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Profissão

Docente

Luiz Fernando Rankel


Rosângela Maria Stahlschmidt
Luiz Fernando Rankel

Mestre em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Gradua-


do em História pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Palmas. Professor
de Ensino Superior. Tem experiência na área de História, com ênfase em Teoria
e Filosofia da História. Atuando principalmente nos seguintes temas: Exposição
Antropológica Brasileira, Museu Paranaense, Antropologia e Arqueologia, Brasil
Império.

Rosângela Maria Stahlschmidt

Mestre em Educação pelo Centro Universitário Diocesano do Sudoeste do


Paraná. Especializada em Metodologia para o Ensino da Matemática pelo Centro
Universitário Diocesano do Sudoeste do Paraná. Graduada em Pedagogia pela Fa-
culdade de Filosofia Ciências e Letras de Palmas, com habilitação em Orientação
Educacional e Administração Escolar. Graduada em Ciências com habilitação em
Matemática pelas Faculdades Reunidas de Admin. Ciências Contábeis e Econô-
micas de Palmas. Professora de Educação Básica da rede estadual de ensino do
Paraná e do Ensino Superior.
Competências para ensinar

Rosângela Maria Stahlschmidt


Nesta aula será abordada a função da universidade enquanto difusora
do conhecimento e das competências, apresentando a pesquisa entendida
como meio de compreensão e intervenção na realidade, considerando que
se constitui em atividade essencial para a formação do cidadão.

A universidade como centro de excelência


A universidade, conforme se pode observar pelo próprio nome, pressu-
põe a universalidade de conhecimentos. A ideia de universidade está acom-
panhada da ideia de multidisciplinaridade, tornando-se claro que, para criar
uma nova universidade, deve ser contemplada a atuação de diversas áreas do
conhecimento científico. Sendo assim, a universidade atua em três frentes: o
ensino, a pesquisa e a extensão universitária.

O ensino tem como objetivo a formação profissional, técnica e científica. A


pesquisa consiste na base para a busca e descoberta do conhecimento cientí-
fico. É através desta que a universidade desenvolve a ciência em busca do co-
nhecimento da realidade. Tão importante quanto as demais frentes, tem-se a
extensão universitária, que se materializa na prestação de serviços à socieda-
de e na integração com a mesma.

Enquanto centros de investigação, promoção e difusão da ciência e da cul-


tura, as universidades têm a responsabilidade de analisar problemas sociais,
tendo em vista a mobilização do conhecimento existente, identificando alter-
nativas e propondo soluções.

O ponto básico para transformar a universidade em centro cultural1 por


excelência consiste em transformar o saber em sabedoria, reencontrando a
vida cultural, fazê-la reintegrar-se no dia-a-dia. Pode-se dizer que universidade
é um centro cultural por excelência, pois ela encerra formalmente o processo
1
A cultura pode ser entendida como o esforço humano para dominar a natureza, transformá-la pela criação e subordiná-la aos fins da pessoa
humana.
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educacional e inicia o pensar sobre o mundo, e recomenda-se que deve ter uma ati-
vidade criadora na qual a pesquisa deve envolver toda a instituição universitária.

Conforme Faure, a educação no mundo contemporâneo deve suprir a formação


do homem completo, deixando para trás os conhecimentos tidos como definitivos,
pois estes já não são suficientes, necessitando um preparo para elaborar, ao longo
de toda a vida, um saber em constante evolução e de aprender a ser, ou seja, “é pre-
ciso que o novo homem seja capaz de compreender as consequências globais dos
comportamentos individuais, de conceber as prioridades e de assumir as formas
de solidariedade que constituem o destino da espécie” (FAURE, 1973, p. 32).

A universidade ocupa uma posição fundamental na dinâmica dos processos


de inovação tecnológica, de produção e difusão da ciência e da cultura, bem
como desempenha um papel estratégico no desenvolvimento socioeconômico
do país. Assim, a tarefa de qualificar os recursos humanos é uma peça chave para
a modernização da sociedade e fator relevante na melhoria da Educação Básica.

É oportuno assinalar que os diversos sistemas de educação superior, existen-


tes em países que ocupam uma posição destacada no processo de desenvolvi-
mento socioeconômico, apresentam uma forte diversidade institucional e de-
sempenham uma pluralidade de funções na formação acadêmico-profissional.

Os saberes didáticos e a ciência da educação


Entende-se que muitos são os saberes didáticos a serem desenvolvidos a fim
de que os professores adquiram uma formação consistente. Assim, as universi-
dades, enquanto disseminadoras do saber, para que possam oportunizar estra-
tégias eficazes, precisam identificar determinadas necessidades, que segundo
Hewton (apud Garcia, 1985) são:

� necessidades relativas aos alunos – necessidades de aprendizagens, trata-


mento da diversidade, problemas de disciplina, rendimento, motivação;

� necessidades relativas ao currículo – o desenvolvimento dos novos planos


curriculares implica a necessidade de aperfeiçoamento profissional dos
professores, novos estilos de ensino, de apresentação da informação, de
comunicação, de avaliação, de definição dos objetivos;

� necessidades dos professores – são voltadas mais para a abordagem dos


professores enquanto profissionais e como pessoas, do que ao ensino pro-
priamente dito;
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Competências para ensinar

� necessidades da escola/instituto enquanto organização – necessidades da


globalização da instituição, do currículo, dos alunos (formas de agrupamen-
to), da organização e dos professores (papéis e responsabilidade, comunica-
ção entre professores, do clima interno, das relações com o exterior).

Cumpre ressaltar que nenhuma competência será desenvolvida nos docen-


tes, se não estiver alicerçada em um contexto real, assim, seja qual for o progra-
ma de formação inicial ou continuada, deverá estar pautado nas dificuldades a
serem encontradas na prática pedagógica.

Considerando a atual conjuntura educacional das escolas de ensino básico, é


preciso admitir que a formação de docentes apresenta graves deficiências, mos-
trando-se precária e fragilizada, tornando-se ainda mais grave em escolas públi-
cas, onde o professor parece não estar preparado para atender alunos advindos
das mais variadas situações socioeconômicas e culturais.

De acordo com Lara, Mosquera e Ramos (1998), um professor não se faz de


repente, para tornar-se um verdadeiro professor, faz-se necessário um processo
de formação profissional que lhe proporcione uma vasta liberdade de escolhas,
atuação consciente e comprometimento social, fundamentado em valores que o
levarão a desenvolver uma ação competente, crítica, transformadora e interativa.

Conforme Apple (1996), o ofício de ensinar exige a descoberta contínua, a


incorporação e a aplicação de novas e mais eficientes habilidades e conheci-
mentos sobre o desenvolvimento e aprendizagem do aluno.

Portanto, é essencial o entendimento de que ensinar não representa o ato


de reprodução do conhecimento historicamente acumulado, mas sim um con-
tínuo processo de construção e reconstrução do conhecimento. Portanto, exis-
tem teóricos que enfatizam que para ensinar é preciso ter competência técnica,
enquanto outros valorizam mais a competência política ou pessoal, no entanto,
acreditamos que todas são fundamentais para ensinar.

Perrenoud (2002) afirma ainda que, para ser um bom professor não significa
apenas a capacidade de transferir conhecimento, é necessário ter uma postura
reflexiva, ter a capacidade de observar, de regular, de inovar, de aprender com
outros, apresentando assim dez dimensões de competências que devem ser
desenvolvidas no professor, por meio da formação inicial e contínua, a saber:
organizar e dirigir situações de aprendizagem; administrar e dirigir a progressão
das aprendizagens; conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; en-
volver alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; trabalhar em equipe;

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participar da administração da escola; informar e envolver os pais; utilizar novas


tecnologias; enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; administrar
sua própria formação contínua.

É importante observar que as competências técnica, política e pessoal isola-


das, não fazem de um docente um bom professor, entende-se que estas estão
intimamente ligadas, pois no processo de ensino-aprendizagem todas elas pre-
cisam ser mobilizadas para que o ensino ocorra de forma eficaz.

Kuenzer (1998) assevera que o professor deve também ter a capacidade de


transformar teoria pedagógica em prática pedagógica escolar. Para tal, precisa
fazer a articulação entre a escola e o mundo das relações sociais e produtivas,
utilizando procedimentos metodológicos apoiados em bases epistemológicas
adequadas. É também essencial que organize o espaço escolar de forma demo-
crática, oportunizando experiências pedagógicas escolares e não-escolares em
que a meta se constitua em uma educação que reflete o desejo coletivo da so-
ciedade almejada, uma sociedade justa e igualitária.

Vários estudiosos dos saberes necessários à prática docente vêm delimitando


propostas com o intuito de definir o perfil de competências necessárias ao exer-
cício da docência, recomendando que a formação inicial deva basear-se:

� na formação pessoal, social e cultural dos futuros docentes – este eixo da


formação consiste em favorecer o desenvolvimento de capacidades de re-
flexão, autonomia, cooperação e participação, a interiorização de valores,
capacidade de percepção de princípios, de relação interpessoal e de aber-
tura às diversas formas da cultura contemporânea;

� na formação científica, tecnológica, técnica ou artística na respectiva es-


pecialidade – ou seja, pode-se dizer que corresponde à competência téc-
nica, possuindo, com um elevado grau de competência, o domínio dos
conteúdos que precisa transmitir, isso proporciona ao professor certa se-
gurança em relação ao processo de aprendizagem;

� na formação no domínio educacional: a compreensão das ciências da edu-


cação e a organização pedagógica deverão estar atreladas à reflexão sobre
os problemas educacionais do mundo contemporâneo. As contribuições
de investigações realizadas pela didática e por outras áreas das ciências da
educação consistem em elementos essenciais na constituição do docente;

� no desenvolvimento progressivo das competências docentes a integrar no


exercício da prática pedagógica – ao professor não é suficiente conhecer

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Competências para ensinar

teorias, perspectivas e resultados de investigação, é preciso que ele se torne


capaz de construir soluções adequadas em relação aos diversos aspectos de
sua ação profissional, ou seja, é preciso que o professor torne-se capaz de
construir soluções apropriadas para mobilizar e articular o conhecimento
teórico em situações práticas;

� no desenvolvimento de capacidades e atitudes de análise crítica, de inovação


e de investigação pedagógica – compreensão clara que o papel de professor
não equivale ao papel de um técnico, ao longo de sua carreira deve tornar-se
um profissional capaz de identificar e analisar os problemas que surgem na
sua atividade, possibilitando a construção de soluções adequadas.

Freire (1996) acrescenta ainda um fator importantíssimo que a prática educativa


requer: a afetividade, o que se confirma com as palavras de Codo e Gazzotti (1999, p.
76), “[...] na atividade de ensinar o afeto torna-se indispensável, constitui-se em obri-
gatoriedade, o que permitirá a efetividade do trabalho”. Ressalta ainda que, quando
não se estabelece o vínculo afetivo entre o professor e os alunos, torna-se ilusório
pensar que o sucesso do educador será completo, ou seja, a aprendizagem do aluno
não será significativa, ocorrerá lacunas no processo de ensino-aprendizagem.

Entende-se assim, que a competência do professor deve constituir-se em aspecto


relevante da educação e da organização escolar neste novo século, pois se torna cada
vez mais evidente que o sucesso da escola depende de sua prática profissional.

Conforme Tessaro e Guzzo (2004), não são suficientes apenas construir mais
escolas, abrir mais vagas para os alunos e melhorar a estrutura física, é preciso
que os professores sejam capazes de ensinar os alunos e transformá-los em ci-
dadãos críticos e criativos.

A pesquisa como competência fundamental


Entende-se que a atividade investigativa deve ser percebida enquanto espaço
de pesquisas no campo das práticas pedagógicas, considerando a investigação
como uma maneira de pensar sobre os limites de uma ação qualitativa que não
se apresentam em falta de escolas ou da democratização do ensino, mas sim na
incapacidade de dar espaço ao novo, dificultando as sugestões de movimentos
que possibilitem a articulação entre teoria e prática.

Freire (1996) e Demo (2002), que possuem um amplo referencial acerca da pes-
quisa enquanto objeto de estudos, consideram-na essencial à prática docente,

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visto que o professor que assume a pesquisa na sua prática pedagógica mostra-
se comprometido com a elaboração da mesma, produzindo questionamentos
com base na emancipação política, na formação da cidadania, na criatividade,
na descoberta e na redescoberta.

Esses autores ressaltam que só o professor pesquisador detém as condições


necessárias para transmitir o ensino de qualidade, pois à medida que assumem
a postura de questionadores, mostram-se desacomodados. O questionamento
em relação à prática, faz com que sejam repensadas e recriadas as suas ações,
levando-os à compreensão de seu papel político diante da educação e assim,
assumindo-se como um profissional competente, socialmente e politicamente
responsável, tornando-se capaz de construir e reconstruir, construir e transmitir.

Desta forma, a pesquisa precisa ser compreendida enquanto uma neces-


sidade e como um dos mais importantes desafios na busca de uma educação
de qualidade. Freire (1996) acredita que a pesquisa pode ainda ser considerada
como promotora da cidadania e do processo emancipatório de cada indivíduo,
uma vez que investiga a realidade tal como se apresenta.

É essencial que o professor compreenda que cada indivíduo deve ser enten-
dido como construtor e reconstrutor da sociedade em que vive. Sociedade que
também está sempre em constante transformação, necessitando assim de novas
ideias, práticas e inovações que podem ser construídas e reconstruídas por meio
da pesquisa.

A reflexão sobre a teoria que o educador carrega e a prática que efetiva na


construção da própria concepção e aplicação da pesquisa, consiste em repensar
o papel de professor e recriá-lo, para que, ao assumir uma atitude de pesquisador
e compreender a relevância da pesquisa para a educação, deixe de ser um trans-
missor de conteúdos historicamente acumulados e descontextualizados, para
se tornar um mestre, um sujeito profissionalmente qualificado, de acordo com a
responsabilidade que carrega e conforme a importância de sua profissão.

Demo (2002, p. 84) recomenda:


A primeira preocupação é repensar o ‘professor’ e na verdade recriá-lo. De mero ‘ensinador’ –
instrutor no sentido mais barato – deve passar a ‘mestre’. Para tanto, é essencial recuperar a
atitude de pesquisa, assumindo-a como conduta estrutural, a começar pelo reconhecimento
de que sem ela não há como ser professor em sentido pleno.

É importante reconhecer que a prática da pesquisa deve nascer no meio acadê-


mico, especialmente resultante do contato com a prática, nos períodos de estágio,
nos cursos de formação, ou seja, a reflexão da ação deve ser uma constante na

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Competências para ensinar

vida daqueles que se dispõe a intervir na formação de indivíduos tendo em vista


torná-los cidadãos éticos e competentes.

Para Demo (1998, p. 127), “a alma da vida acadêmica é constituída pela pesqui-
sa, como princípio científico e educativo, ou seja, como estratégia de geração de
conhecimento”. Desta forma, é preciso considerar a pesquisa, no meio acadêmi-
co, como formadora de futuros professores pesquisadores, pois, conforme Demo
(2002, p. 15), “professor é quem, tendo conquistado espaço acadêmico próprio
através da produção, tem condições e bagagem para transmitir via ensino. Não se
atribui a função de professor a alguém que não é basicamente pesquisador”.

Refletindo sobre o pensamento de Demo (2002), entende-se que o aluno no


período de formação não pode ser apenas um ouvinte das aulas do professor,
pois assim não aprenderá a construir conhecimento, apenas adquirirá a instru-
ção, tornando-se incapaz de elaboração própria, de emancipar-se politicamente,
ou seja, não se constituirá cidadão. Considerando este contexto, o conceito de
pesquisa é fundamental, é ela quem está na raiz da consciência crítica questio-
nadora, possibilitando a recusa de ser massa manipulada.

A pesquisa possibilita, ainda, o despertar da curiosidade, da inquietude, do


desejo de descoberta e criação, sobretudo atitude política emancipatória de
construção do sujeito social competente e organizado.

Conforme Freire (1996, p. 29): “Enquanto ensino continuo buscando, reprocu-


rando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesqui-
so para constatar, contatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso
para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. “

Freire (1996) defende ainda que o papel político do professor no mundo não
deve restringir-se ao de quem apenas constata o que ocorre, mas também daque-
le que intervém como sujeito de ocorrências, constatando que a educação não
pode constituir-se em um ato de simples adaptação social, mas deve constituir de
uma ação para obter mudanças, pois examinando é que nos tornamos capazes de
intervir na realidade. Conforme as próprias palavras de Freire (2000, p. 102):
O exercício de pensar o tempo, de pensar a técnica, de pensar o conhecimento enquanto se
conhece, de pensar o quê das coisas, o para quê, o como, o em favor de quê, de quem, o contra
quê, o contra quem são exigências fundamentais de uma educação democrática à altura dos
desafios do nosso tempo.

É através da pesquisa que o professor tem a possibilidade de confrontar a re-


lação teoria e prática, repensando a prática pedagógica em suas possibilidades
e compromissos.

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Para Hoffmann (2002, p. 101):


Não se pode ensinar ao professor o que ele precisa aprender. As aprendizagens significativas
são construções próprias do sujeito [...]. Ele pode até sentir a necessidade de mudança, mas se
não entender o significado essencial de uma proposta pedagógica numa direção, não saberá
como construí-la. Não basta alguém dizer-lhe que deve fazer diferente se ele não pensar
diferente sobre o que faz.

A formação do educador depende de inúmeros fatores e segundo Demo


(1994), a educação pela pesquisa apresenta como condição essencial que este
seja um pesquisador, percebendo-a como princípio científico e educativo, e
como tal faça parte de seu cotidiano.

Entende-se, assim, que a pesquisa deve ser contemplada como definição ine-
rente à prática pedagógica, trata-se de um compromisso intrínseco à formação
do verdadeiro mestre, pois, para Demo (1994, p. 34), “o professor que não cons-
trói conhecimento, como atitude cotidiana, nunca foi. Quem pesquisa, teria o
que transmitir. Quem não pesquisa, sequer para transmitir serve, pois não vai
além da cópia da cópia”.

O que se recomenda é que a pesquisa seja assumida como uma atitude processual
cotidiana, inerente a toda prática que deseja de fato modernizar-se e aperfeiçoar-se,
pois quem assume atitude de pesquisa está em constante estado de preparação.

De acordo com Arends (1995), o propósito de investigação e pesquisa, para o


educador, assim como para outros profissionais, se mostra ainda como uma prá-
tica pouco desenvolvida, apesar de que se reconheça sua relevância para a pro-
dução de mudanças na prática educativa, redimensionando-a complexamente,
na tentativa de que o profissional se torne competente.

De acordo com Freire (1996), é imprescindível que o professor esteja conscien-


te de seu papel político de atuação social, buscando, assim, a construção de pro-
postas educativas e emancipatórias, tornando o questionamento e o diálogo com
a realidade uma prática para despertar atores políticos, capazes de criar soluções.

Em seu sentido mais amplo, a educação deve ser compreendida como uma
leitura crítica da realidade, pois o verdadeiro mestre motiva o aluno a dominar a
escrita, a leitura e outros conhecimentos, como instrumentação formal e política
do processo de formação do sujeito social emancipado. Não apenas para ler,
escrever, calcular e decorar, mas dominar as técnicas fundamentais para poder
ocupar espaço próprio na sociedade, onde a pesquisa torna-se fundamental.

É importante também que o professor pesquisador possibilite situações prá-


ticas aos seus alunos, oferecendo-lhes a oportunidade de experimentação da

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Competências para ensinar

teoria na prática de construção e reconstrução de hipóteses, analisando como


funciona no cotidiano, ou seja, que o aluno, ao experimentar, discutir e analisar
a teoria possa, de fato, ressignificá-la para sua vida.

Texto complementar

Referencial de competências
(CYSNEIROS, 2008)

Por questões práticas, Perrenoud (2000, 2001 b) postula dez domínios


de competências prioritárias para a formação de professores de nível fun-
damental e médio. Cada um dos dez domínios é desdobrado em quatro ou
cinco competências de segundo nível, perfazendo 44 no total. Outros des-
dobramentos seriam possíveis, porém ao preço de perda da facilidade de
utilização do referencial em situações concretas.

Neste trabalho organizamos os dez domínios de competências em quatro


categorias.

I - Quatro domínios referem-se especificamente ao ensino, aos proble-


mas perenes de qualquer didática:

1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem (cerne do ofício do


professor)

� Conhecer os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em ob-


jetivos de aprendizagem.

� Trabalhar a partir das representações dos aprendizes.

� Trabalhar a partir dos erros e obstáculos à aprendizagem.

� Construir e planejar dispositivos e sequências didáticas.

� Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de co-


nhecimento.

2. Administrar a progressão das aprendizagens (visão longitudinal do


todo)

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� Conceber e administrar situações-problema ajustadas ao nível e


possibilidades dos aprendizes.

� Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino.

� Estabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades de


aprendizagem.

� Observar e avaliar os aprendizes em situações de aprendizagem,


de acordo com uma abordagem formativa.

� Fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de


progressão rumando em direção a ciclos de aprendizagem.

3. Conceber e fazer evoluir dispositivos de diferenciação (evitar as


mesmas lições e exercícios para todos, pois a diversidade de aprendi-
zes é a norma).

� Administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma.

� Abrir, ampliar a gestão de classe para um espaço mais amplo.

� Fornecer apoio integrado e trabalhar com aprendizes portadores


de grandes dificuldades.

� Desenvolver a cooperação entre os alunos e formas simples de en-


sino mútuo.

4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho (mo-


tivação)

� Despertar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber, o


sentido do trabalho escolar e desenvolver a capacidade de auto-
avaliação.

� Instituir um conselho de alunos e negociar tipos de regras e de con-


tratos.

� Oferecer atividades opcionais de formação.

� Favorecer a definição de um projeto pessoal do aprendiz.

II - Três domínios focalizam a atividade do professor na escola como


instituição:

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Competências para ensinar

5. Trabalhar em equipe (cooperar com colegas, especialistas, adminis-


tradores)

� Elaborar um projeto em equipe e representações comuns.

� Dirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniões.

� Formar e renovar uma equipe pedagógica.

� Enfrentar e analisar em conjunto situações complexas, práticas e


problemas profissionais.

� Administrar crises e conflitos interpessoais.

6. Participar da administração da escola (não ficar apenas na sala de aula)

� Elaborar e negociar um projeto de instituição.

� Administrar os recursos da escola.

� Coordenar e dirigir uma escola com todos os seus parceiros.

� Organizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a participação dos


alunos.

� Trabalhar em ciclos de aprendizagem.

7. Informar e envolver os pais (em relacionamentos de parceria)

� Dirigir reuniões de informação e de debate.

� Fazer entrevistas, ouvir e compreender, negociar.

� Envolver os pais na construção de saberes, sem temores ou subter-


fúgios, considerando-os como parceiros.

III - Dois domínios são relativos ao próprio educador:

8. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão

� Prevenir a violência na escola e fora dela.

� Lutar contra preconceitos e discriminações sexuais, étnicas e sociais.

� Participar da criação de regras comuns referentes à disciplina na


escola, às sanções e à apreciação da conduta.

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Profissão Docente

� Analisar a relação pedagógica, a autoridade e a comunicação em aula.

� Desenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sen-


timento de justiça.

9. Administrar sua própria formação contínua

� Saber explicitar as próprias práticas.

� Estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa


pessoal de formação contínua.

� Negociar um projeto de formação comum com os colegas (equipe,


escola, rede).

� Envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de ensino (funda-


mental ou médio) ou do sistema educativo local, regional e nacional.

� Acolher a formação dos colegas e participar dela.

� Ser agente do sistema de formação contínua.

IV - Um último domínio abrange as categorias anteriores:

10. Utilizar novas tecnologias da informação e comunicação

Aqui Perrenoud destaca quatro competências de segundo nível:

� Utilizar editores de texto.

� Explorar a potencialidade didática de aplicativos.

� Comunicar-se a distância por meio da telemática.

� Utilizar ferramentas multimídia no ensino.

Como esta última família de competências trata de uma área em mutação,


com o constante surgimento de novas ferramentas e sobre as quais muitas
coisas interessantes (e outras questionáveis) têm sido escritas, consideramos
que merece revisão dentro do próprio modelo. O capítulo que trata deste
tema foi escrito em abril de 1998, quando as novas tecnologias da informa-
ção não tinham a maturidade que têm hoje.

Além disso, com notável honestidade intelectual, no último capítulo do


livro sobre o referencial, utilizando a metáfora de uma viagem, Perrenoud

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Competências para ensinar

reconhece ter conduzido o leitor “em uma jornada rápida e um pouco super-
ficial” por lugares que mereceriam uma estada mais longa: “[...] Alguns dos
continentes (famílias de competências) e dos países (competências especí-
ficas) eu os percorri muitas vezes. De alguns outros, tenho uma ideia menos
precisa, conhecimentos de segunda mão. Alguns me apaixonam, outros
menos [...]” (PERRENOUD, 2000, p. 171).

É possível que um dos “continentes” pouco vividos tenha sido o domínio


de tecnologias. Um dos indicadores desta suposição é que as autorreferên-
cias, apenas duas, com datas de 1992 (quando não havia internet) e 1998,
tratam do uso de novas tecnologias na educação.

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Profissão Docente

Dica de estudo
THURLER, Mônica G. O desenvolvimento profissional dos professores: novos pa-
radigmas, novas práticas. In: PERRENOUD, P. As Competências para Ensinar no
Século XXI: a formação de professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre:
Artmed, 2002.

Perrenoud traz ao leitor textos nos quais os autores apoiaram suas falas em
um ciclo de conferências proferidas em quatro cidades brasileiras em 2001. Os
assuntos abordados são de grande valor e possibilitam tomadas de decisões im-
portantes com relação ao aprimoramento do ensino. Este capítulo aborda os
novos paradigmas da prática pedagógica, enfocando o trabalho do professor de
modo diferenciado e construtivo.

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