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,jYl. (lÍO VOA A. 1)/

A sociedade ocidental tem-se mostrado preocupada com os resultados insatisfatórios


de longos e custosos processos de escolarização: nas sociedades industrializadas, a escola
conseguiu chegar aos lugares mais inacessíveis e às camadas sociais mais desfavoreci-
das. Não obstante, nem a preparação científico-técnica, nem_ªlQnnaçijp cultural ehumana,
nem sequer a desejada formação compensatória alcançaram o grau de satisfação prome-
tido.
Sem esquecer a influência decisiva de outros factores (escolarização, organização
social da escola, recursos materiais, configuração do currículo, etc.) ileterminantes da polí-
r. i
tica educativa da cada país, desde há alguns anos, e cada dia com maior intensidade, as
atenções estão viradas para o professor, enquanto profissional responsável pela natureza
e qualidade do quotidianc educativo na sala de aula e na escola. A formação destes pro-
fissionais é o eixo da actual controvérsia. Na maioria dos países ocidentais têm-se cons-
tituído comissões de alto nível, encarregadas de redigir relatórios-diagnóstico da situação
e de elaborar propostas de actuação e de reforma dos anacrónicos e insatisfatórios siste-
mas de formação dos professores (ver, por exemplo: Ho/mes Group Report, 1986; Carnigie
Report, 1986; RITE framework of CTE; Hofman & Edwards, 1986). Simultaneamente,
proliferam os seminários, congressos, conferências e publicações sobre esta controversa
".
e complexa temática.
A formação de professores não pode considerar-se um domínio autónomo de conhe-
cimentoe decisão. Pelo contrário, as orientações adoptadas ao longo da sua história encon-
tram-se profundamente determinadas pelos conceitos de escola, ensino e currículo pre-
valecentes em cada época. A partir da definição de cada um destes conceitos desenvolvem-se
Angel Pérez Gómez é professor da Universidade de Málaga (Espanha),
\ imagens e metáforas que pretendem definir a função do docente como profissional na
96/ ANGEL PÉREZ GÓMEZ
o PENSAMENTO PRÁTICO DO PROFESSOR /97

escola e na aula. São familiares as metáforas do professor como modelo de comporta- 2 - Um componente de ciência aplicada ou engenharia, do qual derivam os procedimen-
mento, como transmissor de conhecimentos, como técnico,como executor de rotinas, tos quotidianos de diagnóstico-e de solução de problemas.
como planificador, como sujeito que toma decisões ou resolve problemas, etc. 3 - Um componentede competências e atitudes, que se relacionacom a intervençãoe actuação if
ao serviçodo cliente,utilizandoo conhecimentobásicoe aplicadoque Ihes estásubjacente»,
Cada uma destas imagens ou metáforas tem subjacente: uma determinada concepção
da escola e do ensino; uma teoria do conhecimento e da sua transmitsão e aprendizagem;
É fácil compreender que o conhecimento técnico depende das especificações geradas
uma concepção própria das relações entre a teoria e a prática, entre a investigação e a
pelas ciências aplicadas, as quais se apoiam logicamente nos princípios fundamentais e
acção. Gostaria de me deter em duas concepções básicas, duas formas bem distintas de
gerais desenvolvidos pelas ciências básicas. Convém ter presente que os diferentes níveis
abordar os problemas que coloca a intervenção educativa e, em particular, a actividade
hierárquicos dos tipos de conhecimento supõem, na realidade, diferentes estatutos acadé-
do docente como profissional de ensino: o.,professor como técnico-especialista que aplica
micos e sociais das pessoas que os produzem. Na prática, assiste-se a uma autêntica divi-
~gor as regras qlle derivam do conhecimento científico e o professor como P~
são do trabalho e a um funcionamento relativamente autónomo dos profissionais em cada
_autónom~ como artista que reflecte, que toma decisões e que cria durante a sua própria
um dos diferentes níveis. A racional idade técnica impõe, pela própria natureza da produ-
acção (Zeichner, 1983; Pérez Gómez, 1990).
ção do conhecimento, uma relação de subordinação dos níveis mais aplicados e próximos
da prática aos níveis mais abstractos de produção do conhecimento, ao mesmo tempo que
as condições para o isolamento dos profissionais e para a sua confrontação corporativa.
No modelo de racionalidade dá-se, inevitavelmente, a separação pessoal e institucio-
o PROFESSOR COMO TÉCNICO
nal entre a investigação e a prática. Os investigadores proporcionam o conhecimento
básico e aplicado de que derivam as técnicas de diagnóstico e de resolução de problemas
1 A metáfora do professor como técnico mergulha as suas raízes na concepção tecno-

~,;!
na prática, a partir da qual se colocam aos teóricos e aos investigadores os problemas

I
lógica da actividade profissional (prática), que pretende ser eficaz e rigorosa, no quadro
relevantes de cada situação.
". da racionalidade técnica (Schõn, 1983). Trata-se de uma concepção epistemológica d~
Por outro lado, segundo Habermas (1971, 1979), a racionalidade tecnológica reduz a
. prática, herdada do positivismo, que prevaleceu ao longo de todo o século xx, servindo
actividade prática à análise dos meios apropriados para atingir determinados fins, esquecendo
de referência para a educação e socialização dos profissionais
em particular.
em geral e dos docentes
JiJ o carácter moral e político da definição dos fins .em q.ualquer ~~o profissional qu~ pre~ende
J/ ~'( resolver problemas humanos. A redução da racionalidade prattca a uma mera racionalidade
Segundo o modelo da racionalidade técnica, a actividade do profissional é sobretudo
instrumental, dirigida para a solução de problemas mediante a aplicação rigorosa de teo-
J Y instrumental, obriga o profissional a aceitar a definição externa das metas da sua intervenção.
I\.\ A partir desta definição da racionalidade da prática é fácil estabelecer, do ponto de
rias e técnicas científicas. Para serem eficazes, os profissionais da área das ciências sociais
vista teórico, os papéis e as competências do profissional, bem como a natureza, os con-
devem enfrentar os problemas concretos que encontram na prática, aplicando princípios
teúdos e a estrutura do. programas de formação. Schein descreve os programas de for-
gerais e conhecimentos científicos derivados da investigação.
mação de profissionais que seguem a lógica da racionalidade técnica:
Nesta perspectiva, é necessário reconhecer uma hierarquia nos níveis de conhecimento,
bem como um processo lógico de derivação entre os mesmos. Edgar Schein (1980) dis- «Geralmente, o currículo profissional baseia-se num corpo central de ciência comum e
tingue três componentes no conhecimento profissional: básica, seguido dos elementos que compõem as ciências aplicadas. Os componentes das.
competências e atitudes profissionais, que se costumam designar por practicum ou tra-
«I - Um componente de ciência básica ou disciplina subjacente, que serve de suporte à prá- balho clínico, podem ser trabalhados em simultâneo ou posteriormente aos componentes
tica e à sua realização. das ciências aplicadas» (Schein, 1973).
98 I ANGEL PÉREZ GÓMEZ o PENSAMENTO PRÁTICO DO PROFESSOR f 99

Schõn (1983) corrobora esta posição ao considerar que, dentro da racional idade tec- LIMITES DA RACIONALIDADE TÉCNICA
nológica, o desenvolvimen~o de c?mp:.t~~!a~rofissi()f!~_deve colocar-se após o conhe-
'~imento científico básico e aplicado, porque: «Em primeiro lugar~ não se pod;~- ~p~en-' Não é dificil reconhecer o progresso que a racional idade técnica representa relativa-
der competências e capacidades de aplicação enquanto não se tiver aprendido o conhecimento mente ao empirismo voluntarista e ao obscurantismo teórico das teses vulgarmente deno-
aplicável e, em segundo lugar, as competências são um tipo de conhecilnento ambíguo e minadas «tradicionalistas» (Kirk, 1986): a formação de professores é entendida funda-
de menor relevo». mentalmente como um processo de socialização e indução profissional na pratica quotidiana
A maior parte da investigação educacional, nomeadamente nos últimos trinta anos, da escola, não se recorrendo ao apoio conceptual e teórico da investigação científica, o
desenvolveu-se a partir desta concepção epistemológica da prática entendida como racio- que conduz facilmente à reprodução dos vícios, preconceitos, mitos e obstáculos episte-
I'" nalidade técnica ou instrumental. A concepção do ensino como intervenção tecnológica, mológicos acumulados na prática empírica.
a investigação baseada no paradigma processo-produto, a concepção do professor como A perspectiva racionalista pressupõe uma crítica ao modelo ernpirico, defendendo
técnico e a formação de p.mfr.sSOIeS..pOLcomp.e.tênciassão i.!ldjcadore§j!!Q<luentes da amWk. a aplicação do conhecimento e do método científico à análise da prática e à constru-
tude te~poral e es~!=iililQl!1Q.d~de racionalidade técnica._ ção de regras que regulem a intervenção do professor. As posições mais avançadas e
Procuraram-se os fundamentos científicos da intervenção técnica do professor em sofisticadas da corrente «racionalista-técnica» têm em consideração a problemática
áreas mais básicas do conhecimento, especialmente na psicologia. O exemplo mais para- peculiar da actividade prática no âmbito das ciências sociais e, em particular, no
digmático desta situação é o aparecimento, nos anos 50, de uma tecnologia educativa âmbito do ensino. Gage (1978, 1986) sugere que as actividades práticas, como o
apoiada na psicologia do comportamento (Yinger, 1986), que desenvolveu a imagem do ensino, têm uma dimensão científica e uma dimensão artística. O ensino, tal como a
professor como um técnico especializado que aplica as regras que derivam do conheci- medicina ou a engenharia, pode elaborar a sua fundamentação científica, apoiando-
meato científico, sistemático e normalizado. -se no conhecimento produzido pela investigação, tarefa que Gage considera priori-
Ao longo das últimas décadas, a formação de professores tem estado impregnada desta tária.
concepção linear e simplista dos processos de ensino, abrangendo normalmente dois gran- Todavia, é preciso sublinhar a necessidade de: em primeiro lugar, determinar qual das
.. des componentes: diferentes aproximações teóricas é a mais adequada à produção de uma ciência do ensino;
em segundo lugar, deixar bem claro que a analogia do ensino com a medicina e com a
/ - um componente científico-cultural, que ,J?retende assegurar o conhecimento do con-
teúdo a ensinar; engenharia é bastante frágil, na medida em que a riqueza dos processos de ensino e apren-
dizagem reside na interacção mental e social e na singularidade subjectiva que a carac-
- um componente psicopedagógico, que permite aprender corno actuar eficazmente
na sala de aula. teriza; em terceiro lugar, considerar o componente artístico que está presente no quotidi-
ano educativo e que é subvalorizado pela racional idade técnica; em quarto lugar, lembrar
No componente psicopedagógico é preciso distinguir duas fases principais: na primeira, que as derivações normativas da racional idade técnica tipificaram uma proposta rígida
adquire-se o conhecimento dos princípios, leis e teorias que explicam os processos de 11\ para a formação de professores, centrada no desenvolvimento de competências e capaci- J
ensino-aprendizagem e oferecem normas e regras para a sua aplicação racional; na segunda, \ dades técnicas.
i tem lugar a aplicação na prática real ()u simulada de tais normas e regras, de modo a que
,
,
.
De qualquer modo, os limites e lacunas da racional idade técnica são mais profundos
Lo docente adquira as competências e capacidades requeridas para uma intervenção eficaz. e significativos. A realidade social não se deixa encaixar em esquemas preestabelecidos
Com uma ou outra adaptação, a maioria dos programas de formação de professores . do tipo taxonómico o~ processual. A tecnologia educativa não pode continuar a lutar con-
integram-se dentro deste esquema, na medida em que se baseiam no modelo de raciona- ~ tra as características, cada vez mais evidentes, dos fenómenos práticos: complexidade,
lidade técnica ou instrumental. incerteza, instabilidade, singularidade e conflito de valores.
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/ .J J~
100/ ANGEL PÉREZ G6MEZ o PENSAMENTO PRÁTICO DO PROFESSOR I 101

Os problemas da prática social não podem ser reduzidos a problemas meramente ins-
«As zonas indetenninadas da prática - incerteza, singularidadee conflito de valores - esca-
trumentais, em que a tarefa profissional se resume a uma acertada escolha e aplicação de pam aos cânones da racionalidade técnica. Quando uma situação problemática é incerta,
meios e de procedimentos. De um modo geral, na prática não existem problemas, mas a solução técnica do problema depende da construção prévia de um modelo bem defi-
sim situações problemáticas, que se apresentam frequentemente como casoi únicos que nido - o que em si mesmo não é uma tarefa técnica. Quando um prático reconhece uma
não se enquadram nas categorias genéricas identificadas pela técnica e pela1teoria exis- situação como única, não pode tratá-Ia apenas através da aplicação de teorias e técnicas
tentes. Por essa razão, o profissional prático não pode tratar estas situações como se fos- derivadas do seu conhecimento profissional, E, em situações de conflito de valores, não
sem meros problemas instrumentais, susceptíveis de resolução através da aplicação de há metas claras e consistentes que guiem a selecção técnica dos meios, ,':-- (

regras armazenadas no seu próprio conhecimento científico-técnico. I / Contudo, são precisamente estas zonas indetenninadas da prática aquelas que os profissio-
~ . De acordo co~ ~ distinç~~ de ~abermas entre racionalidade prática e racional idade i "'. f .'.] nais práticos e os observadores críticos têm vindo a considerar, ao longo das últimas duas
I mstrumen,tal,a actlVlda~e pratica, so se pode apresentar corno um pro~le~a instrumental . I r ~ ~y
décadas e de uma forma cada vez mais clara, como centrais para a sua prática profissio-
quand~ há ~cordo relativamente as metas;. m~s, quando as metas a atingir não são con- . ~\. '/V nab (Schõn, 1987, pp. 6-7).

ra~~onahdade ~ec~lca ou m~~ru~ental:. «Os conflitos de objectivos não se podem resolver j 'x
Por detrás dos problemas acima enumerados está latente urna questão de carácter epis-
utilizando as tecmcas das crencias aplicadas» (Schõn, 1983, p. 41). A definição de metas J temológico. Na tradição positivista, a primazia do contexto de justificação sobre o con-
e de objectivos é um problema ético-político, nunca meramente técnico. _ r( texto de descoberta forçou a investigação e a intervenção prática a ajustarem-se aos padrões
Há duas razões fundamentais que impedem a racional idade técnica ou instrumental i
que validam a priori o conhecimento científico ou as suas aplicações tecnológicas. No
de representar, por si só, uma solução geral para os problemas educativos: em primeiro 1
campo das ciências em geral, e da educação em particular, esta estratégia conduz à leitura
lugar, porque qualquer situação de ensino, quer seja no âmbito da «estrutura das tarefas deformada da realidade. A prática profissional dificilmente poderá resolver os problemas
acaldémicals» ou no âmbito da «estrutura de participação social», é incerta, única, variá- .' ;" que se colocam numa situação concreta, uma vez que os seus esquemas de análise e as
ve , comp exa e portadora de um conflito de valores na definição das metas e na selec- y suas técnicas de intervenção asfixiam as manifestações mais peculiares e genuínas da com-
ção dos meios (Doyle, 1980: Pérez, 1983; Erikson, 1982); em segundo lugar, porque não W plexa situação social que se enfrenta . .Q.. dilema epistemol%jco mantém-se: é a n'!.ture~_
existe urna teoria científica única e objectiva, que permita urna identificação unívoca de J1 da realidade que determina as características dos er~mentosl técnicas e .m~todos mais 8

j' ri apropriados ou 20 os critérios de ~~E<l.20


do c,2.nhecHn,9lto..cieqtíf~<l..9uedevem R!~

\
meios, regras e técnicas a utilizar na prática, umâ'vez identificado o problema e c1arifi-
f! - valecer? Podemos considerar que os problemas sociais e as realidades físicas têm nature-
cadas as metas.
-zas análogas e, portanto, podem ser abordados através dos mesmos métodos e técnicas?
As premissas anteriores não significam que se deva abandonar, de forma genera- 'I .;
f A abordagem unívoca e positivista da ciência tem urna utilidade muito limitada para

f
I~zada, ~ utiliza~ã~ da racionalidade técnica em qualquer situação da prática educa-
ttva. EXistem múltiplas tarefas concretas em que a melhor e, por vezes, a única forma ~ a prática social e para a acção do profissional que é chamado a enfrentar problemas de
, 1. e in~erv~n~ão efica~ consiste na aplicação das teorias e técnicas resultantes da inves- grande complexidade e incerteza. E, corno diz Schõn (1983), não podemos continuar a
;'tJg~ç~O básica e aphcada. O que não p.o~emos é considerar a actividade profissio~ dar voltas à nora de um poço sem água:
!~ratlca) do professor, corno uma actlVldade exclusiva e prioritariámente técnica.
«Se o modelo da racionalidade técnica é incompleto, uma vez que ignora as competên- I
'li.mais corr~cto encará-Ia corno urna actividade reflexiva e artística. na qual cabem :/(
cias práticas requeridas em situações divergentes, tanto pior para ele. Procuremos, em
{ algumas aplicações c~ncretas de caLáct~r técnico. Geralmente, os problemas que se
troca, uma nova epistemologia da prática, implícita nos processos intuitivos e artísticos
I apresentam bem definidos e com metas consensuais são os menos relevantes da prá-
que alguns profissionais, de facto, levam a cabo em situações de incerteza, instabilidade,
tica educativa.
singularidade e conflito de valores».
o PENSAMENTO PP..ÁTICO DO PROFESSOR / 10)
102/ ANGEL PÉREZ GÓMEZ

ção e prever o curso futuro dos acontecimentos. Ainda que possam ser explicitados e
A RACIONALIDADE PRÁTICA: REFLEXÃO-NA-ACÇÃO consciencializados mediante um exercício de meta-análise, a maioria dos recursos inte-
lectuais que se activam na acçãosão de carácter tácito e implícito (Zeichner, 1987;
A c~ticageneralizada à racional idade técnica co.nduziu à emergên ia de metáforas Clandinin & Connely, 11)86).
alternativas sobre o papel do professor como profissional, O professor como investiga-
1 Antes de analisar as implicações na formação de professores desta nova concepção
dor na sala de aula (Stenhouse, 1975), o ensino como arte (Eisner, 1980), o ensino como da prática profissional, parece-me conveniente citar Kcmmis acerca da natureza do pro-
uma arte moral (Tom, 1986), o professor como profissional clínico (Clark, 1983; Griffin, cesso de reflexão.
1985), o ensino como um processo de planeamento e tomada de decisões (Clark &
""J\ I « I. A reflexão não é determinada biológica ou psicologicamente, nem é pensamento puro,
Peterson, 1986), o ensino como um processo interactivo (Holmes Group Report, 1987),
;: '! antes expressa uma orientação para a acção e refere-se às relações entre o pensamento e
o professor como prático reflexivo (Schõn, 1983, 1987), etc. Apesar das diferenças, estas
imagens têm e~ comum o desejo de superar a relação linear e mecânica entre o conhe-
'......I acção nas situações históricas em que nos encontramos. ., .
,'J ! 2. A reflexão não é uma forma individualista de trabalho mental, quer seja mecanica ou
cimento científico-técnico e a prática na sala de aula. Dito de outro modo: parte-se da
análise das práticas dos professores quando enfrentam problemas complexos da vida esco-
i' I especulativa, antes pressupõe e prefigura relações sociais. ./
r
.f
1\3. A reflexão não é nem independente dos valores, nem neutral, antes expressa e serve
lar, para a compreensão do modo como utilizam o conhecimento científico, como resol- interesses humanos, políticos, culturais e sociais particulares.
\~
vem situações incertas e desconhecidas, como elaboram e modificam rotinas, como expe-
rimentam hipóteses de trabalho, como utilizam técnicas e instrumentos conhecidos e como
~
I 4. A reflexão não é indiferente nem passiva perante a ordem social, nem propaga mera-
mente valores sociais consensuais, antes reproduz ou transforma activamente as práticas
recriam estratégias e inventam procedimentos e recursos. I ideológicas que estão na base da ordem social. " ..
Na realidade, o professor intervém num meio ecológico complexo, num cenário psi- i 5. A reflexão não é um processo mecânico, nem simplesmente um exercicto criatrvo de
cossocial vivo e mutável e 1m a m eracçao slmultâriea de múltiplos factores e con- construção de novas ideias, antes é uma prática que exprime o nosso poder para recons-
._dições. Nesse ecossistema o professor enfrenta problemas de natureza .m:lorita!Í~ truir a vida social, ao participar na comunicação, na tomada de decisões e na acção social»
prática, que, quer se refiram a situações individuais de aprendizagem ou a formas de com-
._ portamento d~ grupos, reqUerem um tratame~o singular, na medida em que se encontram
v
I
'
(1985, pp. 148-149) .

É importante frisar que a reflexão não é apenas um processo psicológico individual,


fortemente determinados pelas características situacionais do contexto e pela própria his-
11 passível de ser estudado a partir de esquemas formais, independentes do conteúdo, do
~ória da turma enquanto grupo social _'
O êxito do profissional depende da sua capacidade para manejar a complexidade e j'V" contexto e das interacções. A reflexão implica a imersã~ consciente ~o ho~em: no ~,und,o
da sua experiência, um mundo carregado de conotaçoes, valores, intercâmbios simbó-
I
resolver problemas práticos, através da integração inteligente e criativa do conhecimento Y':. r
. e da técnica (Yinger, 1986). Esta capacidade, também denominada conhecimento prático, "( c".J licos, correspondências afectivas, interesses sociais e cenários políticos. O conhecimento
é analisada em profundidade por Schõn (1983, 1987) como um processo de reflexão-na-j académico, teórico, científico ou técnico, só pode ser considerado instrumento dos pro-
-acção ou como um diálogo reflexivo com a situação problemática concreta. cessos de reflexão se for integrado significativamente, não em parcelas isoladas da
A vida quotidiana de qualquer profissional prático depende do conhecimento tácito ftt'
memória semântica, mas em esquemas de pensamento mais genéricos activados pelo
que mobiliza e elabora durante a sua própria acção. Sob a pressão de múltiplas.e.simul->. ~.
• indivíduo quando interpreta a realidade concreta em que vive e quando organiza a sua
tâneas solicitaçocs da vida escolar, c.professcc act;ya os seus reCU[Sos intelectuais no ~r~ própria experiência. ~?~~hecimen:? «~~ sim ~m c,onh~~i-
mais amplo sentido dá-pal~vra (conceitos, teorias, crenças, dados, procedímentos, ~éc~: '\ Ir" mento contaminado pelas:contingências q~e rode!~~P!~gn~~ ~Pl4p.f\~.e~p~uçJ)-
~_~~~~.~~~~_",",",~...,.....~"Ol- ~
cas), para elaborar um~g-nóst~q~<!9 da si~ão, desenhar estraiég~-d;i;te;;;--- . cia vital.
__ ....-----
~. ........-~-~----
.. . ._.--
.....-. -~.~ -
.~.--.-.- .•.. -----_ .•. .""""~----
106 I ANGEL PÉREZ GÓMEZ
o PENSAMENTO PRÁTICO DO PROFESSOR I 107

teso Fica incapacitado de entabular o diálogo criativo com a complexa situação real. A FORMAÇÃO DO PROFESSOR COMO PROFISSIONAL REFLEXIVO
Empobrece-se o seu pensamento e a sua intervenção toma-se rígida. Progressivamente,
toma-se insensível às peculiaridades dos fenómenos que não se encaixam nas catego- A nova epistemologia da prática conduz necessariamente a uma reconsideração radi-
rias do seu empobrecido pensamento prático e cometerá erros que nem sequer conse- cal da função do professor como profissional e, em consequência, a uma mudança pro-
guirá detectar. ) i, ?- . \
funda tanto da conceptualização teórica da sua formação como do processo do seu desrr;e-
:;,.rf1~'
&-

}
A reflexão-na-acção também não pode ser considerada um processo autónomo ou . / \ volvimento prático,
auto-suficiente. A pressão omnipresente das situações vitais da prática condiciona o marco ,,-À;( /. V
de retlexão e a agilidade e honestidade dos próprios instrumentos intelectuais de análise. <i, 'y "l~::.f'
om a distância e serenidade proporcionadas pelo pensamento a posteriori, o profissi~- ./("tr' 1'\ !

1
O modelo técnico de formação de professores
,f nal poderá reflectir sobre as normas, credos e apreciações tácitas subjacentes aos pro\ v //
~ cessos de valoração, sobre as estratégias e teorias implícitas que determinam uma forma '-- "
Com diferenças e cambiantes, a grande maioria das instituições de formação de pro- \
concreta de coinportamento, sobre os sentimentos provocados por uma situação, sobre a
(I fessores tem-se apoiado no modelo de racionalidade técnic que estabelece uma clara (t

í
maneira como se define e estabelece o problema e sobre o papel que o profissional tem ierarquia entre o conhecimento científico básico e aplicado e as derivações técnicas da
dentro do contexto institucional em que actua.
0>m base nestas premissas é possível compreender melhor o significado das imagens i~
t,n
'"
prática profissional, baseando-se em três pressupostos largamente postos em causa no
decurso dos últimos a~~~ __ -e-r- ,;-_ .._.__ . ,. ",,_, _~ (
e metáforas que procuram representar os processos de ensino-aprendizagem e o papel do ';{ ~( :~ -Em-prim-elfõ1üjfar, a conVIcção, mmto ddjmdlda de qllc a m';estJgaçã~JL,.J\ r:

professor no cenário educativo. Quando o professor retlecte na e sobre a acção converte-se ./ I C c~ntribui para o de~envolvimento de conhecimentos pmfissionais...úisJ;ootudo, é cada <J
num investigador na sala de aula: afastado da racionalídade instrumental, o professor não t 1. I vez mais evidente o progressivo afastamento entre a investigação acadêmica e a prática
depende das técnicas, regras e receitas derivadas de uma teoria externa, nem das pres- '
crições curriculares impostas do exterior pela administração ou pelo esquema preestabe-
lecido no manual escolar. Ao conhecer a estrutura da disciplina em que trabalha e ao
0'' -1 ,

~1
, )J. ;-
quotidiana (Tom, 1985), As ciências consideradas básicas para a prática profissional
docente produzem normalmente um fOnhecunento molecu§): sofisticado, ~ vez maIs
fraccionadõ;]lcapaz de regular ou orientar a prática docente e de descrever ou explicar
o-
I
retlectir sobre o ecossistema peculiar da sala de aula, o professor não se limita a delibe- ( . a riqueza e complexidade dos fenómenos educativos. O mundo da investigação e o mund~
rar sobre os meios, separando-os da definiçãO do problema e das metas deseiáveis antes I da prática parecem formar círculos independentes, que rodam sobre si mesmos sem se "
constrói uma teoria adequada à singular situação do seu cenário e elabora u~a est:atégia ~nconlntrem. Martin Rein e Sheldon Whlte 1980) observaram recentemente que a inves-
de acção adequada. As bases do autodesenvolvimento profissional dos professores radi- /'V tigação não só se distanciou da prática profissional como se tem deixado absorver pela
cam nesta dinâmica r~~exiv~ / r ~l sua própria lógica, diferente das necessidades e interesses da prática profissional. ~ ~
o pensamento pratico do professor e de importância vital para compreender os pro- / / / ~sjgnifica 9.':!.~..!I investi,gação básica....especia\.izad~a-llecessária e imprescindivel,--
cessos de ~ensino-aprendizagem, para desencadear uma mudança radical dos programas ,-' I~ ./
mas é precis<?~~~~<!!y~~lel@lente outrospt:Q~d~stigaçã~ntrad()s n3L...-
de formaçao de professores e para promover a qualidade do ensino na escola numa pers- W V ;igê~~i~;,.e,ptoblemas-das.situações-Qer:ivadas.Ja.prá,IUJjc...,a,--_
pectiva inovadora. Ter em consideração as características do pensamento prático do pro-I r/ Em segundo lugar, assume-se com uma certa frivolidade ue o conh ' rº=--(
fessor obriga-nes a repensar, não só a natureza do conhecimento académico mobilizado fisslOna ensmado nas instituições de formação de professores erepara o aluno-mestre ,
na escola e dos princípios e métodos de investigação na e sobre a acção, mas também o - para os problemas e exigências do mund!uealda sala ~~a. Mas é preciso reconhe-
pap~ do professor como profissional e os princípios, conteúdos e métodos da sua for!:?, cer que o conhecimento teórico profissional só pode orientar de forma muito limitada
maçao.
os espaços singulares e divergentes da prática, na medida em que, por um lado, a dis-
10R / ANGEL P(,REZ (iÓMEZ
o PENSAMENTO PRÁTICO DO PROfESSOR / IO<J

tância entre a investigação e o mundo da prática é muito grande e, por outro lado, o Seguindo o raciocínio de Schõn (1987), no modelo da racional idade técnica podem \
. conhecimento científico básico e aplicado só pode sugerir regras de actuação para distinguir-se dois tipos de situações práticas e dois tipos de conhecimento apropriado para, I
ambientes protótipos e para aspectos comuns e convergentes da vida escolar. Estas con- actuar eficazmente. O primeiro tipo é constituído pelas situações familiares em que o pro-
si~er~ç~es são amplamente confirmadas pela frustraç~o ~ desconcerto dqiprofes~;-r;;- fissional pode resolver os problemas mediante a aplicação rotineira dos princípios. regras.
principiantes que enfrentam os problemas educativos com uma b~enf de conheci- procedimentos e técnicas do conhecimento profissional. Estas situações em que o com-
men.tos, estratégias e técnicas que Ihes parecem inúteis nos primeiros dias da sua acti- ponente prático do currículo de formação se limita a proporcionar a ocasião para reco-
v~~d~ profissional. --- - .---------- -

!~
terceiro lugar, a ligação hierárquica e linear,_que se estabelece entre o conheci-
me~t~ científico e as suas aplicações técnicas, tende a criar o convencimento de que há,
rv nhecer os problemas e seleccionar os meios adequados à sua resolução podem conside-
rar-se um treino de rotina que o profissional experiente leva a cabo automaticamente.
\J O segundo tipo é constituído por situações que não são familiares, nas quais o pro-
. também, uma relação linear entre as tarefas de ensino e os processos de aprendizagem, blema não está claramente definido e as características da situação não se ajustam per-
Independentemente da sua maior ou menor vinculação aos problemas da prática, assume- feitamente às teorias e técnicas disponíveis. Neste caso, a prática é a ocasião apropriada
-:e que um hipotét.ico valor autónomo d~~0!lhecimento científico -~ásico_~-.~plic;dojus- para aplicar procedimentos de pesquisa aprendidos na teoria e orientados pelas regras e \
tJ~ca. a sua transmissão aos alunos. A realidade concreta põe em causa este pressuposto, fases do método científico: generalização, elaboração da hipótese, derivação lógica de
pOIS a compreensão dos princípios das ciências básicas da educação requer uma referên- proposições e definição operativa de variáveis, recolha de dados, verificação da hipótese, \
\
cia às situações complexas e holísticas em que se produzem os comportamentos indivi-
duais ou colectivos. Por isso, o conhecimento científico que se transmite nas instituições
de formação converte-se definitivamente num conhecimento académico, que se aloja, não
inferência. Estes procedimentos permitem relacionar a situação desconhecida e o conhe-
cimento pro.fissional a~~uirido a.nterio~en.te. Ne.ste ca~o, ~prática conv~rte-se num pro-
cesso de tremo para ulthzar o metodo Clenltfico (mveshgaçao) na resol.!!Ç.aO..de.JJoyos.ptO=._
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na memória semântica, significativa e produtiva do aluno-mestre, mas apenas nos satéli-4- blemas e no alargamento do conh.e.c.i!!1entoprofissional
tes ~~ episódica, isolada e residual. . Esta forma mais sofisticada de desenvolvimento da prática também é compatível (e
Ainda que o~~~~h-~-;;nto ach;al das ciências sociais revele profundas lacunas derivável) do modelo de racional idade técnica, embora se encontre num número reduzido
entre o conhecimento das ciências básicas e o das ciências aplicadas ou das suas deriva- de programas de formação de professores. Nos currículos de formação de professores
ções tecnológicas, que se reflectem claramente nos programas de formação de professo- ~ ~-/ decorrentes da nova epistemologia da prática, entendida como um processo artístico de
res, o fracasso mais significativo e generalizado ·destes programas reside no abismo que
separa a teoria e a prática. A prática, definida como a aplicação no contexto escolar dâs
normas, e técni~as derivadas ~o conhecimento científico, é considerada o cenário ade-
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reflexão e ensaio, surgem situações práticas que requerem urna concepção diferente da
relação teoria-prática, conhecimento-acção. Isto não significa, contudo, que se rejeitem
as duas formas anteriores de adquirir o conhecimento prático, sublinhando apenas que a
qu~do a fo.rmaçao e de_sen.yo. I~ento das ~om .etências ca acidades e atitudes profissio- )/0i'" ( sua validade é limitada a um determinado tipo de problemas que não abrangem a totali-
~Segum~o a sequencra lógica da racionalidade técnica, a prática deve situar-se no x, . -s" dade da prática.
final do currículo de formação; quando os alunos-mestres já dispõem do conhecimento . \-: ~ "f., O fracasso das instituições de formação de professores, amplamente reconhecido em
científico e d~s suas derivaçõ.es. ~ormativas. Na medida em que se concebe o conheci- ~ ~ ~ Espanha, não é fruto de incompetências pessoais, mas sim do modelo de racional idade
mento. profissional como um conjunto. de factos, princípios, regras e procedimentos que 'll ( _ .r.k/ç- técnica subjacente à sua concepção da prática e da formação de profissionais. Com a crise
se aphcam directamente a problemas mstrumentais, é lógico que a prática seja conside-
rada como um processo de preparação técnica, que permita compreender o funcionamento
das re~ras ~ da~ t.écnicas no mundo real da sala de aula e desenvolver as competências
J C/ do modelo de racionalidade instrumental e o abandono generalizado da concepção do
ensino como um processo técnico de intervenção. as atenções voltam-se para uma con-
cepção mais artística da profissão docente e para modelos de formação que preparem os
profiSSIOnaiS eXigidas pela sua aplicação eficaz. professores para o exercício desta arte nas situações divergentes da prática.
110/ ANGEL PÉREZ GÓMEZ o PENSAMENTO PRÁTICO DO PROFESSOR / I I I

o modelo reflexivo e artístico de formação de professores flito; por outro lado, deve proteger o aluno-mestre das pressões e riscos da aula real, que
excedem a sua capacidade de assimilação e reacção racional. Em resumo, deve ser um
Na vida profissional, o professor defronta-se com múltiplas situações para as quais espaço real onde o aluno-mestre observa, analisa, actua e reflecte sem a inteira respon-
não encontra respostas pré-elaboradas e que não são susceptíveis de ser analisadas pelo sabilidade do prático sobre os efeitos geralmente irreversíveis das suas acções.
processo clássico de investigação científica. Na prática profissional, o pr&esso de diá- A prática como eixo do currículo da formação do professor deve permitir e provo-
logo com a situação deixa transparecer aspectos ocultos da realidade divergente e cria cal o desenvolvimento das capacidades e competências implícitas no conhecimento-na-
novos marcos de referência, novas formas e perspectivas de perceber e de reagir. A criação -acção, próprio desta actividade profissional; das capacidades, conhecimentos e atitudes
e construção de uma nova realidade obrigam a ir para além das regras, factos, teorias e em que assenta tanto a rejlexõo-na-acçõo, que analisa o conhecimento-na-acção, como a
procedimentos conhecidos e disponíveis: «Na base desta perspectiva, que confirma o pro- reflexão sobre a acção e sobre a reflexão-na-acçõo. Todas estas capacidades, conheci-
cesso de reflexão na acção do profissional, encontra-se uma concepção construtivista da mentos e atitudes não dependem da assimilação do conhecimento académico, mas sim da
realidade com que ele se defronta» (Schõn, 1987, p. 36). mobilização de um outro tipo de conhecimento produzido em diálogo com a situação real.
Não há realidades objectivas passíveis de serem conhecidas; as realidades criam-se e Vários autores convergem em concepções semelhantes do processo prático de for-
constroem-se no intercâmbio psicossocial da sala de aula. As percepções, apreciações, mação de professores, que denominam clínica (Clark, 1986; Jackson, 1986) ou prática
juízos e credos do professor são um factor decisivo na orientação desse processo de pro- reflexiva (Zeichner, 1986) ou aprendizagem baseada na reflexão prática (Boud, Keogh &
dução de significados, que constituem o factor mais importante do processo de constru- Walker, 1985). Supõem diferentes aproximações,com matizes peculiares, dentro de um
ção da realidade educativa. mesmo campo conceptual convergente, como assinalaremos de seguida:
Nesta perspectiva, assume-se definitivamente que nas situações decorrentes da prá-
tica não existe um conhecimento profissional para cada caso-problema, que teria uma 1. A prática deve ser entendida como o eixo central do currículo da formação de pro-
única solução correcta. O profissional competente actua reflectindo na acção, criando uma fessores. Contrariamente às teorias derivadas da racionalidade técnica, que situam a prá-
nova realidade, experimentando, corrigindo e inventando através do diálogo que estabe- tica no final do currículo de modo a possibilitar uma aplicação dos conhecimentos adqui-
lece com essa mesma realidade. Por isso, o conhecimento que o novo professor deve ridos, a perspectiva artística considera prática como o núcleo à volta do qual gira todo
adquirir vai mais longe do que as regras, factos, procedimentos e teorias estabeleci das o currículo académico (Eisner, 1985).
pela investigação científica. No processo de reflexão-na-acção o aluno-mestre não pode 2. Nega-se a separação artificial entre a teoria e a prática no âmbito profissional. Em
limitar-se a aplicar as t.x:nicas aprendidas ou os métodos dê investigação consagrados, primeiro lugar, só a partir dos problemas concretos é que o conhecimento académico teó-
devendo também aprender a construir e a comparar novas estratégias de acção, novas fór- rico pode tornar-se útil e significativo para o aluno-mestre. Em segundo lugar, o conhe-
mulas de pesquisa, novas teorias e categorias de compreensão, novos modos de enfren- cimento que se mobiliza para enfrentar as situações divergentes da prática é do tipo
tar e definir os problemas. Em conclusão, o profissional reflexivo constrói de forma idiossincrático, construído lentamente pelo profissional no seu trabalho diário e na sua
idiossincrática o seu próprio conhecimento profissional, o qual incorpora e transcende o reflexão na e sobre a acção. O conhecimento das ciências básicas tem um indubitável
conhecimento emergente da racionalidade técnica. valor instrumental, desde que se integre no pensamento prático do professor.
No modelo de formação de professores como artistas reflexivos, a prática adquire o 3. A prática deve mesmo constituir-se como o ponto de partida do currículo de for-
papel central de todo o currículo, assumindo-se como o lugar de aprendizagem e de cons- mação. Yinger (1986) afirma que o processo de formação dos professores deve começar
trução do pensamento prático do professor. A prática encontra-se sempre num equilíbrio pelo estudo e análise do acto de ensinar. Nos programas de formação o conhecimento
dificil e instável entre a realidade e a simulação: por um lado, deve representar a reali- deve reportar-se à prática e ao conjunto de problemas e interrogações que surgem no diá-
dade da aula, com as suas características de incerteza, singularidade, complexidade e con- logo com as situações conflituosas do quotidiano educativo.
112 I ANGEL PÉREZ GÓMEZ o PENSAMENTO PRÁTICO DO PROFESSOR 1113

4. Apoiar-se na prática não significa que se reproduzam acriticamente os esquemas e prática de segunda ordem, um processo de diálogo reflexivo com o aluno-mestre sobre
rotinas que regem as práticas empíricas e se transmitem de geração em geração como as situações educativas. A figura do professor-tutor, que enquadra os alunos-mestres nas
resultado do processo de socialização profissional. Pelo contrário, o conhecimento-na- situações práticas, não pode ser relegada para um papel marginal ou secundário nos pro-
-acção só é pertinente se for flexível e se apoiar na reflexão na e sobre a acção. Trata- gramas de formação de professores ou ser entregue a qualquer professor como forma de
-se de partir da prática para desencadear uma reflexão séria sobre o conjínto das ques- completar artificialmente o seu horário. Na perspectiva de um ensino reflexivo que se
tões educativas, desde as rotinas às técnicas, passando pelas teorias e pelos valores. apoia no pensamento prático do professor, a prática e a figura do formador são a chave
5. Assim entendida, a prática é mais um processo de investigação do que umcon- do currículo de formação profissional dos professores.
texto de aplicação. Um processo de investigação na acção, mediante o qual o professor 10. Nesta nova perspectiva propõe-se com insistência a criação de escolas de desen-
submerge no mundo complexo da aula para a compreender de forma crítica e vital, impli- volvimento profissional, que estimulem projectos educativos de carácter inovador e que
cando-se afectiva e cognitivamente nas interacções da situação real, questionando as suas estejam dispostas a colaborar com as Universidades na formação dos professores. Para
próprias crenças e explicações, propondo e experimentando alternativas, participando na evitar situações de fracasso idênticas às das escolas anexas em Espanha é necessário defi-
reconstrução permanente da realidade escolar. A prática reflexiva exige um novo modelo nir com rigor as suas incumbências, as funções que devem cumprir num programa de for-
de investigação, onde tenha lugar a complexidade do real. mação para um ensino reflexivo e evitar pelo controlo democrático os vícios e deforma-
6. O pensamento prático do professor é uma complexa competência de carácter holís- ções burocráticas na selecção do corpo docente e desenvolvimento dos seus projectos.
tico. É um processo que deve ser encarado como um todo, não se restringindo à soma 11. Na sequência da proposta precedente é necessário garantir a presença de forma-
das partes que podem ser diferenciadas analiticamente. O que se tenta formar através do dores experientes, que desenvolvam um ensino reflexivo e que se preocupem com a ino-
currículo profissional é a capacidade de intervir de forma competente em situações diver- vação educativa e com a sua própria auto-formação como profissionais. Professores que
sas; ora, esta capacidade é um conjunto coerente, de carácter cognitivo e afectivo, expli- se integrem nas Universidades, que desenvolvam projectos de investigação-acção e que
cativo e normativo, de conhecimentos, capacidades, teorias, crenças e atitudes. se responsabilizem pela aprendizagem da reflexão na e sobre a acção dos futuros professores.
li:

, 7. Enquanto processo de desenho e intervenção sobre a realidade, a prática é uma 12. É necessário promover a integração nos problemas da prática dos conhecimentos
. i;1ç ;'actividade criativa, que não pode considerar-se exclusivamente uma actividade técnica de derivados das ciências básicas e das ciências aplicadas. Simultaneamente, é preciso criar
i":~':':;pli~ação
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de produções externas. No diálogo reflexivo que o aluno-mestre mantém com espaço para um novo tipo de investigação sobre a vida complexa na sala de aula, sobre
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arealidade problemática, cria-se uma nova realidade, novos espaços de intercâmbio, novos o pensamento prático do professor, sobre o seu conhecimento-na-acção, sobre o seu saber
tt~f:JtàI:cos
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de referência,
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novos significados e novas redes de comunicação. Ao criar uma fazer, sobre a sua reflexão-na-seção e sobre a sua reflexão sobre a acção. Só uma con-
;,'novarealidade a prática abre um novo espaço ao conhecimento e à experiência, à des- cepção rígida e monolítica da ciência, baseada em posições do mais ultrapassado positi-
.-coberta, à invenção, à reflexão e à diferença. vismo, pode ignorar ou recusar o estudo das situações incertas, únicas e conflituosas da
"'8. O pensamento prático do professor não pode ser ensinado, mas pode ser apren- sala de aula. No desenvolvimento do conhecimento o indivíduo elabora, diferencia e ade-
. dido. Aprende-se fazendo e reflectindo na e sobre a acção. Através da prática é possível qua os instrumentos conceptuais e materiais da investigação às características peculiares
apoiar e desenvolver o pensamento prático, graças a uma reflexão conjunta (e recíproca) da realidade a conhecer. É indubitável o valor dos métodos etnográficos e qualitativos
entre o aluno-mestre e o professor ou o tutor. para o estudo das situações divergentes da prática e para a formação do pensamento prá-
9. Uma vez que não é possível ensinar o pensamento prático, a figura do supervisor tico do professor. Só nesta nova pespectiva e com estes novos instrumentos conceptuais
ou tutor universitário adquire uma importância vital. O supervisor ou tutor, responsável é possível abolir da investigação, da acção e da formação dos profissio~aiso dilema falso,
pela formação prática e teórica do futuro professor, deve ser capaz de actuar e de reflec- mas influente e deformador, do rigor ou da relevância, que ao longo de décadas impediu
tir sobre a sua própria acção como formador. Deve perceber que a sua intervenção é uma a comunicação entre a investigação, a prática e a formação.
114 I ANGEL rÉREZ G6MEZ

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