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Centro de Mediadores

Raul Pedro

CONSTELAÇÃO SISTÊMICA FAMILIAR

Um Panorama Metodológico

1ª Edição

Editora FCM
Centro de Mediadores

Raul Pedro

CONSTELAÇÃO SISTÊMICA FAMILIAR:

Um Panorama Metodológico

1ª Edição

Editora FCM

2022
Nenhum grande empreendimento se torna sólido sem raízes fortes que o mantenham
de pé. Essa é a razão pela qual o Centro de Mediadores assume um papel essencial na
sociedade. E é com a ajuda de seus colaboradores que ela influencia a atual geração a
desenvolver uma nova perspectiva de vida, com um olhar voltado para o alcance, apreensão
e compartilhamento do conhecimento.

Por esse motivo, quero agradecer a Deus e a todos aqueles que, junto ao Centro de
Mediadores, caminham nessa linda jornada de aprimoramento da qualidade de ensino. São
professores, secretários, gestores, produtores, fotógrafos, redatores, comunicadores,
analistas, auxiliares de limpeza, entre outros, que fazem com que o trabalho aqui realizado
alcance os mais longínquos lugares, proporcionando mudança de vida e tornando o mundo
mais pacífico e harmônico.

Raul Pedro
Presidente e CEO do Centro de Mediadores
À Deus, que detém toda a sabedoria e que
em sua infinita misericórdia nos permite experimentá-la.
Sumário

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 7

BERT HELLINGER E SOPHIE HELLINGER ........................................................ 8


HISTÓRIA DA CONSTELAÇÃO ............................................................................ 11
O QUE É A CONSTELAÇÃO FAMILIAR ............................................................. 14
NOMENCLATURAS .................................................................................................. 15
Constelação sistêmica familiar ............................................................................. 15
Constelador .......................................................................................................... 15
Constelado ............................................................................................................ 15
Emaranhamento .................................................................................................... 16
Plateia ................................................................................................................... 16
Representantes ...................................................................................................... 16
Cenário ................................................................................................................ 16
BENEFÍCIOS DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR .................................................. 17
A QUEM SE DIRIGE A CONSTELAÇÃO ............................................................. 19
CARACTERÍSTICAS DA CONSTELAÇÃO .......................................................... 20
AS TRÊS PRINCIPAIS LEIS DA CONSTELAÇÃO ............................................. 20
Lei do Pertencimento ............................................................................................ 21
Lei do Equilíbrio .................................................................................................. 22
Lei da Ordem ou Hierarquia ................................................................................. 23
INFLUENCIADORES DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR .................................... 23
Anne Ancelin Schutzenberger .............................................................................. 24
Thea Louise Schonfelder ...................................................................................... 24
Gregory Bateson ................................................................................................... 25
Gunthard Weber ................................................................................................... 25
Matthias Varga Von Kibed e Insa Sparrer ........................................................... 25
Sami Storch .......................................................................................................... 26
Sophie Hellinger ................................................................................................... 26
FILOSOFIA ................................................................................................................. 26
Pitágoras .............................................................................................................. 29
Sócrates ............................................................................................................... 30
Platão ................................................................................................................... 30
Aristóteles ............................................................................................................ 31
FILOSOFIA DA CIÊNCIA ........................................................................................ 31
Galileu Galilei ..................................................................................................... 33
René Descartes .................................................................................................... 33
Isaac Newton ....................................................................................................... 34
Friedrich Wilhelm Nietzsche ............................................................................... 34
MÉTODO INDUTIVO E DEDUTIVO ..................................................................... 35
EMPIRISMO ............................................................................................................... 37
MECANICISMO ......................................................................................................... 39
EPISTEMOLOGIA ..................................................................................................... 40
FENOMENOLOGIA .................................................................................................. 42
TEORIA GERAL DOS SISTEMAS .......................................................................... 44
CIBERNÉTICA ........................................................................................................... 46
TEORIA DA COMUNICAÇÃO ................................................................................ 47
PRÁTICA VISÃO E PENSAMENTO SISTÊMICO ............................................... 49
ESTUDOS DE BERT HELLINGER ......................................................................... 50
Campo Morfogenético ......................................................................................... 50
A Mente segundo Sigmund Freud ....................................................................... 54
A Mente segundo Carl Jung ................................................................................. 55
Terapia Primal ..................................................................................................... 57
Análise Transacional ........................................................................................... 58
Trauma Transgeracional ...................................................................................... 60
Lealdades Invisíveis ............................................................................................ 62
Esculturas Familiares .......................................................................................... 63
Psicodrama .......................................................................................................... 64
Neurônios Espelhos ...................................................................................................... 66
A Percepção e o Insight/Iluminação ............................................................................. 67
Níveis Neurológicos ..................................................................................................... 69
Linha do Tempo da Mente ........................................................................................... 71
Autoconhecimento ........................................................................................................ 71
Dualidade – Luz e Sombra ........................................................................................... 73
Sete Leis Espirituais do Sucesso .................................................................................. 74
Lei da Unidade ou Lei da Potencialidade Pura................................................... 74
Lei da Doação ..................................................................................................... 75
Lei do Carma ou Causa e Efeito ......................................................................... 75
Lei do Mínimo Esforço ...................................................................................... 75
Lei da Intenção e do Desejo ............................................................................... 76
Lei do Distanciamento ou Desprendimento ....................................................... 76
Lei do Darma ou do Propósito de Vida .............................................................. 76
Metáfora do Boneco de Sal .......................................................................................... 76
A Crítica, o Julgamento e a Raiva Inconsciente ........................................................... 77
Emoções, Sentimentos e Necessidades ........................................................................ 78
Jacob Levy Moreno ...................................................................................................... 80
A Teoria do Psicodrama ............................................................................................... 81
A Espontaneidade na Alma .................................................................. 83
Elementos do Psicodrama ..................................................................... 85
Etapas do Psicodrama ........................................................................... 86
Matriz de Identidade ............................................................................. 87
A Teoria dos Papeis .............................................................................. 88
Técnicas do Psicodrama ....................................................................... 90
Inversão de papeis ............................................................................ 90
Espelhamento ................................................................................... 90
Modelagem ...................................................................................... 90
Duplicação ....................................................................................... 91
O Psicodrama aplicado à Constelação Familiar ........................................................... 91
Três níveis de Consciência ........................................................................................... 92
Três Ordens do Amor ................................................................................................... 94
Pertencimento ....................................................................................... 94
Hierarquia ............................................................................................. 95
Equilíbrio .............................................................................................. 95
Cinco Ordens do Amor na Família – Pais e Filhos ...................................................... 96
Cinco Círculos do Amor............................................................................................... 98
As Cinco Ordens da Ajuda ......................................................................................... 102
Cinco tipos de Emaranhamentos ................................................................................ 105
Triangulação ....................................................................................... 105
Parentificação ..................................................................................... 105
Identificação ....................................................................................... 106
Repetição ............................................................................................ 106
Substituição......................................................................................... 106
Exclusão para Autodefesa .......................................................................................... 106
Divórcio ...................................................................................................................... 108
O Aborto e a Constelação Familiar ............................................................................ 109
Adoção ........................................................................................................................ 110
Violência Sexual de Crianças na Família ................................................................... 111
Ancestralidade ............................................................................................................ 112
Prosperidade ............................................................................................................... 113
Casais.......................................................................................................................... 115
Suicídio ....................................................................................................................... 117
Merecimento ............................................................................................................... 118
Estupro........................................................................................................................ 119
Frases de Resolução ................................................................................................... 120
Perdão x Sinto Muito .................................................................................................. 122

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 124


7

INTRODUÇÃO

Inicialmente, cumpre destacar que a Constelação Sistêmica Familiar se trata de uma


teoria que se manifesta através de um método terapêutico. Por isso, ao darmos início ao
projeto deste livro, o objetivo foi o de traçar o perfil do profissional que iria se aprimorar
nesse método para desenvolvê-lo com qualidade no seu ambiente familiar, social ou laboral.
Porém, temos visto o quanto esse estudo tem impactado nas relações interpessoais de cada
estudante, contribuindo para a formação de um ser humano perspicaz aos sistemas a sua
volta. Compreender o papel do outro e o ambiente em que se encontra inserido é uma tarefa
árdua e que requer leveza e sensibilidade em sua condução.

Ao planejar o ingresso no campo das Constelações Familiares, o estudante precisa


estar preparado para um novo processo de vida. Por vezes, será necessário enfrentar sua
própria história a partir de uma nova visão sistêmica dos problemas que o cercam, e é essa
forma diversa de enxergar a si próprio que o conduzirá a ajudar alguém a perceber e enfrentar
os seus próprios conflitos. Cria-se, pois, um paradigma atual por meio da natureza
transformadora das Constelações Familiares, colocando o ser humano num desejo constante
de mudança e resolução de conflitos em todos os setores da vida.

Nesse estudo iremos mergulhar numa experiência surpreendente sobre a psique


humana por meio das Constelações Familiares e de seus desdobramentos mais atuais. Tomar
conhecimento dessa técnica terapêutica é fundamental nesse estágio da vida em que o bem-
estar físico e mental das pessoas de um modo geral tem mostrado um desequilíbrio constante
com tendências catastróficas.

Para isso, apresentamos um conteúdo de qualidade fundamentado em bibliografia


enriquecedora que irá lhe proporcionar o melhor amparo nessa temática. Faça desse estudo
um desafio de autoconhecimento e superação pessoal e profissional para romper com os
fracassos e crises do passado e evoluir como ser humano.
8

1. BERT HELLINGER E SOPHIE HELLINGER

Anton “Suitbert” Hellinger, mais conhecido como Bert


Hellinger, nasceu em 16 de dezembro de 1925 em Leimen,
Alemanha. Criado em uma família católica, não demorou muito
para que se tornasse seminarista ainda muito novo. Porém, aos 17
anos, foi selecionado inevitavelmente como soldado para servir
ao exército ao lado dos nazistas. Pouco tempo depois se tornou
prisioneiro de guerra na Bélgica, mas conseguiu fugir e retornar à
Alemanha.

Ao que parece, a superação da guerra fez com que


Hellinger tivesse uma vida dedicada à igreja. Tornou-se padre aos
20 anos e se formou em Teologia e Filosofia na Universidade de Wurzburg, em 1951. Ele
atuou ainda como missionário para uma ordem católica entre os Zulus na África do Sul, onde
se formou em Artes pela Universidade da África do Sul e fez graduação em Educação
Universitária, momento em que se encontrou envolvido com as dinâmicas de grupo,
realizadas pelos sacerdotes da igreja anglicana.

Os primeiros passos voltados à criação da Constelação Familiar surgiram quando


Hellinger retorna à Alemanha, no ano de 1969, encerrando o seu ciclo de dedicação religiosa.
Nessa nova fase, ele atua como diretor do Seminário da Ordem de Marianhiller, em
Wurzburg. Hellinger buscou aplicar treinamentos em dinâmicas de grupo, conforme havia
aprendido enquanto esteve na África do Sul, mas percebeu que o que possuía não era
suficiente. Havia a necessidade de se aprofundar mais.

O conhecimento sobre psicanálise veio aos 35 anos, quando Hellinger se mudou para
Viena, na Áustria. Ali conheceu a psicoterapeuta Herta, com quem se casou. Em pouco
tempo ele se tornou um dos principais terapeutas de grupo na Europa e aos 48 anos, começou
nos Estados Unidos os estudos sobre a Teoria Primal, com Arthur Janov, surgindo a partir
daí o interesse pela área de Análise Transacional.

Bert Hellinger teve um insight decisivo quando praticava a Análise de Script segundo
Eric Berne. De acordo com sua constatação, cada indivíduo vive segundo um determinado
padrão, o qual pode ser encontrado em histórias como conto de fadas, romances, filmes etc.,
que impressionaram essa pessoa. Hellinger completou várias formações, dentre as quais, em
Terapia Primal, em Hipnose Ericksoniana e em Programação Neurolinguística.

O primeiro contato com a estrutura familiar veio por meio de Thea Louise
Schonfelder, no ano de 1990, durante um seminário em que Hellinger estava presente.
Segundo constatou nesse encontro, havia algo que poderia se chamar de “ordem de origem”,
ou seja, uma precedência do que é anterior num sistema sobre o que é posterior.

As pesquisas em torno da constelação familiar motivaram Hellinger a ir cada vez


mais profundo no conhecimento desse novo estudo e ele percebeu que a prática seria de
extrema relevância. Ele deu início a pequenos grupos de Constelação Familiar e, em 1992,
9

mais de 300 pessoas demonstraram interesse nesse tipo de abordagem, o que o levou a
trabalhar com grupos cada vez maiores.

Após se divorciar de Herta, casou-se no ano de


2003 com Marie Sofhie, a qual havia fundado, com
consentimento de Hellinger, no ano de 1999, a Hellinger
Schule, que posteriormente seria membro associado da
Universidade Jean Monnet, em Bruxelas, tornando
possível a graduação em Constelação Familiar.

Ao lado de Sophie, Hellinger realizou oficinas e


cursos em muitos países, desenvolveu o seu próprio
método terapêutico, que atualmente é conhecido em
todo mundo e utilizado em diversas áreas, como
pedagogia, medicina, justiça, educação entre muitas outras.

Segundo Hellinger, as conquistas em torno da terapia de Constelação Familiar só


foram possíveis graças à participação de Sophie. Ela foi a responsável por conectar o
trabalho com algo muito maior. Sua extrema sensibilidade a conduz a expressar com
exatidão todas as dores subjetivas, físicas e das relações que alguém carrega, sem falar na
forma como transmite suas habilidades e conhecimentos, sempre enriquecidos de um imenso
amor.

No ano de 2008, Hellinger recebeu a titulação de Doutor Honoris Causis em


Medicina integrativa e obteve um prêmio no mesmo ano pela sua contribuição por meio dos
conhecimentos e pesquisas que envolviam a Constelação Familiar. Ele havia constatado que
o amor era o aspecto mais importante e atuante por trás de todos os tipos de comportamentos,
ainda que mais estranhos eles pudessem parecer, assim também de todos os sintomas que
uma pessoa podia ter. A razão da terapia está em identificar o ponto onde o amor se
concentra. Quando se chega à raiz, se encontra também o caminho para a solução, o qual
passa também pelo amor.

Bert Hellinger faleceu em 19 de setembro de 2019, aos 93 anos, mas deixou um


legado para a terapia com seus mais de 108 livros, traduzidos para 38 idiomas. O último
deles, uma autobiografia chamada “Meu trabalho – Minha Vida”, lançado na Alemanha, em
2018. A seguir, algumas de suas obras:

➢ A Simetria Oculta do Amor

Expondo as diretrizes para uma relação harmoniosa, o primeiro livro de Bert


Hellinger, editado por Gunthard Weber, traz pela primeira vez as três leis da vida, as quais
ele denominou de ordens do amor e da ajuda. Logo de início são abordados os componentes
vitais de uma relação: a culpa e a inocência. Por meio desses dois aspectos é que se consegue
trabalhar a vinculação entre duas pessoas. Além disso, considera a simetria uma regra básica
de cada existência, visando sempre o equilíbrio. A ideia central é amar sem barreiras, pois é
o amor que faz os relacionamentos darem certo.
10

➢ Ordens do Amor

Neste livro, Bert Hellinger trata de três leis universais que regem as dinâmicas
familiares: a lei da hierarquia, a lei do equilíbrio e a lei do pertencimento. Elas são
conhecidas como as Ordens do Amor, que formam a base da Constelação Familiar, e
merecem um estudo aprofundado para que se possa compreender que muitas vezes dentro
de um grupo familiar não basta o amor recíproco, é necessário que esse amor obedeça ordens
para que possa ser desenvolvido e superar obstáculos.

➢ O Essencial é Simples

Este livro retrata a documentação de 63 terapias breves de cursos que Bert Hellinger
ministrou como terapeuta. O que é mais interessante nele é que as soluções surgem
diretamente do acontecimento e, por conta disso, todas elas são diferentes e únicas. Nesta
obra podemos encontrar ainda formas de lidar com diversos problemas, como o luto, a morte,
doenças graves, medos, vícios, suicídios, entre outros.

A ideia da simplicidade constante neste livro é trabalhada não só considerando a


formação profissional de Bert Hellinger, mas toda a sua trajetória de vida, desde quando
atuou como padre no seminário e foi instruído sobre a abdicação de bens materiais, como
também na guerra, quando esteve exposto ao perigo de morte iminente, e, ainda, com sua
experiência de vida simples na África com o povo Zulu. Ou seja, este livro é a expressão de
uma vida baseada na valorização do simples.

➢ A Cura

A ideia de cura trazida por Bert Hellinger nesta obra é a de olhar ao passado e ao
futuro para construir uma vida mais plena, reforçando a importância de uma alimentação
adequada para o corpo e que repercutirá no pleno desenvolvimento da mente e do emocional
de cada ser humano. Ele trabalha as possibilidades que temos de sermos e permanecermos
saudáveis, já que tudo em nós está interligado e, cuidando de uma área da nossa vida,
consequentemente estaremos tendo resultados positivos em outras.

A preocupação com os cuidados com o corpo nos protege contra qualquer desvio que
leve a enfermidades e isso retoma o que já foi dito anteriormente sobre a importância de se
respeitar as leis do amor. Afinal, é por meio delas que temos a direção certa para viver de
forma feliz e completa.

➢ Ordens da Ajuda

Bert Hellinger escreve neste livro a sua percepção sobre como um profissional da
ajuda deve se portar. É diferente de uma ajuda interpessoal, uma vez que na profissional há
uma habilidade de saber como proceder de maneira a não se deixar ser envolvido nas
relações.

Ele destaca ainda que ajudar é enxergar no outro a capacidade de lidar com a sua
própria realidade e história de vida. Quando alguém oferece ajuda, essa pessoa está apenas
11

levando luz para momentos onde a visão do outro sobre si está ofuscada, e, ao fazer isso,
deixa o caminho livre para que os outros se movimentem da forma que melhor cabe a cada
um. A ajuda mútua é o que sustenta as relações humanas.

➢ No Centro Sentimos Leveza

Nesta obra, Bert Hellinger leva o leitor a uma reflexão sobre o papel da consciência
pessoal nas relações interpessoais. Ele percebeu que ao seguir a própria consciência, algumas
pessoas humilham e prejudicam outros, sendo assim, a consciência poderia conduzir ao bem
como também ao mal.

Nesse sentido, Hellinger faz uma associação da consciência com os sentimentos de


culpa e inocência, concluindo, por conseguinte, que ambos possuem um significado diverso
de bom e mau. São aspectos que, segundo ele, a depender da ótica, se complementam, e ao
mesmo tempo, se contradizem.

O estudo sobre Constelação Familiar continua crescendo e muitas das obras de


Hellinger já publicadas foram sendo atualizadas, de acordo com a evolução das pesquisas
em torno dessa temática. Muitas descobertas e percepções, obtidas na prática durante
seminários, conversas, meditações e muitas outras situações da vida foram sendo
incorporadas a esse método. Hoje, o aprofundamento desse estudo está nas mãos de Sophie
Hellinger, a quem Bert Hellinger dedicou parte de sua vida.

2. HISTÓRIA DA CONSTELAÇÃO

Muito embora nos pareça que Bert Hellinger tenha criado a técnica das Constelações
Familiares, a verdade é que ele foi um dos que a desenvolveu. O seu surgimento se deu
dentro do contexto do psicodrama de Jacob Levy Moreno, da “teoria das esculturas
familiares” de Virginia Satir, da evolução da “teoria dos campos morfogenéticos”, do
biólogo britânico Rupert Sheldrake, bem como dos estudos e pesquisas do psicoterapeuta
Gunthard Weber e do casal Mathias Varga von Kibéd e Insa Sparrer.

Na década de 1930 surgia uma nova concepção terapêutica


denominada psicodrama, criada pelo médico romeno e terapeuta
Jacob Levy Moreno. Com inspiração no teatro, sua proposta foi
a de desenvolver papéis da dramaturgia. Segundo ele, o
psicodrama seria uma ciência que explora a verdade por métodos
dramáticos e, ao fazer essa abordagem psicoterápica em grupo,
trouxe luz aos estudos de Bert Hellinger sobre a concepção da
constelação familiar, que foi ganhando contornos com as
esculturas familiares de Virginia Satir.

Sob influência da psicologia humanista, Virginia Satir apresentou postulados com


forte presença dos conceitos de autoestima, valores e autotranscendência. Ela buscou se
concentrar nos indivíduos e em suas relações com seus sistemas familiares de origem e
12

atuais, o que resultou no modelo das esculturas familiares abordado no seu primeiro livro,
Conjoint Family Therapy, publicado em 1964.

Virginia Satir considera que todos devem ser


reconhecidos pelo seu valor único, permitindo que a essência e
diferenças de cada um sejam preservadas. Seu foco se resumia em
uma frase: “tornar-se mais plenamente humano”, e ela fazia isso
na prática ensinando pessoas a interagirem e se vincularem com
o mundo interior, principalmente, os membros da família, razão
pela qual serviu de desenho para o que hoje compreendemos
sobre constelação familiar.

No ano de 1981, Rupert Sheldrake sugeriu em seu livro “Uma nova ciência da vida
– a hipótese da causação formativa e os problemas não resolvidos da biologia”, a existência
de campos morfogenéticos que funcionam como estruturas
invisíveis capazes de influenciar na organização de toda a
natureza, determinando o seu comportamento, mas em constante
transformação e evolução. Ele considera que cada membro da
espécie contribui para uma memória coletiva e a ela recorre
sempre que precisa. Foi esse estudo de Sheldrake que trouxe
fundamento sólido para o campo das constelações familiares.

Destaca-se a
contribuição do casal alemão Matthias Varga von Kibéd e
Insa Sparrer na construção dos estudos sobre constelações.
Eles desenvolveram uma metodologia que ficou conhecida
como Constelações Estruturais.

Segundo o método do casal, existe uma linguagem


transverbal na terapia, traduzida por eles para uma
gramática própria. Essa linguagem, segundo Guilhermo
Echegaray, inclui pelo menos três elementos, quais sejam:
o verbal e o não verbal; é falada por um grupo e não por um único ser; e, é baseada nas
diferenças em percepção representativa.

Varga e Sparrer trouxeram um método mais voltado para a percepção do ser,


enquanto Bert Hellinger se concentrava mais nos sentimentos das pessoas. E ao falar do que
as pessoas conseguem perceber, o casal ajudou a descontaminar as constelações de
elementos que são incontroláveis, fazendo com que as constelações pudessem ser aplicadas
fora do contexto familiar. Seguindo essa técnica, eles desenvolveram a teoria e a prática de
mais de 80 tipos de Constelações Estruturais, publicadas desde 1994 com uma linguagem e
metodologia comuns.

Os estudos sobre as constelações tinham o enfoque apenas no campo familiar. Isto


mudou quando, no ano de 1995, Bert Hellinger foi convidado para apresentar seu trabalho
em uma conferência na Áustria, momento em que se percebeu que o campo das constelações
13

poderia ser ampliado para alcançar, inclusive, organizações


empresariais. A responsabilidade pela exposição do assunto
ficou a cargo do psiquiatra alemão Gunthard Weber, convidado
de Hellinger na ocasião.

Weber teorizou o campo de conhecimento sistêmico de


Hellinger e inovou no panorama da ciência trazendo o conceito
de Constelação Organizacional, que ganhou destaque no mundo
todo em 1998 com o primeiro congresso sobre o tema,
oportunidade em que foram delimitados os parâmetros desse trabalho.

A “Mecânica Quântica” também teve seu papel fundamental na concepção da


constelação familiar, uma vez que trouxe o conceito de “não localidade”, por meio do qual
duas partículas distantes podem coordenar suas ações sem que haja uma troca de
informações entre elas. Essa é a razão de comportamentos idênticos do constelado
identificados nos participantes da constelação, mesmo não havendo contato entre eles.

Bert Hellinger percebeu que havia uma ordem que poderia ser seguida para trazer à
tona velhos padrões de comportamento e códigos de crenças que orientavam
inconscientemente a vida das pessoas. Para isso, ele uniu o conhecimento de comunidades e
métodos de vários autores da filosofia, psicologia, psicanálise, pedagogia, etc. Partindo
desses estudos e de suas experiências clínicas, Hellinger conseguiu extrair os princípios
basilares que orientam sua filosofia, apresentada posteriormente como uma ciência.

A principal influência que Hellinger considera para o início de seu trabalho com
Constelações veio de seus pais ainda na infância, com a imunidade garantida pelos ideais de
religiosidade e fé praticados pela família contra o discurso nacional socialista. A sua longa
experiência como missionário na África pôde lhe permitir compreender a diversidade de
valores culturais e aprimorar ainda mais sua habilidade de identificar sistemas de
relacionamentos humanos.

O avanço da técnica das constelações familiares possibilitou que profissionais de


outras áreas do conhecimento como da medicina, pedagogia, administração, jurídica, etc.,
pudessem explorá-la em seus respectivos ambientes de trabalho. Assim, foram
desenvolvidas as constelações organizacionais, a pedagogia sistêmica e as constelações
oferecidas como instrumento paralelo à profissão principal, garantindo autonomia ao
profissional que lida diretamente e exclusivamente com essa ciência.

3. O QUE É A CONSTELAÇÃO FAMILIAR

Os pensamentos em torno da nossa maneira de agir, os motivos que nos levam a


trilhar por determinado caminho, as razões pelas quais enfrentamos nossos obstáculos na
vida e a forma pela qual reproduzimos comportamentos familiares de gerações mais antigas
fizeram com que se tornasse necessário o estudo sobre padrões de condutas presentes nos
mais diversos sistemas familiares espalhados pelo mundo.
14

A Constelação Familiar veio para mostrar que na prática muitos dos nossos
problemas, doenças e sentimentos negativos podem decorrer de familiares que enfrentaram
essas mesmas dificuldades no passado. Essa repetição de comportamentos se dá de maneira
inconsciente e em razão de uma “consciência de grupo” que cada pessoa possui e que decorre
do que Hellinger intitulou de “ordens do amor”, que se resumiriam na necessidade de
pertencimento, no equilíbrio entre dar e receber nos relacionamentos e na hierarquia dentro
de um determinado grupo, seguindo a ordem do tempo.

A definição do que viria a ser a Constelação Familiar foi obtida por intermédio de
diversos estudiosos da área, dentre os quais: Gregory Bateson, que fez uma abordagem sobre
o pensamento sistêmico; Eric Berne, com sua metodologia de “análise do script”; a “hipnose
ericksoniana” de Milton Erickson e a programação neurolinguística. Além desses, citamos
os já mencionados no tópico anterior: Arthur Janov, com sua terapia do grito primal; Jacob
moreno e o psicodrama; Rupert Sheldrake, com a tese da Ressonância Mórfica; e, Virginia
Satir com o estudo sobre a reconstrução familiar.

Bert Hellinger condensou todos os estudos envolvendo essa temática e, aliado à


prática terapêutica, trouxe fundamentos estruturais para a concepção da Constelação
Familiar que, em sua essência, estuda padrões de comportamento de grupos familiares,
sociais ou organizacionais através de gerações com vistas à resolução ou visualização de
conflitos, sejam amorosos ou profissionais. O que se busca é o equilíbrio nas relações e, para
isso, posiciona-se as pessoas num cenário de fluidez total de maneira a proporcionar o mais
intenso contato com suas questões pessoais e interpessoais.

Também considerada como forma de resolução alternativa de conflitos, a


Constelação Familiar é tida como um conjunto de técnicas humanizadas capazes de ampliar
a percepção dos indivíduos inseridos num ambiente conflituoso. Ela auxilia na amplitude do
foco sobre o problema e busca identificar suas causas partindo de certos padrões de
comportamentos familiares, os quais podem ser rompidos.

O olhar de Hellinger para o indivíduo dentro de um determinado grupo demonstra a


preocupação com a concepção de que cada um faz parte de um sistema com regras de
organização que os conecta entre si e, ao fazer parte de um grupo familiar, o sujeito se
encontra numa posição de comprometimento com os rumos que aquele grupo irá tomar.
Sendo assim, cada pessoa carrega uma responsabilidade e deve colaborar em favor de todos
para que haja sintonia com o sistema que pertence. A sua consciência só ficará tranquila
quando, refletindo as mesmas atitudes dos demais, se sinta pertencente e seguro,
compartilhando os mesmos princípios do grupo.

No desenvolvimento da técnica de Constelação Familiar costuma-se fazer uso de


representantes do sistema familiar do indivíduo em estudo, os quais irão assumir papéis
durante a terapia e apresentarão de forma surpreendente padrões de comportamento e reações
semelhantes às de seus representados. Isto facilita na identificação dos sintomas que têm
afetado negativamente aquele grupo familiar e mostra de forma clara o que precisa ser feito
15

para que as ordens do amor se façam presentes no grupo. No tópico a seguir iremos traçar o
significado dos termos que compõem uma constelação.

4. NOMENCLATURAS

4.1. Constelação sistêmica familiar

Existem barreiras que se formam no círculo familiar e que decorrem de ações dos
seus antepassados. Muitas das condutas que hoje um determinado grupo familiar pratica
podem ter total ligação com o que a sua geração anterior fez e isso envolve também aspectos
negativos atuais que influenciam na vida emocional, social e profissional de todos os
envolvidos.

A razão de ser da Constelação Sistêmica Familiar é a análise do posicionamento dos


indivíduos com intuito de visualizar/solucionar todos os aspectos supracitados e garantir que
a ordem seja restabelecida no grupo. É uma técnica utilizada na terapia que trabalha com os
emaranhamentos sistêmicos que uma pessoa pode herdar.

4.2. Constelador

A complexidade das relações familiares exige uma percepção profissional que


consiga enxergar e extrair de sua observação os aspectos que influenciam os
comportamentos e as decisões de cada indivíduo pertencente ou não ao grupo. Essa
visualização de conflitos só é possível por meio da atuação profissional de um constelador.

O constelador é um profissional que trabalha na condução das constelações


familiares. Sua atuação conduz os pacientes a visualizarem os problemas que envolvem sua
vida e a procurar uma saída para eles. Ele consegue identificar as sombras que pairam nas
relações interpessoais e oferece instrumentos hábeis para que o cliente compreenda essas
interferências e consiga enfrentá-las.

Ser um constelador é possuir uma flexibilidade emocional e comportamental para


lidar com seus clientes de forma neutra/imparcial, haja vista que o profissional passa a lidar
com questões que envolvem todo o núcleo familiar e precisa administrar os conflitos de
forma madura e consciente para proporcionar o alcance da harmonia no grupo.

4.3. Constelado

É a pessoa, casal ou pequeno grupo que será atendido pelo Constelador. É comum
que num ambiente de trabalho também haja conflitos internos, razão pela qual empresas ou
equipes de trabalho também podem ser consteladas.

É o constelado quem vai dizer durante a sessão de constelação o que sente, quais os
conflitos que o envolvem, quais membros do seu grupo estão causando ou passando por
problemas, etc. É de sua responsabilidade também apresentar os familiares que serão
representados.
16

4.4. Emaranhamento

Termo utilizado para representar os nós que não deixam fluir o amor na relação
sistêmica familiar. Por exemplo, é comum vermos pessoas que foram excluídas do âmbito
familiar e, para obter um reequilíbrio no sistema, a geração posterior busca uma
compensação. Isto é apenas reflexo de um sintoma que precisa ser tratado para que o amor
volte a alcançar a sua plenitude na relação.

4.5. Plateia

São as pessoas que comparecem à constelação com objetivo de assistir, participar


como representante ou que estão aguardando o momento de serem consteladas. Algumas
pessoas costumeiramente presenciam a constelação para observar e até mesmo para atuar
como representante em algum sistema familiar.

4.6. Representantes

São voluntários que irão atuar no sistema familiar do constelado, podendo assumir o
papel de pai, mãe, irmão, sobrinho, tio, entre outros. Caso a sessão de constelação não tenha
uma plateia, como ocorre na constelação individual, o papel de representantes poderá ser
feito por bonecos, cadeiras, desenhos sobre um papel, etc.

A função do representante é importante quando ele amplia seu campo de percepção


para compreender e se colocar no lugar do membro da família do constelado. É fundamental
que ele deixe as questões racionais de lado e busque se envolver em seus sentimentos e
emoções com as dores e angústias do constelado. Ser um representante é se colocar à
disposição de cura para uma pessoa.

4.7. Cenário

É o lugar onde acontece a constelação, sendo de


livre escolha do cliente. Pode ser ao ar livre ou em
ambientes fechados, empresarial ou não, com uso de
cartas, almofadas, bonecos (simbologia ao lado) ou
âncoras de solo (marcações no chão). Inclusive, existe
atualmente a modalidade online com bonecos e que tem
sido bastante eficaz alcançando resultados e experiências
excelentes.

5. BENEFÍCIOS DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR

A formação da personalidade de cada indivíduo, a forma de enxergar a vida e de


como enfrenta os seus problemas e as dificuldades do cotidiano decorrem daquilo que foi
aprendido ainda na infância e de como se sucederam seus relacionamentos nessa fase da
vida. Por vezes não é possível compreender o porquê de alguns problemas frequentes e de
pensamentos engessados sobre determinado assunto.
17

A Constelação Familiar permite identificar essas circunstâncias, ainda que


desconhecidas, e que podem ser prejudiciais para a vida dos membros de um grupo familiar.
Ela atua de forma enérgica para solucionar os conflitos, sendo uma ferramenta
imprescindível no tratamento das questões físicas e psíquicas dos pacientes.

É possível por meio da Constelação Familiar o alcance de mudanças relevantes na


vida, como um melhor relacionamento com sua parentela, ter soluções eficazes para os
problemas financeiros, afetivos e de saúde. Ela por si só não substitui outras terapias, mas
tem uma função complementar, servindo de instrumento para que o indivíduo obtenha
conhecimento acerca do seu sistema familiar.

No ano de 2018, a Constelação Familiar passou a fazer parte do rol de procedimentos


disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). O Ministério da Saúde entendeu que ela seria
uma forma de terapia complementar que contribuiria para a saúde e bem-estar da população,
razão pela qual entrou para o escopo das Práticas Integrativas e Complementares (PICs).

Dentre os vários benefícios advindos dessa técnica terapêutica, podemos citar:

➢ Compreensão da origem dos problemas

Ao contrário das demais terapias, que se concentram na busca pela solução dos
problemas, a Constelação Sistêmica Familiar faz uma análise do histórico familiar do
indivíduo, alcançando até mesmo gerações anteriores ao seu nascimento. A partir desse
estudo, ela permite que o indivíduo entenda claramente as condutas que lhe afetam e quais
fatos interferem atualmente na sua maneira de se portar.

Citamos o exemplo de um garoto de 10 anos com gagueira em sala de aula. Ele


raramente se comunicava durante as aulas e a professora notou que isso estava afetando o
seu rendimento nas provas. Ao aplicar a terapia, descobriram que ele havia recebido o nome
do irmão que faleceu engasgado com comida aos oito meses de idade. Com o uso do método,
esse garoto mostrou resultados excelentes em poucos meses. Assim, conseguiu melhorar
suas notas e ter um comportamento ajustado em sala de aula.

➢ Resultados rápidos

A Constelação Sistêmica Familiar ajuda a visualizar a raiz dos problemas de forma


bem mais rápida que algumas terapias tradicionais, que exigem meses ou até anos para
encontrar soluções. Após identificar a origem dos males, logo se percebe o que precisa ser
reajustado para que a vida flua de maneira mais leve e a solução seja alcançada e trabalhada.

➢ Mudança interna

Os problemas emocionais costumam surgir a partir de sofrimentos sistemáticos. Seja


sentimentos negativos, agressão, baixa autoestima ou relacionamentos tóxicos, tudo isso
pode ser percebido por meio da Constelação Familiar, uma vez que esse método busca a
origem desses problemas e permite a descoberta de emoções inexploradas que podem ser a
chave para a maioria dessas questões, daí a razão dela ser tão importante.
18

➢ Melhora os relacionamentos

Muitas vezes as pessoas não conseguem explorar o que sentem e o porquê de


praticarem determinadas condutas em seus relacionamentos interpessoais. Atitudes rudes ou
uma agressividade desordenada podem esconder sentimentos ainda não perceptíveis por
quem pratica tais condutas. Situações consideradas imperdoáveis podem encontrar na
Constelação Familiar uma solução de apaziguamento, onde o equilíbrio do sistema volte a
estar presente. Muda-se a perspectiva em torno do conflito para trazer ordem aos
relacionamentos.

➢ Quebra de padrões

No decorrer da nossa vida somos levados a praticar condutas que correspondem


àquilo que nos foi ensinado dentro do nosso círculo familiar, que seriam nada menos que
regras de convivência familiar. Algumas dessas regras trazem consigo aspectos negativistas,
muitas vezes desconhecidos por quem as pratica. A Constelação permite a quebra desses
padrões nocivos ao bem-estar e possibilita melhor qualidade de vida ao constelado.

6. A QUEM SE DIRIGE A CONSTELAÇÃO

As pessoas que costumam recorrer à Constelação Sistêmica Familiar estão em busca


de um procedimento para seus relacionamentos negativos, desejam resolver algum problema
familiar ou ainda pretendem superar algum trauma ou perda significativa da vida. Também
há aqueles que procuram entender os tumultos internos que os atormentam, mas existem os
que objetivam atingir um nível superior de sucesso pessoal ou profissional.

Como se vê, a Constelação pode alcançar pessoas com os mais variados interesses,
haja vista ser conhecida como uma técnica de “mudança de consciência”. O indivíduo muda
sua percepção, deixando de se enxergar como vítima ou julgador em uma situação e começa
a entender que existe uma responsabilidade pessoal pelos seus atos no processo capazes de
gerar danos.

Por ser uma abordagem que parte do pressuposto de que todo ser humano está
intimamente ligado a um sistema, a Constelação costuma ser muito utilizada em ambientes
familiares levando em conta os padrões repetitivos ao longo das gerações e da postura dos
indivíduos que podem estar atuando mais em função da consciência do grupo do que da sua
própria.

Muito embora tenha uma aplicação corriqueira no âmbito familiar, a verdade é que a
Constelação tem uma abordagem ampla, pois visa trabalhar as relações interpessoais nos
seus mais variados contextos. Sendo assim, podemos ver a Constelação sendo utilizada nas
relações interpessoais dentro de uma empresa, na política, na gestão e administração
executiva, nas universidades e escolas, em comunidades, em hospitais, no Judiciário, etc. O
objetivo é levar cada indivíduo/cliente a uma reflexão mais ampla sobre sua forma de pensar
e agir dentro do sistema que está incluído.
19

7. CARACTERÍSTICAS DA CONSTELAÇÃO

A Constelação tem como principais características:

a) É uma abordagem fenomenológica, pois reúne inúmeras observações sobre a conduta


de diversas pessoas, buscando similaridades;
b) Pode ser individual ou em grupo;
c) Pode fazer uso de bonecos ou outros objetos na representação;
d) Considera o indivíduo como único e singular;
e) Respeito à hierarquia: aqueles que estão há mais tempo no sistema têm precedência
sobre os que chegaram depois;
f) Faz um estudo de padrões de comportamento constantes nas famílias e em suas
gerações;
g) É sistêmica por entender que todo indivíduo está ligado a um determinado sistema;
h) Utiliza técnicas voltadas à percepção do indivíduo quanto à consciência familiar e
suas ações, individualmente ou em grupo;
i) Busca o equilíbrio nas relações;

A Constelação Familiar se baseia na própria percepção do cliente e dos


representantes. Ela não está atrelada a qualquer concepção religiosa e, por meio dela, é
possível encontrar equilíbrio nas relações interpessoais, alcançar um elevado
autoconhecimento, conectar-se por inteiro com as pessoas a sua volta e obter um profundo
desenvolvimento pessoal.

8. AS TRÊS PRINCIPAIS LEIS DA CONSTELAÇÃO

No decorrer de anos de experiências, Bert Hellinger pôde constatar que o destino de


alguns integrantes de um grupo familiar poderia estar afetando outros membros do mesmo
grupo. Essa percepção de destinos interligados foi que levou Hellinger a traçar uma
abordagem compreendendo que todos os sistemas familiares possuem regramentos próprios,
os quais ele denominou de “ordens do amor”, que atuariam no que ele chamou de
“consciência de clã” ou “grande alma”. A violação dessas regras ocasionaria um
desequilíbrio no sistema, dificultando a vida plena e feliz.

Em seu livro “Ordens do Amor” 1, Hellinger fala sobre uma comunidade que
interliga todos, fazendo referência ao sistema familiar. Citamos um trecho:

Nessa comunidade de destino, todos se ligam a todos. Os mais fortes vínculos são
os que ligam os filhos aos pais, os irmãos entre si e os parceiros entre si. Um
vínculo especial de destino liga também os membros subsequentes aos que lhes
cederam lugar, principalmente se estes tiveram um destino funesto: por exemplo,
os filhos de um segundo casamento à primeira mulher de seu pai, que morreu no
parto.

1
Hellinger, Bert. Ordens do Amor: um guia para o trabalho com constelações familiares. São Paulo: Cultrix,
2007, p. 287-288.
20

Hellinger também faz menção às influências das gerações anteriores e sobre um


sistema de compensação dentro do núcleo familiar. É o que vemos no trecho do supracitado
livro:

Na comunidade do destino, constituída pela família e pelo grupo familiar, reina,


portanto, em razão do vínculo e do amor que lhe corresponde, uma necessidade
irresistível de compensação entre a vantagem de uns e a desvantagem de outros,
entre a inocência e a sorte de uns e a culpa e a desgraça de outros. Em razão dessa
necessidade, se uma pessoa foi infeliz, uma outra também quer ser infeliz; se uma
ficou doente ou se sente culpada, uma outra, saudável ou inocente, também fica
doente ou se sente culpada; e se uma morreu, outra, próxima a ela, também deseja
morrer.

Observou-se que era comum a repetição de sofrimentos semelhantes no transcorrer


das gerações de uma determinada família. Em razão disso, a Constelação Familiar busca
identificar o elo que liga esses sofrimentos e desconectá-lo para que a ordem seja
restabelecida e haja paz e felicidade no seio familiar.

As ordens do amor se manifestam principalmente no que chamamos de consciência


coletiva e espiritual. As principais leis sistêmicas são: a Lei do Pertencimento, a Lei do
Equilíbrio e a Lei da Ordem ou Lei da Hierarquia. Elas são consideradas os pilares da
organização sistêmica das famílias e serão abordadas com mais profundidade no decorrer
deste livro.

8.1. Lei do Pertencimento

A primeira lei sistêmica prevê que todos fazem parte de um sistema, estando vivo ou
morto tem o direito de pertencer, porque não há dentro de um mesmo sistema aqueles que
sejam superiores aos demais. Não há uma distinção entre bons e maus e nem é permitido
qualquer tipo de julgamento quanto à decisão de quem deverá continuar ou ser excluído.

O desrespeito à lei do pertencimento provoca um desequilíbrio no sistema, causando


pressão para que aqueles que foram excluídos sejam reintegrados. Normalmente não
percebemos, mas essa pressão pode se manifestar de diversas formas, como quando uma
empresa deixa de prosperar porque não reconhece o lugar do seu antigo dono.

A lei do pertencimento busca integrar o sistema que foi corrompido em sua totalidade
e é esse potencial integrativo que constitui a primeira ordem do amor. Quando acontece o
retorno de um membro que foi excluído e ele encontra lugar no coração do seu grupo, os
efeitos passam a ser imediatos e todos sentem alegria, paz e harmonia. O amor volta à sua
plenitude e todos ficam bem para seguir a vida.

8.2. Lei do Equilíbrio

Quando se nega a alguém da família o direito de pertencimento, a alma ou


consciência do grupo busca o restabelecimento dessa ordem por meio de uma compensação,
pela qual outro integrante da família passará a se conectar e representar aquele que foi
excluído. Essa busca de equilíbrio entre o dar e o tomar é que define a segunda lei do amor.
21

Normalmente quando recebemos algo de bom temos a necessidade de retribuir, senão


nos sentimos culpados por ter nos apropriado de algo sem uma justa compensação. Isso se
dá em virtude do nosso senso de justiça presente em nossa consciência.

A lei do equilíbrio é aplicada em todos os relacionamentos e ela decorre da lei do


pertencimento. Segundo ela, todo ser humano sente uma necessidade profunda de equilíbrio.
Se recebemos algo de outra pessoa, logo sentimos uma obrigação quase irresistível de
retribuir a benevolência. Quando compensamos, nos sentimos leves, liberados da obrigação.

O desequilíbrio do sistema acontece quando alguém oferece menos do que toma do


outro, pondo em risco a relação, pois o que recebeu menos tenderá a dar cada vez menos,
diminuindo a troca e consequentemente a felicidade entre eles. E se a pessoa retribui na
mesma porção com que recebeu, o relacionamento fica estagnado.

A lei do equilíbrio, de uma forma geral, requer tratamento igualitário entre a oferta e
o recebimento para permitir a sensação de bem-estar decorrente da experiência natural de
justiça. Seja no trabalho, na família, numa amizade ou em grupos de convivência, aqueles
que doam mais do que recebem acabam se sentindo desvalorizados e quem recebe mais do
que entrega se sente pressionado a retribuir e muitas vezes não consegue, gerando frustração
e desmotivação.

Ao contrário do que ocorre entre pais e filhos, em que existe uma ordem natural entre
o dar e o receber, na qual os pais dão a vida, o amor, e os filhos aceitam, o desequilíbrio nas
demais relações provoca tensão e afastamento, por isso, Hellinger ressalta a importância de
um grupo encontrar a forma correta entre o dar e o receber.

8.3. Lei da Ordem ou Hierarquia

A terceira lei sistêmica atua na consciência coletiva inconsciente. Ela exige que
aqueles que vieram antes no sistema tenham precedência em relação aos que vierem depois.
É uma forma de respeito por aqueles que se sacrificaram anteriormente. Se a precedência
dos anteriores é respeitada, as gerações posteriores ficam livres.

A hierarquia está diretamente ligada às leis anteriores e busca reconhecer que cada
membro possui um lugar único no sistema, que deve ser respeitado. Quando há uma inversão
nas posições do sistema, a desordem se instala e os problemas começam a surgir, pois cada
um possui sua hierarquia própria.

Segundo essa lei, nenhum membro posterior pode se colocar numa posição mais
elevada, se sobrepondo a um inferior e assumindo algo por ele. Respeitar essa ordem é uma
regra básica para a obtenção de sucesso. Por exemplo, um filho não pode querer ser superior
aos seus pais, avós ou outros ascendentes pelo fato deles não assumirem um papel que ele
gostaria que assumissem. Pelo contrário, deve honrá-los e ter grande admiração e respeito
pela história de cada um. A humildade em reconhecer a importância do seu antecessor, sem
querer mudá-lo, é fundamental para a manutenção da ordem no sistema.
22

Para Hellinger, as três leis sistêmicas encontram respaldo muito mais na consciência
coletiva do sistema, normalmente encontrada no plano do inconsciente, do que na
consciência pessoal, tendo em vista essa última ser formada em sua essência por critérios
culturais e circunstanciais.

9. INFLUENCIADORES DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR

No livro “Bert Hellinger: Meu Trabalho. Minha Vida”, Hellinger traz sua
autobiografia e conta quais influências teve para desenvolver seu trabalho sobre a terapia
sistêmica das constelações familiares. Dentre as grandes personalidades ele cita Gregory
Bateson, Ivan Boszormenyi-Nagy, Milton Erickson, Eric Bern, que deram o pontapé inicial
para que Hellinger abrisse sua mente quanto aos padrões familiares que agem no
inconsciente dos seus membros.

Algumas mulheres também tiveram papel relevante para o aprimoramento da técnica


das constelações, como Anne Ancelin Schutzenberger, Virginia Satir, Thea Louise
Schonfelder, Ruth McClendon e Geraldine M. Spark.

Como mencionado no início desse material, Bert Hellinger faleceu no ano de 2019,
porém, os estudos em torno da Constelação Familiar vêm se desenvolvendo por meio das
pesquisas de outros estudiosos do assunto, provando que essa
técnica é cada vez mais atual e necessária.

Abaixo selecionamos alguns nomes que influenciaram


Hellinger e que tem encabeçado hoje a abordagem em torno
das Constelações Familiares.

9.1. Anne Ancelin Schutzenberger

Conhecida como um dos grandes nomes da


psicogenealogia, Ancelin era graduada em Direito, possuía
doutorado em psicologia e lecionava na Universidade de Nice,
na França. Ela dirigiu por mais de 20 anos o laboratório de psicologia clínica e social. É
cofundadora da Associação Internacional de Psicoterapia de Grupo.

No seu estudo ela buscava revelar os vínculos que ligavam os membros de uma
família e que os conduziam a repetir dinâmicas comportamentais de enfermidades e outras
dificuldades geracionais.
23

Segundo Ancelin, se alguém cura um indivíduo sem tocar toda a família, se o sentido
das repetições transgeracionais não for compreendido, a terapia não leva a lugar nenhum.

9.2. Thea Louise Schonfelder

Atuando como professora universitária na Alemanha,


Thea Louise alcançou um feito inédito ao se tornar a primeira
mulher no país a conquistar um cargo na psiquiatria.
Inspirada nos estudos de Virginia Satir, Thea elaborou seu
próprio método de “escultura familiar”, no qual uma pessoa
posicionava os representantes da forma como imaginava que
seus familiares estariam em relação aos demais. Ela conduzia
os movimentos das pessoas conforme as respostas que
obtinha deles, algo muito comum hoje na prática das
constelações familiares.

9.3. Gregory Bateson

O antropólogo Gregory Bateson liderou um grupo de


pesquisa nos Estados Unidos que estudava sobre a Terapia
Familiar Sistêmica, na metade do século XX. Esse grupo
buscava compreender as influências da família na
esquizofrenia de um indivíduo. Tendo como fundamento a
teoria geral dos sistemas e a cibernética, eles desenvolveram
uma teoria em que a família era vista como um todo.

A Terapia Familiar Sistêmica se tornou relevante na


compreensão dos sistemas familiares e ajudou trazendo
estratégias capazes de promover uma forma mais saudável de estabilidade no sistema. Ela
vem sendo bastante utilizada em psicoterapia de casal e
família, bem como em metodologias psicossociais.

9.4. Gunthard Weber

Especialista em Constelação Sistêmica, Weber foi o


editor dos primeiros livros de Bert Hellinger. Ele é
considerado o grande fundador do trabalho sistêmico nas
organizações e também foi responsável pelo
desenvolvimento desse conhecimento.

Atualmente, existem centros de treinamento espalhados pelo mundo que investem na


capacitação de profissionais das áreas de recursos humanos, de administração, bem como
empresários e outros, voltados para a compreensão da Constelação Organizacional e de
como esse estudo pode ser positivo em seus respectivos ambientes de trabalho.
24

9.5. Matthias Varga Von Kibed e Insa Sparrer

Criada em 1989, a Constelação Estrutural vem


evoluindo constantemente sob os cuidados do casal Matthias
Varga e Insa Sparrer, já citados nesse material. Eles
apresentam através dos seus ensinamentos diversas formas de
se trabalhar com as constelações estruturais, seja por meio de
estruturas lógicas, de roteiros, com sentimentos e emoções,
com as dimensões da vida e com conflitos de interesses.

A constelação estrutural vem sendo utilizada principalmente nas áreas de Terapia e


Mediação, tratando de conflitos pessoais, relacionais e familiares; Consultoria e RH;
Marketing e Vendas, fazendo o lançamento de campanhas, produtos, marcas, planos de
negócio, etc.; e promovendo o desenvolvimento de talentos, planos de carreira e reorientação
profissional.

9.6. Sami Storch

Juiz de Direito no Estado da Bahia, Sami Storch fez


diversos cursos de formação e treinamentos em Constelações
Sistêmicas Familiares e Organizacionais. Seu papel foi
fundamental para a introdução da Constelação no âmbito
jurídico.

Storch ministra palestras e workshops de constelações


familiares em diversos lugares e vem alcançando elevados
índices de conciliações com a utilização dos princípios e técnicas das constelações sistêmicas
para a resolução de conflitos no Judiciário.

9.7. Sophie Hellinger

Casada por mais de 15 anos com Bert Hellinger, Sophie


Hellinger é um dos grandes nomes da Constelação Familiar. Após
o falecimento do marido, ela segue na incansável missão de dar
continuidade ao trabalho que ambos desenvolviam com as
constelações. Ela trabalhou ao lado do marido como pesquisadora
e colaboradora, auxiliando no avanço dessa técnica que foi
ganhando novos contornos com o passar dos anos.

Sophie é autora do “Cosmic Power”, um estudo que


envolve a energia humana e que trata de acontecimentos que revelam ligações profundas até
então desconhecidas e que vão além da nossa imaginação. Trata-se de um estudo sobre as
forças que movem o Universo.

Como pudemos ver, antes de Bert Hellinger, grandes homens e mulheres deram
passos imprescindíveis para a compreensão do que hoje conhecemos como constelações
25

familiares. Ele deixa isso bem claro em sua autobiografia, fazendo menção a cada
influenciador dos seus estudos. Hoje, o número de profissionais que se dedicam nessa técnica
tem aumentado exponencialmente e isso tem sido de grande importância para os diversos
setores da nossa sociedade.

10. FILOSOFIA

A filosofia tem papel relevante no desenvolvimento da Constelação. O fato de Bert


Hellinger possuir formação nessa área demonstra que muito de sua base foi construída a
partir dessa disciplina, que teve seu surgimento no início do século VI a.C., na Grécia antiga,
tendo como figura exponencial Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo, muito
embora o termo “filosofia” tenha sido da autoria de outro filósofo, Pitágoras.

Na antiguidade era comum a idolatria aos deuses, considerados os responsáveis por


toda a criação e circunstâncias ao redor. Qualquer explicação que se buscasse acerca do
universo encontrava respaldo na mitologia grega e em toda a sua crença politeísta. Não havia
uma distinção entre a religião e as demais atividades.

Em um dado momento da história, as explicações mitológicas em torno de


acontecimentos naturais, humanos e sociais já não estavam sendo suficientes. Isto se deu,
dentre outras coisas, por conta da potência marítima e pelo fato de ser a Grécia um
importante centro de comércio, permitindo o contato com outros povos e culturas. A riqueza
de comerciantes provocou transformações profundas tendo em vista a substituição dos
valores aristocráticos pelos valores da nova classe em ascensão.

Havia a necessidade também de se buscar uma vertente racional que justificasse


claramente todos os aspectos relacionados à evolução humana. A crença nas divindades foi
perdendo força e sendo gradativamente substituída pela necessidade racional de se buscar
explicações para tudo que existe. Foram essas inquietudes que levaram gregos a encontrarem
as bases de construção dos fundamentos da racionalidade lógica ao longo dos anos, surgindo
a filosofia.

A história da filosofia grega, segundo Marilena Chauí2, é composta por quatro


períodos, que são: Período pré-socrático ou cosmológico (do final do século VII ao final do
século V a.C.), período em que a filosofia se ocupa fundamentalmente com a origem do
mundo e as causas das transformações da natureza. Período socrático ou antropológico (do
final do século V e todo o século IV a.C.), quando a filosofia investiga as questões humanas.
Período Sistemático (final do século IV ao final do século III a.C.), quando a filosofia busca
sistematizar tudo quanto foi pensado pela cosmologia e pelas investigações sobre a ação
humana na ética, na política e nas técnicas. Período helenístico ou greco-romano (do final
do século III a.C. até o século IV d.C.). Nesse longo período, que abrange a época do domínio
mundial de Roma e do surgimento do cristianismo, a filosofia se ocupa, sobretudo com as

2
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, Editora Ática, 2006, p. 36.
26

questões da ética, do conhecimento humano e das relações entre homem e a natureza e de


ambos com Deus.

Os fundamentos da filosofia demoraram a se estabelecer tendo em vista que na


antiguidade o pensamento era impregnado de mitos e convicções religiosas, o que dificultou
o estabelecimento da racionalidade específica da filosofia, que já surgiu baseada na maneira
como concebemos o pensamento racional atualmente.

Num primeiro momento, a filosofia tinha como objetivo trazer esclarecimentos


racionais e coerentes às questões da physis relacionadas à ideia de cosmologia e,
posteriormente, às questões voltadas à polis. Novas temáticas surgiram no decorrer dos anos
e foram sendo incorporadas aos pensamentos filosóficos, marcados essencialmente por uma
explicação racional dos fenômenos que traziam inquietações aos pensadores da época.

Mas o que seria a filosofia? O seu conceito é tão amplo que uma definição de
dicionário não traria tanta clareza ao ponto de evitar dúvidas ao seu respeito. O seu conceito
parte de um conjunto de ideias que se complementam em busca de um sentido. Podemos
analisar o significado da filosofia por meio de sua etimologia.

Segundo Marilena Chauí, a palavra grega filosofia é composta de duas outras: philo
e sophia. A primeira seria “aquele ou aquela que tem um sentimento amigável”, uma vez
que deriva de philia, que tem por significado “amizade e amor fraterno”. Sophia vem de
“sabedora” e dela vem a palavra sophós, que significa sábio. A filosofia seria, portanto, a
amizade pela sabedoria ou o amor e respeito pelo saber.

Ainda segundo a autora, a filosofia traz a ideia de despertamento para o saber. Tem
a ver com o estado de espírito da pessoa que deseja obter conhecimento, que o procura e o
respeita. Mas a palavra em si não pode ser interpretada exclusivamente nesses dois aspectos
acima descritos, senão estaríamos fadados a uma visão meramente contemplativa, algo que
se exerceria apenas no âmbito ideológico. A verdade é que a definição etimológica, por si
só, não permite que se estabeleça um sentido concreto do termo, considerando toda a sua
complexidade.

Pensando nessa complexidade, Deleuze e Guatarri3 fazem uma abordagem mais


ampla, afirmando que a filosofia não se trata apenas de contemplações, tampouco se trata de
reflexão, por que ninguém precisa de filosofia para refletir sobre qualquer coisa. Por
exemplo, ninguém esperou a opinião dos filósofos para refletir sobre a matemática e ela se
desenvolveu na sua forma. De igual modo, os artistas com suas pinturas ou suas canções.
Não faria sentido equipará-los aos filósofos já que suas reflexões estão alinhadas às suas
respectivas criações. Por último, a filosofia não se refugia na comunicação.

Segundo Deleuze, a missão da filosofia é, acima de qualquer outra coisa, criar


conceitos, pois o filósofo é um inventor de conceitos. Sendo assim, a filosofia não seria uma

3
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Tradução Bento Prado Jr. E Alberto Alonso
Muñoz. São Paulo: Editora 34, 1992.
27

simples arte de formar, de inventar ou de fabricar conceitos, pois estes não são
necessariamente formas, achados ou produtos. A filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina
que consiste em criar conceitos. Ela é tomada como um ato, o ato de pensar. Conclui-se,
portanto, que a questão da filosofia é o ponto singular onde o conceito e a criação se remete
um ao outro.

Estudar filosofia é essencial porque não se pode pensar em alguém a quem não lhe
seja solicitado refletir e agir. Ou seja, a capacidade que todo ser humano tem de pensar a
respeito do universo, de se posicionar enquanto componente racional nesse mundo, com sua
consciência moral e política, deveria direcionar a sua maneira de agir no tempo e no espaço.

Importante tecer algumas considerações sobre os pensadores que marcaram a história


da filosofia. São eles:

10.1. Pitágoras

A consciência mítica predominava entre os


antigos gregos, tendo como referência os poemas
escritos por Homero e Hesíodo. Mas quando a
mudança de consciência acontece, dá-se ênfase
àquilo que é racional e os primeiros sábios começam
a surgir. Um deles foi Pitágoras, que nasceu na ilha
de Samos, por volta de 570 a.C.

Considerado como um dos grandes filósofos


pré-socráticos da Grécia antiga, Pitágoras estudou
astronomia, música, literatura e matemática, sendo o responsável por usar pela primeira vez
o termo “filosofia”, que, como já dito anteriormente, significa “amor à sabedoria”. A
etimologia da palavra já denota que a filosofia não seria pura razão, mas sim a procura
amorosa pela verdade.

Pitágoras foi perseguido por suas ideias revolucionárias e teve que se mudar algumas
vezes. No sul da Itália ele fundou a Escola Pitagórica, de caráter místico-filosófico. No Egito,
ele passou a observar as pirâmides e criou o conhecido “Teorema de Pitágoras”. Sua morte
aconteceu em Metaponto, na Itália, por volta de 490 a.C.
28

10.2. Sócrates

Mesmo não sendo o primeiro filósofo da história, é considerado


como o “pai da filosofia” em razão de sua relevância na filosofia
ocidental. Ele viveu por volta do século V a.C. na cidade de
Atenas. Era um homem que chamava atenção pela sua fisionomia
incomum, sendo considerado o homem mais feio de Atenas, mas
que fascinava os jovens com sua sabedoria e passava horas
discutindo em praça pública. Tinha o costume de fazer perguntas
aos que se achavam dominadores de determinado assunto. Sua
postura levava todos a se reconhecerem como ignorantes e isso
provocava ira nas pessoas, fazendo com que colecionasse muitos
inimigos. Outros, porém, o admiravam e o seguiam.

Sócrates partia da concepção de que nada sabia e, deste conflito, iniciava suas
interrogações. Sua crítica ao saber dogmático não fazia dele o dono da verdade, mas permitia
o despertar de consciências adormecidas. Ele era subversivo, desnorteando e perturbando a
ordem do conhecimento e das práticas. Foi condenado à morte sob alegação de ter
corrompido a mocidade da época e, ainda, dentre outros motivos, por desconsiderar a
existência dos deuses mitológicos.

10.3. Platão

Nascido em Atenas por volta de 428 a.C., Platão era


considerado um dos discípulos de Sócrates, objetivando
sempre alcançar uma profunda reflexão sobre a razão e a
verdade. Ele estudou sobre escrita, música, pintura, poesia
e ginástica. Foi o autor de “A República”.

Com a morte de Sócrates, Platão dedicou-se com


mais afinco à filosofia, escrevendo vários diálogos, tendo
como figura central Sócrates. Ele se opôs ao regime
político de Atenas e buscou conhecimentos fora de sua
terra natal. Estudou Geometria em Megara, no Egito se
dedicou à Astronomia e no norte da África aprendeu sobre
matemática. Com essa gama de conhecimento, ele obteve
uma base intelectual que possibilitou criar suas próprias
teorias.

Platão retorna à Atenas e funda uma escola de filosofia chamada “Academia”, onde
era possível conhecer sobre Filosofia, Ciências, Matemática e Geometria. Mesmo com a
ordem do imperador Justiniano determinando o fechamento da Academia no ano de 529
a.C., as ideias de Platão já estavam massificadas e amplamente divulgadas. Era o chamado
“Platonismo”.
29

10.4. Aristóteles

Considerado como um dos grandes nomes da


filosofia grega, Aristóteles viveu entre os anos de 384 a.C.
e 322 a.C. Nascido na Macedônia, ainda muito novo se
mudou para Atenas e passou a estudar na Academia de
Platão, obtendo por parte deste um reconhecimento ímpar,
como se pode ver em um de seus discursos: “minha
Academia se compõe de duas partes: o corpo de estudantes
e o cérebro de Aristóteles”. Seria Aristóteles o principal
substituto de Platão após sua morte no ano de 347 a.C.

Aristóteles viveu durante um tempo em Atarneus, na


Ásia Menor. Ali ele se tornou conselheiro do filósofo
político Hermias, casando-se, posteriormente, com sua filha
adotiva, Pítria. Anos mais tarde, recebeu um convite de Filipe II, da Macedônia, para atuar
como preceptor na corte, período em que conseguiu aprofundar suas pesquisas e aprimorar
muitas de suas teorias.

Ao retornar a Atenas, ele fundou sua própria escola chamada Liceu, onde era possível
aprender sobre química, física, botânica, geometria, matemática, etc. Ali oferecia cursos
técnicos e ministrava aulas para a população em geral.

Aristóteles veio a ser perseguido novamente após a acusação de ter manifestado


apoio ao governo déspota. Isso fez com que ele se retirasse novamente de Atenas, vindo a
falecer um ano depois em Cálcis, na Eubeia.

11. FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Inicialmente, é importante compreender o significado de “ciência”. A palavra é


originária do latim, scientia, e traduzida quer dizer “sabedoria”. A ciência objetiva o
conhecimento de maneira sistemática, fazendo uso de leis científicas e matemáticas para
explicar os acontecimentos no mundo. Por exemplo, a chuva é um fenômeno da natureza
que, segundo os cientistas, tem explicações puramente naturais.

Muitas teses científicas foram se reconstruindo no decorrer dos anos conforme o


aprimoramento das técnicas do conhecimento, como é o caso do criacionismo, que atribuía
o surgimento do universo a uma entidade divina. Ao surgirem as teorias evolucionistas de
Charles Darwin, o criacionismo foi perdendo força e dando lugar a uma nova visão da
formação e evolução humana.

A filosofia da ciência surge no final do século XVIII, ganhando fundamentos sólidos


no século XIX. A ciência visa alcançar o conhecimento por meio de leis científicas, enquanto
a filosofia da ciência vem para questionar todos os aspectos que envolvem a ciência: desde
as pesquisas até sua utilização. Ela promove uma reflexão sobre o resultado científico obtido
e isso é de grande valia para a construção de um conhecimento mais confiável.
30

A discussão em torno da filosofia da ciência leva os filósofos de uma maneira geral


a se concentrarem nas ciências naturais, como a biologia, a química, a astronomia, a física e
as geociências. Eles examinam as implicações, pressupostos e fundamentos que resultam
disso. Segundo Paul Kleinman4, os critérios para a ciência são:

1. A criação de hipóteses que devem atender aos critérios lógicos da


contingência (falando em termos lógicos, elas não são necessariamente
verdadeiras ou falsas), de falseabilidade ou refutabilidade (ou seja, podem
ser comprovadas como falsas) e o de testabilidade (quer dizer que existem
chances reais de as hipóteses serem estabelecidas como verdadeiras ou
como falsas).
2. Uma consistente evidência empírica.
3. Uso do método científico.

De acordo com a visão do filósofo Karl Popper, o tema central da filosofia da ciência
é a demarcação do problema. Ou seja, é como o indivíduo pode distinguir entre o que é
ciência e o que não é. Para ele, toda afirmação científica deve poder ser comprovada como
falsa. Se, após muitos esforços, nenhuma prova puder ser encontrada, então isso significa
que a afirmação é provavelmente verdadeira.

Filosofia e ciência possuem características distintas, mas não podem ser consideradas
áreas opostas do saber. Como já foi dito, é por meio da filosofia que a ciência encontra a
direção para o alcance do conhecimento racional. Porém, o método científico vai além, pois
não se limita à racionalidade, mas busca provar de forma empírica, através de testes rigorosos
que as suas suspeitas são verdadeiras. Enquanto a filosofia se apega a conceitos e
argumentos, a prática vem por meio da ciência.

No decorrer da história, muitos estudaram sobre a


filosofia da ciência, dentre os quais podemos citar:

11.1. Galileu Galilei

Referência na revolução científica nas áreas da física


e astronomia, Galileu Galilei pode ser considerado o fundado
da ciência moderna e o pai da física e da matemática. Seus
estudos foram importantes para a descoberta de planetas e
satélites.

Nasceu em Pisa, Itália, no ano de 1564. Chegou a


cursar medicina por pressão do pai, mas abandonou o curso
e se dedicou à matemática clássica. Sua vocação para os fenômenos astronômicos e para os
cálculos matemáticos fizeram dele um dos grandes cientistas do século XVI.

4
KLEINMAN, Paul. Tudo que você precisa saber sobre filosofia: de Platão e Sócrates até a ética e metafísica,
o livros essencial sobre o pensamento humano. Trad. Cristina Sant’Anna. 7ª ed. São Paulo: Editora Gente,
2014, p. 212.
31

Em razão de seus estudos, outros cientistas e filósofos se inspiraram e puderam


desenvolver teorias nas diversas áreas do conhecimento, como Isaac Newton, que criou as
três Leis dos Movimentos dos Corpos e a Lei da Gravitação Universal.

11.2. René Descartes

Responsável pela criação do pensamento cartesiano, que conduziu à formação da


Filosofia Moderna, René Descartes foi um filósofo e matemático francês, cuja obra principal
se chama "O Discurso sobre o Método", de 1637.

Nascido na pequena cidade francesa de La Haye no


ano de 1596, ele foi enviado ainda muito novo a uma escola
jesuíta onde se familiarizou com a lógica, retórica,
metafísica, astronomia, música, ética e filosofia natural. Ele
chegou a cursar a Faculdade de Direito, mas nunca exerceu a
profissão, pois alegava que queria descobrir o mundo e o
conhecimento que estava dentro dele próprio. Ele formulou
sua geometria analítica e o método de raciocínio correto,
trazendo um sistema de coordenadas que hoje é conhecido
como Plano Cartesiano. Propôs ainda uma ciência unitária e
universal, lançando as bases do método científico moderno.

René Descartes tinha um pensamento filosófico que defendia a busca pela verdade.
Ou seja, a filosofia não poderia estar alinhada ao falso, pois sua maior preocupação era com
a clareza. Segundo ele, existem quatro regras para a obtenção de conhecimento: nada é
verdadeiro até ser reconhecido como tal; os problemas precisam ser analisados e resolvidos
sistematicamente; as considerações devem partir do mais simples para o mais complexo; e,
o processo deve ser revisto do começo ao fim par que nada importante seja omitido.

Descartes se tornou famoso pela sua célebre afirmação: Penso, logo existo. Para ele,
o ato de pensar faz prova da existência individual. Todos possuem a capacidade da razão –
sem ela, o indivíduo simplesmente não seria humano.

11.3. Isaac Newton

Considerado um dos maiores nomes da história, Isaac


Newton trouxe inúmeras contribuições para a ciência, por meio da
física e da matemática. Ele é o responsável pela conhecida “Lei da
Gravitação Universal” e trouxe nuances sobre alguns fenômenos
como a natureza e decomposição da luz. O seu desenho e
construção de um telescópio de reflexão foi um marco na história
no ano de 1668.

Entre outras contribuições suas estão a análise do movimento circular e das forças
que se conectam a esse movimento, levando à compreensão do movimento da lua e dos
planetas em relação ao sol. As famosas Leis de Newton são estudadas até os dias de hoje, a
32

saber: Primeira Lei de Newton (princípio da inércia), Segunda Lei de Newton (princípio da
dinâmica) e Terceira Lei de Newton (princípio da ação e reação).

11.4. Friedrich Wilhelm Nietzsche

Natural de Rocken, na Alemanha, Nietzsche nasceu no dia 15 de outubro de 1844 e


cresceu aos cuidados de sua mãe, haja vista seu pai ter falecido quando tinha apenas quatro
anos de idade.

Na universidade ele estudou filologia, uma


disciplina que se concentra na interpretação de textos
clássicos e bíblicos, mas com o passar dos anos seu amor
pela filosofia foi ganhando notoriedade, principalmente
quando lançou o livro “Humano, demasiado humano”, que
retratava críticas aos valores.

No final do século XIX, com a ascensão do estado


alemão e os avanços da ciência, muitos filósofos alemães
viam a vida diária com muito otimismo, enquanto que
Nietzsche enxergava o oposto. Para ele, havia nitidamente
uma crise de valores. Em seu livro “Assim falava
Zaratustra”, ele declara que Deus está morto, porque os
avanços da ciência fizeram com que pessoas
desconsiderassem os valores trazidos pelo cristianismo, ou seja, havia se perdido a
compreensão do que era bom e mau.

Nietzsche faleceu no ano de 1900, após passar longos onze anos em estado vegetativo
devido uma crise de sanidade mental. Ficou durante esse tempo aos cuidados de sua irmã,
que foi responsável por publicar uma gama considerável de textos escritos por ele.

12. MÉTODO INDUTIVO E DEDUTIVO

Os métodos indutivo e dedutivo são diferentes raciocínios utilizados para atestar a


veracidade de uma informação. Faz-se o uso de premissas e proposições para se obter uma
conclusão válida diante do que foi afirmado.

A indução é um método argumentativo no qual, a partir de dados singulares


suficientemente enumerados, infere-se uma verdade universal. Já a dedução obtém uma
conclusão a partir de verdades que são universalmente conhecidas.

Em síntese, seria da seguinte forma:

➢ Método indutivo: a lógica segue do menor para o maior ou de um argumento


singular para o geral. Ele é muito utilizado na ciência.
➢ Método dedutivo: a lógica segue do maior para o menor ou de um argumento
geral para o particular. Não traz conhecimentos novos, porque suas premissas
já partem de uma conclusão lógica.
33

Tomemos como exemplo os seguintes dados para a indução: determinada quantidade


de água ferve a cem graus, uma outra quantidade também, logo, conclui-se que o ponto de
fervura da água é a cem graus; o ouro, o zinco e a prata conduzem eletricidade, logo, o metal
é um condutor de eletricidade. Segundo Wesley Salmon: “podemos afirmar que as premissas
de um argumento indutivo correto sustentam ou atribuem certa verossimilhança à sua
conclusão”.

A criação do método indutivo é atribuída a Francis Bacon, um filósofo inglês que


viveu entre os anos de 1561 a 1626. Ele se tornou conhecido por suas imensas contribuições
para a evolução da filosofia natural e da metodologia científica.

Bacon preferia a observação, a experimentação e a interação, razão pela qual se


dedicou à criação de métodos baseados em provas tangíveis em um esforço para explicar a
ciência. No seu livro Novum Organum, ele detalha o método indutivo, que alia o processo
de observar a natureza com cuidado e acumular dados de forma sistemática.

Segundo Paul Kleinman, o processo do método indutivo obedece ao seguinte:

➢ Acumular uma série de observações empíricas em relação à característica que


está sob investigação;
➢ Classificar os fatos em três categorias: momento em que a característica
investigada está presente; momento em que ela se encontra ausente e, por fim,
no momento em que ela está presente em graus variáveis;
➢ Ao final, deve-se fazer uma análise com vistas a identificar as possíveis
causas que conduziram aos resultados obtidos, identificando os aspectos
positivos e rejeitando aqueles que não contribuíram para os fins propostos.

Por sua vez, o método dedutivo trabalha com uma estrutura de raciocínio lógico que
busca averiguar a veracidade de informações já existentes. É muito utilizado na física e
na matemática para resolver problemas que exigem a aplicação de premissas gerais em
situações específicas. Costuma ser chamado de raciocínio dedutivo, método hipotético-
dedutivo ou apenas de dedução.

A conclusão no método dedutivo é obtida a partir da redução de alcance de uma


premissa geral, por exemplo:

1. Todo peixe sabe nadar.


2. O tubarão é um peixe.
3. O tubarão sabe nadar.

Aristóteles, filósofo já citado anteriormente, foi o grande influenciador deste método.


Ele apresentou um sistema de pensamento que ficou conhecido como lógica aristotélica, que
faz uso do silogismo para obter conclusões. A dedução é, pois, um método que está pautado
na racionalidade.
34

O que é importante mencionar nesse método é que todas as proposições precisam ser
válidas para que o resultado seja válido. A conclusão corre o risco de ser falsa se entre as
proposições existe uma que não corresponde à verdade. É o que acontece na seguinte
situação:

1. Todas as aves são capazes de voar.


2. O avestruz é uma ave.
3. O avestruz é capaz de voar.

A conclusão do exemplo acima é falsa porque uma das proposições é falsa. O


avestruz, muito embora seja uma ave, ele não consegue voar. Sendo assim, por meio do
método dedutivo pôde se constatar que uma das argumentações é falsa, uma vez que não
pode ser confirmada no contexto apresentado.

13. EMPIRISMO

O empirismo é uma corrente filosófica que tem sua origem em Aristóteles e traz a
ideia de que todo conhecimento decorre da experiência sensorial. Ou seja, nossos sentidos
são responsáveis por obter as informações brutas do mundo que nos cerca e a nossa
percepção sobre essas informações dá início a um processo de formulação de ideias e
crenças.

O termo empirismo surge da palavra grega “empeiria”, que tem por definição
experiência. Rejeita-se, pois, a ideia de que todo ser humano nasce com um conhecimento
inato. As pessoas só adquirem conhecimento a posteriori, ou seja, com base na experiência
de vida. Paul Kleinman5 vai citar três tipos de empirismo:

➢ Empirismo clássico: está associada à teoria da tábula rasa de John Locke.


Para ele, todo ser humano seria uma tábula, a saber, um instrumento romano
de escrita feito com cera, em que as pessoas escreviam com uma espécie de
estilete e, quando precisavam apagar, raspavam ou derretiam o material.
Quando ela estava sem inscrições era chamada de tábula rasa. Trazendo para
nossos dias é como se fosse uma folha de papel em branco. Significa que todo
ser humano nasce sem conhecimento algum. É rejeitada, pois, a mentalidade
de um conhecimento inato e adota-se a concepção de que nada sabemos ao
nascer. Por meio da experiência é que vem o conhecimento.
➢ Empirismo radical: ganhou destaque com a contribuição do filósofo norte-
americano William James. Segundo ele, todo o conhecimento de uma pessoa
deriva dos sentidos. Assim, a definição de uma informação estaria ligada às
experiências capazes de confirmá-la. Como todo conhecimento deriva dos
sentidos, não se pode falar sobre algo que não tenha sido experimentado. Se
uma afirmação não pode ser vinculada à experiência, essa afirmação não tem

5
KLEINMAN, Paul. Tudo que você precisa saber sobre filosofia: de Platão e Sócrates até a ética e metafísica,
o livros essencial sobre o pensamento humano. Trad. Cristina Sant’Anna. 7ª ed. São Paulo: Editora Gente,
2014, p. 83-84.
35

significado. No empirismo radical as religiões e crenças precisam ser


abandonadas em razão da falta de experiência em confirmá-las.
➢ Empirismo moderado: considera que existem casos em que o conhecimento
não se fundamenta na experiência. À titulo de exemplo, a equação “10 + 5 =
15” traz uma verdade que não requer investigação. Contudo, qualquer forma
significativa de conhecimento ainda é obtida exclusivamente por meio da
experimentação.

A corrente empirista teve como impulsionadores os filósofos Thomas Hobbes, John


Locke e David Hume. Eles acreditavam que quanto mais intensas, amplas e ricas fossem as
experiências, mais profundo seria o conhecimento sobre o assunto.

Na visão de Hobbes, o conhecimento seria o despertar de variadas etapas, como a


sensação, a percepção, aquilo que se imagina, a capacidade de memorização e a experiência.
Cada um deles funcionando como um degrau para se chegar ao outro. Assim, de forma
gradativa se obtém o conhecimento.

Para Francis Bacon, criador do método indutivo já citado anteriormente, o


conhecimento seria obtido por meio da repetição de experiências, podendo ser objeto de
controle pela observação metódica de cada indivíduo.

John Locke defende a ideia de um empirismo crítico, no qual se veicula que o corpo
e a alma compõe o ser humano de forma simultânea. Sendo assim, não podem ser analisadas
separadamente. Para ele, não existe qualquer tipo de conhecimento racional inato, pois é a
alma é que impulsiona o corpo a obter o conhecimento.

Para David Hume, as sensações e percepções do ser humano ao longo de sua vida é
que permitem a geração de ideias. Ele realça a importância dos sentidos na busca pelo
conhecimento. Seria, pois, o grau de intensidade de suas experiências que levaria o indivíduo
a um nível mais profundo do saber.

➢ Empirismo x Racionalismo

Existe, no entanto, outra teoria que se contrapõe ao empirismo. É o chamado


“racionalismo”, que acredita na razão como fonte do conhecimento, e não nos sentidos. Para
os racionalistas, sem os princípios e categorias previamente entregues, os seres humanos não
seriam capazes de organizar e interpretar as informações oferecidas pelos sentidos. Assim,
todos contariam com conceitos inatos e, então, aplicariam o raciocínio dedutivo.

René Descartes defendia a ideia de uma racionalidade universal, que acompanha o


homem desde o seu nascimento. Segundo ele, todo ser humano é um ser racional, porém
nem todos fazem uso da razão para viver. Seria a razão o aspecto mais bem distribuído entre
os seres humanos, pois o conhecimento é composto de ideias inerentes à intelectualidade
humana.
36

Alguns racionalistas acreditam que existem proposições que são conhecidas apenas
como resultado da intuição, enquanto outras o são por meio da dedução de uma proposição
intuída. Seria a intuição um tipo de percepção racional e, pela dedução, todos são capazes
de chegar a conclusões a partir de premissas intuídas, utilizando argumentos válidos. Assim,
no momento em que uma parte do conhecimento é conhecida, o indivíduo poderá deduzir as
demais com base nesse primeiro conhecimento.

Trazendo um exemplo, digamos que uma pessoa pode, com base na sua intuição,
falar que o número 3 é primo e menor do que 4, deduzindo, por conseguinte, que existe um
número primo que é menor que 4. Todo o conhecimento que for obtido por meio desse
processo de intuição e dedução é, num primeiro momento, alcançado independentemente
dos sentidos. Foi dessa forma que os racionalistas criaram teses que trouxeram explicações
para a matemática, a ética, a metafísica, etc.

Há outros racionalistas que acreditam que o conhecimento não decorre da intuição


ou da dedução, mas que tê-lo é apenas parte da natureza humana. Enquanto alguns acreditam
que o conhecimento vem de Deus, outros creem numa possível seleção natural.

Os empiristas discordam do pensamento racionalista, pois, como já dito, o


conhecimento somente seria alcançado por meio dos sentidos. Para eles, existem ideias que
tomam como base a experiência imediata, que permite conhecer aspectos mais simples,
como diferenciar um cachorro de um homem. Assim também existem ideias complexas que
partem da junção de outras mais simples e que podem levar à compreensão de seres
mitológicos como um dragão.

14. MECANICISMO

Considerado como o grande movimento intelectual do século XVII, o mecanicismo


foi estudado por diversos filósofos e cientistas da época, trazendo uma visão de mundo que
provocou inúmeras controvérsias.

O mecanicismo, de forma geral, é definido como uma teoria determinista pela qual
os fenômenos do mundo decorrem de uma causalidade mecânica. Para o deísmo, o universo
é sustentado por um mecanismo que considera a existência de um ser superior, no caso,
Deus. Para a biologia, os fenômenos que envolvem todos os seres vivos são mecanicamente
determinados.

César Augusto Battisti6 conceitua o mecanicismo como um modelo explicativo das


mais diferentes manifestações do mundo natural. Ele cita cinco eixos centrais básicos para a
teoria mecanicista:

1) A uniformização e a redução das entidades e dos processos existentes na


natureza, de modo que todo fenômeno possa ser explicado por meio de

6
BATTISTI, César Augusto. A Natureza do Mecanicismo Cartesiano. Disponível em: https://nexos.ufsc.br/-
index.php/peri/article/view/833. Acesso em: 29-06-2021.
37

elementos simples, tais como a matéria e o movimento, e de seus


diferentes arranjos e combinações;
2) A utilização de modelos explicativos, inspirados na concepção e no
funcionamento das máquinas, de sorte que os fenômenos naturais
possam ser entendidos como mecanismos semelhantes aos inventados
pelo homem e cujo conhecimento implique a possibilidade de sua
decomposição e reconstrução e, portanto, de sua reprodução e imitação;
3) A introdução da matemática como instrumento de análise e de explicação
científica, de maneira que o conhecimento de um fenômeno só estará
completo se puder ser traduzido, em algum sentido, quantitativa ou
geometricamente;
4) A substituição da distinção entre coisas naturais e coisas artificiais pela
distinção entre mundo humano e mundo natural, entre o mundo da
liberdade e da consciência, por um lado, e o mundo do determinismo
material, por outro, de modo que não se poderá mais transpor
propriedades entre eles nem avaliar um a partir do outro;
5) A clara distinção entre causa final e causa eficiente ou operativa, com a
consequente negação da possibilidade de conhecer, caso existam, as
causas finais da natureza.

O mecanicismo surgiu se contrapondo ao organicismo, que via o mundo como um


organismo vivo voltado a um fim específico. Na ordem mecânica, a natureza e tudo o que a
envolvia era regida por leis rígidas, como uma máquina composta de peças que se interligam
para fazê-la funcionar. O conhecimento das peças da máquina nem sempre estava nas mãos
exclusivas de seu idealizador.

René Descartes foi um dos grandes defensores da teoria mecanicista. Para ele, não
haveria distinção alguma entre as máquinas que os artesãos faziam e os inúmeros organismos
que a natureza sozinha era capaz de produzir, senão o fato de que os instrumentos que ligam
os corpos naturais são muito pequenos que não poderiam ser percebidos pelos sentidos.
Assim, um relógio que marca as horas é tão natural quanto uma árvore que produz frutos.

Não há que se falar em mecanicismo sem que se possa falar sobre reducionismo. Este
trabalha com a ideia de que é possível reduzir o domínio de fenômenos primitivos existentes
na natureza. Ou seja, uma partícula pode ser reduzida em moléculas, nas quais se encontram
átomos. A ideia central do reducionismo é encontrar o último componente da realidade.
Fazendo isso é possível encontrar explicações de variados fenômenos.

Seguindo a lógica reducionista, René Descartes tinha como objetivo unificar as


ciências para se chegar a uma só ideia, de onde tudo fluía e constituiria, assim, um
conhecimento universal. Sendo assim, todas as ciências deveriam ser estudadas em conjunto,
pois a razão que as fundamenta seria a mesma.

15. EPISTEMOLOGIA
38

A palavra epistemologia vem do grego episteme, que significa “conhecimento”, e


logos, que remete “ao estudo de”. Assim, epistemologia se refere ao estudo do
conhecimento, a diferença entre ciência e senso comum. Os filósofos que se dedicam a esse
estudo se dividem em duas categorias: a natureza e a extensão do conhecimento.

Antes de se determinar o que se conhece e o que não se conhece, é preciso definir o


que é o conhecimento. Busca-se determinar a natureza do conhecimento antes de se adentrar
em qualquer tipo de compreensão ou distinção que diga respeito a ele. Assim vale também
para o nível de extensão do conhecimento que se busca. Os filósofos tentam entender quanto
podemos conhecer e como todo o conhecimento é adquirido, seja pela percepção, seja pela
razão ou até mesmo pela influência dos outros.

Dentro da epistemologia também se procura entender se o conhecimento possui um


limite e se existem coisas presentes em nosso meio que são absolutamente incompreensíveis.
Sendo assim, é possível que não saibamos tanto quanto nós acreditamos saber de verdade.

Alguns filósofos sustentam que existem diferentes tipos de conhecimento. Alguns


dizem ser ele factivo, ou seja, só é possível conhecer aquilo que de fato é real. Outros
classificam o conhecimento em processual, que seria aquele em que o indivíduo o obtém em
razão do desempenho de algum tipo de atividade ou processo, como andar de patins. Por sua
vez, o conhecimento familiar seria aquele alcançado em razão da experiência com a
realização de algo.

Os epistemologistas dão mais ênfase no conhecimento proposicional, que seria


aquele baseado em proposições afirmativas declarativas, usadas para descrever o estado de
situações ou de fatos, podendo elas serem verdadeiras ou falsas. À título de exemplo: “os
golfinhos são animais mamíferos” e “10 + 10 = 25”. Estas são proposições, muito embora a
segunda esteja errada. Esse tipo de conhecimento envolve assuntos variados, nele incluídos
o aspecto geográfico, a matemática, a ciência, etc.

Um dos objetivos da epistemologia é entender os princípios do conhecimento para


identificar o que pode e o que não pode ser conhecido. Paul Kleinman vai dizer que o
conhecimento proposicional também se divide em: conhecimento anterior a qualquer
experiência (a priori) e conhecimento após uma experiência (a posteriori).

Como o conhecimento é bastante amplo, os epistemologistas tentam encontrar um


entendimento universal do conhecimento que possa ser utilizado para todas as proposições.
Para isso, falam de três requisitos indispensáveis: crença, verdade e justificação.

A crença seria a ideia de que o conhecimento se encontra presente apenas na mente.


Seria, pois, um estado mental. Se a pessoa não possui crença alguma, então não haverá
conhecimento concernente àquilo. A chamada crença corrente seria aquela corriqueiramente
cultivada, porém, sabe-se que a maioria das crenças dos indivíduos não segue esse perfil,
ficando ele apenas como pano de fundo. Diz-se que uma somente pequena porção do
conhecimento é ativada.
39

Quanto ao requisito “verdade”, diz que nem tudo que é crença é conhecimento. Ela
não exclui a crença, mas deixa claro que não é o único requisito, pois é necessário que haja
algo que permita que o pensamento de uma pessoa corresponda ao mundo real. Em outras
palavras, não podem ser considerados conhecimento os pensamentos que não dizem respeito
à realidade. Por exemplo, ninguém pode ter certeza que um elevador funcione corretamente
se não usá-lo pela primeira vez. Caso ele pare de funcionar no primeiro uso, não pode dizer
que sabia antes que ele funcionava perfeitamente. Assim, para que uma crença seja
considerada conhecimento, ela tem de ser uma verdade. Se esta não existir, o conhecimento
não existe.

O ultimo requisito é a justificação, o qual defende que o conhecimento só existe se


houver justificativas para as crenças verdadeiras, pois mesmo quando alguém possui uma
crença em algo, isso não dá a ela o conhecimento. Fala-se em evidências sólidas que deem
fundamento para as crenças verdadeiras. Qualquer tipo de dúvida ou informação errada não
pode ser considerada conhecimento.

Aliada a esses requisitos surge a falibilidade, que seria uma ideia filosófica no sentido
de que nenhuma crença pode ser sempre apoiada e justificada. Significa que, ainda que a
pessoa tenha uma falsa crença, é possível obter o conhecimento.

Em suma, a ideia central da epistemologia é a diferenciação do que é ciência e senso


comum. Por exemplo, alguém pode falar que suas orelhas estão quentes porque alguém está
falando dela, mas não existem dados científicos que comprovem isso. É o oposto da pessoa
que diz que suas orelhas estão vermelhas porque sua pressão arterial está alterada e isso
reflete em todo o seu corpo.

16. FENOMENOLOGIA

A fenomenologia estuda a consciência e a experiência


pessoal. Ela ganhou destaque no século XX como um ramo da
filosofia, sendo divulgada por Heidegger e Sartre. Contudo,
ambos não conseguiriam chegar tão longe nos estudos se não
fosse a contribuição de Edmund Husserl (1859-1938),
considerado o fundador da fenomenologia.

Edmund Husserl iniciou sua carreira com a filosofia da


matemática. Em suas pesquisas iniciais ele entendia que a aritmética seguia um empirismo
extremamente rígido. Posteriormente, concluiu que algumas verdades aritméticas não
poderiam ser explicadas pelo empirismo. Husserl defendia que as verdades não poderiam
ser reduzidas pela mente humana e a partir daí ele começa a traçar o estudo sobre a
fenomenologia.

Mas o que seria um fenômeno? Para as pessoas em geral seria algo fora do comum,
mas para a filosofia ele significa a representação de uma coisa ou a forma como ela se
manifesta. O termo em si tem origem no grego e tem por definição: “aquilo que aparece”. A
dicotomia entre o ser e o parecer é que faz necessária a discussão acerca da fenomenologia.
40

O esforço de Husserl se encaminha para a discussão da situação gerada pelo


positivismo: a crise da filosofia, a crise das ciências e a crise das ciências humanas. Era
urgente demonstrar que tanto a filosofia como as ciências humanas teriam viabilidade a partir
de uma nova forma de se pensar os seus fundamentos.

Segundo Husserl, a fenomenologia sustenta que toda consciência tem suas


intencionalidades, ou seja, todas as ações do indivíduo são voltadas para objetos, sejam eles
materiais ou ideais. Não haveria uma consciência pura, desligada do mundo. O exercício de
descrever um objeto só seria possível se o objeto realmente existisse. O objeto é um
fenômeno, algo que aparece para uma determinada consciência.

Inicialmente, Husserl tinha essa visão realista das coisas, de modo que, se alguém
notasse a existência de um objeto, significava que duas coisas existiam: a consciência e o
objeto em si mesmo. Pouco tempo depois, ele mudou seu foco de estudo para analisar a
intencionalidade e o ego. Sua evolução se encaminhou para as ideias transcendentais.

A distinção entre o ponto de vista natural e o fenomenológico veio por meio de seu
livro “Ideias para uma fenomenologia pura”. No escopo natural, o indivíduo tem sua
consciência voltada para os objetos presentes de fato, enquanto que no olhar
fenomenológico, o indivíduo ultrapassa todas as barreiras externas para compreender a
consciência do objeto. Para isso, é necessário se desprender de diversas características de
sua experiência para se submeter a uma série de reduções fenomenológicas.

Paul Kleinman traz um exemplo de redução fenomenológica chamado de Epoché.


Husserl dizia que as pessoas se mantinham em cativeiro por limitar muitos aspetos da vida,
como a linguagem, a cultura, a lei da gravidade, etc. A epoché viria como uma forma de
reduzir esses aspectos. Ou seja, a pessoa deixaria de considerá-los como verdadeiros para
conseguir conquistar uma autoconsciência, que lhe permitiria parar de se enxergar como
integrante das coisas que aceitava no mundo.

Em contrapartida, existe também a redução em si, que é um método de


reconhecimento da aceitação apenas como o que ela é: uma aceitação. O conhecimento
transcendental viria quando a pessoa fosse capaz de enxergar uma aceitação como uma
aceitação. Tanto a epoché como a redução em si formam o processo de redução
fenomenológica.

Husserl passou boa parte da sua vida se dedicando a esclarecer as ideias que giravam
em torno da redução transcendental, mas cada vez mais controvérsias surgiam. Assim, a
fenomenologia se dividiu entre aqueles que acreditavam na redução transcendental e aqueles
que se recusavam a acreditar nela.

Por fim, por meio da fenomenologia de Husserl pode-se concluir que os fenômenos
representam a manifestação da própria consciência do indivíduo, motivo pelo qual todo
conhecimento adquirido é também conhecimento sobre si próprio. O sujeito e o objeto se
tornam uma coisa só.
41

17. TEORIA GERAL DOS SISTEMAS

Criada no ramo da biologia, a teoria dos sistemas foi desenvolvida por Ludwig von
Bertalanffy nos anos de 1960. Segundo ele, apesar de os sistemas serem formados de
diversas particularidades, eles detêm características únicas que não podem ser encontradas
isoladamente em suas unidades. Para ele, os sistemas têm por finalidade alcançar um
objetivo que só é possível por meio de sua totalidade e, qualquer alteração que venha a
ocorrer em sua composição, surtirá efeitos no sistema como um todo.

Em síntese, pode-se definir a teoria geral dos sistemas como um estudo


interdisciplinar dos mais variados sistemas que visa descobrir padrões e identificar regras
que possam ser utilizadas em muitos ramos do conhecimento humano. O sistema seria tudo
aquilo que se forma por elementos interligados e interdependentes, e essa generalidade é que
permite a aplicabilidade dessa teoria em diversos estudos.

A teoria dos sistemas visa alcançar resultados a partir da análise das intermediações
dos diferentes campos de conhecimento, buscando descobrir aspectos comuns que os
conectam. Isso permite evoluir na descoberta de problemas e princípios, trazendo mais
clareza no desenvolvimento de estudos. Cada área específica do conhecimento humano pôde
encontrar um objeto básico de estudo menor e fracionado. Seria o átomo para a Física, a
célula para a Biologia, etc. A concentração estava, pois, na análise de uma variável de cada
vez com vistas a conhecer cada particularidade.

Um sistema seria a reunião de várias partes, que é formada de elementos. Quando


encontramos apenas um componente, considera-se ele elemento único, mas quando há a
junção de elementos e se estabelece uma relação interna entre eles, pode-se dizer que seriam
eles componentes de um sistema maior. Um sistema é sempre componente de algo maior.
Seria ele geral para as partes que o compõem e componente de outro sistema mais amplo.

Para Chiavenato7, os pressupostos que norteiam essa teoria geral dos sistemas seriam:

1) Reducionismo: De acordo com esse pressuposto, todos os sistemas podem


ser decompostos até chegarmos em um elemento indivisível, seus elementos
fundamentais. Trata-se de encontrar a menor parte do sistema, mais simples
e indivisível. O enfoque principal era nesse elemento – na parte.
2) Pensamento analítico: Forma de raciocinar que utiliza o pressuposto do
reducionismo como filosofia. Após encontrarmos o elemento fundamental do
sistema, analisamos estes elementos, entendendo seu funcionamento isolado.
O sistema será definido então, com a simples soma de todas essas explicações.
A análise do sistema é feita de forma estática, sem entender a interação entre
esses elementos, e entre o elemento e o sistema. O pensamento analítico
compreende a decomposição do sistema em partes menores, mais simples e
independentes, que são mais facilmente explicadas, e depois a simples

7
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 3ª Edição. S. Paulo: McGraw-Hill
do Brasil.1983.
42

somatória dessas explicações parciais. O relacionamento de interdependência


não é considerado.
3) Mecanicismo: Pressuposto que relaciona que as causas de determinado
evento podem ser claramente determinadas. Estabelece, portanto a simples
relação de causa-efeito entre os eventos. Um fenômeno constitui a causa do
evento quando ele é necessário e suficiente para provocá-lo, não existindo
nenhuma outra variável com essa condição, dessa forma a causa é suficiente
para o efeito (evento). Essa relação só poderá acontecer quando temos total
controle do ambiente em que o evento ocorre, onde todas as variáveis
possíveis de influência são conhecidas, caracterizando-se como um sistema
fechado. A visão determinística implica em afirmar as variáveis responsáveis
pelo acontecimento, pois temos conhecimento de todas as participantes nesse
processo. Nenhuma variável desconhecida pode ser considerada, pois não
existe contato com o meio externo, que se caracteriza como ambiente mutável
e dinâmico, possível de transformação.

A aplicabilidade da teoria dos sistemas alcança variadas áreas de estudo, como na


psicologia, em que é possível fazer uma avaliação da mente humana como um sistema aberto
com acesso ao mundo exterior. Também na administração, em que os órgãos são postos
como sistemas abertos que atendem pessoas e buscam oferecer produtos e serviços.

O estudo acerca da teoria geral dos sistemas permite compreender as inter-relações


existentes entre os mais variados sistemas que compõe o nosso meio, desde o sistema
humano, ao agroindustrial e ao meio ambiente. Isso faz com que tenhamos uma ideia de
como tudo funciona e quais as perspectivas futuras em torno de cada sistema, suas
organizações, seus potenciais, entre outras coisas.

18. CIBERNÉTICA

Cibernética é um termo que foi criado


pelo filósofo e matemático Norbert Wiener com
intuito de retratar a ciência do controle, da
comunicação e da cognição. Em seu livro,
publicado em 1948, cujo título é “Cybernetics:
or the Control and Communication in the
Animal and the Machine”, Wiener aborda
estudos sobre a cibernética partindo da ideia de
que a forma como os sistemas respondem às
questões mundiais externas se equivalem a
modelos matemáticos.

Wiener acreditava que a ciência ganharia novos ares a partir da segunda metade do
século XX em razão do alcance da informação. Algumas situações foram mudando com o
passar dos anos e a informática passou a ganhar lugar onde a manufatura dominava, trazendo
alterações no plano da economia.
43

Dentre as grandes contribuições da cibernética pode-se citar o avanço das


comunicações por meio de dispositivos que codificam, corrigem erros, convertem sinais em
meios de transmissão. Dificilmente um usuário de um dispositivo eletrônico tomará
conhecimento de como funciona toda sua tecnologia, a não ser que ocorra uma falha no
aparelho que exija compreendê-lo melhor. Essa é a chamada tecnologia escondida, que é
indispensável para o regular funcionamento de aparelhos tecnológicos.

O desenvolvimento da cibernética conduziu cientistas a encontrar cálculos


matemáticos mais complexos, resultantes de novos modos de entender o enlace sistêmico do
homem com a máquina. Foram os computadores que deram um novo olhar sobre o mundo
das máquinas, mudando a ideia que o homem tinha sobre tecnologia e fazendo surgir termos
como cyborg, ciberespaço, cibercultura, entre outros.

Foi a partir das necessidades advindas da Segunda Guerra Mundial que o


conhecimento em torno da cibernética veio a lume. Alguns grupos multidisciplinares de
estudiosos da matemática, física, engenharia, e outros, se reuniram para elaborar técnicas
que ajudassem a enfrentar os problemas da guerra. Ela surge como uma ciência
interdisciplinar e provoca uma revolução em diversos setores da sociedade, consolidando-se
como um grande movimento intelectual da época. Sua área de abrangência é ampla e inclui
estudo da linguagem, formas de se comunicar, mensagens entre humanos e entre humanos e
máquinas, sistema nervoso, entre outros.

Wiener foi responsável por visualizar que a informação, como quantidade, é tão
importante quanto a matéria e a energia. Por exemplo, a capacidade de transmissão de
energia pelo fio de cobre pode ser objeto de estudo tanto quanto as informações que ele
consegue comunicar. Chaves apud Asaro8 vem dizer que o propósito da Física era a
dominação da humanidade sobre a matéria e a energia, mas acabou cedendo lugar à
Cibernética, que prometeu a dominação da humanidade sobre a informação e a organização
de sistemas.

A Cibernética trouxe influência para os variados campos da ciência, incluindo o


estudo do homem, e ainda, inspirou vários estudiosos da área a pensarem na tecnologia dos
computadores como uma extensão das capacidades humanas. Seria a Cibernética uma
disciplina que poderia desenvolver uma linguagem universal compreensiva, preenchendo as
lacunas existentes entre as diversas ciências humanas e naturais.

Tratada como uma ciência universal, a Cibernética não obteve grandes sucessos, mas
se tornou um marco na história por dar início a uma transformação na forma como vemos o
mundo, impactando fortemente na cultura moderna. Ela soube estabelecer um elo de
comunicação entre matemáticos, neurologistas, sociólogos, etc. Se tornou, pois, um
princípio de universal de unidade.

8
CHAVES, Viviane Hengler Corrêa. A revolução Cibernética: a nova cultura. Disponível em:
https://www.ufjf.br/ebrapem2015/files/2015/10/gd5_viviane_chaves1.pdf. Acesso em 03 de julho de 2021.
44

19. TEORIA DA COMUNICAÇÃO

A teoria da comunicação envolve um conjunto de estudos realizados nos âmbitos


sociológicos, antropológicos, psicológicos, linguísticos e filosóficos acerca da comunicação
humana ou social. Ela acredita que a comunicação é um ato fundamental no desenvolvimento
de qualquer sociedade, sendo a linguagem a matéria principal do estudo.

A comunicação passou a ser objeto de pesquisa entre estudiosos de diversas áreas e


foi a partir do século XX que houve uma maior abordagem do tema, haja vista que os meios
de comunicação foram ganhando cada vez mais relevância. Muitas escolas introduziram
pesquisas e elaboraram teses em torno do assunto, dentre as quais DIANA9 cita:

➢ Escola Estadunidense: que a partir da década de 1920 estudou os meios de


comunicação de massa juntamente com os comportamentos dos indivíduos na
sociedade;
➢ Escola Canadense: que deu início aos estudos nos anos 1950 por meio do filósofo
e educador Herbert Marshall McLuhan, que criou o termo “Aldeia Global”, fazendo
referência a uma interligação do mundo através de novas tecnologias;
➢ Escola Francesa: abordou a “Teoria Culturológica” no início dos anos 60 por meio
da obra “Cultura de Massa no século XX”, do antropólogo e filósofo Edgar Morin,
que promoveu a definição da Indústria Cultural;
➢ Escola Alemã: desenvolveu na década de 1920, na Alemanha, a “Teoria Crítica”,
de teor marxista, cujos filósofos de destaque são Theodor Adorno e Max
Horkheimer, os quais criaram o conceito da indústria cultural, onde a cultura se
transforma em mercadoria, desde a sua manipulação até as suas mensagens ocultas
envolvidas;
➢ Escola Inglesa: através do “Centro de Estudos da Cultura Contemporânea da Escola
de Birmingham”, fundado por Richard Hoggart em 1964, foram desenvolvidos os
“Estudos Culturais” na Inglaterra, que se voltava para a análise da teoria política,
uma vez que os pesquisadores estavam concentrados na diversidade cultural gerada
pelas práticas sociais, culturais e históricas de cada grupo.
➢ Escola Brasileira: foi introduzida no Brasil na década de 60 a corrente de estudos
denominada “FolkComunicação”, cujo teórico responsável foi Luiz Beltrão de
Andrade Lima. Sua principal característica foi a abordagem sobre o folclore e a
comunicação popular através dos meios de comunicação de massa. Para Beltrão, a
Folkcomunicação seria o processo de intercâmbio de informações e manifestações
de opiniões, ideias e atitudes de massa através de agentes e meios ligados direta ou
indiretamente ao folclore.

Segundo a teoria da comunicação, existem aspectos que sempre estarão presentes


quando se fala em comunicação, seriam eles: o emissor, que é quem transmite a mensagem;
o receptor, a quem se destina o conteúdo da mensagem, podendo ser uma pessoa, um grupo
ou um animal; a mensagem, que é o conteúdo veiculado; o canal, que se trata da forma como

9
DIANA, Daniela. Teorias da Comunicação. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/teorias-da-
comunicacao/. Acesso em 05 de julho de 2021.
45

essa mensagem chegará ao destinatário, podendo ser por jornal, livro, televisão, telefone,
internet, etc.; o contexto, que remete ao complexo comunicativo da mensagem.

O desenvolvimento da sociedade só é possível quando ocorre a comunicação e o


consequente compartilhamento de ideias, estudos e concepções. A comunicação é
fundamental para a criação de culturas também, afinal, o mundo que vivemos exige sempre
de cada integrante uma expressão comunicativa capaz de modificar o ambiente que vive, e
é nesse meio que a Constelação Sistêmica Familiar se estabelece.

20. PRÁTICA VISÃO E PENSAMENTO SISTÊMICO

O pensamento sistêmico ou pensamento holístico tem a ver com o olhar sobre a


complexidade das relações. É definido como a habilidade de compreender fatos não apenas
em si mesmos, mas principalmente em relação às outras particularidades envolvidas na
situação. Ou seja, ele leva em conta a contextualização das relações ao redor, deixando de
focar apenas no indivíduo. Os pensamentos que giram em torno do indivíduo não seriam,
pois, exclusivos dele, mas foram gerados a partir de suas relações interpessoais.

Quando se fala em pensamento sistêmico logo se cria a imagem de um determinado


grupo de pessoas que segue um tipo comum de raciocínio. É o que acontece na família, no
trabalho, na igreja ou em sala de aula. A visão sistêmica dá uma importância maior para o
todo, muito embora reconheça a relevância das individualidades que o compõe.

Um sistema seria um conjunto de elementos que interagem de forma organizada. Se


pararmos pra pensar, a família, o ambiente de trabalho, os meios de transporte, a escola,
entre outros grupos, estão todos interligados de uma forma ou de outra. Isto se dá porque a
formação da nossa sociedade está alinhada à ideia de organização sistemática.

Um exemplo de sistema organizado e em plenitude de funcionamento é o corpo


humano. Quando um dos seus sistemas não funciona regularmente, o corpo todo pode ser
prejudicado, como quando o sistema imunológico está deficiente, podendo atrair alguma
doença incapacitante.

De igual modo acontece numa empresa, por exemplo. Se um setor está tendo um
rendimento abaixo do esperado, logo se vê o impacto nas demais áreas da empresa,
provocando, por vezes, a sua quebra ou falência. Daí a importância de se garantir o pleno
funcionamento de todos os departamentos, haja vista, ser o pensamento sistêmico um fator
decisivo na manutenção e desenvolvimento de qualquer grupo.

O indivíduo que possui um pensamento sistêmico tem a capacidade de prever as


possíveis implicações de um acontecimento para o grupo todo e para aqueles que estão
diretamente ligados à situação. Isto ocorre tanto na vida pessoal como na profissional e é um
ponto que pode ser desenvolvido, trazendo inúmeros benefícios a todos.

O pensamento sistêmico se contrapõe ao pensamento linear. Este acontece de forma


concatenada, em que as etapas vão se sucedendo uma a uma como numa linha de montagem,
46

na qual o produto final passa por sucessivos processos de criação mais ou menos
independentes.

Numa empresa, o pensamento sistêmico tem funcionalidade quando os funcionários


deixam de buscar resultados pessoais para alcançar o melhor resultado geral. Para isso,
muda-se o foco do individual para o todo como centro de tudo. É como dizem: o todo é
muito mais do que a soma das suas partes. É necessário passar a olhar para além do seu
ambiente pessoal.

Além disso, numa empresa é importante que cada parte compreenda seu papel, haja
vista que se todos desempenhassem a mesma função da mesma forma não se chegaria ao
objetivo. Importante que todos compreendam que a multidisciplinaridade é essencial para a
sobrevivência de uma empresa, pois os conhecimentos se complementam.

Outros ambientes também podem alcançar enormes benefícios com o pensamento


sistêmico, como é o caso de uma escola. Ao observar como as atitudes das pessoas afetam
no relacionamento de outras dentro do meio escolar, o olhar para os objetos deixa de ser
relevante para dar lugar a uma preocupação maior com os relacionamentos. Em primeiro
lugar deve vir as relações entre os indivíduos.

Concluindo, o pensamento sistêmico representa a conexão que envolve todas as


partes de um grupo. Quando se fala em tomada de decisão sistêmica, o objetivo é levar em
conta o desempenho geral do grupo em detrimento de suas particularidades. Ao fazer isso,
se aperfeiçoam os esforços, a vida se torna plena para todos e permite uma evolução não só
do grupo, mas de cada componente dele.

21. ESTUDOS DO BERT HELLINGER

21.1. Campo Morfogenético

Antes de entrar no conceito de campo morfogenético, é importante considerar o


significado de seus termos. A palavra “morfo” ou “morphe” tem origem grega e quer dizer
“forma”. O termo “genético”, por sua vez, tem origem na palavra gênese e quer dizer
“origem”. Seriam, pois, os campos morfogenéticos uma espécie de estrutura que dão forma
a padrões comportamentais, trazendo organização para estruturas vivas.

Segundo essa teoria dos campos mórficos, de Rupert Sheldrake, tudo ao nosso redor
possui uma auto-organização que é pré-determinada pelos seus próprios modelos estruturais.
Ela propõe a ideia de que os campos é que orientam o modo de ser e de evoluir de todas as
coisas do universo, levando em conta que tudo está em constante movimento de evolução,
desde os corpos de todos os seres vivos até as mudanças em hábitos comportamentais.

Os campos mórficos, portanto, seriam responsáveis por levar informações por meio
do espaço e do tempo, entre seres de uma mesma espécie, desde o seu nascimento, e sem
nenhuma perda de intensidade. A sua influência se dá em sistemas cuja organização já está
bastante evoluída a ponto de lhes ser inerente. É a conhecida história hipotética da população
47

de macacos habitando em ilhas diversas, sem qualquer tipo de contato perceptível entre si.
Num determinado momento, um dos macacos tomou a iniciativa de lavar frutas antes de
comê-las e a partir disso outros macacos passaram a reproduzir tal comportamento, de modo
que os macacos da outra ilha também estavam fazendo o mesmo.

O exemplo dos macacos mostrou que não houve qualquer tipo de comunicação
convencional entre as duas populações e o conhecimento sobre lavar frutas antes de ingeri-
las apenas se incorporou aos hábitos da espécie. Essa é a ideia dos campos mórficos de
Sheldrake, cuja atuação se assemelha em muito aos campos magnéticos da física, como
quando se coloca um imã sobre uma folha de papel e se espalha pó de ferro sobre ela, logo
os grânulos de ferro se direcionam em linhas geometricamente precisas. Isto se dá porque o
campo magnético do ímã modifica tudo ao seu redor. Assim também ocorre com os campos
mórficos, que se distribuem no espaço e no tempo, trazendo conexão a todos os sistemas
individuais que a eles estão associados.

Outro exemplo aconteceu em uma escola municipal do Rio de Janeiro, numa


experiência com turmas de 5ª série, em que se objetivava ensinar sobre equilíbrio dinâmico
na natureza. Um jogo foi proposto em que um grupo representaria plantas, outro as lebres e
outro as jaguatiricas. A cada rodada havia simulação de uma geração de vida e ele funcionava
da seguinte forma: aqueles que representavam plantas não podiam se mover e as lebres
tinham que se alimentar das plantas sem serem devoradas pelas jaguatiricas. O jogo se
resumia em uma grande brincadeira de pega-pega, em que aqueles que não conseguiam se
alimentar voltavam em outra rodada como planta, reproduzindo o ciclo da natureza.

Acontece que em determinado momento, alguns alunos que representavam as


jaguatiricas, ao tentarem capturar as lebres, de forma voluntária recuaram e não “devoraram”
seu alimento, vindo a “morrer de fome”. Esse fato causou questionamentos e os alunos
responderam que se devorassem as lebres, não haveria mais lebre na rodada seguinte e todos
morreriam de fome, findando o jogo. Por isso, preferiram ver alguns morrerem de fome para
ter lebres que dessem continuidade ao jogo.

O que se pode perceber no exemplo é que os alunos tiveram um insight que


possibilitou a eles perceber a importância do equilíbrio dinâmico e de como não causar
rupturas no equilíbrio entre as populações. Não houve uma evolução individual, mas coletiva
entre os alunos que desenvolveram um sistema de valores entre eles, pois, embora
desejassem capturar o alimento e serem bem sucedidos, optaram pelo auto sacrifício de um
grupo em prol do sistema.

Nesse exemplo citado acima, Sheldrake classifica o fato do grupo de jaguatiricas não
ter capturado as lebres como um caso de ressonância mórfica. Segundo ele, a ressonância
mórfica estaria ligada a uma espécie de ação à distância no espaço e no tempo, como
influência do semelhante sobre o semelhante.

Rupert Sheldrake vai dizer que as condutas dos organismos não são apenas produto
de interações mecânicas no âmago do organismo, ou entre este e o seu ambiente imediato,
mas depende também das áreas com as quais o organismo se conecta em sintonia. Essas
48

áreas seriam estruturas de probabilidade, nas quais as influências do passado se unem para
aumentar a probabilidade de repetição. Assim, pela experiência dos alunos em sala de aula,
o grupo não havia sido induzido a planejar sua própria sobrevivência, mas essa ideia surgiu
diante da situação gerada, o que poderia ser entendido como uma reação adotada pelos seus
antepassados e que sugere uma possível existência de memória coletiva do inconsciente de
sobrevivência entre diferentes indivíduos de uma mesma espécie. Em razão disso, formas e
hábitos foram transmitidos entre gerações.

Nesse sentido, foi ganhando cada vez mais aceitação a compreensão de que os
processos naturais da vida são direcionados, em determinadas situações, por
comportamentos herdados por meio da ressonância mórfica, e não somente pelas eternas
leis. Logo, os organismos vivos herdam não apenas genes, mas também campos mórficos.
Sheldrake10 complementa:

Os genes são transferidos materialmente por seus ancestrais, e permitem


produzir certos tipos de moléculas de proteínas; os campos mórficos são
herdados de um modo não material, por ressonância mórfica, não apenas
de ancestrais diretos, mas também de outros membros da espécie. O
organismo sintoniza os campos mórficos da sua espécie e, desse modo, tem
à sua disposição uma memória coletiva ou de um grupo onde colhe
informações para o seu desenvolvimento.

Um fato a ser levado em conta no caso dos alunos é que nenhum deles pôde ter
contato um com o outro a ponto de tomarem qualquer decisão juntos, mas o ato de
interromper a predação surgiu quase que de forma simultânea entre todos. Não se trata, pois,
apenas de memória coletiva, mas de uma ideia de pertencimento a um mesmo campo
mórfico, que proporcionou o conhecimento empírico dos alunos voltado à consciência do
problema que estava por vir, caso devorassem todo o seu alimento.

Segundo Rupert Sheldrake, a nossa mente é capaz de irradiar uma energia oculta que
chega a se conectar de modo poderoso com tudo aquilo que está ao nosso redor. Por meio
do campo mórfico é possível reorganizar o nossa mente, atuando de forma invisível como
extensão das nossas células. Para ele, é como se houvesse um alongamento da nossa mente
para além da nossa cabeça, de forma a se estabelecer uma conexão com o mundo, outras
pessoas e com o nosso ambiente.

Sheldrake identifica o campo mórfico no voo sincronizado dos pássaros e também


quando temos a sensação de estarmos sendo vigiados ou, ainda, quando animais migram
juntos de um lugar a outro. É o que ele denomina de auto-organização pré-determinada pelos
seus próprios modelos estruturais. Ou seja, existe um tipo de memória advinda do passado
que estimula a propagação de condutas dentro dos ambientes auto-organizados.

Em seu livro “Uma Nova Ciência da Vida”, Rupert Sheldrake retrata que os campos
mórficos funcionam mudando a probabilidade de eventos puramente aleatórios. Ao invés de
uma grande aleatoriedade, ele entende que certas coisas apenas acontecem em vez de outras,

10
SHELDRAKE, R. A ressonância mórfica e a presença do passado: os hábitos da natureza. São Paulo: Crença
e Razão, 1998, p. 116.
49

e é assim que ele acredita que tudo se faz, como se as informações propagadas de geração
em geração ajudassem a entender como a vida atual se formou. Não se trata de mera
especulação, mas de compreensão de padrões comportamentais que ajudam a prever ações,
resultados e hábitos.

➢ Rupert Sheldrake e a Constelação Familiar

Os estudos de Rupert Sheldrake foram fundamentais para que se pudesse chegar à


concepção da Constelação Familiar, de modo que, para que se consiga identificar quem cada
pessoa é e o porquê do seu comportamento, faz-se necessário ir ao mais profundo de sua
história para se obter informações até então desconhecidas que facilitem o processo de
conexão com suas emoções.

O campo mórfico consegue as informações constantes no campo fenomenológico,


desde memórias familiares a lembranças de fatos que estão afetando negativamente a vida
da pessoa. Isso quer dizer que muitos dos comportamentos que a pessoa possui podem estar
vinculados à algum parente que sequer chegou a conhecer, daí a importância de se considerar
as situações passadas com olhar no presente do indivíduo.

Rupert Sheldrake traz um exemplo de como uma conduta do passado pode afetar
comportamentos futuros dentro do núcleo familiar. É o caso do integrante da família que é
expulso e afastado do vínculo, como quando pratica um crime e a família o rejeita por
desrespeitar a honra do grupo. Esse tipo de exclusão afeta o campo mórfico familiar de tal
maneira que posteriormente esse comportamento irá se repetir com outro integrante do
grupo.

As pessoas muitas vezes procuram respostas para os seus problemas e acreditam que
tudo está atrelado às suas experiências atuais, quando, na verdade, muitos deles dizem
respeito àquilo que não foi resolvido no passado pelo grupo que integra. Existem pendências
familiares que precisam ser identificadas para que a solução seja encontrada. Somente
quando isso ocorre é que as gerações presentes e futuras ficam livres do comportamento.

A constelação familiar é fundamental para que o indivíduo consiga identificar a


origem do problema que afeta sua vida, bem como qual o impacto do campo mórfico em
todo o seu grupo familiar. A tarefa do constelador é traçar o caminho correto para que o
indivíduo consiga eliminar os hábitos negativos que, devido a uma ressonância de memórias
inconscientes, estão prejudicando o grupo.

Ao fazer a ressignificação do comportamento negativo de uma pessoa, é possível


agregar a ela aspectos positivos a fim de transmitir às futuras gerações uma nova forma de
se pensar e agir sobre algo. A mudança de mentalidade é fundamental para superar os fatos
do passado e impedir que isso venha prejudicar a convivência familiar no presente e no
futuro.

21.2. A Mente segundo Sigmund Freud


50

Durante muito tempo acreditava-se que


a mente humana se restringia ao consciente, ou
seja, o ser humano seria apenas um animal com
plena capacidade de administrar sua vida por
meio de seus desejos, das regras sociais, de
suas emoções e convicções, até que
questionamentos acerca do inconsciente foram
surgindo e ganhando notoriedade através da
psicanálise.

Desenvolvida através da teoria


psicanalítica de Sigmund Freud, a psicanálise
é um método de tratamento de transtornos
mentais que destaca processos mentais do inconsciente e é descrita por vezes como uma
psicologia profunda. Para ele, a mente humana se divide em três níveis ou instâncias, que
seriam: o consciente, o pré-consciente e o inconsciente.

No nível da consciência, Freud considera ser ele a menor parte da mente humana,
pois é onde está tudo aquilo que podemos perceber e acessar intencionalmente. É através da
consciência que podemos nos conectar com o mundo externo e controlar o nosso conteúdo
mental.

O pré-consciente ou subconsciente se refere àqueles pensamentos que podem chegar


ao consciente, mas que lá não permanecem. Esse nível mental pertence ao inconsciente e
acolhe os conteúdos, que são informações que não pensamos, mas que estão presentes para
que o consciente possa agir. São exemplos o sobrenome, o endereço, os números de telefone,
etc.

Por último, o inconsciente está relacionado a tudo aquilo que não está disponível para
a pessoa em um dado momento. Freud considera o mais importante nível da mente, porque
tudo aquilo que não conseguimos mais lembrar está guardado nele. As memórias de infância,
os amigos, viagens, estudos, as primeiras compreensões, tudo isso está reservado como numa
biblioteca da mente, só sendo possível o acesso através de sonhos, de atos falhos e da terapia
psicanalítica.

Muito embora Freud retrate a mente em três níveis, ele deixa claro que esses
compartimentos não são fechados e imutáveis. Ele defende uma certa fluidez entre os níveis
e deixa claro que os conteúdos presentes no consciente podem ser reprimidos a ponto de
fazerem parte do inconsciente. Da mesma forma acontece quando do inconsciente surge uma
memória obscura em sonho ou por meio de uma sessão de psicanálise.
51

21.3. A Mente segundo Carl Jung

O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung nasceu no


dia 26 de 1875 e teve um papel de grande importância
para a psicologia, desenvolvendo estudos acerca da
psicologia analítica, conhecida também como
psicologia profunda, que retrata a psique individual e
sua busca pela totalidade, seguindo em parte as
diretrizes de Sigmund Freud.

Carl Jung trabalhou durante um tempo num


hospital psiquiátrico na Suíça e chamou a atenção do
fundador da psicanálise, Sigmund Freud. Durante certo
tempo esteve acompanhando Freud, mas por diferenças
de pensamento acabou se afastando. Jung foi o
responsável por trazer a noção da existência de um
“inconsciente coletivo”, que vinha antes do inconsciente individual.

Além disso, Jung foi um estudioso que mergulhou em várias áreas da ciência para
agregar conhecimento, desde a neurologia até aspectos da mitologia grega, bem como da
parapsicologia. A partir de sua dedicação à arqueologia, ele desenvolveu a teoria dos
arquétipos, que aborda símbolos universais contidos no inconsciente humano.

Em outra abordagem, Jung apresenta a teoria da personalidade, afirmando que seriam


quatro as funções da psique humana: o pensamento, a intuição, a sensação e a percepção. A
ordem dessas funções depende de cada indivíduo e normalmente apenas uma delas se torna
superior às demais. Por exemplo, alguém que seja muito impulsivo tem prevalência das
funções da intuição e percepção antes do pensamento e da sensação.

Das quatro funções da mente humana de Jung é que decorrem as variadas


personalidades do ser humano, como quando alguém é mais introvertido ou extrovertido,
sentimental ou intuitivo, entre outros. À título de exemplo, uma pessoa extrovertida está
muito mais preocupada com os efeitos externos do que com a sua própria existência ou seu
mundo interior. Sua vida está mais voltada àquilo que as pessoas pensam ao seu respeito. É
o que predomina no mundo que dita como sua vida deve se portar, razão pela qual pessoas
extrovertidas são mais influenciáveis e tendem a estar sempre buscando imitar outras.

O perfil introvertido, por sua vez, buscar priorizar os seus sentimentos e


pensamentos. O que determina sua forma de agir não é o que o mundo pensa, mas o que é
melhor para si próprio, ainda que isso vá contra a realidade externa. O introvertido tem sua
preocupação voltada ao que poderá ser mais satisfatório a ele, ou seja, o efeito de suas ações
no mundo exterior não é tão relevante quanto aquilo que repercute internamente.

Para Jung, nenhum indivíduo é totalmente introvertido ou extrovertido. Os padrões


de personalidade e comportamento das pessoas são resultado da forma como cada um lida
52

com suas capacidades mentais. Ele ainda afirma que todos nascem com uma herança
psicológica e biológica, e são elas que determinam a forma como cada um se comporta.

Ao falar sobre o inconsciente coletivo, Jung ressalta ser ele o centro de todo material
psíquico que não se adquire pela experiência pessoal, mas que decorre de tudo aquilo que é
compartilhado por pessoas de diversas épocas e culturas, enquanto que o inconsciente
individual está ligado às memórias do passado de cada indivíduo. O que ele quer dizer é que
nossa mente nasce com uma estrutura que é capaz de determinar o seu desenvolvimento no
futuro e a forma como interage no presente.

Carl Jung sempre esteve muito preocupado em desvendar os pontos de obstrução da


mente humana, por isso, seus estudos se tornaram um marco na psicanálise, sendo de grande
relevância até os dias de hoje.

21.4. Terapia Primal

Criada pelo psicólogo norte-americano Arthur


Janov na década de 60, a terapia primal ou do grito primal
retrata a possibilidade que o indivíduo tem de transmitir
todas as suas emoções e sentimentos reprimidos durante a
infância.

É comum que a criança deixe de ser amada como


ela é para atender às expectativas do ambiente em que ela
está inserida, fazendo com que crie neuroses, inseguranças
e dificuldades emocionais que provocam a chamada “dor
primal”.

Segundo Janov, toda a dor provocada pela falta de amor quando criança nunca vai
embora. Ela é capaz de ficar gravada no cérebro, nos músculos, nos ossos. Só por meio da
“cura primal” é que o indivíduo consegue usufruir de toda liberdade nunca antes sentida. É
necessário buscar na memória as dores, traumas e rejeições sentidas ainda na infância e, ao
chegar no ápice de sua dor, o indivíduo é conduzido a soltar o “grito primal”, fazendo com
que suas emoções sejam totalmente liberadas, alcançando, por conseguinte, a tão esperada
cura.

A terapia primal tem por objetivo erradicar essa “dor primeira”. É um método
revolucionário porque implica na desconstrução do sistema neurótico em virtude de um
impacto brutal. Para Janov, as neuroses só podem ser extirpadas por um processo desse tipo.

A teoria foi desenvolvida a partir de experiências clínicas de Arthur Janov, que em


seu livro “O Grito Primal”, detalha cada acontecimento. Ele afirma que numa de suas sessões
de grupo, um jovem comentava acerca de uma encenação teatral, na qual o ator imitava uma
criança, usando fralda, e chamava por “Papai! Mamãe!”. Curiosamente, Janov teve a ideia
de instigar o jovem a fazer o mesmo, chamando por “Papai! Mamãe!”. Relutante de início,
o jovem aceitou. A cada vez que chamava pelos pais, o jovem se contorcia, chegando ao
53

ponto de se espernear, gritando em alta voz como que de forma involuntária. Aos poucos os
movimentos foram se tornando mais brandos a ponto de o jovem soltar um grito de agonia
mortal, abalando tudo ao redor.

Ao encerrar a sessão, o jovem parecia ter superado todas as suas crises. Aquele fato
deixou Janov perplexo por meses, e a compreensão só foi possível após outra
experimentação tempos depois, o que provou que não se tratava de mero acidente, mas de
um novo método que precisava ser estudado e desenvolvido. E foi isso que Janov fez por
anos em seus atendimentos. Ele entendeu que o grito é consequência da dor central e
universal que habita em todos os neuróticos. Seria esse grito a dor primal sobre a qual
crescem e evoluem todas as neuroses.

Para Janov, essa dor primal permanece latente em todos os neuróticos, de modo que
é difundida por todo o organismo do indivíduo, afetando órgãos, músculos, sistema nervoso
e provocando distorções no comportamento.

A terapia primal seria, assim, um desenvolvimento das observações de Janov a


respeito dos motivos de transformações específicas. Não houve nenhuma teoria que
precedeu à experiência clínica. A cura das neuroses de seus pacientes no decorrer dos anos
foi que fez com que Janov aprimorasse a técnica, entendendo suas causas e efeitos no corpo
humano.

O que mais causa morte no mundo hoje não é o câncer, nem as doenças do coração,
mas a repressão. Daí advém a importância da terapia primal com fim de combater tantos
sofrimentos nos seres humanos. Descobrir uma forma de tratar a dor é uma demonstração de
que existe forma de salvar o indivíduo da miséria que se encontra atolado todos os dias.

A terapia primal baseia-se no fato de que todos nós nascemos sendo nós mesmos,
desligados de qualquer tipo de neurose ou psicose. O que essa terapia faz é desmontar todas
as causas de tensão do sistema de defesa e das neuroses. Ser saudável, portanto, é não possuir
sistemas de defesa, porque tudo aquilo que contribui para o fortalecimento de um mecanismo
de defesa torna mais profunda a neurose. A pessoa passa a externar um melhor
comportamento, enquanto internamente a tensão se torna cada vez maior.

Utilizada com sucesso numa variedade considerável de neuroses, a terapia primal já


obteve excelentes resultados, inclusive, no tratamento com viciados em heroína. As suas
sessões são inter-relacionadas, de modo que o terapeuta primal pode predizer o
desenvolvimento da terapia de seu paciente.

21.5. Análise Transacional

A análise transacional é uma teoria sobre o desenvolvimento humano e foi criada nos
EUA na década de 1950 pelo psiquiatra canadense Eric Berne. Ela nada mais é do que uma
abordagem psicológica de linha humanista que retrata os aspectos mais relevantes da
personalidade, do desenvolvimento humano, da comunicação e das relações intersubjetivas.
54

Eric Berne é o principal nome quando se fala em análise transacional. Ele viveu entre
os anos de 1910 a 1970, estudou psicanálise e psiquiatria, mas em razão de suas predileções
nunca se tornou um analista profissional. Berne ingressou no exército como psiquiatra em
1943, durante a 2ª Guerra Mundial, colocando em prática a terapia de grupo e fazendo o
recrutamento de soldados, oportunidade em que desenvolveu seus estudos sobre a intuição.

As primeiras teorias de Berne acerca da análise transacional surgiram por volta de


1949. Em 1958, deu início ao primeiro seminário acerca do tema. Ele discordava da forma
lenta de se trabalhar com a psicanálise, principalmente no pós-guerra, razão pela qual pôde
apresentar sua técnica, mais rápida e eficaz naquele contexto.

A análise transacional, conhecida também pela sigla AT, nasceu no seio da


psicoterapia e recebeu esse nome devido a preocupação de Berne com as relações humanas
e suas trocas de estímulos. Ela ganhou notoriedade e espaço em outras áreas, como nas
organizações, nas empresas, na educação e no âmbito social. Muitos profissionais almejam
entendê-la como forma de aumentar sua consciência sobre as personalidades de cada
indivíduo, bem como para garantir uma melhor qualidade de vida.

Eric Berne sempre acreditou que cada pessoa possui um potencial enorme para
crescer e ser feliz, o que muitas vezes impede isso são as ações baseadas nas expectativas de
terceiros, como os pais que, de forma até mesmo inconsciente, acabam criando limites e
embaraços na vida dos seus filhos. Berne sustenta que conhecer a si mesmo é a chave do
sucesso. Quanto mais a pessoa sabe sobre si, mais habilidades ela terá.

A AT acredita existir uma crença de que cada pessoa deseja se sentir bem consigo
mesma e manter bons relacionamentos por onde quer que for, e ainda, que se cada um
comunicar com clareza seus objetivos, necessidades e desejos não haverá porquê existirem
relações improdutivas ou insustentáveis.

A seguir podemos ver algumas características da terapia de análise transacional:

➢ Ela traz a ideia de que todos são capazes de vencer na vida, a não ser que sofram
alguma afecção orgânica grave;
➢ Possui uma linguagem de fácil compreensão;
➢ Ela é objetiva, pois foi desenvolvida de acordo com as experiências que Eric Berne
vivenciava;
➢ É preditiva, pois leva em conta a história contada pelo indivíduo, seus sinais de
comportamentos, sem deixar de lado o poder da intuição;
➢ É eficaz, pois permite que o paciente compreenda seu comportamento e dos demais
logo no início do tratamento;
➢ Preza pela igualdade, pois considera todos iguais e com potencial positivo para
vencer, afirmando que não existe ninguém melhor que ninguém.

É comum que no decorrer das nossas vidas venhamos a perder capacidades que são
inatas a todos nós, seja por conta de estresse ou mesmo por traumas que adquirimos ainda
na infância. A teoria da análise transacional trabalha precipuamente nessa recuperação,
55

utilizando-se dos conceitos de estado de ego, aliados ao conhecimento da história pessoal do


indivíduo e ao seu comportamento.

Atualmente, a análise transacional possui destaque no mundo todo, ganhando força


por ser uma teoria que se atualiza sem perder a sua essência. Com critérios objetivos e claros,
ela busca a autonomia do indivíduo, estimulando sua autoconsciência, espontaneidade e a
intimidade nas relações.

21.6. Trauma Transgeracional

Quando falamos em trauma transgeracional estamos nos referindo a um conjunto de


dores, sejam elas emocionais, físicas ou sociais, que são sofridas por um indivíduo em um
dado momento da vida e repassadas às gerações seguintes de diversas maneiras que não
apenas com a repetição do comportamento aprendido. Se fala muito sobre epigenética e em
como o ambiente em que o indivíduo está inserido pode modificar a expressão de
determinados genes.

A origem dos estudos sobre trauma transgeracional ou intergeracional é datada de


épocas posteriores à Segunda Guerra Mundial, quando vários estudos puderam comprovar
que muitas gerações seguintes ao holocausto manifestavam comportamentos que remetiam
ao sofrimento de seus pais, avós, bisavós, etc. As pessoas sentiam medo, tinham pesadelos,
apresentavam problemas afetivos e comportamentais.

Um fator que costuma impedir o desenvolvimento saudável da mente é uma doença


ou um trauma. Assim como o corpo cresce e adquire uma nova forma, a mente também se
aperfeiçoa conforme as influências do ambiente e da educação. O peso da memória e os
vínculos de parentalidade contribuem para a evolução mental, conforme a dinâmica familiar,
razão pela qual o passado muitas vezes continua presente de formas variadas.

Algumas depressões crônicas podem estar associadas a fatores pós-traumáticos, o


que demonstra que existe um viés genético que transcende gerações. Isso não significa que
gerações futuras vão desenvolver os mesmos transtornos, mas estarão mais propensas que
outras pessoas à ansiedade, estresse e depressão.

Tenhamos como exemplo de trauma transgeracional o seguinte caso: Maria relata ter
sofrido abuso sexual na infância, mas nunca chegou a comentar isso com ninguém, nem
mesmo com seus pais. Ao chegar na fase adulta ela simplesmente decide ignorar os fatos
ocorridos, deixando de buscar apoio psicológico para tratar esse trauma.

São muito comuns os casos como o de Maria. A pessoa acredita que deixar de lado é
a melhor forma de resolver o passado, quando na verdade, esse problema vem apenas
crescendo e se manifesta na vida de quem sofreu o trauma de diversas maneiras, como numa
crise de ansiedade, numa depressão ou insônia, ou ainda, por meio de distúrbios alimentares,
baixa autoestima, com um sistema imunológico deficiente, o que faz com que essa pessoa
esteja mais vulnerável a doenças infectocontagiosas.
56

Digamos que Maria tenha tido um filho e a ele dedica todo o seu amor e afeto. Mas
ela percebe que cuidar do filho faz com que ela tenha noites mal dormidas, muita falta de
atenção, sonolência constante e, consequentemente, bastante estresse. Ao ser chamada na
escola para conversar sobre o comportamento do seu filho, logo ela acredita que seu papel
de mãe não tem sido eficiente e começa a questionar suas atitudes, como se estivesse fazendo
algo de errado.

Na verdade, não há razão para Maria questionar sua postura como mãe. O fato de
Maria ter sido abusada sexualmente quando criança provocou impacto no seu filho. É o que
diz o psico-historiador Peter Loewenberg, um dos principais especialistas em trauma
transgeracional.

Segundo Loewenberg, experimentar altos níveis de estresse e ansiedade durante a


gravidez pode afetar o sistema biológico do feto, pois ocorre o aumento de cortisol no
sangue, predispondo o feto a sofrer de várias doenças e distúrbios emocionais. E ainda, um
trauma que não foi tratado é capaz de criar um tipo de “curto-circuito” nos neurônios. O
impacto é tamanho que atinge o DNA provocando alterações em sua forma, fazendo com
que toda a descendência fique vinculada a esse trauma original.

Somos ensinados desde criança que recebemos uma herança genética dos nossos pais
e que isso define nossos traços físicos e também o nosso temperamento. Mas quando falamos
sobre herança de traumas parece que isso é algo inimaginável. É sobre isso que a epigenética
trata.

Segundo a epigenética, tudo o que fazemos no presente pode afetar a vida dos nossos
filhos, seja nossos hábitos alimentares, o ambiente em que vivemos ou até mesmo as escolhas
que traçamos para as nossas vidas. Isto se dá pelo chamado “epigenoma”, que é capaz de
modificar a essência de certos genes de acordo com as variáveis citadas.

Importante deixar claro que quando falamos em trauma transgeracional, não quer
dizer que nossa vida será definida a partir dos traumas que nossos antepassados vivenciaram,
mas que haverá uma probabilidade muito maior de sofrer de certos problemas emocionais.
Como no exemplo de Maria, o que deveria ser feito por ela seria buscar mecanismos e
estratégias corretas para lidar com seu passado, rompendo de vez com os traumas. O
resultado advindo dessa superação permitirá uma vida plena para si e para sua descendência.

21.7. Lealdades Invisíveis

Quando se fala de pertencimento a um grupo familiar, o vínculo pode ir muito além


do sanguíneo. As crenças e comportamentos presentes na família são repassados para as
gerações seguintes ainda que de forma inconsciente. É isso que define as lealdades invisíveis,
uma forma inconsciente de honrar os antepassados, repetindo condutas, hábitos,
enfermidades e até mesmo o destino das gerações do sistema.

A solidariedade é a razão que impulsiona as gerações seguintes a repetir padrões


comportamentais. Por exemplo, se os pais possuem obesidade, os filhos, por amor e
57

solidariedade aos pais, decidem ser obesos como forma de honrar seus genitores, evitando
deixá-los para trás. É a repetição de histórias dolorosas dos antepassados e a herança que
será deixada para os descendentes.

É comum recebermos mais influência dos nossos pais, que são as pessoas que, em
regra, temos maior proximidade e a quem queremos retribuir todo amor. Para isso, adotamos
características negativas deles como forma de absolvê-los de toda culpa e também para
superar a dor que nos causou. E mais: há o desejo de se identificar com eles para estar mais
próximo, sendo aceito e amado.

Quando nascemos temos a ideia de pertencimento a um grupo dentro de nós e isso


gera uma identidade com essas pessoas, de modo que o contato com as experiências de vida
de cada um contribui para a formação da personalidade. É como se houvesse uma memória
coletiva que envolve todos do grupo e para a qual todos contribuem.

Foi estudado que durante anos que boa parte dos transtornos e doenças que acometem
as pessoas no decorrer da vida resultam de algum desequilíbrio no sistema familiar. É o
equilíbrio de troca que faz com que o sistema tenha continuidade, ou seja, é o quanto cada
um contribui e recebe de volta. Se há uma troca injusta, uma pendência pode surgir
desencadeando graves problemas.

Cada dívida não quitada no seu tempo gera uma pendência para as gerações
seguintes, que terão que arcar com as consequências dessa falta de resolução. É uma carga
que a posteridade não deveria assumir, mas que pela falta de comprometimento dos seus
antecessores terão que por ela responder.

Por amor ou mesmo por vontade de pertencimento o indivíduo acaba incorporando


essas heranças indesejadas, sem ter consciência disso. É o que acontece, por exemplo,
quando os pais não mantem uma boa relação dentro do casamento. A probabilidade dos
filhos não conseguirem construir uma relação sólida com seus cônjuges é muito maior em
razão disso. Esse exemplo serve para o sucesso profissional e demais áreas da vida da pessoa.

Bert Hellinger fala em seu livro “Um lugar para os excluídos11” sobre a liberdade de
agir dentro do sistema:

Observei que, em seus pensamentos e ações, as pessoas estão vinculadas a um


campo. Ele (o campo mórfico) determina o que percebemos, e o que fazemos.
Dentro dele temos, naturalmente, uma certa liberdade de ação, mas julgar que
alguém possa, por livre decisão, abandonar o campo é uma ilusão pelo qual
muitos pagam.

11
HELLINGER, Bert. Um lugar para os excluídos: conversas sobre os caminhos de uma vida. Patos de Minas:
Atman, 2006, p. 54.
58

Sobre essas regras internas, Bert Hellinger vai dizer que é a lealdade a elas que faz
com que a pessoa repita destinos difíceis. É a ideia de pertencimento ao sistema e, ao fazer
isso, busca-se espelhar em condutas já praticadas por outros membros.

Todos nós nascemos em um determinado sistema familiar e a ele somos vinculados.


Até mesmo aqueles que são excluídos ainda muito cedo, como crianças que são colocadas à
adoção, carregam em si traços do seu sistema originário. Isso ocorre porque a transmissão
de experiências nem sempre tem a ver com a convivência, mas principalmente com aspectos
biológicos. Muitos filhos adotivos acabam tendo que buscar sua família biológica para tentar
entender algumas situações da sua vida.

É necessário conhecer toda a história da família para que se possa compreender os


pontos de maior transmissibilidade entre as gerações, seja um trauma, uma doença, um
hábito ou comportamento negativo, tudo isso corrobora o desenvolvimento de crises nas
gerações seguintes. A identificação é o primeiro passo da compreensão. Quando o indivíduo
decide tomar inciativas que vão de encontro ao seu pensamento sistêmico, ele consegue
entender que isso não faz dele uma pessoa desleal, mas, pelo contrário, um ser livre.

21.8. Esculturas Familiares

A escultura é uma técnica baseada numa abordagem sistêmica, criada por Virgínia
Satir, e que tem por fundamento a Teoria Geral dos Sistemas, desenvolvida em 1930, e a
Teoria da Comunicação, objeto de estudo entre os anos de 1960. Ela foca nas relações
interpessoais, no contexto e circunstâncias que envolvem um grupo, permitindo uma análise
não verbal e para verbal incluindo o corpo e suas linguagens.

Criada na década de 1950, a escultura surge na busca pelo significado do espaço nas
relações humanas. É uma técnica terapêutica que envolve um determinado número de
pessoas alocadas num certo espaço como forma de identificar possíveis entraves entre elas
e que podem trazer uma resposta aos conflitos individuais ou do grupo como um todo. Ela
pode ser definida como uma “expressão plástica simbólica da estrutura vincular de um
sistema, obtida por meio da instrumentalização dos corpos de tal sistema” 12.

Esculpir a família é fazer uma representação das relações existentes entre os


diferentes componentes do grupo por meio do posicionamento deles no espaço. Visa
alcançar resultados não percebidos no cotidiano da família, mas que, através dessa técnica
são identificados e solucionados. A expressão corporal e de sentimentos, os olhares, o
distanciamento entre as pessoas são alguns dos aspectos a serem observados no exercício
dessa técnica. Cada detalhe é relevante para o deslinde da causa conflituosa.

Na aplicação da técnica, o escultor vai posicionando as pessoas e moldando gestos,


expressões, distâncias e contatos. É comum vermos uma escultura estática, mas ela também

12
LÓPEZ, B. E.; POBLACIÓN, K. P. E. A Escultura na psicoterapia: Psicodrama e outras técnicas de ação.
São Paulo: Ágora, 1999, p. 144.
59

pode ser dinâmica. Ao concluir a montagem da escultura, é importante que cada componente
compreenda seu papel e manifeste suas sensações a partir da forma como foi colocado ali.

A técnica se assemelha a um “teatro de bolso”, sendo a primeira experiência “não


verbal” e os seus efeitos decorrem de estímulos táteis e visuais. Ela pode ser mais adequada
em um dado momento da terapia e, para a sua aplicação, é necessário ter no ambiente pelo
menos três ou quatro pessoas, alguns objetos ou móveis que possam compor personagens
adicionais. Qualquer pessoa do grupo familiar atual ou do passado pode ser representada
pelas pessoas ou objetos presentes.

A escultura da família permite revelar as percepções pessoais sobre modo de se


portar, sentimentos, emoções e narrativas de variados contextos no tempo e no espaço. Ela
deixa as perspectivas que envolvem o grupo mais evidentes, pois cria uma representação
física de seus relacionamentos através do arranjo espacial dos seus corpos.

A escultura já vem sendo utilizada há décadas no âmbito clínico com pessoas, casais,
famílias ou grupos variados e visa auxiliar o terapeuta na análise do padrão de funcionamento
dos clientes, compreendendo os pontos que precisam ser levantados e trabalhados.

21.9. Psicodrama

Jacob Levy Moreno, já citado neste livro, foi o responsável por desenvolver a técnica
do psicodrama. Ele viveu entre os anos de 1889 a 1974 e manifestava uma paixão pelo teatro
desde criança. Durante a adolescência reuniu um grupo de amigos e criou uma espécie de
religião que era voltada à criatividade e ao anonimato. Por meio dela, auxiliava os
necessitados e discutia diversos assuntos da teologia e filosofia.

Moreno gostava de lidar com o improviso e, em 1922 alugou um espaço que


denominou de Teatro da Espontaneidade. Nesse lugar ele e seu grupo buscavam interpretar
situações comuns do cotidiano da época, permitindo a participação da plateia durante as
apresentações, surgindo daí as primeiras diretrizes do Psicodrama.

No psicodrama há uma inversão de papeis entre os personagens da cena e a plateia,


que se envolve para representar seus dramas do cotidiano. Nessa troca de papeis é que há
uma nova percepção sobre si, sobre os outros e sobre o ambiente em que está inserido. E
assim surge algo novo na mentalidade dos envolvidos, de modo que conseguem perceber,
dentre tantas coisas, condutas que propiciam resultados negativos no grupo.

O espaço cênico é bastante amplo e multidimensional, podendo abranger palavras,


gestos, atitudes, cultura, imaginação, etc. Tudo isso é proporcionado de imediato, no agora.
Foi esse cenário que conduziu Moreno a constatar o potencial da criatividade na exposição
dos conflitos pessoais, elevando o psicodrama a uma técnica psicoterapêutica necessária e
relevante.

O psicodrama, segundo Moreno, visa trazer a mente para fora do corpo. Com isso é
possível se obter uma percepção mais assertiva e uma forma de tratamento. Uma
60

característica dessa técnica é a representação de papeis, que pode ser usada em crianças ou
adultos, de forma individual ou em grupo.

Moreno traz a ideia de que o homem por si só é um ser que necessita do outro para
sobreviver. Fazer parte de um grupo, estar alicerçado a alguém, é uma característica básica
do ser humano. Assim como o ato de nascer requer a intervenção de outra pessoa, a
adaptação ao mundo exige a colaboração de alguém e as técnicas do psicodrama são
importantes nesse momento para que a pessoa obtenha um desempenho melhor no meio que
vive.

Na aplicação da técnica psicodramática são utilizados alguns recursos como a teoria


de papeis e a teoria da espontaneidade. Esta ultima estimula a criatividade e compreende a
fenomenologia, a psicotécnica, a psicopatologia e a psicologia genética. Nessa órbita, se
busca resgatar na pessoa a sua forma espontânea de viver que foi perdida com o passar dos
anos.

A capacidade de criação faz parte de todos e é adquirida dentre outras coisas pelos
relacionamentos, na medida em que a pessoa vai crescendo e se desenvolvendo física e
emocionalmente. Mas existe a possibilidade disso se perder a depender do ambiente e da
pressão que o meio faz, levando o indivíduo a internalizar tudo.

A teoria do papel, por sua vez, retrata o conjunto de identidades que o ser humano
pode assumir. Os papeis desempenhados representariam evoluções do ego humano e, ao
crescer, esse leque pode aumentar, mas também restringir a ponto de ser inibido,
necessitando, pois, de um resgate, que é a função do psicodrama.

Durante uma sessão de psicodrama, o instrutor primeiro trabalha pontos com o grupo
que podem ser discutidos na encenação. É importante criar um ambiente confortável entre
os envolvidos, a fim de quebrar todas as barreiras que impedem o entrosamento. Após,
seleciona-se os protagonistas da dramaturgia. Os personagens são definidos, bem como as
cenas que acontecerão, sendo possível a utilização de objetos para compor o ambiente. É
importante que todos se mantenham concentrados e permitam sentir o clima da cena.

Ao começar a dramaturgia, faz-se necessário que todos consigam exprimir as


sensações do momento para que se chegue o mais próximo possível da realidade. Ao
encerrar, todos devem tecer comentários sobre a encenação, destacando sentimentos e
emoções vividas em cada momento. Cada um deve se sentir livre para expor sua reação, sem
qualquer tipo de julgamento.

O psicodrama em si não visa fazer uma apresentação para um determinado público,


até porque neste tipo de dramaturgia todos se envolvem sem qualquer preocupação com a
forma como irá acontecer. O mais relevante é identificar as emoções de cada personagem no
enredo criado a partir de sua espontaneidade. Ao narrar sua visão, o indivíduo consegue
compreender mais sobre quem ele é e sobre o outro.

21.10. Neurônios Espelhos


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No ano de 1994, o neurocientista Giacomo Rizzolatti e sua equipe de pesquisadores


da Universidade de Parma, na Itália, descobriram que uma parte específica de neurônios do
cérebro é ativada no momento em que uma ação é executada ou quando observada a prática
por outras pessoas. É como se nosso cérebro copiasse condutas realizadas por outras pessoas,
daí o surgimento da expressão “neurônios-espelho”.

Ao observar determinadas ações, o nosso cérebro receberia a mensagem como se


estivesse vivendo aquilo com as mesmas emoções. Em síntese, o observador estaria de certa
forma vivendo exatamente aquilo que observa, razão pela qual a concepção da existência
dos neurônios-espelho leva a uma nova perspectiva daquilo que é transmitido e também do
que é apreendido. Trata-se, pois, de compreender o outro o convidando a uma ampla
abordagem de capacitação na compreensão desse conhecimento.

Encontrar no outro um reconhecimento de um ser semelhante é algo natural do ser


humano. Quando detectamos sentimentos no outro, somos aproximados dele por essa mesma
sensação. Os gestos, olhares, formas de se comunicar, tudo isso influencia naquilo que nos
conecta com as demais pessoas. É o que se costuma chamar de “colaboração empática”.

A partir do momento que alguém observa outra pessoa expressando uma reação, o
observador é atingido pelas mesmas emoções, como se dela vivenciasse diretamente. Os
neurônios-espelho conduzem a uma vida mais empática, colocando em evidência a
capacidade que todos têm de estabelecer ressonâncias com as outras pessoas e de criar
relações interpessoais mais sólidas.

Como podemos ver, os neurônios-espelho desempenham uma função determinante


para o comportamento humano. Eles não dependem obrigatoriamente da memória, pois se
alguém realiza um movimento nunca visto antes, os neurônios são capazes de identificar no
corpo os instrumentos musculares correspondentes e tendentes a imitar de forma
inconsciente aquilo que é observado, ouvido ou sentido.

O interessante dos neurônios-espelho é que eles não se restringem apenas à


compreensão das ações das pessoas, mas também de suas intenções e emoções. Quando
vemos alguém chorando, logo nossas células são capazes de refletir a expressão daquele
sentimento que pode estar por trás das lágrimas, fazendo com que nos lembremos de
situações parecidas já vividas.

A garantia da sobrevivência do ser humano ao longo dos anos é a sua capacidade de


auto-organização, e isso só se torna possível num ambiente sociável, onde cada um
compreende o papel do outro e a sua importância. Somos capazes de aprender através da
imitação e isso é a base da cultura humana.

21.11 A Percepção e o Insight/Iluminação

Nascida no campo da psicologia e bastante utilizada na psicanálise, a palavra inglesa


“insight” tem origem no escandinavo e baixo alemão, e significa clareza absoluta na mente,
62

capacidade de entender verdades escondidas ou, ainda, a habilidade de discernir a verdadeira


natureza de uma situação.

O criador do termo foi o psicólogo alemão Karl Buhler, que era famoso pela sua
atuação na Gestalt Terapia. O termo insight começou a ser utilizado na psiquiatria geral,
desde o início do século XX, para designar o conhecimento pelo paciente de que os sintomas
de sua enfermidade são anormalidades ou fenômenos mórbidos. Sua ausência estaria
relacionada às causas que levariam à psicose.

O insight pode ser definido para a Gestalt Terapia como um evento cognitivo no qual
a relação entre fatores psicológicos dão forma a uma figura compreensível para o sujeito. A
falta dele seria um fator determinante para o surgimento de transtornos como a esquizofrenia
e a doença bipolar. É o insight que leva ao reconhecimento da doença e a sua recuperação,
daí a sua importância.

Buscar soluções repentinas é uma das características principais do insight, que faz
com que o indivíduo enxergue a solução que pretende alcançar em um estalar de dedos. É a
partir do inconsciente que o insight se manifesta, ao contrário do processo natural de
resolução de conflitos.

A ideia genial surge de forma inesperada. É como a lei da gravidade de Isaac Newton,
que ganhou seus primeiros contornos após uma maçã cair em sua cabeça, ou quando
matemático grego Arquimedes falou “eureca!” ao conseguir medir o volume de um objeto
em uma banheira. Na ocasião, ele precisava descobrir se a coroa do rei de Siracusa era de
ouro maciço ou não. Nem Isaac Newton e nem Arquimedes estavam estudando ou sequer
pensando no assunto quando a ideia surgiu. Ela simplesmente aconteceu, por isso alguns
estudiosos sugerem que existe algo a mais por trás dos insights, como o uso mais intenso do
hemisfério direito do cérebro durante sua ocorrência.

É o lado direito do cérebro o responsável por interpretar os dados mais grosseiros


que possuímos, por isso que o aumento de atividade nesse lado promove a definição de
informações de maneira menos acentuada, permitindo um acesso mais fácil a outros
conceitos. A criatividade surge a partir desse tipo de atividade cerebral.

Corroborando isso estão as várias pesquisas científicas em torno do assunto, as quais


puderam constatar que algumas áreas específicas do cérebro são mais ativadas no momento
do insight, permitindo fazer conexões entre dados distantes e trazendo uma compreensão
mais avançada. De qualquer modo, o que vale ressaltar são os benefícios que esse fenômeno
é capaz de propiciar.

Por meio do insight, as soluções surgem de forma nunca antes pensada e as maiores
ideias, responsáveis por mudar o mundo, são criadas, tudo repentinamente. É a iluminação
da consciência proporcionando o despertar da mente para resultados inimagináveis. A
criatividade ganha destaque e as pessoas passam a dominar uma técnica de resolução de
conflitos mais eficaz.
63

É comum que desde criança sejamos estimulados a pensar de forma pensar de forma
linear ou de forma mais complexa. O insight vem justamente para ratificar a importância do
termo “pensar fora da caixa”, que é a busca pelo caminho mais dificultoso e,
consequentemente, com ideias cada vez mais inovadoras. É levar o cérebro a explorar
possibilidades até então escondidas e isso só se torna viável quando a mente se abre para
aceitar o novo.

Há quem diga que o insight conduz a benefícios terapêuticos aptos a nos levar a
concretizar outros insights. Ou seja, a partir de um primeiro insight nós compreendemos com
mais clareza os fatores que interferem na nossa forma de pensar e agir e, assim, é possível
que outros insights aconteçam. Seria ele, pois, parte de uma ideia e não uma ideia
propriamente dita. É na verdade um processo circular na mente humana, que coloca o
indivíduo em constante evolução.

Para termos uma mente mais aguçada às transformações é importante que ela esteja
aberta ao novo e desvencilhada de molduras sociais que foram impostas ao longo do nosso
crescimento. Se nos mantivermos focados apenas naquilo que já conquistamos, a nossa
percepção ficará prejudicada e condicionada a reproduzir a mesma lógica continuamente.

De igual modo se formos rígidos com a autocensura e mantivermos a mente sempre


alerta. Muito embora a autocensura seja útil em diversos momentos, para se alcançar uma
mente criativa é necessário se desvencilhar dela para que as ideias possam fluir sem qualquer
julgamento, e ainda, o descanso da mente é fundamental para se criar um terreno fértil à
realização de insights surpreendentes. Aquilo que pode parecer reprovável pode se revelar
um genial insight.

21.12 Níveis Neurológicos

Criados na década de 1950, pelo filósofo e mestre em teoria dos sistemas, Gregory
Bateson, e conduzidos para a Programação Neuro Linguística – PNL por Robert Dilts, os
níveis neurológicos nada mais são do que a capacidade que temos de receber, armazenar,
processar e aprender informações do mundo e suas inter-relações com aquilo que captamos.
São processos mentais que se relacionam de forma escalonada, compreendendo a forma
como tudo se conecta através de canais sensoriais, como audição, visão, tato, olfato e
paladar.

Para Bateson, cada nível possui a função de sintetizar e organizar as funções dos
níveis inferiores. Sendo assim, toda e qualquer alteração em um dos níveis superiores
inevitavelmente irá influenciar os que se encontram mais abaixo. O inverso, todavia, nem
sempre poderá acontecer.

Existem aspectos do cotidiano que influenciam na composição dos níveis


neurológicos e, consequentemente, na apreensão do conhecimento. É como a casa, o
escritório, o quarto, entre outros, que compõem a realidade externa, fazendo com que o
indivíduo consiga ter uma percepção através do olhar, da visão, do olfato, dos sons, dos
gostos, etc.
64

Nesse aspecto, menos de 2% do ambiente externo é captado pelo ser humano, em


razão da sua limitação de sentidos e da sua capacidade de processamento de informação.
Este seria o primeiro nível neurológico. É criada uma imagem do espaço em volta como um
mapa que a mente utilizará para se guiar.

Tudo o que for perceptível no ambiente poderá ser uma possibilidade a mais de
efetivamente efetuar tarefas. É a partir das informações coletadas no meio que os
comportamentos surgem, formando mais um nível nessa escada neurológica. A noção do
que seja apropriado ou não de acordo com os recursos constatados é que fomenta o
comportamento no ambiente.

As habilidades, por sua vez, estão num nível acima do comportamento, já que exigem
do indivíduo a capacidade de dominar tarefas. De nada adianta estar numa fazenda que
possua um trator disponível para uso se a pessoa não consegue dirigi-lo. O não saber dirigir
trator limita a pessoa ao nível inferior. Eis a importância de sempre estar em busca de novas
habilidades.

Aquilo que cremos tem um papel fundamental na hora de definir nossas habilidades
e comportamentos, por isso a crença se encontra num nível acima destes. É ela quem define
o que é permissivo ou não para cada um. Por exemplo, no caso do trator, ele pode estar
disponível e o indivíduo ter habilidades para conduzi-lo, contudo, o medo de pegar algo
emprestado pode impedi-lo de dirigir, já que acredita que tudo o que é dos outros, quando
usado, pode dar problema.

Entretanto, a crença também pode ser projetada para o bem, como quando alguém
acredita piamente que é inatingível na corrida. Inconscientemente, o indivíduo age na
expectativa de superar outras pessoas e a si mesmo para garantir um desempenho inigualável.
Seria isso uma “autossabotagem do bem”.

Logo após o nível da crença vem o nível das prioridades, que se referem às coisas
que realmente consideramos importantes. Se alguém estuda para concursos e acredita que
vai passar, essa crença pode não ser verdadeira quando confrontada com o fato de que a
pessoa não se dedica com afinco aos estudos, já que passa boa parte do seu tempo viajando
e em festas. Tudo aquilo que é importante de verdade se manifesta através das atitudes.

O nível da identidade vem logo depois da prioridade e traz a reflexão de como nós
conseguimos enxergar a nós mesmos. Esse nível está acima de todos os demais citados
anteriormente e é formado por elementos: a autoimagem, que diz respeito a forma como cada
pessoa se vê em seu imaginário; os metaprogramas, que se referem a padrões genéticos em
grande parte destinados a processar informações; e, a auto estima, que é o valor que cada um
dá a si mesmo. Quando alguém aceitar ser tratado de forma abusiva está demonstrando uma
autoestima deficiente.

A afiliação se encontra acima da identidade e age no sentimento de pertencimento


que envolve todo ser humano e que é fundamental para a sobrevivência em qualquer meio.
65

É o que acontece quando ocorre rixa entre gangues de bairros nas cidades grandes: a simples
ideia de pertencer ao bairro motiva pessoas normais a agirem fora da razão.

Quando temos a noção de que precisamos lutar por algo maior ou que compreender
a nossa missão de vida é fundamental, estamos no nível sistêmico ou espiritual. Nele
buscamos a razão da nossa existência, como se cada um possuísse uma missão sem a qual
não conseguiríamos alcançar a plenitude e sermos felizes.

21.13 Linha do Tempo da Mente

Todos nós somos naturalmente dependentes dos nossos pensamentos. Vivemos


preocupados ou cheios de expectativas. São as circunstâncias do passado e o medo do futuro
que nos envolve a ponto de não conseguirmos viver o presente. Isto tem se agravado com o
passar dos anos em razão da correria diária, que nos obriga a estar sempre em busca de algo
que nunca chega.

Há uma citação que diz que a mente humana é como uma faca que cada vez que é
usada vai ficando mais cega. Chega um momento que é necessário parar para afiá-la, mas
ninguém faz isso de verdade, porque está sempre correndo contra o tempo. Logo os
problemas surgem e ficam difíceis de serem resolvidos, já que a mente está exausta a ponto
de todo o restante do corpo sentir os seus efeitos.

O excesso de passado na vida do ser humano provoca tristeza, angústia e depressão.


Em contrapartida, o excesso de futuro conduz a crises de ansiedade constantes. No presente,
o estresse é o causador da maior parte dos problemas. A solução para tudo isso está no
equilíbrio da vida. O ideal é saber dosar de forma correta os pensamentos para que ninguém
se perca em sua mente e em suas emoções.

Mark Williams vai dizer que “ser consciente significa abandonar os julgamentos
durante um tempo, deixar de lado os nossos objetivos imediatos para o futuro, e deixar o
momento presente como ele é, e não como nós gostaríamos que ele fosse”. Viver a vida é
viver o momento presente como ele tem que ser, sem as cobranças da rotina que afetam
drasticamente a saúde física e mental.

21.14 Autoconhecimento

Para a psicologia, autoconhecimento significa aquilo que um indivíduo sabe sobre si


mesmo. Quando alguém se dedica a conhecer a si próprio ela abre caminho para um controle
maior de suas emoções. Ter o domínio emocional em suas mãos faz com que a pessoa viva
de forma plena, com uma consciência e capacidade resolutiva maior de seus conflitos,
evitando sentimentos de ansiedade, frustração, inquietude, autoestima baixa, entre outros.

Conhecer a si próprio não conduz a priorizar opiniões ou respostas, mas estimula


seus fatores positivos a perceber os negativos com intuito de modificá-los de forma
favorável. O autoconhecimento pode ser alcançado no momento em que o indivíduo
consegue perceber defeitos e qualidades, sejam internos ou externos. É o equilíbrio entre
66

esses fatores que deve ser alcançado para que não reste espaço suficiente para manipulações
e fragilidades. Ainda pode haver reflexão sobre os comportamentos até então realizados e as
atitudes tomadas para verificar os atos negativos e a partir de então evitá-los.

Todo o processo de autoconhecimento requer muito trabalho, mas adquirir essa


habilidade é essencial para que o indivíduo aprenda a lidar com todas as responsabilidades
da vida. A reflexão das próprias ações e a implementação de novos hábitos auxilia no
desenvolvimento do autoconhecimento. Quando alguém decide refletir sobre seu
comportamento é que surgem os questionamentos.

É respondendo a cada pergunta sobre si que a pessoa descobre do que gosta ou não,
bem como quais desafios precisa enfrentar, quais pessoas estão prejudicando seu
crescimento, quais suas metas de vida, etc. É um processo contínuo, pois a cada dia surgem
novas situações que levam o sujeito a ser testado. Por isso, é importante estar sempre atento
aos seus atos e emoções.

Possuir uma mente aberta a mudanças também auxilia no crescimento pessoal.


Mudar de postura e de opinião é algo que só pertence a pessoas maduras, o que não quer
dizer que a todo tempo precisa deixar de lado suas crenças para dar lugar a novos conceitos.
O importante é se dispor a ouvir outras versões, teses e posicionamentos novos a fim de se
permitir ser desconstruído, afinal o mundo está sempre em mutação e as pessoas também.
As opiniões mudam constantemente e buscar o conhecimento é sempre muito relevante para
a vida.

Uma característica básica de quem deseja adquirir autoconhecimento é saber dar um


passo de cada vez, ou seja, ter a tranquilidade de respeitar o seu tempo para tomar decisões
e conseguir reverter situações adversas. A rotina pesada de trabalho é um fator que desmotiva
as pessoas, causando estresse e que corrói por dentro provocando falta de ânimo para a vida.

Cuidar do autoconhecimento é de extrema importância. Uma vez ou outra é


necessário deixar tudo de lado e tirar um tempo para si, nem que seja para ficar em casa sem
fazer absolutamente nada. Ter uma melhor qualidade de vida é fundamental para se conectar
consigo mesmo e, implementar novos hábitos gera motivação, permitindo repensar atitudes
e evoluir na busca por melhores resultados.

É comum vermos relações de interdependência e por causa disso muitos não


conseguem dizer “não”, pois soa como algo negativo. Quando alguém diz “sim” para tudo
muitas pessoas acabam se aproveitando disso e gerando uma sobrecarga sobre aquele que
sempre está cedendo e é isso que precisa ser evitado. Por isso a importância de sempre refletir
sobre todas as situações e dizer “não” quando for necessário. Escolher o que é válido é
primordial para a saúde física e emocional de qualquer pessoa.

O autoconhecimento está intimamente ligado ao propósito de vida de uma pessoa, a


sua missão na terra, aquilo que a faz se sentir feliz e realizada. Ao se conhecer fica muito
mais fácil tomar decisões que conduzam a realização do seu propósito e isso por si só gera
maior qualidade de vida.
67

21.15 Dualidade – Luz e Sombra

O amor é como um sentimento que todos os seres humanos já devem ter sentido em
algum momento da vida, assim como a felicidade, a tristeza, a raiva ou a admiração. Isso
acontece porque todos nós somos seres que possuem uma dualidade de luz e sombra.

Metaforicamente, a luz representa toda a bondade, compaixão, talentos que existem


dentro de cada ser humano. A sombra, por sua vez, é tudo aquilo que é ruim ou que não seja
tão bom. Normalmente o indivíduo não consegue enxergar e reconhecer sua sombra, mas
ela está presente em sua personalidade. Obter o conhecimento acerca dela é fundamental
para superar alguns obstáculos.

O estudo acerca da dualidade “luz e sombra” vem para nos mostrar que todos nós
somos seres com capacidade de sermos pessoas incríveis e ao mesmo tempo pessoas
deploráveis. Somos seres iluminados e também sombrios. Essa dicotomia faz parte de nós e
é um desafio para cada um compreendê-la e aceitá-la, e a partir de então, honrá-la e respeitá-
la.

Quando pensamos em melhorar algo na nossa vida, temos que trazer à nossa
consciência a importância de honrar e respeitar a luz e a sombra que existem no nosso
interior, pois são elas que dão forma à nossa personalidade e não apenas um ou outro. A
bondade só é perceptível quando entendemos o que é a maldade. Igualmente, entender um
comportamento negativo requer conhecer o oposto dele e reconhecê-lo dentro de si próprio.

Ir ao mais profundo do nosso ser para identificar as obscuridades não é uma tarefa
fácil e exige um olhar alheio de todo e qualquer julgamento, pois a tentativa de combater a
sombra é e sempre será um duelo falho. Todos nós só conseguimos ser luz porque a sombra
existe, logo, é ela que vai direcionar o caminho a ser seguido para o melhor que existe dentro
de cada um.

Engana-se quem pensa que a sua sombra se encontra no oculto, onde ninguém de
fora pode vê-la ou julgá-la. Pelo contrário, ela está exposta e o mundo a enxerga com muita
clareza. Existem pessoas que só conseguem observar a sombra na vida de outras, mas na sua
própria vida veem apenas a luz. Também há aqueles que só olham para a sua sombra e não
conseguem ver luz em sua vida, apenas na dos outros. Em ambos os casos existe um
problema a ser enfrentado.

Como dito antes, nossas sombras fazem parte de nós, sendo assim, não faz sentido
querer extirpá-las do nosso ser, como muitos pensam ser possível. Nós somos formados de
ambiguidades e contradições, razão pela qual o nosso inconsciente é cercado de mistérios.
Para que se possa compreendê-lo é fundamental se desprender de todo e qualquer julgamento
e enxergar o “mal” sob uma nova ótica. Por isso, é preferível denominá-lo de “sombra”,
afinal, existe alguém que não possua sombra?

Toda e qualquer experiência que passamos na vida é importante para nos moldar,
implementando mudanças que nos levarão a níveis mais altos de conhecimento para sermos
68

pessoas melhores. Os erros e fracassos ensinam a nos reerguer e a lidar com as adversidades
da vida, nos tornando cada vez mais fortes e, quando entendemos isso, passamos a admirar
mais quem nós somos, quem nos tornamos e quem desejamos ser.

Existe uma leveza maior quando se entende sua própria história e a aceita com mais
amor e compreensão. Compreender a si mesmo é importante para que não haja punições
pessoais por erros ou culpas, pois cada um passa a saber o que precisa ser feito para não
ultrapassar seus limites. Isso reflete o respeito por sua própria história.

Ser grato por tudo o que já aconteceu, honrar a história da família e das pessoas ao
redor, lembrar sempre de quem é e do que já conquistou, praticar o amor, evitar culpas e
julgamentos excessivos são exemplos de condutas que auxiliam no crescimento pessoal,
respeitando e honrando a luz e a sombra que existe dentro de cada pessoa.

21.16 Sete Leis Espirituais do Sucesso

De autoria do médico Deepak Chopra, as sete leis espirituais do sucesso consideram


que o sucesso pessoal não está atrelado ao resultado de um trabalho duro, a planos
previamente determinados ou a desejos estratosféricos, pelo contrário, ele decorre da forma
como nós compreendemos a nossa natureza básica como ser humano e de como podemos
seguir as leis da natureza.

Quando entendemos as leis da natureza e passamos a aplicá-las em nossas vidas,


percebemos que tudo o que desejamos pode ser criado, uma vez que o mesmo campo que
permite à natureza criar uma floresta, o universo ou um corpo humano, também pode ser
capaz de realizar sonhos. Este sucesso que Chopra se refere é o espiritual, da mente e do
bem-estar interior das pessoas, não necessariamente o sucesso que envolve o dinheiro.

As sete leis espirituais do sucesso permitem uma conquista pessoal inigualável, na


medida em que viabiliza a cada pessoa trilhar o seu próprio caminho com vistas ao sucesso.
E ainda, a rapidez do resultado só depende exclusivamente do empenho de cada um ao
cumpri-las. Vejamos quais são essas leis.

21.16.1. Lei da Unidade ou Lei da Potencialidade Pura

Essa lei faz alusão à consciência divina que cada um possui e como ela é capaz de
viabilizar inúmeras possibilidades a partir de sua criatividade e inspiração divina. É
desprendida de qualquer forma de julgamento e não possui dependência externa, o que
permite alcançar uma verdadeira realização, pois não existem conflitos entre seus desejos e
a sua real essência.

Uma técnica eficaz para ativar a potencialidade pura é realizar meditações, levando
a mente a um estágio de calmaria em seus pensamentos até chegar numa totalidade de paz e
serenidade. Poucos minutos por dia são suficientes para se chegar a resultados satisfatórios.

21.16.2. Lei da Doação


69

A troca de energia faz parte de toda e qualquer experiência humana, pois cada ser
que existe em nosso planeta possui sua própria carga energética. A alma possibilita vibrar e
emitir várias energias positivas ou não e é o ato de se dispor a entregar energias positivas
que fará com que as receba de volta.

É importante ter sinceridade nas ações e ser bem intencionado em tudo, praticando a
compaixão e, sempre que possível, oferecendo ajuda ao próximo. O ato de olhar para o outro
e se colocar no lugar dele enriquece a alma. Uma simples oração é um grande passo para
uma grande transformação de vida.

21.16.3. Lei do Carma ou Causa e Efeito

As escolhas que fazemos durante a nossa caminhada, bem como as decisões que
todos nós tomamos no percurso traçam os efeitos correspondentes a cada uma dessas ações
de forma proporcional. Ou seja, a prosperidade só será alcançada, por exemplo, por aquele
que tomar a decisão de ser próspero, assim como só terá paz aquele que a busca e só se
sentirá ofendido aquele que assim quiser ser.

Possuir uma atenção especial para cada decisão tomada é fundamental para
compreender os efeitos que elas terão. O hábito de sempre pensar bem antes de decidir deve
fazer parte da rotina de todos nós. É preciso trazer o controle das decisões para o consciente,
pois assim é possível evitar resultados negativos.

21.16.4. Lei do Mínimo Esforço

Essa lei reflete a capacidade de cada um de se aceitar de um modo geral. É saber que
certas coisas acontecem pelo simples fato de existirmos. Os fatos, as alegrias e as tristezas,
as festas e os funerais, tudo serve a algum propósito e sempre nos ensinam algo. Esse tipo
de raciocínio nos conduz a uma vida mais confortável, em que não se busca achar um
culpado para cada situação. Essa compreensão faz abrir a mente para enxergar com mais
evidência os caminhos certos a serem percorridos.

Cada vez que uma situação negativa surgir, é importante refletir como aquilo se deu
e saber que existe um propósito por trás dela. Evitar culpar alguém ou a si mesmo pelos
infortúnios da vida é um hábito que deve ser repetido diariamente.

21.16.5. Lei da Intenção e do Desejo

Tudo o que existe no universo possui energia e contem informações que partiram de
energia condensada. A saber, o universo é composto de um campo quântico de inúmeras
possibilidades, e assim são os desejos e intenções que pulsam no sentido de influenciar esse
campo energético a produzir sua própria energia. Todos os seres são formados a partir de
suas próprias vontades de energia e caracteres diferenciados.

21.16.6. Lei do Distanciamento ou Desprendimento


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Essa lei vem promover a aceitação de que o universo e seu campo quântico permitem
a concretização de infinitas possibilidades. Significa que tudo está disponível para ser
conquistado e ninguém deve se sentir preso a um determinado caminho. Há várias
oportunidades todos os dias e é preciso nos desprendermos de todos os obstáculos que nos
aprisionam para nos lançarmos em direção a cada novo caminho.

21.16.7. Lei do Darma ou do Propósito de Vida

O entendimento acerca da finalidade da existência humana é o que está contido na


Lei do Darma. Ela fala sobre os propósitos de vida e como o simples fato de existir pode
servir como uma missão de crescimento para a alma.

Todas as pessoas são formadas a partir de existências espirituais, habitando em um


corpo físico para um propósito específico. Cada pessoa deve procurar compreender qual seu
propósito de vida para que possa desenvolvê-lo, o que requer um elevado autoconhecimento.

21.17 Metáfora do Boneco de Sal

A capacidade de aceitar nossos limites e de desapegar-nos de tudo ainda é um conflito


que está presente no nosso cotidiano. O dia-a-dia nos mostra por si só as limitações que nos
cercam. É como se vivêssemos num agrupamento existencial que nos impõe barreiras de
toda ordem, seja de lugar ou de profissão, seja na área da saúde ou da comunicação. O que
há é sempre uma desarmonia que envolve desejos e realizações.

Há uma sabedoria popular que diz que se alguém é capaz de sentir de forma profunda
o outro, este o perceberá mesmo que esteja a milhares de quilômetros de distância. Isso quer
dizer que, ao permitir mudanças no interior, surgirá uma luz que irá irradiar para todos os
que estiverem por perto.

O ato de desapegar-se ou de despedir-se exige um alto nível de maturidade pessoal e


liberdade interior. O desapego é por sua natureza um elemento inerente à existência humana,
porque logo cedo somos retirados do ventre materno e logo após temos que sair da meninice,
da juventude, da escola, da casa dos pais, de profissões, etc. Estamos sempre sendo
conduzidos ao desapego que findará com a morte. Há uma lógica que diz que “ao perder,
ganhamos e ao esvaziarmo-nos ficamos plenos”. Talvez seja esse o sentido existencial
humano.

Há uma estória criada pelo teólogo e filósofo Leonardo Boff chamada “O boneco de
sal”, que narra o sentido da perda que produz ganho. Vejamos:

Era uma vez um boneco de sal. Após peregrinar por terras áridas chegou a
descobrir o mar que nunca vira antes e, por isso, não conseguia compreendê-lo.
Perguntou o boneco de sal: ‘Quem és tu?’. E o mar respondeu: ‘eu sou o mar’.
Tornou o boneco de sal: ‘Mas que é o mar?’. E o mar respondeu: ‘Sou eu’. ‘Não
entendo’, disse o boneco de sal. ‘Mas gostaria muito de compreender-te; como
faço’? O mar simplesmente respondeu: ‘toca-me’.
71

Então o boneco de sal, timidamente, tocou o mar com a ponta dos dedos do pé.
Percebeu que aquilo começou a ser compreensível. Mas logo se deu conta de que
haviam desaparecido as pontas dos pés. ‘Ó mar, veja o que fizeste comigo!’ E o
mar respondeu: ’Tu deste alguma coisa de ti e eu te dei compreensão; tens que te
dares todo para me compreender todo’. E o boneco de sal começou a entrar
lentamente mar adentro, devagar e solene, como quem vai fazer a coisa mais
importante de sua vida. E, na medida em que ia entrando, ia também se diluindo
e compreendendo cada vez mais o mar. E o boneco continuava perguntando: ‘que
é o mar?’. Até que uma onda o cobriu totalmente. Pode ainda dizer, no último
momento, antes de diluir-se no mar: ‘Sou eu’.

Leonardo Boff trouxe através do contexto do boneco de sal a importância de nos


desconstruirmos para entendermos por completo o que está a nossa frente. No enredo, o
boneco de sal decidiu se desapegar de tudo e, consequentemente, ele conquistou tudo: o seu
verdadeiro eu.

21.18 A Crítica, o Julgamento e a Raiva Inconsciente

Relembrando Bert Hellinger, considerado o desenvolvedor da técnica da constelação


familiar, ele nos ensina que todos nós somos frutos do meio ou sistema em que estamos
inseridos e, para fazermos parte dele, temos que seguir padrões previamente determinados.
É a ideia de pertencimento, já abordada no primeiro módulo, que nos leva a sermos fiéis ao
que a família diz ser o correto.

Assim sendo, se eu faço parte de uma família que é corrupta e se dedica a práticas
contrárias a lei, eu só conseguiria me sentir integrante desse grupo familiar quando
começasse a realizar as mesmas condutas. Ser corrupto e violador da lei é um conceito de
inocência dentro da família. Os padrões familiares escondem sentimentos, emoções e
situações antigas das quais não temos a menor consciência.

É comum olhar para atitudes de pessoas e julgá-las como imaturas, inconsequentes,


arrogantes, irresponsáveis, entre tantas outras coisas. Condenar parece ser um hábito de vida
e isso gera um sentimento de raiva a cada vez que fazemos isso. Uma raiva bem direcionada
faz nos locomover rumo aos nossos objetivos, contudo, quando a raiva surge em assuntos
alheios a nossa vida somos conduzidos ao questionamento: Por qual motivo eu sinto isso?

Quando me vejo imerso num padrão de críticas, percebo que há um sentimento de


raiva escondido em mim, que não é externado. Assim, começo a notar que meu pai pode ter
tido momentos de exaltação em seus nervos, que meus avós também viviam estressados.
Havia tanta raiva contida e reprimida que se tornou depressão e gerou crises de saúde
intermináveis.

Ao entender essa linha de sentimentos ruins eu tomo consciência da minha reação e


enxergo o padrão de julgamento e condenação como o estopim da raiva. A solução está em
não mais julgar e condenar pessoas, mas em deixá-las livres para viver a vida delas. Aquilo
que acontece na vida das outras pessoas pertence a elas e isso jamais poderá me afetar.
72

Quando eu aprendo a lidar com meus sentimentos, a colocar limites na minha vida e
a cuidar daquilo que diz respeito a minha vida, eu passo a viver de forma mais leve, pois o
controle da vida do outro não está em minhas mãos. É importante que a cada vez que
pensarmos em julgar ou condenar alguém, nos lembremos que essas atitudes não pertencem
a nós, mas aos nossos antecessores e devem ser deixados com eles.

21.19 Emoções, Sentimentos e Necessidades

Cientistas e filósofos ainda não conseguiram desvendar o que são as emoções e como
elas se originam, muito embora saibam que elas são inerentes a todos os homens. Estão
presentes em todas as culturas pelo mundo e se manifestam de diferenciadas maneiras. Os
atos de rir, chorar, gritar, brigar são exemplos de alguns sentimentos que não possuem o
mesmo significado – o coração de alguém pode acelerar de medo ou de alegria, por exemplo.

Compreender as emoções é a chave para tratamentos que vão desde a ansiedade à


dependência química, porém, até o momento pouco se descobriu acerca das bases neuronais
das emoções. Para Joseph LeDoux13, um dos maiores especialistas na área das emoções, é
interessante saber se as emoções que percebemos de forma consciente também estão
presentes em outros animais e, a partir daí, deve-se comparar quais as funções e circuitos
cerebrais envolvidos.

Na concepção dos filósofos alemães Albert Newen e Luca Barlassina, as emoções


devem ser interpretadas como um estado mental sofisticado, resultante da integração entre
processos fisiológicos e cognitivos. Para eles as emoções têm de ser compreendidas como
um processo integrado: diante de um estímulo, o indivíduo faz associações cognitivas e
julgamentos racionais. É esse conjunto que irá definir o surgimento de um sentimento.

A maneira como a pessoa se sente é que determinará como ela irá agir. Por isso, é
importante termos autoconhecimento, pois ele traz a possibilidade de entendermos melhor a
nós mesmos e aqueles que convivem conosco. Ao invés de brigarmos com alguém que fez
algo que nos atingiu negativamente, devemos tentar entender as emoções e sentimentos que
estão envolvidos e obter uma visão mais positiva.

Normalmente as palavras sentimentos e emoções são colocadas como sinônimas,


porém, para a psicologia elas são diferentes, apesar de terem uma forte conexão entre elas.
Isto se dá porque são as emoções que conduzem aos sentimentos, e estes, por sua vez, podem
despertar outras emoções.

As emoções são reações instantâneas que o corpo apresenta perante os


acontecimentos da vida, como medo, tristeza, culpa, ciúme, vergonha, calmaria, bem-estar,
alegria, etc. Elas são desencadeadas por fatores do dia-a-dia e podem vir acompanhadas de

13
OLIVETO, Paloma. O mistério das emoções começa a ser desvendado pela ciência. Disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2013/07/19/interna_tecnologia,425012/o-misterio-das-
emocoes-comeca-a-ser-desvendado-pela-ciencia.shtml. Acesso em 14 de agosto de 2021.
73

reações orgânicas do corpo, como suor ou lágrimas. As emoções são direcionadas para o
exterior, por isso sempre vão expressar algo.

Os sentimentos decorrem das emoções. Eles são influenciados, em grande parte, pelo
histórico de vida de cada pessoa e isso inclui crenças e experiências vividas. Por isso as
reações são diferentes em cada pessoa. Enquanto alguns se aborrecem mais facilmente,
outros conseguem se manter calmos com mais frequência, ainda que diante de situações
graves.

Os sentimentos tem uma intensidade menor que as emoções e acontecem no íntimo


de cada pessoa, não podendo ser percebidos pelo mundo externo. Embora sejam menos
intensos, possuem uma durabilidade maior, podendo permanecer com a pessoa por toda a
sua vida. Assim, as emoções costumam ser de fácil constatação, já que visíveis, enquanto
que os sentimentos acontecem na mente e podem passar despercebidos por outras pessoas,
como é o caso do amor.

Segundo cientistas, os sentimentos e emoções humanas se originam ainda no útero


da mãe. Logo, tudo aquilo que está ao redor do bebê é sentido e absorvido por ele, seja o
medo, a insegurança, a raiva, a alegria, a rejeição, etc. Todas as sensações são determinantes
no desenvolvimento do bebê desde o início de sua existência até a formação de sua
personalidade.

Denomina-se a primeira fase da vida a que vai do útero até os sete anos de idade.
Nesse momento a pessoa terá o registro das emoções vividas e interpretá-las-á de forma
subjetiva, conforme suas experiências e então criará padrões de sentimentos e
comportamentos. Quando os pais encorajam seus filhos desde cedo sobre suas qualidades,
eles tendem a crescer mais seguros de si e conscientes de seus talentos.

Por outro lado, existem aqueles que foram criados num contexto de repressão e
rejeição. Pessoas assim se tornam inseguras e podem ter problemas sérios de autoestima.
Sendo assim, necessitam tratar os seus sentimentos e encontrar nas experiências negativas
da vida elementos que a conduzam ao seu crescimento, o que se dá através do
autoconhecimento.

O autoconhecimento é um facilitador da relação do ser humano com seus sentimentos


e emoções. Por meio dele é possível entender a razão de sentir raiva, medo, aflição,
insegurança ou pânico e racionalizar em cima disso, buscando encontrar uma forma de
impedir que tais sentimentos se tornem crenças limitantes que afetarão negativamente o
desenvolvimento pessoal e profissional do indivíduo.

21.20 Jacob Levy Moreno

Nascido em 18 de maio de 1889, na cidade de


Bucareste, na Romênia, Jacob Levy Moreno era o
filho primogênito de Moreno Nissim Levi e de
Pauline Iancu.
74

No ano de 1895, seus pais se mudaram para Viena, na Áustria, e em 1909 ele
ingressou no curso de medicina da Universidade de Viena, cuja formação veio em 1917.

Ele se interessou desde cedo pelo teatro. Aos cinco anos de idade, ele brincava com
amigos sobre assumir o papel de Deus e dos anjos. Enquanto Jacob ficava sentado no “trono
de Deus”, montado por caixotes empilhados numa mesa, um dos “anjos” pediu a ele que
voasse. Ele atendeu ao pedido e acabou fraturando o braço direito. Ao crescer, tornou-se
adepto do teatro de improviso, que estava começando a florescer em Viena.

Jacob sempre teve uma percepção peculiar para o teatro. Ele conseguia enxergar
elementos do cotidiano que poderiam ser usados na dramaturgia, como a espontaneidade e
a criatividade das brincadeiras infantis no parque público de Augarten, em Viena. Sua
experiência médica com grupos marginalizados em um campo de refugiados em Mitterndorf
na der Fischa, na baixa Áustria, também contribuiu para sua concepção sobre sociometria e,
consequentemente, para o psicodrama.

No ano de 1921, Moreno criou o “teatro da espontaneidade”, que tinha por escopo a
apresentação sem memorização de textos. Tudo era feito com base no improviso. Ele
também foi responsável pela criação do “Jornal Vivo”, em que ele e um grupo de atores
dramatizavam notícias transmitidas nos jornais diários. Logo depois deu vida ao teatro
terapêutico, após anos trabalhando como médico em hospitais.

Em 1925, Moreno se muda para Nova York, nos Estados Unidos, onde ele pôde
fundamentar melhor a teoria dos papeis no exercício da espontaneidade. Segundo ele, apenas
em Nova York, a grande metrópole, foi possível dar prosseguimento à investigação em grupo
sociométrico da maneira como sempre imaginou.

Anos mais tarde, Moreno introduziu pela primeira vez a psicoterapia de grupo e
desenvolveu a teoria das relações interpessoais, que deu ensejo ao que ele chamou de
sociodrama, psicodrama, sociometria ou sociatria. Em 1936 foi inaugurado o sanatório de
Beacon Hill, lugar em que foi fomentada a prática psicodramática durante muitos anos.

Moreno chegou a casar três vezes. O primeiro casamento foi com Beatrice Beecher
em 1926, tendo se divorciado tempos depois e assumido um novo matrimônio em 1938 com
Florence Bridge, com quem ele teve uma filha. Após o segundo divórcio, casou-se em 1949
com Zerka Toeman e teve um filho chamado Jonathan D. Moreno.

No dia 14 de maio de 1974, aos 85 anos de idade, Moreno veio a falecer. Em sua
sepultura ele havia pedido que fosse gravada a seguinte frase: “aqui jaz aquele que abriu as
portas da Psiquiatria à alegria”. Sua esposa, Zerka Toeman, ficou responsável pela
sistematização da obra de Moreno nos Estados Unidos e a divulgação do psicodrama pelo
mundo.

21.21 A Teoria do Psicodrama


75

Com aplicação das mais eficazes nos campos da saúde, da educação e das
organizações sociais, o psicodrama se consolida como uma técnica psicoterápica que se
originou no teatro, na psicologia e na sociologia. Ele possui uma ação profunda e
transformadora que está voltada às relações interpessoais, bem como às ideologias
particulares e coletivas que as sustentam.

O psicodrama busca promover estados espontâneos, razão pela qual faz uso das
emoções e incentiva a co-criação. E ainda, visa discriminar e integrar por meio de uma
linguagem verbal e não verbal com certa harmonia o individual e o coletivo, o mundo interno
com a realidade compartilhada.

Foi através do “teatro da espontaneidade” que Moreno deu os primeiros passos no


tocante ao psicodrama, quando convidava o público, de forma ousada, a criar sua própria
história por meio da encenação espontânea, no melhor estilo da época. O psicodrama faz
intervir o corpo em suas variadas expressões e interações com outros corpos, diferentemente
das psicoterapias puramente verbais.

Moreno vai dizer que o psicodrama representa o ponto decisivo na passagem do


tratamento do indivíduo isolado para o tratamento do indivíduo em grupos, bem como do
tratamento do indivíduo com métodos verbais para o tratamento com métodos de ação. É
que o psicodrama posiciona o sujeito no seu meio de convívio, não o considerando como um
ser isolado, pois essa concepção de isolamento não é real, haja vista que, para nascer, crescer,
viver e se reproduzir, o homem necessita do outro.

No psicodrama há uma reconstrução do contexto de vida de cada pessoa, colocando-


a em movimento. Assim, as suas interações passam a se manifestar, assumindo uma posição
de destaque, já que o indivíduo por si só não dramatiza, mas um grupo que irá expressar suas
inter-relações. O objetivo é identificar ao máximo os vínculos que se estabelecem no seu
grupo e as suas características principais.

É comum referendar a teoria do psicodrama com base em conceitos filosóficos como


encontro, espontaneidade, criatividade, e também conceitos teórico-técnicos como teoria dos
papeis, conserva cultural, entre outros, que alicerçados às técnicas psicodramáticas
compõem uma intervenção terapêutica cuja proposta é a de não reduzir a psicoterapia a um
ato verbal.

Imaginemos o caso de um garoto de seis anos chamado Pedro, que se encontra no


jardim de infância. Ele sempre se comportou muito bem na escola, até que certo momento
relatou para os pais não querer mais ir às aulas porque a professora havia chamado sua
atenção. Em conversa com a professora isso se resolve e Pedro retorna às aulas. Dias depois
o problema volta a surgir e Pedro afirma ter um garoto que bate nele e por isso se recusa a
voltar à Escola. Pedro está decidido a não retornar à sala de aula. Diante do quadro, busca-
se no psicodrama uma solução para a situação. Pedro passa a fazer parte de um grupo
diagnóstico, cuja dramatização é criada no ambiente escolar.
76

Pedro organiza uma sala conforme enxerga o ambiente escolar, dispondo mesas e
cadeiras no local. As crianças de sua turma são colocadas nas cadeiras e Pedro escolhe um
dos egos-auxiliares para representar a professora. Todos acabaram de chegar à sala de aula
e pede-se a Pedro que narre como que é a chegada, desde o lugar onde guardam o material
até onde cada um costuma sentar. A representante da professora começa a dar vida ao papel
para fazer com que as crianças se sintam no ambiente escolar. Há interação entre todos e o
clima emocional é o adequado, inclusive, Pedro está desenvolto com seus colegas de classe,
até que num determinado momento ele se dirige à professora e afirma que está faltando o
Mário.

Segundo Pedro, Mário é um garoto deficiente físico que o assusta muito. Antes,
Mário se sentava distante de Pedro, mas passou a se posicionar logo à sua frente. Dito isto,
são criadas duas dramatizações: uma com Mário sentando distante de Pedro e outra mais
próxima dele. Diante disso, verificou-se que no relato inicial de Pedro não havia nenhuma
referência a Mário, que é o ponto-chave da situação traumática. Havia uma repulsa de Pedro
em ter que ir à Escola, mas que não estava evidente. Ele não tinha consciência do porquê de
não querer ir à aula e acabava criando uma justificativa mais coerente. Foi a dramatização
que permitiu identificar o medo de Pedro a partir da criação de cena com as movimentações
pertinentes.

No caso acima, a reconstrução dramática fez com que o problema fosse diagnosticado
antes de qualquer outro procedimento psicoterapêutico. Muitas vezes a inadequação do
indivíduo a sua própria realidade é vista através de seu comportamento, de suas emoções e
das dificuldades que enfrenta, as quais levam a conflitos e provocam adoecimentos. Por meio
das técnicas baseadas em ações dramáticas, o psicodrama traz alegria e leveza ao processo
terapêutico.

21.21.1. A Espontaneidade na Alma

Para Moreno, a espontaneidade é o principal elemento do psicodrama. Considera-se


espontânea a forma originária de uma ação, que não está atrelada a uma preocupação com
roteiro ou qualquer linha racional. Ela é resultado de uma ação natural ocorrida em razão de
uma ação nova.

O ser humano por si só é capaz de transmitir respostas espontâneas a depender do


contexto. Isto se dá pela plasticidade e capacidade de adaptação aos diferentes meios. Assim,
pode-se concluir que a espontaneidade está vinculada à capacidade de responder
naturalmente a situações novas ou de mudar a sua postura diante de situações do passado.

Quando o terapeuta está bem capacitado no exercício do psicodrama, a descontração


e a jovialidade do teatro espontâneo, aliadas às técnicas adequadas, são capazes de despertar
nos indivíduos envolvimento e participação. Tanto em um processo individual como em um
coletivo, encenar é uma brincadeira fundamental no desenrolar da terapia. Para a psicologia,
fazer o psicodrama é trabalhar no lúdico com responsabilidade.
77

O foco da psicologia é a compreensão de sofrimentos que envolvem as emoções e


que se encontram enclausurados no interior de cada paciente, provocando traumas, mentais
e físicos. A função do psicodrama nesse indivíduo é de revisar seus valores, credos, conceitos
e comportamentos, proporcionando melhora em sua autoestima, nas relações afetivas e nas
interações sociais.

A espontaneidade não depende exclusivamente da arte dramática. Ela pode ser


identificada em atitudes habituais e automáticas, não podendo ser compreendida como um
comportamento aleatório, pois existe intencionalidade na busca de um resultado construtivo.

Quando se fala em aumentar a espontaneidade está se referindo ao relacionamento


com o inconsciente, o qual deve funcionar como uma aglutinação de insights, imagens
mentais e intuições que acabam resultando na criatividade. Moreno diz que a ação de ser
espontâneo leva a um estado de receptividade com a realidade apresentada pelo paciente.

Moreno (1978) afirma que a intensidade vital da criatividade depende da


espontaneidade, a qual, sem a criatividade, esvazia-se. Logo, se a espontaneidade é o
catalisador psíquico, então a criatividade é a substância que capacita o indivíduo a agir.
Rubini (1995) conclui que a criatividade é aquilo que o indivíduo faz para recriar o seu “eu”
com espontaneidade através do conjunto de papeis que desempenha no jogo da vida.

Segundo Moreno, existem quatro formas pelas quais a espontaneidade se expressa:

1) Qualidade dramática: atribui algo novo e vívido às atitudes e


sentimentos carregados de repetição. É muito comum em crianças e
adolescentes;
2) Criatividade: envolve a formação de uma nova criança, de novos
conceitos da arte e de invenções tecnológicas. Coloca o sujeito numa
posição de enxergar os recursos disponíveis e aproveitá-los;
3) Originalidade: diz respeito à variação ou expansão da conserva cultural
sem alterar sua essência. A conserva cultural significa as cristalizações dos
resultados de um ato ou processo criador;
4) Adequação da resposta às exigências da situação: tem a ver com a
aptidão plástica, a mobilidade e a adaptação a um mundo em rápida
mudança.

Ainda que nossos valores e crenças mudem constantemente no decorrer dos anos,
durante a realização da psicodramatização é possível alterar atitudes com vistas ao
desenvolvimento de pontos de melhoria, fazendo uma adaptação das próprias percepções.

A espontaneidade pode ser exemplificada no caso de um sujeito que está sendo


entrevistado. Ao ser feita uma pergunta inesperada, sua reação imediata é gaguejar, mudar o
tom de voz, manifestar incômodo e preocupação, falar coisas aleatórias, etc. Seria diferente
se a pergunta já fosse prevista por ele, com certeza sua rapidez e segurança na resposta
estariam mais evidentes.
78

Alcançar um autoconhecimento e ampliar o estado de consciência sobre si são


benefícios que podem acontecer quando for viável perceber e refletir sobre os próprios
comportamentos espontâneos. É a espontaneidade que torna possível atualizar e manifestar
o potencial criativo de cada um.

É comum que num ambiente formal estejamos mais preocupados com o que falamos
e com o que vão pensar para que não cometamos erros, pois o importante é agir da forma
como o ambiente espera de nós. Sendo assim, acabamos por estar “representando um papel”.
Já nas situações espontâneas nos mostramos mais à vontade para sermos quem realmente
somos, agindo com a essência e é isso que é ter espontaneidade na alma.

21.21.2. Elementos do Psicodrama

O psicodrama tem o viés metodológico de manejo e intervenção voltado à


criatividade e espontaneidade. Assim, o psicodramatista vai utilizar variadas técnicas
durante o processo com intuito de conduzir pessoas a se conectarem com questões que
estejam dificultando sua atuação em determinadas circunstâncias do cotidiano.

Em cada sessão o foco deve ser a vivência de experiências existenciais, dando


estímulos para respostas criativas e espontâneas na vida. Cabe ao psicodramatista orientar
todo o processo levando em conta as bases teóricas em que a metodologia se fundamenta.

Os elementos que podem ser considerados integrantes da cena psicodramática são:

1) Palco ou cenário: diz respeito ao ambiente onde se passará toda a


dramaturgia, bem como às condições criadas para que as ações se realizem.
Nele podemos ver representações simples do cotidiano das pessoas, seus
sonhos, aborrecimentos, alucinações, etc.;
2) Protagonista ou paciente: está ligado ao personagem ou tema destacado
para as ações dramáticas do encontro, podendo ser um indivíduo, uma
dupla ou um grupo. É, pois, autor e ator, ou seja, aquele que narrará seu
próprio drama, representando a si mesmo e seus personagens são parte
dele;
3) Egos auxiliares: são todos aqueles que irão contracenar com o
protagonista, podendo ser profissionais ou mesmo participantes do público
que subirão ao palco terapêutico. Eles possuem uma atuação intermediária
entre protagonista e diretor, apresentando-se como uma extensão de
ambos;
4) Plateia: são as pessoas que estão assistindo à dramatização. Estão fora do
campo terapêutico (cenário);
5) Diretor: é ele quem conduz o andamento da cena. É uma das tarefas do
psicodramatista facilitar o bom desenvolvimento da cena dramática.
Moreno vai dizer que o diretor possui três funções específicas, que são:
a) Produtor: está atento aos detalhes que o protagonista dá no
intuito de direcionar a dramatização da maneira que se assemelhe
à realidade do cliente. Visa estabelecer o caminho por meio de
79

objetivos determinados, podendo opinar com sugestões para


conduzir o protagonista em seus insights. Também deve se atentar
para que a cena ocorra em constante contato com a plateia;
b) Diretor/Terapeuta/Conselheiro: possui um papel mais ativo e
permissivo a depender de sua avaliação, podendo enfrentar e
redirecionar o sujeito. Sua visão deve ser ampla de modo que
consiga atender à dinâmica do protagonista e do grupo;
c) Analista social: sua atribuição é voltada à análise da ação
dramática, solicitando ajuda dos egos-auxiliares e da plateia com
objetivo de complementar seu raciocínio sobre a dramatização e
fazer uma interpretação mais clara do protagonista.

21.21.3. Etapas do Psicodrama

Ao definir o psicodrama como uma ciência exploradora da verdade por meio de


métodos dramáticos, Moreno associa drama à ação. Logo, as técnicas podem ser
consideradas formas de favorecer a criatividade e a espontaneidade, visando o
estabelecimento da comunicação, da empatia e dos sentimentos.

Rubini (1995) retrata o psicodrama como a possibilidade que o indivíduo tem de


aplicar todo o seu potencial imaginativo/criativo para transformar sua realidade, retomar
papeis sociais instituídos e conservados, para recriá-los, modificando-os e reinventando-os
na vivência das relações em que se encontra incluído.

Como já dito, o psicodrama visa promover atividades dramáticas que possibilitam


aos seus participantes conhecerem mais sobre si e sobre os outros, facilitando na eliminação
de comportamentos sabotadores e construindo um repertório novo para lidar com as variadas
situações, sejam antigas ou novas. Assim, existem algumas etapas importantes durante a
realização do psicodrama, que são: o aquecimento, a dramatização e o compartilhamento.

Na etapa de aquecimento, o psicodramatista auxilia o grupo promovendo


envolvimento e participação. É necessário que haja um entrosamento saudável entre todos
e, para isso, costuma-se realizar atividades corporais e verbais no intuito de se alcançar um
candidato que seja o protagonista do encontro. É nessa etapa que são apresentadas as
diretrizes de como trabalhar o psicodrama.

Ao ser escolhido o candidato que será o protagonista, parte-se para a segunda etapa,
que é quando existe maturidade para a ação e está ligada à construção da cena pelo diretor
juntamente com o candidato. O cenário vai se formando e são definidos os papeis a partir
daquilo que o protagonista criou e os componentes da plateia são convidados a participarem
da dramatização. O que mais interessa nessa fase é mostrar os fatos e não a sua descrição
nem as suas condições.

Na terceira etapa, que se refere ao compartilhamento, todos os participantes são


conduzidos a expressarem seus sentimentos e sensações a partir de cada cena representada.
É aqui que há um regresso ao contexto do grupo, onde serão apresentados argumentos de
80

partilha e solidariedade. O protagonista deverá se manifestar quanto às suas vivências e a


plateia irá verbalizar a experiência que viveu ou assistiu. É o momento ideal para se
identificar eventuais conflitos existentes no passado e na atualidade que precisam ser
solucionados. Nessa fase os egos se exprimem e o diretor realiza uma síntese de tudo o que
aconteceu.

Há ainda quem mencione uma quarta etapa, que seria a do processamento. Essa etapa
é feita ao final de cada sessão ou na sessão seguinte com o diretor e os alunos de psicodrama.
O que se objetiva com ela é estudar e registrar os conteúdos e dados técnicos utilizados
durante a realização da dramatização, bem como rever a dinâmica dos protagonistas,
observando o tema principal e seus referenciais teóricos.

21.21.4. Matriz de Identidade

No ano de 1944, enquanto casado com Florence Brigde, Moreno publicou a “Teoria
da espontaneidade do desenvolvimento infantil”, de autoria do casal. Essa teoria trás a
definição de matriz de identidade que, segundo eles, significa o círculo de relações primárias
no qual está inserida a criança, que vai desde o namoro dos pais a um conjunto de fatores
biológicos, psicológicos e socioculturais.

A matriz de identidade faz referência a um processo de aprendizagem relacional da


criança. É o locus nascendi ou a “placenta social”, pois viabiliza a comunicação entre a
criança e o universo da mãe. Trata-se, pois, de um estudo acerca do desenvolvimento infantil
e, consequentemente, faz um esboço acerca da personalidade do ser humano em formação a
partir do sistema em que está inserido.

Segundo a teoria, a matriz de identidade engloba dois universos. No primeiro, a


criança não sabe fazer distinções entre objetos e pessoas, entre aquilo que é imaginário e
realidade, ela está por inteiro vivendo apenas no tempo presente. Ao crescer, o bebê começa
a identificar objetos e entender a distinção que os envolve, dando os primeiros passos na
demonstração de suas relações preferenciais.

No segundo universo da matriz, a criança está aprendendo a lidar com a fantasia de


um lado e a realidade de outro. Surge uma brecha entre fantasia e realidade. Ela já consegue
apresentar distinções, deixando assim de exercer apenas papeis psicossomáticos – respirar,
comer, urinar etc. – do primeiro campo e passando a exercer papeis psicológicos e sociais.
Nessa fase, a criança consegue distinguir o “Eu e o Tu”.

Inicialmente, a matriz de identidade foi relacionada em cinco fases distintas. A


primeira é denominada fase do duplo, a segunda e terceira etapas representam o momento
do “espelho” ou do reconhecimento do “Eu” e do “Tu”, e a quarta e quinta etapas dizem
respeito à inversão de papeis.

A primeira fase é chamada de fase do duplo pelo fato do bebê estar se identificando
com o meio e necessitando de um “ego-auxiliar” para sobreviver. É conhecida também como
fase caótica-indiferenciada e nela pessoas e objetos, incluindo a própria criança, são
81

experimentados como um todo só, indivisível. Essa fase também está alinhada à técnica do
duplo, em que a criança é encarada como um ser em desenvolvimento e impossibilitada de
agir ou de se comunicar por conta própria, necessitando de alguém que a auxilie.

Na segunda e terceira etapa a criança já consegue distinguir o outro e considerá-lo


um ser estranho a ele. É a chamada de fase do espelho, que é quando ocorre o reconhecimento
da imaginação e da realidade física. Ela é composta por dois movimentos distintos, que são:
focar em si e desconsiderar o outro; e, concentrar-se no outro e esquecer-se de si próprio.

A quarta e quinta etapas da matriz de identidade estão voltadas para a percepção dos
seres a sua volta. A criança já consegue em sua imaginação projetar a vida do outro, ou seja,
ela passa a ser a heroína, a profissional, o gatinho, o leão, etc. Por isso, essa fase é
considerada a etapa de inversão de papeis. É quando a criança passa a desempenhar o papel
do outro e consente que outra pessoa exerça o seu próprio papel. Para compreender melhor
essa última fase, é necessário entender como funciona a teoria dos papeis de Moreno,
retratada logo abaixo.

21.21.5. A Teoria dos Papeis

Moreno vai dizer que o papel em seu estudo psicodramático representa a ligação entre
o indivíduo e a cultura. Ele retrata a personalidade do indivíduo como um processo cultural,
ou seja, é uma unidade cultural de conduta, Os papeis seriam pré-existentes ao indivíduo e é
sobre eles que a personalidade traça a sua adaptação.

Os papeis, portanto, se configurariam na via de comunicação da personalidade com


o seu ambiente. Os nossos papeis diários representam uma experiência interpessoal.
Podemos ser filhos, pais, avós, tios, vizinhos, professores, etc. e, para cada papel, é exigido
sempre um papel complementar que os influenciará de forma mútua.

Normalmente os papeis carregam em si aspectos subjetivos daquele que o


desempenha e também elementos sociais. Quanto mais papeis forem desempenhados em
cena e quanto maior o grau de desenvolvimento deles, maior será o seu nível de saúde.

Segundo Moreno (1978), existem três diferentes tipos de papeis:

1) Papeis fisiológicos ou psicossomáticos: são os originários. Eles surgem primeiro


e é por meio deles que a criança pode experimentar seu corpo. Por exemplo:
andador, urinador, dormidor, ingeridor, etc.;
2) Papeis sociais: estão ligados à dimensão da realidade social, ou seja, em como
as coisas estão inseridas no contexto social, como um agricultor, um pediatra, um
psiquiatra, etc.;
3) Papeis psicológicos ou psicodramáticos: se relacionam ao modo de ser. São as
personificações de coisas da imaginação, reais ou não, e são executadas
principalmente na função da fantasia. É por meio desses papeis que a criança
passa a experimentar e desenvolver a dimensão psicológica do Eu.
82

Moreno (2008) afirma que o “Eu” surge a partir do desempenho de papeis. O modo
de ser de cada um será delineado a partir dos papeis complementares que uma pessoa
desempenha ao longo da vida. É o papel que se configura como a primeira unidade
ordenadora e estruturante do “Eu”. Seriam, pois, os tipos de papeis supramencionados como
“eus” parciais. É o que acontece com o recém-nascido, que de início não sabe diferenciar a
si próprio do ambiente que convive, mas através da complementação de papeis é que sua
identidade vai ganhando contornos e descobrindo a si e ao mundo.

O desenvolvimento dos papeis, de acordo com Moreno, envolve três fases diversas:

1) Tomada de papel (role-taking): se refere à adoção de um papel que se encontra


pronto, sem qualquer possibilidade de variação, cabendo ao indivíduo apenas
representá-lo a partir dos conceitos tradicionais. Constitui-se, pois, em um
produto acabado;
2) Jogo de papeis (role-playing): veicula uma margem de liberdade. Seria assim
um jogo espontâneo, em que o sujeito passa a lidar com o personagem com o
intuito de explorar de forma simbólica todas as suas possibilidades de
representação. Nessa fase há uma consciência maior de reflexão;
3) Criação de papeis (role-creating): nessa fase existe um elevado grau de
liberdade para explorar a espontaneidade e a criatividade. Aqui não há um padrão
exato a ser representado, basta que o indivíduo se sinta livre para agir por meio
do improviso. O sujeito se vê livre para expressar mais emoção e veicular reações
naturais durante sua representação.

As três fases acima delineiam um percurso que vai desde a fiel imitação de um papel,
passando pelas técnicas de representação até que se conclua com o desempenho do papel de
forma espontânea e criativa. Foi por meio dessas constatações acerca da matriz de identidade
e da teoria dos papeis, que Moreno conseguiu traçar técnicas psicoterápicas para auxiliar
pessoas no processo de “libertação do casulo”, fazendo com que elas exerçam um papel
aberto, com movimento e criatividade.

21.21.6. Técnicas do Psicodrama

O psicodrama engloba variadas técnicas com vistas a explorar as relações que


envolvem a pessoa com o núcleo de seu convívio. Isso permitirá compreender o que leva
uma pessoa a se comportar de determinada maneira diante de situações diversas e como seria
essa pessoa caso o tratamento que ela recebeu fosse outro.

21.21.6.1. Inversão de papeis

Trazendo como propósito o exercício da empatia, a técnica da inversão de papeis visa


reposicionar pessoas de um determinado grupo, fazendo com que elas repensem atitudes fora
do seu campo de visão e compreensão. O profissional deve conduzir a pessoa no intuito dela
passar a identificar os entraves que lhe afligem e que afetam ao grupo. Assim, será possível
trazer soluções para conflitos até então persistentes. Enxergar as coisas na perspectiva do
outro é fundamental para o avanço pessoal e profissional de qualquer indivíduo.
83

21.21.6.2. Espelhamento

Nessa técnica há uma transferência de posições, retirando-se o indivíduo de cena e


colocando outro em seu lugar para que realize o mesmo papel e da mesma forma que o outro
fez inicialmente. Assim, aquele que realizou primeiramente a cena vai observar como o outro
está fazendo e poderá ver “de fora” como é sua postura diante do “espelho”. É o
distanciamento de cena que irá ajudá-lo a identificar padrões de comportamento, modo de
falar, expressão corporal ou alguma conduta que tenha passado despercebido ou que ele não
tenha notado em sua postura. Isso permite corrigir erros para se comunicar da melhor forma
com o outro, progredindo em suas relações interpessoais.

21.21.6.3. Modelagem

Por meio dessa técnica é possível visualizar diversos comportamentos que envolvem
uma mesma situação. Os membros de um grupo assumem o papel de outra pessoa, que ficará
observando como cada um reage diante do quadro de interação que lhe é proposto. Desse
modo, o indivíduo que observa poderá perceber diferentes atitudes realizadas, o que pode
proporcionar melhores resultados na forma como lida com as coisas.

21.21.6.4. Duplicação

Na duplicação há um personagem ao lado do sujeito, que funciona como uma espécie


de sombra, e que replica exatamente o que o sujeito faz quando interage com outra pessoa.
O papel da sombra é agir e falar da forma como o sujeito está transmitindo os sinais. Por
esse modo, é possível verificar sinais não-verbais que estão sendo emitidos, os quais podem
ser trabalhados para melhorar a performance durante a interação real que está acontecendo.

As técnicas do psicodrama fornecem aos indivíduos uma forma melhor de ver as


coisas. É enxergar a si próprio a partir de outro ângulo. Ao fazer isso, a pessoa consegue
identificar problemas que antes não seriam possíveis de serem constatados por ela. Quando
isso é feito no psicodrama, o sujeito tem uma ideia de como deve se portar em suas relações,
tendo como amparo a análise do profissional da área, bem como dos demais componentes
que participaram da sessão.

21.22. O Psicodrama aplicado à Constelação Familiar

O psicodrama está alicerçado em pontos importantes da vida das pessoas, que são
orientadas a encenar e explorar as inúmeras situações que envolvem sua vida, podendo
manifestar questões relacionadas ao passado, ao presente e ao futuro. Por meio de uma
representação dramática, o psicodrama cria um ambiente seguro para que as pessoas se
sintam confortáveis em exercer papeis e condutas novas e mais eficazes. Todos podem se
tornar pessoas criativas no desenvolvimento de novas respostas para problemas do passado.

Muitas pessoas traumatizadas foram curadas por meio do psicodrama, pois essa
técnica alcança o coração das pessoas, que estão sempre lidando com as batalhas do dia-a-
dia, seja na vida sentimental, familiar ou até mesmo profissional, social e de identificação
84

pessoal. É a partir daí que encontramos a sua importância para o desenvolvimento das
constelações familiares.

Como arte, o psicodrama em muito auxilia no tratamento de crises pessoais e


relacionais. Seja em sessões de grupo ou em um cenário individual, o psicodrama consegue
transmitir realidades que se encontram escondidas há muito tempo no interior de cada pessoa
e que vêm escravizando-as de forma sutil. Ao conseguir identificar os males que afligem as
pessoas por meio dessa técnica, é possível tratá-los. Assim como podemos ver no exercício
das constelações familiares.

A constelação familiar pode ser definida como uma terapia alternativa/holística que
busca compreensão por meio da análise do seu campo estrutural familiar. Hellinger vem
dizer que toda pessoa carrega sentimentos e comportamentos de seus ancestrais e os
reproduzem de forma inconsciente.

Por sua vez, o psicodrama é uma psicoterapia que se utiliza de representação teatral
por parte dos envolvidos com vistas a melhorar suas relações intersubjetivas, deixando-as
mais harmônicas. Aqui, existe a teoria dos papeis, por meio da qual é possível perceber que
muitas pessoas assumem um papel que não é o seu porque foram condicionadas a isso. Esses
papeis estão presentes também na constelação familiar.

Dentro da constelação familiar, o terapeuta direciona a sessão através dos


sentimentos que afloram em relação a cada membro da família ou aos objetos que os
representam. É nesse contexto que os traumas podem ser identificados e tratados. Embora o
constelador seja um terapeuta, ele não interfere no desenvolvimento da terapia, ao contrário
do que ocorre no psicodrama, em que o diretor assume uma postura ativa e, através de um
roteiro, estimula a representação de pessoas do seio familiar que se encontram ausentes, mas
que são fundamentais na identificação dos conflitos.

Dito isto, percebe-se que a constelação familiar e o psicodrama são técnicas


diferentes, mas que no fundo se agregam. Na primeira, o papel do terapeuta fica em segundo
plano, uma vez que ele recria o sistema familiar do paciente a partir de elementos escolhidos
por este. É o paciente quem apresenta suas percepções acerca de sua família permitindo
chegar num resultado. No psicodrama há um direcionamento pessoal, baseado em um
processo racional, mas visando objetivos semelhantes.

Muito do que se vê no psicodrama pode ser aplicado na constelação familiar, em


razão de suas peculiaridades, como a possibilidade de se idealizar de forma teatral papeis de
parentes, cuja representação é bastante utilizada nas sessões. E ainda, ao reviver no
psicodrama os fatos do passado, o indivíduo passa a aceitá-lo e a compreender o seu futuro,
situação que condiz com aquilo que se busca na constelação, que é a aceitação e assimilação
de todos os acontecimentos, projetando para o futuro as novas perspectivas de vida.

Ao aplicar o psicodrama na constelação familiar o resultado é mais satisfatório ainda,


pois há uma ampliação das possibilidades de se enxergar barreiras pessoais que travam a
vida dos pacientes. Ambas as terapias trazem liberdade na forma como são conduzidas, pois
85

rompem com a ilusão criada pelo paciente quanto ao mundo externo, melhorando a sua
forma de ver a vida e entender os propósitos ligados a ela.

21.23. Três Níveis de Consciência

A consciência é descrita por Bert Hellinger como um órgão da psique que vela pelo
equilíbrio das nossas relações. Para ele, existem três tipos de consciência tratados no âmbito
da Constelação Familiar, cada um delineando um campo no qual nos movemos, e é por meio
deles que é possível identificar onde cada sintoma que aflige a pessoa se encontra.

Em um tópico anterior foi abordado acerca dos níveis de consciência segundo o


psicanalista Sigmund Freud, o qual mencionou a existência do inconsciente, do
subconsciente e do consciente. Logo, temos uma ideia da importância da mente humana
sobre as nossas vidas e de como ela atua dentro de nós. Agora vamos tratar dos níveis de
consciência trazidos por Hellinger, classificados em consciência pessoal, de grupo e
espiritual.

Importante considerar que todas essas consciências citadas por Hellinger se


complementam formando um todo, de modo que onde uma encontra seu limite, a outra surge
expandindo-o a serviço da vida. As condutas das pessoas que nos cercam contribuem para a
formação de uma consciência única, que sofre mudanças conforme entramos em contato
com outras pessoas de mentalidades distintas.

A consciência pessoal tem por base os fundamentos que recebemos de nossas


famílias. Ela está ligada à noção de certo e errado que aprendemos de acordo com os
sentimentos de culpa e inocência. Sobre isso, Hellinger afirma que o sentimento de culpa
que serve a essa função da consciência é vivenciado por nós como medo de perder a
pertinência. É ele quem nos obriga a reformular nosso comportamento com vistas a nos
manter firmes em nosso ideal de vida. Por sua vez, a inocência está ligada a ideia de
pertencimento e ela é considerada o mais profundo sentimento de felicidade. Em suma, a
consciência pessoal é a concepção básica de consciência que em nós opera e que se posiciona
a favor do vínculo que nos une com os demais que nos cercam.

Por sua vez, a consciência de grupo está mais voltada para as pessoas que estão em
redor. É como se existisse uma onda de poder inconsciente, que é manifestado pelo grupo,
cujo alcance é maior, fazendo com que supere, inclusive, a consciência pessoal. Ela está
mais focada naquilo que recebemos e entregamos dentro do grupo. Essa consciência
encontra seus limites quando comparada a outros grupos, pois privilegia uns em detrimento
de outros, provocando conflitos dos mais diversos.

Há uma contraposição também da consciência pessoal com a coletiva na medida em


que os interesses do indivíduo se chocam com os interesses do grupo. Isso faz com que
surjam problemas no relacionamento com os pais, irmãos, companheiro, filhos, além de
dificuldades de âmbito profissional. Doenças, acidentes, suicídios e repetição de padrões
comportamentais são também efeitos que decorrem desse choque de consciência.
86

Ao sentirmos uma conexão mais forte com o amor, permitindo um agir harmônico
com o universo, percebemos a consciência universal, que requer de nós uma sensação de
leveza na vida, alheio de quaisquer transtornos que possam nos corromper a ponto de
perdermos o equilíbrio. É nela que se encontra a maior parte das soluções para os conflitos,
pois ela é capaz de abarcar a todos de forma igualitária, com benevolência e amor. É esse
amor que é capaz de ultrapassar os limites da consciência pessoal e os da consciência de
grupo, entregando a cada um uma dose de compreensão e responsabilidade quanto aos seus
comportamentos. Essa consciência universal considera todos uma grande família, com suas
diferenças e equivalências.

As leis do amor estão conectadas à consciência, ou seja, é a maneira como pensamos


de forma individual, em grupo e sentindo a harmonia universal que podemos compreender
as questões atinentes ao pertencimento, à hierarquia e ao equilíbrio.

21.24. Três Ordens do Amor

A Constelação Familiar pode ser definida como uma nova perspectiva terapêutica,
desenvolvida por Bert Hellinger, que tem ganhado cada vez mais destaque com o passar dos
anos, sendo utilizada em diversos ambientes, como na família, no trabalho, na escola, na
psicologia, etc. Essa evolução como técnica terapêutica se dá pela associação de três leis
sistêmicas, que Hellinger sintetizou como as três ordens do amor, as quais são capazes de
trazer harmonia a um determinado sistema.

O pertencimento, a hierarquia e o equilíbrio são os três principais pontos que


envolvem as ordens do amor. Para Hellinger, o cumprimento desses três elementos é capaz
de tornar o sistema pacífico e digno de viver, logo, a quebra de algumas dessas leis faz com
que muitos transtornos surjam, ocasionando problemas nas relações internas que levam,
inclusive, ao conhecimento de doenças graves.

21.24.1. Pertencimento

Pertencer a uma família é uma necessidade básica e um desejo que é inerente a todo
ser humano, afinal, nascemos dependendo de outros para nos alimentar e ajudar em nosso
crescimento. A consciência de pertencimento é tão forte dentro de cada um que é impossível
imaginar viver fora de um sistema.

Ao nascermos sentimos um desejo de fazer parte de um grupo e essa sensação se


torna cada vez maior na medida em que crescemos. Existe um impulso que nos leva a querer
cada vez mais nos encaixar nesse sistema. Se for o caso, até mesmo morrer para pertencer a
ele. É por esse motivo que as exclusões não são aceitas, pois o direito de pertencer a um se
estende a todos, que são iguais por natureza.

A exclusão de alguém do sistema pode levar outra pessoa a assumir o papel e


responsabilidade daquela que saiu, como uma tentativa de compensar a “falha” no sistema.
A ideia de reincluir se dá porque todos têm o seu lugar no grupo e a eliminação de alguém
87

pode representar a repetição de comportamentos e destinos por outro, na intenção


inconsciente de buscar uma inclusão e reconhecimento.

Segundo Hellinger, nós possuímos uma alma que é coletiva, cuja mentalidade está
focada no todo, na sua completude. Ele diz também que cada grupo possui sua própria
identidade, sendo assim, quando alguém se mostra diferente, logo ocorre sua exclusão. As
exigências morais do grupo norteiam quem deve permanecer e quem deve ser retirado.
Contudo, a exclusão não é a medida correta e, para consertar isso, outro membro da família
vai fazer a substituição. Essa é a regra para todos aqueles que foram excluídos.

21.24.2. Hierarquia

Existe uma estrutura e uma ordem que devem ser obedecidas em todo e qualquer
sistema. Quando há uma violação na hierarquia, muitos contratempos surgem e
comportamentos que deveriam pertencer a uma pessoa passam a ser praticados por outra. O
caráter e personalidade das pessoas são moldados conforme a posição que assumem dentro
do grupo. A regra sempre é a de que quem veio primeiro deve providenciar o caminho para
os que virão depois, e estes devem entender e respeitar aqueles que vieram antes.

21.24.3. Equilíbrio

A paz nas relações só é possível quando os atos de dar e de receber dentro de um


mesmo nível se tornam equivalentes. Numa relação entre pais e filhos não há porque se
exigir esse nível igualitário, pois aquilo que os pais entregam aos seus filhos não tem valor
mensurável, cabendo a estes apenas a missão de transmitir às gerações seguintes. Já para as
demais relações, a lei do equilíbrio é fundamental para agregar e firmar relacionamentos.

O crescimento nas relações somente é possível quando alguém entrega um pouco a


mais, fazendo com que o outro deseje compensar entregando mais ainda e, assim, a relação
cresce de forma positiva. Em contrapartida, aquele que recebe menos deve demonstrar ao
outro que aquilo não lhe agradou e, para isso, devolve menos do que recebeu para que a troca
retome o equilíbrio.

Essas três leis estarão sempre presentes nos variados grupos de pessoas, muito
embora a maioria não tenha consciência disso. Alguns só percebem quando há violação de
algumas dessas leis, ocasionando o descompasso do sistema. É nesse momento que os
emaranhamentos surgem e a troca de papeis acontece, fazendo com que alguém reviva o
destino de outra pessoa que sequer conheceu.

A razão de ser da constelação familiar está em trazer luz para as pessoas que se
submetem a ela, mostrando quais os conflitos que irradiaram no seu sistema, lhe
proporcionando assim a oportunidade de enxergá-los e resolvê-los por meio do reequilíbrio,
pois só assim poderá viver seu próprio destino e liberar os demais para viver o destino deles.

21.25. Cinco Ordens do Amor na Família – Pais e Filhos


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O raciocínio em torno do amor pode levar equivocadamente pessoas a acreditarem


que quanto mais amor se puder dar, mais o mundo será perfeito, quando, na verdade, por
mais que se possa dar muito amor a alguém, a experiência faz provar que a perfeição está
longe de ser alcançada, isso porque vemos constantemente filhos se entregando às drogas, à
depressão, ao suicídio, muito embora os pais tenham se dedicado com afinco à educação
deles, doando o máximo do seu amor.

A verdade é que existe algo muito importante que vai além do ato de amar para que
a vida seja bem sucedida. Bert Hellinger vai falar sobre as ordens do amor, que se encontram
ocultas aos nossos olhos dificultando enxergá-las diretamente. São as nossas crenças,
críticas, ansiedades e retrocessos que nos impedem de observá-las e, para que possamos
conhecê-las, é necessário ir ao mais profundo da nossa alma.

A função dos pais é a de entregar aos filhos o máximo que possuem. Eles são capazes
de dar sua vida pela de seus filhos, o que demonstra todo o potencial de amor que um filho
pode receber. Assim, os filhos tomam a vida como ela lhes é dada e essa configuração
representa a primeira ordem do amor.

O êxito na relação entre pais e filhos só é possível quando os filhos compreendem


seus pais como eles realmente são, alheios do medo, da insegurança e de quaisquer hipóteses
que os faça pensar que poderiam ter pais diferentes. A aceitação de quem cada um é e o seu
papel na família é primordial para compreender inclusive a si próprio, afinal, os filhos só são
quem são porque tiveram os pais que possuem. Seria ilusão imaginar que um filho seria o
mesmo se tivesse sido criado por pais diferentes dos seus.

Quando os filhos passam a compreender os pais como eles são realmente há um


acordo com a vida o destino. A aceitação conduz à compreensão das circunstâncias que os
envolvem, fazendo com que sejam mais gratos pelo que conquistaram do que críticos daquilo
que poderiam ter obtido caso tivessem tido outra criação.

O cuidado dos pais com os filhos começa desde a gestação. Além de todo carinho e
afeto, os pais cumprem seu papel no cuidado com alimentação, vestuário e educação. Os
filhos tendem a aceitar tudo aquilo que os pais lhes proporcionam, muito embora existam
aqueles que se contrapõem acreditando merecerem sempre algo a mais, contudo, é a exceção.

Na segunda ordem do amor, conhecida como “Dar e Tomar”, o papel dos filhos é de
reconhecer nos pais seus supridores suficientes. É conscientizar-se de que os pais deram e
fizeram tudo quanto podiam para proporcionar a melhor criação. Logo, não podem os filhos
desejar ter tudo o que quiserem e ver todos os seus sonhos serem realizados pelo esforço dos
pais.

A concepção de que os pais são devedores dos filhos é um contrassenso que não deve
prevalecer, pois se assim for, os filhos ficarão eternamente vinculados aos pais e dependentes
deles. Tais filhos se tornariam fracos, vazios e necessitados, quando deveriam tomar o que
seus pais lhes dão para além da vida como ela é.
89

A terceira ordem do amor entre pais e filhos está voltada ao respeito por aquilo que
os pais fazem e a compreensão e aceitação de que somente cabe a eles fazer. Isto quer dizer
que se os pais desempenham determinada função, não quer dizer que aos filhos cabe realizar
a mesma tarefa. A excelente arte de atuar da mãe é característica dela e só a ela pertence. Se
algum filho se sente decepcionado por não ser um bom ator ou atriz como a mãe, estarão
sendo violadas as ordens do amor.

De igual modo, se os pais conquistaram inúmeros bens materiais e os filhos, que se


sentem herdeiros, deixam de possuir essa qualidade e ficam decepcionados, abaladas estarão
as ordens do amor, uma vez que o amor deles só está vinculado ao direito de receber a
herança. A herança, neste caso, deixou de ser vista como uma dádiva e passou a ser o cerne
da relação familiar.

Olhando por outro ângulo, também é possível perceber que somente aos pais cabe
carregar as suas culpas pessoais, embora seja comum vermos filhos assumindo uma posição
de justificadores dos seus pais. Quando agem assim, assumindo os erros dos seus
antecessores, há violação às ordens do amor, isso porque estão se colocando numa posição
acima deles e invertendo a ordem natural da vida, tratando-os como crianças que precisam
de cuidado.

A quarta ordem do amor vem para ratificar a importância da posição de cada membro
no núcleo familiar, retratando o ato de entregar e de receber. Os pais são os maiores e os
filhos os menores, sendo assim, o mais correto é que os filhos estejam aptos a receber aquilo
que os pais têm para entregar. Porém, é comum vermos filhos que se sentem incapazes de
receber e acreditam que precisam achar um equilíbrio nessa balança, e, por conta disso,
partem para a retribuição.

Os filhos costumam fugir da possibilidade de serem devedores dos seus pais e, por
isso, acabam negando receber qualquer coisa como forma de se ver livre dessa “obrigação”
de retribuir. Em razão disso, se tornam pessoas fechadas e abrem espaço para o vazio nas
suas vidas, quando o correto seria aceitar com amor tudo aquilo que lhes está sendo entregue.

Ao olhar para o que os pais estão lhe dando com amor, os filhos alegram também o
coração dos seus pais, que se sentem preenchidos por fazê-los felizes. A aceitação é um
passo importante para o equilíbrio na relação entre pais e filhos. Já quando os filhos passam
a cobrar dos pais além do que eles podem dar, o coração dos pais se fecha e ficam
impossibilitados de agir com amor. Toda e qualquer exigência nessa relação dificulta o fluxo
natural do amor.

Quando se recebe algo dos pais, o ideal é que isso seja transmitido para as gerações
posteriores. Logo, tudo aquilo que o filho recebe, ele irá entregar para o seu filho e assim
por diante. Essa configuração prova a reciprocidade em dar e receber. Ou seja, os filhos não
estão preocupados em olhar para trás para devolver o que receberam, mas olham para frente,
com foco naquilo que eles poderão entregar para a sua descendência.
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A última ordem do amor entre pais e filhos é a que se refere ao pertencimento ao


grupo. Cada pessoa tem seu lugar e o direito de pertencer ao grupo familiar. Quando isso
não é respeitado ocorre uma exclusão e daí advém consequências graves para o corpo
familiar, como já abordado em tópico anterior.

21.26. Cinco Círculos do Amor

Existem nas nossas vidas diversos seguimentos que não progrediram por medo de
como direcioná-los ou mesmo pela falta de maturidade para conduzi-los até o fim. Quando
se fala nos cinco círculos do amor, Bert Hellinger quis, por meio de suas leis de conexão,
projetar um caminho de autoconhecimento e de cura interior com vistas a alcançar uma
profunda e extraordinária conexão sistêmica, de modo que possibilitasse o reencontro com
os percursos interrompidos das nossas vidas e facilitasse a compreensão de como superar
possíveis traumas conscientes e inconscientes do nosso ser.

Todas as trajetórias interrompidas em nossa jornada de vida podem ser retomadas a


partir da compreensão dos cinco círculos do amor. O primeiro deles é o círculo que envolve
os pais e sua capacidade de gerar vida. É contraproducente nos voltarmos contra aqueles que
foram responsáveis por nos trazer ao mundo, considerando ser a vida o maior de todos os
bens.

O ato de nascer e crescer sob os cuidados dos pais demonstra o quão importante é
reconhecê-los em nossas vidas. Embora seja comum vermos casos de filhos que não foram
criados diretamente pelos seus pais biológicos ou mesmo sequer chegaram a conhecê-los, é
fundamental que neles exista um sentimento de gratidão, pois foi por intermédio de seus pais
biológicos que puderam vir ao mundo assumindo todos os caracteres herdados.

Quando entendemos que os pais que nos geraram e criaram foram as pessoas certas
para isso, passamos a conduzir a vida com mais leveza, compreendendo que eles também já
foram filhos e que tudo o que eles fizeram foi na medida daquilo que podiam oferecer. Assim
como nós cometemos erros, nossos pais também erram e é esse reconhecimento da
humanidade dos pais que representa o principal aspecto do primeiro círculo do amor.

Chega a ser libertador o ato de reconhecer esse primeiro amor dentro do círculo dos
pais, pois quando se faz isso, as tristezas que são geradas ao longo da vida na mente por
estarmos sempre esperando pais que nunca tivemos logo se esvaem, dando lugar a uma
completa aceitação e entendimento que nos leva a honrar e amar cada vez mais os pais que
possuímos. Sem mergulhar nesse primeiro amor, o indivíduo ficará sempre à espera de algo
que nunca chegará, impossibilitando a sua cura e a retomada de sua vida de uma vez por
todas.

A grande questão que envolve esse primeiro círculo não está na forma como cada
pessoa foi gerada, se foi desejada ou não, se foi abandonada por seus pais biológicos ou se
chegou num momento inesperado. O mais importante está em como desenvolvemos em nós
todas as atitudes que consideramos erradas pelos nossos genitores. A gratidão é e sempre
será a palavra-chave para destravar todos os bloqueios que envolvem o passado no que diz
91

respeito a este círculo de amor. Por isso, vale a pena ser grato pelos pais, pelos avós, pelos
bisavós e assim por diante.

Quando tomamos consciência do papel dos nossos pais e de sua humanidade, há uma
tensão, ainda que inconsciente, que é deixada de lado para dar lugar à leveza da alma. Não
costumamos encarar nossos pais e suas questões por medo do que virá, mas quando
compreendemos e aceitamos o amor que eles nos deram, logo a libertação de todos os
entraves acontece. É nesse ponto que encontramos o segundo círculo do amor, que envolve
a infância e a adolescência.

No segundo círculo há um encontro do nosso eu com a nossa criança e a puberdade,


ligados de modo profundo aos nossos pais, mas já com olhos voltados para o futuro, criando
possibilidades de vida e projetando nossa individualidade. É nessa fase que encaramos nossa
infância com amor, sabendo que tudo o que aconteceu, inclusive, os erros dos nossos pais,
fazem parte da nossa história.

Pode acontecer de a criança demonstrar desinteresse em receber aquilo que vem dos
pais, pois considera ser algo grandioso e ela não é merecedora disso, já que não pode retribuir
na mesma proporção. É comum nas constelações encontrarmos filhos que não se sentem
bem com o desnível que sentem em relação aos seus pais. Isto se dá porque não
compreendem que a retribuição não deve ser direcionada a seus pais, mas aos seus filhos. A
falta dessa compreensão imobiliza os filhos, que não conseguem se desprender dos pais.

Ao entenderem que existe a possibilidade de compensação com a geração posterior,


a forma de se desprender dos pais passa a ser a menos rigorosa possível. Saber lidar com o
que recebeu e entender seu propósito com aquilo é fundamental para a formação de um
indivíduo maduro.

O terceiro círculo está focado no “dar e tomar”. A expressão “tomar” aqui é usada no
sentido de tomar para si o que lhe pertence, pois muitas vezes aquilo que recebemos
costumamos não tomar posse. É nesse círculo que nos encontramos na fase adulta, resultado
direto daquilo que passamos durante a gestação e a infância. Aqui há uma troca com as
pessoas e as relações vão se ampliando.

Quando adultos passamos a entender que o ato de entrega de amor não requer nada
em contrapartida, pelo contrário, uma vida de plenitude só é possível quando cada um
oferece o melhor de si em todas as situações da vida e diante de quem quer que esteja, pois
tudo o que entregamos como o nosso melhor possui um enorme valor. Assim, só é possível
tomar para si algo do outro que realmente tenha valor para nós. Quando recebemos estamos
correspondendo ao ato de dar e devemos tomar para nós tudo aquilo de bom que nos é
ofertado.

O ponto mais elevado desse círculo é o amor desencadeado entre duas pessoas. Ao
vivermos de forma plena o amor que nossos pais nos deram na nossa infância e adolescência,
estaremos em busca de alguém para nos relacionarmos amorosamente não porque existe um
vazio em nossas vidas, mas porque desejamos amar por inteiro.
92

Em todo começo de relacionamento há sempre uma busca por tentar agradar o outro
e de ver no outro o que tem de melhor também para si. É onde vemos o ato de dar e receber
de forma mais evidente. Quando se tem essa visão de dar e receber, as relações amorosas se
tornam mais firmes e saudáveis. Qualquer situação mal resolvida com os círculos anteriores
virá em forma de crise dentro do relacionamento, daí a importância de ultrapassar os círculos
de forma plena, sem que haja repetições de padrões familiares, que são os principais motivos
de toda dor e sofrimento.

Ter equilíbrio é fundamental nesse círculo, pois quando se doa demais há um


desnivelamento que com o tempo vai deixando a relação fraca e desestimulada. Assim
também quem toma demais para si sem oferecer nada em troca promove um desgaste no
outro e, consequentemente, o desgaste da relação, seja ela com amigos, namorado ou família.
Todo e qualquer tipo de relação requer equilíbrio para que se mantenha de pé.

O quarto círculo do amor envolve todos aqueles considerados excluídos do grupo,


que são menos amados e mais rejeitados por todos. Qualquer pessoa que se encontre inserida
em um grupo deve amá-lo como ele é, com todas as suas particularidades, e isso requer
considerar até mesmo aqueles que não são fáceis de lidar. Não é uma tarefa simples amar a
todos, pois normalmente tendemos a ser egoístas em nossas atitudes e não aprendemos a
valorizar o outro como ele é.

A razão de tantos problemas emocionais e sociais em nossa sociedade está ligado ao


fato de não aprendermos a olhar para o outro como um sujeito que necessita de atenção e
cuidado. A exclusão de qualquer pessoa não pode ser algo normal, pois, ainda que
imaginemos que determinada pessoa possa não fazer alguma falta, ainda assim nossa alma
estará incompleta em razão de sua ausência. É como se existisse sempre uma lacuna no grupo
familiar que precisa ser preenchida a todo tempo.

Para Bert Hellinger, concordar com todas as pessoas da família como elas realmente
são é algo que ultrapassa nossa consciência. É necessário reconhecer que todos que
compõem um grupo possuem o direito de a ele pertencer. A aceitação absoluta do nosso
sistema é primordial para entendermos esse quarto círculo, que deixa claro que a exclusão
de qualquer pessoa não é capaz de produzir o amor que almejamos.

O quinto e último círculo do amor nos ensina a amar toda a humanidade como ela é.
Isso quer dizer que não há cor, raça, credo, etnia, cultura, etc., que possa ser um obstáculo
nos relacionamentos humanos. Todos nós precisamos respeitar cada um pelo que é, com suas
vestimentas, suas danças, sua língua, ainda que nos pareça estranho demais. Se vivêssemos
as perspectivas desse círculo do amor não haveria motivos para guerras pelo mundo.

É comum o ser humano criticar aquilo que é estranho a ele e a sua cultura, seja o que
o outro come ou veste, a forma como exerce sua religião e todos os demais aspectos inerentes
a cada povo. Quando se entende o mundo como ele é e os seres humanos como são, sem
julgamentos, é possível alcançar um alto nível de maturidade, onde o caminho do amor se
estende sem preconceitos com a integração de todos.
93

Na era da tecnologia, em que as redes sociais se tornaram um “lugar sem lei”, as


pessoas tendem a mostrar todo o seu radicalismo com aqueles que são diferentes, criticando
pessoas e até mesmo questionando a existência de Deus. As ofensas se tornaram comuns,
ocasionando conflitos de todos os tipos e as vítimas são as mais variadas possíveis.

A poluição que é provocada em um lugar acaba atingindo outro de forma diversa,


mas as pessoas só se importam consigo, sendo que tudo em nosso planeta está interligado.
Isto ocorre pela falta do amor entre as pessoas. É a inexistência da concordância com o ser
humano como ele é.

Em síntese, por meio da plenitude do amor aos nossos pais podemos construir uma
infância e adolescência plenas, com a aceitação de quem eles são e do que poderiam fazer
com os recursos que tinham. É essa aceitação que permite estabelecer vínculos afetivos
sólidos e saudáveis que possibilitam o encontro com a felicidade, e, consequentemente,
construímos relacionamentos em que tomamos algo de valor do outro para nossas vidas e
damos também para nos construirmos e podermos identificar quem somos e quem os outros
são.

Assim, alcançando essa maturidade podemos compreender todo o nosso sistema


familiar e aceitar cada membro que a ele pertence, inclusive, trazendo de volta aqueles que
foram excluídos. Esse amor que transborda nos possibilita compreender o mundo e respeitar
suas diferenças, sabendo que tudo está conectado, logo, tanto o bem quanto o mal que eu
planto tem seus efeitos no mundo. Cabe a cada um escolher qual atitude tomar.

21.27. As Cinco Ordens da Ajuda

O estudo acerca das ordens da ajuda surgiu a partir de relatos de participantes de


cursos de treinamento em constelações familiares, os quais demonstraram sentir-se limitados
ao tentar ajudar outras pessoas. Bert Hellinger delineou os traços precisos para desvendar os
caminhos da ajuda, o que o motivou a escrever o livro “Ordens da Ajuda”.

Bert Hellinger considera a ajuda em seu livro como uma arte e, como tal, faz parte
dela uma escolha de aprender e praticar. Também dela advém uma sensibilidade para
entender mais sobre quem procura ajuda. Hellinger transmite experiências e define
condições para que se possa auxiliar alguém sem prejudicá-lo, haja vista ser normal que
muitos tentem pensar em alternativas melhores para os outros, mas acabam falhando na
forma de executar tais medidas. Por vezes, a ajuda que deveria ser prestada acaba se tornando
um problema ainda maior para quem recebe o auxílio.

Quando se fala em ajudar alguém, é preciso que o ambiente em que essa pessoa se
encontra seja seguro o suficiente para que ela sinta confiança em contar tudo aquilo que lhe
aflige, distante de qualquer tipo de julgamento que já enfrentou. O ajudador precisa, antes
de tudo, entender que até mesmo o ato de ajudar possui seus limites, os quais devem ser
observados para não ter que lidar com prejuízos ainda maiores. Daí a razão pela qual
compreender as ordens da ajuda é fundamental quando se busca estender a mão para quem
precisa.
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Todos nós seres humanos somos dependentes de outras pessoas. O nosso nascimento
já diz muito sobre isso. Desde pequenos precisamos da ajuda dos nossos pais para realizar
qualquer atividade. Essa dependência não nos faz seres desprezíveis, pelo contrário, é uma
qualidade reconhecer que precisa do outro para sobreviver. A falsa ideia de que o ser humano
pode viver sozinho conduz, em verdade, a uma vida de miséria e solidão.

A ajuda normalmente vem da ideia de reciprocidade. Quem recebe algo de alguém


tem a tendência de querer retribuir essa benesse. Há sempre um ato de generosidade que
busca compensar a primeira atitude. Todavia, com relação aos nossos pais, sabemos que
nada do que façamos poderia compensar o seu esforço, razão pela qual só cabe a nós
agradecer. A forma como iremos compensar é doando o amor que recebemos deles para os
nossos filhos, pois é essa que deve ser a ordem natural da vida.

Quando falamos em “tomar e dar”, precisamos entender que esses atos se passam em
dois níveis diversos. Em um deles as pessoas se encontram no mesmo patamar, logo, estão
equiparadas, o que requer reciprocidade. De outro lado, existem as relações entre pais e
filhos ou entre superiores e subordinados, que evidencia um desnivelamento e, nesse caso,
os atos de tomar e dar se assemelham a um rio que conduz adiante tudo o que recebe. Aqui
se pressupõe que só conseguimos passar adiante aquilo que recebemos.

Nesse sentido é que mergulhamos na primeira ordem da ajuda, que diz respeito ao
ato de entregar apenas aquilo que se tem e somente tomar para si o que de fato necessita.
Quando alguém deseja dar aquilo que não possui, ela recai na desordem. Da mesma forma
acontece com quem decide tomar algo de que não precisa ou então quando decide não
entregar algo porque isso retiraria da pessoa a possibilidade de buscar por sua própria conta
o que necessita. Logo, existem limites no exercício de ajudar alguém e o risco de incorrer
em erro é bastante provável.

O equilíbrio é a peça fundamental na relação de quem doa e de quem recebe. Assim,


o melhor a se fazer é não ter em excesso e nem possuir o insuficiente. Fugir dessa órbita leva
o indivíduo a praticar condutas desarmoniosas, como entregar mais do que possui; querer
alcançar mais do que necessita; exigir do outro o que ele não pode fazer; tirar pessoas de
responsabilidades que só cabem a elas fazer, etc. É necessário ter humildade para reconhecer
seus próprios limites e maturidade suficiente para saber o momento certo de prestar auxílio
a alguém.

A segunda ordem da ajuda se refere à importância de se obter conhecimento acerca


da situação para reconhecer suas limitações no modo de agir. Analisar as possibilidades de
ação é uma maneira astuta do ajudador de desempenhar seu papel com os recursos que possui
e nada mais que isso.

O olhar do ajudador não pode deixar de considerar todas as circunstâncias internas e


externas do indivíduo. Isso quer dizer que, ao visualizar o destino que as outras pessoas estão
tomando para si, o ajudador não pode interferir com sua crença pessoal no sentido de oferecer
um resultado melhor para cada pessoa, pois, ao fazer isso, ele acaba desconsiderando a
95

essência das circunstâncias ao redor, e ainda, sua insistência na ajuda pode trazer prejuízos
exorbitantes tanto para aquele que necessita de auxílio como para si próprio.

A realidade em torno da segunda ordem da ajuda está inserida na submissão às


circunstâncias, somente sendo possível alguém interferir e ajudar quando elas o permitirem.
A intenção de prestar auxílio indo de encontro às circunstâncias pode demonstrar um
despreparo que irá enfraquecer tanto ajudador como ajudado e trazer mais conflitos a todos.

Quando alguém se coloca diante da pessoa que necessita de ajuda, ela tem que se
posicionar como um adulto que está lidando com outro adulto. Assim nós adentramos na
terceira ordem da ajuda, que diz respeito à maturidade para saber lidar e encarar o outro e as
suas necessidades. Para isso, é fundamental que a pessoa que está sendo ajudada esteja
consciente de suas vontades, de quem ela é e da sua história de vida, assumindo tantos os
seus erros como seus acertos. Não cabe, pois, ao ajudante assumir um papel que não é seu,
ainda que seu desejo seja de resolver tudo.

Se ao tentar ajudar alguém o ajudante decide se posicionar como pai dessa pessoa, o
risco dela ficar presa a ele como uma criança que depende de seu pai é muito grande. De
igual modo, o ajudante nunca conseguirá se esquivar dessa figura paterna se a todo tempo
passar a desempenhar esse papel. Por isso essa terceira ordem é tão importante, pois ela deixa
evidente que todos precisam se posicionar como adultos que são, assumindo suas cargas
como elas devem ser.

A quarta ordem da ajuda requer um olhar sistêmico sobre o ajudado. Ou seja, é


considerá-lo não como um indivíduo isolado, mas como alguém que se encontra inserido em
um grupo com suas relações variadas. O ajudante em momento algum deve se envolver em
um relacionamento pessoal com o cliente, pelo contrário, sua empatia deve ser menos
pessoal e mais sistêmica. Existem em muitos casos outras pessoas essenciais que influenciam
a vida pessoal do cliente, razão pela qual se deve sempre buscar honrar cada um deles.

A violação à quarta ordem da ajuda pode ensejar no desprezo por membros do corpo
familiar que possuem relevante função na vida do indivíduo, assim como quando se deixa
de vislumbrar um parente que foi afastado e que detém a solução que o caso precisa. Ou
ainda, quando não se observa as atitudes infantis do paciente, impedindo o seu
amadurecimento e, consequentemente, o alcance da resposta que precisa. Todas essas
variáveis acontecem quando há a inobservância do olhar sistêmico sobre a situação.
Portanto, é de suma importância trazer todos os familiares que estão relacionados
diretamente ao paciente para que se possa identificar o cerne da questão e criar mais
possibilidades de ajudá-lo.

O ato de respeitar e honrar a história de vida de cada pessoa, seus anseios e


preocupações, assim como os planos que faz para o seu futuro, nos leva a entender como se
aperfeiçoa a quinta ordem da ajuda. Ao assumir a postura de olhar sem julgamentos para o
comportamento do outro, o ajudante consegue compreender melhor as insatisfações do seu
paciente sob a perspectiva de quem convive com ele. Isso permite ainda enxergar as suas
dificuldades e traçar um caminho de soluções pelo qual ele irá percorrer.
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A quinta ordem da ajuda, portanto, está alicerçada no amor que cada um deve
manifestar a todos, independentemente das diferenças que lhes cerca. O ajudante permite
que seu coração se abra a ponto de lhe preencher por completo, e tudo aquilo que do seu
interior fluir irá alcançar o sistema do indivíduo que necessita de ajuda. Porém, quando essa
ordem é quebrada, os julgamentos, críticas e reprovações passam a ser constantes,
dificultando que se chegue ao objetivo de prestar o auxílio necessário.

O processo de apoiar o outro e de buscar alternativas para os seus problemas pode


ser desempenhado muitas vezes tomando-se a atitude de se afastar e permitir que a vida se
encarregue de solucionar todas as questões. Esse pensamento só é possível quando se tem
maturidade suficiente para entender os conflitos que envolvem cada pessoa no seu contexto
familiar ou social. O mais importante é sempre estar atento a tudo o que está em redor e,
quando a vida cobrar uma conduta positiva, que isso aconteça com amor, respeito, paciência
e compaixão, para que haja equilíbrio tanto para quem oferece ajuda como para quem a
recebe.

21.28. Cinco tipos de Emaranhamentos

Segundo Bert Hellinger, o emaranhamento acontece quando inconscientemente se é


conduzido para um futuro diverso do seu. O grande problema aqui é que o indivíduo não
costuma identificar e reconhecer que está assumindo um papel que não lhe pertence. Isso
torna mais dificultoso o processo de mudança.

Hellinger identifica cinco tipos de emaranhamentos que envolvem as pessoas: a


triangulação; a parentificação; a identificação; a repetição e a substituição, que serão
delineados a seguir.

21.28.1. Triangulação

Nesse emaranhado, há uma troca de posição do filho que é trazido pelo seu genitor a
uma relação que não lhe pertence. É comum vermos pais que não conseguem lidar com suas
indecisões no matrimônio e jogam no filho uma responsabilidade que não é dele como forma
de se sobressair naquela situação, fazendo com que o filho se encontre posicionado numa
geração que não é a dele.

A responsabilidade que é dos pais passa a ser da criança e isso pode acompanhá-la
por longos anos sem que perceba. Os efeitos decorrentes desse emaranhado podem ser
cruciais, pois afetam a formação da personalidade e do caráter daquela criança, que acaba
deixando de lado sua infância para assumir responsabilidades que estão além do seu âmbito
de vida.

21.28.2. Parentificação

Existe nesse emaranhado um reposicionamento dos filhos, que passam a ser os pais
de seus pais. Isto se dá porque a criança é instigada insistentemente a obter um grau de
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responsabilidade cada vez maior, de modo que num determinado momento seus pais passam
a ser subordinados a eles no que diz respeito às decisões importantes da vida.

21.28.3. Identificação

Já ouvimos muito falar sobre a lei do pertencimento, que retrata a importância que
cada pessoa possui dentro de um determinado sistema, bem como os efeitos que a exclusão
pode causar ao grupo como um todo. O fato de alguém ser excluído leva o grupo a tentar
compensar essa ausência, preenchendo de alguma forma o lugar de quem se foi. Quando
alguém age de forma inconsciente assumindo a postura dessa pessoa que se ausentou do
grupo, há o que Bert Hellinger chama de identificação, ou seja, alguém passa a manifestar
características e qualidades da pessoa que se foi como uma forma de buscar o reequilíbrio
no sistema.

21.28.4. Repetição

Aqui há uma imitação de destinos entre pessoas que fazem parte de um mesmo grupo.
Isto se dá pela forte ligação que há entre alguns membros, possibilitando a busca por destinos
semelhantes de forma inconsciente. Acontece quando vemos pessoas de uma mesma família
seguindo uma mesma carreira profissional ou vivendo um romance parecido, por exemplo.
O grande problema está na repetição de destinos cruéis e repletos de dificuldades.

21.28.5. Substituição

Esse emaranhamento ocorre quando alguém se compadece da situação de outra


pessoa do grupo e decide carregar o peso que essa pessoa sente. É um sentimento de
compaixão exacerbado que faz com que o indivíduo traga para si sentimentos ruins para
confortar aquele que está passando por problemas. É como se o ato de abraçar coisas
negativas fosse amenizar os problemas que o outro está enfrentando.

A maior gravidade que pode ser cometida dentro de um grupo é excluir alguém,
ferindo a lei do pertencimento. Esse é o motivo de tantos emaranhamentos que causam
divisões e problemas emocionais dos mais variados tipos. O grupo todo sente a exclusão de
alguém e por isso buscam a todo custo compensar esse vazio assumindo posições e
carregando atributos que não lhes pertencem.

21.29. Exclusão para Autodefesa

Quando se fala em exclusão, devemos ter em mente que desde a nossa existência
aprendemos conceitos diversificados sobre aquilo que devemos agregar e segregar. É a partir
das instruções que recebemos na infância que nos conscientizamos acerca de fatores
excludentes da nossa vida, muitos dos quais são carregados de preconceito e egoísmo.

É tranquilo percebermos que cada grupo possui regras e maneiras diferentes de se


comportar e de conduzir a vida. Quando alguém não se encaixa nessas regras, logo é retirado
do grupo, dando ensejo ao que a constelação familiar chama de exclusão.
98

Bert Hellinger nos ensina por meio do estudo sobre as constelações familiares que a
busca pelo equilíbrio nas relações pessoais e interpessoais é fundamental para que o sistema
funcione de forma plena e eficaz. Para isso, é importante considerar que tudo que compõe o
sistema precisa fazer parte e pertencer a ele. Essa é a ordem da inclusão.

Todo e qualquer sistema é um conjunto de elementos interdependentes que só


consegue alcançar seu objetivo quando tudo funciona de forma organizada, com cada
particularidade exercendo sua função, por menor que seja ela. Um exemplo disso é o
universo que vivemos.

O nosso sistema solar e toda a vida em volta do planeta está interligada, de modo que
qualquer dano que ocorra em um determinado ponto irá causar prejuízos inimagináveis em
outra localidade. É o que costumamos ver com os recorrentes danos à natureza, que trazem
prejuízos para a fauna e flora em pontos diversos do planeta.

O primeiro sistema que nos encontramos é o que envolve pai, mãe e filho. Nele
aprendemos sobre regras de conduta e quais os parâmetros usados para determinar o certo e
o errado. Acontece que com o tempo vamos aprendendo que tudo o que nos foi ensinado
tem certo peso de julgamento que não é correto, como é o caso de excluir pessoas por suas
diferenças. A verdade é que a exclusão deixa de ser apenas um detalhe no cotidiano das
pessoas para ser o estopim de muitos problemas que envolvem todo o grupo.

Quando alguém é excluído, as consequências disso surgem no decorrer dos anos e de


diversas formas, contudo, existem aqueles que automaticamente se excluem para criar uma
espécie de proteção frente ao meio em que está inserido. O excluído, nesse caso, passa a
enxergar culpa em tudo o que está ao seu redor, o que lhe motiva a se afastar devido o suposto
mal que lhe fazem.

É o que costuma acontecer com a chamada “ovelha negra da família”, que é aquele
indivíduo que decidiu seguir rumos diversos dos demais do seu grupo e, muitas vezes, a sua
opinião acerca de algo pode causar um alvoroço no seu seio familiar a ponto dele se sentir
um estranho. A forma como as pessoas reagem às suas decisões ou ao seu estilo de vida
podem desencadear uma sensação de bloqueio, que só irá crescer e se manifestar cada vez
mais forte, razão pela qual estar distante parece ser a melhor saída.

Ser contrariado dentro do seu grupo é algo comum, mas quando as ofensas passam a
ser frequentes, seja pela forma de agir ou pelo modo de falar, isso faz com que os embaraços
provoquem iras e revoltas, podendo levar, inclusive, ao descobrimento de doenças graves,
como a depressão. Ou seja, o fato de alguém manifestar distinção dos pensamentos do grupo
faz com que exista uma rejeição e repúdio, que é criado até mesmo por quem está nessa
posição diferente dos demais. Isso leva a pessoa a se isolar em um ambiente só seu, porém,
é aí que mora o problema.

Como já foi estudado nos círculos do amor, deve existir uma concordância com as
pessoas e com o mundo, e quando isso ocorre, há uma aceitação de todos como eles
realmente são. Isso é fundamental para que não ocorra qualquer tipo de exclusão. O ser
99

humano se sente livre para viver a sua vida respeitando as individualidades dos membros do
seu grupo e entendendo que as decisões que cada pessoa toma para si só dizem respeito a ela
e, por isso, merece respeito e consideração em suas diferenças existenciais.

É necessária uma consciência responsável quando falamos em conflitos familiares.


É saber que cada um tem que arcar com as suas decisões de vida e isso não pode ser usado
para vitimização ou como solução de fuga do sistema. O isolamento gera grandes problemas
de saúde, afinal, já foi dito diversas vezes que vivemos em um mundo totalmente interligado,
de modo que, ainda que não queiramos enxergar, todos nós precisamos do outro para viver
e perpetuar a vida.

21.30. Divórcio

O divórcio se caracteriza como a quebra da sociedade conjugal. Ele acontece quando


o casal decide não mais conviver juntos honrando com os direitos e deveres do enlace
matrimonial. As razões que motivam esse ato são variadas, podendo ser um simples desejo
de não mais estar com aquela pessoa. Contudo, os efeitos podem ser catastróficos para muitas
pessoas, principalmente quando se tem filhos, os quais sentem o impacto da separação como
um entrave no seu desenvolvimento físico e mental.

No campo da constelação familiar, o divórcio é analisado sob a ótica da causa que o


motivou e não dos culpados da relação. É por meio da constelação que se busca caminhos
viáveis para o equilíbrio em todas as relações, sendo assim, no divórcio, que se trata de um
processo na maioria das vezes doloroso, a terapia permite enxergar todas as dinâmicas
inconscientes que atuam sobre os ex-cônjuges e que os prendem àquela relação anterior,
impedindo-os de avançar em outro relacionamento.

Ao iniciar uma terapia breve de constelação familiar envolvendo uma situação de


divórcio, os pacientes esperam receber a cura para aquela separação dolorosa, porém, nem
sempre esse processo é rápido. O indivíduo apenas consegue se separar documentalmente,
mas seu consciente ainda está preso naquela relação, de modo que tudo o que faz lembrar a
sua anterior união afetiva traz dor. É necessário um olhar sistêmico sobre todo o panorama
familiar do indivíduo para que se possa identificar a verdadeira causa do sofrimento.

A conquista da compreensão nesse caso é também um processo que traz desconforto


ao paciente, afinal, adentrar no mais íntimo do seu ser pode fazer com que situações até então
encobertas de forma inconsciente venham à tona. Contudo, o alívio que o indivíduo tanto
almeja poderá ser alcançado através desse método e passará a ser externado por ele no
ambiente que vive.

É importante que cada pessoa que se divorciou tenha a consciência de que recebeu
tudo o que de bom o outro pôde lhe dar e que guardará isso, assumindo também parcela da
responsabilidade pelo que não deu certo no relacionamento e deixando a parcela do outro
com ele, afinal, existem culpas e responsabilidades individuais. Só assim é possível
encontrar paz para prosseguir em uma nova relação amorosa.
100

21.31. O Aborto e a Constelação Familiar

O aborto se configura na interrupção precoce de uma gestação com a retirada do feto


ou embrião antes que este seja capaz de sobreviver fora do útero materno. Existem os abortos
espontâneos, que ocorrem de forma involuntária, e os abortos provocados ou induzidos, que
são aqueles que exigem uma conduta voluntária no ato de abortar.

Algumas formas de aborto são permitidas por lei, como o chamado “aborto
terapêutico”, que visa resguardar a vida da gestante, e só é possível quando não há outro
meio de salvá-la. Há também o aborto decorrente de estupro, chamado de “aborto
humanitário”, pelo qual a gestante pode optar por não dar prosseguimento à gestação, uma
vez que isso lhe causaria ainda mais dor.

Em contrapartida, o Código Penal Brasileiro prevê algumas formas de aborto que, se


praticadas, configuram crime e, consequentemente, impõem uma punição para o infrator. É
o caso do “aborto eugênico”, que visa retirar o feto “defeituoso” ou que possui algum tipo
de anomalia. Há também o chamado “aborto social”, que é feito em razão das precárias
condições de vida da gestante. Nesse caso, o argumento para o aborto está no aspecto
financeiro. Ambos os casos são proibidos no Brasil e, se realizados, tanto a gestante quanto
aqueles que contribuíram para o fato irão responder perante a justiça.

O que vale ressaltar dentro da seara das constelações familiares é que, qualquer que
seja a modalidade de aborto praticada, os efeitos podem ser imensuráveis. Isto se dá porque
todos possuem o direito de pertencer e, ao extirpar alguém do sistema, ainda que por meio
de um aborto voluntário, o lugar daquele ser que se formou pertencerá somente a ele e ficará
sempre presente na consciência familiar. Contudo, é comum vermos casais que buscam
preencher o lugar do filho abortado com outra pessoa. Isso traz consequências graves tanto
para os pais quanto para aquele que está assumindo o papel do outro.

Hellinger menciona a importância de se considerar os destinos de cada um. Há uma


responsabilidade pessoal com aquilo que acontece nas nossas vidas, de modo que a primeira
coisa a se fazer é aceitar que tudo o que surge em nosso caminho faz parte de quem nós
somos. Existe um aprendizado em cada acontecimento e com o aborto isso não é diferente.

A expectativa de um casal ao saber que estão esperando um filho é sempre a melhor


possível, pois é a concretização do fruto de amor deles. Porém, quando essa vida é
interrompida, há um vazio na alma e uma dor enorme pela perda que permanece no
inconsciente, provocando decisões muitas vezes impensadas, como a separação e a
incessante busca frustrada por outro companheiro.

Os filhos representam o vínculo material que une os pais. Costuma-se dizer que são
a sua herança, resultado máximo do amor deles. Logo, o aborto realizado como uma decisão
de ambos demonstra que não há um desejo de um companheiro ter com o outro um vínculo
de amor eterno. Esse sentimento permanece na alma a ponto de influenciar suas vidas
posteriormente, resultando na inconstância de seus relacionamentos.
101

É comum vermos casais que, após o aborto, não permanecem mais juntos. Isto se dá
porque se torna insubsistente permanecer em um relacionamento no qual houve uma quebra
do vínculo amoroso com a interrupção daquela que seria a maior virtude do casal. E quando
a dor do aborto não é sentida, ela passa a atuar no inconsciente provocando distanciamento
na relação.

Todo esse sentimento ruim que fica guardado no íntimo de cada cônjuge precisa ser
superado e isso só é possível por meio do reconhecimento daquele ser que foi abortado. O
casal precisa compreender que aquela criança existiu e que fez parte das suas vidas, ainda
que por um breve período de tempo.

Em um de seus livros, chamado “A fonte não precisa perguntar pelo caminho”, Bert
Hellinger retrata que a solução para tais casos de aborto seria que os pais dessem lugar em
seus corações para essas crianças. Eles precisam enxergar quem elas representam. É a dor e
o amor que são capazes de unir pais e filhos com o seu destino.

A sensação de culpa começa a fluir para algo positivo quando se compreende o lugar
de cada pessoa no sistema. Quando se passa a se preocupar mais com os outros e a agir de
maneira generosa é como se a vida reconciliasse aquela criança aos seus pais. Assim, a
criança não se foi de verdade, ela estará presente na vida dos pais, preenchendo o lugar que
é só dela.

21.32. Adoção

O ato de adotar uma criança sempre foi visto de forma muito positiva, uma conduta
admirável, haja vista que existem muitas crianças deixadas em orfanatos e, cada vez que
alguém decide acolhê-las em sua família, é como se uma nova esperança surgisse para aquela
criança, afinal, crescer sem o apoio familiar é prejudicial para qualquer pessoa. Contudo,
Bert Hellinger chama atenção para a motivação que está por trás da adoção, muitas vezes
presente no inconsciente dos adotantes.

Hellinger afirma que as pessoas que costumam adotar estão em busca de preencher
algo que lhes falta, seja em razão da impossibilidade genética de gerar filhos ou mesmo
porque se compadecem daquelas crianças que se encontram desamparadas. Quando a
motivação está no primeiro fato, uma questão que surge é: quem realmente está necessitando
ser acolhido?

É normal vermos a adoção com um olhar de benevolência, mas o que está por trás
dela pode revelar um vazio na alma que precisa de tratamento. A primeira coisa a se fazer
para verificar se uma adoção está no caminho certo é saber se ela está respeitando as três leis
do amor.

De início, é importante entender que a aceitação dos pais biológicos é fundamental.


Eles são os verdadeiros pais da criança e ninguém poderá ocupar o lugar deles, ainda que
tenham sido pessoas de uma índole duvidosa. O fato de a criança ter chegado até os adotantes
é motivo de agradecimento, por isso não se deve procurar culpados, mas estar com o coração
102

aberto e cheio de gratidão para receber aquela criança no seu novo ciclo familiar. Respeitar
o lugar de cada um no sistema é o primeiro passo para uma adoção saudável.

É importante considerar que as crianças precisam ser cuidadas e não os adultos. A


função destes é incentivar o crescimento saudável de seus filhos e não exigir deles uma
contraprestação por aquilo que estão oferecendo. A ordem do equilíbrio precisa ser cumprida
na relação entre adotante e adotado, porém, quando se adota com a intenção de suprir uma
carência pessoal, o que se está criando é um vínculo afetivo de dependência. Ou seja, a
criança já chega tendo que atender determinada demanda, o que vai contra as leis do amor,
pois é a criança quem necessita.

Quando alguém diz que família é quem cria, há uma exclusão e julgamento dos pais
biológicos que afetarão o desenvolvimento da criança. Por isso, deve-se ter em mente que
os pais biológicos sempre terão o seu lugar, o qual deve ser respeitado e honrado. O
sentimento de gratidão deve estar sempre presente, pois aquela vida chegou e irá permanecer
até o dia que necessitar. Para isso, é importante que a criança conheça a sua história e seja
respeitada por isso.

21.33. Violência Sexual de Crianças na Família

O ambiente familiar deve ser um local fraterno de abrigo e proteção contra qualquer
tipo de violência e exploração, contudo, ainda vemos dentro do grupamento familiar diversos
casos de abusos praticados pelos seus membros contra eles próprios. É o que ocorre com a
violência sexual na infância, que normalmente é praticada pelos pais. Esse tipo de abuso
afeta drasticamente o desenvolvimento físico e emocional da criança, que passará a lidar
com diversas rejeições durante sua vida, levando muitas delas, inclusive, ao suicídio, haja
vista a angústia da dor emocional e da dor psíquica serem implacáveis.

Quando vemos uma situação assim no âmbito familiar, percebemos uma quebra nas
leis sistêmicas da hierarquia e do equilíbrio. De acordo com Bert Hellinger, existe uma
espécie de compensação que está por trás de cada abuso sexual infantil, como se o agressor
desejasse preencher uma lacuna que existe em seu interior e que não foi suprida durante sua
vida.

Muitas vezes a vítima da violência infantil, já na fase adulta, consegue levar uma
vida como de uma pessoa normal no trabalho, nos estudos, nos seus relacionamentos, etc.,
contudo, lá no seu íntimo ainda existem marcas do passado que lhe perturbam. É como se
existisse um vínculo negativo que lhe prende ao seu abusador e que é responsável por recriar
a dor que sentia.

A criança quando sofre abuso sexual cresce com um sentimento de culpa que ela
carrega como se fosse a única responsável por aquela situação ter existido. O primeiro passo
a ser dado no processo de cura desse sentimento é fazer com que a vítima entenda que essa
culpa não lhe pertence e que é necessário liberá-la por completo. Assim, sua dignidade
poderá ser recuperada, dando sentido a sua vida e ao seu destino.
103

Quando a dor é liberada ela alcança inclusive aquele que cometeu os abusos,
permitindo que a compaixão assuma um lugar de destaque na vida da vítima, o que não
exclui a possibilidade de reparação dos danos na via judicial. Esse ato de liberação da dor é
fundamental na resolução dos emaranhados que a envolvem com o seu agressor e com todos
aqueles que estiveram ligados a tais abusos. A verdadeira liberdade deve ser o alvo a ser
buscado quando se trata de qualquer tipo de abuso. O sentimento de vingança cede seu lugar
para a compaixão nos corações.

21.34. Ancestralidade

Todos nós carregamos aspectos daqueles que nos antecederam aqui na terra. Logo,
cada estrutura presente em nosso corpo está repleta de memórias ancestrais que influenciam
na nossa rotina de vida. A ancestralidade tem a capacidade de conectar a genética e a
sociedade de maneiras essenciais. Alguns a consideram parte da cultura, outros a incluem
como uma religião e tem aqueles que a compreendem em um aspecto político. A verdade é
que sua existência é relevante na formação do caráter de todas as pessoas.

A história de vida dos nossos ancestrais, carregada de desafios, tristezas, crises e


vitórias está intimamente ligada ao que somos hoje, razão pela qual podemos dizer que nunca
estamos sozinhos. Ainda que não os tenhamos conhecido, eles compõem a matéria do nosso
corpo físico e mental. Os dons, talentos, manias, comportamento, etc., são resultado dessa
herança que recebemos deles.

Muitas culturas asiáticas e de povos indígenas dão enorme importância aos seus
ancestrais. Para eles, é sua conexão com os ancestrais que fundamentam seu modo de viver,
pois tais pessoas detêm uma fonte de sabedoria e de poder inimaginável. O olhar para o
passado faz com que obtenham o direcionamento que precisam para sobreviver no presente
e prolongar suas vidas aqui na terra.

No âmbito da constelação familiar, a ancestralidade deve ser vista como a ideia de


que todos que compõe um sistema familiar são relevantes para a construção e
desenvolvimento das pessoas que dele fazem parte. Logo, é um dos aspectos que dá força
aos direitos do grupo como um todo, se consolidando num conjunto de valores que se
perpetuam ao longo do tempo.

É normal que conflitos familiares aconteçam, mas eles não podem permanecer sem
solução. Uma das formas de se encontrar plenitude na vida é por meio da reconciliação, que
deve ser priorizada sempre que possível. Se os problemas estão relacionados com os
ancestrais, deve-se buscar a resolução diretamente com estes, principalmente se ainda se
encontram vivos. O perdão deve ser praticado tanto pelo ofensor quanto pelo ofendido como
forma de liberação da dor.

A compreensão acerca do papel dos ancestrais e de como eles podem influenciar nas
gerações seguintes é fundamental para entender a si próprio e o seu grupo familiar. Ainda
que desconhecido o seu antepassado, a busca por conhecê-lo facilita no aprendizado de lições
104

úteis para o crescimento pessoal de cada um, que passará a dar mais valor a si mesmo e a
ressignificar a sua existência.

21.35. Prosperidade

As pessoas costumam acreditar que ter uma vida financeira estável é fundamental
para uma vida plena e feliz. Todos querem ser prósperos para atender seus anseios e daqueles
que o cercam. No pensamento de muitos o dinheiro é que permite viver de forma tranquila
e sem preocupações. Existe, no entanto, uma frustração em razão de tudo isso, pois a pessoa
percebe que trabalha em excesso e não consegue obter reconhecimento por aquilo que faz.
É como se estivesse nadando sem poder chegar onde se quer.

A forma como enxergamos o trabalho diz muito acerca da ideia de prosperidade e de


como ela pode ser alcançada. É a maneira de lidar com o trabalho que irá determinar como
o dinheiro será veiculado em nossas vidas. Para isso, é importante termos em mente as
noções básicas das leis sistêmicas de Bert Hellinger, quais sejam: a lei do pertencimento, da
hierarquia e do equilíbrio.

Primeiramente, o olhar do trabalho deve estar voltado para a mãe, que é a pessoa
mais apropriada para isso, uma vez que foi ela quem se colocou inicialmente a serviço de
dar à luz. Ao assumir uma postura de alguém que apenas critica a mãe, possivelmente muitas
dificuldades virão relacionadas ao desempenho do trabalho. O sentimento de estar a serviço
de algo deve estar também alinhado às ordens sistêmicas. Por isso, o reconhecimento da mãe
como precursora do trabalho e de como ela foi capaz de entregar o melhor de si para seus
filhos, dentro de suas possibilidades, é de suma importância no processo de compreensão e
aceitação de qualquer ofício. Carregar mágoas e ressentimentos pode impedir que a vida se
encaminhe para a prosperidade.

Existem muitas crenças que envolvem o dinheiro, como se ele não fosse apenas
simples matéria, mas uma fonte de energia que se propaga entre pessoas. Bert Hellinger vai
dizer que o dinheiro é algo espiritual. Se presto um serviço a alguém, a lógica é que haja
uma contraprestação por isso, que normalmente é feita em moeda. Esse ato de receber pelo
serviço prestado proporciona dignidade a quem serve e a quem adquire o serviço.

É a lei do equilíbrio que exerce maior influência no que diz respeito a essa troca. É
necessário que exista justeza na relação entre o dar e o receber, ou seja, entre aquele que
fornece o serviço e aquele que usufrui dele. Quando o desequilíbrio se instala, há uma
desarmonia na gestão do valor. Logo os rendimentos cessam e os negócios caem. Daí a
importância de estar sempre atento ao equilíbrio nas relações, pois quem recebe o dinheiro
deve também oferecer algo compatível com o que está exigindo. Aquele que cobra aquém
do que merece uma hora deixará de fornecer o serviço e não prosperará.

Em seu livro “Leis Sistêmicas da Assessoria Empresarial 14”, Bert Hellinger propõe
que o dinheiro detém uma dimensão espiritual. Ele reage como se possuísse uma alma e um

14
HELLINGER, Bert. Leis Sistêmicas na Assessoria Empresarial. Ed 2. Belo Horizonte: Atman. 2018, p. 105.
105

faro fino para a justiça e a injustiça. Para Hellinger, o dinheiro ajuda na orientação da vida
das pessoas:

O dinheiro é o alimento que leva a vida adiante. É o leite materno da vida.


É presenteado como uma dádiva divina. Ele serve para que possamos
continuar vivos. (...) Ele possui alma, não é uma coisa. Ele serve à vida. O
dinheiro ganho com suor é o que mais serve à vida. (...) A necessidade mais
profunda do dinheiro é que seja gasto e que sirvamos à vida com ele.

O dinheiro, portanto, deseja estar com aqueles que o receberam de forma honesta e
com aqueles que trabalharam muito para obtê-lo. Em suma, o dinheiro se sentirá bem com
aqueles que o receberam com vistas a administrá-lo de forma prudente, a serviço da vida.
Uma vez que o dinheiro se sente pertencente à vida, ele pretende ser aplicado e transmitido
a serviço dela. Há alegria quando se gasta e o dinheiro retorna ainda mais abundante quando
é tratado dessa maneira.

Hellinger vai dizer que o dinheiro se coloca à disposição naquilo que contribui para
o avanço da vida. Possuir dinheiro é assumir a responsabilidade de conduzir a vida com
destreza. A falta do dinheiro pode ocasionar a terceirização do serviço. É comum ouvirmos
que uma pessoa gostaria muito de fazer algo, mas não possui dinheiro pra isso e,
consequentemente, outro irá assumir o papel.

Algumas pessoas, no entanto, se negam a receber algo pelo serviço que prestam. Isso
porque não sabem estipular o valor do que fazem ou acreditam que o reconhecimento pessoal
é mais importante. Isso é uma crença limitante, pois viver esperando apenas reconhecimento
faz com que a pessoa perca seu valor e poder pessoal. O dinheiro, nesse caso, não circula e,
consequentemente, o trabalho também não permanece.

A questão do reconhecimento é comum quando se é criança, que está sempre pedindo


atenção, mas quando adulto é necessário ressignificar certas questões da vida para enfrentar
essas barreiras e prosperar em todos os aspectos. Muitas das situações que prendem o
indivíduo a uma vida centrada no reconhecimento se deve ao fato dele ter vivido cercado de
críticas ou ainda por ter crescido com uma mãe ausente. Em razão disso, está sempre em
busca do reconhecimento dos outros, quando na verdade a resposta já está dentro dele,
precisando apenas se reconectar a isso.

Não são as outras pessoas que devem dizer o valor que cada um tem, pois isso é
produzido dentro de si, de acordo com suas raízes e é isso que faz de cada pessoa um ser
único. Esse valor é extraído da fonte familiar, daquilo que foi ensinado dentro do sistema e
da conexão com os pais. Cada pessoa tem o seu valor e reconhecer isso com gratidão,
independente das falhas e acertos, é o primeiro passo para uma vida próspera.

21.36. Casais

A nossa família de origem nos fornece os padrões esperados para vivermos um


relacionamento amoroso. É a forma como os pais se tratam que inspiram a busca dos filhos
pelo matrimônio ideal. Logo, é fundamental que os pais manifestem condutas que valorizem
106

o outro, como forma de evidenciar nos filhos as melhores perspectivas a respeito da vida
conjugal.

O primeiro passo para a construção de uma família está na relação amorosa que se
forma. É quando o casal deixa sua família de origem para formar um novo vínculo e dali se
perpetuarem. Dessa decisão é que surgem os filhos, os quais representarão a consumação do
amor dos pais e o estabelecimento de um novo padrão familiar.

A chegada de filhos para o casal representa o símbolo de amor visível daquele casal
e, considerando as leis do amor, os filhos vêm depois do casal, logo, a melhor forma de
externar uma boa criação aos filhos é manifestando respeito e amor pelo seu cônjuge. Ao
verem essa relação equilibrada, os filhos encontram nos pais o exemplo que precisam para a
construção do futuro relacionamento deles. É necessário sempre honrar esse amor, pois foi
dele que os filhos vieram.

A decisão de formar uma família faz com que o casal se una de forma mais profunda,
se alicerçando em prol desse ideal maior. A intensidade na relação amorosa é que motiva o
casal a deixar seu lar para dividir novas experiências com o seu cônjuge, formando um novo
sistema, embasado no amor e respeito mútuos.

A ligação de almas do casal através do matrimônio forma um vínculo indissolúvel,


fazendo com que cada um carregue muito do outro em si, razão pela qual muitos dos meios
que existem para dissolver essa relação não são suficientes o bastante para fazer com que
eles se desprendam por completo. Hellinger vem dizer que o vínculo permanece agindo,
ainda que a relação tenha chegado ao fim.

Segundo Hellinger, é no primeiro relacionamento que o vínculo se torna mais forte,


de modo que as pessoas acabam absorvendo tudo de forma mais intensa e,
consequentemente, tendo mais dificuldades de se desprenderem dessa relação. Raramente
essas pessoas conseguirão em outros relacionamentos vivenciar as experiências que tiveram
no primeiro, e isto se dá porque carregam culpa em relação à primeira relação.

Muitas pessoas não conseguem enxergar o que está por trás dos seus relacionamentos
mal sucedidos e a resposta pode estar no fato de não terem se desprendido de verdade do seu
primeiro relacionamento. É uma relação do passado que ainda interfere no presente e impede
a pessoa de viver um romance saudável. É necessário, pois, trazer à consciência a existência
dessa relação perturbadora e deixar com que essa pessoa com quem se relacionou siga seu
próprio caminho. Não significa considerar o relacionamento como inexistente, mas entender
que ele existiu e teve seu fim. Assim, o vínculo do passado deixa de ser um entrave para as
relações que se sucederem.

Para Hellinger, cada envolvimento amoroso deixa marcas de uma pessoa em outra.
Logo, cada vez que alguém entra num relacionamento diferente, algo dela já ficou pra trás
em suas relações anteriores e isso não tem a ver com bens materiais, mas com a
disponibilidade interna para se relacionar. A vinculação vai regredindo a cada novo
envolvimento de modo que se torna mais fácil a separação.
107

Embora se encontrem no mesmo grau hierárquico, por meio da visão sistêmica é


possível encontrar diferentes posturas entre o homem e a mulher dentro do relacionamento.
Não há uma sobreposição de um em relação ao outro, mas uma equivalência entre eles, de
modo que as necessidades se tornam mútuas e o compartilhamento das responsabilidades
também. Entender isso facilita na identificação dos desequilíbrios que ocorrem entre muitos
casais.

A Lei do Equilíbrio deve estar presente em todas as relações, inclusive, na vida do


casal, pois, se alguém resolve ceder mais que o outro e recusa receber qualquer tipo de
benevolência, a tendência é que essa relação se encaminhe para o fim, pois o desequilíbrio
se tornou presente e o término do laço afetivo do casal será apenas consequência disso.

Quando o casal não vive de forma equilibrada, aquele que recebeu muito começa a
se sentir insuficiente para permanecer na relação, pois há um sentimento de compensação
não atendido por aquilo que recebeu de forma excessiva. Hellinger acredita existir um peso
muito grande sobre o destino de quem não pode se relacionar por sempre desejar compensar
o que recebeu mais do que julgava merecer.

Ao sair do núcleo familiar de origem para dar início a um novo sistema, o casal deve
se conscientizar de que os emaranhamentos existentes na sua família de origem o seguirão e
poderão influenciar o desenvolvimento dessa nova relação que surge. Há uma junção de
comportamentos distintos, onde cada cônjuge traz consigo as nuances de sua família
original, daí a importância de sempre ter cuidado ao manifestar algum posicionamento.

Não se deve buscar interferir no sistema familiar do companheiro, pois as chances de


fracassar são enormes, já que cada um possui sua própria cultura e maneira de enxergar a
vida. Entrar num outro sistema requer leveza na forma de agir e compreensão sobre os seus
pensamentos, pois é um universo totalmente distinto e que merece ser respeitado na sua
história.

A decisão de se unir a alguém para constituir um novo sistema familiar requer de


cada indivíduo a superação de experiências negativas do passado e a expectativa de se tornar
cada vez melhor para si e para o seu cônjuge. É respeitando as origens de cada um e
estabelecendo o equilíbrio na relação que ela se torna estável e duradoura.

21.37. Suicídio

Lidar com a morte é sempre algo muito doloroso e quase que inaceitável por quem
perde uma pessoa próxima. Quando algum familiar morre a sensação é de que jamais aquele
lugar poderá ser preenchido novamente e o vazio toma conta de tudo. A angústia e aflição
se tornam parte da convivência e só o tempo conseguirá contornar a situação de dor
enfrentada.

Quando alguém falece em decorrência de doença ou por conta da avançada idade, a


impressão é de que o pior já era previsível e então a dor parece ter sido amenizada. Contudo,
108

a morte em razão de acidente, de infarto ou de suicídio traz um peso maior sobre todos, pois
o imprevisível aconteceu e não permitiu sequer uma despedida.

Ao falarmos em suicídio então a situação parece que se torna ainda pior. Isto se dá
porque quando acontece um suicídio, além do vazio e da dor que irradiam, os
questionamentos que envolvem o fato crescem a ponto de levar a todos à seguinte reflexão:
o que eu poderia ter feito para impedir isso? As pessoas começam a se culpar pelo ocorrido,
porque sempre havia algo que pudesse ser feito e que não foi.

Aqui relembramos os estudos dos campos mórficos, de Rupert Sheldrake, cuja ideia
se resume ao fato de que todo animal, vegetal ou mineral possui uma espécie de memória
coletiva que influencia na forma como os demais seres vivos irão viver. Logo, todas as
pessoas carregam memórias dos seus antepassados, ainda que não os tenham sequer
conhecido. É esse movimento que pode explicar o fato de um avô ter cometido suicídio e,
tempos depois, o filho e o neto estarem se direcionando para o mesmo destino.

A solução que se pretende alcançar para inibir sucessivas repetições dessa conduta
deve ser encontrada por meio da identificação daquilo que está evidenciado nos padrões
comportamentais da família. Todos nós pertencemos a um sistema familiar e, ainda que
mortos, a ele estamos vinculados, devendo, pois, ser respeitado o lugar de cada um para que
não haja desequilíbrio. Com a terapia da Constelação Familiar, é possível descobrir o que
está por trás de cada tentativa de suicídio e trabalhar em movimentos capazes de ressignificar
condutas para interromper tantas tragédias nas futuras gerações.

21.38. Merecimento

A sociedade evoluiu e trouxe uma série de padrões comportamentais novos que


exigem das pessoas o seu rígido cumprimento sob pena de serem excluídos. Ou seja, ainda
que inconscientemente, as pessoas se veem obrigadas a cumprir todas as regras que lhes são
impostas no seio familiar, no trabalho, na escola, etc. Isso faz com que a liberdade de ser
quem realmente deseja fique em segundo plano para ceder lugar ao que a sociedade espera
de cada um.

Nesse contexto, fica evidente que problemas dos mais diversos surgirão, pois muitos
assumem uma função que não lhes pertence simplesmente por desejarem se encaixar nesse
eixo social de caráter “obrigatório”. Fica então o questionamento: até que ponto somos
merecedores daquilo que estamos vivendo?

O merecimento é uma reflexão necessária para cada pessoa, pois, ao constatar suas
condições pessoais e o seu nível de envolvimento na posição que decidiu viver, é possível
verificar se o que está acontecendo consigo é reflexo do que a sociedade lhe impôs ou se é
fruto daquilo que sempre almejou ser.

A quantidade de padrões de comportamento é enorme e capaz de criar barreiras


impedindo pessoas de alcançarem o mais elevado padrão de vida. É uma crença social
limitante que se torna uma prisão para todos aqueles que não são merecedores disso. Viver
109

uma vida em liberdade é o ideal a ser buscado, ainda que para isso tenha que romper com os
perfis impostos e esperados no meio em que se vive.

A verdade é que muitas pessoas internalizaram as regras mesmo sem perceber e


vivem sob o domínio delas sem sequer checar a validade de cada uma. São regras que se
perpetuaram no tempo, sendo repassadas de geração em geração, como uma herança de
comportamento. A maioria das pessoas está apenas preocupada em seguir a vida como as
demais, sem buscar o real sentido que lhe garanta o merecimento por estar naquela posição.

O merecimento faz com que escondamos diversas crenças sobre o nosso valor e as
condutas que devemos portar diante da vida. Ao ter acesso a essas crenças, abre-se espaço
para a conscientização, sendo possível reprogramá-las para que se alinhem à realidade atual
de cada um.

O olhar para o passado manifestando honra aqueles que nos antecederam é


fundamental para compreender aquilo que merecemos e nos permitimos vivenciar hoje. É
saber que todos precisam ser integrados e respeitados na sua maneira de viver, com respeito
e gratidão. Contudo, é importante considerar que a honra não significa obediência, logo, a
honra mais tem a ver com o reconhecimento de cada um no sistema com a sua devida
importância. Compreender isso faz com que nos desprendamos das culpas que impomos aos
nossos antepassados e nos leva a olhar para frente, cientes da responsabilidade que temos
com nossa própria vida, como verdadeiros merecedores dela.

21.39. Estupro

O estupro se configura no abuso sexual cometido sem o consentimento da vítima,


podendo ser praticado com um mero ato libidinoso. É tratado como crime em nossa
legislação e atribui ao infrator uma pena que pode chegar a 30 anos em caso de morte. A
vítima do estupro, além das lesões físicas sofridas, tem que lidar com os traumas que o ato
lhe causou e é aqui que a constelação sistêmica familiar passa a ser tão relevante.

Bert Hellinger diz que no estupro nasce um vínculo. Isso não tem a ver com
considerar positiva a conduta do abusador, mas de encarar a situação com outro olhar, para
que seja possível reverter os efeitos que daquele ato se sucederam. É esquecer os julgamentos
e condenações impostas e que costumam acompanhar esse tipo de experiência.

É comum que as vítimas não queiram falar sobre o fato ou talvez demorem muito
tempo conversar sobre o que aconteceu. Isso se deve muitas vezes pela vergonha,
principalmente quando as vítimas são homens. É como se a masculinidade fosse ser
corrompida e perdesse sua moral no meio em que vive. Também a consciência social
influencia muito nesse aspecto, pois é comum se atribuir ao abusado a culpa por toda a
situação, quando na verdade ele nunca deixou de ser aquele que precisa de ajuda.

Por trás de cada estupro existe um conflito silenciado que precisa ser falado. Algumas
pessoas apenas acobertam, fazendo esquecer e seguindo a vida como se tudo estivesse bem,
pois os abusos já não acontecem mais. Porém, a realidade é que, pela dinâmica familiar,
110

aquilo ainda não foi resolvido, logo, o sistema irá buscar uma forma de compensar essa
situação. É por isso que vemos sucessivos abusos sexuais acontecendo em gerações distintas,
pois o que é excluído no passado retorna na descendência para que a dor seja vista e deixada.
Só assim todo o sistema encontra alívio.

O papel da constelação é encontrar caminhos que possam trazer paz para todas essas
questões traumáticas e evitar que padrões de repetição danosos continuem a prejudicar tantas
vidas. Quando se encontra o eixo central do problema, as compreensões acerca da gravidade
da situação são assimiladas e o coração da pessoa vítima da violência sexual se abre para
vivenciar sentimentos sublimes. Deixa-se, portanto, os pesos do passado e se projeta a vida
para o futuro.

Contudo, muitas pessoas preferem partir para a guerra, pois não estão aptos a viver
o amor. Alguns, por sua vez, optam pelo esquecimento. Esse tipo de comportamento faz com
que o mecanismo se prolongue no tempo, proporcionando mais violência para as gerações
seguintes, até que num dado momento alguém irá decidir olhar para todos os lados e enxergar
o abusador, a vítima e o sistema que se responsabilizou por conduzir a todos para uma
situação de ajuste, cuja finalização será o acordo com a paz.

21.40. Frases de Resolução

A constelação familiar, como já abordado nesse material, pode ser definida como um
método terapêutico voltado à resolução de conflitos entre membros da família. Sua
necessidade advém dos diversos problemas que pessoas enfrentam no seio familiar e que
podem estar ligados a eventos passados dos seus ancestrais, que envolvem todo o sistema
familiar. Sua aplicação é essencial na descoberta de possíveis emaranhamentos que têm
causado depressão, guerras, doenças, abusos, suicídios, entre outros.

Os traumas não resolvidos são capazes de se perpetuar entre gerações de forma


inconsciente, criando o que se conhece por “emaranhamentos sistêmicos”. Os tipos de
emaranhamentos são variáveis e podem provocar a destruição de muitas vidas se não
resolvidos de forma imediata.

A constelação busca a resolução de todos os emaranhamentos familiares e, para isso,


trabalha por meio de um grupo que contem o paciente, o diretor e outras pessoas que
assumirão o papel dos representantes dos membros da família, vivos ou mortos. Para
Hellinger, esses representantes conseguem sentir exatamente o que os parentes que
representam vivem ou viveram e trazem tudo isso durante a sessão, fazendo com que a
realidade seja cada vez mais próxima da convivência. Lembre-se do que já foi abordado
acerca dos neurônios espelhos e dos campos mórficos, os quais sintetizam essa explicação.

O papel do facilitador durante a sessão de constelação familiar é direcionar as pessoas


que ali contracenam para que cheguem aos pontos ideais de identificação e resolução de
conflitos. Para isso, ele pode se utilizar de algumas frases e de “ordens de ajuda”, que
funcionam de modo a trazer ao conhecimento de todos os problemas que precisam ser
resolvidos.
111

Por meio das frases de resolução, o paciente consegue raciocinar acerca dos
emaranhamentos que está envolvido e busca conversar com os demais membros para
encontrar soluções para isso. Algumas frases como “por favor”, “eu sigo você” e “sinto
muito” podem revelar o que está escondido por trás de um grande problema e, ao colocar em
prática essas frases, o peso que existia se esvai, trazendo paz aos conflitos até então
existentes.

Quando a expressão “por favor” é colocada em prática, a pessoa que fala assume uma
posição de humildade, pois entende que não se encontra acima dos demais do seu grupo
familiar. Assim, poderá de fato se desvencilhar de elos traumáticos que fazem parte da sua
vida e adquirirá uma postura de conciliador perante os demais membros de sua família.

A frase “por favor” nos ensina sobre equilíbrio. É uma excelente forma de se
posicionar num nível paritário com os demais do seu grupo. Isso facilita em muito a
convivência, pois cada pessoa consegue compreender o que o outro diz sem ferir sua
liberdade. Por intermédio dela cada um assume a responsabilidade pelos seus atos e
compreende que muitos dos aspectos que lhes cercam estão além do seu controle direto.

Outra frase que tem relevância durante a sessão de constelação familiar é: “eu amo o
seu pai ou a sua mãe em você”. Essa frase é direcionada aos filhos por pais que se
divorciaram. Mesmo com o fim do matrimônio, os laços afetivos de paternidade e
maternidade continuam presentes. Ao ser dita a frase, os pais permitem que seus filhos sejam
livres de toda e qualquer responsabilidade pelo término do casamento. Ou seja, não existe
razão para o filho desejar assumir o papel de pai e nem da filha querer ser a mãe da família
como forma de substituir aquele que foi excluído. O filho passa a ser quem ele realmente
deseja ser, vivendo sua própria história.

Quando alguém diz: “eu sigo você”, há uma superação quanto a padrões de
comportamentos repetidos entre gerações. É olhar para o passado e compreender que aquele
comportamento veio de alguém e tem influenciado vidas até hoje. Ao falar essa frase, os
laços de lealdade são reforçados e permite identificar o momento exato em que os padrões
comportamentais trouxeram sofrimento ao paciente.

Identificando o cerne de tanto sofrimento repetitivo, deve-se buscar transformá-lo em


algo positivo, por isso também é muito utilizada a frase: “em sua honra, e pelo que custou a
você, eu faço algo com a minha vida”. Assim, é possível vislumbrar os feitos do passado e
honrar aqueles que assim fizeram, mas a partir de então reformulá-los com o fim de se
desprender para viver algo novo.

A frase “você é o pai/a mãe certo (a) para mim” guarda uma perspectiva de honra por
aqueles que foram capazes de nos dar a vida. É saber que só é possível ser quem sou a partir
da decisão dos meus pais de me gerar. Se os pais fossem outros, eu não seria quem sou hoje,
logo, ainda que o amor entre pai e mãe tenha se acabado, o elo que une pais aos filhos deve
permanecer para sempre.
112

Quando alguém diz que sente falta de algo em sua vida, como se para ser feliz
precisasse ser preenchido com alguma coisa, em verdade, pode ser que este algo esteja
relacionado a uma perda familiar, como de um filho que foi abortado. Assim, ao utilizar a
frase “você também faz parte” é possível trazer de volta aquilo que se foi e colocá-lo no
lugar que só pertence a ele. Isso decorre da lei do pertencimento, cuja finalidade é fazer
entender que cada ente familiar possui o seu lugar dentro do sistema, ainda que tenha sido
excluído de forma breve. Essa frase permite fazer renascer no indivíduo que foi excluído o
sentimento de pertencimento que lhe foi negado anteriormente.

Todas as frases de resolução podem ser utilizadas durante a constelação familiar, seja
ela com pessoas ou com bonecos, de acordo com o que cada paciente e representante
demonstrar em sessão. O objetivo é sempre a busca por soluções que tragam a paz para os
diversos emaranhados que envolvem as pessoas de um determinado sistema.

21.41. Perdão x Sinto Muito

Dentro da constelação familiar existem determinados termos que são adequados às


resoluções de conflitos. Em contrapartida, alguns deles precisam ser evitados, como é o caso
do perdão. Não se considera o mais adequado falar sobre perdão para a resolução de conflitos
ou para a busca da paz interior e isto se dá pelo fato de que nenhum ser humano detém o
direito de perdoar.

Quando se fala em pedir perdão, a postura que se vê é de alguém que está colocando
em outro a responsabilidade por sua culpa. É como se houvesse um desnível de cima para
baixo, impossibilitando que se estabeleça uma relação de igualdade, pois um inevitavelmente
irá se sentir em dívida com aquele que foi grande o suficiente para perdoar. Quem pede
perdão transfere para o outro a possibilidade de aliviar sua própria culpa, ficando a cargo do
ofendido aceitar o perdão.

Em contrapartida, ao se fazer uso da expressão “sinto muito”, vemos uma


equivalência entre os indivíduos. Aqui não há ninguém superior a outro, pelo contrário,
ambos assumem responsabilidades equilibradas, ainda que o efeito seja o mesmo do perdão,
com a ressalva de que aqui ninguém arcará com qualquer tipo de dívida.
113

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Acesso em 02 jun 2021.
118

CONSTELAÇÃO SISTÊMICA FAMILIAR

Um Panorama Metodológico

Centro de Mediadores

O ensino em torno da Constelação Sistêmica Familiar sempre exigiu um cuidado especial,


em razão de ser uma disciplina que envolve aspectos intelectuais, emocionais, familiares e
sociais, que remetem o estudante a lembranças de um passado ou presente por vezes
conflituoso e desamparado de solução.

Apresentar um panorama metodológico da Constelação Sistêmica Familiar sempre foi um


dos objetivos do Centro de Mediadores. Traduzir para o público conceitos complexos de
maneira didática e com uma base sólida foi um desafio que precisava ser encarado e vencido.

Ao ler Constelação Sistêmica Familiar: Um Panorama Metodológico, o leitor poderá


compreender aspectos fundamentais que levaram Bert Hellinger, principal nome no assunto,
a trabalhar com esse tema e a permitir que diversos outros pesquisadores pudessem
mergulhar em suas teorias e práticas de modo a propagar pelo mundo a constelação como
uma técnica terapêutica eficaz na compreensão das relações interpessoais e suas
incongruências.

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