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Antropologia Filosófica
Antropologia Filosófica
Antropologia Filosófica – Prof. Juan Antonio Acha e Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
Caderno de Referência de Conteúdo
Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Claretiana, 2012 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013
128 A16a
ISBN: 978-85-67425-55-9
CDD 128
Preparação Revisão
Aline de Fátima Guedes Cecília Beatriz Alves Teixeira
Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Martins
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Luis Henrique de Souza Projeto gráfico, diagramação e capa
Patrícia Alves Veronez Montera Eduardo de Oliveira Azevedo
Rita Cristina Bartolomeu Joice Cristina Micai
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Simone Rodrigues de Oliveira Luis Antônio Guimarães Toloi
Raphael Fantacini de Oliveira
Bibliotecária Tamires Botta Murakami de Souza
Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Wagner Segato dos Santos
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer
forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na
web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do
autor e da Ação Educacional Claretiana.
Unidade 3 – CARACTERÍSTICAS DA
PESSOA HUMANA, CONSTITUTIVOS ESSENCIAIS
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 119
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 119
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 120
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 121
5 CATEGORIAS PARA COMPREENDER O HOMEM............................................. 121
6 LIBERDADE......................................................................................................... 124
7 HISTORICIDADE................................................................................................. 133
8 COMUNICAÇÃO................................................................................................. 134
9 HOMEM: SER HISTÓRICO E VALORES.............................................................. 141
10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 148
11 CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 149
12 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 150
13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 150
CRC
Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
História da antropologia filosófica. Conceito de pessoa humana e as diferentes
concepções filosóficas sobre o homem. Estrutura do ser humano: ser bio-psíqui-
co-espiritual-transcendente. Características da pessoa humana: história e cons-
titutivos. Amor interpessoal: dimensão constitutiva da pessoa humana. O eu e o
mundo.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
1. INTRODUÇÃO
A Antropologia Filosófica é um campo de estudo que tem
como objetivo desvendar o fundamento da existência do homem. O
tema do homem não é novo, desde sempre impulsionou a reflexão
filosófica. Conhecer-se a si mesmo – essa inquietude, que o homem
carrega consigo desde que existem registros históricos, constitui a
discussão central deste Caderno de Referência de Conteúdo Antro-
pologia Filosófica.
Mesmo que a intenção primeira desse saber seja conhe-
cer o homem em sua metafísica essencial (para poder antecipar
10 © Antropologia Filosófica
Abordagem Geral
Prof. Juan Antonio Acha
Conhece-te a ti mesmo
Muito bem, todos os filósofos de alguma forma tem acatado
essa máxima. Sem dúvida, são muitas as interpretações, mais o
sentido do que foi escrito ninguém discute.
Essa frase está dirigida ao homem concreto, a esse homem
que é sujeito de toda a religião e de toda a filosofia.
Temos perguntas muito antigas, como:
• Quem é o homem e, portanto, que sou eu?
• Qual é o sentido da existência?
• Em que medida o homem é ser?
• Qual é seu nível ontológico?
Elas resumem o sentimento do homem, que quer saber o
que o constitui e em que ele se diferencia do resto da natureza.
Essa é a principal preocupação que move o estudo da Antropolo-
gia Filosófica.
Vejamos a seguinte definição de Antropologia Filosófica:
Pode chamar-se antropologia filosófica a todo intento de assumir
os problemas específicos do homem para esclarecer, segundo uma
reflexão metódica filosófica, o grande interrogante que o homem
faz para si mesmo: que significa ser homem? Noutros termos An-
tropologia Filosófica é a disciplina que tem o homem como objeto
de sua investigação com a finalidade de esclarecer os aspectos fun-
damentais de sua essência e existência (GEVAERT, 1995, p. 21).
Glossário
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados no Caderno de Referência de
Conteúdo Antropologia Filosófica. Veja, a seguir, a definição dos
principais conceitos:
1) Acidente: tudo aquilo que não é essência, que é circuns-
tancial.
2) Ágape: amor profundo, sublime, termo para diferenciar
o amor de Deus para o mundo.
3) Alétheia: palavra grega que faz referência às coisas que
são vistas como são.
4) Alteridade: vem do latim alter, cujo significado é outro.
Esse termo é tomado no seguinte sentido: existência do
próximo; encontro com o outro; reconhecimento do outro.
© Caderno de Referência de Conteúdo 23
ESPÍRITO (Geist)
Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser
de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como re-
lacioná-las com a prática do ensino de Filosofia pode ser uma forma
de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a resolução de
questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se preparando
para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso, essa é uma
maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos e adquirir
uma formação sólida para a sua prática profissional.
Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabari-
to, que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões
autoavaliativas de múltipla escolha.
Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.
Dicas (motivacionais)
O estudo deste CRC convida você a olhar, de forma mais apu-
rada, a Educação como processo de emancipação do ser humano.
É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas
e científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem
como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao com-
partilhar com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se
descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a
notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto,
uma capacidade que nos impele à maturidade.
Você, como aluno dos Curso de Graduação na modalidade
EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente.
Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor
presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri-
mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades
nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em seu ca-
derno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas poderão ser utili-
zadas na elaboração de sua monografia ou de produções científicas.
© Caderno de Referência de Conteúdo 31
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBAGNANO, N. História da filosofia. Lisboa: Presença, 1985.
AGOSTINHO. A Cidade de Deus. Lisboa: Fundação Gulbenklan, 2000.
ALES BELLO, A. A fenomenologia do ser humano. Bauru: EDUSC, 2000.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril S.A. 1973. v. 4. (Os Pensadores).
______. De Anima. São Paulo: Ed. 34, 2006.
______. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002.
BEAUVOIR, S. El segundo sexo. Buenos Aires: Siglo XX, 1972. vol. 1.
BLANCO, G. P. Curso de antropología filosófica. Buenos Aires: Educa, 2000.
BOFF, L. Saber cuidar. Petrópolis: Vozes, 2001.
BUBER, M. ¿Qué es el hombre?. México: FCE, 1976.
BURGOS, M. Repensar la naturaleza humana. Madrid: Ediciones Internacionales
Universitarias, 2007.
CASSIRER, E. Antropologia filosófica. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1977.
CUSA, N. A visão de Deus. Lisboa: Fundação Calouste Guibenkian, 1998.
COTTINGHAM, J. Descartes: a filosofia da mente de Descartes. Tradução de Jesus de
Paulo Assis. São Paulo: Editora UNESP, 1999. (Coleção Grandes Filósofos).
DESCARTE, R. Os princípios da filosofia. Lisboa: Edições 70, 1997.
______. Regras para a orientação do espírito. São Paulo: Martin Claret, 2005.
DIRISI, O. N. Estudio de la metafísica y gnoseología. Buenos Aires: Educa, 1985.
______. Esbozo de uma epistemologia tomista. Buenos Aires: Ediciones de los Cursos
de Cultura Católica, 1966.
DURKHEIM, E. Sociologia e filosofia. São Paulo: ícone, 2003.
ETCHEBEHERE, P. R. Antropologia filosófica. Una introducción al estudio del hombre y de
lo humano. Buenos Aires: Ágape, 2008.
FRANKL, V. E. Logoterapia e análise existencial. Campinas: Editorial Psy II, 1995.
______. Psicoterapia e sentido da vida. Fundamentos da logoterapia e análise existencial.
São Paulo, Quadrante, 2003a.
______. Fundamentos antropológicos da psicoterapia. Rio de janeiro: Zahar Editores, 1988.
______. Psicoterapia e sentido da vida. São Paulo: Quadrante, 2003b.
______. Logoterapia e análise existencial. Campinas: Psy II, 1995.
FROMM, E. A arte de amar. Belo Horizonte: Itatiaia, 1970.
GALATINO, N. Dizer homem hoje: novos caminhos da antropologia filosófica. São Paulo:
Paulus, 2003.
GEVAERT, J. O Problema do homem. Salamanca: Sigueme, 1995.
GROETHUYSEN, B. Antropologia filosófica. Lisboa: Presença, 1988.
GUARDINI, R. O mundo da pessoa. São Paulo: Duas Cidades, 1991.
HESSEN, J. Filosofia dos valores. Tradução de Cabral de Moncada. Coimbra: Armênio
Amado Editor, 1980.
______. Tratado de filosofia. Tomo III. Buenos Aires: Sudamericana, 1962.
______. Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
HEIDEGGER, M. Kant y el problema de la metafísica. México: FCE, 1954.
______. Ser e o tempo. Petrópolis: Vozes, 2003.
HUGON, E. Las veinticuatro tesis tomistas. México: Porrúa, 1974.
JOLIF, J. Y. Compreender o homem. São Paulo: Herder, 1970.
JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. Petrópolis: Vozes, 1980.
______. Lo inconciente en la vida psíquica normal y patológica. Buenos Aires: Lozada,
2000.
______. Cartas sobre o humanismo. São Paulo: Centauro, 2005.
JUNG MO SUNG. Educar para reencantar a vida. Petrópolis: Vozes, 2007.
LEVINAS, E. Totalidade e infinito. Lisboa: Edições 70, 1980.
______. El tiempo y el otro. Barcelona: Paidós, 2006.
LÉVY-STRAUSS, C. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970.
LOPEZ QUINTAS. O amor humano. Petrópolis: Vozes, 1995.
LUCAS, S. J. As dimensões do homem. Salamanca: Sigueme, 1996.
MANDRIONI, H. Introdução à filosofia. Buenos Aires: Troquel, 1954.
MARÍAS, J. O. Tema do homem. São Paulo: Duas Cidades, 1975.
© Caderno de Referência de Conteúdo 33
4. E-REFERÊNCIAS
Figura
Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteúdo Antropologia
Filosófica. Adaptado de MAPAS CONCEITUAIS NA EDUCAÇÃO, 2012. Disponível em:
<http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>.
Acesso em: 16 jan. 2012.
Sites pesquisados
Bento XVI. Homilia na festa do Corpo de Deus, 22.5.2008. Disponível em: <http://noticias.
cancaonova.com/noticia.php?id=260781>. Acesso em: 16 jan. 2012.
FRANK, V. Obras. Disponível em: <http://www.centroviktorfrankl.com.ar/bibliografia.
html>. Acesso em: 16 jan. 2012.
MAPAS CONCEITUAIS NA EDUCAÇÃO. Disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/
mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 16 jan. 2012.
SARTRE, J-P. O existencialismo é um humanismo. Disponível em: <http://www.
diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/sugestao_leitura/
filosofia/texto_pdf/existencialismo.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2012.
EAD
História da
Antropologia
Filosófica
1
1. OBJETIVOS
• Interpretar o significado e a missão da Antropologia Filo-
sófica.
• Analisar, comparativamente, as diferentes concepções fi-
losóficas sobre o homem.
• Reconhecer e analisar a problemática do método, ponto
de partida para entender a disciplina e seu objeto de es-
tudo: o homem.
• Percorrer os caminhos que Max Scheler traça em sua obra
para entender a Antropologia Filosófica Contemporânea.
• Identificar e interpretar os pressupostos básicos das prin-
cipais teses sobre o homem, e, entre elas, o conceito de
"pessoa humana".
36 © Antropologia Filosófica
2. CONTEÚDOS
• Enfoque das principais antropologias.
• Método da Antropologia Filosófica.
• Evolução da ideia do espírito.
• Principais pensadores e suas autorias em relação ao qua-
dro da disciplina.
• Interpretação da obra de Max Scheler.
• Concepção de homem na Antiguidade, na Idade Média e
na Idade Moderna.
• Interpretação materialista e espiritualista do homem.
• Influência da concepção cristã de homem e da pessoa hu-
mana.
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nesta unidade, estudaremos as diferentes interpretações do
homem. Para tanto, começaremos pela análise do ponto de vista
das ciências empírico-formais, cujo alcance se restringe a seu ser
psicofísico. Analisaremos, também, os conhecimentos provenien-
tes das ciências do espírito, da Antropologia Social, da Sociologia,
da História e da Antropologia Filosófica. Esta última tem como ob-
jetivo descrever os conceitos universais de todos os homens, ou
seja, a essência do homem.
© U1 - História da Antropologia Filosófica 39
6. ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
São muitas as disciplinas que estudam o homem. Entretanto,
a única que o encara, de frente, como diz Theilhard de Chardin
(2001, p. 321), é a Antropologia Filosófica, que mantém uma re-
lação estreita com a reflexão filosófica. Sem dúvidas, a ciência
empírico-formal fornece uma compreensão precisa e muito rica
do ser humano. Mesmo assim, o desejo de ter um conhecimento
fundamental sobre homem continua insatisfeito.
Nem as ciências exatas, nem a psicologia, nem as ciências so-
ciais têm acesso à totalidade sobre o que é o homem; por isso, faz-se
necessário um conhecimento que unifique todos esses saberes sobre
o homem, imprimindo-lhes uma direção. A necessidade de um dis-
curso filosófico aplicado à antropologia surge porque o ser humano
não pode ser entendido em sua totalidade se convertido em objeto
de investigação. Para entendê-lo, é preciso seguir o caminho da refle-
xão, superar o nível da doxa e construir uma episteme.
Informação ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Etimologicamente, a palavra "antropologia" deriva da raiz grega anthropos (ho-
mem), que é derivada de ándrios, termo que designa o humano, mulher e ho-
mem, e da terminação logia (ciência). Significa a ciência do homem.
O termo "filosofia" também deriva de um termo grego, philosophia, e indica um
saber. Entretanto, saber compreende não só opinião ou doxa, mas, também, o
saber "cultivado", a episteme, que é um estudo dirigido à compreensão e à ex-
plicação a realidade. No caso da philosophia, estamos nos referindo a um saber
elaborado metodicamente.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U1 - História da Antropologia Filosófica 41
O Homo Sapiens
O homem participa da mesma ordem dos primatas superio-
res. No entanto, não pode ser considerado apenas um primata que
caminha ereto; afinal, ele é algo a mais na escala zoológica.
Teilhard de Chardin (2001, p. 188) escreve: "Nós ficamos
perturbados ao constatar o quanto o Anthropos, apesar de certas
preeminências mentais incontestáveis difere pouco, anatomica-
mente, dos outros Anthropôides".
Situando o ser homem dentro da escala zoológica, podemos
afirmar que ele pertence ao: reino animália, sub-reino dos metazoa,
filo vertebrata. Classe mammalia. Ordem primata. Família hominidae.
Gênero homo. Espécie homo sapiens ou anthropus (CURTIS, 1977).
Então, surge o seguinte questionamento: por que o homem
não pode ser considerado simplesmente um animal? Isso aconte-
ce porque o animal vive imerso no ecossistema, faz parte deste;
seu conhecimento é rudimentar, ele conhece esta ou aquela árvo-
Tipos de antropologia
As ciências empírico-formais não tratam do homem na con-
dição de homem, apenas investigam a realidade humana sob um
determinado aspecto, no qual são muito eficientes (RABUSKE,
2003). Vamos conhecer, neste momento, as principais escolas an-
tropológicas que existem na atualidade, bem como suas especia-
lizações.
Antropologia Física
A primeira antropologia que aparece no horizonte investiga-
tivo é a Antropologia Física ou Natural, cujo auge se dá no século
19. Esta sempre foi uma parte da biologia – portanto, estuda o
homem a partir do biológico. Dá importância à estruturação óssea
e à medida craniana para determinar diferenças raciais. Estuda a
pigmentação, a forma e a cor dos cabelos, dos olhos, do nariz, das
linhas papilares etc., a fim de estabelecer os grupos de organismos
de morfologia análoga.
© U1 - História da Antropologia Filosófica 43
Antropologia Cultural
É o estudo antropológico mais difundido na atualidade.
Como a Antropologia Física, também esteve presente como ciên-
cia no século 19. A Antropologia Cultural foi impulsionada pela
necessidade de estudar a humanidade do ponto de vista social,
partindo de traços raciais, mas sem deixar de diferenciar suas prin-
cipais características somáticas. Estuda o ente cultural, suas estru-
turas sociais, linguagem, costumes, leis, obras artísticas e estrutu-
rais, dando ênfase aos fatos culturais, como religião, direito, moral,
artes, ferramentas, folclore etc.
Mesmo que a humanidade esteja constituída por uma só es-
pécie, o homo sapiens, para o estudo do homem, a Antropologia
Cultural estabelece subdivisões: o estudo dá-se a partir da cultura
e leva em conta os caracteres somáticos genotípicos, ou seja, he-
reditários, e os adquiridos.
Antropologia Teológica
Baseada na Bíblia e nos tratados canônicos, a Antropologia
Teológica parte da Criação ex nihilo, Gênesis (1,1-2), e toma impor-
tância a partir do Concílio Vaticano II. Mede o homem à imagem
de Deus e, partindo desta, faz conjecturas de seu existir.
Antropologia Psicológica
Existe mesmo uma Antropologia Psicológica? Psicólogos re-
fletem sobre o homem, comparando/analisando o ser humano do-
ente com o "normal". A prática dos trabalhos publicados demons-
tra que esses cientistas acabam sempre abordando a Antropologia
Filosófica.
Heráclito e Parmênides
Os pensadores gregos, especialmente os denominados pré-
-socráticos, estiveram centrados no estudo da natureza. Heráclito não
demorou a perceber que o homem era o ponto culminante dessa na-
tureza por causa da capacidade própria para perceber o sentido que
as coisas possuem. Já Parmênides viu a capacidade que o homem tem
para raciocinar sobre as aparências e compreender a realidade. Esses
filósofos colocaram o homem, que é parte integrante da physis, em
um degrau (ou patamar) superior ao resto da natureza.
Resumindo
O orfismo religioso da Grécia defende a concepção dualista
do ser humano. A alma, para esses pensadores da religião de Or-
feu, é de origem divina, eterna, e anima o corpo. Este, entretanto,
é concebido como o "cárcere da alma".
Essa ideia foi adotada pelos filósofos denominados pitagóri-
cos e se encontra também em Platão. Todos eles defendem que a
alma e o corpo são de natureza diferente por pertencerem a dois
mundos distintos. O corpo pertence ao mundo sensível (aquele
determinado pelas mudanças e sujeito à corrupção depois da mor-
te); a alma, ao mundo ideal (mundo inteligível, eterno e divino,
que é idêntico a si mesmo). O homem, como já mencionamos, fica,
então, diferenciado pela alma.
Para conciliar o princípio grego de que tudo é composto de ma-
téria, Platão concebe a alma como composta da matéria do mundo das
ideias. Para ele, desse modo, a alma é princípio de conhecimento.
© U1 - História da Antropologia Filosófica 57
Nicolau de Cusa
Profundamente humanista, é um grande estudioso dos da-
dos herdados da Antiguidade (MARIAS, 1975, p. 133). Destaca-se
em sua obra:
1) Termo microcosmo: termo grego utilizado para designar
a natureza humana intelectual e sensível.
2) Sensibilidade: subordinada à razão – e esta, ao entendi-
mento, que está por cima do mundo e do tempo. Des-
creve o homem como uma criatura de dois mundos.
3) Mente: é depositária da sabedoria infinita, precisa dos
dados sensíveis. Mente "mens", de "mensura": alcança
sua capacidade em relação com as coisas do mundo, en-
quanto o conhecimento é dado por semelhança.
4) Conhecimento sensível: particular – só o conhecimen-
to intelectual, universal e abstrato possui características
divinas.
Para Nicolau de Cusa, em Jesus está a perfeição, que o ho-
mem deve sempre desejar e procurar. Jesus é a natureza intelectu-
al de grau máximo.
René Descartes
Para falar de Antropologia Moderna, temos de falar sobre
René Descartes.
Pensador, filósofo e cientista que deu início a uma nova for-
ma de pensar o mundo, baseada numa profunda análise metafísi-
© U1 - História da Antropologia Filosófica 65
Substância e acidente
Muito já se falou de substância. Vamos, agora, entender o
significado desse termo. Os seres estão em relação de dependên-
cia, igualdade, desigualdade, influência etc. Sem essas relações, as
substâncias permaneceriam desconhecidas, sem comunicação.
Toda potência está em ato primeiro e, quando exercida, pas-
sa a ato segundo. Pensemos em uma criancinha recém-nascida,
que tem em ato primeiro a faculdade de caminhar, mesmo que
não a exerça em ato segundo. O desenvolvimento posterior pode
ou não acontecer; por isso é que afirmamos que o desenvolvimen-
to é acidental. A partir desse exemplo, podemos concluir que o
desenvolvimento da pessoa é acidental, mesmo que a faculdade
(no caso de caminhar) pertença à substância, à essência.
Substância significa "o que está por baixo", ou seja, é a fundação.
O termo substância refere-se a uma interdependência ôntica dos seres.
Sua utilização para indicar o que não muda ante os fenômenos provém
da Escolástica. Aristóteles definia substância como o que é em si.
A substância no homem é formada pela união de dois ele-
mentos: o material e o espiritual. Por ter consistência, sustenta os
acidentes. Os acidentes mudam enquanto a substância permane-
ce. Ela é responsável:
• pela unidade;
• pela permanência.
O que você não pode perder de vista na corrente do raciocí-
nio é o conceito que diz que a sustância é o fundamento unitário
© U1 - História da Antropologia Filosófica 73
ATENÇÃO!
É importante saber que não temos de pensar em sustância como
uma coisa rígida, imutável; a sustância é dinâmica. Essa aprecia-
ção, introduzida por Leibniz, foi logo complementada pelo filósofo
católico Lotze.
ATENÇÃO!
Você pode encontrar mais informações sobre esse assunto na
obra de Hugon Eduardo. Vinte Quatro Teses Tomistas, México:
Porrúa S.A., 1974. p. 44.
Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) a.
2) c.
3) a.
4) RESPOSTA:
O homem é uma criatura conhecida e querida por Deus.
O homem deixa a concepção grega, que o analisava dentro da natureza, para
ser participação da divindade. Assim, deixa de ser "algo" para ser "alguém", e
passa a ter uma identidade, a ser um ego.
O homem foi criado à imagem de Deus, que não quer o homem como mais
um ser da criação, mas como a criatura dona de si e de seus atos.
O homem é pessoa humana. Conceito que vai diferenciar o homem do resto
dos seres. O ser humano é pessoa porque possui independência racional e é
dotado de inteligência e vontade livre. Esses atributos exclusivamente huma-
nos fazem que ele seja responsável por seus atos.
19. CONSIDERAÇÕES
Platão, Aristóteles e os pré-socráticos tentaram entender o
homem partindo do cosmo e destacaram a alma como princípio de
conhecimento. Tudo isso dentro do dualismo ou da união substan-
© U1 - História da Antropologia Filosófica 77
20. E-REFERÊNCIAS
Lista de figuras
Figura 1 Max Scheler. Disponível em: <http://de.wikipedia.org/wiki/Max_Scheler>.
Acesso em: 10 jan. 2012.
Site pesquisado
DIEGUEZ, K, G. Francesco Petrarca – a obra. Disponível em: <http://www.estacio.br/
rededeletras/numero8/parlaquetefabene/petrarca_obra.asp>. Acesso em: 10 jan. 2012.
2. CONTEÚDOS
• Elementos constitutivos do ser humano.
• Princípios essenciais do ser humano.
• Relação funcional das dimensões constitutivas do ser hu-
mano.
• Descrição da unidade vital do homem, o sujeito.
• Caracteres constitutivos do ser humano.
• O homem, ser social.
• Surgimento da personalidade e a relação com o outro.
• Características existenciais do homem.
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na Unidade 1, você teve oportunidade de ver que existem
diversas interpretações filosóficas sobre o homem, as quais o ex-
plicam de diferentes perspectivas:
• As que dão ênfase ao físico: o homem atuaria sustenta-
do pelas características físico-biológicas, sem se admitir
que possa existir entre ele e a natureza uma diferenciação
qualitativa.
• A existencialista, que enfatiza a construção da personali-
dade na existência.
• Os que defendem que há, entre o homem e a natureza,
uma diferenciação ontológica. Por sua capacidade supe-
rior, o homem pode passar por cima do determinismo da
matéria e da existência.
Nesta unidade, você vai perceber que o estudo da Antropo-
logia Filosófica tem por objetivo abranger o homem em sua to-
talidade. Por isso, é de vital importância saber como se unificam
Dualismo corpo-alma
O dualismo é uma concepção que está sempre presente na
concepção antropológica. Os filósofos "pitagóricos gregos" pensa-
vam que a alma era imortal, vinha do céu e caía na Terra para en-
trar no corpo, ao qual ficava atada. Por isso, eles buscavam, com a
"liberação do corpo", o "retorno".
Corpo e espírito, esses dois termos opostos em natureza,
criaram sucessivas discussões. A filosofia aristotélica e, logo, a cha-
mada filosofia perene, virão para auxiliar na superação do proble-
ma criado pelo dualismo, em que a alma espiritual e o corpo físico
existem como dois seres separados.
A filosofia tradicional, superando essa concepção dualista,
contempla todos os fundamentos da pessoa humana sem recor-
tar aspectos de sua realidade. Para isso, leva em consideração, no
momento de uma análise antropológica, os aspectos psicológico,
biológico e espiritual, considerando não só as particularidades ôn-
ticas, mas também a dimensão existencial.
© U2 - Estrutura do Ser Humano: Ser Bio-Psíquico-Espiritual-Transcendente 85
A dimensão espiritual––––––––––––––––––––––––––––––––––
O homem é um horizonte entre corporal e espiritual. Cabe então falar do es-
piritual. Porém, há uma necessidade ontológica de falar do espírito ou é, uma
necessidade metafórica?
Ou, com outras palavras, se ajusta somente à descrição do homem como hori-
zonte ou tem uma real existência além do simbólico?
Por experiência, percebemos uma diferença entre o vivo e o inerte, isto é, naquilo
que manifesta vida e o que nunca teve – uma cadeira, por exemplo – ou não tem
vida porque a perdeu – um animal morto –. Por outra parte também experimen-
tamos algo comum que existe entre o vivo e o morto, e isso comum é o material.
Deve existir algo mais que somente matéria para poder explicar a vida. E esse
"algo mais", esse outro que não está nos seres mortos, o chamamos alma ou
espírito.
Isso que foi colocado tem alguns pressupostos. Por um lado, devemos experi-
mentar a diferença entre o vivo e o morto, isto é, devemos ver uma heterogenei-
dade no real, uma diferença radial entre estar vivo e estar morto.
Isto significa que "esses 21 gramas", que diferenciam um ser vivo de um morto
não pertencem à mesma hierarquia que o material. Seja como for, imaginemos
como imaginemos, o que chamamos alma é o que dá sentido a essa matéria,
sem a qual a matéria dissolve-se nos diferentes elementos que a compõem. Ou
para dizer de outra maneira, quando a alma se vai da carne, esta se torna corpo
e os elementos que a compõem retornam a suas formas primitivas, o úmido do
corpo volta a ser líquido, e se evapora, por exemplo.
© U2 - Estrutura do Ser Humano: Ser Bio-Psíquico-Espiritual-Transcendente 87
O outro pressuposto é que essa teoria da alma não deve ser uma solução por
ignorância, isto é, não devemos dizer "espírito" onde a ciência biológica diz "ain-
da não sei".
A Antropologia filosófica, neste caso enquanto psicologia ou estudo da alma,
deve se esforçar em dialogar com as ciências biológicas, tanto para a superação
do esquema cartesiano de res cogitans / res extensa, como para a superação do
esquema ciências do espírito/ciências da natureza.
Assim, podemos dizer que existe uma alma ou espírito que anima, isto é, dá
vida a uma matéria, fazendo com que passe de corpo a carne. Temos usado
indistintamente o termo alma como o termo espírito, porém, cabe fazer algumas
distinções. Neste livro de antropologia preferimos usar a palavra "espírito" mais
que "alma", porque este termo nos permite mostrar o mais propriamente huma-
no, em comparação com os outros seres viventes e, por outro lado, nos leva a
pensar algo mais que humano.
Os usos da palavra espírito.
A palavra "espírito" chega a nossos ouvidos com um som de divindade. Um dos
usos desse termo é o religioso. Espírito é uma das pessoas da trindade. Assim,
então, quando usamos essa palavra no que diz respeito ao homem, teremos que
assinalar que algo dele é divino, que alguma participação tem com a natureza
de Deus.
O segundo uso desta palavra já não é no singular, mas, sim, no plural. Falamos
de "os espíritos" para nos referirmos à realidade demoníaca, isto é, realidades
que fazem de nexo entre os deuses e os homens. Assim se entende o demônio
de que falava a Sócrates e que lhe aconselhava o que não fazer, ou a caracteri-
zação que faz Platão do amor no Banquete. O espírito como demônio é um poder
capaz de unificar as diferentes forças da alma humana dando-lhe um sentido,
uma orientação superior.
Na história do pensamento o termo "gênio" se aplica à pessoa que é muito in-
teligente, com o qual vemos que o espiritual é referido diretamente ao racional
não tanto ao afetivo. Porém, "gênio" se aplica também à pessoa que se destaca
sobre o comum, àquele que tem certo carisma que o torna atrativo aos demais,
ou, em outras palavras, é um ídolo para os demais. Tanto demônio como gênio
têm a capacidade de colocar o homem além de seus limites. Então podemos di-
zer que o demônio e o gênio possuem a característica de propor uma forma nova
de atuar, rompem com a rotina e anunciam algo novo, aí está a genialidade – por
sua novidade – seja inicialmente rejeitada, mal compreendida.
O terceiro uso da palavra espírito se aplica à atitude que tomamos perante as
dificuldades. Assim, dizemos que um ancião tem espírito quando apesar da idade
e das enfermidades tem uma visão otimista das coisas, ou também o usamos
quando alguém se sobrepõe a enfermidades muito graves. A força do espírito
aparece então em situações limites, sob as quais a maioria das pessoas decai.
Então, podemos dizer que, se a carne mostra claramente os sinais de finitude, o
espírito os assume, porém não se dá por vencido.
Da Alma
Anteriormente dizemos que preferíamos o uso do termo "espírito" para falar da-
quilo que dá vida, que vivifica. Porém, agora cabe fazer uma aclaração. Na his-
tória da Antropologia, os autores têm oscilado entre dois modelos de constituição
do homem: o bipartido ou o tripartido.
O modelo bipartido é aquele que diz que o homem está composto de corpo e
alma. Então são dois os princípios essenciais do homem. Este modelo tem a
vantagem de ser simples – dentro do que se pode tratar aqui de simples – e ter
uma valorização positiva do corpo. Ainda que a simplicidade do modelo tenha
como desvantagem dificultar a visão espiritual da alma.
É por isso que alguns autores adotaram o modelo tripartido. Segundo esse mo-
delo, o homem está composto de corpo, alma e espírito (PLATÃO, República). O
homem tem assim um princípio vital, que é a alma, e que tem como função ani-
mar o corpo, porém, tem também o espírito, que se distancia do material e é onde
propriamente o humano mora. Vemos então como esse modelo tem a vantagem
de dar uma característica espiritual ao homem e claramente uma dimensão que
entra em comunhão com o transcendente; porém, tem como desvantagem des-
considerar o carnal, dado que o humano tende, como já dizemos, a localizar-se
no espiritual. A outra vantagem que possui esse modelo é que permite um trata-
mento da alma como realidade independente do espírito e, portanto, o que afeta
a um não afeta ao outro. Porém, essa vantagem se transforma em problema:
deixa muito comprometida a unidade do homem.
Porém, essa infinita abertura da alma, que a constitui em alma espiritual, envolve um
risco, envolve o drama da alma. Porque enquanto é infinita, a alma pode se perder,
pode não encontrar seu sentido e cair em desespero. Seguindo Kierkegaard, podemos
dizer que o desesperado é aquele que não é o que é, e é o que não é. O desespe-
rado aparece como aquele que, graças a essa capacidade de ser tudo, não é nada
(KIERKERGAARD, Tratado da desesperação). Vai de um lado para o outro, sem lugar
próprio, sem destino fixo. Assim, a infinitude da alma pode ser seu fundamento, porém
também seu abismo. (ETCHEBEHERE, 2008, p. 47-52, tradução nossa).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A essência do homem––––––––––––––––––––––––––––––––––
Surge agora, aqui, a questão decisiva para o conjunto do nosso problema: se a
inteligência está já presente no animal, existirá ainda mais do que uma simples
diferença de grau entre o homem e o animal – haverá também uma diferença
O animal não tem uma "vontade" que sobreviva aos seus impulsos e à sua mu-
dança e que, na alteração dos seus estados psicofísicos, possa garantir uma
continuidade. Um animal chega sempre, por assim dizer, a um lugar diferente da-
© U2 - Estrutura do Ser Humano: Ser Bio-Psíquico-Espiritual-Transcendente 93
Sobre esse tema, você, além de outras obras, pode ler o Capítulo
2, intitulado "A vida", da obra O homem que é ele?, de B. Mondin.
Espírito
Gevaert (1995) explica que o termo "espírito" é um termo
"complicado" por ser vago e impreciso. Muitas vezes, expressa
um fenômeno vital concreto: hálito, e, outras vezes, um princípio
exclusivamente humano: atman, pneuma, spíritus etc. No nível
filosófico-antropológico, esse termo é empregado para simbolizar
aquilo que é humano e que não pode ser reduzido a fenômenos
materiais definidos pela causalidade ou pela realidade espaçotem-
poral.
Como explica Royce (apud GEVAERT 1995, p. 140): "Denomi-
na-se espiritual o sujeito que pode atuar sem depender intrinseca-
mente da matéria. O espiritual não inclui uma dependência extrín-
seca da matéria e sim intrínseca". Indica que a pessoa humana não
pode ser compreendida unicamente desde a dimensão material
por ser tanto material quanto espiritual.
Sabemos que o espírito é a dimensão constitutiva que dife-
rencia o humano do resto da criação. O espiritual é a dimensão
própria do homem e, embora seja a dimensão específica, não é a
única dimensão, pois o homem é uma unidade e uma totalidade
biológica, psicossocial e espiritual.
Filósofos e teólogos definem o homem como o resultado da
imersão do espírito na matéria. A maioria defende a ideia de que
não é imersão acidental e sim substancial e, a partir dessa caracte-
rística ontológica, o homem é uma pessoa espiritual.
Veja, a seguir, um pequeno texto sobre a diferenciação entre
psique e espírito.
© U2 - Estrutura do Ser Humano: Ser Bio-Psíquico-Espiritual-Transcendente 95
Corpo
O corpo, assim como o espírito, não é um sistema comple-
to. Ambos, corpo e espírito, formam partes, como subsistemas de
uma estrutura superior: a pessoa humana. Sobre o corpo, pode-
mos destacar as seguintes concepções:
1) O corpo coloca a pessoa dentro dos organismos vivos;
existimos como corpo.
2) O corpo é expressão, comunicação.
3) Pelo corpo, a pessoa tem identidade.
4) O corpo permite a existência física e, na existência, a
pessoa aperfeiçoa-se.
5) Pelo corpo, o espírito pode ter consciência do mundo.
O corpo da pessoa representa muito mais que o organismo.
Enquanto o organismo sintetiza o orgânico, que é uma forma par-
ticular, o corpo é o elemento constitutivo de uma realidade com-
pleta: a pessoa humana, bio-psíquica-espiritual.
O corpo é uma parte constitutiva do homem concreto por es-
© U2 - Estrutura do Ser Humano: Ser Bio-Psíquico-Espiritual-Transcendente 97
7. HOMINIZAÇÃO
O termo "homem", ou hominis, não indica somente um
grau diferente dentro da escala zoológica; ele sugere alguma coisa
mais. Quando se pensa o homem, um dos questionamentos mais
comuns é: "de onde ele surge?".
Sabemos que, pela reprodução sexuada, herdamos de nos-
sos pais o quadro cromossômico. Dessa união, surge um novo ser,
que, produto da gestação, vai ter uma carga genética dos pais e,
também, vai ser um novo eu. Mas por que "novo eu"? Porque esse
sujeito que espreita o mundo é uma figura nova, com uma reali-
dade própria. Como os seus pais, esse novo eu vai possuir uma
existência particular, unitária, intransferível e indivisível. Esse ser
humano é, portanto, único.
A escolástica chama de haecceitas o princípio de individua-
lização. Nessa explicação muito simples, acabamos de descrever
uma hominização filogenética. Entretanto, há outra, paralela, cha-
mada ontogênica, que é caracterizada pela infusão do espírito.
Aristóteles diz que o espírito vem do exterior (thyrathen).
O que sabemos é que o espírito é constitutivo do ser humano,
afinal, ninguém carece dele, nem tem dois ou mais. O ato repro-
dutivo possibilitou a hominização e esse ser humano novo está
composto de:
Natureza do homem
O homem tem uma natureza que é universal a todos os homens.
Entretanto, ele não é uma realidade estática, pois o homem concreto
é um ser dinâmico que forja sua personalidade na existência.
A inteligência instrumental, ou seja, o uso do pensamento
como instrumento, não é particular do homem, afinal, ela é co-
mum a todos os primatas superiores. O que é propriamente huma-
no é a capacidade de individualizar as coisas como meio para satis-
fazer necessidades e perceber as essências dos entes, das coisas.
Uma vez que o homem é o único ser que possui essa capacidade,
ele se sente um ente separado da natureza.
O homem é um animal, mas, diferentemente dos outros
animais, não se sente produto da evolução da vida e não se sen-
te somente natureza. Biólogos, como Portmann e Gehlen (apud
FRANKL, 2003), afirmam que o homem não tem um lugar definido
dentro da natureza e não possui um desenvolvimento orgânico de-
terminado. Ele é livre diante do meio.
A pergunta que se refere ao nascimento da espécie humana
tem, hoje, respostas controversas. A maioria das informações
disponíveis é baseada em descobertas de restos mortais, que estão,
muitas vezes, aos pedaços e sem o entorno cultural. Partindo dos
dados disponíveis sobre o aparecimento dos primeiros mamíferos,
vamos falar em pelo menos 200 milhões de anos, e o Homos
Erectus, que, talvez, seja o nosso antecedente ou ancestral mais
direto, é mais novo.
8. PARALELISMO "PSICOFÍSICO"
A Antropologia Filosófica apoia-se no princípio de que há, no
homem, uma unidade vital, uma unidade ontológica que envolve
o corpo e a psique. Como seres humanos, possuímos o eu, que nos
confere identidade. O eu é o nome do comando interno que uni-
fica, a partir do centro da pessoa, as ações dos extratos biológico,
9. SUJEITO
Já explicamos que as principais questões sobre a existência
humana giram em torno da existência pessoal, o núcleo que sus-
tenta a existência (o ego, o eu). Esses termos mostram o atributo
de unicidade que é característica do ser humano.
Na pessoa, há uma unidade, ou núcleo, que é comum a toda
pessoa humana. Porém, a pessoa de cada um não é uma máqui-
na fabricada em série, pois, como já mencionamos, cada pessoa é
única. Desse modo, o "eu" responde a certas características:
• O sujeito é único, não existem dois sujeitos com os mes-
mos atos humanos. Todos os atos psíquicos respondem a
um eu real e único.
• Também há uma coincidência entre o sujeito que pensa-
va anteriormente e o sujeito que pensa neste momento.
Há uma identidade histórica com o tempo. Eu pensava
ontem e eu penso hoje e, mesmo que meu pensamento
tenha pontos de vista diferente, sou eu quem mudou. No
conjunto ontológico, entretanto, a relação se mantém. O
eu é consciente de si mesmo e de sua atividade.
Surgimento da personalidade
O biólogo e filósofo Gelhen (apud CABADA, 1994) diz que
o homem, ao ser comparado, no plano biológico, com o animal,
© U2 - Estrutura do Ser Humano: Ser Bio-Psíquico-Espiritual-Transcendente 109
Nascimento sociológico
O homem é um ser essencialmente social. Logo depois do
nascimento, do parto que nos colocou fora do útero materno, con-
tinuamos dependendo de algo; não do útero, que teve a função de
auxiliar a mãe a "dar à luz", mas do cuidado de alguém. Essa de-
pendência pode ser traduzida como a necessidade de uma segun-
da "gestação", não de caráter biológico como a primeira, e, sim,
sociológico e cultural.
por uma espécie de "parto prematuro fisiológico". A sua tese assinala a deficiên-
cia humana ante a segurança instintiva e a especialização do animal.
J. Rof Carballo, na obra Rebelión y futuro, escreve: "a mãe dá duas vezes a
vida, a primeira no momento de dar a luz ao filho e a segunda quando a mãe
possibilita o 'nascimento' (leia-se surgimento) do espírito do filho concebido, no
trato, na dedicação, com ternura" (CARBALLO, 1970). Essa etapa é alcançada
dando amor, carinho e cuidando. É importante que, paralelamente, aconteça o
necessário processo de separação, que possibilitará o entrosamento do novo eu
no meio social.
A segunda gestação, considerada extrauterina, é responsável pela plenitude do
ser, visto que a prematura pessoa não tem meios para surgir por si só, conforme
pretendia o idealismo. Essa evidência leva à comprovação de que só é possível
ser pessoa em relação com o outro, uma das regras de ouro da Antropologia Fi-
losófica. O amor é o que possibilita o surgimento da pessoa e vai acompanhá-la,
como energia orientadora, pelo resto de sua vida. O tu, inicialmente a mãe, vai
possibilitar a vida pessoal.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Está provado fenomenologicamente que a personalidade e a
subjetividade surgem do amor procriador. Se, na primeira etapa da
existência, faltasse o amor do outro e a criança fosse deixada a sua
própria sorte, ela poderia perecer ou, talvez, sobreviver à morte
física, mas, nesse caso, ficaria exposta a uma desestruturação de
sua personalidade (TOMÁS DE AQUINO, 1990).
As ações boas fazem-nos crescer em direção ao ser. Os vícios e
a soberba afastam-nos do ser, colocando-nos na direção do não ser.
O homem é constituído pela matéria e pelo espírito e esses
coprincípios formam o ser humano, que traz consigo o princípio
ou a orientação para o bem. Contudo, essa orientação não é de-
terminante. Em outras palavras, devemos escolher entre perfei-
ção e degradação. Essa realidade confirma a característica de ser
"contingente" que acompanha o homem. Por ser contingente, o
homem não goza de toda a perfeição; ele está pendurado entre a
racionalidade e a irracionalidade.
O ser humano não é auto-ssuficiente, não chega ao mundo
pronto, é um ser em permanente construção de sua personalidade.
Por sua qualidade de ser social, precisa das outras pessoas, a relação
com o outro, com o tu, é fundamental para levar adiante a existência
pessoal. O homem não é um ser solitário, é um ser de alteridade,
© U2 - Estrutura do Ser Humano: Ser Bio-Psíquico-Espiritual-Transcendente 111
Cultura
Sabemos que, onde existe o homem, existe a cultura. Todos
os homens tiveram, têm e terão uma cultura que os diferencia do
meio ambiente.
O homem não é só o sujeito de cultura, é, também, seu ob-
jeto. Ele, por exemplo, não come qualquer coisa, pois, pelo menos
em condições normais, aprende o que deve comer; por isso, entre
uma e outra cultura, os tipos de alimento podem variar. O homem
aprende, ainda, normas morais para poder viver em sociedade,
regras de boa conduta e de comportamento social, ofícios, cultu-
ra etc. A educabilidade é uma exigência ôntica, afinal, nascemos
inacabados, mas potencialmente perfeitos, embora necessitemos
aprender a desenvolver nossas potencialidades.
5) Você considera que o ser humano, para configurar sua personalidade, pre-
cisa das outras pessoas ou que, pelo contrário, por ser espiritual, ele é in-
dependente onticamente e todo o processo é de sua exclusiva responsabi-
lidade?
Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) d.
2) b.
3) c.
4) Resposta:
Para configurar sua personalidade, o ser humano precisa do suporte, ou seja,
da cooperação que as outras pessoas proporcionam.
5) Resposta pessoal.
16. CONSIDERAÇÕES
Ao longo desta unidade, levantamos o problema da diversidade
cultural e colocamos, como caminho de explicação, a necessidade de
investigar o homem, que é sujeito no processo da geração da cultura.
A Antropologia Filosófica trabalha com a concepção de que
todos os homens têm a mesma natureza. Então, por que existe
a pluralidade cultural? Os antropólogos culturais, para explicar
esse fato, desenvolveram diferentes teorias. Algumas delas são: o
evolucionismo, o funcionalismo, o estruturalismo etc. Como você
pôde notar, a Antropologia Filosófica focaliza essa realidade a par-
tir do homem como sujeito da cultura.
Assim, nas próximas unidades, vamos continuar a discussão
desses assuntos. Quando você estudar as propriedades essenciais
do ser humano (a liberdade, a historicidade e a dimensão trans-
cendente, com a capacidade intelectual e a vontade livre), anali-
sará por que o homem, como indivíduo, vive num meio humano
sustentado pela cultura, enquanto, como pessoa, distingue-se de
tudo o que não é ele (e de todos).
© U2 - Estrutura do Ser Humano: Ser Bio-Psíquico-Espiritual-Transcendente 117
17. E-REFERÊNCIAS
Sites pesquisados
SCHELER, M. A situação do homem no cosmos. Diferença essencial entre homem e
animal. Tradução Artur Morão. 2008. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/
scheler_max_dieferenca_entre_homem_e_animal.pdf>. Acesso em: 11 jan. 2012.
2. CONTEÚDOS
• Liberdade da Vontade, característica central da existência
da pessoa humana.
• Dimensão intersubjetiva: alteridade e unicidade.
• Valor e sentido.
120 © Antropologia Filosófica
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Sabemos que o homem tem como característica destacar-se do
meio. Como indivíduo, vive num meio humano sustentado pela cul-
tura, porém, como pessoa, distingue-se de tudo o que não é ele (e de
todos). No ser espiritual, podemos destacar duas capacidades princi-
pais: capacidade intelectual e vontade livre. Afirmar que a vontade é
livre no homem equivale a afirmar que ele possui um princípio que lhe
possibilita levar adiante o seu projeto de vida de forma autônoma.
Alteridade
A categoria alteridade permite descrever uma das dimen-
sões essenciais do ser humano; sua necessária vinculação com os
outros "eus". O homem não é um ser fechado em si mesmo. Se ele
se fecha, desaparece, já que em seu constitutivo o ser humano é
um ser aberto à sociabilidade e a comunidade.
O ser humano necessita de comunicar-se com o outro e tam-
bém de ter contato com o mundo. Sua finitude e sua dificuldade
Unicidade
Quando você estuda os delineamentos da Antropologia Filo-
sófica, lê, com frequência, definições como esta: a pessoa é "subs-
tância", uma substância concreta que existe em si mesma. O que
significa dizer, pois, que a pessoa é uma substância?
Pode-se dizer que a pessoa é ela mesma quanto mais di-
ferente ela é, quanto mais peculiar em relação aos outros seres
humanos, ou seja, quanto mais indivisa seja e mais forte seja a
presença do seu núcleo espiritual.
Ser pessoa significa ter autonomia racional para atuar de for-
ma independente, ou seja, ser dona de seus atos morais, poder ser
um perante o mundo.
© U3 - Características da Pessoa Humana, Constitutivos Essenciais 123
1) Alteridade.
2) Diferenciação.
3) Dialética.
4) Metafísica.
5) Totalidade.
O importante na hora de pensar o ser humano é que ele
ama, fala, troca ideias, projetos, é solidário e "dialogal" na existên-
cia com os outros "eus" e coisas do mundo.
Essa concepção de homem é contrária à ideia de ser indivi-
dualista, que o neoliberalismo e linhas de pensamento positivista
defendem hoje. A estrutura dialogal do homem é uma condição
necessária da existência humana, a própria existência vem acom-
panhada da compreensão do outro como ex-istente, como sujeito.
A concepção individualista está tão arraigada no pensamento que
o próprio Heidegger, ícone existencialista, considera que o eu não
está para o tu e sim com seu próprio ser, o do Dasein (HEIDEGGER,
2001). O outro não aparece em sua antropologia em relação dialo-
gal. Quando diz que o ser-no-mundo é um ser com os outros, não
enxerga o outro como seu próximo e sim como outro.
6. LIBERDADE
Por nossa condição espiritual, somos seres dotados de liberdade.
[...] a propriedade de um ser espiritual é sua independência, liber-
dade ou autonomia essencial perante os contratempos e pressão
do orgânico da vida [...]. Tal ser espiritual não está limitado pelos
impulsos e o meio, é aberto ao mundo (SAHAGUN 996, p. 146).
Informação Complementar––––––––––––––––––––––––––––––
Porque estamos no mundo e porque realizamos nosso projeto pessoal nele so-
mos movimentados por impulsos que, segundo Jung (2005), são produto de mi-
lhões de anos de evolução. Baseado nesse postulado, esse psicólogo descreve
o problema do "inconsciente coletivo", o que define como "o sedimento da expe-
riência universal de todos os tempos, é portanto uma imagem de mundo que se
formou há muitos anos (eocenos)". Imagens depositadas no cérebro sobre dife-
rentes acontecimentos psíquicos nos impulsionam a ter prejuízos, medos e, até,
alguma forma de angústia. Por outro lado, somos motivados por sentimentos e
paixões que, muitas vezes, desafiam o pensamento lógico, a razão. Em algumas
pessoas, esses componentes psíquicos impossibilitam o desenvolvimento e não
lhes permite atuar livremente. Nessa mesma ordem estão as necessidades cor-
porais que o homem precisa satisfazer para sobreviver. Mas esse conjunto de ca-
racterísticas é só uma pequena parcela das motivações humanas, a pessoa não
se aquieta como o felino depois de ter comido e bebido, suas necessidades são
essas e outras, o objeto convida constantemente o homem a descobrir coisas
novas, os bens particulares estão sempre despertando algum grau de interesse,
um livro, um poema, a visão da pessoa amada, compaixão, autossuperação,
são o combustível que impulsionam a vontade em direção a um objetivo. Tam-
bém não é uma verdade absoluta que todo objeto externo leve o homem para o
caminho da constante superação. Na sociedade tecnológica contemporânea a
pessoa é estimulada ao consumo, à voracidade, ao sexo, ao individualismo, a ter
e a possuir. Esses estímulos são veiculados pelos meios de difusão, TV, revistas,
cinema etc., são provocados pela propaganda e promovem uma atitude passiva,
levam à massificação, à perda da individualidade etc., desembocam em estados
de ânimo que têm como consequência o tédio, a falta de sentido e, como diz V.
Frankl (1995, p. 89-119), acabam em crises noéticas (existenciais), porque esses
bens não são o bem que promove o sentido verdadeiro, são realizações passa-
geiras e alheias à nossa natureza. O homem "normal", pelo poder de oposição
do espírito, pode tomar uma atitude porque, como diz Hartmann (apud. Frankl,
1995), a liberdade do homem é uma liberdade apesar da dependência.
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7. HISTORICIDADE
Você percebeu por que o ser humano é diferente dos ou-
tros seres da natureza? Seu comportamento é outro. Enquanto os
animais se ajustam ao conjunto da natureza, o ser humano sente
necessidade de construir acima do natural. Para satisfazer essa ne-
cessidade, ele parte da cultura que herda de seus antecessores.
O homem é o ser que sempre está a caminho, entende sua
existência em termos de "progresso".
Com base nessa particularidade humana, a Antropologia
Filosófica conclui que o homem atua assumindo o passado para
8. COMUNICAÇÃO
O homem é um ser no mundo, possui um corpo biológico
que o sujeita ao mundo físico e, por ser no mundo, precisa das
coisas e das outras pessoas para realizar seu projeto pessoal.
No mundo, o "eu" está sempre em comunicação com os ou-
tros "eus", seu corpo serve para se comunicar. A comunicação é
a característica que possibilita ao homem atravessar com êxito a
existência.
O homem é um ser que recebe e transmite cultura, informa-
ções, sentimentos, direção ética etc.
Palavra
O homem expressa-se por ser um ser social, porque vive
numa comunidade. O homem é constitutivamente um ser de lin-
guagem.
Na palavra utilizada, estão comprometidas tanto a dimen-
são espiritual como a física, porque a palavra é a exteriorização do
conceito ou da ideia. Não chegaria a ser palavra propriamente se
não existisse um pensamento que a legitimasse e uma condição
física que a divulgasse.
© U3 - Características da Pessoa Humana, Constitutivos Essenciais 135
Valor e sentido
Os valores espirituais são aqueles que, tendo uma base me-
tafísica, estão referidos à realidade; ao brilharem nos objetos reais,
fazem-se presentes, cativam nossa atenção. Uma relação pessoal,
a programação de uma ação, a intervenção racional na natureza,
escolher algo para comer ou beber, cada situação existencial está
revestida de um valor e, como o sentido está presente nas situa-
ções de valor, diz-se que há um sentido por trás da realidade.
A orientação para o sentido é particular a cada indivíduo,
uns descobrem um sentido onde outros enxergam outro diame-
tralmente diferente; os valores são comuns a todos, o sentido da
situação é uma coisa particular; eu descubro um sentido, outra
pessoa descobre o dela, sem ser permitida a troca de informações,
já que ninguém, por sua própria vivência, perceberá o sentido da
mesma forma que o outro o percebe. Se não fosse assim, todos
viveríamos da mesma forma.
As coisas que compõem o mundo onde vivemos têm, todas
elas, características peculiaridades: umas são belas, outras feias,
Informação Complementar––––––––––––––––––––––––––––––
Como o sentido e o valor são coisas afins, a possessão do valor pode aliviar o
homem na hora de ter que procurar o sentido de cada situação. Se eu me oriento
pelos valores universalmente aceitos, vou transitar, por concomitância, pela linha
do sentido, sempre que não aconteça um conflito de valores. Os mandamentos
são valores universalmente aceitos. Se, em cada ocorrência, eu os coloco em
prática, estou atuando com sentido; se eu roubar ou matar ou trair para conse-
guir um fim, estou realizando uma ação sem sentido. Agora, se faço isso para
defender minha vida ante uma injustiça, o sentido muda, porque a vida é o valor
principal.
Devemos destacar que os mandamentos "eram" valores universais na época
de Abraão, mas, hoje, possivelmente, é necessário complementá-los. O homem
moderno descobriu que há novas dimensões existenciais, novas realidades, o
trânsito por elas é "novidade" e, portanto, sem antecedentes. Mesmo assim,
devemos aceitar que não estão defasados: posso, perfeitamente, orientar meu
comportamento pelos mandamentos e, sem dúvida, estaria levando adiante a
existência com sentido. Isso é possível porque há uma relação entre realização
existente, sentido e valor. Lembremos que, sempre que as ações de sentido
saem do particular para o universal, convertem-se em valor.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U3 - Características da Pessoa Humana, Constitutivos Essenciais 143
3) Éticos.
4) Religiosos.
Os valores estéticos e os religiosos são necessários para a
interpretação do sentido da vida, do mundo. São os primeiros na
hierarquia dos valores.
Já M. Scheler (1989), na obra El Formalismo en la Ética y la
Ética Material de los Valores (título original Der Formalismus in der
Ethik und die materielle Wertethik), primeira grande obra de sua
carreira, desenvolve uma vastíssima investigação sobre o fenôme-
no do valor e das essências em geral. Coloca como objeto a antro-
pologia da pessoa, estuda o problema da fundamentação gnosio-
lógica e antropológica da ética, estabelece as relações de grau e
hierarquia dos valores entre si, e a relação de fundamentação do
valor com o bem.
Scheler (1989) classifica os valores em:
a) Úteis: conveniente, inconveniente...
b) Vitais: forte, fraco...
c) Lógicos: verdade, falsidade...
d) Estéticos: belo, feio...
e) Éticos: justo injusto...
f) Religiosos: profano, sacro...
Scheler explica que os valores não são entes, mas, sim, qua-
lidades dos entes – mas não qualquer qualidade: são "qualidades
valentes". Esse mesmo autor descreve, também, uma hierarquia
dos valores. Nessa fase de sua vida, ele não pensava em termos
religiosos. Colocou os valores religiosos como os mais elevados,
juntamente com os éticos, por darem sentido à vida.
O mito de Er––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A verdade que o que te vou narrar não é um conto de Alcínoo, mas de um homem
valente, Er, o Arménio. [...]
"A virgem Láquesis, filha da Necessidade, declara: Almas efêmeras, vais come-
çar outra vida de caráter transitório, entrarás em um novo corpo mortal humano.
Não é um demônio que vos escolherá, mas vós que escolhereis o demônio. O
primeiro a quem a sorte couber será o primeiro a escolher uma vida a que ficará
ligado pela Necessidade. Mas a virtude não tem dono, cada um poderá tê-la em
maior ou menor grau, conforme a honrar ou desonrar. A responsabilidade é de
quem escolhe. A Divindade é isenta de culpa".
Ditas estas palavras, atirou com os lotes para todos e cada um escolheu o que
caiu perto de si, exceto Er, a quem isso não foi permitido. A variedade era infinita,
ao apanhá-lo, tornaram-se evidentes para cada um a ordem que lhe cabia para
escolher. Seguidamente, dispôs no solo, diante deles, os modelos de vida, em
número muito mais elevado do que o dos presentes. Havia de todas as espécies,
vida de todos os animais, e bem assim de todos os seres humanos. Entre elas,
havia tiranias, umas duradouras, outras derrubadas a meio, e que acabavam
© U3 - Características da Pessoa Humana, Constitutivos Essenciais 147
cega quem nos dirige e sim nós próprios, por intermédio de nossas ações, que
vamos configurando nosso caráter, moldando nosso demônio.
(ETCHEBEHERE, 2008, p. 138-142, tradução nossa).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Ante a exigência de escolher nossa vida, Platão orienta a pro-
curar um conhecimento que nos permita discernir entre uma vida
que é boa e aquela que não é.
Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) c.
2) d.
3) a) "+Liberdade "para"";
b) +) liberdade "de".
4) Resposta pessoal.
11. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você pôde aprender sobre as características
centrais da existência, sobre a radical liberdade do homem e a es-
trutura que o compõe. Além disso, pôde constatar a importância
do "tu" no desenvolvimento da personalidade, ou seja, a impor-
tância do outro.
12. E-REFERÊNCIAS
Sites pesquisados
Bento XVI. Homilia na festa do Corpo de Deus, 22.5.2008. Disponível em: <http://noticias.
cancaonova.com/noticia.php?id=260781>. Acesso em 12 jan. 2012.
FRANK, V. Obras. Disponível em: <http://www.centroviktorfrankl.com.ar/bibliografia.
html>. Acesso em: 12 jan. 2012.
SARTRE, J-P. O existencialismo é um humanismo. Disponível em: <http://www.
diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/sugestao_leitura/
filosofia/texto_pdf/existencialismo.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2012.
4
1. OBJETIVOS
• Apreender a realidade bio-psíquico-espiritual que deter-
mina a atuação do ser humano.
• Refletir sobre a categoria de sentido e significado.
• Estudar as características centrais da existência. O amor
no pensamento filosófico contemporâneo, que é visto
como peça fundamental ao desenvolvimento e ao equilí-
brio da pessoa humana.
• Reconhecer o caráter transcendente do amor como ins-
trumento essencial para superar o anonimato individual.
• Descrever a relação existente entre a dimensão espiritual
e a relação psicofísica como fonte que possibilita o surgi-
mento do amor.
154 © Antropologia Filosófica
2. CONTEÚDOS
• Ser humano, pessoa espiritual.
• Sexualidade, condição corpórea dentro do contexto e uni-
dade bio-psíquico-espiritual.
• Amor, peça-chave do pensamento contemporâneo.
• Consequências antropológicas da dimensão transcendente.
• Capacidade intelectual.
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
O homem, por natureza, tem necessidade do vínculo pesso-
al. Essa necessidade de relação está presente em todas as etapas
da vida humana e, dela, deduz-se a categoria de alteridade. Para
chegar a ser "pessoa" (poder dispor de si mesmo), o ser humano
© U4 - Ser em Relação 155
Esse movimento circular dado entre essas duas tensões vai deter-
minar o equilíbrio que pressupõe a união, que é o âmbito no qual a
pessoa amada é considerada como real, digna e valiosa aos olhos
do amante.
efeito, dizer que haja maior bem para quem entra na mocidade do
que um bom amante, e para um amante, do que o seu bem-amado.
Aquilo que, com efeito, deve dirigir toda a vida dos homens, dos que
estão prontos a vivê-la nobremente, eis o que nem a estirpe pode
incutir tão bem, nem as honras, nem a riqueza, nem nada mais,
como o amor. A que é então que me refiro? À vergonha do que é
feio e ao apreço do que é belo. Não é com efeito possível, sem isso,
nem cidade nem indivíduo produzir grandes e belas obras. Afirmo
eu então que todo homem que ama, se fosse descoberto a fazer
um ato vergonhoso, ou a sofrê-lo de outrem sem se defender por
covardia, visto pelo pai não se envergonharia tanto, nem pelos ami-
gos nem por ninguém mais, como se fosse visto pelo bem-amado. E
isso mesmo é o que também no amado nós notamos, que é, sobre-
tudo, diante dos amantes que ele se envergonha, quando surpre-
endido em algum ato vergonhoso. Se, por conseguinte algum meio
ocorresse de se fazer uma cidade ou uma expedição de amantes e
de amados, não haveria melhor maneira de a constituírem senão
afastando-se eles de tudo que é feio e porfiando entre si no apreço
à honra; e quando lutassem um ao lado do outro, tais soldados ven-
ceriam, por poucos que fossem, por assim dizer todos os homens.
Pois um homem que está amando, se deixou seu posto ou largou
suas armas, aceitaria menos sem dúvida a idéia de ter sido visto
pelo amado do que por todos os outros, e a isso preferiria muitas
vezes morrer. E quanto a abandonar o amado ou não socorrê-lo
em perigo, ninguém há tão ruim que o próprio Amor não o torne
inspirado para a virtude, a ponto de ficar ele semelhante ao mais
generoso de natureza; e sem mais rodeios, o que disse Homero "do
ardor que a alguns heróis inspira o deus", eis o que o Amor dá aos
amantes, como um dom emanado de si mesmo.
[...] Assim, pois, eu afirmo que o Amor é dos deuses o mais antigo,
o mais honrado e o mais poderoso para a aquisição da virtude e
da felicidade entre os homens, tanto em sua vida como após sua
morte (PLATÃO, 2011, p. 5-6).
O amor recebido––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O amor recebido é um fator determinante do desenvolvimento e do equilíbrio da
pessoa humana. Nós nos fazemos pelo amor do outro e, inicialmente, pelo amor
materno. Somos homes amando, falando, promovendo o outro como pessoa etc.
Esse movimento ascendente (amar, promover, acompanhar) é possível pelo fato
de alguém nos tenha amado e promovido como pessoas.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A presença do outro–––––––––––––––––––––––––––––––––––
No século 19, com a perda de vigência da filosofia do espírito, que tivera seu
esplendor com Herder, Kant, Fichte e outros pensadores do século 18, a filosofia
fica relegada a ciências particulares, como a biologia, a anatomia etc. Dessa
linha de pensamento, baseada na causalidade mecanicista, surge uma antropo-
logia com conteúdo puramente material. Essa antropologia reducionista privou
o homem de suas dimensões pessoais, bem como de suas dimensões ética,
axiológica e religiosa, superdimensionando a atenção em seus interesses indi-
viduais e em seu intento de estender seu poder sobre os demais. Partindo do
resgate e da reinterpretação da existência humana, coloca-se a relação com os
outros como elemento prioritário do universo humano. O amor que está dirigido
ao outro faz com que o "tu" se apresente a nós como uma realidade da qual não
podemos ficar indiferentes, uma realidade que nos atrai como um polo imantado.
A presença do outro faz surgir em nós a entrega pessoal, que, por sermos seres
de relação, é fundamental para o crescimento do "eu".
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Quando se fala de amor, não se pode deixar de estudar o
entorno cultural em que este tem lugar; afinal, há uma estreita
relação entre cultura e amor.
© U4 - Ser em Relação 167
8. EU-MUNDO
Você viu que no homem (sempre submergido na existência)
atuam conjuntamente a dimensão biológica com a psíquica e com
a intelectual ou espiritual. Além disso, no homem, a matéria de-
pende do espírito para conformar um ser de liberdade, e espírito,
por sua vez, conta com o corpo (matéria) para a realização do pro-
jeto pessoal. Essa união, condição essencial para que o homem
seja tal, demanda uma harmonia e é somente dentro dessa har-
monia que o ser humano é pessoa, que pode se sentir eu-mundo
(sujeito ante o mundo).
A partir de um raciocínio similar, podemos dizer que a natu-
reza pressupõe Deus, numa relação parecida à do corpo biológico
com a dimensão espiritual.
9. NATUREZA
Quando falamos em natureza, em cosmo, logo estamos pen-
sando em Deus; para desenvolver o tema, consideramos impor-
tante estabelecer consenso sobre alguns pontos:
1) É importante destacar que, para a maioria dos pensa-
dores que trabalham na concepção filosófico-antropo-
lógica sobre o homem integral, a presença de Deus na
natureza não pode ter o caráter de um recurso artificial
produto de uma fantasia transcendental — ela é real.
Mesmo que o próprio homem crie seu eu, sua persona-
lidade, a dimensão transcendente, que Zubiri denomina
"Dimensão teologal" (Zubiri apud Lucas, 1996. p. 255), é
um constitutivo humano.
2) O homem possui a intuição de que o mundo está orde-
nado, de que existe uma ordem no ser, uma causalidade
que confere beleza, que desperta admiração, êxtase, e
que toda essa afirmação não discorda da capacidade ra-
cional de pensar o mundo.
Conceito
O primeiro ato da inteligência é a reprodução do real de uma
forma intelectual para ser transmitida no discurso. Esse primeiro
ato consiste em formar uma ideia da coisa abstraída que está fora
de nós. Nada é afirmado ou negado nesse primeiro ato intelectivo
– essa etapa pertence ao juízo, que é um movimento posterior.
Dessa forma, precisamos levar em conta que abstrair nunca
pode significar distorcer ou dar uma ideia equivocada da realida-
© U4 - Ser em Relação 177
Dinâmica do conhecer
Sempre que analisamos a dinâmica do conhecer, desembo-
camos no problema da verdade. E, como diz Pascal (1999), deve-
mos conhecer o efetivo, mas também existe o afetivo. Aqui entra-
mos na dimensão pascaliana de "coração" (coeur):
Nós conhecemos a verdade não somente pela razão, mas ainda
pelo coração. É desta última maneira que conhecemos os primeiros
princípios e é em vão que o raciocínio, que não toma parte nisto,
tenta combatê-los. [...] (PASCAL, 2001, p. 282).
Pois os conhecimentos dos primeiros princípios: espaço, tempo,
movimento, números, são tão firmes quanto qualquer daqueles
que os nossos raciocínios nos dão e é sobre esses conhecimentos
do coração e do instinto que é necessário que a razão se apóie e
fundamente todo o seu discurso. (PASCAL, 2001, p. 267).
Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) d.
2) d.
3) c.
4) Conclusão pessoal.
12. CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao final de nosso estudo do CRC Antropologia
Filosófica. Em seu transcurso, vimos que esta disciplina surge na
primeira metade do século 20, conjuntamente com a tensão en-
tre humanismo e anti-humanismo, o interesse pela tecnologia e a
preponderância ideológica dos sistemas que propõem o mercado
13. E-REFERÊNCIAS
MERCADO ÉTICO. É urgente voltar à filosofia e à reflexão. Disponível em: <http://
mercadoetico.terra.com.br/arquivo/e-urgente-voltar-a-filosofia-e-a-reflexao/>. Acesso
em: 16 jan. 2012.
PLATÃO. O Banquete (o amor, o belo). Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.
br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2279>. Acesso em: 16 jan.
2012.