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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Abrahão, Maria Helena Vieira (org.)


Prática de ensino de língua estrangeira: expriências e reflexões /
Maria Helena Vieira Abrahão (org.) . - Campinas, SP : Pontes Editores,
ArteLíngua, 2004.

Bibliografia.
ISBN 85-7113-203-8

I. Lingüística aplicada 2. Ensino de línguas 3. Ensino do inglês


4. Ensino do inglês como segunda língua I. Abrahão, Maria Helena
Vieira (org.). 11. Título. III. Série.

CDD - 410
407
420.7
375.65
375.420

Índices para catálogo sistemático:


I. Lingüística aplicada 410
2. Ensino de línguas 407
3. Ensino do inglês 420.7
4. Ensino do inglês como segunda língua 375.65
375.420
CRENÇAS, PRESSUPOSTOS E
CONHECIMENTOS DE
ALUNOS-PROFESSORES DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA E SUA FORMAÇÃO INICIAL
Maria Helena Vieira Abrahão
UNESP - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

INTRODUÇÃO

É consenso entre teóricos e formadores que professores trazem para


seus cursos de formação e para suas salas de aula crenças, pressupos-
tos, valores, conhecimentos e experiências, adquiridos ao longo de suas
vidas, e que estes funcionam como filtros de insumos recebidos por meio
da exposição às teorias e práticas. Isto quer dizer que, ao entrarem em
contato com o conhecimento teórico-prático nos cursos de formação,
cada professor ou aluno-professor faz uma leitura particular, o que traz
reflexos para a construção de sua prática pedagógica.
Schôn (1983) denominou o repertório de crenças, pressupostos, valo-
res, conhecimentos e experiências de "sistemas apreciativos", salientan-
do que é por meio deles que o professor estrutura seu trabalho de sala de
aula e interpreta teorias e idéias externamente produzidas. Complemen-
tando, Zeichner e Liston (1996) afirmam que para que o professor en-
tenda e dirija suas práticas educacionais, precisa compreender suas pró-
prias crenças e sentidos, uma vez que muito de sua forma de ensinar
está enraizado em quem ele é e em sua própria percepção do mundo.
Referindo-se à formação pré-seviço, Williams (1999) traz algumas re-
,i flexões importantes. Segundo a autora, os aprendizes chegam aos cursos
i
, ti de formação com uma bagagem pessoal muito grande que precisa ser
desempacotada antes de reconstruí-Ia Para tal, aponta para a necessi-
dade de uma metodologia que auxilie os alunos professores a tornarem
explícitas suas próprias construções do mundo: o que sabem, no que acre-
ditam e quem são, e a associarem as novas informações aos esquemas de
conhecimento existentes, de maneira a construírem significados que fa-
çam sentido para eles. Citando Barth (1991), defende a idéia de que antes
que se possa integrar nova informação, é necessário que o indivíduo esteja

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consciente do que sabe e como seu conhecimento está organizado. É pa- sar tanto as teorias acadêmicas quanto as práticas a que estará exposto
pel do formador de professores auxiliar os alunos professores a tornarem- durante seu processo de formação. É a partir da explicitação de suas
se conscientes de seus conhecimentos prévios, organizá-los e fazer cone- crenças, presssupostos e conhecimentos, usando a nomenclatura de
xões, para reconstruí-Ios à luz de novas informações. Woods (op.cit.), que poderá refletir e compreender a sua prática peda-
O conhecimento experiencial do professor vem sendo foco de aten- gógica, bem como suas origens e conseqüências, ou melhor, o que o leva
ção de estudiosos e recebido diferentes denominações: teorias práticas a agir da maneira como age em sala de aula e em que proporção o que
pessoais (Connely e Clandinin, 1998); teorias práticas (Handal e Lauvas, desenvolve na prática contribui para o aluno, para a comunidade escolar
1987); conhecimento estratégico do professor (Shulrnan, 1986); conhe- e para a sociedade'. Para Zeichener e Liston (op.cit.: 27):
cimento prático (Elbaz, 1983); crenças e princípios (Mumby, 1983); bak
- beliefs, assumptions and knowledge (Woods, 1996), entre outros, As experiências que temos antes de entrar para um curso de for-
conforme referidos por Zeichner e Liston (1996) e Gimenez (1994). mação, aquelas encontradas no programa e nossas experiências
Indiferentemente da nomenclatura utilizada, há algo comum nestes subseqüentes como professores oferecem um "background" de
estudos: o professer não é mais visto como uma "tabula rasa" que pode episódios e eventos que in formam quem nós somos e como pensa-
ser simplesmente "treinado" para atingir comportamentos desejados, mos, sentimos e planejamos como professor. O grau com que nós
como ocorria quando ainda reinava uma perspectiva positivista de for- pensamos sobre essas experiências e o grau com que essas experi-
mar professores. O que prevalecia era o modelo de racionalidade técni- ências dão fcnna a futuros eventos e nos faz crescer como profes-
ca, ou seja, a idéia de que a academia era a produtora de conhecimentos sores pensantes constitui, em parte, nossa compreensão reflexiva.
sobre o ensino e o professor era um simples consumidor e aplicador
dessas teorias. O professor é visto como um ser total, situado social e Neste artigo apresento alguns resultados de um trabalho desenvolvi-
historicamente, portador de uma rica história de vida. do com seis alunos-professores de um curso de Licenciatura em Letras
Conforme Prahbu (1990), a concepção do que seja ensinar e apren- com este fim: criar condições para que possam explicitar suas crenças,
der de um professor pode originar de diferentes fontes: de sua experiên- pressupostos e conhecimentos sobre linguagem, ensinar e aprender lín-
cia enquanto aprendiz, incluindo interpretações dos procedimentos de guas ao iniciarem o curso de formação na universidade. Este estudo é
seus professores e a influência destes em sua aprendizagem; de experi- parte de um estudo maior, subsidiado pelo CNPq, que tem por objetivo
ências anteriores de ensino; de exposição a diferentes métodos; da opi- analisar a construção do conhecimento teórico-prático do aluno em for-
nião que se tem do trabalho de outros docentes e, até mesmo, da experi- mação inicial no curso de Licenciatura em Letras.
ência como pai ou mãe. Isto indica que, ao adentrar um programa de Os dados que aqui apresento são relativos à primeira fase do es-
formação, seja em situação pré ou em serviço, o professor traz consigo tudo apenas, que buscou responder a pergunta de pesquisa: Que cren-
valores, crenças, pressupostos, experiências e conhecimentos que, sem ças, pressupostos e conhecimentos? são trazidos pelos alunos-pro-
dúvida nenhuma, merecem ser considerados. fessores ao programa de formação inicial desenvolvido na universi-
No caso da formação pré-serviço nos cursos de Letras, o aluno- dade e quais as origens dessas crenças e desses pressupostos e.co-
professor, entre todas as outras experiências de vida, traz uma experiên- nhecimentos? As perguntas respondidas nas fases II e Ill do estudo
cia rica C01110 aprendiz, às vezes já C01110 professor, além de uma gama maior são: Em que medida as crenças, os pressupostos e os conheci-
de conhecimentos teóricos adquirida nos primeiros anos do curso univer- mentos trazidos para a universidade pelo aluno-professor sobrevi-
sitário No entanto, poucos tiveram a oportunidade de buscar uma expli- vem ou são modificados pelas reflexões teórico-práticas desenvolvi-
citação das crenças, pressupostos e conhecimentos que têm sobre o que das durante o curso de formação inicial? e Que tipos de conhecimen-
está: envolvido no processo ensino-aprendizagem da língua estrangeira I. Vide também Gimenez neste volume.
que vão ensinar. O que ocorre é que, muitas vezes, o aluno não tem 2. Na referida pesquisa, assumo a nomenclatura de Woods para referir-me aos sistemas
apreciativos. Tomo crenças como aceitação de uma proposição da qual não há
explicitado para ele próprio o que acredita ser linguagem,ensinar e apren- conhecimento convencional, que não é demonstrável e sobre a qual não há consenso;
der, algo fundamental para orientar seu trabalho em sala de aula. pressuposto, como um fato ainda não demonstrado, mas que se toma como verdadeiro
Abrir um espaço para que ele reflita sobre estes aspectos é, a meu em um dado momento, c conhecimento, como fatos covencionalmente aceitos,
demonstrados ou potencialmente demonstráveis. Assim como Woods (1996), optei por
ver, fundamental, pois é a partir desta explicitação que ele poderá anali- não abordá-Ias de forma independente na pesquisa, pela difieuldade de identificá-Ios.

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,I
to são expressos e/ou adquiridos pelos alunos-professores durante primeiro encontro do projeto. Muito embora o questionário tenha suas limi-
seu estágio supervisionado? tações, seus resultados foram triangulados com aqueles obtidos na autobi-
Participaram deste estudo seis alunos-professores voluntários, que ografia, nas sessões de histórias de 'lida e no inventário de crenças.
iniciavam no começo da pesquisa o terceiro ano, sendo cinco futuros
professores de inglês CA,K, M, S, J) e um futuro professor de espanhol Inventário de Crenças
(Arn). Alunos desta série foram escolhidos porque ainda não tinham tido Foi aplicado um inventário de crenças adaptado de Horwitz (1987)
qualquer contato formal com a Lingüística Aplicada. com o objetivo de propiciar ao aluno-professor uma análise de suas cren-
A, M S e J cursaram a escola pública de ensino fundamental e médio; K e ças no início do processo de formação.
Am, por outro lado, freqüentaram tanto instituições públicas como privadas.
Todos, sem exceção, estudaram a língua estrangeira objeto de sua licencia- Relatório do aluno-professor
tura fora da escola regular, em institutos de línguas privados ou estaduais. Ao final do semestre, foi solicitado que os alunos professores, de
Três deles (Am, S e K) já haviam iniciado sua atividade profissional posse dos dados (questionário, inventário de crenças, autobiografia e
em escolas privadas de línguas quando a pesquisa teve início. transcrições das histórias de vida), fizessem uma análise dos resultados
e redigissem um relatório apresentando suas conclusões.
1. METODOLOGIA E INSTRUMENTOS DA PESQUISA
As atividades acima descritas foram desenvolvidas durante reuniões
Para envolver os alunos-professores em um processo de reflexão semanais promovidas pela professora formadora/pesquisadora e os alu-
sobre suas crenças e seus pressupostos e conhecimentos sobre lingua- nos professores, com a duração de duas horas.
gem, ensino e aprendizagem, e ao mesmo tempo, responder a primeira Ao final do semestre, os dados obtidos por cada instrumento foram
pergunta da investigação, foram utilizados procedimentos e instrumentos categorizados e posteriormente triangulados (Bogdan e Biklen, 1998). Como
já utilizados em pesquisas anteriores da mesma natureza: dados primários foram utilizados o questionário e o inventário de crenças ..
Os dados obtidos por meio da autobiografia e das sessões de história de
Redação de autobiografias pelos alunos-professores vida foram considerados secundários e utilizados para a confirmação das
Foi solicitado que cada aluno-professor redigisse uma autobiografia, asserções levantadas a partir da análise dos dados primários. De início
relatando fatos relevantes do seu processo de escolaridade e de suas foram analisados os dados obtidos por cada aluno-professor e depois com-
experiências de ensino. A autobiografia do aprendiz é um instrumento parados. Este artigo, em virtude de sua extensão, apresenta uma amostra
utilizado para ajudar professores pré e em serviço a examinarem suas das crenças e dos pressupostos e conhecimentos mais recorrentes nos
próprias experiências de aprendizagem e seu impacto sobre sua prática dados como um todo. Apresenta também as perspectivas dos alunos-pro-
e filosofia individua de ensino-aprendizagem. (Bailey et aI., 1996) fessores sobre o processo reflexivo desenvolvido.

Sessões de "histórias de vida" 2. CRENÇAS, PRESSUPOSTOS E CONHECIMENTOS


Realização de sessões de "histórias de vida"com alunos-professores,
com o propósito de elicitar narrativas pessoais ou histórias sobre eventos Com a finalidade de apresentar e discutir as crenças e os pressupostos e
e experiências concretas de ensino e aprendizagem de línguas. Todas as conhecimentos dos alunos-professores, agrupei-os sob sete grandes catego-
sessões foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas. O uso rias: concepção de linguagem; concepções de ensino; concepções de apren-
de narrativas como fonte de dados já tem uma longa história e vem dizagem; papéis de professores e alunos; fatores que afetam a aprendiza-
sendo discutido por Agar, 1980; Connelly e Clandinin, 1990; McCracken, gem da língua estrangeira; conceito de erro, correção e avaliação na sala de
1988; Telles, 1996, entre outros. aula de LE e o livro didático no ensino de línguas estrangeiras.

Questionário 2.1 Concepções de Linguagem


Foi aplicado um questionário, com perguntas abertas, com o objetivo de Os dados sugeriram que quatro dos participantes conceituam lingua-
levantar as concepções de linguagem, de ensino e aprendizagem logo no gem como um instrumento de comunicação e transformação. Um deles

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definiu linguagem como um "princípio social" que nasce da necessidade Quatro caracterizações diferentes de linguagem foram apresenta-
de comunicação e da consciência individual na linguagem e para a lin- das: linguagem enquanto instrumento de comunicação, que reflete uma
guagem, e outro ainda como uma forma de agir no mundo, interagir com perspectiva estruturalista de linguagem (excertos 1,2,4, e 6); linguagem
ele, como instrumento de poder. Os excertos abaixo foram retirados do enquanto instrumento que provoca transformações, fruto de uma visão
questionário respondido pelos alunos: funcional (excertos 1, 2 e 6) ; linguagem como produto da interação
social, reflexo de uma concepção sociointeracional (1 e 6) e linguagem
l-Eu vejo a linguagem como um instrumento de comunica- enquanto prática social e instrumento de poder, reflexo de uma perspec-
ção, é uma maneira de agir no mundo e interagir com ele. tiva discursiva (excertos 1 e 3).
Além do papel comunicativo que exerce, a linguagem desta-
ca-se por seu poder persuasivo, pelo papel dominador que 2.2 Concepções de Ensino
exerce dentro da sociedade. (questionário-K) Três dos participantes demonstraram ter uma concepção bastante tra-
dicional de ensino, conceituando-o como transmissão de conhecimento,
2-Linguagem para mim é qualquer ato ou situação que esta- uma visão bancária, como referida por Freire (1970). Os demais já apre-
belece comunicação entre duas ou mais pessoas e de alguma sentaram visões mais contemporâneas: colocar o aluno em contato com
forma traz transformação. (questionário-J) conteúdos relevantes em um processo crítico e reflexivo; como mais um
tipo de relacionamento humano nos quais aspectos psicológicos devem ser
3-A minha visão atual sobre a linguagem é a de que ela é um considerados e como uma tentativa de melhorar e sistematizar o conheci-
princípio social. Acredito que o surgimento de uma consciên- mento individual, o que pode ser visto nos fragmentos a seguir:
cia social, de uma vivência em comunidade e do significado
da palavra "humanidade "apenas foi possível com a existên- l-Ensino é transmissão de conhecimentos e habilidades. (ques-
cia da linguagem. (questionário-M) tionário-AM)
4-A linguagem para mim constitui-se em toda e qualquer for- 2-0 ensino é fundamentalmente mais um tipo de relaciona-
ma de comunicação que é entendida por outras pessoa. (ques- mento entre os seres humanos. Dessa forma, o ensino está
tionário-A) sujeito a toda uma variedade de fatores e interferências que
ocorrem com freqüência nos relacionamentos pessoais, fami-
5-Linguagem é qualquer meio/sistema, convencionado por liares, entre amigo: etc. (questionário-M)
uma comunidade, pelo qual os indivíduos podem se relacio-
nar, adquirir e transmitir conhecimentos conquistando, as- 3-Ensino é uma tentativa de aperfeiçoar e sistematizar um
sim, objetivos somuns e individuais. (questionário-AM) conhecimento individual, dando a ele dimensões mais amplas,
socialmente aceitas. (questionário-S)
6-Entendo como linguagem o mecanismo de comunicação,
tanto dos homens quanto dos animais, socialmente sistemati- -t-Ensinar é levar o indivíduo a adquirir determinado conhe-
zado. Em se tratando de linguagem humana, a linguagem não cimento de maneira crítica e reflexiva. (questionário-K)
é apenas herdada biologicamente.mas é continuamente aper-
feiçoada para atender o desenvolvimento social e intelectual S-Ensinar é transmitir conhecimento. Não somente o conhe-
do homem. Ela não é apenas instrumento de comunicação, cimento sistematizado da escola, mas o conhecimento indivi-
mas também de transformação. (questionário-S) dual que um pai, uma mãe transmitem ao seu filho. Minha
avó, por exemplo, não sabia ler e escrever, e no entanto me
Observa-se pelas considerações acima que os aprendizes revelam, ensinou muitas coisas. (questionário-A)
em seu discurso, influências das teorias sobre linguagem com as quais já
tiveram contato no curso de Letras, provavelmente em aulas de Lingüís- 6- Ensino é lima transmissão de conhecimento que o receptor
tica: teorias estruturalistas, funcionais, sociointeracionais e discursivas. tem direito de receba (questionário-I)

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~=--~---------------_.- , J
Enquan~o que no primeiro, quinto e sexto excertos nos deparamos de "aderente ". "magnético ". que "grude" nas estruturas sicolo-
forma explícita com a definição de ensino como transmissão de conheci- gicas dos alunos. Não há aprendizado se o professor não tem
mento, no terceiro e no quarto, muito embora encontremos referências à o aluno no primeiro plano desse processo. (questionário-M)
dimensão social do conhecimento e à aquisição de forma crítica e refle-
xiva, ainda assim detectamos o papel ativo e principal do professor ex- 6- ... a gente não aprende apenas com os livros e professores,
presso pela escolha lexical "tentativa de aperfeiçoar e sistematizar" e mas com o dia-a-dia, a vida, as coisas. A aprendizagem acon-
"levar o indivíduo a adquirir", e a ausência de uma visão de ensino como tece a todo instante. (questionário-A)
construção de conhecimento na interação professor-aluno, ou aluno-alu-
n~. No segundo fragmento, por outro lado, percebemos uma preocupa- Em todas as definições de aprendizagem trazidas pelos alunos profes-
çao com os aspe~tos psicológicos na aprendizagem, o que é contempla- sores nos questionários, podemos depreender a idéia de que adquirimos,
do pela perspectiva humanista de ensino. absorvemos e controlamos conhecimentos, o que indica que o conheci-
mento é visto de uma forma estática, como algo acabado e pronto. Não
2.2 Concepções de Aprendizagem parece haver, da parte dos aprendizes, a clareza de que o conhecimento é
.No que diz respeito à aprendizagem, todcs os alunos-professores de- construído e que cada indivíduo, por meio dos seus conhecimentos prévios,
finiram-na como aquisição, assimilação ou absorção de novo conheci- pressupostos e mesmo crenças, o constrói de uma forma particular.
mento. T:ês dele~ mencionaram conhecimento e experiências aos quais
o conhecimento ~ ancorado para que a aprendizagem aconteça, sugerin- 2.3 O que é ser um bom professor de línguas
do uma perspe~tlva cogrutivista de aprendizagem (excertos 2, 3, 4 e 5). Ao analisar a caracterização que os alunos-professores fizeram do bom
Um deles definiu aprendizagem como controle do conhecimento social- professor de línguas, as seguintes categorias foram mais recorrentes: alta-
mente aceito( excerto 4), conforme os excertos abaixo demonstram: mente proficiente na língua, capaz de usar uma boa metodologia, consci-
ente da realidade e dificuldades do aluno; capaz de usar estratégias ade-
l-Aprendizagem
. é aquisição, por parte de um indivíduo , de quadas para o ensino; bem sucedido no ensino da fala e da escrita; refle-
novas informações, as quais poderão ser utilizadas direta ou xivo, consciente e crítico, capaz de ensinar cultura e as diferentes formas
indiretamente por ele ao longo de sua vida.(questionário-AM) de conhecimento. Os seguintes fragmentos comprovam tal visão:

2-1prendizagem é absorção de um novo conhecimento que l-Há três anos eu diria que seria o professor que domina o
vm, acrr:scentar algo de novo ou transformar um pensamento idioma e torna a aula interessante e produtiva. Hoje eu diria
pre-extstente, causando assim um crescimento do indivíduo que esse "saber" (gramatical e lingüistico) é obrigação de
que o recebe. (questionário-I) qualquer professor, mas o que o tornaria verdadeiramente
eficiente seria o modo dele trabalhar. (questionário-A)
3-Aprendizagem só acontece quando o conhecimento é assi-
milado pelo aluno. O aluno só aprende quando o conheci- 2-É respeitar as dificuldades dos alunos, usando estratégias
mento passa por suas experiências, ou seja, se torna subjeti- para fazê-los perceber as barreiras e sobrepujá-Ias, de modo
vo. (questionário- K) a não deixar que a aula se torne enfadonha e ser flexível no
que tange ao planejamento de sua aula. (questionário-I)
4-Quando nós temos o controle do conhecimento socialmente 3-Ser um professor eficiente não é ter uma visão técnica e
aceito, nós controlamos as regras e compreendemos suas ra- limitada de linguagem, mas ter a noção de que ao ensinar
zões, nós aprendemos. (questionário-S) uma língua estrangeira, ensina-se também cultura e diferen-
tes formas de comportamento. (questionário-K)
5- Aprendizagem é o contato com um conhecimento novo e
que estabeleça uma ligação direta coma realidade do aluno 4-Acredito que ser um professor eficiente de língua estran-
O aprendizado precisa basear-se em um sentido que seja geira é, primeiramente, ter uma consciência clara dos benefi-

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, ,
cios e preJui~os do ensino de sua matéria (inglês, 2-0 professor deve direcionar os alunos para os objetivos da
espanhol,frances etc) no contexto social brasileiro .. O profes-
aula sem deixar de considerar os alunos em si, suas dúvidas
sor eficiente de LE tem que ser como uma imensa bolha cons-
e dlfzculdade. O aluno deve estar disposto a enfrentar as difi-
ciente, alerta e com olhos bem abertos às individualidades
culdades de aprendizagem. (questionário-J)
dos alunos (os problemas, as limitações, os potenciais especí-
ficos ~~ cada um ~ele5). Enfim, o professor deve ser reflexi- 3-0 papel do aluno não é somente participar na sala de aula,
vo, critico e consciente ... (questionário-M)
mas também refletir sobre o que foi ensinado e buscar outras
fontes de conhecimento. (questionário-K)
5,-É conseguir q:,e os alunos tenham um bom desempenho na
lingua estrangeira escrita e falada.( questionário-AM)
4-0 aluno deve ser um agente ativo, crítico e colaborativo. Ele
pode até criticar aspectos com os quais discorda '. En:r~tanto
6-...é o que sabe trabalhar com todos os mecanismos eficien-
deve haver diálogo entre professor e alunos. (questionário-F)
tes para a aquisição e, acima de tudo, reconhece no aluno
quais desses mecanismos contribuem para sua aprendizagem.
(questionário-S) 5- Transmitir os conhecimentos lingidsticos e criar um ambien-
te em que o aluno se sinta livre para falar e questionar o que
para ele não ficou claro, sem que haja constrangimento~ para
Nota-se, pelas categorias ac.ima mencionadas e pelos excertos apresen-
nenhuma das partes (professor/aluno). Quanto ao aluno, e pres-
tados,. que ha uma grand~ valonzação da metodologia do professor e de sua
tar atenção ao que o professor expõe, anotar vocabulário e ex-
capacidade d~ ser reflexivo, consciente e critico, tanto em relação ao aluno
pressões novas e tirar dúvidas sobre pronúncia, ~'SO~ ~e qual-
e ~ua apr,endlzagem, quanto ao seu próprio desempenho (excertos 2,4, 6).
quer outra informação não compreendida. (questionário-Alvl)
Ha também, no depoimento de um dos alunos-professores, a ênfase ao en-
S1l10da cultura e de diferentes formas de comportamento(excerto 3).Obser-
6-0 professor tem o papel de "mediador" entre duas culturas
va-se, no entanto, ~~e para A,_ a proficiência do professor é "obrigação de
diferentes, mas que precisam dialogar, a fim de que o aluno
qualquer professor . Esta visao dos alw10s-professores vêm ao encontro
aprenda. Por outro lado, o aluno não possui só o papel de re-
da caractenzaçã? de conhecimento do professor apresentada por Woods
ceptor mas de ...acho que ele troca informações, r.ece~~ e pro-
(1996), ao ref~nr~se ,ao conhecimento do conteúdo a ser ensinado pelo
duz, e até de mediador com outros colegas. (questionário-A)
professor (a propna lmgua) e ao conhecimento metodológico.

É interessante observar que, ao defmir os papéis de professores e alunos,


2.4 Papéis de prôfessor e aluno
os alunos-professores revelam, em seu discurso, uma ~ostura conte:uporâ-
. ~icou e,~idenciado nos dad?s que, para os alunos-professores, os prin- nea, o que vem contrastar com as concepções de ensmo e aprendizagem
CIpaIS papeis do professor de línguas são: mediador da cultura colabora-
anteriormente apresentadas. Pode-se atribuir este fato à influência da. pró-
do~', motivad?r, instrutor das estruturas, condutor dos aluno; rumo aos
pria vivência dos alunos professores nas aulas de línguas na .universidade,
objetivos da lição, responsável por um filtro afetivo propício para a apren-
que são orientadas pela abordagem comunicativa. E mais. fácil para os alu-
dizagern e preocupado com as necessidades e desempenhos dos alunos.
nos professores definirem papéis, algo concreto, que teonas.
Por outro lado, elesreglstraralll os seguintes papéis de aluno: interagen-
te, meciJad?r, partICIpante, ret1exivo, pesquisador, corajoso para enfren-
2.5 Fatores que influenciam a aprendizagem de línguas
tar sua~ dificuldades atento, curioso, crítico e colaborador. Os fragmen-
Para o levantamento das perspectivas dos alunos professores sobre
tos abaixo excmplificam tais colocações:
os fatores que influenciam o processo de ensino e aprendizagem de lín-
guas, foram tanto considerados os questionários quanto os resultados do
J -O professor deve ser reflexivo, crítico e consciente ...o aluno
inventário de crenças aplicado.
tem de adquirir 1/111 papel de agente reflexivo, critico e colabo-
rativo, (questiollúrio-M) De início, os participantes posicionaram-se sobre a melhorforrna d~
aprender uma língua estrangeira: quando o aluno gosta da hngua e e

140
141

-J
motivado; quando há um clima afetivo propício; quando os aspectos en- pação e envolvimento do aluno, relação do conteúdo com a realidade e
sinados são relevantes para os alunos; quando o professor tem uma abor- necessidade do aluno, clima afetivo, motivação, relação professor-aluno
dagem comunicativa; quando o conhecimento é sistematizado e a trans- e conhecimento do professor, conforme indicam os excertos a seguir:
missão ocorre de uma forma espontânea e natural:
l-O fator humano e afetivo são os principais. Sem um relaci-
l-Eu passei a gostar de inglês quando saí do curso audiolin- onamento adequado não há aprendizagem. (questionário-M)
gual e comecei um comunicativo ...Se a língua não é necessá-
ria para a sobrevivência (como quando você está no exterior) 2-Motivaçiio, atividades que façam o aluno perceber a utili-
aprende-se melhor qual/do se gosta. (questionário-A) dade da língua, trabalho reflexivo sobre a aprendizagem do
aluno e suas expectativas. (questionário-K)
2-0 ~ipo de relacionamento instaurado no interior do grupo
(professor-aluno, aluno-aluno). Em seguida, o conhecimento 3-Um dos fatores principais é o interesse do alunos em adqui-
sólido (mas que será sempre insuficiente se o professor de LE rir uma nova língua. (questionário-S)
não for um nativo) da língua que se ensina. Também acho
que a participaçiio ativa e crítica do aluno é preponderante, 4-0 material, o professor e o aluno.(questionário, A)
pois ele também é actante. (questionário-M)
S-Seriam o interesse (profissional, e emocional) e dedicação
3-Di(erentemente da nossa língua-mãe, uma língua estran- (disponibilidade e organização de tempo) do aluno. Além do
geira não pertence ao nosso dia-a-dia e, dessa forma, sua incentivo do professor. (questionário-AM)
aquisição não acontece de um forma inconsciente, mas de
forma sistematizada. (questionário-S) ô-Motivação, material didático, professor e boa vontade do
aluno. (questionário-J)
4-Por meio de métodos auto-didáticos ou imersão do "não
[alante'íem uma comunidade de nativos dessa língua. Em to- Os dados apresentados no inventário de crenças trouxeram algumas
dos os casos a aprendizagem se dá á mediria que o estudante informações relevantes para a compreensão desses fatores. Percebe-
vai absorver as estruturas, o léxico, a entonação ete. Obvia- se, por meio de alguns de seus resultados, que os alunos-professores
mente há variações de acordo com o interesse do aprendiz e compartilham de uma perspectiva ainda tradicional de ensino, pois con-
com o método eLeensino utilizado. (questionário-AM) cordaram com afirmaçôes como: é importante falar uma língua estran-
geira com uma excelente pronúncia; é importante repetir e praticar mui-
5- Primeiramente ela é aprendida a partir de uma motivação, to para aprender uma língua estrangeira; aprender uma língua estrangei-
de um objetivo. Depois, o contato com a lingua estrangeira .. ra é adquirir um novo hábito lingüístico; é importante praticar com fitas
C questionário-I) de áudio e de vídeo, procedimentos compatíveis com a abordagem tradi-
cional, mais especificamente com o método audiolingual.
6-. Uma língua estrangeira é aprendida quando trazida para Por outro lado, ao assinalarem sua concordância com itens relacio-
o mundo real, ou seja, quando usada dentro de contextos que nados à proposição: "o aluno aprende melhor se ele ou se o profes-
são necessários no "dia-a-dia ", que são necessários à sobre- SOL .... ", demonstraram compatibilidade com uma perspectiva contem-
vivência, quando trata de temas que estão presentes em nos- porânea de ensino-aprendizagem: o aluno aprende melhor se: está en-
sas vidas. Caso contrário, será algo desconectado do mundo volvido na interação e negociação de significados; estuda vocabulário
e, portanto, não necessário. (questionário- K) de forma contextualizada; investe em seu próprio desenvolvimento,
ouvindo música, vendo filmes, lendo jornais e revistas, navegando pela
Com relação aos fatores que afetam a aprendizagem, os participan- Internet; é envolvido em atividades lúdicas em sala de aula. Quatro
tes mencionaram em seus questionários: os materiais didáticos, partici- dos seis estagiários ainda mostraram concordância com: se engaja no

142 143

, I
discurso oral e escrito na sala de aula e tem uma participação ativa em 5- Erros fazem parte do processo de aprendizagem. A corre-
classe. ção é necessária para que eles não sejam assimilados por
Com relação ao item: "o aluno aprende melhor se o professor ..", todos outros alunos, que tendem a repetir o que o colega diz Creio
os alunos-professores assinalaram: sabe como ensinar; é eficiente em cri- que o problema do erro e da correção é mais complexo no
ar boas estratégias de aprendizagem; mistura o livro didático com outros que diz respeito à linguagem ora!. .. (questionário-S)
recursos; faz uso de recursos audiovisuais; cria uma atmosfera de alta
motivação e baixa ansiedade. Cinco assinalaram: faz uso de música como 6-Em relação à questão do erro, vejo este como algo impor-
recurso didático, e quatro, fala a língua estrangeira o tempo todo. tante para o professor, pois é por meio do erro que o profes-
Como pode-se perceber, os alunos-professores ainda não tiveram sor toma conhecimentos das dificuldades do aluno. (questio-
contato com teorias de ensino-aprendizagem de línguas; assinalam aqui- nário-K)
lo que Ihes parece mais favorável, tomando por parâmetro suas experi-
ências prévias como alunos e até mesmo como professores de línguas. Duas afirmações sobre erros e correção, incluídos no inventário de
crenças.vêm confirmar as perspectivas acima, por meio de sua rejeição:
2.7 Erro, correção e avaliação em língua estrangeira cinco dos seis alunos rejeitaram as afirmações: você não deve falar uma
Todos os participantes vêem o erro como parte do processo de ensi- língua estrangeira até que possa falá-Ia fluentemente e se professor aceitar
no e aprendizagem de línguas, como algo natural por meio do qual pro- os erros de alunos iniciantes, será difícil para eles falarem a língua corre-
fessores e alunos se conscientizam das dificuldades e problemas de apren- tamente no futuro.
dizagem. Vêem sua correção como necessária, mas que deve ser feita No que diz respeito às concepções de avaliação dos participantes,
de forma cuidadosa e produtiva. Os fragmentos dos questionários a se- três deles a entendem como um processo, dois, como verificação de
guir poderão confirmar tais observações: conteúdo e um, como emissão de um conceito. Os excertos a seguir,
confirmam tais perspectivas:
1- Os erros e as correções são necessários e indispensáves
(questionário-M) 1- Avaliar não é julgar o resultado da aprendizagem, mas o
processo todo que leva a tal resultado. (questionário-Ka)
2- Os erros dos alunos não devem ser só corrigidos, mas tam-
bém comentados (o professor não deveria só ensinar a forma 2- Avaliar é descobrir se o aluno refletiu sobre o que foi trans-
adequada mas deveria explicar porque o erro ocorreut para mitido e transformou-o (questionário-J)
que o aluno não se sinta humilhado e inibido. O erro deveria
abrir uma discussão para que os alunos pudessem aprender. 3- Avaliar não é testar o conhecimento do aluno mas seu
(questionário-AM) desempenho em sala de aula. (questionário-So)

3- O aluno deve errar para ter a oportunidade de aprender a 4- Estou tentando me convencer que avaliar não é apontar
maneira certa ... (questionário-A) erros, mas propor soluções e alternativas. O professor deve
avaliar o aluno pela quantidade ou dimensão das alternati-
4- O erro demonstra uma tentativa de acerto que não foi bem vas que fazem falta ao aluno, e não pela proporção de erros
sucedida e um importante corpus de pesquisa para o profes- que ele acumula. Entretanto, pela própria lógica, avaliar ain-
sor atento.Em alguns casos pode ser corrigido logo após ser da é emitir um "conceito". (questionário-M)
cometido, dependendo da classe, da atividade, dos alunos e
do hOIl1 senso. Porém, é melhor que se trabalhe os erros em 5- ..Avaliar é aula-a-aula, a competência lingüística do aluno
momentos ~osteriores, sem anunciar quem os cometeu, foca- na aula, a participação ...sei lá. Avaliar acaba se tornando
lizando a falha de ensino/aprendizagem que eles carregam subjetivo, às vezes. (questionário-A)
consigo. (questionário-J)

144 , 145
6 -É saber o quanto o aluno aprendeu daquilo que o professor deve haver tempo num curso de línguas para que o professor
tentou ensinar. Avaliar consiste em uma tarefa difícil já que inclua outras atividades Quando o livro não deixa espaço
os alunos expressam o que aprenderam de diferentes formas. para que o professor faça uma atividade diferente as aulas
Assim, deveria haver diferentes tipos de instrumento para que acabam ficando monótonas. (questionário-A).
o professor chegasse a um resultado mais completo sobre a
situação real do aluno. (questionário- AM) 5- Acho ótimo. Não que O professor deva prender-se somente
ao livro didático, mas, como aluna, me sinto mais segura ao
Ao examinarmos as visões sobre erro, correção e avaliação, percebe- ter em mãos os conteúdos sistematizados, dando uma certa
mos uma mistura de concepções tradicionais (avaliação como verficação, ordem e progressão. (questionário-AM)
atribuição de conceitos) e concepções contemporâneas (visão positiva do
erro; correção necessária, porém com respeito aos aspectos afetivos; ava- 6-Eu acho que a adoção de livro didático em cursos de lín-
liação enquanto processo). A presença de perspectivas diferentes pode guas serve como ponto de apoio para o aluno e para o profes-
ser justificada pela própria percepção dos alunos a tais fatos em sala de sor, pois por meio do livro, aluno e professor ficam melhor
aula, ou a experiências como docentes em instituições de ensino particula- situados em relação àquilo que está sendo tema de discussão.
res, uma vez que a questão da avaliação não havia sido ainda foco das No entanto, sou extremamente contra a utilização do livro di-
disciplinas acadêmicas pelas quais os alunos haviam passado. dático como material primordial, pois o professor deve ter
sempre em mãos uma grande diversidade de materiais que o
2.6 O livro didático no ensino de línguas auxiliem, pois somente assim, aula será estimulante e surtirá
seus efeitos. (questionário-K)
Todos os participantes declararam que o uso do livro didático em
aulas de língua estrangeira é necessário e importante, mas deve ser com- 3. AS ORIGENS
p\ementado por outras fontes. Um deles acredita que o livro ajuda a
sistematizar o conhecimento lingüístico, enquanto outro acredita que o Mapear com exatidão as origens das crenças, pressupostos e conhe-
mesmo auxilia na construção de um processo de ensino coerente: cimentos trazidos pelos alunos-professores é uma tarefa difícil senão
impossível. Tudo o que pode ser feito é levantar hipóteses baseadas nos
1- Um livro didático pode ser Uni guia excelente para a prática fatos e reflexões das histórias de vida de cada um para ter uma visão
do professor. Mas, é claro. professores devem usar' um LD mas dessas origens. Foi o que se tentou realizar com os dados obtidos das
complementar s..eutrabalho com outras fontes. (questionário-M) autobiografias e das sessões de histórias de vida realizadas pelos e com
os professores e será apresentado de forma breve neste artigo. Uma
análise detalhada de tais registros geraria um ou mais trabalhos.
I
2- Eu acho que é excelente. Eu não sei se o professor deve
limitar seu trabalho ao livro didático, mas como aluno, eu me A análise evidenciou que os seis participantes trazem boas e más
sinto seguro ter em mãos um livro com o conhecimento sistema- lembranças de sua vida escolar em escolas públicas de ensino funda- I
tizado seguindo uma certa ordem e progresso. (questionário-S) mental e médio, onde tiveram os melhores e piores exemplos de profes-
sores. A partir desses exemplos eles provavelmente construíram parte \I
3- Eu acho que usar um livro didático é excelente, mas não da imagem de bom professor que têm hoje: uma pessoa justa, delicada,
pode limitar a liberdade do professor. Outras atividades de- com bom nível de conhecimento, que é preocupado com as individualida-
vem ser incluídas também. Quando os professores limitam seu des e necessidades dos alunos, que estimula críticas e talentos. A ima- \I
trabalho ao livro didático, suas aulas tomam-se monótonas. gem que eles parecerem ter trazido dos professores de inglês da escola
(questionário-I) secundária pública e privada (dois dos alunos-professores passaram al-
guns anos em escolas particulares) era bastante negativa: não tinham
onsto.
4- ;/ clto () livro didático Mas não deve impedir que o proficiência na língua estrangeira, suas aulas eram monótonas e pouco
professor tenha liberdade. O livro didático deve ter brechas e interesssantes e eles apenas ensinavam gramática e tradução. Esta opi-

146 147
i
I,
nião foi também trazida no inventário de crenças, onde eles todos discor- mais conscientes na interação com as teorias acadêmicas a que foram
daram das afirmações: Aprende-se inglês na escola pública e Aprende- expostos e na construção de suas práticas. Apresento, a seguir, alguns
se inglês em escolas privadas de primeiro e segundo graus. excertos dos relatórios finais dos alunos, em que avaliam o processo
_ Conscientes da necessidade de aprender inglês e acreditando que reflexivo pelo qual passaram:
nao tinham condições de aprendê-Ia nas escolas de nível fundamental e
médio, todos os alunos-professores freqüentaram escolas particulares As reflexões e o contato com teóricos da Lingüística Aplicada
de línguas, onde puderam entrar em contato com novas formas de estu- foram essenciais para uma tomada de consciência muito sig-
dar inglês: classes pouco numerosas, recursos audiovisuais, metodologi- nificante sobre conceitos de linguagem, ensino, aprendizado,
as audiovisuais ou comunicativas, professores fluentes, livros importa- papel do professor, papel do aluno e outros elementos que
dos colondos etc. De acordo com suas impressões, este contraste os fez compõem a prática pedagógica, A partir delas, as crenças
refletir sobre os melhores caminhos para aprender e ensinar uma língua verificadas no questionário, inventário de crenças e autobio-
estrangeira, e isto sugere que tal experiência foi importante para a cons- grafia foram paulatinamente modificadas. Tanto que a ela-
trução do seu presente conhecimento. boração do presente relatório, com todo o trabalho de análi-
De acordo com seus relatos, eles foram alunos aplicados no ensino se dos dados, proporcionou uma certa surpresa à orientan-
fundamental e médio e adoravam literatura e gramática, o que espera- da, que não esperava encontrar diferenças tão marcantes entre
vam ser o foco do curso de Letras. Eles enfatizaram o quanto ficaram os dados iniciais e finais da pesquisa. (relatório final de AM)
surpresos ao verificar que a gramática não seria o foco principal do
curso de línguas na universidade, uma vez que seus professores adota- Neste primeiro fragmento do relatório de Am podemos verificar a
vam uma abordagem comunicativa para ensinar. Durante seus dois pri- importância que ela atribui ao processo de reflexão desenvolvido por
meiros anos na universidade, foram expostos a esta abordagem de ensi- meio dos instrumentos utilizados para a revelação e desenvolvimento de
no em que diferentes estratégias, materiais, recursos em áudio e vídeo suas crenças. Deixa implícito em seu discurso que tal reflexão proporci-
eram utilizados Além disso, eles tiveram a oportunidade de experienciar onou a consciência de como conceituava os elementos que compõem-a
os papéis de professor e alunos em atividades em pares e grupos. De prática pedagógica no início do processo de formação e como os concei-
acordo com seus discursos, esses dois anos foram extremamente impor- tuava ao final do curso de formação.
tantes para a construção de suas presentes visões de linguagem, ensino Também no excerto extraído do relatório de A, verifica-se o reconhe-
e aprendizagem de línguas, as quais foram construídas por meio de suas cimento da importância da prática reflexiva para a tomada de consciên-
experiências e muito pouco contato com teorias. cia das crenças. Observa-se, inclusive, que a aluna-professora busca
Considerando a'S'concepções dos alunos professores e os fatos de recuperar as origens dessas crenças em suas experiências familiares e
suas vidas escolares, pode-se concluir brevemente que, muito embora escolares, o que foi propiciado principalmente pelas sessões de histórias
eles tenham tido pouco ou nenhum contato com as teorias formais sobre de vida e pela autobiografia.
ensino-aprendizagem de línguas até aquele momento do curso universi-
tário, eles traziam perspectivas contemporâneas das mesmas, o que pa- Conclui-se, parcialmente, levando-se em consideração os da-
rece ter sido possível por meio do que Lortie (1975.) intitulou aprendiza- dos analisados, que o meio familiar e escolar foram prepon-
gem por meio da observação. derantes na formação das crenças da aluna, principalmente
a instituição pública de ensino. Tais crenças foram sendo
4. A'PERSPECTIVA DOS ALUNOS-PROFESSORES SOBRE O modificadas, primeiro com a escola de idiomas e depois, de
PROCESSO DE REFLEXÃO maneira mais decisiva, com a entrada na universidade. Mes-
mo modificadas, o inventário de crenças da aluna demonstra
O exercício da reflexão sobre esses conhecimentos e suas origens, que estas não desapareceram completamente, e que por de-
por meio da utilização dos instrumentos já descritos, foi visto de forma trás do discurso aparentemente coerente com uma aborda-
bastante positiva pelos participantes, o que os auxiliou nas etapas poste- gem comunicativa de ensino, subjazem preconceitos e resquí-
nores do curso de Lingüística Aplicada e Prática de Ensino, tomando-os cios de um ensino tradicional ... A reflexão foi imprescindível

148 149
para que a aluna detectasse suas crenças e se dispusesse a Ao longo do estágio, O aluno adquiriu outra consciência: ele
modificá-Ias. (relatório final de A) priorizava os aspectos mais comunicativos da língua e novas
experiências lingüísticas, destacando os aspectos de maior
A mesma posição sobre a importância da reflexão pode ser encon- interação entre os indivíduos em sala de aula e a noção de
trada no excerto extraído do relatório de S. Além de mostrar que o pro- conhecimento enquanto dinâmico.
cesso reflexivo levou-a às origens de suas concepções, afirma que tais Conforme dados da autobiografia, o aluno abandonou uma
crenças são passíveis de modificação por meio do contato com as teori- atitude inicial de apenas absorver o conteúdo teórico para
as, desde que permeadas por um processo reflexivo. refletir sobre sua aprendizagem e prática docente. Se, en-
quanto fator mais importante para sua formação, absorver
Com base nos dados acima chego à conclusão que a abordagem conteúdos foi substituído por processos reflexivos ...As re-
de ensino do professor manifesta-se a partir de suas crenças e flexões do estágio, portanto, permitiram explicitar essas
na sua concepção de ensinar e aprender uma língua estrangei- transformações, tornando-as mais explícitas para o a/uno-
ra. Como ocorreu comigo, verifica-se que essas crenças são oriun- estagiário. (relatório de M)
das do contato com professores, desde o início da alfabetização,
e dos métodos de ensino utilizados por eles, podem ser modifica- Finalmente, a aluna-professora J registra em seu relatório a explicitação
das com a leitura de teorias sobre ensino e aprendizagem, des- e transformação de suas crenças, o que foi propiciado pelo processo reflexi-
de que essa leitura seja seguida de uma reflexão crítica, e não vo no qual se envolveu. Salienta ser papel do curso de Letras criar condições
apenas assimilação do conteúdo .... (relatório final de S) para que o futuro professor possa refletir sobre suas próprias concepções e
transformá-Ias, se julgar necessário, conforme o excerto a seguir demonstra:
Também K, uma das alunas-professoras que já atua na profissão,
salienta o efeito do processo reflexivo na sua prática profissional, salien- Durante todo o período de encontro permeado por conversas
tando que a consciência das crenças toma o professor coerente e não e reflexões, conclui-se que ao ingressar na universidade, a ori-
dogmático: entanda possuía algumas crenças que foram transformadas com
o decorrer do curso ....Outro ponto importante a ser observado
Além de ter refletido sobre minhas crenças e modificado mui- é que durante o estágio desenvolvido foi proporcionado aos
tas delas, posso dizer que, atualmente, me sinto mais segura e alunos participantes a oportunidade de se verificar a impor-
preparada para exercer minha profissão na medida em que tância da reflexão na vida do profissional da educação, ponto
consigo explicaj minhas escolhas e suas conseqüências. As- este que será levado por toda vida profissional, pois, ao in-
sim fica explícita a importância de estudar as crenças: esse gressar na universidade, o estudante carrega consigo um idéia
conhecimento faz o docente um profissional coerente que sabe geral-cultural de ensino e aprendizagem que o influencia como
explicar o porquê de suas atitudes e se distancia largamente aluno e o influenciará como professor, cabendo ao curso de
de um mestre "dogmático "(relatório de K) Letras a tarefa de fazê-lo refletir em suas concepções, dando-
lhe assim a oportunidade de transformar sua atuação e conse-
o aluno-professor M, ao analisar o processo pelo qual passou duran- qüentemente trazer um melhor aproveitamento para este indiví-
te a pesquisa, aponta para as modificações pelas quais passou: duo como professor e comoluno. (relatório da J)

Antes da pesquisa, o aluno (1\1) acreditava em uma necessida- CONSIDERAÇÕES FINAIS


de crescente de sistematização da língua estrangeira em sala
de aula, demonstrando uma preocupação com fatores mais Este artigo buscou, por meio da apresentação de resultados de traba-
estruturais da língua e também com os procedimentos meto- lho desenvolvido junto a professores de língua estrangeira em formação
do lógicos, os quais deveria obedecer a uma organização bas- inicial, demonstrar a importância de oportunizar a tomada de consciência
tante estreita e pouco [Icxivel. de crenças, pressupostos e conhecimentos trazidos por alunos-professo-

150 151
res OU professores aos cursos de formação, como ponto de partida para , i,-;1
a construção de novos conhecimentos sobre as teorias e práticas peda-
gógicas. O trabalho aqui relatado muito contribuiu para que os professo-
res em formação pudessem interagir de forma consciente e crítica com
as teorias e práticas a que foram expostos e construir de forma crítica
suas próprias teorias de ensino.

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