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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

reitor
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vice-reitora
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EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


coordenadora do programa editorial
Messiluce da Rocha Hansen

coordenadora gráfica
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conselho editorial
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Messiluce da Rocha Hansen (Presidente)
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Ubirajara Coelho Neto
Valter Cesar Pinheiro

projeto gráfico, capa e editoração eletrônica


Jeane de Santana
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Educadores, saberes e práticas educativas [recurso eletrônico]/


organizadores, Joaquim Tavares da Conceição, Josefa Eliana
E24e Souza, Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas. – São Cristovão:
Editora UFS, 2017.

176 p.

ISBN 978-85-7822-573-5
1. Educação – Sergipe – História. 2. Educadores –
Sergipe - História. 3. Língua inglesa – Estudo e ensino – Brasil. 4.
Prática de ensino. I. Conceição, Joaquim Tavares da. II. Souza, Josefa
Eliana. III. Freitas, Anamaria Gonçalves Bueno de.
CDU 37(813.7)(091)

Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos


CEP 49.100 - 000 – São Cristóvão - SE.
Telefone: 3194 - 6922/6923.
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Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita da Editora.
Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.
São Cristóvão-SE | 2017
Sumário

Apresentação 6
Guilherme Tilbury e o ensino 11 Elaine Maria Santos
de inglês no Brasil oitocentista: Luiz Eduardo Meneses de Oliveira
luta e resistência

Monsenhor José Curvelo Soares 29 José Paulo Andrade


e o ensino Técnico Comercial Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas.
em Itabaiana

“A Mulher na História” repre- 50 José GenivaldoMartires


sentação feminina na trajetó- Joaquim Tavares da Conceição
ria intelectual da professora
Lígia Pina
A formação de professores,os 67 Rosiley Ap. Teixeira
manuais pedagógicos e o Patricia Ap. Bioto-Cavalcanti
governo de si e dos outros
Os primeiros concursos de 81 Suely Cristina Silva Souza
docentes para o ensino secun- Eva Maria Siqueira Alves
dário em Sergipe
Estágio supervisionado em edu- 110 Renata Duarte Simões.
cação do campo: concepções,
pressupostos e tendências

Práticas pedagógicas adotadas 125 Elaine Almeida Aires Melnikoff


por Núbia Nascimento Marques Josefa Eliana Souza.
no curso de serviço social

Félix D’ávila e suas contribuições 144 André Augusto Andrade


ao campo da educação física Raylane Andreza Dias Navarro Barreto
em Sergipe (1958-1979)

Sobre os autores 172


Apresentação

O livro Educadores, saberes e práticas educativas, apresenta um conjunto


de estudos que sinalizam para o avanço das pesquisas no âmbito da História
da Educação que tratam de discussões a cerca das biografias de educadores,
os saberes e as práticas educativas que constituem os centros das discussões
dessa proposta. Portanto o objetivo foi ampliar as investigações para com-
preender, à luz de variados a portes teórico-metodológicos, o processo de
formação acadêmica, inserção e atuação de educadores, os saberes disse-
minados como formadores em processos e práticas educativas da sociedade
brasileira. As biografias, os saberes e as discussões sobre as práticas educa-
tivas constituem-se em estudos reveladores do individual e coletivo am-
pliando as análises sobre aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais
não evidenciados por outros estudos.

Nesta coletânea temos em sua maioria estudos que foram realizados


por alunos e professores da pós-graduação em educação da Univer-
sidade Federal de Sergipe que apresentam as suas pesquisas sobre
educadores, os saberes disseminados em sala de aula por meio das
práticas educativas ou por meio de estudos divulgados, sejam eles
artigos, capítulos de livros ou livros publicados.
Apresentação 7

O capitulo intitulado Guilherme Tilbury e o ensino de inglês no Brasil


oitocentista: luta e resistência, construindo por Elaine Maria Santos e
Luiz Eduardo Meneses de Oliveira traz como proposta um esboço bio-
gráfico do professor Guilherme Paulo Tilbury, a partir da análise dos
compêndios produzidos, de dicionários bibliográficos do século XIX,
da coleção de leis do império brasileiro, dos anais do parlamento e de
almanaques de grande circulação, tomando como ponto de partida os
dados levantados pelas pesquisas desenvolvidas por Oliveira (2006),
Santos (2010) e Santana (2012).

Na sequencia, temos a pesquisa intitulada Monsenhor José Curvelo


Soares e o ensino técnico comercial em Itabaiana, elaborado por
José Paulo Andrade e Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas tem como
objetivo compreender a atuação do Monsenhor Soares na criação e
implantação do ensino comercial em Itabaiana, no período de 1967 a
1978, o qual teve como cenário, as transformações socioeconômicas
ocorridas na época, e como marco inicial, a fundação da instituição e
o fechamento da mesma, como marco final. Nesse estudo,os autores
visaram aglutinar através da pesquisa histórica e da análise das práti-
cas educativas, os valores fundamentais dos profissionais contabilis-
tas formados pela Escola Técnica de Comércio de Itabaiana.

Em “A mulher na História”: representação feminina na trajetória inte-


lectual da professora Lígia Pina produzido por José Genivaldo Martires e
Joaquim Tavares da Conceição tem como objetivo discutir a representa-
ção feminina na trajetória intelectual da professora Maria Lígia Madureira
Pina. Para a elaboração desta pesquisa foram utilizados, enquanto aporte
teórico metodológico, a abordagem biográfica e, como fonte principal, a
história oral. Cabe destacar que na trajetória de vida da Profª. Lígia Pina
a representação da mulher sempre foi uma constante no seu processo de
formação intelectual, principalmente na sua formação de normalista, por
intermédio das práticas pedagógicas apreendidas neste espaço escolar.
8 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Outro aspecto que os autores destacaram diz respeito a prática pedagó-


gica da Profª Ligia Pina e, principalmente, na sua produção acadêmica,
por meio dos seus livros e atuação na Academia Literária de Vida, criada e
composta exclusivamente por mulheres.

O capitulo denominado A formação de professores,os manuais pedagó-


gicos e o governo de si e dos outros foi escrito por Rosiley Ap. Teixeira
e Patricia Ap. Bioto-Cavalcanti. A finalidade das autoras foi apresentar
resultados parciais de uma pesquisa em que o eixo central se dá em torno
da constituição de um modo de ser professor (a) via manuais pedagógi-
cos utilizados na formação de professor nas décadas de 60 e 70 do século
XX. Trata-se de um estudo que discute os modos como os discursos pre-
sentes nos manuais pedagógicos,sobre um modo de ser professor, arti-
cularam-se as práticas de formação. Nessa direçãose propõe a indicar
como funcionam os rituais instituídos pelas práticas discursivas, expli-
citas nos materiais didáticos.

O estudo na sequência recebeu o título de Os primeiros concursos de


docentes para o ensino secundário em Sergipe, elaborado por Suely
Cristina Silva Souza e Eva Maria Siqueira Alves propôs examinar os
concursos para professores do ensino secundário de diferentes cadei-
ras, realizados em Sergipe no período de 1832 a 1853. A prática do con-
curso promoveu mudanças nas funções dos professores, uma vez que
as atribuições de como, onde e quando ensinar passaram a compor os
regulamentos e regimentos da instrução pública. As leis começaram a
fazer parte da cultura escolar e sua constante vigilância produzia um
controle nos processos dos concursos por meio das relações de poder/
saber que definiam a identidade profissional dos docentes do ensino
secundário de Sergipe.

A proposta do texto denominado Estágio supervisionado em educação


do campo: concepções, pressupostos e tendências, redigido por Renata
Apresentação 9

Duarte Simões, apresenta uma pesquisa sobre a formação de professo-


res e Estágio Curricular Supervisionado em Educação do Campo e assi-
nala concepções, pressupostos e tendências investigativas em relação
ao tema. O estudo foi fruto do diálogo com estudos da área da Educação
e da Educação do Campo. As reflexões foram desenvolvidas pela auto-
ra na condição de professora de cursos de formação de professores e
acompanhando o estágio em Educação do Campo, na UFES.

Outro estudo que traz a contribuição de uma educadora é o capitulo de-


nominado Práticas pedagógicas adotadas por Núbia Nascimento Marques
no curso de serviço social. Construído por Elaine Almeida Aires Melni-
koff e Josefa Eliana Souza. A pesquisa teve como objetivo destacar práticas
pedagógicas adotadas pela professora Núbia Nascimento Marques, além
de investigar suas contribuições para a educação em Sergipe. Sua atuação
como professora do curso de Serviço Social na Universidade Federal de
Sergipe permitiu que a intelectual pudesse desenvolver práticas pedagó-
gicas voltadas para a cultura, folclore e educação, e também produziu li-
vros, seminários e pesquisas de campo. O estudo revela que o profissional
de Serviço Social que atua na área de educação, pode ocupar um espaço na
comunidade acadêmica mais ampla, ir além de suas referências teóricas
e metodológicas, podendo desenvolver estratégias de atuação que envol-
vam a comunidade em geral.

Ainda dentro das contribuições representadas por educadores, suas


práticas e saberes está o estudo Félix d’Ávila e suas contribuições ao
campo da educação física em Sergipe (1958-1979) escrito por André
Augusto Andrade e Raylane Andreza Dias Navarro Barreto. O que os
autores propuseram foi dar a ver elementos da trajetória do desportis-
ta e professor de Educação Física, o sergipano Félix D’Ávila. Este con-
tribuiu de maneira consistente para o cenário sergipano da Educação
Física, haja vista, ter sido ele um dos primeiros professores desta área
com nível superior no Estado e que participou ativamente da fundação
10 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

do primeiro curso de formação de professores de Educação Física em


Sergipe, além de ter sido também cronista esportivo. Os autores evi-
denciam que a trajetória de vida do professor Félix d’ Ávila impactou a
consolidação do Campo da Educação Física em Sergipe.

O trabalho dos organizadores da coletânea foi coroado pela riqueza de


contribuições propiciadas pelos estudos aqui elencados e sobretudo, pela
diversidade de experiências vivenciadas pelos educadores focados no es-
tudo, além das discussões acerca dos concursos de professores no secun-
dário em Sergipe ou ainda sobre estágio supervisionado em educação no
campo ou a formação de professores e os manuais pedagógicos. A produ-
ção dos variados estudos apontam para olhares diversos e discussões ricas,
como as apresentadas nesta coletânea.

Joaquim Tavares da Conceição


Doutor em História (UFBA) e professor da Universidade Federal de Sergipe

Josefa Eliana Souza


Doutora em Educação (PUC/SP) e professora da Universidade Federal de Sergipe

Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas


Doutora em Educação (UNICAMP)e professora da Universidade Federal de Sergipe
Capítulo 1

Guilherme Tilbury e o ensino


de inglês no Brasil oitocentista:
luta e resistência

Elaine Maria Santos


Luiz Eduardo Meneses de Oliveira
Conhecido como Guilherme Paulo Tilbury no Brasil, o padre inglês William
Paul Tilbury nasceu em 1784, no dia 25 de janeiro, falecendo aos 79 anos na
cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1863. A história de vida do Pe. Tilbury
está relacionada com a história do ensino de língua inglesa no Império brasi-
leiro, pela sua ligação com a coroa portuguesa, a sua atuação como professor
de inglês e a sua luta pela difusão do ensino desta língua, em um momento
em que o ensino de francês era uma unanimidade, por ter sido considera-
do a porta de acesso para a cultura e a civilidade. Tamanha era a influência
francesa nas questões educacionais que, em 1809, ao se instalar no Brasil, D.
João VI (1767-1826), por intermédio da Decisão n. 29 de 1809, criou uma ca-
deira de língua inglesa e uma de língua francesa na corte, com a orientação
de que os professores régios escrevessem seus próprios compêndios, e que
estes se baseassem nos grandes modelos do século de Luiz XIV (1638-1715)
(BRASIL, 1891, p. 29).

Este capítulo busca fazer um esboço biográfico do professor Guilherme


Paulo Tilbury, a partir da análise dos compêndios produzidos, de dicio-
nários bibliográficos do século XIX, da coleção de leis do império bra-
sileiro, dos anais do parlamento e de almanaques de grande circulação,
tomando como ponto de partida os dados levantados pelas pesquisas de-
senvolvidas por Oliveira (2006), Santos (2010) e Santana (2012).
Guilherme Tilbury e o ensino de inglês no Brasil oitocentista: luta e resistência 13

Guilherme Tilbury:
professor público e mestre de inglês da família real

Tilbury chegou ao Brasil junto com a corte portuguesa, em 1809, tendo


sido o primeiro professor de Inglês de D. Pedro I (17981834). Junto com
o Padre René Pierre Boiret, responsável pela condução dos estudos do
príncipe em francês, Tilbury esteve sempre presente na vida de Pedro de
Alcântara até sua fase adulta (LUSTOSA, 2006), tendo sido nomeado, de
acordo com os Anaes do Parlamento Brazileiro de 1860, para a Cadeira
de Língua Inglesa do Seminário Episcopal de S. José, na cidade do Rio de
Janeiro, com o Decreto de 17 de abril de 1821, data em que o padre John
Joyce, primeiro professor público nomeado para a respectiva cadeira,
entregou o seu cargo no Brasil para retornar a Portugal (BRASIL, 1860).

Mediante o Decreto de 4 de abril de 1827(BRASIL, 1878b, p. 13), Tilbury foi


nomeado Mestre de Língua Inglesa da Rainha de Portugal e das Augustas
Princesas, com o salário anual de 400.000 réis, exatamente igual ao valor
mínimo que deveria ser pago aos professores de primeiras letras das cidades
e vilas mais populosas do país, de acordo com a Lei de 15 de outubro de 1827,
responsável pela criação de Escolas de Primeiras Letras em todas as cidades,
vilas e lugares mais populosos do Império (BRASIL, 1878a, p. 71-73).

Como forma de auxiliar no deslocamento dos Mestres das princesas, o


Decreto de 07 de agosto do mesmo ano autorizou o acréscimo de 4$000
por dia de aula, para os gastos com os transportes necessários para a
locomoção até o palácio da Boa-Vista. As justificativas pela escolha do
mestre de inglês podem ser encontradas na peça legislativa em ques-
tão, de modo que, segundo o próprio D. Pedro I, Tilbury foi escolhido
por suas luzes e notório conhecimento, o que não era de se surpreen-
der, visto que o padre inglês acompanhava a família real desde a vinda
da corte para o Brasil (BRASIL, 1878b, p. 13, 20).
14 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Os ordenados dos seis mestres da família imperial foram aumentados


em quase 100% com o Decreto de 05 de agosto de 1833. Assim, a partir
de então, os referidos mestres passariam a receber 750$000 anuais, fi-
cando a fazenda pública dispensada de pagar os valores adicionais com
o deslocamento para o paço (BRASIL, 1873, p. 108). Além dos orde-
nados destinados aos Mestres de Sua Majestade Real e suas Augustas
irmãs, tem-se registro do pagamento de gratificações na ordem de
350$000, que, com o Decreto N. 115, de 3 de novembro de 1835, foram
elevadas para 600$000 (BRASIL, 1864, p. 129).

A arte ingleza e as primeiras regras da língua ingleza

No mesmo ano que fora nomeado como Mestre de Língua Inglesa da


Rainha de Portugal e das Augustas Princesas, GulhermeTílbury publi-
cou a sua Arte ingleza, “offerecida ao illustrissimo senhor visconde de
Cayru”. Os exemplares de seus livros eram vendidos na casa do autor,
na “Rua do Carmo, n. 122”, local onde dava aulas particulares de in-
glês e francês. A análise das suas obras nos faz perceber ter Tilbury sido
um árduo defensor de compêndios simples, com poucas regras e sem
os excessos e as complicações que as grandes publicações, tão comuns
no século XIX, traziam. Desde a criação da primeira cadeira pública de
língua inglesa, em 1809, D. João VI orientou que os professores régios
pudessem escrever suas próprias obras, primando pela simplificação
de regras (BRASIL, 1891, p. 29-30).

A sua Arte Ingleza foi fundamental para que a orientação de D. João


VI pudesse ser cumprida, uma vez que John Joyce, primeiro professor
do Seminário de S. José, não havia escrito uma gramática dedicada ao
ensino do inglês. A sua gramática, composta de apenas 48 páginas, era
Guilherme Tilbury e o ensino de inglês no Brasil oitocentista: luta e resistência 15

a clara representação das orientações contidas nas reformas pombali-


nas da instrução pública para a composição de compêndios de ensino,
uma vez que Tilbury (1827), inimigo declarado de gramáticas volumosas
para iniciantes, primava pela concisão e pelo pequeno número de regras
gramaticais, evitando-se a inclusão, segundo o autor, de um amontoa-
do de regras desnecessárias, que mais prejudica do que ajuda, pois nem
mesmo o professor consegue memorizar tantas miudezas, quase nunca
empregadas. Para o autor, as gramáticas menores devem sempre ser as
escolhidas pelos alunos, deixando-se as maiores como referência para
professores apaixonados por regras gramaticais e que precisam carregar
“huma Grammatica em Folio, com todas as miudezas de Definições, e
Conjugações repetidas etc. Etc. Etc.; as quaeselles por si sós não sabem
explicar ao estudante” (TILBURY, 1827, p. ii).

A Arte Ingleza pode ser encontrada na Biblioteca Nacional, na seção de


obras comuns, estando em estágio avançado de decomposição. Trata-se
de uma obra rara, mas que ainda é considerada como sendo comum, sem
que nenhum cuidado com sua preservação e restauração seja tomado.
Além do seu repúdio a gramáticas mais complexas, Tilbury se mostrou
preocupado com o modo pelo qual os alunos seriam preparados para al-
gumas profissões, com destaque para o comércio, “em que a Nação In-
gleza tem indisputavel primazia” (TILBURY, 1827, p. ii-iv), o que justifi-
cava todo o esforço para o aprendizado do inglês.

Tilbury se mostrou um defensor ferrenho não só do ensino de línguas


baseado na concisão de regras, de forma a ajudar o aluno sem os exces-
sos e exageros que longas e enfadonhas regras trazem para a aprendi-
zagem, mas, também, uma voz em defesa do ensino do inglês e contra
o domínio francês e a soberba francesa frente ao grande destaque que a
França conquistava, servindo como modelo educacional e como fonte
inesgotável de escritos considerados como modelos a serem seguidos
16 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Na nota introdutória de sua Arte Ingleza, o padre inglês exalta a Litera-


tura Inglesa, considerada por ele como sendo a única voz capaz de fazer
com que sejamos capazes de distinguir a verdadeira liberdade Social,
do desenfreado liberalismo do século, proposto pela França. Ao se re-
ferir à língua inglesa, o autor destaca que

ao Philosopho Moralista e aos homens Facultativos ella [a


Língua Inglesa] offerece Thesouros preciosissimos; e o Theo-
logo mesmo, nas obras de hum Leland, de um Lardner e de
hum Paley achará argumentos irrefráveis, e os melhores an-
titodos contra a ímpia Philosophia Franceza, que já entre nós
tem ameaçado ao Altar e ao Throno (TILBURY, 1827, p. ii, iv).

Figura 1:
Folha de rosto da Arte Ingleza
Fonte: TILBURY, 1827
Guilherme Tilbury e o ensino de inglês no Brasil oitocentista: luta e resistência 17

Assim, Tilbury mostrava uma preocupação em valorizaro Inglês e se


opor à rápida difusão da língua francesa em terras brasileiras, podendo
a sua obra servir, então, de “antídoto” contra a filosofia francesa. Vários
argumentos foram utilizados pelo britânico para combater a excessiva
idolatria pelo francês. Entre estes argumentos, Tilbury chegou a insinuar
que nem mesmo os autores franceses lidos eram os grandes escritores
da época, e assim, esse apego à língua francesa era desproporcional, o
que poderia ser sanado quando os olhos da nação brasileira se voltassem
também para o estudo do inglês, já que “se, como dizem, a França e a
Inglaterra são os dois olhos da Europa, para que contentar-se em ver por
hum delles só? Ou quando assim se fizer, escolha-se ao menos aquelle
que contenha a vista mais comprida” (Tilbury, 1827, p. ii).

É notório o despertar por um sentimento de defesa da profissão de


professor de inglês na sua Arte, de modo que, diante do cenário apre-
sentado, para assegurar esse campo de trabalho, era melhor tentar
conquistar o mesmo espaço que o francês já havia dominado, para que
o inglês pudesse também ser valorizado.

Em 1844, Tilbury publicou um outro compêndio para o ensino de língua


inglesa, intitulado Primeiras Regras da Língua Ingleza, tirada dos me-
lhores authores, e adaptadas ao uso da mocidade brasileira, seguindo
o mesmo estilo do compêndio anterior e primando pelo trabalho grama-
tical feito com regras simples, desta vez dispostas em apenas 30 páginas.

Facil seria amplificar esta artinha, mas então ficaria baldado


meu intento, que era, facilitar e abreviar os primeiros pas-
sos no estudo desta Lingua. Com esta arte e hum Dicionario,
qualquer que entende do seu uso, facilmente chegará a tra-
duzir o Inglez sem precisar de Mestre, e para quem quizer
maiores conhecimentos Grammaticaes, não faltão no Rio de
Janeiro obras mais extensas (TILBURY, 1844, p. 30).
18 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Na folha de rosto desta sua obra, Tilburyreforça a sua atividade como


“Mestre de Inglez de S. I. D. Pedro Primeiro; de S. M. F. D. Maria Se-
gunda, das SS. PP. Imperiaes e ProfesorRegio Jubilado” (TILBURY, 1844,
p.ii). Este jubilamento significou um capítulo de luta intensa na vida do
padre britânico, que passou vinte e um anos entre processos na Câmara
dos Deputados e no Senado (1840 a 1861), para que seu emprego pudes-
se ser recuperado e todos os ordenados devidos pagos, como forma de
recompensa pelas injustiças passadas.

Jubilamento, restituição do cargo e pagamento dos or-


denados devidos

Após ter sido nomeado com a carta régia de 21 de maio de 1821 como pro-
fessor público, William Paul Tilburyfoi suspenso de suas atribuições em
9 de julho de 1831, por deliberação da corte, reassumindo as suas fun-
ções de Professor de Língua Inglesa do Rio de Janeiro em 1848. Desde sua
saída, tem-se uma verdadeira luta do padre inglês para a recuperação
do seu cargo e das remunerações devidas, sob a alegação de ter sido sua
destituição arbitrária e injusta. Interessante observar que o ano de sua
saída coincide com o da abdicação do seu amigo e companheiro D. Pedro
I, o que já sinalizava uma possível revanche por desavença a regência de
D. Pedro II. Interessante observar que, em 26 de março de 1832, José Bo-
nifácio nomeou o também Inglês Nathanael Lucas para substituir Tilbury
no seu cargo de professor público, sabendo-se que o até então integrante
da Comissão de Liquidação das Presas Inglesas havia se oferecido para
ensinar a língua inglesa na corte (BRASIL, 1976).

A busca pela recuperação dos seus direitos levou Tilbury a uma briga na
câmara dos deputados e no senado que se iniciou em 1840 e só foi fina-
Guilherme Tilbury e o ensino de inglês no Brasil oitocentista: luta e resistência 19

lizada em 1861, com a autorização do pagamento dos salários não re-


cebidos. Os nove anos transcorridos do jubilamento até a entrada com
o processo causam estranheza, uma vez que, mesmo tendo recuperado
o cargo, Tilbury continuou sua luta pela reparação dos danos sofridos,
o que prova que não foi a falta de determinação que o impediu de abrir
processo imediato. Talvez a tristeza e inconformismo pela injustiça, a
constatação de cenário inalterado e a manutenção de desafetos no po-
der tenham tido alguma influência nessa demora em se buscar justiça.

Tilbury era conhecido por defender os pensamentos do ultramontanis-


mo, através dos quais buscava-se o combate à maçonaria e a defesa da
ordem papal, o que não era visto com bons olhos no Brasil. Juntamente
com Luís Gonçalves dos Santos (o padre Perereca – 1767-1844), Tilbury
era visto como ultramontino radical, entrando em atrito constante
com o Padre Feijó pela liberação do casamento de padres. Esse combate
frontal com Diogo António Feijó (1784-1843) pode explicar o porquê
da destituição de Tilbury do cargo de Professor público (COSTA, 2009),
uma vez que, após análise dos anais do Senado e da Câmara de Deputa-
dos, o caráter político desta ação se tornou evidente.

Os relatos dos anais do Senado de junho de 1840 retratam as discussões


levantadas sobre o requerimento feito, naquele ano, por Guilherme
Tilbury. No dia 01 de junho de 1840, o ministro do império apresentou
as informações solicitadas para o andamento do processo, mas o pare-
cer da instrução pública indeferiu o requerimento feito, aprovando as
contas relativas à tutoria do Imperador e de suas augustas irmãs, re-
ferentes ao período de 1° de abril de 1835 a 31 de março de1839, o que
comprova a continuidade de relações de Tilbury com o imperador e o
seu cargo de Mestre de inglês da família real (BRASIL, 1978, p. 46-47).

O relatório da instrução pública é trazido novamente à discussão no dia


22 de junho pelo Senador José Saturnino da Costa Pereira (1771-1852),
20 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

inconformado com a decisão do senado, por considerar que aquele era


o local apropriado para reverter qualquer injustiça reclamada pelos
cidadãos que moravam no Brasil, uma vez que o corpo legislativo “é o
executor da Constituição, e a quem,por conseqüência, compete sua
interpretação, ao menos doutrinal”. O senador relata ser conhecimento
de todos que muitas injustiças cometidas pelo governo imperial foram
confirmadas e que se outros cidadãos recuperaram perdas injustas de
emprego, porque não poderia acontecer a mesma coisa com o reque-
rente, já que a única resposta dada pelo governo havia sido apenas a data
da demissão, sem nenhuma justificativa ou esclarecimento. A arbitra-
riedade da demissão por questões políticas é trazida à tona pelo Senador
Saturnino, ao afirmar que “na época em que o padreTilbury foi demitido,
muito mais demissões se deram por motivos deopiniões, e que hoje se
tem reconhecido, pela grande maioria daNação, que tais opiniões não
foram jamais antinacionais” (BRASIL, 1978, p. 46-174-175).

O discurso de Saturnino foi contestado por outros senadores, como o


Sr. José Bento Leite Ferreira de Mello (1785-1844), sob a alegação de que
não se pode invadir as atribuições de outros poderes, e que se a regência
demitiu o recorrente, sabia o que estava fazendo. Ademais, o fato de Til-
bury ter esperado até 1840 para solicitar o seu emprego de volta causou,
segundo o senador, uma estranheza ou, até mesmo, um conformismo
respaldado em um possível reconhecimento de culpa (Idem, p. 177).

Ao rebater o discurso do seu colega, o Sr. Saturnino relembrou que o


cargo de professor público é vitalício, e seu ocupante só pode ser des-
tituído por processo julgado, caso contrário, somente suspensões po-
dem ser dadas. Para o parlamentar, não há dúvidas que houve arbitra-
riedade na ação, uma vez que nem uma simples linha de justificativa
foi fornecida ao senado (Idem, p. 178). Apesar da tentativa do Senador
em reverter o parecer dado sobre o indeferimento da solicitação do Pe.
Guilherme Tilbury, o parecer foi aprovado, não tendo sido permitida
Guilherme Tilbury e o ensino de inglês no Brasil oitocentista: luta e resistência 21

a reintegração do suplicante ao seu cargo original, com a ressalva de


que só o governo imperial poderia restituir algo que fora anteriormente
retirado, o que aconteceu mediante ato do governo imperial de 27 de
fevereiro de 1848 (BRASIL, 1875, p. 229).

Após a recuperação do seu emprego, a luta de Tilbury continuava, com o


objetivo de ter os ordenados referentes ao período em que ficou afastado
da função pagos pelos cofres públicos. Assim, nos anais da câmara dos
deputados de 27 de agosto de 1855, fica explicitado que, ao ser analisada
a demissão do Padre Guilherme Tilbury como tendo sido procedente de
portaria do ministério dosnegócios do império, em decorrência de “uma
injustiça e uma violação de lei e de seus direitos”, foi solicitada a resti-
tuição do ordenado devido durante todo o tempo que ficou afastado do
seu cargo, de modo que o governo imperial deveria fornecer informa-
ções adicionais, com o objetivo de sanar possíveis dúvidas antes de que
qualquer parecer pudesse ser dado (BRASIL, 1875, p. 229).

Após longos debates parlamentares, a sessão ordinária do dia 04 de se-


tembro de 1860, aprovou, em terceira discussão, a autorização neces-
sária para que todos os ordenados correspondentes ao tempo em que
ficou privado do exercício da cadeira de língua inglesa fossem pagos,
devendo esta autorização subir para a sanção imperial para providên-
cias. Assim, Tilbury deveria receber 400$000 por ano de privação de
recebimento de proventos, devendo o cálculo ser feito de 29 de julho
de 1831 a 27 de fevereiro de 1848 (BRASIL, 1860, p. 282). A oficialização
enviada ao imperador para pagamento dos ordenados devidos à Tilbury
só foi despachada quase oito meses após a sua deliberação, na sessão de
7 de maio de 1861, sob a presidência do Sr. Visconde de Camaragibe
(1806-1875), havendo o retorno do imperador sido publicado na
sessão de 11 de maio do mesmo ano, por ofício enviado ao Senado pelo
ministério dos negócios do império, por meio do qual o S. M. Impera-
dor declarava consentir e autorizar o governo a satisfazer a Guilherme
22 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Tilbury todo o ordenado devido ao tempo em que esteve privado do


exercido da cadeira de inglês (BRASIL, 1861, p. 239, 282).

Padre Tilbury: Aulas particulares e outras obras

Apesar de se mostrar avesso ao ensino do Francês, controversamente,


o Padre Tilbury também oferecia à comunidade aulas particulares neste
idioma, tendo, inclusive, escrito um compêndio da língua francesa em
1823 (Introduction to the study of the French Language), antes mesmo
da publicação de sua Arte, aproveitando o seu bom domínio da língua
francesa. Essa habilidade, contudo, não o impediu de ser um dos mais
ferrenhos defensores da língua inglesa no século XIX, pois percebia
que, apesar da presença inglesa massiva no Brasil, o Francês continua-
va sendo a língua de acesso à cultura. É bastante provável que, devido
à facilidade em conseguir alunos particulares para o Francês, dada à
grande receptividade desta língua, Tilbury deva ter se dedicado a esse
ensino, para aumentar a renda mensal(SANTOS, 2010).

O Almanak Laemmert, produzido pelos irmãos Eduard e Heinrich


Laemmert, de 1844 a 1889, pode ser considerado como um dos grandes
veículos de informação do império, conhecido pelos seus classificados,
principalmente na oferta de trabalho para os moradores do Rio de Ja-
neiro. Ao analisar as colunas dedicadas aos professores de línguas, per-
cebemos que Tilbury anunciou seus trabalhos como professor de inglês
e francês de 1844 a 1850, ensinando, inicialmente, na sua casa, na Rua
do Cano, nº 122. O reverendo inglês dava aulas de francês às 9h da ma-
nhã e de inglês nas noites das segundas, quartas e sextas, sinalizando
uma possível procura maior pelo francês, já que todas as manhãs eram
oferecidas, diferentemente do inglês, com apenas três turnos.
Guilherme Tilbury e o ensino de inglês no Brasil oitocentista: luta e resistência 23

No ano de 1844, são encontrados cinco anúncios para aulas de fran-


cês (Revrdo Guilherme Tilbury, Henrique Bertrand, Joaquim Russel,
L. Emonin, Pe. Marcellino Pinto Ribeiro Duarte) e quatro anúncios
para aulas de inglês (George Gibson, G. Milford, Guilherme Tilbury,
Joaquim Russel), tendo dois professores ofertado seus serviços para
o ensino dos dois idiomas (LAEMMERT, 1843, p. 214-215). A quase
que igualdade no número de professores para cada aula pode dar uma
ideia de que a procura era igual. No entanto, o crescimento acentuado
no número de pessoas interessadas em ensinar francês nas edições
seguintes nos dá uma melhor ideia sobre a grande influência francesa
nos estudos da mocidade da corte.

Tilbury continuou ofertando seus trabalhos no Almanak Laemmert até


o ano de 1850, agora com aulas ministradas no Largo do Carioca, n. 7.
Talvez a idade já avançada, ou a recuperação do cargo de professor pú-
blico da corte tenham influenciado na sua decisão de não mais anunciar
seus trabalhos como professor particular. Interessante, no entanto, é
observar o grande aumento no número de pessoas que se colocavam
para ensinar inglês e francês no Rio de Janeiro. Em 1850, tivemos vin-
te professores de francês (Antonio Alves Branco Muniz Barreto, Barão
de Tautpoeus, C. H. Lagôa, Ermelindo Jose Esposto, Eusebio Pedro do
Prado, Felizardo Joaquim da Silva Moraes, Francisco José Borges, Revr-
do Guilherme Paulo Tilbury, H. Furcy, J. B. Clement, João José Moreira,
João Francisco de Araujo Lessa, João Maximiano Mafra, José Domingos
Torres, J. J. Gonet, Luiz AntonioBurgain, Paulo Perestello da Camara P.
Orlandini, Prevost de Bord, Severiado Duarte da Silva) e nove de inglês
(C. H. Lagôa, Diogo Maze, Edmundo Christie, George Gibson, Revrdo
Guilherme Paulo Tilbury, Joaquim Russel, Manoel Rabello, Paulo Pe-
restello da Camara, Ximenes), com três destes se colocando à disposi-
ção para ensinar os dois idiomas (LAEMMERT, 1850, p. 301-302).
24 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Em 1860, essa proporção se manteve, tendo sido encontrados 28 anún-


cios para aulas de francês (Adolpho DAux, Alphonso de Morreng, Alvaro
Jose da Silva, Antonio Luiz de Araújo Barros, Antonio Carlos de Azeve-
do Coimbra, A. Autret, Belarmino de Arruda Camaco, Carlos Augusto
Michau, Casimiro Lientand, Celestino Vieu, Emilio Mege, F. A. Barbosa,
Dr. Fernando de Brito, MmeGalot, João Diogo Esteves da Silva, José Do-
mingos Torres, J. S. Berenger, Luiz AntonioBurgain, Pe. Manoel Emilio
Vieira de Castro, Pe. Miguel Joaquim D’Araujo, MmeMongie, P. Orlan-
dini, Rodolpho Prayon, D. Rosa Albertina de Mello Figueiredo, Schulze,
Victor Boulangier, viúva do Dr. Soulier de Sauve, Ximenes) e 13 de inglês
(Antonio Luiz de Araújo Barros, F. A. Barbosa, Dr. Fernando de Brito,
Frederico Lipps, Henrique Gust. Tiepke, João Diogo Esteves da Silva, J.
Maia, Manoel Rabello, Pe Marc Neville, P. Orlandini, Thomaz Gosling,
William R. Esher, Ximenes), com seis anúncios dedicados ao ensino tan-
to do inglês quanto do francês (HARING, 1860, p. 525-526).

Entre as obras publicadas por Guilherme Tilbury, algumas tiveram boa


circulação e puderam ser encontradas em acervos online, tendo sido
também relacionadas em obras bibliográficas, como o Boletim biblio-
gráfico (BRASIL, 1976) e o Diccionario bibliographico portuguez (SILVA,
1870), com destaque para aquelas relacionadas ao ensino, como: Intro-
duction to the study of the French Language (1823), Breve introdução
ao estudo da geografia, adaptada ao uso dos mapas francezes e ingleses
(1823), Breve explicação sobre a grammatica (1823), Arte Inglesa (1827)
e Primeiras Regras da Língua Ingleza (1844); como as direcionadas ao
fortalecimento do seu posicionamento político ultramontino. Entre es-
tas obras, destacam-se: Exposição franca sobre a maçonaria por hum
ex-maçon que abjurou a Sociedade (1826), Antídoto salutífero contra o
Despertador Constitucional, e exorcismos contra o mesmo (1826) e An-
títodo Católico contra o veneno metodista, ou, refutação do segundo re-
latório do intitulado missionário do Rio de Janeiro (1839).
Guilherme Tilbury e o ensino de inglês no Brasil oitocentista: luta e resistência 25

Algumas considerações

Com a criação da cadeira de língua inglesa em 1809 e a orientação dada


por D. João VI para que os professores nomeados pudessem escrever os
compêndios a serem utilizados nas aulas públicas, o Padre inglês Paulo
Guilherme Tilbury recebeu grande destaque, por ter sido o primeiro pro-
fessor público a seguir a determinação do monarca e ter escrito duas obras
dedicadas ao ensino de língua inglesa: uma em 1827 e outra em 1844.

A importância das obras de Tilbury, além da consolidação das orienta-


ções pela busca da simplificação de regras, é percebida pela voz ecoada
em defesa do ensino do inglês frente à supremacia francesa, uma vez que
essa preocupação foi central nos prefácios escritos pelo autor. Além da
incansável luta pelo estabelecimento de um campo de trabalho, a vida de
Tilbury se caracterizou pela luta política em busca da restituição de seu car-
go público, retirado injustamente, muito provavelmente em decorrência de
desavenças ideológicas envolvendo questões de religião e maçonaria.

Ao percorrer os caminhos traçados por Tilbury na Camada dos Depu-


tados e no Senado, pode-se acompanhar os discursos que fizeram com
que, ao longo de vinte e um anos, a busca pela justiça fosse recompen-
sada com a restituição ao cargo e recebimento dos ordenados que dei-
xaram de ser pagos em decorrência do jubilamento injusto.

Não basta, assim, para o estudo dos autores e obras de uma determina-
da época, a listagem dos livros e dados relativos à cronologia do autor.
É importante uma análise dos discursos pedagógicos, sociais e políticos
que influenciaram os autores e que estão impressos nos prefácios, no-
tas ao leitor, cartas de advertência e discursos parlamentares, para que
possamos ampliar as frentes de avaliação e não nos contentemos com
a história cronológica, que apresentaria a vida de Tilbury apenas como
autor de duas obras de língua inglesa, mestre de inglês da família real e
professor jubilado do Seminário Episcopal de S. José.
26 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Referências
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“História secreta do Brasil” de Gustavo Barroso. Dissertação (Mestrado
em História) – Programa de pós-graduação em História. Universidade
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_______. Annaes do Parlamento Brazileiro. Primeiro anno da undecima


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_______. Colleccão das leis do Império Brasil de 1835: parte primeira.


Rio de Janeiro: Imprensa Nacional: 1864.

_______. Colleccão das leis do Império Brasil de 1833: parte segunda.


Rio de Janeiro: Imprensa Nacional: 1873.

_______.Annaes do Parlamento Brazileiro. Câmara dos Sts. Deputados.


Terceiro ano da nona legislatura. Sessão de 1855. Tomo quarto. Rio de
Janeiro: Typographia de Hyppolito José Pinto &C&a, 1875.

_______. Colleccão das leis do Império Brasil de 1827: parte primeira.


Rio de Janeiro: Imprensa Nacional: 1878a.

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Rio de Janeiro: Imprensa Nacional: 1878b.

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Mário de Andrade. São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo, 1976.
Guilherme Tilbury e o ensino de inglês no Brasil oitocentista: luta e resistência 27

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Ordinária – 4ª Legislatura – sessões de junho de 1840. Brasília: Senado
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e Industrial do Rio de Janeiro para o anno bissexto de 1844 – primeiro
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______.Almanak administrativo Mercantil e Industrial da Corte e


província do Rio de Janeiro para o anno de 1850, organizado e redigido
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LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo:


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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação: Histórica, Política e Sociedade. São Paulo,
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SANTANA, Marcle Vanessa Menezes. A profissão docente como


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SANTOS, Elaine Maria. As reformas pombalinas e as gramáticas inglesas:


percursos do ensino de inglês no Brasil (1759-1827). Dissertação
28 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

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______. Primeiras regras da LinguaIngleza tiradas dos melhores


authores, e adaptadas ao uso da mocidade brasileira por seu cidadão.
Rio de Janeiro: Typ do Diário de S. L. Vianna, 1844.
Capítulo 2

Monsenhor José Curvelo


Soares e o ensino técnico
comercial em Itabaiana

José Paulo Andrade


Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas
Os projetos educativos do século XX, em Sergipe, principalmente no
interior do Estado, contaram com a persistência e, muitas vezes, com
a ousadia de diversos personagens, que empreenderam ações, criaram
possibilidades e garantiram o acesso a uma parcela considerável da po-
pulação à escolarização e formação profissional.

Nosso estudo compreendeua atuação do Monsenhor Soares na cria-


ção e implantação do ensino comercial em Itabaiana, no período de
1967 a 1978, que teve como cenário as transformações socioeconô-
micas ocorridas na época. Como marco inicial, temos a fundação
da instituição e o fechamento da mesma é o marco final. Foram-
trabalhadas as categorias de apropriação e representação de Roger
Chartier (1990), visando aglutinar, através da pesquisa histórica
e da análise das práticas educativas, os valores fundamentais dos
profissionais contabilistas formados pela Escola Técnica de Comér-
cio de Itabaiana.

Na intenção de investigar o protagonismo do Monsenhor José Curve-


lo Soares, analisamos a documentação presente na Cúria Metropoli-
tana de Aracaju, os jornais e outras fontes identificadas no Instituto
Histórico e Geográfico de Sergipe e realizamos coleta de depoimentos
com ex-alunos(as) e ex-professores(as) do referido curso.
Monsenhor José Curvelo Soares e o ensino Técnico comercial em Itabaiana 31

Sendo o Ensino Técnico Comercial um ramo do Ensino Técnico Pro-


fissionalizante, nos é permitido uma vasta gama de possibilidades
de exploração sobre o tema. A pesquisa é favorecida com fontes do-
cumentais variadas, com destaque para as Leis, Decretos, Regula-
mentos e jornais da época, mas carecendo de estudos já realizados
em outras áreas do conhecimento sobre os processos educativos (a
formação e a trajetória profissional) dos indivíduos, suas represen-
tações e apropriações.

Segundo Chartier,

[...] o conceito de apropriação pode ser útil na análise das


práticas culturais, uma vez que devemos considerar as im-
plicações relacionadas à questão e reconstruir trajetórias
complexas, da palavra proferida ao texto escrito, da escri-
ta lida aos gestos feitos, do livro impresso à palavra leitora.
(CHARTIER, 1990, p. 37).

No entanto, “as representações dos sujeitos, consequência de proces-


sos de apropriação, são tão importantes para a compreensão da História
quanto as lutas políticas ou as crises econômicas, já que englobam os co-
nhecimentos dos indivíduos e suas práticas.” (CHARTIER, 1990, p. 17).

Ainda para Chartier (1990, p. 16), a História Cultural, “tal como a enten-
demos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferen-
tes lugares e momentos uma determinada realidade social é construí-
da, pensada, dada a ler”. Assim, buscamos entender os procedimentos
educacionais próprios a esse tipo de ensino, o que envolve categorias
analíticas de estabelecer distinções e menções a teorias (NASCIMENTO,
2004, p. 27), o que nos leva a questionar tais práticas, buscando redi-
mensionar no tempo e no espaço onde elas definitivamente ocorreram,
percebendo o protagonismo dos agentes e suas estratégias mobilizadas.
32 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Aspectos da trajetória do Monsenhor Soares

José Curvelo Soares (17/3/1911 – 06/04/1989) nasceu em Nossa Senhora


das Dores/Sergipe. Filho do comerciante (dono de uma casa de tecidos)
Manuel Joaquim Soares e de Emília Curvelo Soares. Foi incentivado a
se dedicar à vida sacerdotal pelo Padre Elpídio Teixeira, pároco de sua
cidade. Em 1924, entrou para o Seminário Sagrado Coração de Jesus,
onde se ordenou em 1934. Ainda seminarista, começou sua carreira de
professor (1928 e 1937-1939).

Em 1935, com apenas um ano de sua ordenação, o Padre José Curve-


lo Soares assumiu a reitoria do Seminário, que estava fechado, desde
1933, por ordem da Santa Sé. Foi Vigário em paróquias como a de São
José, onde permaneceu nove anos, de Nossa Senhora de Lourdes, no
bairro Siqueira Campos, na Paróquia de Propriá, e atuou como auxiliar
do Padre Graça Leite, na Paróquia de Aquidabã, de onde saiu para assu-
mir a Paróquia de Itabaiana. Auxiliou D. Fernando Gomes, preparando
as condições materiais para a criação da Diocese de Propriá. Foi ainda
Cônego efetivo do Cabido Diocesano. Modernizou e dirigiu o jornal “A
Defesa”, editado em Propriá, onde fundou o primeiro ginásio da cida-
de, o Ginásio Diocesano de Propriá. Criou a Escola de Comércio e a Casa
do Estudante Pobre, em Itabaiana, sendo que a segunda abrangia os
municípios de Campo do Brito, Areia Branca e Macambira.

Monsenhor José Curvelo Soares tomou posse efetivamente na Paróquia


de Santo Antônio e Almas de Itabaiana, em reunião no dia 2 de abril
de 1967, quando foi apresentado aos membros da CASCI. Entretanto,
sua apresentação ao povo de Itabaiana aconteceu em uma quinta-feira,
antes da data referida, em solenidade que contou com a presença do
Arcebispo Dom José Vicente Távora e do Bispo Auxiliar Dom Luciano
José Cabral Duarte, e com outros Párocos das cidades vizinhas como:
Padre José Balbino da cidade de Pinhão e do Padre João Lima Feitosa da
cidade de Frei Paulo (JORNAL “A CRUZADA” 1/4/1967).
Monsenhor José Curvelo Soares e o ensino Técnico comercial em Itabaiana 33

Após missa realizada pelo Arcebispo Dom José Vicente Tá-


vora, onde a população do município Modelo de Sergipe
participou com grande entusiasmo, o Arcebispo Metropo-
litano, usando da palavra fez a entrega da Paróquia ao Mon-
senhor Soares, tecendo elogios à cidade serrana pelas suas
tradições e pela sua moral. Disse também da confiança que
depositava no novo vigário uma figura das que mais presta-
ram serviços à Arquidiocese. Em seguida, Monsenhor José
Curvelo Soares, falou demonstrando dedicação e disposição
para dirigir espiritualmente o povo de Itabaiana (JORNAL
“A CRUZADA”, 1/4/1967).

As obras realizadas pelo Monsenhor Soares, nas paróquias por onde


passou, trouxeram desenvolvimento para a comunidade, visto que to-
das elas foram de cunho social, principalmente voltada para as clas-
ses menos abastadas. Entre elas estão a construção da casa paroquial
e reforma da Igreja Nossa Senhora de Lourdes no antigo bairro Aribé,
atualmente Siqueira Campos. Também foi presidente da COHAB (Com-
panhia Habitacional de Sergipe), construiu o “Conjunto Castelo Bran-
co”, o primeiro conjunto residencial na cidade de Aracaju. Na cidade
de Propriá, reconstruiu a Igreja, fundou a Escola Técnica de Comércio
e modernizou o Jornal “A Defesa”. Em Itabaiana, reconstruiu a Igreja
Matriz, fundou a Escola Técnica de Comércio, a Casa do Estudante Po-
bre e o Abrigo de Menores Otoniel Dórea. Depois foi transferido para
a Paróquia de Penedo, em Alagoas, onde foi empossado como Vigário
da Paróquia da cidade de Arapiraca. Lá construiu uma Igreja, denomi-
nada pelos paroquianos de “Basiléia” e logo após sua estadia (sem ter
realizado seu sonho de se tornar Bispo) retorna para Aracaju, quando
assume as seguintes paróquias: a do Sol Nascente e de São Pedro e São
Paulo, no bairro Treze de Julho.

Depois de cumprida sua missão como eclesiástico, Monsenhor Soares


recolheu-se ao convívio familiar, passando a viver com sua irmã mais
velha e uma sobrinha. Ao completar 50 anos de Ordenação, no dia 26
34 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

de agosto de 1984, seus parentes, paroquianos e amigos prestaram-lhe


uma homenagem. Cinco anos depois, no dia 6 de abril de 1989, veio a
falecer na cidade de Aracaju-SE.

A Escola Técnica de Comércio de Itabaiana: criação,


implantação e declínio

O processo de formação dos alunos da Escola Técnica de Comércio de


Itabaiana deu-se quando Monsenhor José Curvelo Soares foi apre-
sentado aos membros do Centro de Ação Social Católica de Itabaiana
(CASCI). Ele teve a ideia de fundar uma Escola Técnica de Comércio,
para amparar os alunos que concluíam o curso Ginasial mas não ti-
nham condições de prosseguirem seus estudos na capital do estado.
Isso acontecia porque em Itabaiana, no ano de 1967, somente existia o
curso Normal, direcionado para formação de Professoras.

Esse fato é mencionado nos depoimentos colhidos com os ex-alunos


entrevistados. De acordo com os mesmos, eles poderiam abraçar um
curso de menor duração, que os direcionava apenas para o mercado de
trabalho local, atendendo assim, a uma demanda existente na cidade
de Itabaiana. José Rivadálvio Lima destacou em seu depoimento:

Primeiramente, naquele momento é até 1969, no início de


69, não existia em Itabaiana o segundo grau. Todos nós que
nos formamos antes tivemos pais que com muitas dificulda-
des nos enviaram para estudar o segundo grau em Aracaju.
Naquele tempo, se chamava curso Científico. Em Itabaiana
só tinha o curso Normal. E posteriormente com a criação da
Escola Técnica foi outra opção. Concomitantemente, a par-
tir de 69, aí surgiu o curso cientifico. Mas o curso técnico
abriu uma perspectiva justamente quando ela foi criada [...]
Os pais não tinham condições socioeconômicas de colocar
Monsenhor José Curvelo Soares e o ensino Técnico comercial em Itabaiana 35

seus filhos para estudar em Aracaju, fazer curso técnico e


consequentemente ingressar numa profissão ligada ao co-
mércio. E como falei era uma pujança até os dias atuais.
(LIMA, 2011).

Assim como nos falou José Antônio Macedo ao ser questionado sobre
qual o motivo que o levou a iniciar o curso de Técnico em Contabilidade:

O motivo principal foi reforçar o meu conceito porque eu


tirei a 8ª série, na época o 4º ano ginasial. Depois do 4º ano,
aqui em Itabaiana, nós não tínhamos o científico, em 1967.
Aí a gente partiu para a Escola Técnica. A aprendizagem
mais significativa na minha trajetória na Escola Técnica, foi
porque com o curso de Contabilidade, a gente podia traba-
lhar exercer a profissão de técnico em Contabilidade e que
isso ia me dar uma sustentação. (MACEDO, 2011).

A Escola Técnica de Comércio, para a comunidade itabaianense, foi


uma grande obra de cunho socioeconômico e cultural naquele mo-
mento, que repercute até os dias atuais. Podemos confirmar a assertiva
acima nos depoimentos colhidos como, por exemplo, Airton Almeida
Maciel: “mas para mim, o mais importante da minha vida foi esse curso
que até hoje criei minha família, e trabalhei e mantenho meu escritório
até hoje”(MACIEL, 2011)

A ex-aluna, Maria José Oliveira, tem uma história peculiar por ter cursa-
do no Colégio Estadual Murilo Braga, o curso Normal em 1973. Ela já en-
trou sendo aceita como portadora de diploma, cursando o 2º ano do curso
Técnico em Contabilidade. Para o ex-aluno Miburge Bolívar Góis, o curso
Técnico em Contabilidade teve uma importante contribuição em sua vida
pessoal e profissional, como também para a comunidade itabaianense.

Dessa forma, percebemos que a Escola teve uma função (no campo so-
cial e econômico) fundamental para a construção de uma sociedade
mais justa e equilibrada em suas ações e determinações.
36 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Nesta perspectiva, que elevava a todos como um empreendimento sa-


lutar e promissor, a Escola Técnica tinha em seus alunos a vontade de
aprender, se desenvolver e, em especial, adquirir sua independência
financeira. Também significava aquisição e manutenção de capital so-
cial e capital cultural. Um dos fatores ao qual se deve o grande sucesso
dos alunos ao deixarem a Escola estava no relacionamento entre eles,
os professores e a direção. Assim assegurou José Antônio Macedo, so-
bre a relação entre alunos e professores, conforme suas palavras:

A relação era a melhor possível de alunos com os professores


e a direção em se tratando de curso técnico, você deve saber
que o interesse de quem procura o curso era o melhor possí-
vel. O interesse de aprender para se fortalecer, então a gente
tinha que fazer tratar a direção e os professores com o maior
carinho do mundo porque nós que na verdade pagávamos
e nós precisávamos daquilo que era bom para nós, para o
futuro, que não é o caso de hoje que há dificuldade, os alu-
nos ficam brincando demais, não tem aquele interesse todo.
Mas é uma diferença muito grande, de hoje para o passado.
No passado a vontade era grande. (MACEDO, 2011).

Assim, em depoimentos dados pelos ex-alunos, identifica-se de forma


clara de tal afirmação. Outro exemplo é o que fala José Antônio Mace-
do, quando indagado sobre a relação entre os colegas: “A relação era a
melhor possível, primeiro, porque é como se diz quando você vai fazer
um curso técnico, é porque você tem interesse em fazer alguma coisa
para o seu próprio bem”. (MACEDO, 2011).

Por fim, todos os alunos entrevistados tiveram opiniões semelhantes


sobre a relação entre os diferentes dirigentes da instituição. O Sr. José
Antônio Moura, aluno que buscou o curso Técnico em Contabilidade,
para auxiliar nas atividades de comércio que sua família possuía na ci-
dade, destacou:
Monsenhor José Curvelo Soares e o ensino Técnico comercial em Itabaiana 37

Excelente. Primeiro porque nós tínhamos naquela época um


grupo de professores muito bom, excelente que muito deles
lecionavam no próprio Murilo Braga e por intermédio do Pá-
roco da cidade, eles começaram a lecionar na Escola Técnica.
Por isso, que a gente adquiriu esse conhecimento, que eu me
sinto até orgulhoso de ter feito esse curso. (MOURA, 2011).

O bom relacionamento entre os alunos e o corpo administrativo e do-


cente também pode ser notado no momento de solenidade de colação
de grau, da primeira turma, quando a entrega dos diplomas era feita
pelos membros do CASCI (Centro de Ação Social Católica de Itabaiana),
com a participação da sociedade itabaianense.

Para José Rivadálvio Lima, essa relação entre a diretoria da Escola e os


alunos poderia ter sido mais constante. Em depoimento, ele afirmou:

O diretor, pelas suas múltiplas atividades diárias, geralmente


mais um abnegado com o trabalho a que se propôs de criar
e desenvolver uma escola técnica, da necessidade, da pu-
jança que sempre teve o comérciode Itabaiana em toda sua
História. Ele sempre passava por lá não diuturnamente, mas
frequentemente. É a secretária Telma, que praticamente diri-
gia a Escola, por sinal foi minha colega no curso de formação
ginasial quando concluímos o ginásio em 1964, uma pessoa
equilibrada, cordata e responsável. Realmente o número de
alunos não era tão grande, pela demanda, de forma que a
maioria dos alunos tinha uma relação amistosa com todos os
professores e com a direção da escola. (LIMA, 2011).

Outro traço indicado nas relações entre os alunos e dirigentes, rela-


cionado a um aspecto mais amplo das tradições da cultura escolar, era
a colação de grau, que de modo especial é um dos momentos que pro-
voca mudanças que se leva para toda a vida. Tratava-se de um rito de
passagem, que marcava as transformações de um saber em condições
de luta pela existência.
38 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Maria Telma de Oliveira ressaltou a relação com a Direção. Apesar de a


presença do Monsenhor não ser constante, não havia atrito entre o corpo
discente e os docentes da instituição. Os depoimentos convergem na ideia
de que mantinham uma relação amistosa de respeito e profissionalismo.
Ou seja, os problemas imediatos eram solucionados pela secretaria.

Em outros momentos, alguns entrevistados lembraram-se das dis-


ciplinas cursadas fazendo alusão à sua importância para formação do
profissional contabilista: “Na última turma, o terceiro ano era Portu-
guês, Estatística, Contabilidade Pública, Legislação Aplicada, Geografia
Econômica, Contabilidade Industrial, Contabilidade Agrícola e Análise
de Balanço.” (LIMA, 2011).

Da mesma forma para o Sr. José Antônio Moura, ao ser perguntado


sobre as matérias do curso, registrou: “Ah,lembro, a gente tinha aula
prática, tinha teórica. A gente estudou Direito Usual. Nós estudamos a
própria Contabilidade, que era essencial, Matemática, Português e etc.
Normalmente o currículo total, mas o importante mesmo era a parte da
Contabilidade Comercial” (MOURA, 2011). Para o Sr. Miburge Bolívar
Góis, quando perguntado sobre como a grade curricular estava com-
posta, respondeu: “As matérias eram Português, Matemática, Conta-
bilidade Geral, Contabilidade Comercial, Ciências, História [...] mais
ou menos por aí.” (GÓIS, 2011).

O Quadro 1 apresenta a distribuição das disciplinas do Curso Técnico


em Contabilidade oferecido em Itabaiana.
Monsenhor José Curvelo Soares e o ensino Técnico comercial em Itabaiana 39

Quadro 1: Distribuição das disciplinas do Curso Técnico de Contabilidade na Escola


Técnica de Comércio de Itabaiana (1973 – 1975).

NOME DA DISCIPLINA 1º ANO 2º ANO 3º ANO

Português X X X
Matemática X X -
Contabilidade Geral X - -
História X - -
Economia X - -
Educação Moral X - -
Ciências X - -
Inglês X X -
Contabilidade Comercial - X -
Organização Técnica e Comercial - X -
Contabilidade Bancária - X -
Direito Usual - X -
Estatística - - X
Contabilidade Pública - - X
Legislação Aplicada - - X
Geografia Econômica - - X
Contabilidade Industrial - - X
Contabilidade Agrícola - - X
Análise de Balanço - - X

Fonte: Elaborado pelos autores.

Analisando o quadro anterior, percebemos que o primeiro ano é com-


posto por disciplinas básicas para a época, sendo que a disciplina Portu-
guês também compõe a grade curricular no segundo e terceiro ano. As
disciplinas de Matemática e Inglês aparecem apenas no 1º e 2º ano. Em
relação à parte profissional do exercício da Contabilidade, ela tem maior
presença na grade curricular no segundo e no terceiro ano do curso.

Foi a partir de 1971, que se acentuaram as dificuldades vividas pela Es-


cola Técnica de Comércio de Itabaiana com relação à manutenção de
40 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

suas atividades. Foi o que relatou o Monsenhor Soares em reunião no


CASCI, no dia 20 de março:

Feita à leitura da ata e por todos aprovados o Mons. José


Curvelo Soares, Assistente Eclesiástico falou sobre as di-
ficuldades que tem surgido para a manutenção da Escola
Técnica de Comércio, devido o pequeno número de alunos e
conseqüente diminuição da receita. Comunicou que a Pre-
feitura Municipal contribuiu com uma subvenção de Cr$
300,00 mensais, o que tem sido a solução da Escola.1

Desse momento em diante, a Escola Técnica passou a viver sempre em


dificuldades financeiras para se manter, necessitando constantemente
do auxílio do Governo Municipal. Nessa reunião, o Presidente do CAS-
CI, Sr. Hênio Araújo levantou uma hipótese, indagando “se não have-
ria possibilidade de se conseguir uma subvenção do Governo Estadual
para melhorar a situação”. Com o passar do tempo, as dificuldades só
foram aumentando, como já fora citado anteriormente. Em determina-
do momento, no dia 25 de maio de 1972, Monsenhor Soares, em reunião
do CASCI, informou que iria a uma reunião do Rotary Club para expor
a situação em que se encontrava a Escola de Comércio. Nessa reunião
estavam presentes, além dos membros do Rotary Club, o Prefeito da ci-
dade, o Sr. Filadelfo Araújo e Monsenhor Soares. O objetivo principal
era verificar a possibilidade de a Prefeitura Municipal passar assumir a
responsabilidade administrativa da Escola de Comércio. A manifestação
do Sr. Prefeito foi favorável à ideia, porém, ressaltou que necessitava da
aprovação da Câmara de Vereadores. Nesse ínterim, o Executivo Munici-
pal elaborou o Projeto de Lei nº 3, de 3 de julho de 1972, que dispõe sobre
a transferência da Escola Técnica de Comércio de Itabaiana para a Gestão
da Prefeitura Municipal, conforme encaminhamento e projeto a seguir.

1 LIVRO de Ata nº1 da Paróquia de Santo Antônio e Almas de Itabaiana. Ata nº 3, p.


4, 20 de março de 1971. Texto mantido com a grafia da época.
Monsenhor José Curvelo Soares e o ensino Técnico comercial em Itabaiana 41

O Projeto nº 3, de 3 de julho de 1972, tratava além da transferência


da Escola, da liberação de verba no valor de C$ 20.000,00 (Vinte Mil
Cruzeiros), para as despesas decorrentes da transferência. Ao Gover-
no Municipal ficava reservado o direito de, obedecendo à Legislação
vigente, contratar, demitir e nomear todo o pessoal necessário ao fun-
cionamento da Escola. Também estava disposto que a Escola daria em
doação para a Prefeitura Municipal o terreno e o prédio em que se loca-
liza. Em contrapartida, à Prefeitura Municipal caberia organizar e por
em perfeito funcionamento a Escola.

Assim, junto com o Projeto nº 3, foram também encaminhados outros do-


cumentos pelo Ofício 40/72, de 3 de julho de 1972, que demonstrava as
despesas financeiras do segundo semestre da Escola Técnica de Comércio.

E também foi encaminhado, através do Ofício nº 43/72, o Parecer do Con-


sultor Jurídico do Instituto Brasileiro de Administração Municipal,2 que
proporcionava uma maior visibilidade das condições pelas quais passava a
Escola, assim como, se valia de fundamentação legal para efetuar a transfe-
rência da Escola para a Prefeitura Municipal. No dia 25 de julho de 1972 so-
mente houve apreciação da matéria, ficando a votação para dois dias depois.

No dia 27 de julho de 1972, em sessão extraordinária na Câmara Munici-


pal, os vereadores se reuniram para apreciação da matéria. Após todos os
protocolos legais de leitura da ata anterior e esclarecimento do objetivo
da convocação extraordinária, e acordado entre os vereadores que a vo-
tação seria secreta, o Presidente da casa propôs a votação. Ao término e
apurados os votos, o Projeto foi rejeitado por 9 (nove) votos contra, e 3
(três) a favor da transferência da Escola para Prefeitura Municipal. Por-
tanto, a Escola Técnica de Comércio continuava sua trajetória de dificul-
dades financeiras até o encerramento das atividades escolares.

2 IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal


Fonte: Acervo da Câmara Municipal de Itabaiana.
42 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Mesmo com a reprovação do Projeto nº 3, de 3 de julho de 1972 pela Câma-


ra de Vereadores, a Escola continuou suas atividades vivenciando maiores
dificuldades. Entretanto, a rejeição do Projeto de transferência da Escola
para a Prefeitura já era esperada, tendo em vista que o Prefeito Filadel-
fo Araújo não contava com o apoio da maioria dos Vereadores na Câmara
(como relatou anteriormente Hênio Araújo, Presidente do CASCI e filho
do Prefeito, em depoimento tomado no dia 22 de agosto de 2011).

Dessa forma, mesmo sendo eleito com o apoio da maior liderança po-
lítica da região do agreste sergipano, o prefeito não possuía governabi-
lidade, pois contava somente com o apoio de dois vereadores que não
tinham liderança entre seus pares. Ainda durante a mesma entrevista,
o Presidente do CASCI expressou sua indignação pela “falta de sensibi-
lidade e amor à terra” dos vereadores daquele tempo:

Não foi só questão política, foi a falta de amor à terra. Porque


eu tive amor à minha terra, eu vou morrer, quando eu desa-
parecer, vão ficar as obras aí para essa rapaziada de Itabaia-
na, essa nova geração que está chegando aí e as futuras vão
encontrar já lutas que outros fizeram para chegar ao ponto
que Itabaiana está chegando hoje. (ARAÚJO, 2011).

Aliado a essa indignação, também prevaleceu no depoimento que a ideia


de que a Escola não foi transferida para o município, por falta de vontade
política dos vereadores, e isso fica claro no depoimento de Hênio:

Tudo isso na vida, é o poder político. Se não tiver poder polí-


tico. [...] A verdade é essa, a mentalidade era ficar aquém da
época, eu tenho impressão disso, falta de interesse político.
(ARAÚJO, 2011).

Após toda a turbulência vivida nesse período pelos membros do CASCI


e principalmente pelo Monsenhor Soares para dar continuidade às ati-
vidades escolares, eles se utilizaram mais uma vez da ajuda do Governo
Municipal, solicitando verba no valor de Cr$ 6.000,00 (seis mil cruzei-
Monsenhor José Curvelo Soares e o ensino Técnico comercial em Itabaiana 43

ros) para sanear despesas urgentes. O Sr. Prefeito elaborou o Projeto de


Lei nº 5, de 8 de setembro de 1972, que foi encaminhado para Câmara
de Vereadores, no dia 12 de setembro de 1972, sendo distribuído para a
Comissão de Justiça e Finanças, para as devidas providências.

Assim, no dia 26 de setembro de 1972, em sessão ordinária e conforme pa-


recer favorável da Comissão de Justiça e Finança da Câmara, o Projeto de
Lei nº 5, de 8/9/1972, em primeira discussão e votação, é aprovado por
unanimidade pelos Vereadores presentes. No dia 6 de outubro de 1972,
reunidos em sessão ordinária em segunda e em terceira discussão e vo-
tação, no dia 10/10/1972, o Projeto de Lei nº 53 foi aprovado mais uma vez
por unanimidade, para alegria dos membros do CASCI, que iriam saldar os
compromissos assumidos pela Escola Técnica de Comércio de Itabaiana.

Passado um ano e cinco meses, no dia 6 de fevereiro de 1974, em reu-


nião do CASCI, Monsenhor Soares comunicou a proposta de aluguel do
prédio onde funcionava a Escola para o Governo do Estado. Apesar da
aprovação pelos membros do CASCI, a transação Governo do Estado
com a Paróquia de Itabaiana não logrou êxito devido às condições que
foram postas pelo Monsenhor Soares – conforme ata nº 10, da Sessão
Ordinária do Centro de Ação Social Católica de Itabaiana, do dia 18 de
julho de 1974, estas já citadas anteriormente.

Com a saída do Monsenhor Soares, no dia 21 de dezembro de 1974, as-


sumiu a Paróquia de Santo Antônio e Almas de Itabaiana o Monsenhor
Mário de Oliveira Reis. Nessa altura dos acontecimentos, já se notava
certo desinteresse por parte do diretor em continuar com as atividades
escolares, de acordo com outro dado presente no depoimento do ex-
-contador do CASCI, Santino Domingos Barreto, que afirmou, em suas
considerações na entrevista:

3 Projeto de Lei nº 5, não foi encontrado no acervo da Câmara de Vereadores de


Itabaiana.
44 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Eu escutei do pároco que o Curso Técnico era um curso que


estava em extinção, que não ia adiantar tocar para fren-
te aquilo. “Mas como”, eu disse. Ele disse: “Não aquilo ali,
quem se formar em técnico de Contabilidade não vai poder
assinar a escrita, isso aí só para Contador”.4 Eu acho que
houve um pouco de falta de interesse de tocar o barco para
frente. (BARRETO, 2011).

Não se sabe por que o Governo do Estado implantou os cursos técni-


cos na cidade, se por conhecimento da nova Reforma do Ensino, Lei nº
5.692 de 11 de agosto de 1971, que em suas Disposições Transitórias, no
artigo 87, dispõe:

Ficam revogados os artigos de números 18, 21, 23 a 29, 31


a 65, 92 a 95, 97 a 99, 101 a 103, 105, 109, 110, 113 e 116 da
Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, LDB, bem como as
disposições de leis gerais e especiais que regulem em con-
trário ou de forma diversa a matéria contida na presente Lei
(BRASIL, 1971).

Os artigos 31 a 65 englobam na Lei nº 4.024 de dezembro de 1961, LDB,


no capítulo III, Do Ensino Técnico, que nos artigos de 47 a 51, tratam
da regulamentação do ensino técnico de segundo grau, onde abrangem
os cursos técnicos: Industrial, Agrícola e Comercial, ficando assim, a
partir da publicação da nova Lei nº 5.692 de 11 de agosto de 1971. Na Re-
forma do Ensino de 1º e 2º Graus, os referidos cursos foram revogados
e sem credibilidade perante a população, como é possível perceber no
depoimento anterior,na colocação feita pelo Monsenhor Mário. Corro-
borando com esse pensamento, o Sr. José Rivadálvio Lima, enfatizou
em seu depoimento a implantação dos cursos técnicos de Auxiliar de
Eletrônica e de Contabilidade, no Colégio Estadual Murilo Braga, den-
tro da nova Reforma do Ensino.

4 O entrevistado se refere à legislação da época que passou a exigir o curso su-


perior em Contabilidade, para exercer a profissão de contador.
Monsenhor José Curvelo Soares e o ensino Técnico comercial em Itabaiana 45

Assim, não se conheceu ao certo, ou na realidade, o motivo que levou a


Escola Técnica de Comércio de Itabaiana a fechar suas portas e encer-
rar suas atividades. Notou-se, entretanto, pelos depoimentos colhidos
com os ex-alunos, ex-diretores do CASCI e ex-secretária, que para
essa questão (sobre o encerramento das atividades da Escola), foram
diversas as opiniões e um tanto quanto entrecortadas de dúvidas a res-
peito do processo político local ter contribuído para tal acontecimento.

Por outro lado, ficou ainda a incompreensão sentida pela população a


respeito da nova Reforma do Ensino, Lei nº 5.692, de 11 de agosto de
1971, que imputou ao segundo grau uma reorganização dos cursos téc-
nicos profissionalizantes. Aqui tratamos especialmente do curso Téc-
nico em Contabilidade, que facultava ao profissional da época a “assi-
nar a escrita” (fazer a contabilidade) de uma empresa.

Esperamos que nosso trabalho sirva de incentivo aos quese dedicam à


História da Educação em Sergipe para que busquem também realizar es-
tudos e pesquisas na perspectiva da Educação Técnico Profissional, pois
muitos personagens e ações necessitam de elucidação neste campo.

Considerações Finais

Ao tratar da Escola Técnica de Itabaiana, não se pode esquecer o seu


mentor e criador, o pároco da cidade, Monsenhor José Curvelo Soares,
religioso comprometido com sua vocação sacerdotal e cristã. Quando
chegou a Itabaiana, em 2 de abril de 1967, sua primeira ação foi criar
a Escola para os alunos que concluíam o ginásio e não tinham condi-
ções de estudar fora da cidade, pois eram de famílias menos abastadas.
Entretanto, não ficou somente nessa obra sua ação: ele criou também
a Casa do Estudante Pobre, que acolhia estudantes de cidades circun-
46 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

vizinhas, do interior do município e também da periferia da cidade.


Outras obras por ele realizadas foram a abertura do Abrigo de Menores
“Otoniel Dórea”, onde eram acolhidos menores abandonados, e a re-
forma na Igreja Matriz.

Sua passagem por Itabaiana ficou marcada pela contribuição na vida


social e econômica. A Escola Técnica de Comércio talvez tenha sido a
sua obra de maior repercussão na sociedade da época, embora se saiba
que ela não era sua realização preferida, segundo depoimentos orais de
alguns alunos e dirigentes da CASCI entrevistados. Contudo, as obras
realizadas pelo Monsenhor Soares na paróquia trouxeram desenvolvi-
mento para a comunidade. Principalmente, porque elas eram voltadas
para as classes menos abastadas da sociedade itabaianense da época.

Nas representações de ex-alunos percebemos como cada um vivenciou sua


experiência formativa na instituição criada pelo Monsenhor Soares, bem
como as apropriações diferenciadas das marcas deixadas pelo mesmo.

No início da década de 1970, mais precisamente em 1972, a Escola en-


trou numa fase de dificuldade financeira que afetou o bom andamento
de suas atividades, e essa fase se prolongou até a extinção da Escola.
Portanto, durante sua existência, a Escola sempre recebeu ajuda valio-
sa do poder público municipal (através da ação do Prefeito José Filadel-
fo Araújo, diante da Câmara Municipal de Vereadores, para liberação
de recursos financeiros) para que a Escola cumprisse com seus com-
promissos. E assim, a Escola seguiu cambaleante até dezembro de 1978,
quando encerrou em definitivo suas atividades.
Monsenhor José Curvelo Soares e o ensino Técnico comercial em Itabaiana 47

É, portanto, nesse cenário de muitas oscilações políticas, econômicas,


sociais e educacionais, que a Escola Técnica de Comércio de Itabaiana
se constituiu. Ela serviu como elemento de transformação de uma
sociedade carente de profissionais contabilistas, para dar suporte
ao desenvolvimento comercial pelo qual passava a cidade naquele
momento. Era um momento em que todo o país, também vivia a “era
do milagre econômico”.

Assim, a Escola movimentou-se através do tempo no sentido de cum-


prir seu papel na História da Educação Profissionalizante da cidade de
Itabaiana. Pressionada pelo aparecimento de outras demandas, sobre
tudo das mudanças de legislação na Educação do país, não resistiu às
pressões e falta de recursos. Desse modo, a força das mudanças legais
que chegaram à Educação dialogou com a política educacional do Go-
verno Federal que julgava necessárias alterações, em nome da eficiên-
cia do ensino que deveria acompanharas expectativas que o país expe-
rimentava na época.

Referências
ANDRADE, José Paulo. Escola Técnica de Comércio de Itabaiana: a
formação de profissionais contabilistas (1967-1978). São Cristóvão,
Núcleo de Pós Graduação em Educação, Universidade Federal de
Sergipe, 2014. (Dissertação de Mestrado em Educação)

CHARTIER, Roger. A História cultural: entre práticas e representações.


Tradução Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. Memórias do aprendizado: 80 anos


de ensino agrícola em Sergipe. Maceió: Edições Catavento, 2004.
48 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Fontes:

Jornais:
A Cruzada, 2 de setembro de 1967. Acervo do Instituto Histórico e
Geográfico de Sergipe. Acervo IHGS.

_________, 9 de setembro de 1967. Acervo do Instituto Histórico e


Geográfico de Sergipe. Acervo IHGS.

Livro de Atas:
LIVRO nº 1 – Atas da Paróquia de Itabaiana, 02 de Abril de 1967.

Entrevistas:
ARAÚJO, José Hênio de. Entrevista concedida a José Paulo de Andrade,
em 22/8/2011.

BARRETO, Santino Domingos. Entrevista concedida a José Paulo de


Andrade, 28/1/2014.

GÓIS, Miburge Bolívar. Entrevista concedida a José Paulo de Andrade,


em 17/3/2011.

LIMA, José Rivadálvio. Entrevista concedida a José Paulo de Andrade,


em 1/9/2011.

LIMA, Marcos Costa. Entrevista concedida a José Paulo de Andrade, em


19/9/2011.

MACEDO, José Antônio. Entrevista concedida a José Paulo de Andrade,


em 13/1/2011.

MACIEL, Airton Almeida. Entrevista concedida a José Paulo de


Andrade, em 13/1/2011.
Monsenhor José Curvelo Soares e o ensino Técnico comercial em Itabaiana 49

MOURA, José Antônio. Entrevista concedida a José Paulo de Andrade,


em 22/8/2011.

OLIVEIRA, Adelardo José de. Entrevista concedida a José Paulo de


Andrade, em 22/08/2011.

OLIVEIRA, Maria José de. Entrevista concedida a José Paulo de Andrade,


em 13/1/2011.

OLIVEIRA, Maria Telma. Entrevista concedida a José Paulo de Andrade,


em 17/9/2011.
Capítulo 3

“A mulher na história”
representação feminina
na trajetória intelectual da
professora Lígia Pina

José Genivaldo Martires


Joaquim Tavares da Conceição
Introdução

Este capítulo apresenta uma discussão a respeito da representação fe-


minina na trajetória intelectual da professora Maria Lígia Madureira
Pina. Para a elaboração desta pesquisa utilizamos, enquanto aporte teó-
rico-metodológico, a abordagem biográfica conjugada com a metodolo-
gia da História oral, tomando os relatos orais como fonte principal.

Os estudos sobre a história oral no Brasil se configuram como um campo


de conhecimento novo. Nesse ínterim destacam-se as pesquisas realiza-
das por Bosi (2003), por meio de sua experiência pessoal e dos estudos
no campo da memória, esta entendida enquanto construção ao longo da
vida, a partir das experiências cotidianas e suas interações com as pes-
soas, denominando de memória social. Outro estudo relevante foi ela-
borado por Meihy e Holanda (2013), o qual demonstra que a História oral
não se refere a uma simples técnica ou método, e sim a uma forma de
saber, partindo da elaboração do projeto ao resultado da pesquisa.

Em relação aos estudos biográficos, verifica-se que a partir dos anos


1980, no Brasil, o mercado editorial deste país começou a produzir
uma série de estudos versando sobre variados temas e personagens.
No entanto, escrever biografia não é algo novo, pois: “A preocupa-
52 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

ção com a descrição da história de uma vida, no entanto, vem de


muitíssimo longe, desde o mundo grego antigo, quando a história,
como forma de conhecimento, teve o seu início” (BORGES, 2001,
p.03). Contudo, tais pesquisas eram consideradas por muitos estudio-
sos como mera cronologia, identificando-as como histórias factuais
cuja finalidade era glorificar determinados vultos. Entretanto, com a
propagação de novos conhecimentos da História, nos fins dos anos 70
do século XX, decorrente dos debates realizados no Brasil sobre a con-
tribuição para a escrita da História do movimento dos Annales com
novos temas, novos objetos e abordagens, percebe-se que:

Há uma expansão do campo da História através da busca de


novos temas e novos documentos. A História Social passa
a ser redimensionada e os estudos sobre as classes traba-
lhadoras são ampliados e enriquecidos. Esta nova produ-
ção traz à tona estudos de temas como a família, o lazer, a
sexualidade, mulheres, feitiçaria, loucura e muitos outros
(FONSECA, 1999, p. 85-86).

Em razão desses aspectos, os estudos biográficos foram enriquecidos


com as diversidades de fontes que passaram a ser utilizadas nessas
pesquisas, ampliando as diversas temáticas nesse campo. Verifica-se a
incidência de estudos que versam sobre: a prosopografia de um deter-
minado grupo de indivíduos, biografia de personagens ligados ao ofício
de professor; trajetória de vida de uma pessoa a partir da realização de
determinada função; histórias das ideias; dentre outros.

Maria Lígia Madureira Pina nasceu em Aracaju, no dia 30 de setembro


de 1925. Foi a terceira filha do casal Affonso Pina e Alexandrina Madu-
reira Pina. Estes, provenientes da região do Vale do Cotinguiba, Santo
Amaro das Brotas, migraram para a capital em busca de uma melhor
oportunidade de vida. Dona Alexandrina trabalhava na Fábrica de Te-
cidos Confiança, e o senhor Affonso Pina era funcionário da Alfândega,
em Aracaju, de acordo com a então biografada:
“A Mulher na História” representação feminina na trajetória intelectual da professora Lígia Pina 53

Eu nasci em Aracaju. Sou filha de Affonso Pinna e Alexan-


drina Maria Pina, lá de Santo Amara das Brotas. Toda a fa-
mília, meus bisavós e meus avós eram todos de lá de Santo
Amaro das Brotas, [...].
Os meus pais vieram morar aqui (Aracaju), o meu pai com 13
anos e minha mãe com 9 anos de idade, no bairro Industrial.
Aqui se conheceram, namoraram 10 anos. Ela menina, tinha
14 anos, e ele era 11 anos mais velho. Casaram-se e tiveram
três filhos, os dois mais velhos morreram ainda crianças e
então eu era a mais nova (Lígia Pina, 2004).

A sua primeira fase da infância transcorreu normalmente, como to-


das as crianças da sua época, porém com uma grande preocupação
dos seus pais em relação a sua “fragilidade”. Entretanto, esse zelo e
preocupação demonstravam o receio de perdê-la, haja vista as mortes
prematuras dos outros dois irmãos que a antecederam. Com cinco anos
de idade, em 1930, nasceu o desejo de frequentar a escola do bairro.
Segundo Lígia Pina, o interesse para o magistério tem as suas ori-
gens nesse período em que estudou no Colégio Frei Santa Cecília,
administrado pela professora Carlota.

A escola na época não era para se distrair, não era jar-


dim de infância. Havia aquelas lições chatas, difíceis de
aprender. O ABC, que era de letras grandes e que eu sabia
todo de cor, mas não conhecia uma letra. A profª marcava
daqui até aqui. Quais são as letrinhas?
Já sei A, B, C, D, E... Ela dizia: “Mas que letra é essa?” Eu não
sabia. Então ela falou para o meu pai comprar uma carti-
lha. Eu fui aprender a ler com o método, que depois de
muito tempo é considerado moderno. Nessa cartilha eu
aprendi através de palavras e de frases. [...] Era a cartilha
Ler Brincando (Lígia Pina, 2004).

Além do método aplicado por D. Carlota para a alfabetização, também


merecem destaque as dramatizações, os recitais de poesias que ela rea-
54 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

lizava com os seus alunos, incentivando-os a redigir. Conforme a profª


Lígia Pina, nesse momento estava iniciando o seu processo de literata e
escritora, bem como a preocupação e valorização do universo feminino.

Com 11 anos de idade seu pai a matriculou no Colégio Nossa Senhora


de Lourdes, administrado pelas Irmãs da Congregação Sacramentina,
que, segundo Nunes (1984): foi “fundado em 1903, em Aracaju, pe-
las religiosas Irmãs Sacramentinas, com sede em Valence (França),
aceitava alunas internas, semi-internas e externas”. Esse colégio
feminino era considerado de elite, ao qual as filhas dos senhores de
engenhos e/ou senhores de gado do interior eram confiadas para a
educação. O objetivo dessa instituição era formar, com base numa
educação disciplinar, as “verdadeiras” esposas, mães e donas de
casa. O Colégio Nossa Senhora de Lourdes funcionou até 1973.

A profª Lígia Pina, recordando esse período escolar no Colégio Nossa


Senhora de Lourdes, nos afirma:

Entrei lá no Nossa Senhora de Lourdes no 3° ano primário


com a irmã Dolores, que era uma Freira paulista da cidade
de Araraquara e era uma professora extraordinária. Ela nos
ensinou de tudo, inclusive o Francês. As primeiras noções
de Francês com a irmã Dolores, como ela nos ensinava a re-
citar as poesias em Português e em Francês, desenvolvi
ali também o gosto pela História e pela Geografia. A Irmã
Maria Dolores era muito nacionalista (paulista não é). Ela
fazia teatro das lições de História Independência, Incon-
fidência Mineira. Ela nos transmitia muita noção de patrio-
tismo e nacionalidade. Nesse 3º ano com ela passei muito
bem e depois fui ao 4a ano com a Irmã Maria Carmelita, que
já não era uma pessoa assim... Não tinha a mesma didática
da Irmã Maria Dolores. Muito exigente; era diferente. Cada
pessoa é uma pessoa, é um jeito, mas fiz o 4° ano com boas
notas (Lígia Pina, 2004).
“A Mulher na História” representação feminina na trajetória intelectual da professora Lígia Pina 55

Fica evidente nesse depoimento que suas habilidades de es-


crever, declamar poesias e interpretar continuaram no Colégio Nos-
sa Senhora de Lourdes. Aos 13 anos de idade Lígia Pina ingressou na
Escola Normal. Foi na atmosfera da Escola Normal, em contato com os
professores, especialmente de português e literatura, que Lígia Pina
favoreceu o desenvolvimento das suas atividades literárias, por meio
de suas produções de crônicas e poemas. De acordo com ela, a Escola
Normal tinha uma vivência democrática. Naquele estabelecimento de
ensino estavam reunidas as maiores “cabeças pensantes do Estado”.
As aulas de Júlia Teles incentivaram a escrita dos seus poemas e con-
tos. Segundo Lígia Pina, o perfil socioeconômico das alunas da Escola
Normal, diferentemente do que se dava no Colégio Nossa Senhora de
Lourdes, era menos abastado:

Todas as classes sociais e na maior parte as meninas de poder


aquisitivo inferior, meninas que naquela época moravam
no que era o 18 do forte (50 anos atrás), bairro América, e
eu tive muitas colegas que moravam no Siqueira Campos,
Bairro América, Industrial, Bugio (era chamado de salinas
naquela época), a praia 13 de julho eram casebres de pes-
cadores [...]. Todas as camadas; havia meninas ricas, como,
por exemplo, a família Prata de Lagarto, família de poder
aquisitivo, [...]. A Escola era no prédio da Praça Olímpio
Campos. É um crime o que fizeram com o prédio do centro
que deveria ser um centro de estudos. Outra coisa: as alu-
nas eram de todas as etnias. A Escola Normal era uma escola
democrática, era aberta a todas as jovens que quisessem es-
tudar na minha época. Anteriormente não era tanto assim,
porque só as filhas de quem tinha recursos iam pra escola,
gente pobre mal fazia o primário, quando fazia. Mas na mi-
nha época não era assim. Eu tive grandes amigas e colegas
negras [...]. A Escola Normal era o celeiro da democracia,
o celeiro da intelectualidade feminina; grandes professo-
ras. Havia seleção, chamava-se exame de admissão. No meu
caso não, porque eu fui transferida, já tinha feito o exame
no Nª Sª de Lourdes. Fui transferida na 1ª série, mas eu amo
56 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

a Escola Normal. Depois eu voltei como professora. E o in-


teressante é isso; eu voltei sempre à casa materna, ensinei
cinco anos na Escola Normal (Lígia Pina, 2004).

Nesse relato percebemos o perfil socioeconômico das alunas da Es-


cola Normal em relação ao corpo discente do colégio Nossa Senhora
de Lourdes. De acordo com Lígia Pina, essa diversidade de classes
sociais contribuía para que a instituição fosse reconhecida como um
espaço democrático, pois atendia a todos. Vale ressaltar que o in-
gresso nessa instituição ocorria por meio de um exame de admissão.

Outro aspecto salientado no relato anterior diz respeito à importân-


cia que a Escola Normal teve para a profª Lígia Pina na sua vida pro-
fissional, inclusive foi o seu primeiro emprego de professora. Seus
professores eram considerados modelos que dispunham de um reco-
nhecimento profissional e intelectual na sociedade aracajuana.

A atividade do magistério foi surgindo aos poucos, no início dos anos


1950, através das aulas particulares ministradas aos filhos de pessoas da
camada mais abastada financeiramente em Aracaju. Em seguida come-
çou a ensinar em estabelecimentos particulares e, no período de 1955
a 1958 fez o curso de História e Geografia na Faculdade de Filosofia de
Sergipe. Em 1967 foi convidada para lecionar no Ginásio de Aplicação
da Faculdade de Filosofia de Sergipe, permanecendo nessa instituição
até 1991 em razão de sua aposentadoria.

A mulher na História

Na trajetória profissional e intelectual da Profª Lígia Pina as preocupações


com a situação da mulher são algo constante. Em suas aulas, por meio
de dramatizações, textos poéticos e jograis, ela discutia a posição da
“A Mulher na História” representação feminina na trajetória intelectual da professora Lígia Pina 57

mulher no decorrer do processo histórico. Em sua produção intelectual


e em seus textos (poesias, crônicas, ensaios), a luta pela ampliação do
espaço feminino é bastante evidente.

Nesse percurso, a Profª Lígia Pina publicou quatro livros, a saber: Fla-
grando a Vida (1983); A Mulher na História (1994), Satélite Espião obser-
vando a vida no planeta azul (1999) e A Relíquia (2008). O último livro
publicado é composto de contos e crônicas que fazem parte da sua tra-
jetória de vida. Os livros Flagrando a Vida e Satélite Espião são de poe-
mas que versam sobre a mesma temática, nos quais a autora analisa os
acontecimentos da humanidade com a esperança nos valores humanos
(o homem entendido como um ser semelhante a Deus), a transformação
desse mundo identificado por guerras, atentados, sequestros e violência.
Vejamos o depoimento de Pina:

Tenho dois livros de poesias. O primeiro que eu pu-


bliquei foi Flagrando a Vida, que é um livro de História
também, porque tudo o que está escrito ali é verdade. Está
escrito em poemas, em versos e é a História da huma-
nidade, tudo o que está se passando no mundo, a histó-
ria atual da humanidade. Tudo o que está se passando no
mundo desde a década de 1960 até a atualidade. O outro é
O Satélite Espião, que é da mesma linha do outro, é uma
sequência. (Lígia Pina, 2004)

O livro A Mulher na História foi resultante de ampla pesquisa a respei-


to das mulheres que se destacaram na História. Essa pesquisa teve ori-
gem com a solicitação do presidente da Academia Sergipana de Letras,
Antônio Garcia, para que ela elaborasse um artigo sobre uma temática
sergipana. Segundo Pina, após algumas considerações, decidiu o tema.

Aí me veio uma ideia, por que não uma mulher? Imediata-


mente me veio o nome de Quintina Diniz de Oliveira Ribeiro,
a primeira deputada de Sergipe. Eu disse: é o que eu vou fa-
zer. Comecei a pesquisa. Foi muito difícil, como já falei, para
58 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

encontrar os dados. A família não sabia de nada e tal, depois


eu fui a Salvador pra encontrar os parentes de lá, as sobrinhas
dela. Foi lá que consegui. Fui falar com D. Leyda Regis pra ela
me falar sobre D. Quintina– porque ela havia sido aluna de D.
Quintina, na escola Normal. No desenvolver da conversa
ela me falou sobre a Dra. Cesartina Regis, a irmã dela, aí me
deu assim uma paixão por D. Cesartina, pelo trabalho dela,
por tudo que ela realizou. Daí veio aideia de não falar só sobre
D. Quintina, mas assim falar sobre outras pessoas também.
Assim surgiu a ideia do livro. Eu disse: eu vou fazer um livro
sobre essas mulheres. (Lígia Pina, 2004)

O livro está dividido em 10 capítulos; e como critério de organização,


a profª Lígia Pina seccionou o material pesquisado de acordo com a
divisão da História em idades, ou seja, História Antiga, História Moderna
e História Contemporânea. Os períodos da História do Brasil ocorrem
concomitantemente com as idades Moderna e Contemporânea.

Na introdução, o livro discute as origens da discriminação feminina,


analisando as condições biológicas e de maternidade que contribuí-
ram para firmar o pensamento da fragilidade e inferioridade femini-
na. Segundo Pina,

(...) devido à menstruação, à gravidez e à maternidade


deu-se adiscriminação na divisão do trabalho nos grupos
primitivos e consequentemente em toda sociedade poste-
rior. O homem ia caçar, pescar, cortar árvores e a mulher
ficava em casa, cozinhando, varrendo, cuidando de filhos,
cuidando da plantação, quando esta ficava próxima à mora-
dia. E à medida que as sociedades foram evoluindo, que foi
inventada a escrita e foram surgindo as profissões intelec-
tuais, as mulheres ficaram de fora. (PINA, 1994, p.28)

No capítulo referente às civilizações antigas, o destaque é a sociedade


israelense, por meio das citações dos textos bíblicos do velho testamen-
to. Na Antiguidade Clássica, a temática focaliza a cidade de Atenas, de-
“A Mulher na História” representação feminina na trajetória intelectual da professora Lígia Pina 59

monstrando o pouco espaço destinado às mulheres. Nos capítulos sobre


os períodos medieval, moderno e contemporâneo, a preocupação foi
destacar as mulheres que foram pioneiras em diversos setores da socie-
dade. O destaque maior no século XIX foi para as pioneiras do movimen-
to feminista. No tocante à História do Brasil, o livro inicia o estudo a par-
tir do período monárquico, com a atuação de Maria Quitéria, Sóror Joana
Angélica e Ana Neri. No entanto, existe uma preocupação em ressaltar as
lutas femininas no final do século XIX e início do século XX.

O último capítulo da obra é destinado às mulheres sergipanas que


foram esquecidas ou são desconhecidas pela geração atual. A
autora, Lígia Pina, dá início ao capítulo demonstrando que o processo
educacional feminino e sua profissionalização no magistério contri-
buíram para a ascensão da mulher na sociedade. A esse respeito, Frei-
tas (2003) afirma:

As escolas normais constituíam um espaço de formação


socialmente aceito, responsável pela profissionalização de
um grande número de mulheres. A possibilidade de exercer
uma profissão socialmente permitida garantia às mulheres a
oportunidade de transcender o âmbito doméstico na busca
de realização e independência social e econômica. (FREI-
TAS, 2003, p. 37)

Foram estudados traços biográficos de 50 mulheres sergipanas, a


exemplo de Leyda Regis, Norma Reis, Cesartina Regis – primeira far-
macêutica de Sergipe; Quintina Diniz – primeira deputada estadual de
Sergipe; Maria Rita Soares – juíza de Direito, dentre outras. Por meio
do relato dessas mulheres, a profª Lígia Pina faz uma retrospectiva his-
tórica das lutas femininas pela igualdade entre os sexos.
60 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Quadro 2: Relação das mulheres sergipanas estudadas no livro A mulher na História

Nº Nome Formação Atuação


1 Alexandrina Madureira - Operária (ou Industriária???)
2 Amália Soares de Andrade - Taquígrafa e poetisa
3 Ana Leonor Fontes Magistério Professora
4 Antônia Angelina de Figuei- Magistério Magistério
redo Sá
5 Antonia Christina Waltering Enfermagem Enfermagem e Religiosa
6 Áurea Zamor de Melo Magistério Professora
7 Carlota Sales de Campos Magistério Professora
8 Carmelita Pinto Fontes Magistério Professora e escritora
9 Celina de Oliveira Lima Magistério Professora
10 Cesartina Regis Farmácia Farmacêutica e magistério
11 Dalva Linhares Nou Engenharia Engenharia e magistério
12 Etelvina Amália de Siqueira Magistério Professora
13 Flora do Prado Maia - Romancista, cronista e poetisa.
14 Francisca Marsilac Fontes Odontologia Odontologia
15 Genésia Fontes - Filantropia – Orfanato
16 Gizelda Moraes Magistério Professora e escritora
17 Guiomar Calasans Gonçalves Odontologia Odontologia
18 Hilda Sobral Magistério Professora
19 Hildete Falcão Baptista - Primeira-dama do Estado
20 Ítala Silva de Oliveira Medicina Médica e jornalista
21 Josefina Leite Campos Magistério Professora
22 Júlia Telles da Costa Magistério Professora
23 Leonor Telles de Menezes Magistério Professora
24 Leyda Regis Contabilida- Professora
de/Magistério
25 Lindalva Cardoso Dantas Gui- Magistério Professora
marães
26 Maria Augusta Moreira Lobão Magistério Professora
“A Mulher na História” representação feminina na trajetória intelectual da professora Lígia Pina 61

Nº Nome Formação Atuação


27 Maria Carmelita Cardoso Magistério Professora e vereadora
Chagas
28 Maria da Conceição Melo Costa Magistério Professora
29 Maria da Conceição Ouro Reis Magistério Professora, jornalista e psicó-
loga
30 Maria da Conceição Perdigão - Escritora
Ferraz
31 Maria da Glória Portugal Magistério Professora
32 Maria das Graças Azevedo Magistério Professora
Melo
33 Maria do Carmo Almeida Morais - Esteticista
34 Maria do Céu Santos Pereira Medicina Médica
35 Maria Gilda Oliveira - Costureira
36 Maria Hermínia Caldas Magistério Professora
37 Maria Luiza Prado Magistério Professora
38 Maria Marieta Teles de Meneses Magistério Professora
39 Maria Rita Soares Andrade Direito Advogada e juíza
40 Maria Thetis Nunes Magistério Professora

41 Norma Reis Magistério Professora


42 Núbia Nascimento Marques Magistério Professora, escritora e Poetisa
43 Ofenísia Soares Freire Magistério Professora
44 Pláceres Mota --- Poetisa
45 Quintina Diniz de Oliveira Ri- Magistério Professora e deputada estadual
beiro
46 Rosa Maria Frião Magistério Professora
47 Rosa Moreira Faria Magistério Professora e artista plástica
48 Vivinha Sebrão - Escritora e poetisa
49 Yvone Mendonça de Souza Magistério Professora e poetisa
50 Zizinha Guimarães Magistério Professora
Fonte: PINA, 1994.
62 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

De acordo com o quadro anterior, podemos inferir que a escolha dessas


mulheres está associada à formação no magistério e, principalmente,
ao exercício nessa área. Das 50 mulheres elencadas, 31 foram formadas
na Escola Normal, representando, assim, 62% do total.

Em relação às outras formações, temos os destaques para medicina,


enfermagem, odontologia, contabilidade, engenharia e direito. No
tocante ao exercício do magistério, 35 mulheres exerceram a profissão
de professora, perfazendo um total de 70%. Outras atuações profis-
sionais são ressaltadas, a exemplo de médica, enfermeira, advogada,
juíza, taquígrafa, dentre outras. Do quantitativo estudado, somente
duas mulheres são de profissões associadas às camadas menos favo-
recidas, ou seja, operária e costureira, evidenciando a composição
social das mulheres que foram biografadas, vinculadas a segmentos
elitizados da sociedade.

No tocante às fontes pesquisadas no livro, observamos uma vasta pes-


quisa bibliográfica em enciclopédias; a utilização da história oral, por
meio de depoimentos de mulheres sergipanas que foram estudadas;
pesquisa em jornais; fotografias (uso ilustrativo); poemas e crônicas. A
utilização das fontes está em consonância com a concepção de História,
atrelada à ideia de que a fonte – o documento – fala por si. Não encon-
tramos questionamentos acerca das fontes pesquisadas.

Outro aspecto que encontramos no livro diz respeito a que tipo de


História faz referência. Ressalta uma concepção centrada nas ações de
pessoas consideradas importantes e de relevância para a sociedade, as
quais contribuíram para o fazer histórico. A título de ilustração dessa
concepção, o capítulo sobre a mulher no Brasil inicia-se com o exem-
plo de Bárbara Heleodora, esposa do poeta Silva Alvarenga, no final do
século XVIII, e as mulheres que antecederam esse século.
“A Mulher na História” representação feminina na trajetória intelectual da professora Lígia Pina 63

Analisando a trajetória de vida da profª Lígia Pina, percebemos que a


representação da mulher sempre foi uma constante no seu processo de
formação intelectual, principalmente na sua formação de normalista,
por intermédio das práticas pedagógicas apreendidas noespaço acadê-
mico da Escola Normal. Outro aspecto que devemos observar diz res-
peito à prática pedagógica de Lígia Pina, principalmente na produção
acadêmica desta professora, por meio dos seus livros e de sua atuação
na Academia Literária de Vida, criada em 1992 e composta exclusiva-
mente por mulheres.

No entanto, a representação feminina foi mais presente na sua obra in-


titulada A Mulher na História, cujo legado, conforme podemos cons-
tatar, foi retirar do anonimato e esquecimento as mulheres sergipanas
que foram pioneiras em diversas áreas, sendo ela utilizada como refe-
rência em várias pesquisas no campo da História da Educação.

Dessa maneira, encontramos referências nas dissertações intituladas:O


Celibato pedagógico feminino em Sergipe nas três primeiras décadas do
século XX: uma análise a partir da trajetória de Leonor Telles de Mene-
zes”, de Nivalda Menezes Santos (2006);Leyda Régis: reminiscências de
formação intelectual e atuação profissional em Sergipe, de Marlaine Lo-
pes de Almeida (2009), e Matéria livre... Espírito livre para pensar: um
estudo das práticas abolicionistas em prol da instrução e educação de
ingênuos na capital da província sergipana (1881-1884), de Meirevan-
dra Soares Figuerôa (2007). Destacamos também estudos realizados por
Freitas (2003a e 2003b) sobre as representações de ex-normalistas, nos
quais são analisados a formação e o ingresso no exercício do magistério e
as trajetórias da vida acadêmica e profissional de Quintina Diniz de Oli-
veira Ribeiro, Ítala da Silva Oliveira e Maria Rita Soares de Andrade.

O livro A Mulher na História consta nas referências bibliográficas do


Dicionário Mulheres do Brasil – de 1500 até a atualidade – biográfico e
64 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

ilustrado; organizado por SchumaSchumaher e Érico Vital Brazil,edi-


tado pela Zahar Editora, em 2000. Esse dicionário tem o propósito de
resgatar e divulgar o papel das mulheres no processo histórico brasi-
leiro. No entanto, observamos alguns equívocos na bibliografia da profª
Lígia Pina. Um exemplo disso é quando diz que ela é natural do estado
do Rio de Janeiro. A referência bibliográfica do livro A Mulher na His-
tória também contém erros. Mesmo assim, é uma obra de referência
para as pessoas que têm interesse de se debruçar sobre essas mulheres
que se destacaram na sociedade sergipana.

Considerações Finais

Na trajetória de vida da Profª Lígia Pina a representação da mulher


sempre foi uma constante no seu processo de formação intelectual,
principalmente na sua formação de normalista, por intermédio das
práticas pedagógicas apreendidas no espaço da Escola Normal. Outro
aspecto que devemos observar diz respeito a sua prática pedagógica e,
principalmente, à sua produção acadêmica, por meio dos livros que
ela escreveu e de sua atuação na Academia Literária de Vida, criada e
composta exclusivamente por mulheres. No entanto, a representação
feminina foi mais presente na sua obra intitulada A Mulher na His-
tória, onde podemos constatar o legado dessa obra em retirar do es-
quecimento as mulheres sergipanas que foram pioneiras em diversas
áreas, sendo utilizada como referência em várias pesquisas no campo
da história da educação, a exemplo de dissertações do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe, as
quais foram motivadas por esse livro.

Destacamos também estudos realizados por Freitas (2003a e 2003b)


sobre as representações de ex-normalistas, analisando a formação e o
“A Mulher na História” representação feminina na trajetória intelectual da professora Lígia Pina 65

ingresso no exercício do magistério e sobre as trajetórias da vida aca-


dêmica e profissional de Quintina Diniz de Oliveira Ribeiro, Ítala da
Silva Oliveira e Maria Rita Soares de Andrade, em que a obra foi utiliza-
da e citada. Nesse sentido, A mulher na Históriaé um livro de referên-
cia para as pessoas que têm interesse de se debruçar no conhecimento
sobre essas mulheres que a sociedade colocou no baú do esquecimento.

Referências
ALMEIDA, M. L. de. Leyda Régis: reminiscências de formação intelec-
tual e atuação profissional em Sergipe. Dissertação (Mestrado em Edu-
cação). São Cristóvão: PPGED/Universidade Federal de Sergipe, 2009.

BORGES, V. P. “O historiador e seu personagem: algumas reflexões em


torno da biografia”. In: Revista Horizontes. Bragança Paulista: v. 19.
jan/dez., 2001. p.03.

BOSI, E. O tempo vivido da memória: ensaios de Psicologia Social. São


Paulo: Ateliê Editorial. 2003.

FIGUEIRÔA, M. S. “Matéria livre... Espírito livre para pensar”: um


estudo das práticas abolicionistas em prol da instrução e educação
de ingênuos na capital da província sergipana (1881-1884). 2007. 176
f. Dissertação (Mestrado em Educação). São Cristóvão, Universidade
Federal de Sergipe, 2007.

FREITAS, A. G. B.Vestidas de azul e branco: um estudo sobre as repre-


sentações de ex-normalistas (1920-1950). São Cristóvão: Ed. UFS. 2003.

FREITAS, A. G. B.Educação, trabalho e ação política: sergipanas no


início do século XX. 2003. 289 p, Tese (Doutorado em Educação).
Universidade de Campinas, Campinas, São Paulo.
66 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

FONSECA, S. G. Caminhos da história ensinada. Campinas: Papirus.


1999. p. 85-86.

MARTIRES, J. G. “Flagrando a Vida”:trajetória de Lígia Pina – professora,


literata e acadêmica (1925-2014). 2016. 136f. Dissertação (Mestrado em
Educação). São Cristóvão, Universidade Federal de Sergipe, 2016.

MEIHY, J. C. S. B. e HOLANDA, F. História Oral: como fazer, como


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PINA, M. L. M. A mulher na história. Aracaju: FUNDESE, 1994.

PINA, M. L. M. 2004. Entrevistador José Genivaldo Martires Aracaju.


06/01/2004, 20/01/2004 e 04/02/2004.

SANTOS, N. M. O Celibato pedagógico feminino em Sergipe nas três


primeiras décadas do século XX: uma análise a partir da trajetória de Leonor
Telles de Menezes. 2006. 135f. Dissertação (Mestrado em Educação). São
Cristóvão: PPGED/Universidade Federal de Sergipe, 2006.

SCHUMAHER, S. e VITAL BRAZIL, E. (orgs.). Dicionário Mulheres do


Brasil. De 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
Capítulo 4

A formação de professores,os
manuais pedagógicos e o
governo de si e dos outros

Rosiley Ap. Teixeira


Patricia Ap. Bioto-Cavalcanti
Introdução

Este trabalho compõe um conjunto de estudos realizados nos últimos


anos centrados na profissãodocente. Seu objetivo é apresentar resul-
tados parciais de uma pesquisa em que o eixo central se dá em torno
da constituição de um modo de ser professor (a) via manuais peda-
gógicos utilizados na formação de professor nas décadas de 60 e 70 do
século XX.Trata-se de um estudo que discute os modos como os dis-
cursos presente nos manuais pedagógicos,sobre um modo de ser pro-
fessor,articularam-se as práticas de formação. Nessa direçãose propõe
a indicar como funcionam osrituais instituídos pelas práticas discursi-
vas, explicitas nos materiais didáticos.

Os manuais pedagógicos, de modo geral, constituem importante fon-


te de pesquisa para a história dos manuais de ensino, das disciplinas
e é fonte para a compreensão histórica da profissão docenteuma vez
que neles estão organizados os conteúdos a serem ensinados aos futu-
ros professores ou aos já atuantes no magistério. Neles estão inscritos
os recursos didáticos e os saberes selecionados para serem difundidos,
de forma sistematizada e simplificada ás crianças e adolescentes, além
de possuírem as prescrições quanto a um modo de ser professor.Nessa
direção se têm examinado os manuais didáticos por darem sustentação
ao desenvolvimento dos programas de ensino junto àsnormalistas.
A formação de professores,os manuais pedagógicos e o governo de si e dos outros 69

A formação de professor pode ser considerada como uma problemáti-


ca de governamento se entendida como um domínio prático e técnico
com a finalidade de tornar possível a ação de uns sobre os outros.Ações
calculadas para agir tanto sobre os indivíduos quanto sobre o conjunto
da população,visando potencializar a capacidade de alguns para agi-
rem sobre as condutas alheias – suas forças, suas atividades, as relações
que os sujeitos constituem entre si, etc. (Foucault, 2008).

Seguindo o pensamento de Foucault (2001), pode-se afirmar que na


formação de professor estão presentes dispositivos de conformação.
Uma vez instaurados, os dispositivos instauram padrões interpretativos
e modos de operar com a prática pedagógica. Nem todos os sentidos,
significados e desdobramentos dos dispositivos estão postos quando se
sua primeira elaboração. Muitos destes elementos vão se apresentando
no processo de funcionamento dos próprios dispositivos, alterando-os
ou não, a ponto de redefini-los e reformatá-los ou não, inaugurando
novos dispositivos e desativando outros.

Está em Michel Foucault (2011) a argumentação que permite caracterizar


os dispositivos como elementos que podem assumir a função de con-
trole e conformação, em se considerando especialmente aqueles levados
a efeito por esferas do governo. Por dispositivo o autor entende um tipo
de formação que em determinado momento histórico tem como função
principal responder a uma demanda, assumindo, então uma função es-
tratégica dominante. Este seria o primeiro momento do dispositivo.

Outro pode ser visto ao se considerar a gênese do dispositivo. Este se-


gundo momento engloba um duplo processo: o de sobredeterminação
funcional, em que um ou mais elementos heterogêneos que o consti-
tuem entram em relação de ressonância ou contradição com os demais,
exigindo rearticulações; e o processo de preenchimento estratégico,
em que um efeito que não estava previsto instaura-se e começa a fazer
parte do dispositivo (Cf. Foucault, 2011).
70 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Para o autor, os estados nacionais modernos valeram-se da instaura-


ção de dispositivos de variadas naturezas e com variadas funções em
seus processos de definição, consolidação e expansão, sobremaneira de
dispositivos de controle. Esses permitiram e permitem que a gover-
namentalidade extrapole as esferas do poder político corporificado na
burocracia estatal estendendo-se às demais esferas sociais com função
restritiva e educativa.

O dispositivo está, portanto, inscrito sempre em um jogo de poder,


o que supõe manipulação das relações de força. Implica manipulação
racional e organizada nas relações de força, seja para realinhá-las, re-
defini-las, definir seus membros, suas características e papéis, esta-
bilizando-as ou não. Pode-se entender que o dispositivo está sempre
ligado a um dos lados desta relação e aos saberes que a personificam e
que ao mesmo tempo o condicionam.

Logo, ao analisar os manuais pedagógicos que circulavam nas escolas


normais verifica-se que os discursos pedagógicos, que ali compare-
ciam,se prestavam a colocar em ação certos modos de pensar e agir in-
dicando um modo de ser professor, conformando um professor.

Professor este, elemento fundante da forma escolar moderna, está, des-


de o início desta, sob a ação de modelos de formação e de conformação
(Cf. HAMILTON, 2001). Seja inseridos em ordens religiosas, seja a serviço
do Estado moderno, o professor e aquela figura responsável por condu-
zir a criança ao ser aluno e este aluno a ser o súdito fiel, o cidadão útil ou o
espírito obediente. Desta forma, o professor coopera com a operação de
formar os homens que uma dada sociedade necessita para se manter, se
desenvolver conforme planos pré-estabelevidos ou para se transformar.

Ora pastor de almas, ora guerreiro do Cristo, ora arauto da civilização,


o professor tendo sido mais objeto do que sujeito de sua própria iden-
tidade, formação e prática, ao menos segundo os discursos instituídos
A formação de professores,os manuais pedagógicos e o governo de si e dos outros 71

quer seja em tratados pedagógicos, como os do século XVI e XVII, como


a Didática Magna de Comenius, A New Discovery de Charles Hoole ou
o Ratio Studiorum da Companhaia de Jesus quer seja nos manuais con-
temporâneos, como so que serão analisados neste texto.

Assim, para encaminhamento da discussão o texto esta organizado em-


dois momentos temáticos: o primeiro tratado caráter de regulação das
práticas docentes no governo da infância; osegundo e não menos im-
portante se detémnas proposições dos manuais pedagógicos, em ana-
lise, do delineamento das principais marcas que identificavam o sujeito
professor, em seus aspectos morais e técnicos pedagógicos.Oobjetivoé
discutir como tais leituras carregavam sentidos que validavam modos
depensar, o lugar que lhes era destinado no mundo, e de agir para pro-
duzirnos professores e crianças certos modos deconduta.

Os manuais e a ênfase no papel do professor no gover-


no da infância

De modo geral os manuais pedagógicos definiama didática como ciên-


cia e arte de ensinar, essa deveria forneceros princípios gerais detodas
as demais disciplinas. Dentre as obras identificadas nesse período, to-
ma-se como exemplo para esse exercício o manual de Imídeo Giuseppe
Nérici “Introdução à Didática Geral. Dinâmica da Escola, publicado pela
editoraFundo de Cultura em 1968. Nesse manual a didática é represen-
tada pelo conjunto de técnicas por meio das quais se realiza o ensino. A
didática e a formação dos professores aparecem como uma tecnologia
educacional e, portanto, deveriam estar referenciadas no treinamento
de habilidades para o ensino.
72 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

No manual pedagógico, em questão, pensar e fazer a educação dos pe-


quenos se constitui em uma responsabilidade social da qual depende a
sociedade futura. Em se tratando dos aspectos sociológicos da educa-
ção, essa é colocada como “um processo que visa preparar as gera-
ções novas para subsistirem as adultas e que naturalmente, se vão
retirando das funções ativas da vida social.” (Nérici,1968, p.9:10) .
Aponta ainda que educação“é o processo que visa capacitar o indivi-
duo a agir conscientemente diante de situações novas de vida”.[...]
Essa questão é devidamente esclarecida pelo manual quando indica que
o “aproveitamento das experiências anteriores são fundamentais para
que se consiga ajudar a resolver as dificuldades presentes aplicando o
comportamento que se revelou útil em experiências anteriores”

A educação se apresenta como [...]um processo social, representado


por toda e qualquer influência sofrida pelo individuo e capaz de mo-
dificar-lhe o comportamento. Essa se encontra dividida em hetero e
autoeducação. “A heteroeducação se dá independente do da vontade
do individuo, isto é quando o curso da ação educativa ocorre sem a
intenção definida do próprio sujeito”, ou seja, de modo intencional e
sistemática,[...]quando há deliberadamente , intenção de influir no
comportamento do individuo e de maneira organizada,[..]. A autoe-
ducaçãoacontece quando o individuo se determina a procurar situa-
ções, conhecimentos capazes de modificar-lhe o comportamento.
(Nérici,1968, 10 -14)

A educação é colocada por fim como autossuperação como condição


para “vencer a si mesmo” implicando em melhorar o “próprio rendi-
mento”, ou seja sua capacidade biopsicossocial. Nesse sentido o aluno
deve “ser notado, observado, e estimulado para trabalhar segundo
suas possibilidades, de maneira a levá-lo a realizar-se plenamente,
a fim melhor poder servir à comunidade”. (Nérici,1968: 10 -14)
A formação de professores,os manuais pedagógicos e o governo de si e dos outros 73

Os textos acima indicam aquelas práticas “nas quais se produz ou se


transforma a experiência que as pessoas têm de si mesmas”. Nelas
não importa que se aprenda ‘algo’ — conhecimentos determinados —
“mas que se elabore ou reelabore alguma forma de relação reflexiva
do ‘educando’ consigo mesmo” (Larrosa, 1994, p.36).

O manual pedagógico, em análise, de um lado dirige o entendimento


do futuro professor sobre o papel social da educação e por outro o seu
papel nesse processo quando informa que a educação é um processo
de “reflexão” do aluno pelo estudo pessoal e, portanto, competeao
professor levá-lo a superar- se continuamente. Cabeao futuro pro-
fessorresponsabilizar-sepelo processo de educaçãoda criança por meio
de aprendizagens que lhe permitiam cumprir uma dada função social,
planejada, como o meio para conduzir as crianças a um ponto pré-de-
terminado ao final da etapa. São as suposições sobre as possibilidades
de orientação racional do processopedagógico, mas também a previ-
sibilidade das condutas humanas que visa potencializar a ação de uns
sobre outros com a finalidade de alcançar resultados “úteis”.

Para Foucault (2008, p. 310) o problema da instituição das crianças


seria um problema pedagógico, em que a questão central seria

[...] como conduzi-las ate o ponto de serem uteis à cidade,


conduzi-las ate o ponto em que poderão construir sua sal-
vação, conduzi-las até o ponto em que saberão se conduzir
por conta própria – é esse problema que foi provavelmente
sobrecarregado e sobre determinado por toda essa explosão
do problema das condutas.

Ao se compreender como a criança passa a ser o alvo de uma série de


projetos de sociedade,é importante apontar para como esta se cons-
titui empreocupação não apenas de um aparto governamental, mas
também de inúmeras agências e instituições cujo propósito é tomá-la a
seu encargo. Nesse aspecto vão se servir não só de professores sujeitos
74 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

instituídos para guiar a infância, mas também de um sistema de apoio,


como livros, bibliotecas, associações ou grupos de estudiosos, etc.

Para tanto, a escola vai paulatinamente se constituindo como o lócus da


conduta da criança/aluno mediante a segregação reintegração de sen-
tidos que contribuem para a construção da infância, bem como o lócus
de investigação dos agentes escolares, sobretudo, os professores.

Narodowskiafirma ser a infância “(...) o ponto de partida e o ponto de


chegada da pedagogia”, pois é ela quem contextualiza, pauta, explica e
prediz de forma pormenorizada as atividades desenvolvidas pelas crian-
ças e professores na escola, enfim, regulaas normalidades e as patologias;
progressos e regressões benefícios e prejuízos , ou seja, “[...] a pedagogia
elabora uma analítica da infância em situação escolar”. Narodowski
(2001,p. 21-22). Tal analítica se faz a partir de um poder saber sobre a in-
fância, a escola e os demais sujeitos envolvidos no processo de educativo.

O futuro professor colocado nessa dinâmica será um dos responsáveis


pela apropriação de certos saberes que lhe darão as condições de guiar
as condutas não como adestramento, para repetição, mas para tomada
de consciência “de situações novas que exigem soluções inéditas”.
(Nérici,1968, p. 10).

O fato é que a partir do momento em que a escola configurou-se como


um interesse social, estatal e convencionou–se que todas as crianças de-
veriam ser instruídas/educadas, criou-se uma complexa organização em
termos de instituições com seushorários, conteúdos,sujeitos e funções,-
modelos, funcionamento normalizados e normatizados pela pedagogia
moderna que determinou e determina a ação do professor sobre o aluno.
A formação de professores,os manuais pedagógicos e o governo de si e dos outros 75

Os manuais pedagógicos e a constituição do modo de


ser professor – o autogoverno.

Nesse momento do texto a discussão volta-se aos manuais pedagógicos


como um dos tantos meios inventados para potencializar a ação de uns
sobre os outros, visando, neste caso específico, moldar e modelar as
condutas do professor que por sua vez deve“guiar as condutas infan-
tis”. Para tanto, foram necessárias estratégias de controle não só sob o
comportamento infantil, mas principalmente do professor. Tais aspec-
tos evidenciados no manual pedagógico de Teobaldo Miranda Santos,
publicado em 1966intitulado Curso de Psicologia e Pedagogia:Manual
do Professor Primário, publicado pela Companhia Editora Nacional.

No livro, em questão, o autor dedica-se a escrever sobre as qualidades


que deviam possuir o professor primário para exercer sua função,e es-
sas deveriam ser físicas, intelectuais e morais. Teobaldona medida em
quetraça o perfil desse profissional dita também seu comportamen-
to. Quando apresenta a boa saúde como condição para o exercício da
profissão, diz da necessidade de força e resistência, pois para o autor
“sem essa condição básica, não lhe será possível realizar a árdua e
extenuante tarefa da preparação e realização das aulas, da direção
do estudo e da aprendizagem, da motivação do trabalho escolar e da
manutenção da ordem e disciplina na escola” (Santos, 1966, p.20).

Para o autor o professor comdeficiência auditiva e ou visual teria dificul-


dades de dirigir os estudos e manter a disciplina, pois os olham falam.

Ele pode penetrar ate o âmago da alma da criança. “Muitas ve-


zes basta fixar o olhar num aluno para lhe fazer sentir uma cen-
sura ou manifestar-lhe que seus erros são conhecidos”. D Bos-
co nos fala do poder sugestivo de um olhar aplicado fixamente
sobre o aluno, depois de ter percorrido, negligentemente, os
outros alunos da classe. E Ribioulet se refere a “virtude” que
existe no olhar de um bom mestre.(Santos, 1966, p.20-21)
76 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Otexto acima indica o poder de disciplinar pelo olhar. O olhar diz quem
esta no comando. Nesse sentido pode se afirmar que o “[...]poder dis-
ciplinar é um poder discreto, [...] cuja visibilidade encontra-se tão
somente na docilidade e na submissão daqueles sobre quem, em si-
lencio, ele se exerce.” (Foucault, 2006,p. 28)

Destarte, como o olhar e a audição a voz é um instrumento poderoso na


conduta da criança colocada sob o poder disciplinar do professor, pois

[...] cultivar sua voz, quer cuidando do bom estado da la-


ringe e das vias respiratórias, quer procurando dar a voz
toda sonoridade, clareza e suavidade que a voz for capaz de
adquirir. ‘Na educação, dizia,Dupanloup, a palavra é um
grande instrumento espiritual e moral; é o nobre órgão do
espírito e do coração que dirige a alma, penetra-a, ilumi-
na-a, condu-la, cativa, domina-a. “É a alavanca que tudo
remove”. (Santos, 1966, p.20-21)

De todas as qualidades físicas do professor nada se compara a sua apa-


rência, pois as demais só produziriam efeito se ligadas a

[...] certa dignidade exterior do mestre, manifesta pela cor-


reção e modéstia do vestuário, pela simplicidade e delica-
deza das maneiras e pela serenidade e distinção de atitudes.
‘O porte do mestre tem de ser severo e simples, evitando
manias ridículas ou gestos desordenados. As atitudes em
compostura, afetação solene e o gesto presunçoso estão dis-
sociados do bom tom.’ (Santos, 1966, p.21)

Tais posturas físicas e morais compõemnão só a pratica cotidiana do


professor, determina, sobretudo, um modo de ser que não se separa
do corpo. A profissão professor não ocupara mais apenas um tempo do
individuo será, mormente, o individuo. Asmarcas da profissão comporão
o individuo, assim que o modo de se comportar, vestir, falar, olhar e pensar
fará parte não só da sua prática profissional, mas de suas relações sociais.
Determinadas atitudes e comportamentos sociais não lhe serão permitidos.
A formação de professores,os manuais pedagógicos e o governo de si e dos outros 77

Num dispositivo disciplinar, não há dualismo assimétrica;


não há apropriação parcial. Parece-me que o poder disci-
plinar pode se caracterizar em primeiro lugar pelo fato de
implicar, não na coleta com base no produto ou numa parte
do tempo, ou em determinada categoria de serviço, mas por
ser uma apropriação total, ou tender, em todo caso, a ser
uma apropriação exaustiva do corpo, dos gestos, do tem-
po, do comportamento do individuo. É uma apropriação do
corpo, e não do produto; é uma apropriação do tempo em
sua totalidade, e não só do serviço. (Foucault, 2006, p.57-58)

As regras de conduta, por meio uma autocontrole reflexivo, da edu-


cação ou coeducação não se manifestam apenas para as atitudes e
comportamentos esperados para o aluno, que esta sob o olhar vigilante
do professor, mas também e principalmente sob aquele que olha,
vigia, avalia. O professor estará sob um controle constante ate que tais
atitudes se tornem um hábito, se “naturalize” de modo em que a pro-
fissão não se separe do individuo. Tal aspecto fica evidente quando no
manual encontramos as características morais do professor

O mestre precisa de uma vida de absoluta purezamoral e con-


duta irrepreensível dignidade. “Dentro fora da escola, diz Raul
Ferrero, o mestre deve ser paradigma de correção e de boa
conduta, porque a virtude irradia sobre os demais pelo exem-
plo vivificador enobrece o espírito e concede ao homem um
traço de incontestável respeitabilidade. Requer, pois, o educa-
dor sólidos princípios morais e religiosos, severamente obser-
vados,. Como só se pode transmitir o que se possui, o mestre,
ensinando a moral, tem de vivê-la com sóbrio orgulho e incul-
cá-la com paternal solicitude”. (Santos, 1966:20-23)

Assim, seráno exercício progressivo, gradual da profissão que o profes-


sor aperfeiçoara suas habilidades físicas, morais e intelectuais. As quali-
dades intelectuais do professor passamnecessariamente por uma “inte-
ligência bem desenvolvida e organizada”.Isso tudo conforme manual
pedagógico para que o futuro professor possa “apreender, com presteza
78 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

e exatidão, os caracteres distintos das coisas, os traços peculiares das


pessoas, os aspectos particulares da realidade”[...] Cabe ao professor
“dedicar-se aos estudos, ter por base uma cultura sólida no campo do
conhecimento humano”. (Santos, 1996, p.21). Uma visão ampla de todos
os problemas do espírito, enfim,quase um psicólogo, psiquiatra. Um sa-
cerdote. Nesse sentido as escolas normais se constituíam em

recinto adequado pra disciplinar os docentes, transformados


em agentes do projeto social e político da modernidade: os
discursos produzidos nesta instituição edificam um modelo
de ser professor que mistura ‘antigas’ referências religiosas
com o novo papel de servidores do Estado. (Nóvoa, 1996, p. 3)

Do mesmo modo os manuais pedagógicos instrumentos utilizados nas


escolas normais, e depois nos cursos de magistério, apresentavam cer-
tos discursos por meio de técnicas e procedimentos que consistiam em
estratégias que visavam à conformação moral dos indivíduos – pro-
fessores e alunos - indicando um modo particular de relacionar-se
consigo e com os outros. Nota-se em tais práticas a pretensa ação de
dotá-las de certas capacidades de compreender falar e julgar-se a si
mesmos, e de colocar-se em ação.

Quanto ao processo de formação docente tais procedimentos permi-


tiam aos sujeitos da ação formativa, nas escolas normais, a produção
de certa homogeneização em relação à categoria profissional e por ou-
tro, um saber poder sobre a infância, pois não só definiam as posturas
desejáveis a uma determinada categoria profissional, um modo de ser
professor, que se expressavam em aspectos físicos, morais e intelec-
tuais, mas também ensinavam aos futuros professores como ensinar as
crianças a se vestir, portar, falar e organizar-se.
A formação de professores,os manuais pedagógicos e o governo de si e dos outros 79

Enfim, os manuais pedagógicos, enquanto instrumentos técnicos


serviram por um longo período da história e por certo ainda servem
a constituição de um tipo profissional – o professor - reforçando não
apenas um comportamento moral, mas principalmente um modo de
ser professor que passa pelo seu modo de falar, olhar e agir em sala de
aula se alongando por todas as suas relações sociais, implicando em um
controle continuo de seus desejos e manifestações via um autocontro-
le, ou seja, um julgue-se o homem a si mesmo.

Referências
COMENIUS. Didática Magna. Tradução: Ivone Castilho Benedetti. São
Paulo: Martins Fontes, 1997 (Paidéia);

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HAMILTON, David. Notas de lugar nenhum: sobre os primórdios da


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2001, pp. 45-73;

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80 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

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NÉRICI, Emídio. Introdução a didática Geral. Fundo de Cultura: Rio de


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NOVOA, Antonio. “ A imagem do infinito”: a lenta acomodação da


profissão docentea uma identidade feminina USP. 1996, mimeo.

RATIO STUDIORUM. 1951. In: Franca. Pe. Leonel. O método pedagógico


dos jesuítas. Rio de Janeiro: Ed. Agir;

SANTOS, Teobaldo. Curso de Psicologia e pedagogia: Manual do


professor Primário. 7ª edição. São Paulo. Companhia Editora
Nacional. 1966
Capítulo 5

Os primeiros concursos de
docentes para o ensino
secundário em Sergipe

Suely Cristina Silva Souza


Eva Maria Siqueira Alves
Dos anos de 1830 datam os primeiros movimentos para a organização
do ensino secundário em Sergipe, na capital da Província, São Cris-
tóvão. Instalado o Conselho Geral da Província em 1º de dezembro de
1829 as providências iniciais foram criar cadeiras de Filosofia, Retórica,
Geometria e Francês em uma instituição de ensino secundário em São
Cristóvão. Mas as profundas transformações educacionais são decor-
rentes do Ato Adicional de 1834, que transferiu de forma descentrali-
zada as responsabilidades constitucionais para as Províncias, dando a
elas o direito de legislar o ensino primário e secundário, segundo suas
condições financeiras para criar escolas, reunir as cadeiras avulsas1 e
aprovar nomes de professores para regê-las.

Outra tentativa de organização do ensino secundário em Sergipe ocor-


reu com a criação do “Lyceu Sergipense”, também denominado “Lyceu
de Sergipe”2, em 31 de julho de 1847, reunindo as cadeiras de Filosofia,

1 As cadeiras ou aulas avulsas possuíam similaridade com as aulas régias. Defende Se-
brão Sobrinho (1954) não ter sido o Ato Adicional de 1834 que criou no Brasil os
Liceus. Alega o autor que antes que o fizesse já existiam nas Províncias os populares
Liceus, com denominação oficial de “Colégios de Estudos” (SEBRÃO, 1954, p.422).
2 O nome atribuído a esse Liceu é variado, conforme a fonte documental
examinada, porém trata-se do mesmo “Lyceu de Sergipe, ou “Lyceu de São
Cristóvão”, ou “Lyceu Sergipense” (ALVES, 2005).
Os primeiros concursos de docentes para o ensino secundário em Sergipe 83

Retórica, Geometria, Latim e Francês. A instituição foi bem recebida


por todos, principalmente pelo Presidente da Província de Sergipe,
Joaquim José Teixeira, ao congratular-se com o diretor do novo Liceu,
o Padre José Gonçalves Barroso:

[...] muito agradavel foi á este governo a noticia de se haver


matriculado crescido numero de alumnos, e de observar-se
grande zelo na parte dos Professores. Muitos serviços pode
a Provincia prestar o Lyceu, se com effeitoaquelles que se
achão encarregados do respectivo ensino, se compenetrarem
bem do fim para que forão escolhidos. O Governo conta que
terá sempre que louvar, e não duvidará promover, quanto em
se couber, o desenvolvimento deuma Instituição tão util. Não
duvide V. Exa. propor todas as medidas que entender uteis
ao Estabelecimento sob sua inspecção, ficando certo de que
este Governo conhece quaes os resultados da instrucção bem
dirigida. Dr. Ge. a Exma. Palácio do Governo de Sergipe 24 de
fevereiro de 1848 [...] (LIVRO DE CORRESPONDÊNCIAS DO
LYCEU SERGIPENSE, 1848, p. 1v-2, Ref. 492FASS05).

Os serviços prestados pelo Liceu Sergipense foram reconhecidos pelo


Governo e demais responsáveis pelos seus deveres, mas apesar de tanta
exaltação a instituição não funcionou satisfatoriamente. Ao longo de
sua existência enfrentou problemas como a precária estrutura física, a
falta de frequência e o baixo rendimento dos alunos, culminando com
o encerramento de suas aulas mediante a mudança da capital para Ara-
caju, no ano de 1855.

Certo é que, apesar dos problemas enfrentados nas tentativas de or-


ganização dos estudos secundários em Sergipe na primeira metade do
século XIX, quer nas aulas isoladas, quer nas instituições criadas, “pas-
saram alunos que mais tarde se tornaram parte da elite letrada sergipa-
na” (SANTOS, 2013, p. 57).
84 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Objetivamos nesse capítulo analisar os primeiros concursos para pro-


fessores do ensino secundário na Província de Sergipe, ocorridos no
Liceu de São Cristóvão e Liceu Sergipense, a fim de entender a dinâmi-
ca de implementação desse processo em terras sergipanas. O conjunto
dessa análise totaliza 9 concursos, distribuídos por cadeiras, ano, can-
didatos e instituições promotoras.

Ser docente dos Estudos Secundários

Em Sergipe o lançamento do primeiro edital para concurso de docentes


ocorreu no dia 3 dedezembro de 1828, sendo realizado em 21 de janeiro
de 1829, nas cadeiras de Primeiras Letras e Gramática Latina. Também
nos dias 28, 29 e 30 de março de 1832 o Governo propôs outro concurso
para as cadeiras de Filosofia, Retórica, Geometria e Gramática Francesa
a serem ministradas na cidade de São Cristóvão, mas por falta de can-
didatos e de pessoas qualificadas para servirem de examinadores eles
não foram providos.

Ao examinarmos os concursos para lentes3 em Sergipe podemos com-


preender o ambiente escolar, sobretudo entender as questões acerca
das práticas e dos saberes requeridos de um futuro professor. Santos
(2013) esclarece que a docência é afetada diretamente pelas reformas
educacionais, uma vez que “estabeleceram padrões seletivos para o
exercício da profissão” (SANTOS, 2013, p. 31). E continua o autor:

3 No ensino secundário o termo “lente” era destinado aos professores nomea-


dos pelo Presidente da Província ou concursados, vitalícios desde a sua pos-
se, além de serem membros da Congregação da instituição que faziam parte.
Durante o desenvolvimento de suas funções podiam permutar cadeiras com
outros professores ou ocupar as cátedras vagas.
Os primeiros concursos de docentes para o ensino secundário em Sergipe 85

O professor seria uma espécie de “clérigo-leigo”. Por outro


lado, o controle estatal interessava à classe docente por lhe
garantir o status social de que não dispunha até então. Este
status seria acompanhado de uma maior organicidade para
o exercício da profissão, permitindo, ao menos em tese,
melhores condições de trabalho e a valorização profissional
(SANTOS, 2013, p. 31).4

Ainda em relação a profissão docente, não podemos deixar de destacar


os estudos de Nóvoa (1991), quando afirma que:

O processo de estatização da escola não começa senão por


volta do fim do século XVIII; ele é indissociável: do movi-
mento secular do Estado-Nação que se desenvolve nos sé-
culos XVIII e XIX; de uma transformação profunda das con-
cepções relativas à moral, que tendem a se libertar de uma
definição estritamente religiosa; e da arrancada da revolu-
ção industrial e da emancipação do capital industrial dos
entraves coorporativos (NÓVOA, 1991, p. 247).

Observamos que no final do Antigo Regime, havia um controle mais


rigoroso dos processos educativos, tendo como destaque a “substitui-
ção de um corpo docente religioso, sob a tutela da Igreja, por um corpo
laico, sob a tutela do Estado, sem que as antigas normas e valores da
profissão sejam de todo descartados” (OLIVEIRA, 2003, p. 105). As-
sim, o modelo docente permanecia “muito próximo daquele do padre”
(NÓVOA, 1991, p. 250).

Assim como Nóvoa (1991), Oliveira (2003) afirma que o processo de


institucionalização docente no Brasil se iniciou no século XVIII, quan-
do o Governo toma o lugar da Igreja nas atribuições educativas. No seu
entendimento, essa passagem não se tratava de uma ruptura com o

4 Maior aprofundamento sobre a profissão docente em Sergipe ver “Elite letra-


da e o ofício docente em Sergipe no século XIX”, Tese de Doutorado de Fábio
Alves dos Santos. E sobre a profissão docente no Brasil ver CATANI (2000).
86 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

modelo educacional desenvolvido nos dois séculos anteriores, através


de um novo projeto pedagógico, “mas de uma espécie de renovação
dos currículos e programas, e principalmente de um controle estatal
concernente a todo o conjunto do sistema de ensino inclusive a seleção
e recrutamento do pessoal docente” (OLIVEIRA, 2003, p. 105).

Frente a este cenário, se faz oportuno investigar como foram selecio-


nados os profissionais responsáveis pela formação educacional dos
moços estudantes. Desta forma, o estudo dos concursos para docen-
tes no ensino secundário sergipano nos permitiu esclarecer algumas
questões, já que o professor é o protagonista das análises e um agente
da transmissão dos saberes necessários para se conviver coletivamente,
pois “no coração do processo que transforma as finalidades em ensino,
há a pessoa do docente” (CHERVEL, 1990, p. 191). Concebemos a edu-
cação assegurada por determinados grupos que assimilam e socializam
conhecimentos a sucessivas gerações.

O termo “ensino secundário” merece algumas considerações sobre sua


nomenclatura e significado na educação secundária, uma vez que no
século XIX surgiu para qualificar, classificar e elitizar a clientela dele
participante, funcionando como suporte para inserção nos cursos su-
periores. Sua institucionalização como “ramo de ensino” ocorreu com
a implementação da Reforma Rocha Vaz por meio do Decreto 16.782-A,
de 13 de janeiro de 1925 por meio da extinção dos exames parcelados5.
Esta lei não se restringia a preparação dos alunos nas disciplinas desti-
nadas aos exames preparatórios de acesso ao ensino superior, mas para

5 “Cursava-se o ensino secundário ou realizando os exames parcelados (até


1925), ou concluindo o curso seriado secundário. Os exames parcelados foram
extintos oficialmente no Decreto nº 16. 782-A, de 13 de junho de 1925, con-
tudo por meio de outros decretos complementares a brecha da realização dos
exames parcelados continuou aberta mesmo após o Decreto nº 19.890/1931”
(OLIVEIRA, 2014, p. 20).
Os primeiros concursos de docentes para o ensino secundário em Sergipe 87

uma educação que assumisse princípios, organização e finalidades nos


estabelecimentos abertos à formação dos jovens.

Autores como Nagle (2001), Silva (1969), Haidar (2008) e Nunes (1999)
apontam que o ensino secundário “além de base indispensável para a
matrícula nos cursos superiores” serviu de “preparo fundamental e
geral para a vida, qualquer que” fosse “a profissão a que se dedicar o
indivíduo” (NUNES, 1999, p. 93). Cabe dizer que, o ensino secundário
se estabeleceu como um “nível de ensino” com a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996).

Como o nosso foco é examinar os concursos para professores do ensino


secundário de diferentes cadeiras, realizados em Sergipe no período de
1832 a 1853, observemos o quadro seguinte:

Quadro 1 - Concursos para professores do ensino secundário em Sergipe (1832-1853)

CADEIRAS ANO CANDIDATOS INSTITUIÇÃO


Filosofia Racional e 11832 Joaquim Maurício Cardoso Liceu de São Cristóvão
Moral (Francês)

Geometria

Francês

Retórica
Filosofia 1833 Não houve candidatos Liceu de São Cristóvão
Retórica 1834 Manoel Ladislau Aranha Liceu de São Cristóvão
Dantas
Geografia e Histó- Antonio Nobre de Almeida Liceu Sergipense
ria Castro
1848
Inglês Eusébio Vanerio
Retórica 1853 Não ocorreu Liceu Sergipense
Fonte: Elaborado pelas autoras por meio do livro de Correspondências do Liceu Ser-
gipense (Ref. 492FASS05).
88 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Em uma primeira análise, percebe-se que a prática dos concursos es-


teve presente em Sergipe desde os oitocentos, contudo essa concep-
ção deve ser confirmada por meio das fontes pesquisadas. Para tal fim,
buscamos na legislação, na imprensa e em documentos escolares lo-
calizados em diferentes arquivos, indícios das especificidades de cada
seleção, nas suas instituições de ensino como um retrato da profissio-
nalização docente de Sergipe.

Documentos de arquivo são testemunhos inequívocos da


vida de uma instituição. Informações sobre o estabeleci-
mento, a competência, as atribuições, as funções, as opera-
ções e as atuações levadas a efeito, por uma entidade pública
ou privada, no decorrer de sua existência, estão registradas
nos arquivos. De outro lado, também demonstram como
decorrem - e decorreram - as relações administrativas, po-
líticas e sociais por ela mantidas, tanto no âmbito interno
como no externo, sejam com outras entidades de seu mes-
mo nível, ou com as que lhe são, hierarquicamente, supe-
riores ou inferiores (BELLOTO, 2004, p. 9).

Entre os documentos analisados destacamos o Livro de Correspon-


dências do Liceu Sergipense (1848-1851), salvaguardado no Centro de
Educação e Memória do Atheneu Sergipense (CEMAS)6. Esta fonte traz
sinais dos primeiros concursos para o ensino secundário de Sergipe e
permite compreender um pouco do cotidiano escolar daquela institui-
ção no final do século XIX. Nessa perspectiva, investigamos os con-
cursos das cadeiras avulsas providas no Liceu de São Cristóvão (1833) e

6 O CEMAS é o arquivo histórico do Atheneu Sergipense, fundado no ano de


2005, que até a presente data salvaguarda no interior da instituição, fontes-
localizadas entre os anos de 1848 a 1990, descritas em guias e acondicionadas
em caixas, após receber o tratamento de limpeza, catalogação e organização
documental. Coordena o CEMAS a segunda signatária desse capítulo, por
meio do Termo de Cooperação Técnica firmado entre a Universidade Federal
de Sergipe e a Secretaria de Estado da Educação de Sergipe.
Os primeiros concursos de docentes para o ensino secundário em Sergipe 89

Liceu Sergipense (1847). O estudo desse lapso de tempo se justifica pela


importância que os diferentes aspectos do ensino secundário, antes da
criação do Atheneu Sergipense, contribuíram no processo de seleção
dos professores na Província de Sergipe.

O provimento das primeiras cadeiras de ensino secun-


dário de Sergipe d’El Rey

No dia 8 de julho de 18207, Sergipe foi desmembrado da Bahia, mas en-


tre muitos confrontos e atos tornou-se Província no ano de 1824. Nessa
época, contava com um número reduzido de aulas de primeiras Letras
e raras cadeiras de Latim (língua e a gramática). As cadeiras de Latim
compreendiam um reforço ao culto público, uma das responsabilida-
des do poder no Brasil. O Latim era a língua oficial da catequese, da
religião, da celebração das missas, vinculada a hierarquia romana, na
perspectiva das Humanidades.

Na compreensão de Gasparello (2002), as “Humanidades” foi uma in-


venção do secundário. Sua história tem sua existência com as “artes
liberais” dos gregos antigos, o lugar ocupado pelo Latim. Etimologi-
camente refere-se a “humanitas”, remetendo-se em grego a Paideia.
Para tanto, a educação preparava o indivíduo a plenitude do seu papel
de homem. Possuía uma relação com a tradição cristã, pondo em des-
taque o caráter laico do termo. Também associava seu estudo ao século
dos humanistas, que designava tanto os sábios dedicados à antiguidade
grega romana, como “os alunos das novas classes dos colégios”. Assim,

7 Sergipe torna-se independente do Governo da Bahia pela Carta Régia de D. João


VI de 8 de julho de 1820, elevando-se a categoria de Província do Império, com
sede em São Cristóvão (FREIRE, 1995).
90 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

as Humanidades era um ensino baseado “no espírito de uma educação


integral e moral que preparava o homem para a vida em sociedade do
que um grupo de matérias” (GASPARELLO, 2002, p. 61-62).

No Brasil, na primeira metade do século XIX, a presença do Latim do


ensino secundário provém das escolas representativas dos estudos
clássico e religioso, dominantes no Gymnasiunnde Sturm e nos Colé-
gios Jesuítas, respectivamente. O primeiro tinha por fim desenvolver a
capacidade de falar e escrever o Latim de Cicero, uma vez que seu plano
tinha por base os clássicos latinos, de alguns gregos e das epístolas do
Novo Testamento em Grego, sem dar importância a língua vernácula.
Nos Colégios Jesuítas, o Latim relegou a segundo plano a língua mater-
na. Seu ensino era abrangente por abarcar a maior parte do horário das
aulas e extravasar pelas outras matérias como “[...]o veículo de todo
ensino” (SILVA, 1969, p. 95).

Havia na Província de Sergipe, a partir do ano de 1825, a necessida-


de da instrução como elemento de construção da civilização8 em prol
das luzes. Para o Presidente Manuel Clemente, as cadeiras secundárias
possuíam “conhecimentos preliminares e úteis a qualquer estado e
condição, acreditando ser adequado” o provimento das aulas de Re-
tórica Poética, Filosofia Racional e Moral e Aritmética e Geometria aos
estudantes “que já haviam frequentado o ensino das primeiras Letras e
as aulas de Latim” (LIMA, 2005, p. 38).

8 Na concepção de Nobert Elias, o termo “civilização” representa “uma grande


variedade de fatos ao nível da tecnologia, ao tipo de maneiras, ao desenvol-
vimento dos conhecimentos científicos, às ideias religiosas e aos costumes”
(ELIAS, 1990, p. 23). O autor compreendeu os modos como o homem se inse-
ria na sociedade, definindo e incorporando padrões culturais que marcavam
a sua vida. Em outros termos, o analisou como um ser social e individual,
sustentando uma interdependência com os outros homens.
Os primeiros concursos de docentes para o ensino secundário em Sergipe 91

O processo de organização das aulas secundárias de Sergipe teve seu


ponto de partida nas cadeiras de Retórica, no ano de 1833. As criações
de outras cadeiras, nas principais vilas sergipanas não formalizavam a
existência do ensino secundário, ou preparatório9, mas também não
significava muito ao lado das cadeiras de primeiras Letras, masculinas
e femininas, que existiam e que eram criadas ou removidas no terri-
tório sergipano. Santos (2010), afirma que a Retórica possuía uma fi-
nalidade específica: preparar os jovens para o ingresso nas academias
superiores por meio da aprovação nos Exames de Preparatórios. O que
não excluía a promoção dos conhecimentos que preparavam “os jovens
alunos para a atuação em cargos burocráticos e de comando, nos quais
o domínio da ênfase exercia um papel distintivo, denotando erudição e
elegância” (SANTOS, 2010, p. 22).

O Conselho do Governo da Província de Sergipe obrigou o lente da ca-


deira de Retórica a dar aulas de Poética, Geografia e História.

Resolveo mais o Excel. Conselho a vista dos Decretos de 11 de


Novembro de 1831, e 25 de Junho do mesmo anno [...] fossem
marcado o ordenado annuo de Setecentos mil réis as Cadeiras
de Philosophia Racional, e Moral, de Geometria, e Retórica,
obrigando o Lente desta a ensinar Poética, Geographia, e His-
tória (RECOPILADOR SERGIPANO, n. 120, 22 de jun., 1833).

A aula de Poética mostrava o quanto a cadeira de Retórica valorizava os


recursos da oratória, uma vez que sua finalidade era o exercício e do-
mínio da palavra. Também contribuiu na dinâmica da instrução secun-
dária da Província, ambiente enriquecido pela realização de concursos
públicos para professores.

9 A Província de Sergipe pretendia acompanhar os estudos secundários desen-


volvidos na Corte do Império. Os preparatórios eram exigidos nas faculdades
brasileiras, conforme o Art. 8ª, da lei de criação das faculdades jurídicas do
Brasil, promulgada no dia 11 de agosto de 1827.
92 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Nesse cenário, o ano de 1832 registrou o primeiro concurso docente de Ser-


gipe para o ensino secundário, realizado na Capital da Província, São Cris-
tóvão, nas cadeiras de Filosofia Racional e Moral, Geometria, Francês, e
Retórica. Nas palavras de Nunes (2008), não foi fácil encontrar em Sergipe
pessoas qualificadas para este concurso, apenas um candidato se inscreveu
na cadeira de Francês, Joaquim Maurício Cardoso, regendo-a no ano de
1834. Um novo concurso foi marcado e divulgado nos dias 30 e 31 de julho
e 1º de agosto de 1832, mas que ainda sofreu dificuldades pela “ausência de
pessoas habilitadas para examinadores” (NUNES, 2008, p. 52).

Torna-se evidente que nas primeiras décadas o século XIX, Sergipe


iniciou tentativas de organização do ensino secundário via concursos,
principalmente com a criação das cadeiras preparatórias em São Cris-
tóvão e nas vilas mais populosas de Laranjeiras e Estância. Na escrita
dos editais é notório certo controle, principalmente com a exigência
de carta de recomendação do diretor geral. Práticas que se intensifica-
ram com a criação do primeiro Liceu em São Cristóvão, no ano de 1833,
inaugurando em Sergipe o prelúdio dos Liceus.

Antes da criação do Liceu de São Cristóvão, no ano de 1831, o vigário José


Marcelino de Carvalho e o Congresso do Governo pretendiam organi-
zar um Liceu por meio de um plano. Estava entre suas atribuições criar
uma casa com cômodos para dez órfãos, designar um diretor para vigiar
e inspirar os estudantes para o amor ao onipotente e a liberdade, além
de deliberar sobre as vestimentas dos alunos durante os Atos da Religião.
Constava ainda como determinação a obrigação de frequentar todas as
missas agendadas pela Igreja e aquelas celebradas a Nossa Senhora da
Conceição, padroeira do Capital da Província. O plano foi aprovado pelo
Conselho do Governo, mas não foi efetivado (LIMA, 2005).

As aulas permaneceram separadas até o ano de 1833, quando o Pre-


sidente da Província, José Geminiano de Morais Navarro, anunciou
Os primeiros concursos de docentes para o ensino secundário em Sergipe 93

a criação do Liceu de São Cristóvão. Na concepção de Lima (2005), o


plano revelou alguns aspectos da instrução secundária como: o dire-
tor estabeleceu o controle e a ordem na instituição, os Regulamentos
e Regimentos da Instrução Pública decidiam as atribuições de onde e o
que ensinar, e uma estrutura educacional definida pela Igreja Católica.

Em novembro de 1833 se estabeleceu no Convento das Carmelitas, em


São Cristóvão, a primeira investida de centralização e normatização
das aulas secundárias de Sergipe por meio da criação de estatuto, dire-
ção, vice-direção e secretariado. Em relação aos concursos docentes,
Nunes (2008) diz que até outubro de 1832 não havia inscritos nas ca-
deiras de Retórica e Filosofia Moral e Racional, sendo necessário re-
crutar candidatos de outras Províncias. Para provê-las no ano de 1834,
convocou-se o professor Manuel Ladislau Aranha Dantas, habilitado
por concurso em 1833 para a cadeira de Filosofia, mas que no dia 13 de
agosto de 1834 decidiu reger a aula de Latim. Afirma ainda a autora que
o desinteresse pelo professorado provinha da baixa remuneração paga
aos docentes, cujos reflexos suspenderam o funcionamento do Liceu
de São Cristóvão por meio da Lei de 9 de março de 1835, alegando duas
justificativas: impossibilidade de custeio das despesas do estabeleci-
mento e pequeno número de alunos frequentando as aulas.

A vida efêmera do Liceu de São Cristóvão trouxe o retorno das aulas


avulsas, embora tenham sido regidas no mesmo local. O movimento da
presença da instituição na Província de Sergipe apresentou a relação de
forças e poder travada pelos diferentes agentes sociais durante os pri-
meiros direcionamentos da instrução pública sergipana, principalmen-
te quanto à organização dos concursos nos idos da primeira metade do
século XIX. Neste sentido, “qualquer luta é sempre resistência dentro
da própria rede do poder, teia que se alastra por toda sociedade e a que
ninguém pode escapar: ele está sempre presente e se exerce como uma
multiplicidade de relações de forças” (FOUCAULT, 2015, p. 18).
94 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Criado para atender as necessidades da instrução da mocidade, o Li-


ceu Sergipense deu seus primeiros passos no dia 21 de março de 1846
quando o Presidente da Província, Antônio Joaquim Alves do Amaral,
aprovou a Lei nº. 165 para organizar um estabelecimento na Capital da
Província. Contudo, até o dia 15 de março de 1847, esta legislação não
se efetivou devido à inexistência de sua aprovação legal e autorização
para ser implementada. A situação foi normatizada por meio da Lei nº.
200, de 31 de julho de 1847, que reuniu cinco cadeiras avulsas no mes-
mo espaço em que funcionou o Liceu de São Cristóvão.

Art. 1º Haverá nesta Capital um Lyceu, que será formado


com a reunião das seguintes cadeiras
Grammatica Latina
LinguaFranceza
Philosophia Racional e Moral
Arithmetica, Geometria, e Trigonometria
Rhetorica e Poetica (REGULAMENTO DO LICEU SERGI-
PENSE, 1847, p. 46).

Para o funcionamento, o diretor do Liceu Sergipense, Frei Roberto de


Oliveira, entregou aos professores, exemplares do Estatuto para manter
a ordem e bom regimento. A estrutura administrativa era composta por
um diretor, um secretário, um porteiro e cinco professores que faziam
parte da Congregação. A criação deste estabelecimento tornou-se uma
medida que favoreceu, sobretudo, aos “desprotegidos das sortes, porque
os opulentos filhos da nobreza provinciana podiam procurar no Recife,
na Bahia ou no Rio de Janeiro os ginásios ricos ou os internatos custosos
que mimavam a vaidade dos progenitores de brazão” (LIMA, 1948, p.28).

Os Liceus provinciais e o Colégio de Pedro II da Corte, foram instituições


criadas e mantidas pelos Governos locais, o que se estendia ao Liceu Ser-
gipense. Para tanto, o Presidente da Província de Sergipe, Cônego José
Os primeiros concursos de docentes para o ensino secundário em Sergipe 95

Francisco Sobral, detinha o poder de organizar o estabelecimento, no-


mear professores, diretores, inspetores, porteiro e secretários, além de
acompanhar o desenvolvimento do ensino e ser responsável pelos or-
denados dos funcionários. Essas instituições possuíam atributos de pú-
blicas, mas cobravam impostos de seus estudantes durante a abertura e
encerramento das cadeiras para amenizar as despesas. No Liceu Sergi-
pense, os diretores solicitaram insistentemente a isenção dos impostos,
alegando que “a mocidade que frequenta é pobre” e não tinham condi-
ções de pagar as taxas de matrículas, pesando tais despesas sobre os pais.

Os professores do ensino secundário da Província de Sergipe represen-


tavam uma categoria em constante circulação frente aos acontecimen-
tos ocorridos durante a primeira metade do século XIX. Permutavam
de cadeiras quando seus colegas se afastavam para ocupar postos na
Assembleia Legislativa Provincial. Naquelas funções, em outros cir-
cuitos culturais, reivindicavam para que os exames realizados no Liceu
fossem aceitos para ingresso nas Academias do Império. A voz dos pro-
fessores do Liceu Sergipense ecoando em outros espaços.

Os docentes do Liceu Sergipense construiam aos poucos a sua identi-


dade, sobretudo por meio dos concursos, na medida em que acondi-
cionava uma cultura profissional. Também ressalta-se a importância
da criação de estatutos, leis e decretos que normatizaram e modifi-
caram o papel docente dentro da instituição. Passavam a incorporar
a lei, obedecê-la e ser direcionado para uma nova cultura escolar. Ser
professor no século XIX significava estar disposto a outros olhares, a
observadores e controladores de suas ações, de seus ensinamentos.

São representações de um poder disciplinar, cujos métodos permitem


o controle minucioso das operações do corpo, asseguram a sujeição
constante de suas forças e impõe uma relação de docilidade-hostilida-
de. Dito de outro modo, “[...] um poder que não atua do exterior, mas
96 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

trabalha o corpo dos homens, manipula seus elementos, produz seus


comportamentos, enfim, fabrica o tipo de homem necessário ao fun-
cionamento e manutenção da sociedade [...]” (FOUCAULT, 2015, p. 21).

É inegável a visibilidade que o Liceu Sergipense deu aos concursos


para professores secundários da Província de Sergipe, uma vez que
tal processo constituiu um instrumento para melhor selecionar
os candidatos por intermédio de conhecimentos e investimentos
intelectuais, expondo as exigências e preocupações com a habilitação
do seu quadro de lentes. Desse modo, quando alguma das cadeiras da
instituição era criada ou vaga, o diretor publicava editais e anúncios nos
jornais da Província de Sergipe e da Bahia, por um período de quatro
meses. Para a seleção das cadeiras de línguas, os candidatos realizavam
traduções de autores clássicos em prosa e verso, de uma composição, e
argumentos sobre a gramática das duas Línguas, sua correspondência,
filosofia, gênio e belezas. Nas demais cadeiras os candidatos produziam
uma dissertação oral por 30 minutos, expondo didaticamente a matéria
da cadeira, da mesma forma que ensinava aos estudantes. Em seguida,
esses concorrentes eram examinados minuciosamente sobre a filosofia
e especialidades do respectivo assunto (REGULAMENTO DO LICEU
SERGIPENSE, 1847, p. 52).

Quando o concurso possuía candidato único, era arguido pelos exa-


minadores e membros da Congregação. Na ocorrência de mais de um
concorrente, arguiam-se reciprocamente por uma hora, ficando a
critério da banca interrogá-los. A Congregação nomeava os examina-
dores dentre os professores do Liceu Sergipense ou convidava pessoas
letradas da Província de Sergipe (REGULAMENTO DO LICEU SERGI-
PENSE, 1847, p. 52-53).

Para anunciar os resultados do concurso, os examinadores e os mem-


bros da Congregação votavam os méritos de cada candidato por es-
Os primeiros concursos de docentes para o ensino secundário em Sergipe 97

crutínio secreto, às portas fechadas e atribuíam as seguintes letras: P


(empregada quando os concorrentes não deixavam a desejar sobre a
matéria); A (quando estavam simplesmente satisfeitos com as pergun-
tas ou questões) e R (exclusão dos opositores, apresentando a escrita
de um termo com as precisas individualizações). Por fim, o candidato
era selecionado, após avaliação rigorosa, entre o mais habilitado e na
ocorrência de empate, a vaga destinava-se a quem tivera prestado mais
serviços à causa pública. Permanecendo a igualdade, a escolha se dava
por sorteio. Ao final desse processo, o diretor do Liceu Sergipense en-
caminhava a proposta ao governo da Província para ser aprovada ou
não (ART. 56, REGULAMENTO DO LICEU SERGIPENSE, 1847, p. 53).

A Resolução nº. 212, de 6 de maio de 1848 criou duas cadeiras no Liceu


Sergipense, Geografia e História e Inglês, e para regê-las foi solicitado
por meio de ofício, a publicação do concurso em edital. Para tanto, os
candidatos deviam se apresentar na secretaria da instituição compe-
tentemente habilitados.

Registro do Edictal que acompanhou um officio do Snr. Di-


rector a Presidencia da Província
Directoria do Lyceu- De ordem do Snr. Director do Lyceu
d’esta Provincia se faz publico que se acham em concurso as
cadeiras de Geographia e Historia e de Ingles com o ordena-
do de oitocentos mil reis cada uma, o qual terá lugar no pri-
meiro e segundo dia util depois de 10 de fevereiro proximo
futuro. As pessoas que pretenderem concorrer a ellas, quei-
ram-se se apresentar competentemente habilitadas nesta
Secretaria. Secretaria do Lyceu de Sergipe 2 de Septembro
de 1848. Olympio Feusia Munis Barretto, Secretario interino
(LIVRO DE CORRESPONDÊNCIAS DO LICEU SERGIPENSE,
1848, p. 15v, Ref. 492FASS05).
98 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Para realização dos exames da cadeira de Geografia e História, o diretor


do Liceu Sergipense, padre José Gonçalves Barroso10, solicitou por meio
de ofício, datado em 5 de outubro de 1848 a “compra de mappasgeogra-
phicos em grande formato e dois globos um celeste e outro terrestre, o
qual se faz de absoluta necessidade” (LIVRO DE CORRESPONDÊNCIAS
DO LICEU SERGIPENSE, 1848, p. 17v). O concurso das cadeiras Geogra-
fia e História e Inglês se tornou público no dia 3 de novembro de 1848, às
10 horas da manhã, sendo convidado o Presidente da Província, Zacarias
de Góis e Vasconcelos, para que o ato se realizasse solenemente.

O diretor do Liceu Sergipense também convidou por meio de corres-


pondência, no dia 6 de fevereiro de 1849, o Vice-Cônsul da Suécia e No-
ruega,Eduardo Wyrin,para ser examinador da cadeira de Inglês11, o que
demonstrava a sua provável “relação de poder” com os cidadãos habili-
tados e preocupados com a prosperidade da instrução.

Illmo. Snr. Tendo de ser examinado em o dia 12 do corren-


te os oppositores a cadeira de Inglez novamente criada para
esse Lyceu, e a Congregação reconhecendo que V. Exa. está
mais quão qualquer outro cidadão habilitado theorica e
practicamente para afirmar o mérito de appositario esco-
lheu a V. Sa. para um dos examinadores, o que tenho a honra
de participar. E convencido de que V.Sa. se interessa pelo
bem estar d’esta Provincia e pelo seu zelo pelo augmento da
instrucção a previa que V. Exa. designará de aceitar tão hon-
rosa commissão. Felicito-me por ter esta occasião de appre-

10 Nascido em Laranjeiras no dia 21 de março de 1821 e faleceu na cidade de São


Cristóvão a 17 de setembro de 1882, tendo como pais o capitão Antônio Gon-
çalves Barroso e Martinha Maria do Sacramento. Estudou no Seminário Ar-
quiepiscopal da Bahia, mas por não possuir idade para assumir suas funções
clericais foi aprovado no concurso para lente substituto de Latim da Capela por
ato de 13 de dezembro de 1842. Tornou-se lente de Filosofia Racional e Moral
em 1845, Filosofia em 1846 do Liceu de São Cristóvão, além de assumir outros
cargos públicos. Para saber mais, consultar Guaraná (1925, p. 314-315).
11 A respeito do ensino da Língua Inglesa em Sergipe consultar SILVA (2017).
Os primeiros concursos de docentes para o ensino secundário em Sergipe 99

sentar a V. Sa. Os meus sinceros protestos de consideração


e respeito. Dr. Ge. a V. Snr. Secretaria do Lyceu de Sergipe
6 de fevereiro de 1849. Ilmo. Snr. Vice-Consul da Suecia e
Noruega Eduardo Wyrin, o Padre José Gonsalves Barroso,
Director do Lyceu(LIVRO DE CORRESPONDÊNCIAS DO LI-
CEU SERGIPENSE, 1849, p. 12v-13, Ref. 492FASS05).

Não havendo candidatos inscritos nas cadeiras Inglês e de Geografia e


História até o dia 9 de fevereiro de 1849, o diretor estendeu o prazo da
realização dos exames para os dias 16 e 17 daquele mês e ano, tornan-
do o ato público por meio de edital. Para tanto, convidou por meio de
ofício, datado em 15 de fevereiro de 1849, o Presidente da Província
para assistir o concurso da cadeira de Inglês, no dia seguinte, às 9 horas
da manhã, sendo habilitado para professor o cidadão Eusébio Vanerio.
Ao final do processo de seleção, a diretoria do Liceu Sergipense enviou
comunicado a Presidência de Sergipe, Zacharias Goes e Vasconcellos,
apresentando a proposta da Congregação para lente de Inglês, confor-
me a legislação vigente.

Ilmo. Exmo. Snr. Em virtude do artigo 56 do capitulo 9º da Lei


Provincial numero 200 de 31 de julho de 1847 enfim a Congre-
gação propõe a V. Exa. EusebioVanerio, para ser approvado Pro-
fessor de Inglez. Dr. Ge. a V. Exa. Sala da Congregação do Lyceu
de Sergipe 16 de fevereiro de 1849. Illmo. Exmo. Snr. Presidente
d’esta Provincia, Dr. Zacharias Goes e Vasconcellos- Padre José
Gonsalves Barroso, Director do Lyceu, Manoel Manuel Odori-
co Mendes d’Amorim, Secretario, José de S. Firmino, Olympio
Feusa Munis Barretto(LIVRO DE CORRESPONDÊNCIAS DO LI-
CEU SERGIPENSE, 1849, p. 27, Ref. 492FASS05).

Em resposta ao ofício do diretor do Liceu Sergipense, o Presidente da


Província aprovou a proposta da Congregação. Desse modo, o candi-
dato Eusébio Vanerio recebeu no dia 20 de fevereiro de 1849, uma noti-
ficação da diretoria do estabelecimento de ensino comunicando sobre-
sua habilitação e posterior solicitação do título de lente da instituição.
100 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Officio da Directoria ao cidadão EusebioVanerio, em que lhe


participa ter sido nomeado Professor de Inglez
Ilmo. Snr. tendo sido V. Sa. proposto pela Congregação e appro-
vado pelo Exmo. Snr. Presidente da Provincia, para exercer o
magisterio da cadeira de Inglez d’este Lyceuassim o communico
para que V. Sa. solicite o respectivo titulo. Ge. Dr. a V. Exa. Lyceu
de Sergipe 20 de fevereiro de 1849- Do Director do Lyceu – Ill-
mo. Snr. Eusébio Vanerio(LIVRO DE CORRESPONDÊNCIAS DO
LICEU SERGIPENSE, 1849, p. 27-27v, Ref. 492FASS05).

Para o concurso da cadeira de Geografia e História, realizaram exames


no dia 17 de fevereiro de 1849, os candidatos Antônio Nobre de Almei-
da Castro12 e Theophilo das Neves Leão, sendo o primeiro habilitado a
lente. Em seguida, a diretoria do Liceu Sergipense enviou por meio de
ofício, no dia 28 de fevereiro do mesmo ano, um comunicado à Pre-
sidência de Sergipe para apresentar a proposta da Congregação para
lente escolhido, de acordo com a lei vigente.

A Congregação do Lyceu propõe a V. Exa. o Bacharel Anto-


nio Nobre de Almeida e Castro para Professor de Geographia
e Historia, em virtude do artigo 57 da Lei numero 200 de 31
de julho de 1847, por ter mais serviços do que Theophilo das
Neves Leão com quem fora igualado. Dr. Guarde a V. Exa.
Sala da Congregação do Lyceu de Sergipe 28 de fevereiro de
1849. Illmo. Exmo. Snr. Presidente d’esta Provincia- O Di-
rector Padre José Gonsalves Barroso, Manoel Manuel Odori-
co Mendes d’Amorim, Secretario, Galdino Barbosa d’Arau-
jo. Fr. José de S. Firmino, Olympio Feusa Munis Barretto
(LIVRO DE CORRESPONDÊNCIAS DO LICEU SERGIPENSE,
1849, p. 28v, Ref. 492FASS05).

12 Nascido no dia 19 de junho de 1822, no engenho Cambão, município de Laran-


jeiras, tendo como pais Manuel Francisco da Cunha Nobre e Maria Joaquina
de Leão e Castro Nobre. Faleceu no dia 3 de novembro de 1862, em Paris. For-
mou-se em Direito pela Academia Jurídica de Olinda no ano de1848. Foi lente
das cadeiras de Geografia, História e Retórica do Liceu Sergipense. Para saber
mais, consultar Guaraná (1925, p. 56).
Os primeiros concursos de docentes para o ensino secundário em Sergipe 101

A escolha da Congregação pelo candidato Antônio Nobre de Almeida Cas-


tro por ter mais tempo de serviço do que o concorrente Theophilo das Ne-
ves Leão, coaduna com as interpretações de Michel Foucault, uma vez que
“[...] todo saber assegura o exercício de um poder” (FOUCAULT, 2015, p.
28). A determinação do Presidente da Província, José Gonsalves Barroso,
faz jus ao cabedal de conhecimentos adquiridos pelo lente ao longo dos
anos, servindo-lhe de instrumento de dominação, já que “todo saber tem
sua gênese nas relações de poder” (FOUCAULT, 2015, p. 28).

As cadeiras Geografia e História e Inglês entraram em funcionamento


no ano de 1850. Cabe ressaltar que ainda no ano de 1849, por intermé-
dio da Lei nº. 243, de 30 de março foi criado um Curso de Comércio
anexo ao Liceu Sergipense, com duração de dois anos, fazendo parte
da instrução secundária da Província de Sergipe, ofertando as cadei-
ras de Comércio, Contabilidade e Escrituração Mercantil. Estudava-se
também as línguas francesa e inglesa, assim como Geografia. O lente
de Inglês ficava incumbido de ensinar tanto as lições de Inglês quanto
as do curso de Comércio: Contabilidade, Escrituração, Conhecimentos
das operações de bancos, e mais, Papeis judiciais usados no comércio,
ficando a encargo dos órgãos públicos de dar todas as condições neces-
sárias para anexo desta cadeira ao Liceu. Assim, os alunos aprovados
neste curso estavam aptos a concorrência de lugares ou empregos pú-
blicos da Província (LIMA, 2005).

A abertura da matricula foi anunciada no mês de maio de 1849, encer-


rando-se no final do mesmo mês. As aulas deveriam iniciar no dia 1º de
junho, mas como não houve inscritos prorrogou-se o prazo. Assim, o
curso de Comércio iniciou suas atividades no ano de 1850, junto à ca-
deira de Inglês. O Presidente da Província, Zacarias Goes de Vasconce-
los, no ano de 1852 apontou as suas desvantagens e inutilidades, decla-
rando que durante dois anos nenhum aluno concluiu os estudos e até
aquela data só haviam quatro alunos matriculados. Diante dos fatos, o
102 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Presidente justificava a necessidade de fechar o curso em 1853, ano que


também faleceu o professor responsável pela cadeira de Inglês, Eusébio
Vanério (LIMA, 2005).

Os estudos de Nunes (2008) expõem que no dia 1º de junho de 1853, um


edital anunciou a marcação do concurso da cadeira de Retórica que se
achava vaga, já que naquele ano os professores estavam aptos a regê-la.
A seleção não ocorreu e a referida cadeira foi anexada a cadeira Geo-
grafia por intermédio da Resolução nº. 355, de 13 de agosto de 1853, sob
alegação de economia. Também ocorreram no Liceu Sergipense subs-
tituições por diversos motivos, repercutindo negativamente no seu
funcionamento regular: pequena quantidade de professores e licen-
ças para tratamento de saúde, conclusão de cursos fora da Província e
exercício de mandato na Assembleia Provincial. Esses dados revelam a
“liberdade de manobra” dos dirigentes quanto a escolha da pedagogia
e organização da instituição (CHERVEL, 1990).

Havia uma insatisfação com os resultados do ensino secundário do Liceu


Sergipense e já se cogitava a possibilidade de transferir para outra loca-
lidade. A mudança da Capital da Província de Sergipe, de São Cristóvão
para Aracaju, conforme Resolução nº. 413, de 17 de março de 1855 e o não
reconhecimento dos exames realizados pelos alunos no Liceu Sergipen-
se pelas Academias, foram fatores determinantes para o fechamento das
portas daquela instituição dos estudos secundários sergipanos.

É inegável a contribuição do Liceu Sergipense para educação da Pro-


víncia de Sergipe, na primeira metade do século XIX, sobretudo a
preocupação com identidade dos seus lentes. Destaca-se para este en-
tendimento a presença dos concursos, que condicionaram uma cultura
profissional. Ademais, o envolvimento nos estabelecimentos públicos,
as criações de estatutos, leis e decretos, normatizaram e modificaram
as funções daquele profissional. Assim, os professores passaram a in-
Os primeiros concursos de docentes para o ensino secundário em Sergipe 103

corporar e obedecer a lei. Naquele momento, ser professor de uma ins-


tituição de ensino secundário significava estar disposto a outras visões,
observantes e vigilantes de suas açõese de seus ensinamentos.

Considerações finais

A prática do concurso promoveu mudanças nas funções dos professo-


res, uma vez que as atribuições de como, onde e quando ensinar pas-
savam a compor os regulamentos e regimentos da instrução pública,
criando o prelúdio de um “sistema hierárquico” e “vigilante” (FOU-
CAULT, 2014). As leis começavam a fazer parte da cultura escolar e sua
constante vigilância produzia um controle nos processos dos concur-
sos por meio das “relações de poder/saber” que definiam a identidade
profissional dos docentes do ensino secundário de Sergipe. A legislação
escolar também expressava, “de forma inequívoca a tensão permanen-
te, vivenciada no campo da educação, relativa à identidade dos (ou das)
profissionais que dela se ocupar” (FARIA FILHO, 2000, p. 101), confor-
me a mentalidade da política educacional do século XIX.

Os estudos de Lima (2005) esclarecem que, os Presidentes da Provín-


cia de Sergipe consideravam os professores do Liceu Sergipense como
profissionais habilitados e preocupados com a instrução da mocidade,
fazendo jus aos cargos ocupados. Destacou que no início do século XIX,
as falas dos diferentes atores também expressavam as tensões dos pro-
fessores durante os pleitos dos concursos, em sinal de mudanças aos
comportamentos de uma sociedade que começava assumir novos valo-
res e tentava se ajustar aos parâmetros exigidos em todo país.

A criação do Liceu Sergipense representou uma investida púbica re-


levante para a sociedade sergipana durante a primeira metade do sé-
104 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

culo XIX, visto que ampliou as perspectivas da instrução secundária


da Província de Sergipe por meio da centralização e normatização das
diferentes cadeiras em um único espaço, capacitando os jovens aos
exames preparatórios exigidos nas Academias. O ensino superior es-
tava presente no Brasil desde o ano de 1808, com a chegada da Corte
Portuguesa, cuja pretensão era desenvolver intelectual e culturalmen-
te nas Províncias uma formação superior por intermédio de médicos,
engenheiros militares, oficiais da Marinha, bacharéis em Direito. No
tocante a Sergipe, Silva (2004) nos diz que o ensino superior se apre-
sentava através de “uma elite altamente educada” (SILVA, 2004, p. 17),
pois dos quatrocentos “[...] nomes reconhecidos pela sociedade ser-
gipana da época como intelectuais e biografados por Manuel Armindo
Cordeiro Guaraná” (SILVA, 2004, p. 19), duzentos e sessenta deles eram
portadores de diploma de ensino superior.

Desse modo, o Liceu Sergipense também pretendia conduzir os jovens


sergipanos para as Academias, ministrando as cadeiras exigidas nas fa-
culdades do país e levando em conta o posicionamento dos professores,
diretores, alunos e dinâmica da lei como prática ordenadora das relações
sociais. Neste sentido, a dinâmica organizacional da instituição também
pode ser entendida pelas requisições solicitadas aos Presidentes da Pro-
víncia para concessões de concursos, nomeações, substituições, demis-
sões e licenças para professores do ensino secundário de Sergipe.

Em suma, o primeiro Liceu Provincial de Sergipe funcionou no ano de


1833, que entre normas e regulamentação passou pela experiência da
centralização e organização do ensino secundário até o ano de 1835. As
divergências políticas e a ausência de incentivos provocaram o fecha-
mento da instituição, mas em contrapartida ampliou as perspectivas
de estruturação do aprendizado dos sergipanos. A segunda tentativa de
instalação de um Liceu aconteceu no ano de 1847 e se estendeu até 1855.
Os primeiros concursos de docentes para o ensino secundário em Sergipe 105

Dentre as razões para o encerramento de suas aulas destacamos dois


motivos: as Academias não reconheciam os exames realizados pelos
alunos no Liceu Sergipense e a mudança da Capital para Aracaju. Esta
circunstância gerou no Liceu Sergipense a evasão de alunos, que opta-
vam estudar nas Províncias cujos exames eram reconhecidos nas Aca-
demias. Cabe ressaltar que foram inegáveis os esforços e as tentativas
dos diretores pela equivalência dos exames de preparatórios no terri-
tório sergipano, mas os objetivos não foram alcançados.

A mudança da Capital da Província de Sergipe, de São Cristóvão para


Aracaju, conforme Resolução nº. 413, de 17 de março de 1855, se deu
por motivos econômicos e geográficos, sobretudo pela falta de um por-
to para a comercialização (NUNES, 2008). Alguns dirigentes provin-
ciais acreditavam que a nova localização iria destacar o crescimento e a
evolução da vida comercial sergipana, mediante atributos de prosperi-
dade. A Resolução nº. 422, de 28 de abril de 1855 extinguiu definitiva-
mente o Liceu Sergipense da Província de São Cristóvão e o destino dos
seus respectivos lentes obedeceu as determinações das leis operantes.

Com o seu fechamento foram criados dois internatos com recursos pú-
blicos, nas cidades populosas de Estância e Laranjeiras.

O Liceu Sergipense pôs em cena um projeto de instrução secundária


do período imperial, destinado a instruir a mocidade, manter a ordem
e preparar a elite para as Academias. A instituição por meio de regu-
lamentos e regimentos educacionais moldou diretores, lentes, alunos
e cadeiras para atender as necessidades de uma Província emergente.

Os construtores dessa história também revelaram as relações de po-


der estabelecidas nas suas diferentes formas, principalmente aquelas
apreendidas sob o olhar vigilante dos envolvidos durante a dinâmica
dos concursos. Um controle capaz de habilitar e personificar o pro-
fessor do ensino secundário que se pretendia ter, além de assinalar os
106 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

primeiros processos de seleção destes docentes. Desse modo, o Liceu


Sergipense favoreceu a produção cultural da sociedade da época, ape-
sar das frustrações. Seu fechamento encerrou um capítulo importante
do ensino secundário sergipano, ao mesmo tempo em que anunciou
um novo momento da História da Educação de Sergipe: a criação do
Atheneu Sergipense no ano de 1870. Contudo, esta é outra História.

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REGULAMENTO DO LICEU SERGIPENSE. Lei nº. 200 de 31 de julho de


1847. Aracaju/SE: Imprensa Oficial, 1847.
Capítulo 6

Estágio supervisionado
em educação do campo:
concepções, pressupostos
e tendências

Renata Duarte Simões


A realização das aulas da primeira turma de Licenciatura em Educação
do Campo, Campus Goiabeiras – Vitória/ES (2014/2), curso ofertado
pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), evidenciou inúme-
ros desafios a serem enfrentados pelos professores em fase de formação
para atuação nas escolas do campo e a concretização e êxito de várias
experiências de escolas que funcionam em regime de alternância.

A formação de professores tem merecido inúmeros estudos e pesqui-


sas e, nesse contexto, o reconhecimento da natureza complexa da ati-
vidade docente, dos saberes específicos inerentes ao próprio trabalho
no campo e das necessidades dos sujeitos são alguns aspectos impor-
tantes nesse debate.

A lógica de pensar a formação de professores, os modelos formativos


e as necessidades dos que fazem a Educação do Campo também tem
sido objeto de reflexão por parte de pesquisadores, sobretudo quando
se trata de fazer emergir o lugar do qual os professores falam. Con-
tudo, parece haver tensões e dilemas ainda não resolvidos, entre eles:
a dimensão da formação para aprenderem a atuar como docentes nos
diversos e complexos contextos da Educação do Campo. Essa dimen-
são, quando tratada, via de regra, tem sido delegada ao momento da
realização dos estágios, separado formal e epistemologicamente das
disciplinas, equivocadamente denominadas de “teóricas”.
112 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Contrapondo-se a essa tendência, pesquisas e estudos mostram que


o estágio constitui um campo de conhecimento que se produz na in-
teração entre cursos de formação e o campo social no qual se desen-
volvem as atividades educativas, dentre as quais a de ensinar, própria
dos profissionais professores. Por isso, se constitui em eixo articulador
do currículo e de sua articulação com as escolas, campo social onde os
professores desenvolverão a atividade docente. Realizado como e com
pesquisa que toma a realidade existente, problematiza-a, alargando a
compreensão sobre os problemas, suas raízes, suas consequências na
perpetuação das desigualdades escolares e sociais, analisando e explo-
rando as contradições presentes nos contextos, o Estágio estará dis-
pondo aos alunos, assim que formados, condições para que construam
suas identidades como professores e se percebam capazes de se inserir
nos contextos e neles realizar as transformações necessárias.

Este texto tem a pretensão de contribuir com esse debate. Para tan-
to, apresenta considerações sobre a formação de professores e Estágio
Curricular Supervisionado em Educação do Campo e assinala concep-
ções, pressupostos e tendências investigativas em relação ao tema. Es-
sas considerações são fruto do diálogo com estudos da área da Educação
e da Educação do Campo e reflexões que desenvolvi como pesquisado-
ra, como professora em cursos de formação e professora no Curso de
Licenciatura em Educação do Campo, na UFES.

Essa Licenciatura, que tem como proposta “[...] contribuir para a con-
cretização de uma política de educação do campo como direito huma-
no e como instrumento de desenvolvimento social”, objetiva formar
educadores habilitados para atuarem na gestão de processos educati-
vos nas escolas do campo e a desenvolver ações pedagógicas que vi-
sem à formação de sujeitos numa perspectiva emancipatória e crítica,
capazes de produzir soluções para questões inerentes à sua realidade
(PPPLEC, 2013).
Estágio supervisionado em educação do campo: concepções, pressupostos e tendências 113

Compreende-se que o povo residente na área rural tem o direito à edu-


cação e uma educação que seja no e do campo. Desse modo, o regime
de alternância, que advêm das propostas da “Pedagogia da Alternân-
cia”, compõe o Projeto Político Pedagógico do Curso de Licenciatura
em Educação do Campo e é pensado como forma de organização do
ensino escolar, que articula as distintas experiências formativas apro-
priadas em diferentes tempos e espaços, tendo como finalidade a for-
mação profissional (PPPLEC, 2013).

A “Pedagogia da Alternância”, de iniciativa da Escola da Família Agrí-


cola, surgiu na França, em 21 de novembro de 1935, como ideia de uma
escola realmente para o meio rural; uma escola que rompesse radical-
mente com o modelo urbano. A primeira relação de caráter interna-
cional das escolas em alternância francesa se estabeleceu na Itália, di-
fundindo-se, posteriormente, pela África e América Latina. No Brasil,
a Escola Família Agrícola surge a partir da Fundação Italo-Brasileira
criada pelo P. Humberto Pietrogrande, para o desenvolvimento reli-
gioso, cultural, econômico e social do Espírito Santo (NOSELLA, 2013).

No Espírito Santo, que é o pioneiro em experiências que contemplam


as especificidades de determinados povos do Campo, a “Pedagogia da
Alternância” surge como pretensão de ser uma alternativa ao ensino
tradicional. Resultado de experiência do Movimento de Educação Pro-
mocional do Espírito Santo (MEPES), desde 1968, vem ensaiando um
novo tipo de Escola para o meio rural Capixaba, isto é, a Escola da Fa-
mília Agrícola (EFA). Desde o início, a defesa foi por uma escola que
fosse de natureza familiar e assumida pelas famílias, com um método
apropriado de contextualização da educação e que unisse teoria e prá-
tica, com o objetivo de formar estudantes numa dimensão integral e
profissional, e que proporcionasse uma formação que transformasse o
entorno em que viviam os agricultores (JESUS; FOERSTE, 2013).
114 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Essas escolas tem o papel de assegurar aos alunos do campo uma educa-
ção que valorize a realidade em que vivem e que possibilite a transforma-
ção do contexto em que estão inseridos. Logo, percebe-se a necessidade
de a escola do campo voltar-se para práticas pedagógicas que conside-
rem os sujeitos desse espaço, assim como suas demandas e anseios.

As Escolas Família Agrícola funcionam em regime de alternância, ou


seja, o processo de ensino-aprendizagem ocorre alternando o período
de permanência na escola, geralmente por uma semana, e o período
de permanência na vida familiar, geralmente por duas semanas. Essa
forma de organizar o ensino tem como princípios básicos: a responsa-
bilidade dos pais e da comunidade local pela educação de seus filhos;
articulação entre os conhecimentos adquiridos por meio do trabalho
na propriedade rural e aqueles adquiridos na escola; alternância das
etapas de formação entre o espaço escolar e a vivência das relações so-
ciais e de produção na comunidade rural (NOSELLA, 2013)

As Escolas Família Agrícola contribuíram para formar vários alunos


que residem em comunidades campesinas e tem sido objeto de investi-
gação de pesquisas realizadas pelos alunos do curso de Licenciatura em
Educação do Campo da UFES, pois se compreende que essas institui-
ções podem oferecer importantes contribuições acerca de saberes e ex-
periências acumuladas sobre projetos político-pedagógicos de ensino
empreendidos, ao longo do tempo, com o objetivo de ofertar educação
básica aos sujeitos que vivem no campo.

Aproxima as Escolas de Família Agrícola, em funcionamento no ES, e o


Curso de Licenciatura em Educação do Campo/UFES, além do regime
de alternância, a perspectiva de superação da opressão e discriminação
econômica, política e cultural a que tem sido submetido historicamen-
te o povo do campo, compreendendo que a educação colabora para a
emancipação dos sujeitos em busca de uma humanidade mais plena e
Estágio supervisionado em educação do campo: concepções, pressupostos e tendências 115

feliz e possibilitando a sensibilização de valores humanos que permi-


tem ao sujeito posicionar-se frente à realidade.

Na Licenciatura em Educação do Campo, a realização do estágio se dá no


quinto período, estendendo-se até o sétimo período. A proposta, para esse
momento, é de que os alunos realizem essa etapa de formação nas escolas de
comunidades campesinas situadas nas diferentes regiões do Estado. Obje-
tiva-se, com essa ação, que se aproximarem da realidade em que irão atuar
como docentes, conhecendo as problemáticas e potencialidades locais.

Tratando-se de Educação do Campo, compartilho do pensar de Cal-


dart (2009) quando afirma que é muito importante que os educadores
garantam o seu processo de formação na própria escola rural, par-
ticipando do seu coletivo. Mas é igualmente importante que possam
de vez em quando sair da escola e participar de atividades em outros
lugares, com outras pessoas. Podem ser atividades gerais, do movi-
mento social, mobilizações ou outras ações da luta; podem ser também
encontros ou cursos de formação de educadores que lhes permitam
partilhar experiências, saberes, sentimentos, pedagogias, sonhos.

Compreendo Educação do Campo como um processo específico e


diferenciado, uma educação no sentido de amplo processo de for-
mação humana que constrói referências culturais e políticas para
a intervenção das pessoas e dos sujeitos sociais na realidade, con-
clui-se que o educador do campo ocupa um papel fundamental no
fomento à cultura, na formação dos sujeitos e na organização polí-
tico-social de comunidades campesinas.

Decorre daí uma grande discussão sobre a especificidade da for-


mação do professor para a atuação em contexto campesino, dada a
diversidade do sistema produtivo e a particularidade dos saberes e
culturas das comunidades quilombolas, indígenas, pomeranas, ita-
lianas, entre outras (MERLER; SHUTZ-FOERSTE; FOERSTE, 2013).
116 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Com isso, defendo que o campo de conhecimento de Estágio se produ-


za na interação entre cursos de formação e o campo social no qual se
desenvolvem as práticas educativas. No caso das atividades de Está-
gio na Educação do Campo, devem ser concebidas abrangendo preo-
cupação com o campo social dos diferentes grupos que lutam pela
sobrevivência nesse espaço; ou seja, o conjunto dos trabalhadores e
das trabalhadoras do Campo, sejam os camponeses, os quilombolas,
os indígenas, sejam os diversos tipos de assalariados vinculados à
vida e ao trabalho no meio rural.

Nesse contexto, e ciente de que o ensino se constitui como ativida-


de específica, mas não exclusiva do professor, compreendo o Estágio
como teoria-prática do ensino-aprendizagem, como uma área de co-
nhecimento fundamental no processo de formação de professores para
atuação em escolas do campo.

Com o objetivo de ampliar a concepção de formação docente, destaco


que os estágios supervisionados precisam superar a perspectiva tradi-
cional, que se reduz à atividade prática instrumental, em que o pro-
fissional fica reduzido ao prático e não necessita dominar os conheci-
mentos científicos, mas tão somente as rotinas de intervenção técnica
deles derivadas (PIMENTA; LIMA, 2004).

Essa compreensão tem sido traduzida, muitas vezes, em posturas dico-


tômicas em que teoria e prática são tratadas isoladamente, o que gera
equívocos graves nos processos de formação profissional. Nesse cená-
rio, ancora o fato de muitos dos professores do meio rural costumarem
fazer parte de um círculo vicioso e perverso, em que são vítimas de um
sistema educacional que desvaloriza o seu trabalho, que coloca o meio
rural como uma penalização e não como uma escolha, que não valori-
za a sua qualificação profissional, que rebaixa a sua auto-estima e sua
confiança no futuro. Como vítimas, tornam-se provocadores de novas
Estágio supervisionado em educação do campo: concepções, pressupostos e tendências 117

vítimas a medida que realizam um trabalho desinteressado, desqualifi-


cado e sem ânimo (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2008).

No Brasil, somos herdeiros de uma formação inicial de professores


pautada nos pressupostos da racionalidade técnica, que percorreu
toda a história da educação brasileira, ganhando mais força a partir
da LDB nº 5.692/71. Essa perspectiva de formação inspira a concepção
de estágio – a prática como imitação de modelos – caracterizada pelo
modo tradicional de atuação docente, ainda presente em nossos dias.

O pressuposto desta concepção de estágio é que a realidade de ensino


é imutável e os alunos que frequentam a escola também o são. Ideal-
mente concebidos, competiria a escola ensiná-los, segundo a tradição.
Nessa visão, ao valorizar as práticas e os instrumentos consagrados
tradicionalmente como modelos eficientes, a escola resume o seu papel
a ensinar; se os alunos não aprendem, o problema é deles, de suas fa-
mílias, de sua cultura diversa daquela tradicionalmente valorizada pela
escola (PIMENTA; LIMA, 2004).

A formação do professor, nesse contexto, se dará pela observação e


tentativa de reprodução dessa prática modelar. Por isso, a concepção
de professor que se privilegia está ligada a visão de não se valorizar a
formação intelectual e a ideia de que a atividade docente será bem su-
cedida quanto mais se aproximar dos modelos observados. O estágio
é reduzido a observação de professores em aula e imitação sem uma
análise crítica fundamentada teoricamente. Essa visão de Estágio tam-
bém precisa ser superada nos processos de formação de professores
para atuar na Educação do Campo, uma vez que urge a qualificação
dos educadores priorizando a formação escolar dos docentes leigos e
que precisam compreender os anseios e as demandas dos povos com os
quais irão trabalhar (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2008).
118 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Na direção da crítica à concepção de estágio que toma a prática para


imitação de modelos, entendo que é preciso a adoção de uma postu-
ra investigativa e propositiva tanto por parte do professor formador,
quanto dos estudantes, que terão contato não só com os problemas da
atuação docente, bem como a construção de possibilidades que bus-
quem a transformação do papel da escola do campo em prol do com-
promisso ético/moral com os seus participantes, do compromisso com
a intervenção social – entendida como formação para o trabalho no
campo e como compromisso com a cultura do povo do campo.

Além disso, na formação de professores é fundamental criar condi-


ções para que o futuro profissional reflita sobre os problemas sociais,
mas também é importante que ele seja capaz de propor alternativas
para a sociedade.

Logo, na Educação do Campo, é importante considerar os temas da cul-


tura e patrimônio do aluno, não só os conhecimentos e práticas sociais
dos grupos dominados, mas também as suas histórias de lutas. Os pro-
fessores devem desenvolver atividades de ensino que possibilitem aos
alunos perceber a construção de sua identidade cultural e os processos
socioculturais, chamando a atenção para o risco da homogeneização
e esteriotipação culturais engendradas pela sociedade e reproduzidas
pelos sujeitos (SILVA; FALCÃO, 2012).

Sobre isso, nos estágios supervisionados na Educação do Campo,


vale indagar-se: que visão de escola, que concepções e práticas pe-
dagógicas orientarão as atividades docentes nas escolas campesinas?
De que maneira os cursos de formação de professores podem contri-
buir para o processo de desenvolvimento crítico emancipatório dos
sujeitos do campo?

Como lembram Pimenta e Lima (2004) a prática pela prática e o em-


prego de técnicas sem a devida reflexão podem reforçar a ilusão de que
Estágio supervisionado em educação do campo: concepções, pressupostos e tendências 119

há uma prática sem teoria ou de uma teoria desvinculada da prática.


Os estágios, como citam as autoras, nessa concepção, ficam reduzidos
à hora da prática, ao “como fazer”, as técnicas a serem empregadas
em sala de aula, ao desenvolvimento de habilidades específicas do ma-
nejo de classe, ao preenchimento de fichas de observação, diagramas,
fluxogramas. As atividades de micro-ensino, mini-aula, dinâmica de
grupo ilustram essa perspectiva.

Entendo que ao estágio supervisionado na Educação do Campo com-


pete possibilitar que os futuros professores compreendam a comple-
xidade das práticas institucionais e das ações praticadas por seus pro-
fissionais como alternativa no preparo para a sua inserção profissional.

Nesse sentido, defendo um modelo de formação que supere as concep-


ções de estágio anteriores, que pressuponha a formação de um profis-
sional capaz de contextualizar histórica e politicamente o processo de
ensino-aprendizagem, situando sua prática e compreendendo-a como
uma prática social que envolve sujeitos e subjetividades e que, inten-
cionalmente, deve intervir na realidade na qual se insere. Pressupostos
que poderão ampliar o nível de qualidade dessa formação, desenca-
deando um processo de desenvolvimento profissional que fortalecerá
o conhecimento profissional.

Nesse contexto, a concepção de estágio como pesquisa se afasta da


compreensão até então corrente, de que seria a parte prática do cur-
so e defende uma nova postura, uma redefinição do estágio que deve
caminhar para a reflexão a partir da realidade, fundamentada na pos-
tura investigativa.

Nessa concepção, os professores ou futuro professores são intelec-


tuais em processo de formação. Como afirma Giroux (2000), encarar
os estudantes e professores como intelectuais representa uma de-
manda adicional por um discurso crítico que analise como as formas
120 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

culturais acercam-se das escolas e como tais formas são experimen-


tadas subjetivamente. O estágio, nessa visão, é desenvolvido para
além da instrumentalização técnica da função docente, e o professor
é visto como um profissional pensante, que vive num determinado
espaço e num certo tempo histórico, capaz de vislumbrar o caráter
coletivo e social de sua profissão.

Busca-se, com essa perspectiva formativa, contribuir para a transfor-


mação social, econômica, cultural e educativa, considerando-se a edu-
cação como prática social; como um espaço de contradições e sínteses
culturais, feito por professores e alunos; contribuir para que professo-
res e alunos assumam um papel de reflexão constante e empenhem-se
para o trabalho e seleção do conteúdo de forma compartilhada, vendo-
-os como produtos históricos e espacialmente construídos e situados
(MOLINA; MOLINA NETO, 2004).

Entretanto, é necessário ressaltar que o desenvolvimento da moda-


lidade do estágio como pesquisa só pode ser assumido por uma ins-
tituição formadora comprometida com a formação e o desenvolvi-
mento profissional de professores, capazes de aliar a pesquisa aos
processos formativos, em projetos emancipatórios e compromissa-
dos com a responsabilidade de tornar a escola parceira na demo-
cratização social, econômica, política, tecnológica e cultural, cons-
tituindo-se como trabalho pedagógico significativo na promoção de
uma sociedade justa e igualitária.

Sobre a iniciativa de se minimizar a problemática da formação de


professores que atuam em contextos campesinos no estado do Espírito
Santo, vale ressaltar que, no final dos anos 1990, a Universidade Fe-
deral do Espírito Santo passou a ofertar o curso de Pedagogia da Terra,
em parceria com Movimento Sem Terra, para formação de educado-
res de reforma agrária (TRARBACH; NICKEL; HEHR, 2013). Em 2001,
Estágio supervisionado em educação do campo: concepções, pressupostos e tendências 121

a mesma instituição implantou o curso de Licenciatura em Pedagogia


para os anos iniciais do ensino fundamental, na modalidade à distân-
cia. Em 2008, o Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro
de Educação/UFES – através do grupo de pesquisa “Culturas, par-
cerias e Educação do Campo” e o Programa de Educação do Campo/
UFES – passou a ofertar o Curso de Especialização em Educação do
Campo. Em 2014, a mesma instituição criou o Curso de Licenciatura
em Educação do Campo, em funcionamento no Campus Goiabeiras,
em Vitória, e no Campus de São Mateus, região norte do ES.

Vale destacar que o desafio de se avançar para uma perspectiva que


vincule um processo de estágio a uma dinâmica de pesquisa e diálo-
go entre os docentes da universidade, os estagiários e os professores
das escolas, pode ser um ponto de partida frutífero nas atividades
formativas voltadas à Educação/Ensino da Educação Física na Edu-
cação do Campo. Como ressaltam Rangel e Soares (2002), o professor
não pode prescindir de uma reflexão mais ampla e sobre o seu entor-
no e de tudo que se relaciona com a sua forma de ser, de estar e de se
fazer na sua profissão.

A concepção de estágio como pesquisa, na visão de Pimenta e Lima


(2004), aproxima-se da proposta de superaração da identidade dos
professores de reflexivos para a de intelectuais. Envolve a habilidade
de leitura e reconhecimento das teorias presentes nas práticas peda-
gógicas das instituições escolares e o desenvolvimento de habilida-
des de pesquisar.

Por fim, buscou-se sustentar que, no processo de formação do pro-


fessor, por meio do estágio com pesquisa, há que se considerar a
formação para a docência e a formação para a pesquisa. Assim, as
decorrências da visão de estágio como pesquisa passam a integrar o
corpo de conhecimentos do curso de formação de professores, o que
122 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

envolve experimentar situações de ensinar, aprender a elaborar,


executar e avaliar projetos de ensino não apenas nas salas de aulas,
mas também nos diferentes espaços da escola segundo (PIMENTA;
LIMA, 2004). Envolve o conhecimento, a utilização e a avaliação téc-
nicas, métodos e estratégias de ensinar em situações diversas.

Tal proposta também é assumida pelo Curso de Licenciatura em Edu-


cação do Campo/UFES, pois os alunos realizam pesquisa na comuni-
dade em que residem, desde o primeiro semestre, com o objetivo de
compreender as especificidades locais e buscando concretizar ações
potencializadoras de práticas educativas junto aos povos residentes
no campo. Essas ações se concretizam no Tempo-Comunidade1 e se
constituem como requisito para conclusão do Curso.

A implicação dessa perspectiva na formação do futuro professor pode-


rá indicar novas alternativas pedagógicas para a Educação do Campo,
considerando-se que urge a necessidade de construção de novas me-
todologias e utilização de ferramentas formativas que permitam a vi-
vência de novas alternativas pedagógicas nesse processo de formação,
bem como contribuir para a tomada de posição da escola em relação
à construção de referências culturais e políticas para o discernimento
dos estudantes em relação às suas opções. Como afirma Arroyo (2009),
no campo há uma variedade de experiências com significados muito
diferentes e faz-se necessário compreender esses significados.

1 No curso de Licenciatura em Educação do Campo, ofertado pela Universi-


dade Federal do Espírito Santo/UFES, o processo de ensino se dá em regime
de alternância, que se divide em Tempo-Universidade, espaço destinado aos
processos de ensino-aprendizagem realizados na Universidade, e em Tem-
po-Comunidade, espaço voltado para os processos de ensino-aprendizagem
que ocorrem nas comunidades campesinas.
Estágio supervisionado em educação do campo: concepções, pressupostos e tendências 123

Para finalizar, ressalto que a prática articulada com a teoria certamente re-
quer que o estágio supervisionado tenha como mediação ontológica o en-
sino, a pesquisa e a extensão. Estes são momentos dialéticos de um mesmo
processo ensino-aprendizagem. Trata-se, enfim, de formar o profissional
intelectual e propositivo, capaz de ver, nos espaços, os sujeitos e suas rela-
ções agindo, para que novas alternativas possam ser produzidas.

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Capítulo 7

Práticas pedagógicas adotadas


por Núbia Nascimento Marques
no curso de serviço social

Elaine Almeida Aires Melnikoff


Josefa Eliana Souza
Introdução

O ensino superior no Estado de Sergipe que propiciou a institucionaliza-


ção da Universidade Federal de Sergipe, teve sua origem no ano de 1948,
quando surgiram as primeiras escolas isoladas de ensino superior. Na-
quele ano, ocorreu a implantação da Faculdade de Ciências Econômicas
e de Química, e posteriomente foram criadas a Faculdade de Direito, em
1950, e a Faculdade Católica de Filosofia em 1951, Escola de Serviço Social
em 1954 e Faculdade de Medicina em 1961(cf. SOUZA, 2015).

Somente no ano de 1967 o Ensino Superior foi consolidado com a fun-


dação da Universidade Federal de Sergipe, após aprovação dos Esta-
tutos da Fundação, pelo Decreto nº 61.165 de 17 de agosto de 1967 e do
Decreto-lei de nº269, na presidência do General Humberto de Alencar
Castelo Branco, em 28 de fevereiro de 1967. Com a fundação da UFS,
todos os cursos superiores do Estado foram incorporados a Universi-
dade (cf. BRETAS, 2015).

A Escola de Serviço Social integrou a Universidade Federal de Sergipe


em 1968 tornando-se assim um curso universitário. No ano seguinte,
Núbia Marques foi contratada como professora regente, por um prazo
de 6 meses, conforme a Portaria nº 31/07/1969, e assumiu a partir de
Práticas pedagógicas adotadas por Núbia Nascimento Marques no curso de serviço social 127

01/08/1969. Nesta época, o Brasil passava por um momento difícil co-


mandado pela ditadura militar. A universidade no país era vista como a
“Universidade da Mordaça” e isso fez com que estudantes e intelectuais
fossem tratados como delinquentes, submetidos a sessões de torturas
e humilhações, pelo governo. Contudo, diante dos caminhos percor-
ridos na carreira docente, Núbia ocupou o cargo de Chefe de Departa-
mento de Métodos e Técnicas do Serviço Social1,conforme osofícios nº
123/76 e oficio nº185/77,como titular por dois anos consecutivos, de
1976 a 1978 e chefe substituto, por seis vezes.

No mesmo ano em que Núbia Marques foi contratada para lecionar


na UFS, várias outras colegas de profissão também foram admitidas,
nesse novo estágio que a Faculdade de Serviço Social passava, a con-
tratação de novos professores era importante, pois com a incorpo-
ração da Escola de Serviço Social à Universidade Federal de Sergipe,
ampliaram-se as vagas para novos alunos.

Quadro 1. Número de ordem dos professores que compuseram o quadro docente do


curso de serviço social

Padre José de A. Mendonça


Mons. Luciano Cabral Duarte
José Hermenegildo da Cruz
Dr. Luiz Rabelo Leite
Núbia Marques de Azevedo
Dr. Airton Teles Barreto
Frei EdgartStenvikowski
Elza Shuster
GilmaCalvacante Cerqueira
Carmem Machado Costa
Padre Oviedo Valois

1 Conforme oficio nº 123/76, oficio nº185/77


128 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Edvaldina Silva
Cândida Maria nascimento Fontes
Maria Eucaristia T. Leite
Léa Maria Guimarães de carvalho
Laisy Roriz
Izaura Lucia da Fonseca Sobral
Maria Anizia Góis de Araujo
Maria Luiza da Mota Gomes
Maria Diná Menezes
Gilza Luiza da Mota Gomes
Nilton Pedro da Silva
Juarez Alves Costa
Maria Cristina A. Neves
Murilo Andrade Macedo
Clara Maria Lima Roscae
Albertina Brasil Santos
Fonte: retirada do livro UFS: História dos Cursos de Graduação (2004)

Núbia Marques, em sua carreira docente na Universidade Federal de


Sergipe, lecionou as disciplinas Teoria do Serviço Social I e II, Serviço
Social Aplicado ao Campo II, Serviço Social Aplicado ao Campo IV, Ser-
viço Social da Comunidade. Diante destas disciplinas e de seu envolvi-
mento com a docência, Núbia procurou participar ativamente de cada
trabalho, desenvolvendo artigos, pesquisas de campo e participações
em Congressos.

Das disciplinas acima mencionadas, em que Núbia Marques lecionou,


consegui encontrar no Arquivo Central da Universidade Federal de Ser-
gipe, um programa da disciplina Desenvolvimento de Comunidade do
ano de 1977. A partir deste programa foi possível verificar o conteúdo
que foi abordado na matéria, e ter uma ideia da dinâmica em sala de aula.
Práticas pedagógicas adotadas por Núbia Nascimento Marques no curso de serviço social 129

Quadro 2. Programa da disciplina desenvolvimento de comunidade

UNIDADE I
Evolução histórica;

Natureza;

Objetivos;

Função;

Conceitos básicos de comunidades;

Comunidade sua cultura;

Comunidade sociedade;

Comunidade como estratégia para desenvolvimento;

Conceito de desenvolvimento;

Estrutura social;

Contrato Social;

Participação Social;

Mudança Social.

UNIDADE II – PROBLEMÁTICA DO DESENVOLVIMENTO COMUNIDADE


2.1- Marginalização;

Bem Estar Social;

Desenvolvimento, Crise e Alternativas;

Modelo teórico para América Latina;

Desenvolvimento Comunidade Instrumentos do desenvolvimento;

Nível de Competência dos Programas de Desenvolvimento Comunidades.

UNIDADE III SERVIÇO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO COMUNIDADE


3.1- Significação do Serviço Social para o desenvolvimento Comunidade;

Tentativa de uma metodologia de Serviço Social na comunidade;

Analise de experiência no Brasil e no exterior.


Fonte: Arquivo Geral da UFS, caixa nº 10, ano 1977.
130 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

O programa acima demonstra a minúcia do estudo da disciplina,


abordando tópico a tópico e explorando ao máximo o conhecimen-
to do que é Comunidade, uma vez que o Assistente Social trabalha
para a comunidade.

A partir dessa orientação, os Assistentes Sociais deverão ser capazes


de contribuir para viabilizar a participação da população usuária nas
decisões institucionais, e estabelecer estratégias para democratizar as
informações e o acesso da população aos programasdisponíveis no es-
paço institucional, como um dos mecanismos indispensáveis à inser-
ção e a participação dos usuários nas políticas públicas.

Dentro desse raciocínio, Sirvente (1984) define a educação comuni-


tária como:

um campo teórico de princípios e hipóteses, que pretende


enfrentar a realidade de pobreza e de pobreza extrema da
América Latina. Permite explorar novas estratégias de ação
educativa e cultural tendentes à transformação da realida-
de [...]. Esta transformação é percebida, prioritariamente,
como uma elevação da qualidade de vida dos setores popu-
lares mais carentes. (SIRVENT, 1984, p.167).

A educação comunitária se fundamenta na concepção de ação comu-


nitária que,

é um instrumento que possibilita às comunidades, a


sua construção a partir de um trabalho essencialmente
educativo e que se coloca a serviço da sociedade no sentido
de humanizá-la, ou seja, torná-la consciente dos problemas
que vem dificultando o exercício da cidadania de forma co-
letiva e democrática. (CANIVEZ, 1991, p.178).

No artigo publicado, intitulado “Valores numa Sociedade em Mudança


e o Serviço Social”, podemos perceber e ter uma visão de como Núbia
lia os atributos de sua profissão. Núbia Marques destacou:
Práticas pedagógicas adotadas por Núbia Nascimento Marques no curso de serviço social 131

O Serviço Social é uma profissão humanista, portanto, nas


suas atividades estão implícitas e explicitas os valores, sua
ação moral, não só por força da presença do homem como
dos valores. O suporte filosófico esta presente á ação do
Serviço Social, e não somente este, mais o religioso, onde
o Serviço Social teve realmente suas origens [...] apesar do
Serviço Social ter nascido de uma caridade infrutífera, pois,
em nada contribuiu para o desenvolvimento do homem e
isto ainda se observa em muitas entidades do Serviço Social,
ele, no atual momento histórico, só terá um valor equânime
com a realidade social se usar as estratégias de mudança e do
crescimento humano. Sem isto, os postulados da dignidade
humana continuará sendo mistificada de uma sociedade
tecnificada e desumana, é um ideal utópico.
Mesmo que se diga, que o valor ainda que violado, perma-
nece um valor, não vemos sentido para que o Serviço Social
não lute para que se cumpra o destino do homem de forma
a que, o humanismo não seja uma filosofia metafísica, sem
nunca se transformar numa ideologia. A ideologia da mu-
dança deve ser a ideologia eleita pelo Serviço Social tendo
em vista os valores que formam o seu suporte operacional.
“O Serviço Social e o sistema de valores formam a grande
estratégia da promoção humana”. (folhetos, p. 21).

O empenho em revelar as dificuldades da profissão de Serviço Social,


Núbia Marques usava o poder da escrita, como meio de comunicação e
divulgação dos seus trabalhos e aspirações. Escrever, expor, dialogar,
eram aportes de suas ideias, de seus pensamentos. A escrita sempre
foi motivadora para a autora, professora, poeta. Núbia Marques era
assim, transformava as lutas, dores, indignações, aspirações em arti-
gos, livros, poemas.
132 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

O trabalho docente e suas práticas pedagógicas

O trabalho docente, em que o professor estava diretamente envolvido


com o aprendizado e orientação do aluno, trazem um ambiente har-
mônico de aprendizagem, as aulas fora da sala de aula, no campo, tra-
ziam aperfeiçoamento para os alunos. A sala de aula, sob a orientação e
o olhar vigilante dos mestres, constituía o espaço e lugar de afloramen-
to intelectual, de criação cultural e conhecimentos.

A partir de Frago e Escolano podemos compreender o significado de


espaço escolar:

[...] todo espaço é um lugar percebido. A percepção é um


processo cultural. Por isso, não percebemos espaços, senão
lugares, isso é, espaços elaborados, construídos. Espaços
com significados e representações de espaços. Representa-
ções de espaços que se visualizam ou contemplam, que se
rememoram ou recordam, mas que sempre levam consigo
uma interpretação determinada. Uma interpretação que é
o resultado não apenas da disposição material de tais, como
também de sua dimensão simbólica. (FRAGO, 1998, p.78).

O espaço de aprendizagem, oferecido na sala de aula possibilitava uma


vasta troca de experiências, valores e aprendizados. A ampliação de
conhecimentos com a teoria e a pratica enriquece o aluno.

A educação tem como pretensão o desenvolvimento satisfatório das fa-


culdades humanas, em cada ser e, principalmente, em cada cultura de
acordo com seu meio sócio- histórico, onde esse processo vai ocorrer
de modos e níveis diferentes. O processo educacional, ou seja, o modo
de como o professor vai conduzir o aprendizado dos alunos, varia de
acordo com a didática aplicada, perspectiva e visão do professor.

Por sua vez, envolvida com a produção artística e cultural, Coordenou


o III Encontro Cultural de Laranjeiras, conforme processo 2752/79, do
Práticas pedagógicas adotadas por Núbia Nascimento Marques no curso de serviço social 133

Arquivo Central da UFS. Na produção do seu trabalho de dissertação,


na PUC, em São Paulo, a autora desenvolveu um projeto voltado para
o estudo do folclore, intitulado “Contribuições ao estudo exploratório
sobre possíveis correlações da cultura sergipana com o lazer e desen-
volvimento comunitário a partir da observação de alguns folguedos no
Estado de Sergipe.” Neste período Núbia Marques era professora re-
gente, passando a ser titular somente após a conclusão do mestrado.

O trabalho de pesquisa para o mestrado da autora foi uma continuação


de estudos iniciados por Beatriz Góis Dantas, no campo das tradições
folclóricas em geral e dos folguedos em particular. Desta forma, o estu-
do pautava-se na possibilidade de utilização dos folguedos nos progra-
mas de desenvolvimento comunitário.

Sobre o programa comunitário Núbia descreveu:

Os programas de Desenvolvimento Comunitário, quan-


do promovido por organismos públicos nacionais, regio-
nais, tendem a se inserir nas suas perspectivas políticas e
planos de desenvolvimento econômico, essa tendência se
inclina para as suas linhas e normas específicas de ação.
(MARQUES, 1976).

O trabalho de pesquisa, em toda a sua dimensão conseguiu constatar


que através de programas integrados nas Comunidades, com a com-
plementaridade das manifestações de cultura Espontâneas, Desenvol-
vimento Comunitário e Serviço Social, significaram uma abordagem
mais genuína no processo de participação grupal e coletiva. Neste sen-
tido, Núbia Marques conseguiu unir as pesquisas sobre folclore com
a sua profissão de Serviço Social, demonstrando a harmonia entre as
duas e ampliando o campo de investigação.

Verificamos, a partir do depoimento da ex-aluna da Professora Núbia


Marques, Maria da Salete de Albuquerque Lima, na Escola de Serviço
134 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Social, em 1967,que Núbia Marques realmente era engajada na defesa


da cultura e do folclore.

estudei um ano com a professora Núbia Marques, ela minis-


trava a matéria Serviço Social da Comunidade, ela era ex-
trovertida, alegre, dinâmica, e lembro muito bem que nas
aulas ela sempre falava dos trabalhos com folclore, cultura,
ela fazia uma mistura (risos) [...], mas, a gente gostava, era
uma turma de praticamente só mulheres, havia apenas um
homem, Bosco Rollemberg, único aluno homem. (entrevis-
ta concedida a pesquisadora em 21/03/2014).

Núbia Marques, tinha como prática pedagógica divulgar suas pesquisas


educacionais, em livros, congressos, folhetos, jornais. Defensora da cul-
tura sergipana, seus trabalhos estavam voltados para o folclore. Preocu-
pada sempre, em divulgar e instigar os alunos e a sociedade para as ques-
tões educacionais, bem como, para a valorização da cultura regional. Foi
assim, que Núbia Marques em sua carreira docente desenvolveu projetos
ligados à cultura, e em espacial ao folclore. A publicação do romance O
Passo de Estefânia, cuja abordagem é a de mulher emancipada, madura,
exercendo uma profissão liberal de Assistente Social:

A personagem central Estefânia catalisa o discurso e a perple-


xidade do técnico consciente, permeada pelos discursos da
população problematizada e do poder. Este faz o que entende
e descarrega no técnico e na população o peso de uma solução
que estes jamais poderão dar, mascarando a ação que escor-
rega de sala em sala, de protocolos a pareceres, nas burocrá-
ticas caminhadas para que nada se modifique. Contestando
este estado de coisas e partindo para um trabalho eficiente
Estefânia vê-se tolhida, pois o poder não perdoa sua lucidez e
a conduz para a reclusão e tortura. (MARQUES, 1980).

Este romance foi adotado pela Universidade de Minas Gerais para o


vestibular de 1986, foi editado por três vezes, em 1980, 1982, 1984,
também foi traduzido para o alemão por Margit Klinger Clavijo, com
Práticas pedagógicas adotadas por Núbia Nascimento Marques no curso de serviço social 135

o título Stefania, Ein Frauenschicksal – instituit Fur Brasilien Kunde –


Verlag, Mettingen. Este reconhecimento, nos comprova que a prática
pedagógica adotada pela professora Núbia Marques, ia além da sala de
aula, transbordava os portões da Universidade.

Podemos perceber que, a produção literária de Núbia Marques, esta


acirrada aos seus programas de ensino, uma vez que o fato folclórico
estava presente na maioria de seus estudos e pesquisas. Notamos que a
raiz artística estava enraizada em suas veias e entender a permanência
de costumes, comidas, comportamento a partir do folclore era um es-
tudo que lhe dava prazer.

Assim, o intelectual, introduzido pelo conhecimento, não pode limi-


tar-se a trabalhos fechados nos meios acadêmicos. Ele deve interagir
com o seu discurso em outros campos distintos. Núbia Marques era um
exemplo disso, dedicada à Educação e à escrita, não se furtava a parti-
cipar de eventos culturais.

Desta forma, podemos concluir que os intelectuais da educação não são


personagens fora do contexto cultural, ou seja, eles também são agen-
tes culturaisque contribuem para o reconhecimento do campo cultu-
ral. Cabe esclarecer que o agente cultural é aqui compreendido como
um profissional que está vinculado com as iniciativas e procedimentos
culturais de uma região, atuando como um gestor de práticas cultu-
rais e na mediação entre o âmbito público e os grupos comunitários
na esfera sociocultural”. (MATOS, 2013,p.12). Podemos perceber que, a
produção literária de Núbia Marques, esta acirrada aos seus programas
de ensino, uma vez que o fato folclórico estava presente na maioria de
seus estudos e pesquisas. Notamos que a raiz artística estava enraizada
em suas veias e entender a permanência de costumes, comidas, com-
portamento a partir do folclore era um estudo que lhe dava prazer.
136 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

A exemplo do estudo feito “A Cultura da Mandioca”, foi um estudo de


como se processava a produção da farinha de mandioca e com isso res-
gatar os aspectos folclóricos desse trabalho. Essa investigação trouxe à
tona rituais centenários de como se fazia a farinha de mandioca, pas-
sando pelo plantio, colheita, culinária, farinhada, aspectos folclóricos
da farinhada. Foi assim, que Núbia Marques elucidou fatos curiosos
como as lendas:

O aparecimento da mandioca é atribuído ao corpo de uma


mulher indígena. Duas lendas, entre muitas, explicam o apa-
recimento da mandioca. Uma recolhida por Candido Mariano
da Silva Rondon entre os parecis, centro de Mato Grosso. A
lenda é que Zatimáre e sua mulher KôKôtêrô tiveram dois fi-
lhos: um menino, Zôkôôiê, e uma menina, Atiôiô. O pai ama-
va o filho e menosprezava a filha. A esta só se dirigia por meio
de assobios, ignorando-a de certo modo. Desgostosa com o
desamor do seu pai por ela, solicita a sua mãe que a enterre
viva, pois só assim seria útil aos seus. Inicialmente sua mãe
resistiu, depois cedeu aos rogos da filha. Enterrou-a no meio
do cerrado, onde não pôde permanecer por meio do calor.
Rogou que a levasse para o campo, também não se sentiu bem
e finalmente mudou-se para uma cova aberta na mata, neste
local, se sentiu bem e pediu a mãe que se retirasse sem vol-
tar aos olhos para trás, quando ela gritasse. Passando algum
tempo, Kôkôtêrô ouve o grito de sua filha e volta-se rapida-
mente. No lugar em que a enterrou, viu um arbusto bem alto,
que logo se torna rasteiro quando ela se aproxima. Limpou
o solo, e a plantinha tornou-se viçosa. Mais tarde, Kôkôtêrô
arrancou do solo a raiz da planta: era mandioca. O casal cha-
ma-a Ojakôrê. Os parecis, posteriormente, chamam-na de
Kêtê. (MARQUES, 1999, p.105)

Esse trabalho procurou elucidar a origem da mandioca, mostran-


do que ela é fruto de lendas folclóricas. A produção da farinha era fei-
ta em rituais, com cantorias que contribuíam para disfarçar o cansaço
do preparo que era manual e artesanal. A mandioca é uma raiz, muito
Práticas pedagógicas adotadas por Núbia Nascimento Marques no curso de serviço social 137

utilizada aqui no nordeste, é um alimento popular, que permite fazer


muitas receitas, como bolos, cozidos, pirão, tortas, beiju, mingau.

Podemos perceber que, a produção literária de Núbia Marques, esta


acirrada aos seus programas de ensino, uma vez que o fato folclórico
estava presente na maioria de seus estudos e pesquisas. Notamos que a
raiz artística estava enraizada em suas veias e entender a permanência
de costumes, comidas, comportamento a partir do folclore era um es-
tudo que lhe dava prazer. Os estudos voltados para o folclore, em que
Núbia se debruçava, buscava compreender as permanências culturais
da região sergipana. Valorizar e explorar esse mundo, que esconde ri-
quezas e detalhes e, muitas vezes é esquecido, e que ao longo do tempo
vem perdendo suas características e adeptos.

O estudo da cultura, do folclore, eram alvos de pesquisa da escritora,


pois ela sabia da importância da cultura, da valorização das raízes, da
identidade de um povo. Portanto, ela buscava divulgar as nossas ri-
quezas culturais. Núbia Marques, ao ocupar cargos públicos, procurou
representar e valorizar nossa cultura.

Desta forma Lima, entendeu:

Nas representações sociais da educação na Imprensa, o


intelectual cumpriu papel preponderante, pois, não este-
ve desatrelado de uma condição política, de uma realidade
ideológica definida pelas práticas culturais, porque ele fez
parte de um grupo de agentes sociais compreendidos como
uma “rede de sociabilidade”.(LIMA,2008 p. 143).

Ainda sobre o papel do intelectual como produtor de cultura e media-


dor Sirinelli afirmou:

Todo grupo de intelectuais organiza-se também em torno


de uma sensibilidade ideológica ou cultural comum, e de
afinidades mais difusas, mas, igualmente determinantes,
138 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

que fundam uma vontade e um gosto de conviver. São es-


truturas de sociabilidade difíceis de apreender, mas que o
historiador não pode ignorar ou subestimar. O meio inte-
lectual constitui, ao menos para o seu núcleo central, um
pequeno mundo esteio, onde os laços se atam, por exemplo,
em torno da redação de uma revista ou do conselho editorial
de uma editora. A linguagem comum homologou o termo
“redes” para definir tais estruturas. Elas são mais difíceis de
perceber ao que parece.(SIRINELLI,1996, p.248).

Dentro desta perspectiva, observamos que o perfil profissional do As-


sistente Social esta na construção histórica da sua identidade, cultural,
social, educacional que percorre por varias vias da intelectualidade,
profissionalização e ocupação de campo. O Assistente Social que assu-
me uma cátedra não será detentor de um saber e fazer profissional es-
pecifico, ele intervirá de maneira articulada com outros profissionais,
compartilhando os saberes já construídos e adquirindo outros desco-
nhecidos da área. Podemos definir a professora Núbia Marques como
uma discente que praticava a interdisciplinaridade, pois ela interagia
com outros campos do saber, em especial a cultura e folclore.

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Capítulo 8

Félix D’ávila e Suas Contribui-


ções ao Campo da educação
física em Sergipe (1958-1979)

André Augusto Andrade


Raylane Andreza Dias Navarro Barreto
O que intencionamos com este artigo é dar a ver elementos da traje-
tória do desportista e professor de Educação Física, o sergipano Félix
D’Ávila. Este contribuiu de maneira consistente para o cenário ser-
gipano da Educação Física, haja vista, ter sido ele um dos primeiros
professores desta área com nível superior no Estado e que participou
ativamente da fundação do primeiro curso de formação de professo-
res de Educação Física em Sergipe, além de ter sido também cronista
esportivo. A opção pela demarcação temporal entre 1958 a 1979 é uma
tentativa de englobar os anos que demarcaram alguns dos mecanismos
de ação e produção utilizados por Félix d’Ávila no Campo da Educação
Física em Sergipe como também delimita, tanto sua chegada ao Estado,
formado com curso superior de Educação Física obtido, à época, pela
Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD), quanto sua
saída, ao transferir-se para a Universidade Federal do Paraná (1979).
Vale ressaltar que neste corte cronológico há um interstício entre os
anos de 1963 a 1970 no qual, apesar de Félix não encontrar-se em solo
sergipano, sua trajetória de vida, no então Estado da Guanabara, viria
a impactar a consolidação do Campo da Educação Física em Sergipe.

A catalogação inicial de fontes impressas levou a três achados que for-


maram um tripé significativo para o desenvolvimento da pesquisa,
quais sejam: jornais que circularam em Sergipe entre 1958 a 1959, nos
146 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

quais o professor Félix era articulista na seção esportiva no periódi-


co católico denominado “A Cruzada”; a dissertação de mestrado em
Educação da Universidade Federal de Sergipe - UFS, escrita por José
Américo Santos Menezes, intitulada “Escola de Educação Física da
Universidade Federal de Sergipe: uma possível história”, defendida
em 1997, cujos anexos trazem depoimentos transcritos sob forma de
entrevista de professores pioneiros na constituição deste curso; e a re-
vista número 38/2009 do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe
(IHGSE), na qual o professor Néviton Felipe da Silva desenvolve um
artigo cujo título é “Professor Félix d’Ávila: 80 anos de uma história
de poder a serviço da educação física”1.“O Esporte em Marcha” era o
título da seção assinada por Félix no jornal católico “A Cruzada”, cujas
matérias localizadas foram impressas entre 24 de dezembro de 1958 e
26 de setembro de 1959. Os temas tratados em seus textos englobavam
assuntos relacionados aos esportes praticados em Sergipe, como por
exemplo: o futebol, o basquetebol e o voleibol, e suas respectivas enti-
dades federativas. Foi instigador perceber, logo nas primeiras leituras
do jornal, que sua diagramação traz uma inovação imagética impor-
tante para a área da Educação Física, pois seu símbolo, a imagem do
Discóbolo de Mirón2 passou a ser impressa identificando não somente
os artigos de Félix d’Ávila no jornal, como também a seção denomina-
da “Cruzada esportiva”. Este fato despertou interesse, pois até então

1 A revista do IHGSE publicada em 2009 não disponibiliza, em seus anexos, os de-


poimentos do professor Félix d’Ávila concedidos em janeiro de 2008. Em contato
com o autor do artigo publicado, ele gentilmente cedeu suas transcrições.
2 Estátua do escultor grego Míron que representa um atleta momentos antes
de lançar um disco. Apesar do Conselho Federal de Educação Física criar uma
resolução apenas no ano de 2002, que normatizou a imagem como símbo-
lo oficial da área no Brasil, a associação do discóbolo com a Educação Física
antecede esta normatização e remete-se às olimpíadas na Grécia, haja vista
que a estátua representa uma das modalidades esportivas mais conhecidas na
antiguidade: o lançamento de disco.
Félix D’ávila e Suas Contribuições ao Campo da educação física em Sergipe (1958-1979) 147

essa imagem não se fazia presente nas edições anteriores do periódico,


o que pressupõe havia uma clara intenção, por parte deste professor,
de apresentar, iconograficamente também, a área da Educação Física à
sociedade sergipense.

Já o artigo do professor Néviton Felipe, também contribuiu para am-


pliar a quantidade de informações sobre o professor Félix, já que o
entrevistador abordou aspectos gerais, tais como: infância; experiên-
cias com Educação Física na escola; e a escolha pelo curso superior de
Educação Física. Apesar da abrangência, ou talvez por conta dela, sua
pesquisa não examinou, com maior riqueza de detalhes, o início da tra-
jetória profissional de Félix a partir de 1958. Exemplo disso é que as
crônicas esportivas do jornal “A Cruzada” não são mencionadas em seu
artigo, o que por certo também serve para melhor conhecer sua forma
de perceber e atuar no Campo da Educação Física no Estado.

Dentre as revelações de Néviton Felipe, há aspectos que remetem a


“autoridade” de Felix e de sua imagem atrelado ao temor e a ojeriza
por parte de alguns dos seus colegas professores do Departamento de
Educação Física. Nesse sentido, considerando as fontes e o que elas re-
velavam foi possível a construção do objeto de pesquisa, que segundo
Bourdieu (2012, p. 27) “não é coisa que se produza de uma assenta-
da, por uma espécie de acto inaugural”, é, de fato, um “trabalho de
grande fôlego, que se realiza aos poucos, por retoques sucessivos, por
toda uma série de correções, de emendas, sugeridas por o que se chama
o ofício”. Em outras palavras o “conjunto de princípios práticos que
orientam as opções ao mesmo tempo minúsculas e decisivas”.

Outro material que contém informações sobre Félix d’Ávila, já anun-


ciado anteriormente, é a dissertação de Menezes (1997) cuja prudên-
cia de disponibilizar, em anexo, as entrevistas transcritas na íntegra se
consubstanciaram em documento que retrata um importante pedaço
148 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

da história da Educação Física sergipana. Das 13 entrevistas contidas


na pesquisa, aquela transcrita em maior número de páginas foi reali-
zada com o professor Félix, e todas as demais referenciam seu nome,
revelando-o deste modo como uma “peça central” no contexto re-
ferente à constituição do primeiro curso superior de Educação Física
de Sergipe, para além da constituição do Campo. Nesse sentido, Félix
d’Ávila constituiu-se um sergipano cuja atuação foi significativa para
o delineamento da Educação Física no Estado e a compreensão de sua
trajetória profissional pode contribuir com a historiografia local.

Na análise e interpretação dos depoimentos concedidos para sua pes-


quisa, Menezes (1997) afirma que constatou “[...] uma profunda disso-
ciação entre o reconhecimento da grande contribuição de Félix d’Ávila e
o descontentamento de alguns professores com a sua forma autoritária
de administrar [...]”. Segundo ele, os depoimentos evidenciam veemen-
temente o exercício da autoridade nos primeiros anos de vida do curso
de formação de professores de Educação Física da UFS. O pesquisador
inclusive, ao contextualizar uma de suas perguntas acerca da adminis-
tração do curso, expõe acerca do que chamou “[...] dinastia de Félix
d’Ávila [...]”. Estes fatos se tornaram relevantes, pois caracterizam uma
espécie de fides, uma auctoritasà luz de Bourdieu (2012), um poder
incorporado e exercido pelo professor Félix, o que levou às seguintes
indagações: De onde viria o poder e a autoridade de Félix d’Ávila no
Campo da Educação Física em Sergipe? Estariam associados com sua
trajetória de vida ou as posições que ocupou na carreira profissional
ou mesmo de seu capital cultural? Tais indagações se tornaram, por
certo, a problemática do processo de investigação.

A “experiência” foi um dos conceitos que nos valemos na pesquisa,


pois o professor Félix d’Ávila, no âmbito de sua trajetória profissional,
pôde “experienciar” acontecimentos ligados diretamente à sua área,
os quais o imbuíram de poder simbólico. Esse poder, por sua vez, afe-
Félix D’ávila e Suas Contribuições ao Campo da educação física em Sergipe (1958-1979) 149

tou, consequentemente, a consolidação do Campo da Educação Física


em Sergipe em meados do século XX. Para Thompson (1981), a expe-
riência surge espontaneamente no indivíduo, no entanto, ela não surge
sem pensamento. A experiência “brota” porque homens e mulheres (e
não apenas filósofos) são racionais, e refletem sobre o que acontece a
eles e ao seu mundo. Neste sentido é através da experiência vivenciada
em ações, no trabalho e na vida, que os homens (e mulheres) definem e
redefinem suas práticas e pensamentos. Vale destacar que Félix d’Ávi-
la vivenciou acontecimentos e presenciou conjunturas de quase toda a
segunda metade do século XX no âmbito desta área de conhecimento,
o que o evidencia como personagem, ator e partícipe de “uma página”
da história da Educação Física em Sergipe e o que nos propusemos foi
compreender de que forma Félix d’Ávila “jogou”3 no Campo da Educa-
ção Física em Sergipe.

Bourdieu (2006) pontua que não se pode compreender uma trajetó-


ria (isto é o envelhecimento social que, embora acompanhe de forma
inevitável um indivíduo, é independente do envelhecimento biológico)
sem que se tenha construído os estados sucessivos do Campo no qual
ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uni-
ram o agente considerado ao conjunto dos outros agentes envolvidos
no mesmo Campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis.
Em outras palavras, para não correr o risco de uma “ilusão biográfi-
ca” condicionando a compreensão da história de vida de alguém a uma
sucessão cronológica de acontecimentos que demarcam a sua vida, o

3 Bourdieu afirma que o habitus, como “sentido do jogo”, é jogo social incor-
porado, transforma-se em natureza, pois nada é simultaneamente mais
livre e mais coagido do que a ação do bom jogador. As coações e as exigên-
cias do jogo, ainda que não estejam reunidas num código de regras, im-
põem-se àqueles e somente àqueles que, por terem o sentido do jogo, isto é,
o senso da necessidade imanente do jogo, estão preparados para percebê-
-las e realizá-las (BOURDIEU, 2004, p. 82).
150 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

que se deve é buscar nas trajetórias de vida suas relações, mobilizações,


ações, em suma a matriz das relações objetivas entre os diferentes ato-
res sociais contemporâneos.

Diante do exposto, tomamos como objeto de análise da pesquisa a cons-


tituição do Campo da Educação Física em Sergipe a partir da trajetória
de vida de Félix d’Ávila. Partimos do pressuposto de que o professor
Félix d’Ávila “tensionou” a consolidação deste Campo, haja vista que
o seu capital cultural e simbólico, bem como a experiência acumulada
ao longo de sua vida, trilhada não somente enquanto docente de sua
área, mas também por cargos e ocupações de chefia, o que lhe propor-
cionou o exercício de poder simbólico diferenciado das demais perso-
nagens que o compunham a partir de meados do século XX. O conceito
de Campo pode ser descrito como um conjunto de relações de forças
objetivas impostas a todos os que entrem no espaço social considerado
e que são irredutíveis às intenções dos agentes individuais ou mesmo às
interações diretas entre os agentes. Desta forma o Campo é um espaço
social de relações, o qual é tão real como um espaço geográfico, no qual
as mudanças de lugar se pagam em trabalho, em esforços e, sobretudo,
em tempo, pois “[...] ir de baixo para cima é guindar-se, trepar e trazer
as marcas ou os estigmas desse esforço” (BOURDIEU, 2012, p. 137).

Para compreender as contribuições do professor Félix d’Ávila para o Cam-


po da Educação Física em Sergipe, em meados do século XX, foi necessário
analisar a trajetória de vida de Félix d’Ávila e sua implicação na composi-
ção do Campo da Educação Física em Sergipe e interpretar os mecanismos
de ação e produção de Félix d’Ávila para a consolidação desse Campo. Com
tal objetivo, optamos por realizar uma sucinta digressão que englobasse
seus genitores, na tentativa de elucidar suas origens, sua linhagem e es-
clarecer o tipo de educação e o capital cultural por ele formado, buscando
interpretar os privilégios sociais que seus pais lhe possibilitaram.
Félix D’ávila e Suas Contribuições ao Campo da educação física em Sergipe (1958-1979) 151

Félix d’Ávila Costa nasceu em Aracaju, no dia 19 de janeiro de 1928. É


filho do jornalista e jurista Luiz José da Costa Filho com Alice Ferreira
Cardoso, que também possuía graduação em Direito, mas que, segun-
do informações do próprio Félix, exerceu a profissão por um curto pe-
ríodo de tempo. Em entrevista concedida ao professor Néviton Felipe,
Félix afirmou que sua mãe teria sido a primeira sergipana a possuir um
curso superior na área de Direito, sendo Maria Rita Soares de Andrade4
sua sucessora. Além de sua mãe ter sido pioneira no âmbito do Direito,
foi também professora e diretora do colégio Tobias Barreto entre as dé-
cadas de 1910 e meados de 1920 (MANGUEIRA, 2003, p. 50).

Já no tocante às informações do pai de Félix d’Ávila, Luiz José da Costa Fi-


lho, apesar de ser um personagem mais conhecido na História Sergipana,
com razoável quantidade de fontes impressas, ainda há carência de tra-
balhos científicos que o enfoquem em maior profundidade. Os impressos
lidos até o momento acerca do professor Félix pouco aprofundam sobre
aspectos históricos da vida de seu pai (e de sua mãe). A fonte impressa
com maior quantidade de informações encadeadas a respeito de Luiz José
da Costa Filho foi o Dicionário Bio-Bibliográfico Sergipano5. Lá constam

4 Maria Rita Soares de Andrade, sergipana, nascida em Aracaju, em 1904, foi


a primeira mulher membro do Conselho da OAB, integrando o Conselho da
Guanabara, assim como primeira juíza federal brasileira. Realizando sua for-
mação em escolas públicas de Aracaju, foi para Salvador em 1923, tendo se
formado na Faculdade de Direito da Bahia em 1926 (OLIVEIRA, 2009).
5 O Dicionário Bio-Bibliográfico Sergipano é uma obra que reúne mais de 640
biografias dos mais ilustres sergipanos detalhando aspectos de suas trajetó-
rias dentro e fora de Sergipe, como um testemunho para a posteridade. É por
isso uma fonte de referência cotejada com informações diversas que chama a
atenção para a fertilidade intelectual do estado. O Dicionário Bio-Bibiblio-
gráfico Sergipano, de Armindo Guaraná (1925), tem sido, em mais de 80 anos
de circulação e uso, uma das principais fontes para o conhecimento biográ-
fico dos sergipanos, tais como bacharéis em Direito, médicos, engenheiros,
militares, farmacêuticos, agrônomos, que galgaram o destaque intelectual,
empresarial e político.
152 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

alguns dos seus escritos, a maior parte deles publicados em periódicos que
circularam no início de século XX; conta um pouco de sua trajetória pro-
fissional, que perpassa não somente pelo âmbito do jornalismo e da edu-
cação como professor do Atheneu sergipense, bem como da advocacia,
mas enfoca também sua carreira política, haja vista ter ido ele deputado
estadual na legislatura de 1912-1913 e em 1913 serviu interinamente como
procurador da República (GUARANÁ, 1925, p. 378).

O que se pode perceber é que quando Félix d’Ávila nasceu, em 1928, seus
pais já haviam transitado por importantes espaços no âmbito da socie-
dade sergipana. De fato eram pessoas com arcabouço intelectual privi-
legiado e também possuíam recursos financeiros que possibilitaram ao
filho uma educação diferenciada, tanto vinda dos próprios hábitos dos
genitores, quanto do âmbito formal de ensino. Com exceção do Colégio
Ateneu Sergipense, os demais estabelecimentos de ensino no qual Félix
estudou foram da rede privada. Ele fez o curso primário, em Aracaju,
nos colégios: Tobias Barreto e Jackson de Figueiredo. No início da década
de 1940, apesar de passar no exame de admissão do Ateneu, sua família
mudou-se para o Rio de Janeiro onde ele fez o ginásio no Colégio Ibi-
turuna, o primeiro e segundo ano científico ele estudou no Colégio 28 de
Setembro e concluiu o terceiro ano no Colégio Piedade (Menezes, 1997,
p.104). Nestes estabelecimentos de ensino secundário Félix teve sua ini-
ciação esportiva, chegando a jogar profissionalmente, após terminar o
curso científico, por alguns clubes do Rio de Janeiro. Foram diferentes as
modalidades esportivas em que atuou: jogou futebol pela equipe juvenil
do Madureira; fez atletismo no clube do Vasco e jogou na equipe de Bas-
quetebol pelo Clube Aliados do Campo Grande. Decerto os locais pelos
quais passou contribuíram para que ele não somente adquirisse expe-
riências esportivas, mas a pretensão de contribuir com o esporte.

Seu envolvimento com diferentes esportes contribuiu para a decisão de


entrar na Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD) da
Félix D’ávila e Suas Contribuições ao Campo da educação física em Sergipe (1958-1979) 153

Universidade do Brasil, no ano de 1955. Félix conseguiu mais que ape-


nas passar no concurso de habilitação da Universidade do Brasil, pois
todo seu passado atlético, especialmente no âmbito do basquetebol,
rendeu-lhe, logo nos primeiros meses naquela instituição, a chance
de começar a conhecer autoridades militares as quais gerenciavam as
organizações esportivas em âmbito nacional. Em 13 de março de 1955,
um mês após entrar na universidade, foi noticiado em um jornal ca-
rioca que “o Almirante Paulo Martins Meira, presidente da Confede-
ração Brasileira de Basquetebol e patrono do basquetebol brasileiro”,
seguia viagem para a cidade de Aracaju em comemoração às festivi-
dades do centenário daquela cidade. Assim, a Federação Sergipana de
Basquetebol havia programado diversos jogos com a colaboração dos
clubes Itapagipe da Bahia, Flamengo de Maceió, e Barroso de Recife
que se realizariam durante a estada do Almirante Paulo Meira. A notí-
cia do jornal era concluída com a informação de que o Almirante estaria
acompanhado do representante sergipano junto à confederação “Félix
d’Ávila” e em Aracaju seria hóspede oficial do governo do Estado (BAS-
QUETEBOL, 1955, p. 61).

Vale ressaltar também que Félix, ao adentrar a Universidade do Brasil,


estava com 27 anos de idade e talvez este fato tenha contribuído para
que ele tanto pudesse aproximar-se de dirigentes esportivos quanto se
enveredasse ao longo do curso numa espécie de representante dos de-
mais alunos daquela instituição, pois outro aspecto que marcou a sua
presença na universidade foi a coordenação de manifestações sociais.
Em junho de 1957, já próximo da conclusão de seu curso, um grupo de
alunos dessa escola percorreu a sede de alguns jornais na cidade do Rio
de Janeiro, num movimento de protesto contra deliberações do diretor
da Divisão de Educação Física do Ministério da Educação e do Conselho
Nacional de Desportos que facultavam direitos aos leigos6 em prejuízo

6 Termo utilizado em periódicos da década de 1960 para indicar os professores


não diplomados.
154 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

dos que faziam o curso na ENEFD. A indignação dos alunos estava re-
lacionada à Portaria N° 258, de 22 de outubro de 1955 que autorizava a
criação de cursos avulsos pelo interior do país com o objetivo de for-
mar professores de Educação Física num curto espaço de trinta dias,
enquanto na Escola da “Praia Vermelha” eram exigidos três anos para
a concessão desse diploma universitário. O movimento de protesto era
apoiado tanto pelos professores como também pelo próprio reitor da
Universidade à época – o jurista Pedro Calmon Moniz de Bittencourt.
Dentre os representantes da comissão estavam Marco Antonio de Mo-
raes – vice-presidente do diretório acadêmico da ENEFD e Félix d’Ávila
- coordenador do movimento de protesto (QUEREM..., 1957, p. 15).

Após terminar o curso em dezembro de 1957, Félix d’Ávila deixa o Rio


de Janeiro e volta a Sergipe, fixando residência em Aracaju, pois havia
recebido uma bolsa de estudos no governo de Leandro Maciel que o
obrigava a passar ao menos dois anos no Estado depois de formado.
No início de sua carreira profissional ele atuou em diferentes estabele-
cimentos de ensino, sendo professor de Educação Física nos colégios:
Ateneu Sergipense, Jackson de Figueiredo, Salesiano e Pio Décimo.
Posteriormente, quando o colégio Tiradentes foi fundado, em 1962, ele
também foi convidado a fazer parte do primeiro corpo docente desta
instituição, pois havia conhecido o seu fundador, Jouberto Uchôa de
Mendonça, quando este ainda trabalhava no Colégio Pio Décimo. Em
Sergipe, no final da década de 1950 e início de 1960, havia carência de
profissionais com curso superior em Educação Física e isto contribuiu
para a diversidade de ambientes nos quais o professor Félix d’Ávila
trabalhou. Em entrevista Félix afirmou que quando chegou a Aracaju
no ano 1958, havia apenas o professor Edilberto Reis Cunha com cur-
so superior atuando com Educação Física no Estado. Neste sentido, a
contratação de professor formado pela ENEFD significava compor um
quadro docente legitimado que por sua vez propugnava maior credibi-
lidade ao estabelecimento por onde eles transitavam.
Félix D’ávila e Suas Contribuições ao Campo da educação física em Sergipe (1958-1979) 155

No final de 1958 a trajetória biográfica de Félix d’Ávila ganhou novos


contornos, pois ele passou a escrever em um dos mais importantes e
duradouros periódicos do Estado na primeira metade do século XX – o
jornal católico “A Cruzada”. Em 1959 vinculou-se a diretoria do Vas-
co Esporte Clube de Aracaju, promoveu eventos esportivos e sociais.
Ainda neste ano participou do “Simpósio sobre Problemas Aracajua-
nos”, evento cujas pessoas convidadas deveriam possuir competências
“técnicas” em suas áreas de conhecimento (GRAÇA, 1996, p. 38). Já
em 1960, um novo viés da sua trajetória foi registrado em um perió-
dico local, a matéria era acerca da Federação Sergipana de Desportos7,
entidade essa na qual Félix viria fazer parte do quadro de dirigentes
na função de Diretor Administrativo. Em apenas dois anos de atuação
profissional ele já estava fazendo parte da entidade que comandava o
desporto em Sergipe. A titulo de exemplo, segue um trecho do texto no
impresso com o objetivo de destacar as qualificações que o levaram a
fazer parte da entidade.

7 Em 10 de novembro de 1926 foi fundada a “Liga Sergipana de Esportes Athle-


ticos” (LSEA). Em novembro de 1941 ela modifica sua nomenclatura para
“Federação Sergipana de Desportos” e posteriormente especializa-se na mo-
dalidade esportiva do futebol, a partir de 1976.Passando então a se chamar
Federação Sergipana de Futebol (DaCosta, 2006). Apesar de sua fundação ser
de 1926, foi somente em 23 de fevereiro de 1927 que a Confederação Brasileira
de Desportos concedeu filiação à LSEA, vínculo este que possibilitava a esta
entidade competir em âmbito nacional, juntamente com outras federações,
tanto nos desportos terrestres quanto nos aquáticos. A LSEA tinha jurisdição
local sobre os desportos (CORREIO, 1927, p.9).
156 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

A Federação Sergipana de Desportos vem de fazer uma aquisição para sua


Diretoria de um dos mais destacados desportistas de Sergipe. Trata-se do
Professor Felix d’Ávila, elemento a quem o esporte de nosso Estado deve
bastante por sua atuação em diversos setores, e que agora vem aceitar o
cargo de Diretor Administrativo da Federação de Desportos de Sergipe.
Dotado de ampla visão, conhecedor profundo da burocracia esportiva, o
novo Diretor Administrativo da F.S.D. irá emprestar sua valorosa colabo-
ração para o progresso de nossos esportes [...] (DIRETOR, 1960, p 5).

As ações produzidas por Félix d’Ávila estavam sendo legitimadas ofi-


cialmente pela entidade responsável por gerir as modalidades esporti-
vas em Sergipe, o que denota o seu capital simbólico, o que para Bour-
dieu (2004) não é outra coisa senão o capital cultural quando conhecido
ou reconhecido. Além dos assuntos relacionados à administração da
FSD, o professor Félix d’Ávila também transitou no âmbito do esporte
universitário. O evento “XV Jogos Universitários Brasileiros” fora rea-
lizado em Niterói, no Rio de Janeiro e ocorreram no Estádio Caio Mar-
tins, reunindo em torno de 1900 estudantes de 19 estados da Federa-
ção. A delegação de Sergipe se fez presente nas competições através do
futebol, tênis, barco à vela e natação. Os universitários estavam acom-
panhados pelo departamento médico e técnico, a cargo do Dr. Renato
Lucas e do professor Félix d’Ávila, respectivamente, que “[...] se des-
dobraram no sentido de prestar a melhor assistência aos componentes
da delegação”. Durante o evento esportivo, o governador de Sergipe à
época, Luiz Garcia, dirigiu-se pessoalmente ao Estádio Caio Martins,
local onde os universitários permaneceram alojados para participar de
um almoço junto com a delegação (REGRESSARAM..., 1960, p. 1-4).
Tal atitude mostra senão a importância que o evento tinha, mas, so-
bretudo, o envolvimento de Felix d’Ávila no Campo da Educação Física.

Outro aspecto da dinamicidade da trajetória de Félix acontece em 1961,


pois o Diário Oficial da União de 05 de setembro daquele ano desig-
Félix D’ávila e Suas Contribuições ao Campo da educação física em Sergipe (1958-1979) 157

nou-o para o fim especial de orientar e fiscalizar a Educação Física nos


estabelecimentos de ensino secundário no Estado de Sergipe. Mesmo
assumindo essa função, fio possível perceber que Félix envolveu-se
também no âmbito da fisioterapia. Silva (2012), ao dissertar em sua
pesquisa sobre a trajetória de vida de Antonio Garcia Filho, expõe um
quadro de funcionários do Centro de Reabilitação “Ninota Garcia”, e lá
consta o nome Félix d’Ávila na função de “Fisioterapeuta”. As informa-
ções desse quadro funcional foram erigidas de uma publicação datada
de 1966, mas infelizmente nela não há descrição da data de contratação
de cada empregado. Pelos indícios acreditamos que Félix tenha sido
contratado em 1962, quando o “Ninota Garcia” foi inaugurado, por
conta de dois motivos: 1- no mesmo quadro, onde seu nome aparece,
havia outros dois funcionários os quais também eram formados pela
ENEFD e que foram designados enquanto professores de educação fí-
sica; 2- Em 17 de abril de 1963 o Diário Oficial da União registra a sua
lotação na cidade de Niterói. Lá ele iria se envolver não somente com as
inspeções de escolas no âmbito da Educação Física, mas também com
eventos esportivos estudantis.

Em entrevista concedida em 2012, Félix afirmou que no Rio de Janei-


ro efetivou os “Jogos Intermunicipais”, sendo o primeiro realizado no
colégio Afrânio Peixoto. Ele complementa asseverando que com o pas-
sar dos anos os jogos se ampliaram: “[...] então a coisa ficou num nível
muito alto! Eu tive que fazer no Caio Martins. Porque não tinha mais
condições [...]”. Localizamos matérias jornalísticas da década de 1960
nas quais, apesar de não constar o nome do professor Félix d’Ávila no
impresso, retratam eventos esportivos realizados no estádio Caio Mar-
tins com a colaboração da Inspetoria Seccional de Educação Física de
Niterói, sucursal na qual ele havia sido lotado em 1963. Quais sejam:
“Jogos Colegiais” ocorridos no ano de 1964 (DESFILE, 1964, p. 5) e o
“II Torneio Intermunicipal Feminino de Volibol” dos colégios católicos,
realizado em 1965 (ANÚNCIO..., 1965, p. 6).
158 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Os eventos esportivos nos quais Félix participou da organização na


Guanabara lhe renderam frutos em outros Estados. Em 1967 o perió-
dico “Diário do Paraná” publicou uma matéria sobre os Jogos Cole-
giais Sul Americanos, evento esportivo planejado para ser realizado
em Curitiba no período de 8 a 15 de outubro, cujos países represen-
tantes estrangeiros convidados foram: Uruguai, Argentina, Paraguai,
Chile e Peru. Os professores Félix d’Ávila e Martha HelgaKampmann
foram escolhidos para serem os novos coordenadores do evento e en-
viados à capital paranaense pelo diretor da Divisão de Educação Física,
o coronel Artur Orlando da Costa Ferreira, para reestruturar as várias
comissões executivas que tinham a responsabilidade de organizar este
certame. A matéria ainda informava que durante a permanência destes
professores eles estudariam as várias formas de organização deste tor-
neio colegial (SUL-AMERICANO COLEGIAL, 1967, p. 11).

No final de novembro daquele ano, após a concretização desse certame


Sul Americano, Félix retornou a Curitiba, desta vez em gozo de férias. No
entanto, ele concedeu uma entrevista na qual prospectou acerca da “pos-
sibilidade da realização do Campeonato Brasileiro Colegial, que seria dis-
putado na segunda quinzena de julho, em Brasília.” (ESPORTE..., 1967, p.
12). Tal informação, além de evidenciar sua participação na área como um
promotor de eventos esportivos colegiais, o coloca na gênese do que vi-
ria a serem “os Jogos Estudantis Brasileiros”. Evento cuja primeira edição
ocorreu de fato no ano de 1969 e que hoje, apesar da mudança de nomen-
clatura ao longo do tempo, está em sua 44ª edição e consta no calendário
esportivo escolar como um dos mais importantes da área.

Em novembro de 1968, o nome de Félix d’Ávila surge em uma maté-


ria jornalística do Rio de Janeiro enquanto “Diretor da Inspetoria Sec-
cional de Educação Física no Estado Fluminense”. A notícia tratava da
posse do novo presidente do Conselho Regional de Desportos do Estado
do Rio de Janeiro, Mario Revelles Castanho, empossado pelo General
Félix D’ávila e Suas Contribuições ao Campo da educação física em Sergipe (1958-1979) 159

Eloy Menezes, então presidente do Conselho Nacional de Desportos.


Esteve presente no evento o coronel Costa Ferreira, diretor da Divisão
de Educação Física (ELÓI, 1968, p. 5). Menos de um mês após a publi-
cação da matéria anterior, em primeiro de dezembro de 1968, o nome
do professor Félix permeia novamente o jornal “Correio da Manhã”.
Dessa vez o assunto eram os jogos olímpicos efetuados no México que
seriam foco de um ciclo de palestras promovidas, em combinação, pelo
Departamento de Educação Física do Estado do Rio, dirigido pelo pro-
fessor Hélio de Oliveira Silva, com a Inspetoria Seccional do MEC, che-
fiada por Félix d’Ávila. Este evento também contou com a participação
do coronel Arthur Orlando da Costa Ferreira (CICLO, 1968, p. 23).

Conforme se pode perceber, aos poucos a trajetória profissional de


Félix d’Ávila vai conquistando espaço na “cúpula” daqueles que esta-
vam no comando da Educação Física no Brasil. Exemplo disto é que
no Diário Oficial da União em 30 de maio de 1969, o diretor da Divisão
de Educação Física do Departamento Nacional de Educação, o Coronel
Costa Ferreira, designou o sergipano Félix d’Ávila enquanto Coorde-
nador Geral dos Cursos Básicos de Atualização em Educação Física que
seriam realizados nas cidades de Manaus, Natal, João Pessoa, Maceió,
Aracaju, Cuiabá e Brasília, no período compreendido entre 30 de junho
e 2 de agosto de 1969 (DOU, 1969, p. 4615).A rede de relacionamentos
e o trabalho desenvolvido por Félix d’Ávila no Rio de Janeiro fizeram
com que ele fosse reconhecido enquanto um dos homens capazes de
levar “o modelo de professor de Educação Física” que a União desejava
para o país, pois as cidades acima mencionadas não possuíam escolas
com nível superior em Educação Física.

O professor Félix d’Ávila ainda contribuiria para a Educação Física


brasileira de outra maneira. O jornal “Diário de Notícias”, em 20 de
julho de 1969, publicou uma matéria sobre os “Jogos Estudantis Brasi-
leiros”. O evento foi promovido pelo Ministério da Educação e Cultura
160 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

e no seu calendário abarcava quase uma semana de certames desporti-


vos em diversas modalidades. O seu nome surge na matéria enquanto
Diretor-Geral dos jogos e atual diretor da Divisão de Educação Física
(JOGOS BRASILEIROS, 1969, p. 27). Aos poucos Félix foi sendo reco-
nhecido enquanto profissional de Educação Física engajado, de ação,
capaz de mobilizar atores, instituições e recursos para a área. Passou a
usufruir de certo prestígio no meio daqueles que dirigiam a Educação
Física no país no final da década de 1960, pois ao analisar as datas que
compreendem os Cursos Básicos de Atualização em Educação Física e
os primeiros Jogos Estudantis Brasileiros, pode-se perceber que elas se
sobrepõem. Dessa forma, Félix acumula o cargo de Chefia dos Cursos,
ao tempo em que foi Diretor Geral daquele evento esportivo.

Coincidência ou não, durante a realização dos primeiros Jogos Estu-


dantis Brasileiros, o decreto Lei 705 foi aprovado no dia 25 de julho de
1969. Por meio dele é estendida a obrigatoriedade da prática de Edu-
cação Física e Desporto a todos os níveis e ramos do ensino e a todos
os estabelecimentos de ensino superior. A compulsória do governo
militar trouxe como consequência direta a implantação de Centros de
Educação Física e Deporto nos Estados que ainda não possuíam Curso
de Formação de Professores de Educação Física (SANTOS; GRUNENN-
VALDT, 1999). Com fins de cumprir a lei, a UFS articulou-se e em 1970
criou o Centro de Educação Física e Desportos8. Maiores detalhes sobre
a criação do Centro de Educação Física e Desportos podem ser encon-

8 Órgão suplementar da UFS cujo regimento aprovado, em 25-8-1970, pelo


conselho universitário, estabeleceu a seguinte estrutura: Direção Geral, Ser-
viços Auxiliares e Serviço de Medicina. No entanto, em 1972, o Centro sofre
reestruturação em virtude de o Conselho Universitário ter agregado o setor
da orientação do Estudo de Problemas Brasileiros (EPB). Desta forma, o Cen-
tro de Educação Física e Desporto passou a denominar-se Centro de Civismo,
Educação Física e Desporto e ficou subdividido em dois setores: um que se
encarregava da orientação do Estudo dos Problemas Brasileiros, e outro da
prática da Educação Física e Desporto.
Félix D’ávila e Suas Contribuições ao Campo da educação física em Sergipe (1958-1979) 161

trados em Menezes (1997), no entanto, para este artigo interessou a


“centralidade” de Félix d’Ávila neste processo.

No final de março de 1970 um periódico sergipano publicou que Félix


d’Ávila chegou em Aracaju com a finalidade de firmar um convênio en-
tre a Divisão de Educação Física, do MEC, e a Secretaria de Educação e
Cultura de Sergipe. Segundo a entrevista concedida por Félix os termos
do convênio assinado fariam com que muitas das atribuições federais
fossem delegadas ao novo Departamento de Educação Física, criado
no Estado, sendo a principal delas a fiscalização dos colégios da capital
e interior, que antes era exercida por aquela Divisão do Ministério da
Educação. Ainda segundo Félix d’Ávila, Sergipe poderia participar dos
Jogos Estudantis Brasileiros a serem realizados em Curitiba, pois o di-
retor da Divisão da Educação Física, o coronel Arthur Orlando da Costa
Ferreira, viria a Sergipe tratar, com as autoridades estaduais, detalhes
da participação de Sergipe nos JEB´s ao passo que traria o regulamen-
to do certame. Outro ponto abordado na matéria estava relacionado
à incumbência do professor Félix de entrar em entendimento com as
autoridades da UFS para a criação de um órgão que pudesse propiciar
a prática da Educação Física aos universitários. Félix d’Ávila divulgou
também que as aulas de Educação Física no Ensino Superior somente
poderiam ser ministradas por professores com diploma das Escolas Su-
periores de Educação Física (PROFESSOR, 1970).

Para Bourdieu (2004) o poder simbólico advém de um “longo período


de institucionalização” e nesse sentido, a trajetória profissional trilhada
pelo professor Félix até o início da década de 1970, por certo contribuiu
para que o Reitor da UFS, João Cardoso do Nascimento Junior, o convi-
dasse para gerir o Centro de Educação Física e Desportos da UFS. Nesse
sentido, seu poder começou a manifestar-se na medida em que Félix foi
atendido na sua exigência: escolher o grupo docente com o qual ele iria
trabalhar. Dentre os professores que vieram de outros Estados estavam:
162 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Homero José Alcantara Ribeiro e Arline Pinto Ribeiro, Alberto Teixeira


Chaves Filho e Sérgio Giansante. Juntaram-se a estes os professores ser-
gipanos Candido Augusto Sampaio Pereira e Maria Edma de Barros.

Quando o Centro de Educação Física e Desportos entrou em funciona-


mento, um dos obstáculos relatados pelo próprio Félix foi a reação da
população sergipana acerca da prática da Educação Física nas questões
afetas ao corpo. Alguns pais de alunas universitárias não queriam que
suas filhas fizessem as atividades físicas exigidas pelos professores e obri-
gatórias a todos os alunos daquela instituição. Sobre isso Félix relatou:

[...] Eu certa vez, recebi em minha sala lá no Centro, um


político sergipano e que não vou citar o nome. Ele chegou
e disse o que quis dizer. Eu simplesmente ouvi. E quando
ele acabou eu disse: – Deputado, só tem um problema! O
senhor está se dirigindo à pessoa errada. Eu sou o execu-
tivo. Eu estou cumprindo uma lei. E aí puxei a Lei 69.450,
que obriga isso. As pessoas a quem o senhor deve se dirigir
é ao General Emilio Médici e o Ministro da Educação que é o
coronel Jarbas Passarinho. Tudo isso que o senhor me disse
eu não levei em consideração. Na tribuna o senhor diz isso a
eles. E ele nunca mais apareceu e as filhas dele continuaram
a fazer Educação Física. Além disso, tinha a parte do corpo.
Nós criamos o uniforme. Porque não há como se conceber
uma pessoa fazer Educação Física de saia, é até anti-higiêni-
co. Nós criamos um calção, camisa com logomarca da Uni-
versidade e as reações vieram muito fortes. Quando alguém
vinha reclamar comigo eu dizia: – Olha, é uma questão de
visão. Se o senhor é pai da menina, ela tá fazendo Educação
Física com calça, tênis e camisa... O senhor deve ir à praia
com a sua filha e ela lá tá de biquíni. Aqui ela não está de
biquíni. Isso é uma visão meio deteriorada. Essas coisas fo-
ram superadas. Porque eu nunca abri mão da minha missão.
Que nós tínhamos que cumprir com esses professores [...]
(D’ÁVILA apud MENEZES, 1997, p. 109).
Félix D’ávila e Suas Contribuições ao Campo da educação física em Sergipe (1958-1979) 163

Em pleno regime militar tratar um político de tal forma poderia indi-


ciar destrato, entretanto, não parece que foi assim considerado, haja
vista que não houve represália e as filhas do político continuaram fre-
quentando as aulas. Seu relato evidencia aspectos de sua “superfície
social”9 e as “soluções” encontradas por ele para resolver os proble-
mas que surgiam no tocante à administração daquele órgão. Seu de-
poimento demonstra também que o fato de vir para Sergipe gerir o
Centro de Educação Física e Desportos da UFS era mais que assumir
um posto de trabalho, pois consubstanciava uma “missão” que preci-
sava ser cumprida. Se por um lado Félix agia desta forma com pessoas
que questionava sua maneira de trabalhar, por outro é possível iden-
tificar de que maneira os professores daquele órgão agiam sob seus
auspícios. Um trecho da entrevista concedida por um dos professores
que vieram convidados por Félix revelou traços de sua administração
e da constituição de um habitus:

Bom, ele sempre foi em termos de dirigir... vamos usar o


termo “Mandar”... Né?... E conhecimento das leis que re-
giam a Educação Física, já que ele foi Inspetor Federal, en-
tão ele... Ele tinha uma ascendência muito grande sobre
todos os professores, porque ele sabia o que falava! Então
a exigência dele para conosco, era muito grande! Era mui-
to grande, é... Não chegava a extrapolar, mas era grande,
ele... por exemplo, só citando um exemplo: A Universidade
importou uns aparelhos do Japão. Aí chegou o caminhão,
com aquela aparelhagem toda, aí ele falou: – “Ô Sérgio! Vem
cá! Chegou essa aparelhagem aqui do Japão, monta isso pra
nós!” Eu vou pegar o manual tudo em japonês e inglês...

9 A capacidade de existir como agente em diferentes campos. Neste sentido, a


distinção entre o indivíduo concreto e o indivíduo construído, o agente efi-
ciente, é duplicada pela distinção entre o agente, eficiente num campo e a
personalidade, como individualidade biológica socialmente instituída pela
nominação e dotada de propriedades e de poderes que lhe asseguram, em
certos casos, uma superfície social (BOURDIEU, 2006, p. 190).
164 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Vamos montar... Olhei os desenhos e montei a aparelhagem


toda que tinha uns desenhos ali, então... era assim – “Se
vire” – Ah! que... – “Se vire!” Então nesse ponto ele colhia
muitos frutos e todo mundo falava assim “Ele vai pedir e Ele
quer”... Então vamos fazer! (GIANSANTE, 2012).

Para Bourdieu (2012, p. 158), “[...] o porta-voz dotado do pleno po-


der de falar e de agir em nome do grupo e, em primeiro lugar, sobre
o grupo, pela magia da palavra de ordem, é o substituto do grupo que
somente por esta procuração existe”. Deste modo, Félix d’Ávila é re-
conhecido pelo grupo tornando-se porta voz do mesmo, ou seja, ele
congrega, à medida que reuni em si, os desejos, anseios e metas de um
corpo de indivíduos que também foi arregimentado por ele.

No decorrer da década de 1970, Félix d’Ávila mobilizou ações que in-


tencionavam, de algum modo, consolidar o Campo da Educação Física
em Sergipe. Nesse viés estava também o desenvolvimento esportivo es-
colar. Em setembro de 1971 a professora Martha HelgaKampmann veio
a Aracaju, integrando a delegação do Clube Militar do Rio de Janeiro, e
foi autorizada pelo coronel Eric Tinoco Marques a ficar durante 10 dias,
após a saída da delegação, ministrando aulas de Educação Física no
Centro de Educação Física e Desportos da UFS (INFORME GS, 1971, p.
4). Vale relembrar que a professora Martha Helga foi colega de Félix na
organização de um evento esportivo colegial e internacional realizado
no Paraná em 1967. Além disso, ela era experiente com relação às “Ruas
de Recreio”10, com a ginástica feminina e possuía em seu passado pro-
fissional atlético o mérito de ter sido convocada sete vezes para compor
a seleção brasileira de basquetebol (DOZE, 1957, p. 25).

10 Iniciativa organizada pela DEF do MEC com a finalidade de proporcionar Edu-


caçãoFísica às crianças cariocasque viviam em apartamentos situados em ruas
muito movimentadas sem os obstáculos do tráfego e com a segurança garan-
tida por professores e policiais (RUAS, 1958).
Félix D’ávila e Suas Contribuições ao Campo da educação física em Sergipe (1958-1979) 165

Além dos eventos esportivos e das iniciativas de Félix ao trazer profes-


sores de Educação Física qualificados para Sergipe, há que se conside-
rar também sua participação em eventos de ordem cultural, mas que
também fizeram parte das atividades do Centro de Educação Física e
Desportos. Exemplo desta esfera iniciou-se com o Festival de Arte de
São Cristóvão (FASC), em 1972. O pesquisador Menezes (1997) indagou
Félix acerca do primeiro currículo do curso de Educação Física, foi en-
tão que o entrevistado guiou a entrevista para o referido Festival, pois o
considerou uma marca da universidade em que a Educação Física teve
significativa participação:

Américo, antes de falar sobre o currículo, eu quero abrir um


parêntese para falar de uma coisa que faz parte da Universi-
dade e que a Educação Física teve um trabalho muito grande
em cima disto, que foi o Festival de Arte de São Cristóvão. O
Festival de Arte de São Cristóvão foi criado e eu fiz parte da
primeira comissão. Eu, Madre Albertina, Alencar que depois
foi Reitor, Ovídio que era um dos diretores que já faleceu. E
nós fomos esse grupo que fez parte do primeiro Festival de
Arte de São Cristóvão. Onde nos coube a pior parte do Fes-
tival, que foi o controle de todo o transporte, que não tinha
nenhuma estrutura para receber o que recebeu. Então nós
fomos até guardas de trânsito de São Cristóvão e aí a coisa
pegou e todo Festival éramos nós que tomávamos conta dis-
so. Então, nós ficavamos até três horas da manhã para ver o
Festival acabar e sair todo mundo. Sempre contei com todos
os professores, não só com os professores, mas todos os fun-
cionários do Centro, que iam sem querer saber de hora ex-
tra, trabalhavam porque gostavam de trabalhar na área e na
Universidade. Então, nos Festivais de Arte de São Cristóvão,
a Educação Física teve uma participação muito forte até o
quinto ou sexto mais ou menos [...] (D’ÁVILA apud MENE-
ZES, 1997, p. 111).

O Festival de Arte de São Cristóvão foi criado em 1972 e trata-se de


uma iniciativa da UFS, por meio do Centro de Extensão Cultural e Ação
166 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Comunitária11, que visava atender à solicitação do governo federal no


tocante à sua Política Nacional de Cultura. Ele surge em decorrência
das comemorações do sesquicentenário da independência do Brasil.
Segundo Azevedo (2012), o primeiro reitor da UFS, João Cardoso do
Nascimento Junior, determinou à sua assessoria de relações públicas
a elaboração de um programa capaz de firmar a presença da univer-
sidade nas comemorações nacionais. A autora complementa ainda
afirmando que “um grupo de intelectuais da UFS, entre professores e
funcionários, ficou encarregado pela programação e por toda a gestão
do evento” (AZEVEDO, 2012, p. 124). Ao verificar em impressos locais
foi possível perceber que o grupo de ginástica da UFS fez apresenta-
ções nesse evento. Além disso, é preciso ressalvar que o FASC procurou
atender aos imperativos da extensão universitária e neste sentido as
ações de Félix com vistas à concretização desse evento demonstra cer-
to pioneirismo dos professores de Educação Física da UFS que mesmo
antes de se constituírem enquanto curso superior desta instituição já
evidenciava sua contribuição no “fazer” universitário.

Félix d’Ávila tencionou o espaço social da Educação Física em Sergipe


de tal modo que até mesmo o espaço físico precisou ser reestruturado.
Como demonstrou Felix a Menezes (1997):

[...] existe algumas instalações esportivas que eram cômi-


cas. Naquela escola perto do aeroporto, o Santos Dumont,
construíram uma tabela de basquete de cimento. Se naquela
época no campeonato nacional, vinham para Aracaju, pre-
paradores físicos que tinham sido colegas meus, como o
Xirol, o Parreira, o Zagalo. Um dia nós fizemos um almoço
na casa do Homero. Zagalo, Parrera e Xirol. Nós morávamos

11 Órgão criado pela UFS que tinha por finalidade promover uma maior inte-
gração da UFS com a vida cultural do Estado, levando os alunos universitários
a aplicarem os conhecimentos técnico-científicos na prestação de serviços à
comunidade (UNIVERSIDADE, 1971).
Félix D’ávila e Suas Contribuições ao Campo da educação física em Sergipe (1958-1979) 167

naquele conjunto perto do G. Barbosa (localizado no bairro


São José), eles chamavam de Vila Olímpica, porque morava
o Sérgio, o Homero ali e fizemos o almoço. Então, já pen-
sou, um colega meu dizendo: “Poxa Félix! Você morando
aqui e deixou construir uma tabela de cimento?” Aí eu fui
ao diretor de obras, que era o Aragão, e disse: “Olha, não se
constrói tabela de cimento”. Eles aí mudaram. Como no (gi-
násio) Constâncio Vieira, o Dalmo que era da área de obras,
conversamos muito, porque eles fizeram um piso que não
dava uma quadra de handebol. Tanto que eles tiveram que
cortar dois degraus da arquibancada para poder dá a área
do handebol, eles queriam fazer um handebol numa quadra
de basquetebol [...] (D’ÁVILA apud MENEZES, 1997, p. 115).

Conforme buscamos evidenciar, a trajetória profissional de Félix d’Ávi-


la transcendeu o espaço escolar no Campo da Educação Física. Nos seis
anos iniciais de atuação em Sergipe ele trilhou caminhos pelas crôni-
cas esportivas, dirigiu o Vasco Esporte Clube, administrou a Federação
Sergipana de Desportos e até na área da Fisioterapia deixou marcas. No
período em que foi inspetor na cidade de Niterói, como resultado de
uma trajetória de vida multifacetada, ele transitou pelo seleto grupo de
pessoas que comandavam a Educação Física no Brasil e concretizou os
primeiros Jogos Estudantis Brasileiros.

De volta a Aracaju, no início da década de 1970, Félix mobilizou um


conjunto de ações que visavam em última instância a consolidação do
Campo da Educação Física em Sergipe, haja vista que ele trouxe cursos
com professores qualificados para o Estado, gerenciou com astúcia o
Centro de Educação Física e Desportos na UFS de modo que os univer-
sitários praticassem as atividades físicas, além de ter se envolvido com a
extensão universitária através do FASC. Seus constantes tensionamen-
tos fizeram com que algumas instalações públicas esportivas precisas-
sem ser reestruturadas para se adequarem aos imperativos técnicos de
sua área de atuação. Tais aspectos permitem afirmar que a trajetória
168 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

profissional de Félix d’Ávila possui uma estreita relação com o Campo


da Educação Física em Sergipe. Seu poder simbólico ainda hoje apre-
senta resquícios que podem ser encontrados gravados nas memórias
dos menos jovens, nas instalações esportivas em Sergipe, nas aulas e
cursos ministrados, nos professores que ele contribuiu para formar,
em impressos, como também nas produções acadêmicas dos eventos
esportivos que ele realizou. Enfim suas “jogadas” viraram histórias.

Referências
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para 1927. Commercio, industria e profissões – Advogados.83º ano, 3º
volume. Edição c00083. Rio de Janeiro. Officinas Typographicas do Al-
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QUEREM obter em um mês o que os outros conseguem em três anos...


protestam os alunos da Escola Nacional de Educaçao Física - contra
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Autores

André Augusto Andrade


Mestre em Educação pela Universidade Tiradentes. Professor do curso de
Educação Física da Universidade Tiradentes – UNIT. Professor de educação
básica vinculado a Secretaria Municipal de Educação de Nossa Sra. do So-
corro-SE. Membro do Grupo de Pesquisa Sociedade, Educação, História e
Memória – GPSEHM.

Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas


Possui graduação em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências
e Letras “Imaculada Conceição” Santa Maria-RS (1989), Mestrado
(1995) e Doutorado (2003) em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas- UNICAMP, Pós-Doutorado realizado na Faculdade de Edu-
cação da Universidade de São Paulo (2010). Atualmente é professora
Adjunta IV do Departamento de Educação da Universidade Federal de
Sergipe(UFS); Professora do Núcleo de Pós-Graduação em Educação
da UFS. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educa-
ção Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: História
da Educação, cultura escolar, educação feminina, formação de profes-
sores, biografias docentes e instituições escolares.
Autores 173

Elaine Maria Santos


Elaine Maria Santos é Professora de Língua Inglesa da Universidade Federal de
Sergipe. Coordenadora Institucional do Programa Idiomas sem Fronteiras da
UFS. Possui Mestrado em Letras e é Doutoranda em Educação pela UFS.

Elaine Almeida Aires Melnikoff


Mestrado em Educação UFS, graduada em comunicação social, habilitação
Relações Púbicas UNIT (2000),graduada em História UFS (2015) pós- gradua-
da em Marketing Estratégico UNIFOA / RJ ( 2004), pós- graduada em Do-
cência do Ensino Superior FASE/ Estácio de Sá(2010). integrante do Grupo de
Pesquisa em História da Educação : intelectuais, instituições e práticas escola-
resUFS, desde 2010.Membro Grupo de Pesquisa em Inclusão Escolar da Pessoa
com Deficiência.( NUPIEPED /UFS),. Membro do Grupo de Estudos Políticas
Públicas, Gestão Socioeducacional e Formação de Professor (GPGFOP/ UNIT/
CNPQ). Membro integrante do Grupo de Estudo e Pesquisas sobre História do
Ensino Superior- (GREPHES), Universidade Federal de Sergipe.UFS.

Eva Maria Siqueira Alves


Tem Doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (2005). É professora Associada IV do Departamento de Educação e
do Programa de Pós-graduação em Educação. É a Coordenadora do Centro
de Educação e Memória do Atheneu Sergipense (CEMAS). Pesquisa e orienta
trabalhos na área de Educação com ênfase em História da Educação e Educa-
ção Matemática. Líder do Grupo de Pesquisa Disciplinas Escolares: História,
Ensino e Aprendizagem (DEHEA/UFS/CNPq).

José Paulo Andrade


Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe - UFS (2014);
Especialista em Gestão Estratégica de RH: Evolução e Tendências; Gradua-
ção em Administração com Habilitação em Comércio Exterior pela Facul-
174 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

dade de Sergipe (2005). Atualmente, Docente da Universidade Tiradentes


e da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe - FANESE. Leciona
as disciplinas: Teoria Geral da Administração, Administração Estratégica,
Qualidade em Serviços, Gestão da Qualidade e Produtividade, Logística no
Comércio Exterior e Gerenciamento de Transporte; Gestão e empreende-
dorismo; Gestão de Pessoas I e II; Mercadologia; Administração Logística e
Patrimonial; Estágio supervisionado I e II . Leciona em cursos de Pós-gra-
duação e em cursos modalidade à distância.

José Genivaldo Martires


Mestre em Educação (UFS) e professor da Universidade Federal de Sergipe.
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (2016). Professor
de História do Eensino Básico Técnico e Tecnológico da Universidade Federal
de Sergipe, lotado no Colégio de Aplicação. Membro do GRUPO DE ESTU-
DOS E PESQUISAS EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: Memórias, sujeitos, sabe-
res e práticas educativas (GEPHED).

Josefa Eliana Souza


Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(2006), Mestrado em Educação obtido na Universidade Federal de Sergipe
- UFS (1998), Bacharela em História pela Universidade Federal de Sergipe
(1984) e Graduada em História, também pela Universidade Federal de
Sergipe (1979). Professora adjunta do Departamento de Educação e do
corpo permanente do Programa de Pós-graduação da UFS. Membro do
Conselho Editorial e da Comissão Permanente de História do Instituto
Histórico e Geográfico de Sergipe. Atua no campo da História da Educação
e os seus interesses estão voltados para discussões que dizem respeito ao
ensino superior no Brasil (instituições, intelectuais, representações e
materiais impressos), tendo como foco principal - a Universidade Federal
de Sergipe(UFS). Lidera o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre História do
Ensino Superior GREPHES.
Autores 175

Joaquim Tavares da Conceição


Doutor em História (2012) peloPrograma de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal da Bahia, Mestre em Educação (2007) e Graduado em
História pela Universidade Federal de Sergipe (1993). Professor efetivo da
Universidade Federal de Sergipe da Carreira do Magistério do Ensino Básico
Técnico e Tecnológico, lotado no Colégio de Aplicação (CODAP-UFS) e pro-
fessor permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFS.
Líder do GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO:
Memórias, sujeitos, saberes e práticas educativas (GEPHED).

Luiz Eduardo Oliveira


Luiz Eduardo Oliveira é Professor Titular da UFS. Editor-Chefe da Revista
de Estudos de Cultura e autor de A Historiografia Brasileira da Literatura In-
glesa: uma história do ensino de inglês no Brasil (1809-1951), publicado em
2015 pela Editora Pontes, O Mito de Inglaterra: anglofilia e anglofobia em
Portugal (1386-1986), publicado em 2014 pela Editora Gradiva, de Portugal.

Patricia Aparecida Bioto-Cavalcanti


Pedagoga pela UNESP-Araraquara. Mestre em Fundamentos da Educação
pela UFS-Car. Doutora em Educação, História, Política, Sociedade pela
PUC-SP. Professora Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educa-
cionais da Universidade e do Curso de Pedagogia Universidade Nove de
Julho- SP. Líder Grupo de pesquisa Formação de Professores: contextos,
epistemologias e metodologias.

Raylane Andreza Dias Navarro Barreto


Doutora em educação pela Universidade Federal do Rio Grande Norte e pós-
-doutoramento pela Universidade de Lisboa. Professora do Programa de
Pós-Graduação em Educação Universidade Tiradentes-Unit. Líder do Grupo
de Pesquisa Sociedade, Educação, História e Memória – GPSEHM.
176 Educadores, Saberes & Práticas Educativas

Renata Duarte Simões


Professora do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universida-
de Federal do Espírito Santo, na área de ensino da Educação Física. Graduada
em Educação Física (Licenciatura Plena) pela Universidade Federal do Espírito
Santo (2001) e Pós-Graduada (Lato Sensu) em Treinamento Desportivo pela
Universidade Veiga de Almeida (2002). Possui mestrado em Educação: His-
tória, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -
PUC (2005) e, doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), na área de
História e Historiografia da Educação. Pós-doutora em História da Educação
e Historiografia pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
(USP), com a pesquisa em: educação física e treinamento paramilitar: mode-
los e prescrições de Francisco de AssisHollandaLoyola para a ação integralista
brasileira; Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Métodos e
Técnicas de Ensino, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação
Física, Dança, Gênero, Educação, Ação Integralista Brasileira e Periódicos.

Rosiley Aparecida Teixeira


Doutora em Educação, História, Política, Sociedade pela PUC-SP. Mestre em
educação e Pedagoga pela Universidade Federal do Mato Grosso. Professora
Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais da Universidade e
do Curso de Pedagogia Universidade Nove de Julho- SP. Líder Grupo de estu-
dos e pesquisa: Educação, cultura, sociedade estudos contemporâneos.

Suely Cristina Silva Souza


Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (2016 e
2011). Licenciada em Matemática (2008) e Ciências Naturais/EAD (2009) pela
Universidade Tiradentes. Tem experiência no ensino básico e superior, atuan-
do em diferentes instituições educacionais da rede pública estadual e federal,
como também na rede particular de ensino superior. Membro do Grupo de
Pesquisa Disciplinas Escolares: História, Ensino e Aprendizagem (DEHEA/
UFS/CNPq), da Sociedade Brasileira de História da Educação e do Instituto
Histórico e Geográfico de Sergipe.

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