratégia de prevenção e erradicação da doença, e
aplicado a outras localidades, como por exemplo para estimar densidade populacional e
taxas de sobrevivência de fêmeas do mosquito Aedes aegypti [8].

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Referências Bibliográficas

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