Você está na página 1de 6

Curso de Extensão: O Espaço Agrário no Mundo e no Brasil

Unidade III: Impactos socioambientais associados à modernização do


campo e possíveis alternativas

Quando se fala em processo de modernização do campo, associamos


sempre à introdução das máquinas e dos insumos nas atividades
agropecuárias. Contudo, esse processo vem acompanhado de uma nova
organização das atividades econômicas e espacial do rural.

Silva (1999), ao definir o novo rural brasileiro, afirma que este se tornou
um continuum urbano, se levar em consideração os aspectos espaciais. Além
disso, o autor destaca que, nas atividades econômicas, as indústrias não são
apenas das cidades e que o campo não é apenas agropecuário.

Ele aponta ainda que o campo “antes podia ser caracterizado como
setor produtivo relativamente autárquico” (SILVA, 1999, p. 1), mas, com a
modernização, as atividades agrícolas e pecuárias não podem ser observadas
separadamente dos outros setores. Elas são complementares no que se refere
à distribuição de insumos ou no consumo dos produtos e serviços, afetando até
os processos de especulação do mercado financeiro.

A modernização uniu os diversos setores e originou-se principalmente


da introdução das novas tecnologias advindas da Revolução Verde e da
necessidade de criar novos fatores de produção para superar o atraso. No
Brasil, o processo de modernização ocorreu nos anos 1960 e foi apoiado pelas
políticas públicas, investindo nas esferas produtivas e especulativas. Esse
processo ocorreu por meio da mecanização e da quimificação.

Logo, como efeito das tecnologias, mudou-se a escala econômica das


atividades agropecuárias e foram redefinidas as condições necessárias para a
localização espacial.

A mudança na escala econômica das atividades ocorre pelo fato de que


as atividades não agrícolas tiveram um importante crescimento, se comparado
com as atividades agrícolas. Segundo o IBGE, em 2009, 44,7% dos moradores
do campo atuavam em atividades não agrícolas. Ou seja, a indústria passou a
se instalar no meio rural, sobretudo as agroindústrias.

Houve também crescimento de atividades relacionadas à urbanização


do rural, como habitação, turismo e veraneio, comércio e outros serviços. Esse
fato configura o que chamamos de pluriatividades no espaço rural. Como
exemplo, Marafon e Ribeiro (2006, p. 119) apresentam diversos bairros em
Teresópolis, no Estado do Rio de Janeiro, que possuem diversos hotéis-
fazenda, como “Hotel Village Le Canton (Vargem Grande), Rosa dos Ventos
(Campinho), San Moritz (Viera), Hotel Fazenda Vrindávna (Prata dos Arredes),
Pousada Albuquerque (Albuquerque), Pousada Savognin (Vieira)”.

Como a indústria e o lazer passaram a encontrar no meio rural as


oportunidades de desenvolver as suas atividades, foi preciso estabelecer as
condições necessárias para sua instalação. Por isso, necessitou investir em
políticas para o campo que pudessem ampliar o sistema de transporte, de
comunicação e levar saúde, educação e moradias. Tornou-se necessária uma
infraestrutura básica para receber os trabalhadores especializados que vêm da
cidade, ou seja, o capital intelectual, assim como os futuros hóspedes dos
hotéis fazenda.

A necessidade de produzir mais alimentos fez com que as indústrias


chegassem até o campo. Por um lado, é mais fácil produzir perto da matéria-
prima. Por outro, as atividades do campo demandam insumos e máquinas que
vêm das fábricas. Portanto, buscou-se racionalizar o uso dos recursos para
ampliar a produção e obter maiores lucros.

O resultado das atividades industriais no espaço rural alterou o trajeto do


alimento, pois anteriormente ele ia do campo para a mesa do consumidor.
Atualmente, no trajeto, é acrescida a passagem pela indústria, pela
industrialização do alimento ou pelo fornecimento de insumos para o agricultor.
Isso gera aumento do preço de determinados produtos.

Portanto, a forma de produção passou a integrar a chamada


agroindústria e o agronegócio.

O termo agronegócio, ou agribusiness, surgiu no ano de 1957, proposto por


Davis e Goldberg. Em sua essência, é a relação entre a produção, a
transformação e a distribuição dos produtos agropecuários. Os estudos do
agronegócio são divididos em três partes: “dentro da porteira”, quando
focado nos produtores rurais; “pré-porteira”, em que analisa os processos
industriais e comerciais; e “pós-porteira”, visando analisar a venda, o
beneficiamento e o comércio dos produtos.

Você já ouviu falar das empresas Monsanto, Odebrecht, Aurora e Souza


Cruz?

Essas e outras empresas atuam como agroindústrias e com diversos


tipos de produtos, desde insumos agrícolas até alimentos que são consumidos
no nosso dia a dia.

Algumas dessas empresas formam os chamados complexos


agroindustriais. São os responsáveis pela oferta de máquinas e insumos e
possuem parques industriais onde processam a matéria-prima. Em alguns
casos, as empresas possuem fazendas ou contratos com fazendeiros, entre
eles os pequenos proprietários de base familiar. Outra característica que marca
esses complexos e a agroindústria é a presença de empresas nacionais e
multinacionais.

Portanto, a forma de produção passa agora a depender das indústrias


em uma via de mão dupla. Os agropecuaristas precisam desse segmento para
produzir e obter suas rendas, assim como a própria indústria precisa dos
produtores para obter suas matérias primas e conseguir lucro. Com isso,
surgem novos tipos de trabalho no campo.

A partir da pluriatividade no espaço rural é possível encontrar


trabalhadores empregados nos setores administrativos. E até os chamados
part-time farmer (agricultor em tempo parcial), como aponta Graziano da Silva
(1999). Esse tipo de agricultor mescla atividades agropecuárias com não
agrícolas e é um trabalhador autônomo de muitas atividades. Surgem também
nesse contexto outras figuras, como os alugadores de máquinas, que possuem
a máquina e a alugam junto com o seu serviço. Com isso, o foco passa da
produção da cultura para o comércio e serviços.

Iório (1994) refletiu sobre o papel da integração intersetorial no campo.


Para a autora, o papel do agricultor familiar integrado à agroindústria se tornou
uma grande exploração da força de trabalho e dos conhecimentos. Na
integração, as agroindústrias contratam esses proprietários, oferecem os
recursos e os maquinários, mas, ao mesmo tempo, esse trabalhador precisa
trabalhar bastante para manter os padrões de qualidade exigidos pela
empresa. Por exemplo: o frango deve ter o peso ideal no tempo estipulado pela
indústria para fazer o abate.

Com isso, a autora destaca que, como uma das consequências da


modernização, houve aumento da produção agrícola, mas também casos de
pequenos produtores que não se encaixaram no agronegócio e foram expulsos
das atividades agrícolas, gerando o aumento da concentração de terras e do
êxodo rural. Houve também crescimento da exploração da força de trabalho e
da auto-exploração dos pequenos proprietários.

Essas consequências não foram apenas de caráter social. Houve


também problemas ambientais, sobretudo pelo uso dos produtos químicos
oriundos da Revolução Verde. O uso de agrotóxicos e pesticidas prejudica o
meio ambiente, polui rios, lençóis freáticos e o solo, além de ser prejudicial à
saúde. Já as novas ocupações e atividades tendem a poluir o ar, gerar
ocupação desordenada e processos de desmatamento e erosão.
A Revolução Verde foi um programa que teve inicio nos anos 1920 com a Fundação
Rockefeller, dos Estados Unidos. O pai desse movimento é conhecido como Norman
Ernest Borlaug, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1970. O objetivo do programa era
aumentar a produção e diminuir a fome no mundo. Para isso, foram criadas novas
variedades de culturas de alta produtividade, que foram inicialmente introduzidas no
México e depois usadas em todo o mundo.

Os efeitos da Revolução Verde são defendidos por alguns, como na página


http://www.revolucaoverde.org/, e criticado por muitos. As críticas ao programa vão
desde o uso excessivo de agrotóxicos até a questão da produção de monoculturas e da
concentração de terras.

No entanto, nesse cenário ainda existe busca por novas tecnologias e


soluções para reduzir os impactos socioambientais trazidos pela modernização
do rural.

Referências Bibliográficas:

ALENTEJANO, Paulo Roberto. O que há de novo no rural brasileiro?. Revista


Terra Livre, São Paulo, nº 15, 2000.

BARROS, Regina Cohen. A agricultura e suas implicações na qualidade da


água dos riosformadores da bacia do Rio Grande em Nova Friburgo, RJ, Brasil.
In: BICALHO, Ana Maria de Souza; HOEFLE, Scott William. A dimensão
regional e os desafios à sustentabilidade rural. Rio de Janeiro: LAGET/UFRJ,
2003.

CAPORAL, Francisco Roberto; COSTABEBER, José Antônio. Segurança


alimentar e agricultura sustentável – uma perspectiva agroecológica. Ciência &
Ambiente, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, nº 27, p. 153-
166, jul.-dez. 2003.

FAJARDO, Sergio. Paisagem rural e território econômico: algumas


considerações sobre essas possibilidades de leitura do espaço agrário. Anais
do III Simpósio Nacional de Geografia Agrária – II Simpósio Internacional de
Geografia Agrária. Presidente Prudente, 11 a 15 de novembro de 2005. São
Paulo, 2005.

______. Considerações sobre o espaço rural a partir do enfoque econômico da


paisagem e do território. Caminhos de Geografia, Uberlândia, v. 11, nº 34, p.
225-234, 2010. Disponível em: <www.ig.ufu.br/ revista/caminhos.html>. Acesso
em: 25 jul. 2011.

GOMES, Maria Ferreira; ASSIS, Lenilton Francisco de. Pluriatividade e


impactos socioambientais no meio rural do município de Meruoca-CE. Revista
da Casa da Geografia de Sobral (RCGS), Sobral, v. 14, n. 1, p. 96-109, 2012.
INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Transgênicos:
feche a boca e abra os olhos. Disponível em:
<http://www.idec.org.br/ckfinder/userfiles/files/Cartilha%20Transgenico.pdf>.
Acesso em: 13 mar. 2014.

IÓRIO, Maria Cecília de Oliveira. A integração agroindustrial: o sindicalismo


ante uma versão agrária da terceirização. In: MARTINS, Heloisa de Souza;
RAMALHO, João Ricardo. Terceirização (diversidade e negociação no mundo
do trabalho). São Paulo: Hucitec, 1994.

MÁQUINA DESTRÓI pragas de lavouras com choques elétricos no RS.


Disponível em: <http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/campo-
elavoura/noticia/2013/12/maquina-destroi-pragas-de-lavouras-com-
choqueseletricos-no-rs.html>. Acesso em: 12 mar. 2014.

MARAFON, Gláucio José; RIBEIRO, Miguel Ângelo. Agricultura familiar,


pluriatividade e turismo rural: reflexões a partir do território fluminense. Revista
Rio de Janeiro, nº 18-19, jan.-dez. 2006. Disponível em:
<http://www.forumrio.uerj.br/documentos/revista_18-19/Cap-5-
Glaucio_Marafon_Miguel_Angelo.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2014.

MARAFON, Gláucio José. Relações campo-cidade: uma leitura a partir do


território fluminense. In: MARAFON, Gláucio José; RIBEIRO, Miguel Ângelo
(orgs.). Revisitando o território fluminense IV. Rio de Janeiro: Gramma, 2012.

MARAFON, Gláucio José. Permanências e mudanças no campo:


transformações no espaço rural fluminense. In: SANTOS, Angela Moulin S.
Penalva; MARAFON, Gláucio José; SANT'ANNA, Maria Josefina Gabriel
(orgs.). Rio de Janeiro: um olhar socioespacial. Rio de Janeiro: Gramma, 2010.

MONTEIRO, Rosa Cristina. As novas ruralidades políticas públicas:


proposições para um debate. In: FROEHLICH, José Marcos; DIESEL, Vivien
(orgs.). Desenvolvimento rural: tendências e debates contemporâneos. Ijuí:
Unijuí, 2009.

MOREIRA, Diogo. A estrutura fundiária brasileira. Disponível em


<http://conceitosetemas.blogspot.com.br/2013/02/a-estrutura-
fundiariabrasileira.html>. Acesso em: 09 mar. 2014.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E


AGRICULTURA. Histórico. Disponível em:
<https://www.fao.org.br/quemSomos.asp> Acesso em: 13 mar. 2014.

RUA, João. As crises vividas pelo Estado do Rio de Janeiro e a emergência de


novas territorialidades em áreas rurais. In: MARAFON, Gláucio José; RUA,
João; RIBEIRO, Miguel Ângelo (orgs.). Abordagens teórico-metodológicas em
geografia agrária. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007.
SENE, Eustáquio; MOREIRA, João Carlos. Geografia Geral e do Brasil: espaço
geográfico e globalização. 4ª ed. São Paulo: Scipione, 2010.

SILVA, José Graziano da. O que é questão agrária. 4ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1981. Disponível em <http//: www.mda.gov.br> acesso em 11 mar.
2014.

SILVA, José Graziano da. O novo rural brasileiro. São Paulo: Unicamp/IE,
1999.

WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José C. M. Formação do Brasil Colonial. 2ª


ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

Você também pode gostar