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Psicologia Escolar e Educacional, 2002 Volume 6 Número 2 155-165

FACILITARAAPRENDIZAGEM:AJUDAR OSALUNOSAAPRENDER EA PENSAR


Leandro S. Almeida1

Resumo
Teorias recentes da aprendizagem salientam o papel ativo do aluno e, logicamente, a sua capacitação prévia para assumir essa responsabilidade.
Assumindo aprender como construir conhecimento estável e com significado pessoal, importa, então, que a escola e o professor estejam capazes
de desenvolver nos alunos capacidades, atitudes e comportamentos de maior autonomia na regulação dos seus comportamentos escolares. Tal
regulação, por um lado, pressupõe o autoconhecimento dos alunos em termos das suas características e capacidades, e por outro, uma análise atenta
das especificidades de cada tarefa escolar a realizar. Os programas de treino cognitivo e de desenvolvimento de estratégias de estudo ou de
aprendizagem, na sua grande maioria fundamentados nos autores da psicologia educacional, são hoje assumidos como ferramentas de ação tendo em
vista aqueles objetivos. A formação dos professores e a entrada mais sistemática dos psicólogos nas escolas emergem, então, como requisitos para
uma escola de sucesso para todos ou a generalidade dos alunos.
Palavras-chave: Aprendizagem; cognição; sucesso escolar; treino cognitivo.

TO FACILITATE THE LEARNING: HELPING THE STUDENTS TO LEARN AND TO THINK


Abstract
Recent learning theories point out active student’s role and, logically, his previous training for assuming this responsability. Assuming learning
as stable and personal meaning knowledge, it is important that school and teachers develop capacities, attitudes and behaviours of higher autonomy
and self-regulation in the students. Such regulation presupposes, on one side, students’ self-knowledge in terms of personal characteristics and
capacities, and in the other side an attentive analysis of the specificities of each school task. Cognitive training and learning strategies development
programs, most of them based in Educational Psychology theories, are assumed today as instruments to attend these objectives. In order to have
a successful school to all or for the generality of students, the teachers’ training and the existence of psychologists in the schools are the most
important requirements.
Key words: Learning; cognition; school success; cognitive training.

INTRODUÇÃO
Várias funções sociais são usualmente atribuídas à de atitudes e competências, integração social), funções
escola. Embora tais funções não assumam estatuto de de custódia (suporte a uma família de número reduzido
exclusividade, certo que a presença e a importância de de elementos na qual ambos os pais trabalham, controle
cada uma delas varia no tempo e no espaço, sobretudo social), funções de certificação (empresas e outras ins-
em função do modelo educativo de cada país. Tais fun- tituições tomam os créditos, diplomas e certificados es-
ções, por exemplo, podem apresentar-se claramente con- colares na seleção dos seus quadros) e funções de
trastadas, indo desde as mais genuinamente ligadas ao estratificação social (toda a escolaridade, por níveis su-
desenvolvimento psicossocial dos indivíduos até as mais cessivos de exigência e de seleção, é também uma for-
ligadas à sua seriação social (Spady, 1974). Assim, po- ma de se estratificar uma sociedade).
demos falar em funções instrucionais, precisamente a A valorização excessiva da função instrucional da
imagem mais freqüente da escola por parte da socieda- escola, ou da sua dimensão curricular, tem dado origem
de e das famílias (incremento da informação dos sujei- a discursos clamando por uma escola que proporcione
tos, aquisição de conhecimentos curriculares), funções aos alunos os conhecimentos científicos e técnicos ne-
de desenvolvimento e de socialização (desenvolvimento cessários à sua integração profissional. Para Patrício

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Universidade do Minho
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(1989) a perspectiva tecnocrática da nossa sociedade, Ensinar a aprender e a pensar


ao sobrevalorizar tais saberes e fazeres técnicos no As leituras mais recentes de aprendizagem, por par-
homem, e ao colocá-los “a governar, em última instân- te da Psicologia e das ciências da Educação, definem
cia, o seu ser” (p. 115) incentiva uma escola ao serviço essa como um processo contínuo e pessoal de constru-
da produção e não a serviço do homem e da cultura. ção de conhecimento por parte do aluno (Ausubel, 1962).
Essa perspectiva tem sido responsável por um ensino Nesse sentido, o aluno joga um papel fundamental na
centrado na transmissão de saberes ou por uma apren- aprendizagem, valorizando-se a sua capacidade de ini-
dizagem reduzida à sua apreensão e memorização. ciativa e envolvimento na aprendizagem. É face a essa
Logicamente que, num ensino tão despersonalizado, gru- maior responsabilização do aluno que nós devemos ques-
pos numericamente expressivos de alunos vão sentindo tionar quanto à sua adequada preparação. A nosso ver,
a escola como compulsiva (mais que um direito), e vão a escola tem sabido mais exigir as destrezas de aten-
diminuindo a sua freqüência e a sua motivação face às ção, de raciocínio e de estudo do que, comparativamen-
dificuldades acumuladas de aprendizagem. te, criar oportunidades para a sua aquisição e treino
Mudanças e inovações são esperadas da escola. Mais (Almeida, 1993).
e melhores espaços, melhores instalações, atualizações Afirmam os teóricos mais recentes do desenvolvi-
de conteúdos, programas e manuais, melhores equipa- mento cognitivo e da aprendizagem que nada aprende-
mentos, laboratórios e material didático ou maiores ver- mos por “colagem” e tudo o que é retido por mera justa-
bas e melhor gestão, exemplificam mudanças num sis- posição, substituição ou memorização mais tarde ou mais
tema já mais preocupado com a qualidade do que com a cedo acabará por desaparecer, sem nunca ter sido devi-
quantidade. A gestão flexível do currículo é uma aposta damente integrado na estrutura do conhecimento do in-
recente dos vários sistemas educativos. Uma escola e divíduo (Elkind, 1982). Colocando em paralelo um ensi-
um currículo que tomem em conta as características e no estritamente instrucional e um ensino mobilizador do
projetos dos alunos não são preocupações de hoje. A sentido de descoberta, da atividade, dos conhecimentos
sua prossecução pressupõe a capacidade de iniciativa anteriores e das capacidades dos alunos, esse segundo
da escola e a necessária formação dos professores. apresenta claras vantagens na profundidade com que a
Como espaço de crescimento e de vida, a escola tem de informação é apreendida. Essas condições, no entanto,
saber ser, sobretudo, uma instituição pedagogicamente pressupõem alunos motivados e habilitados para um tra-
organizada e isso não se compadece com qualquer balho mais ativo na sua aprendizagem.
postura “massificante”. O seu objetivo central deve ter Entre tais habilidades ou competências importa des-
em vista a transformação e o desenvolvimento pessoal tacar o ser capaz de pensar e o ser capaz de aprender.
dos intervenientes. Isso dificilmente é conseguido numa São habilidades fundamentais ao trabalho e sucesso es-
“escola de massas” sem espaços de individualização, colar dos alunos. Por esse fato, defende-se que deve
de diferenciação, de respeito e de cooperação. Nessa haver um maior investimento, e para isso os professo-
altura, a escola estará, sobretudo, ao serviço dos res teriam de estar preparados, no treino dos alunos no
educandos e, nesse sentido, proporcionar-lhes-á tem- aprender, pensar, conhecer e resolver problemas. Soci-
pos e espaços para o seu desenvolvimento psicossocial almente existe a consciência que a escola deve, cada
e realização pessoal. vez mais, favorecer a aquisição e a destreza de tais com-
Neste texto analisamos uma das transformações que petências cognitivas. Elas são requeridas para as pró-
nos parece de urgente prossecução nas escolas: ajudar prias aprendizagens e são, ainda, o que pode restar de
os alunos a pensar e a estudar. Valorizando o papel do mais perdurável em face da curta validade temporal dos
aluno na aprendizagem, importa proporcionar-lhe os conteúdos curriculares. Mais ainda, se o insucesso na
meios para o sucesso nessa sua responsabilidade. Nem escolaridade básica desapareceu administrativamente
todas as dificuldades de aprendizagem se confinam a sob o lema de uma “escola de sucesso para todos”, im-
essa perspectiva explicativa. Mesmo assim, um número porta que os alunos saiam da escola sabendo pensar e
significativo de alunos – com classificações positivas ou ler a realidade que os cerca, capazes de assumir com
negativas – sairia beneficiado se a escola assumisse de alguma autonomia os seus direitos e deveres de cidada-
forma mais deliberada, nos seus objetivos e práticas, a nia, dominando as novas tecnologias de informação e
capacitação dos alunos para a aprendizagem. comunicação.
Facilitar a aprendizagem: Ajudar os alunos a aprender e a pensar 157
Em consonância com essas preocupações, tem-se gulares numa gravura ou não aplica uma regra conheci-
apontado à escola a tarefa de ensinar o aluno a aprender da num cálculo. Se o fracasso está na recepção, então
e a pensar. Numa lógica da sua autonomia, da sua neces- o treino deve começar pela atenção seletiva (por exem-
sidade de formação contínua, do melhor exercício da ci- plo, tentar contrariar as inferências ou suposições base-
dadania, da sua reconversão profissional futura. A apren- adas na informação já possuída ou em algumas particu-
dizagem mais básica e essencial a realizar na escola con- laridades da informação, controlar a ansiedade ou o de-
funde-se com a motivação e as ferramentas cognitivas sinteresse do sujeito face à informação em que se sente
para aprender (Almeida, 1993). Quando a escola não é pior realizador, incentivar a que não tome a parte pelo
capaz de estimular essas duas componentes básicas da todo ou que aprenda a atender ao essencial). Uma defi-
aprendizagem (motivação e cognição), dizemos que ela ciente recepção da informação conduz a um entendi-
exige do aluno aquilo que não lhe dá. O aluno que não mento deficiente e a dificuldades acrescidas na sua
aprende a aprender na escola vê-se impossibilitado de compreensão e organização, com implicações na sua
nela obter sucesso. A sua aprendizagem, em consonân- retenção e evocação posterior.
cia, é na maioria das vezes bastante debilitada, acentuan- Por seu turno, se o problema está na retenção e na
do-se as suas dificuldades com o evoluir na escolaridade: disponibilidade da informação, então deve sugerir-se o
o aluno vai funcionando de forma menos correta, treino em estratégias de memorização. Tais estratégias
estruturando tais deficiências nos seus hábitos de estudo cobrem quer a fase de retenção quer a fase de evoca-
e de aprendizagem. No Quadro 1 listamos algumas pistas ção, sugerindo uma interdependência entre ambas. Algu-
ou áreas de atuação dos professores tendo em vista es- mas pistas podem ser trabalhadas com os alunos a esse
ses objetivos educativos mais latos. propósito (por exemplo, recorrer a pistas de reconheci-
mento, ordenar a informação, seqüencializar os eventos
Quadro 1: Pistas para a atuação dos professores ou os elementos num esquema, criar mnemônicas, orga-
nizar a informação de acordo com os seus pormenores,
Treino das funções cognitivas básicas
fazer esquemas organizadores da informação).
Facilitação da integração dos conhecimentos
Finalmente, se o problema se situa na ativação e
Métodos ativos de ensino-aprendizagem
manuseio da informação possuída, então, o treino pode
Treino das competências de estudo
incidir no desenvolvimento de estratégias condizentes à
Adequação dos padrões de atribuição e expectativas
sua representação, à sua organização superior e à
integração da nova informação nas redes conceptuais e
Treino das funções cognitivas básicas de conhecimento possuídas (por exemplo, identificar
Podemos aceitar facilmente que, para aprender, o semelhanças estruturais ou mais profundas entre seg-
aluno precisa de entender, organizar, armazenar e evo- mentos ou unidades de informação, não ficar pelos co-
car a informação. São processos cognitivos básicos a nhecimentos soltos ou superficiais, buscar uma repre-
qualquer aprendizagem e realização cognitiva. Um alu- sentação sempre mais abstrata, generalizar a informa-
no com dificuldades de atenção, de permanência na ta- ção para diferentes contextos, ensaiar a aplicação des-
refa, de visualização dos pormenores numa gravura ou sa informação em áreas diversas, formar sistemas
de comparação de diferenças e semelhanças entre duas holísticos, cruzar informação de diferentes disciplinas
situações verbais ou escritas, certamente apresentará sobre um mesmo assunto). As referências a esse ter-
grandes dificuldades na captação da informação que lhe ceiro nível, e à sua importância, podem buscar-se em
é apresentada e na sua apreensão. Assumindo-se alguns estudos a propósito da organização do conheci-
aprendizagem não como mero registo de informação, mento na memória a longo prazo, por exemplo quando
mas como construção de conhecimento, certo que sem se fala em “representação do conhecimento”. Referimo-
esse registo não se avança no conhecimento. nos aos processos de superordenação, subordenação ou
Nesse sentido importa ajudar o aluno a atender, a inter-relacionamento da informação em estruturas de
percepcionar e a organizar a informação. Alguma ajuda conhecimento. Numa tarefa simples, por exemplo pedir
deve ser prestada nessa área quando o aluno apresenta aos professores que em três minutos escrevam o nome
deficiências: salta palavras num texto, não atende a um de capitais de países, podemos observar que o número
gráfico, tem dificuldade em perceber os elementos sin- e a diversidade de cidades evocadas seguem de perto

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uma dada estratégia de reconhecimento que, sendo O sistema educativo português, como provavelmen-
diferente de indivíduo para indivíduo, traduzirá, de algum te o sistema educativo em vários outros países, tem a
modo, a forma como essa informação se encontra esse propósito particulares responsabilidades. Nem sem-
organizada na sua memória a longo prazo e a estratégia pre se assume que a aprendizagem prévia é decisiva
seguida na sua evocação/reconhecimento. para as novas aprendizagens, o que não deixa de ser
grave, por um lado, e caricato, por outro, face ao con-
Facilitação da integração dos conhecimentos texto em que emerge. Não podemos esquecer que o
A “verdadeira” aprendizagem ocorre quando o su- conhecimento que o sujeito possui, e o grau com que o
jeito consegue integrar a informação que lhe chega no pode ativar nas novas aprendizagens, determina a qua-
quadro mais lato da informação que já possui. Só nessa lidade das suas novas aquisições (Siegler, 1983). O
altura podemos falar em aprendizagem como constru- processamento da informação e a construção do co-
ção de conhecimento. Sem isso, podemos estar acumu- nhecimento não se podem dar no vazio. Contudo, e in-
lando, em paralelo, informações, pormenores ou respos- felizmente, em Portugal os alunos vão transitando de
tas corretas. É uma aprendizagem assentada na justa- ano, por vezes sem os conhecimentos curriculares míni-
posição e na correção da informação (Elkind, 1982), mas mos adquiridos em determinadas matérias escolares.
porque feita em paralelo e não de forma integrada, dei- Essa transição “automática” nos deixa mais perplexos,
xa, algumas vezes, o aluno perplexo e respondendo ora ainda, quando no ano letivo seguinte esse aluno é con-
de uma forma mais completa e correta ora de uma for- frontado com manuais e conhecimentos do ano escolar
ma mais incipiente e incorreta. para que transitou. Essa situação é seguramente co-
De acordo com a teoria de processamento da infor- responsável pela carência de alunos nas áreas da
mação, a aprendizagem envolve que o sujeito integre a Matemática e das ciências nos ensinos secundário e
nova informação nos conhecimentos já possuídos, ou superior na generalidade dos países.
seja, na sua memória a longo prazo (Borkowski &
Muthukrishna, 1992). Nessa altura estamos face a uma Métodos ativos de ensino-aprendizagem
aprendizagem significativa e de tipo construtivista, na Algumas crenças generalizadas apostam na maior
qual o conhecimento anterior, mesmo quando esse co- eficácia da aprendizagem a partir do interesse e iniciati-
nhecimento prévio se apresenta como “menos” científi- va do aluno do que de tais atributos por parte do profes-
co, joga um papel importante. sor. Evidentemente que os processos de aprendizagem
Esse conhecimento anterior pode ser de ordem diver- não estão desligados dos processos de ensino
sa (Alexander & Judy, 1988). Nele se inclui o conheci- implementados pelos professores. Por isso mesmo, po-
mento declarativo ou factual, formado pelos fatos, princí- demos antecipar que aprendizagens mais profundas ou
pios ou pormenores, o conhecimento procedimental ou significativas se conseguem por meio de métodos de
estratégico, formado pelas estratégias e destrezas no li- ensino-aprendizagem que possibilitem e reforcem a ini-
dar e resolver de situações com alguma especificidade, e ciativa do aluno, o seu sentido de descoberta e uma cons-
o conhecimento condicional ou a aplicabilidade dos co- trução de conhecimento a partir da análise e resolução
nhecimentos anteriores de acordo com a natureza dos de problemas concretos.
problemas e circunstâncias. Por exemplo, analisando o Uma progressiva atenção vem sendo dada às leitu-
desempenho de bons e fracos alunos na disciplina de Física, ras construtivistas de caráter social na explicação do
Chi, Glaser e Rees (1982) observaram que enquanto os desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem. Fala-se,
bons alunos planificam a tarefa ou o problema global- então, em processos de co-construção social, muito as-
mente e auto-regulam a sua prestação, distribuindo as sentes na dinâmica e no impacto das relações
suas capacidades de atenção de acordo com as exigênci- interindividuais. Tais processos podem passar, por exem-
as da situação ou definindo uma estratégia prévia de re- plo, pela “aprendizagem cooperativa” e pelo “conflito
solução a seguir, os alunos mais fracos ficam “presos” a sociocognitivo”. Nesse último caso, fala-se em confronto
aspectos superficiais do problema e, de uma forma mais ou discussão entre companheiros com diferentes pon-
rápida, avançam para a “testagem de fórmulas” espe- tos de vista na resolução de uma tarefa, discussão essa
rando, no fim, obter um valor que lhes pareça plausível susceptível de gerar confronto de centrações pessoais
para o problema em questão. diferentes a propósito da resolução da tarefa e
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reestruturação intelectual e progresso cognitivo a nível Por sua vez, Bruner (1986) fala na participação guia-
de capa participante. No fundo, falamos em “conflito da, na qual mestre e aluno participam numa negociação
sociocognitivo” quando existe o confronto – não mera de significado compartido, ou seqüência de respostas mú-
imitação – dos sistemas individuais de organização da tuas contingentes. Partindo-se da atividade do aluno, não
realidade com os dos seus pares (Mugny & Doise, 1978). mero espectador ou receptor, os adultos podem ter uma
Alguns outros conceitos encontram-se associados ao atitude de continuar os segmentos de conduta realizados
conflito sociocognitivo. Referimo-nos, por exemplo, aos pela criança (que essa não pode realizar ou finalizar só):
conceitos de Vygotsky (1962) de “zona de desenvolvi- o adulto assume e regula a ação, aproveitando e organi-
mento próximo ou potencial” e ao conceito de “media- zando as competências não específicas da criança. Po-
dores de aprendizagem”. Este último conceito descreve deríamos falar aqui numa aprendizagem tutelar, seja feita
a natureza da interação da criança com o “outro”, par- com a ajuda do adulto ou de colegas mais experientes.
ticularmente quando adulto, enquanto o primeiro se re-
porta à interiorização progressiva e estável de novas Treino das competências de estudo
aquisições e estruturas cognitivas por parte da criança. Várias competências, para além das mencionadas
Rogoff (1986) descreve essa interação como “partici- noutros pontos atrás, podem incluir-se em programas
pação guiada” comportando cinco princípios gerais: (i) deliberadamente concebidos tendo em vista a
o adulto serve de ponte entre a informação familiar (co- capacitação dos alunos para o estudo: comportamentos
nhecida) e a nova informação que a criança necessita habituais de busca de informação complementar ou de
para resolver um novo problema, por exemplo ajuda a aprofundamento (consulta de outros livros, registros ou
criança a encontrar ligações entre o que conhece e o materiais), organização da informação (esquematização,
que é necessário para lidar com uma nova situação; (ii) seqüencialização, definição dos termos e idéias-chave),
o adulto estrutura a tarefa em subtarefas ajustando o retenção de registros (visualização repetida de anota-
ensino às necessidades do aprendiz; (iii) o adulto vai ções, listagens, códigos ou fórmulas), estruturação dos
transferindo gradualmente a responsabilidade para o alu- ambientes de trabalho (arranjo dos espaços e dos horá-
no para que esse vá assumindo maior autonomia; (iv) o rios, eliminação ou controle de distratores, definição de
aluno joga um papel ativo na sua aprendizagem; (v) o intervalos), comportamentos de busca de apoio e de es-
adulto vai guiando tacitamente, ajustando as tarefas e clarecimento nos outros (professores, pais ou colegas),
os materiais às competências e necessidades do aluno. hábitos de revisão de notas e de sistematização das
A aposta em métodos activos de aprendizagem coo- matérias na preparação dos testes (produção e consul-
perativa vai também nesse sentido, aproveitando-se as ta de pequenos textos, de notas curtas).
interações entre alunos ou díades de alunos (Coll, 1984; O objetivo é dotar o aluno de um leque diversificado
Webb, 1984). A discussão em grupo (Novack, 1985) de procedimentos que implementará de acordo com as
ajuda os alunos a identificarem lacunas nos seus conhe- características das situações e as exigências das tare-
cimentos e a entenderem como a nova informação se fas, ou seja, comportamentos auto-regulados de estudo
relaciona com conceitos mais amplos e inclusivos. (Rosário, 1999). Por exemplo, eles conhecem o que sa-
A respeito da “zona de desenvolvimento próximo”, bem e não sabem, predizem o resultado da própria rea-
Palacios (1987) menciona a “zona de desenvolvimento lização, planejam antecipadamente, geram tempo e re-
próximo percebido”, ou seja, a distância que existe en- cursos, monitoram e adaptam os seus esforços. Impor-
tre as capacidades da criança percebidas pelos adultos ta que tais competências sejam usadas em todas as áre-
num dado momento e as expectativas de capacidades as e disciplinas, o que nem sempre acontece (problema
que percepcionam na criança a curto prazo. Em sua da generalização). Algumas estratégias de aprendiza-
opinião, quanto mais otimistas forem as expectativas dos gem auto-regulada podem ser ensinadas e exigidas aos
pais e dos professores em torno das capacidades de alunos: comportamentos de estruturação do ambiente
realização a curto prazo da criança, tanto mais de trabalho e dos materiais requeridos, atitudes de auto-
freqüentes são as interações voltadas para esse objetivo. avaliação dos procedimentos, esforço e rendimento, in-
As possibilidades de desenvolvimento da criança reque- cluindo por exemplo esquemas de auto-atribuição de
rem, para serem efetivas, que o adulto as perceba e prêmios e penalizações, competências de organização
atue com apoios eficazes. e transformação da informação.

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Por vezes, integram-se no treino das competências adulto relaciona a memória e a memorização com os
de estudo algumas estratégias de realização dos testes/ processos de organização e retenção de informação
exames, sobretudo para alunos que exibem comporta- compreendida.
mentos pouco adequados à situação de avaliação. O Uma segunda via para desenvolver nos alunos es-
acompanhamento atempado das matérias por alternati- tratégias metacognitivas de aprendizagem e de
va ao seu estudo nas vésperas do teste, a atenção às pensamento passa pela construção e desenvolvimento
instruções dadas pelo professor antes do teste, a leitura de um discurso interno e reflexivo, assente nas
atenta do enunciado do teste e das questões, a sistema- heurísticas de resolução dos problemas. Nessa altura,
tização prévia dos tópicos a dar na resposta, a revisão os alunos aprendem a seqüencializar e a gerir as
no fim do teste, o aspecto gráfico e a apresentação são atividades, os momentos, os espaços, os materiais e os
apenas algumas das áreas trabalhadas nesse treino. apoios mais adequados à sua aprendizagem, o que em
Aliás, interessa referir que, algumas vezes, se procura termos de literatura descrevem uma “aprendizagem auto-
que o aluno desenvolva competências metacognitivas regulada” por parte dos alunos (Rosário, 1999).
rentabilizando as situações de avaliação escolar, por A concluir esse ponto, importa destacar que o treino
exemplo, confronto entre os resultados obtidos e o tem- de competências de estudo não pode ser entendido como
po e esforço colocados na preparação da avaliação, mero exercício técnico de instrução ou ensino, muito
análise das observações que o professor redigiu no tes- menos um receituário aplicado a todo e qualquer tipo de
te, ou procura de justificação para as baixas pontuações alunos. Diz-nos, a experiência de contatos com alunos,
recebidas em alguns exercícios. que estes diferem substancialmente nos métodos de
Finalmente, uma atenção progressiva vem sendo estudo usados. Por exemplo, alguns alunos precisam ter
dada, nos estudos cognitivistas da aprendizagem e da alguns distratores (objetos pessoais) no seu quarto
inteligência, às componentes metacognitivas, também enquanto estudam para se sentirem bem e concentra-
chamadas metacomponentes, do pensamento (Flavell, dos, enquanto outros apenas conseguem se concentrar
1979; Almeida, 1996). Duas idéias essenciais na defini- no estudo estando “isolados”. Por tudo isso, a questão
ção desses comportamentos: (i) o recurso a estratégias principal nesse treino é habilitar o aluno a escolher, en-
ditas superiores de planificação e decisão das demais tre várias estratégias disponíveis, aquelas que melhor se
componentes cognitivas de resolução dos problemas; (ii) adequam às suas características pessoais e às exigên-
o recurso a um pensamento de ordem superior ou uma cias das tarefas escolares. Muitos programas de treino,
espécie de monitorização do próprio pensamento. En- quando aplicados, surtem pouco efeito, pois fica-se mais
tendidas como estratégias superiores de controle ou como no “adestramento”, do que em uma real capacitação
monitorização do pensamento, os componentes dos alunos. Essa última implica do aluno um maior
metacognitivos são decisivos para uma aprendizagem autoconhecimento, o reforço da sua autonomia, a
como construção de conhecimento. apropriação de um leque de estratégia disponíveis e de
Não são freqüentes essas competências na aprendi- um discurso interno sobre a sua funcionalidade, uma
zagem e no pensamento dos alunos. Alguns programas capacidade de análise e de escolha do seu reportório de
ilustram a possibilidade do seu treino, por exemplo, por estratégias de acordo com as exigências de cada
meio da discussão dos processos cognitivos requeridos situação.
na atenção, percepção e codificação de informação, na
planificação e avaliação monitorizada do desempenho Adequação dos padrões de atribuição e
(fixar objetivos e passos nas aprendizagens, inventar expectativas
estratégias e definir critérios de sucesso). Esse treino Se o investimento a nível cognitivo ou dos conheci-
pode ocorrer, ainda, por meio do confronto de pontos de mentos deve se situar, cada vez mais, no ensinar o aluno
vista diferentes e alternativos na resolução dos proble- a saber e a saber como fazer, ao nível da sua personalida-
mas (Almeida & Morais, 2001). Se uma criança pensa de, dos seus afetos e dos seus sentimentos, o professor
que memória é informação memorizada, e que para deve abandonar práticas que deixam os alunos negativa-
memorizar deve ir repetindo a informação, então, ten- mente marcados em termos de auto-estima e de auto-
derá a seguir esse comportamento nas suas aprendiza- conceito, ou desmotivados por tudo o que possa significar
gens. Essa concepção e conduta é diferente quando o “aprender”. Vários estudos referem o efeito negativo na
Facilitar a aprendizagem: Ajudar os alunos a aprender e a pensar 161
aprendizagem e no sucesso de crenças pessoais pauta- culdade. Esses julgamentos podem afetar a escolha de
das pela incapacidade e baixa auto-estima. Muitas vezes, determinadas tarefas ou atividades, o esforço e a persis-
tais imagens e percepções pessoais são veiculadas, cons- tência na realização de tarefas, os padrões de pensamen-
ciente ou inconscientemente, pelos professores. Ao lon- to e as reações afetivas dos sujeitos (Barros, 1992). A
go dos anos, e face a situações de insucesso repetido, o esse propósito, um dos fenômenos mais estudados pelo
aluno irá integrar forçosamente na sua personalidade tais seu impacto negativo designa-se pelo “desânimo apren-
imagens veiculadas externamente. Trata-se, por isso, de dido”, associado à percepção de incapacidade pelo sujei-
uma área que deve merecer maior atenção por parte dos to em controlar os acontecimentos desagradáveis do meio
professores nas atitudes e comportamentos que assumem. e à conseqüente instituição de uma atitude de fuga face a
Também os professores respondem pelas dificuldades tais dificuldades (a partir daí reforçada pelo evitamento
escolares de alguns alunos. do desprazer). Nas situações escolares em que se salien-
A investigação tem mostrado que sentimentos de fra- ta mais o desempenho (níveis, graus, classificações) do
casso ou atitudes de falta de investimento na realização que a aprendizagem (saber, aprender, conhecer, partilhar),
podem ser induzidos por práticas freqüentes, mesmo que o aluno com percepções de baixa capacidade tende a
não intencionais, dos professores na sala de aula (Faria, reagir aos obstáculos por meio de um discurso de falta de
1995). Um feedback negativo ou situações de aprendiza- capacidade, por meio de reações afetivas negativas, e
gem marcadas por emoções desagradáveis podem elimi- por meio de condutas de evitamento das situações em
nar toda a curiosidade ou entusiasmo subjacente a qual- que antecipa dificuldades.
quer nova aprendizagem. O aluno de quem se espera
mais consegue resultados mais elevados, e vice-versa Programas para treinar a pensar
(Good & Brophy, 1983). Por tudo isso, os professores A promoção da autonomia do aluno nas suas apren-
devem contribuir para a mudança das motivações dizagens carece da sua capacitação prévia em termos
extrínsecas em intrínsecas, substituir atribuições exter- cognitivos. A escola e os professores pressupõe, na for-
nas de sucesso por internas ou fazer diminuir a incidência ma como ensina, essas aquisições realizadas por parte
do medo de fracasso em alguns alunos. dos alunos. Infelizmente muitos deles não as possuem
A investigação sobre o contributo dessas variáveis (Riviere, 1983). No entanto, com alguma (re)orientação
sociocognitivo-motivacionais para a aprendizagem e das suas práticas, os professores podem utilizar as suas
cognição salienta o seu peso efetivo nos níveis de rendi- aulas para o desenvolvimento simultâneo das destrezas
mento e de desempenho (Barros & Almeida, 1991). curriculares e das destrezas cognitivas dos alunos (Va-
Uma preocupação clara por parte dos professores e lente, 1989). Uma aula de Português pode servir para
demais técnicos de educação deve existir, tendo em vis- apresentar os tipos e as regras de pontuação de um tex-
ta a eliminação de situações pautadas pela insegurança to e, ao mesmo tempo, treinar os alunos nos processos
de sentimentos, medo do fracasso, cristalização de per- cognitivos associados com a categorização da informa-
cepções pessoais negativas ou colocação em ridículo ção (assente nos conceitos e atributos de cada sinal de
de comportamentos e dificuldades. Climas de aprendi- pontuação, por exemplo) ou com a criatividade (imagi-
zagem pautados por aceitação social, auto-estima e con- nar sentidos diferentes que um texto sem pontuação pode
sideração positiva por parte dos outros (sejam os pares ganhar em função das opções de pontuação que se quei-
sejam os adultos) podem potencializar positivamente os ram tomar). Como especialistas numa dada disciplina
ambientes escolares, tornando-os condicionantes positi- curricular, os professores ao ensinarem os conteúdos –
vos da aprendizagem e da realização. A carga afetiva e seu principal enfoque habitual – aplicam diversos méto-
motivacional desses dois pólos opostos pode explicar a dos resolutivos que não partilham com os seus alunos.
existência de alunos com padrões de realização orienta- Nessa altura o seu ensino não os considera como mate-
dos para a mestria ou para o fracasso, claramente dife- rial próprio e necessário à instrução, ficando os alunos
renciados em termos de persistência e envolvimento nas privados do conhecimento dessas várias formas
tarefas de aprendizagem (Faria, 1995). resolutivas e da sua experimentação e apropriação.
Segundo Bandura (1982), as percepções de auto-efi- Vários programas encontram-se hoje difundidos em
cácia influenciam o confronto do sujeito com as situa- alguns países, tendo em vista o treino cognitivo dos alu-
ções aversivas e a sua persistência nas situações de difi- nos. As análises componenciais da inteligência

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(Sternberg, 1986), os estudos sobre os mediadores na (ii) elaboração das respostas. Importa referir que ape-
aprendizagem e desenvolvimento intelectual (Vygotsky, nas as duas primeiras sessões e a última, por razões
1962) ou sobre o papel do conflito sociocognitivo no óbvias, não se enquadram nesses três módulos.
desencadear de novas e mais evoluídas equilibrações
cognitivas (Mugny & Doise, 1978) são as principais fon- Quadro 3: Estrutura seqüencial do “Promoção Cognitiva”
tes de fundamentação de tais programas. Envolvimento pessoal e metacognitivo na resolução de
De uma maneira geral, tais programas centram-se problemas (módulo 1)
no treino das funções cognitivas (atenção, percepção, Constituição e funcionamento do grupo (1ª sessão)
Monitorização do pensamento na resolução de problemas
codificação, memória, raciocínio, criatividade). Igualmen-
(2ª sessão)
te, de forma implícita, eles procuram trabalhar as per-
cepções e imagens pessoais dos alunos (motivação, con- Recepção e organização da informação (módulo 2)
trole da impulsividade, perseverança no comportamen- (Des)codificação da informação (3º sessão)
Comparação da informação (4ª sessão)
to, autoconfiança – Sternberg & Wagner, 1986). No Organização da informação (5ª e 6ª sessões)
Quadro 2, listamos alguns dos programas de treino Registro e evocação de informação (7ª sessão)
cognitivo elaborados com alguma fundamentação da
Relacionamento da informação (módulo 3)
Psicologia educacional.
Categorização de informação (8ª sessão)
Inferência de relações (9ª sessão)
Quadro 2: Alguns programas de treino cognitivo disponíveis Estabelecimento de correspondências (10ª sessão)
Dedução de implicações (11ª e 12ª sessões)
Enriquecimento Instrumental Feuerstein & cols.., 1980
Projeto Inteligência Harvard Univ., 1983 Elaboração de respostas (módulo 4)
Produção convergente de respostas (13ª sessão)
Desenvolvimento do
Produção divergente de respostas (14ª sessão)
Pensamento Produtivo Covington & cols., 1974
Resolução de problemas: síntese e avaliação (15ª sessão)
Compreensão e Solução
de Problemas Whimbey & Lochhead, 1979
O treino da inteligência por meio de programas pró-
Inteligência Aplicada Sternberg, 1986
prios parece surtir alguns efeitos positivos, sugerindo uma
Filosofia para Crianças Lipman & cols., 1980 “modificabilidade cognitiva” (Feuerstein, Rand, Hoffman
Estratégias de Pensamento & Miller, 1980; Nickerson, Perkins & Smith,, 1985; Arias,
e Aprendizagem Ehrenberg & Sydelle, 1980 Alonso Pardo, Aguilera, Berruguete, Gorrosari, Pico &
Padrões de Resolução de Ditano, 1989). Mesmo assim, os resultados até o presente
Problemas Rubenstein, 1975
momento suscintam muitas reservas em termos de
CoRT interpretação e, de uma maneira geral, temos que reco-
(Cognitive Research Trust) De Bono, 1981
nhecer que os efeitos ou produtos finais ficam aquém das
Promoção Cognitiva Almeida & Morais, 2001
expectativas (Rios, Callazo & Bocelo, 1991; Morais,
1994). Não é terreno de fácil investigação, e só isso ex-
A nossa participação nesse “movimento” tem sido plica que apareçam estudos sugerindo ganhos claros, a
feita por meio da (re)formulação sucessiva do progra- par de outros apontando ganhos insignificantes da aplica-
ma “Promoção Cognitiva”, integrando sugestões de psi- ção de tais programas (Sternberg & Bhana, 1986).
cólogos e professores. No Quadro 3, descrevemos a A nossa experiência nessa área não tem ultrapassado,
estrutura atual do programa “Promoção Cognitiva” antes confirmado, essas dificuldades. O treino das habili-
(Almeida & Morais, 2001), sendo possível antecipar por dades cognitivas não é tarefa fácil, pior ainda quando não
meio dos temas das sessões as áreas em que incidem suficientemente contextualizado e generalizado às diferen-
as atividades de treino. Acrescente-se que o programa tes situações de aprendizagem e de realização escolar dos
é formado por 15 sessões, cada uma com a duração alunos. Alguns ganhos observados em termos de motiva-
aproximada de 90 minutos. A generalidade das 15 ses- ção pela aprendizagem e pela resolução de tarefas não
sões repartem-se pelos três momentos do refletem alterações substanciais nos desempenhos em tes-
processamento da informação: (i) recepção e organiza- tes de inteligência, quando esses são usados como critério
ção da informação; (ii) relacionamento da informação e externo de apreciação da eficácia do treino. Por outro lado,
Facilitar a aprendizagem: Ajudar os alunos a aprender e a pensar 163
os efeitos positivos do programa em termos motivacionais facilitação dos métodos de estudo nunca entendidos como
não parecem generalizar-se à realização escolar e às clas- “receitas” têm, assim, toda a pertinência. Eles permi-
sificações dos alunos. Este último aspecto tem, aliás, justi- tem referenciais e modos de agir na sala de aula, asse-
ficado uma certa discussão a propósito das vantagens e gurando-se, aos alunos, oportunidades de conhecimento
desvantagens da infusão desse tipo de programa nas de várias estratégias de aprendizagem e de estudo que
atividades letivas das diversas matérias escolares ou da coexistem em alternativa. Esse conhecimento inclui,
salvaguarda de alguma autonomia e especificidade para o obviamente, uma apreciação do quando e como podem
programa, mesmo aproveitando tarefas curriculares. Mais ser usadas, ou porque são úteis e diferenciadas na sua
investigação em torno dos processos de mudança cognitiva, eficácia nas diferentes situações. Essa aprendizagem,
a par de melhorias substanciais na metodologia de investi- mais ainda quando centrada no aprender e no pensar, é,
gação usada nesses estudos, aparece hoje reclamada para sobretudo, uma construção do próprio aluno. Na linha
uma melhor clarificação da controvérsia em que o assunto quer do conhecimento procedimental quer do conheci-
se encontra. Por exemplo, num estudo nosso diferencian- mento condicional a que já fizemos referência, o melhor
do os resultados na avaliação de pós-teste, segundo treino nas estratégias de aprender e de pensar passa
subgrupos de alunos em função da sua assiduidade e por favorecer a autonomia do aluno no uso seletivo das
envolvimento nas atividades do programa, os valores obti- estratégias, de acordo com as suas características pes-
dos foram bastante animadores e sugerem que a avaliação soais e as exigências das situações. Talvez esteja aqui
da eficácia desses programas terá de ultrapassar a genéri- uma das causas do relativo insucesso com a aplicação
ca consideração de um grupo experimental e de um grupo “massiva” dos programas de competências de estudo e
de controle (Almeida & Balão, 1996). de competências cognitivas nos contextos escolares.
Exige-se maior individualização e maior diversidade nas
respostas aos problemas por parte da escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS À diversidade de alunos e de situações, a escola ten-
A concluir, as leituras construtivistas do desenvolvi- de a responder por meio de atitudes e práticas unifor-
mento cognitivo e da aprendizagem enfatizam o papel mes. Se é verdade que a autonomia do aluno se enqua-
ativo do aluno. Retomamos, assim, que a aprendizagem dra hoje num conceito mais abrangente e atual de edu-
está mais do lado do aluno do que do lado do professor. cação, não é menos verdade que isso está mais presen-
No entanto, como instrutores e mediadores, podemos e te nos discursos do que nas práticas. Temos, ainda, uma
devemos reconhecer que os professores “marcam” bas- escola com poucas capacidades de intervir e de ajudar
tante o processo e o produto desse desenvolvimento e os alunos a estudar, a aprender e a pensar. Acredita-
aprendizagem. Não podemos substituir o aluno, mas isso mos, no entanto, que a crença atual na modificabilidade
não nos retira a responsabilidade social de sermos pro- cognitiva e a consciência reinante de que a escola se
motores da sua aprendizagem e do seu desenvolvimen- deve preocupar com o ensinar a aprender e a pensar
to. Aliás, acabamos sempre por influenciar esse dever, acabarão por introduzir mudanças significativas na lógi-
por mais conscientes ou inconscientes que estivermos. ca funcional e nas práticas escolares.
Logicamente que o aluno acaba por assumir um pa- A escola não pode encerrar nas suas atividades tipi-
pel relevante no processo de ensino-aprendizagem, não camente letivas nem essas se reduzem a métodos pas-
surtindo grande efeito quando se pretende ensinar alu- sivos de ensino-aprendizagem. Sem uma alteração subs-
nos “à força”. À medida que avançamos na escolarida- tancial dessa postura torna-se difícil entender o sentido
de diminui o nosso peso direto naquilo que os alunos educacional e desenvolvimental da escola no presente.
aprendem. O importante será descobrir e ensaiar for- Tudo isso, no entanto, carece de professores prepara-
mas de, com os alunos, construirmos contextos de faci- dos e munidos de algumas ferramentas nesse sentido.
litação da aprendizagem. Nessa altura, o aluno aprecia Da mesma forma, importa que a escola diversifique os
a ajuda e encontra-se em condições de fazer a primeira seus profissionais, passando a incluir mais sistematica-
e mais importante aprendizagem: “aprender a aprender”. mente os psicólogos escolares. Não teremos escola sem
Com esse objetivo, importa que os professores co- professores, mas ela estará empobrecida e comprome-
nheçam formas concretas de ajudar os alunos a pensar tida se o seu quadro profissional for composto apenas
e a aprender. Os programas de treino cognitivo e de por professores.

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