Você está na página 1de 83

– faca

Este livro é um compilado amoroso de tex-

P ÉR OLAS DE HELENA
tos descritos a partir de uma observação
atenta de uma mãe-artista sobre sua filha,
Helena, durante sua primeira década de
vida. Nasce uma criança, nasce uma mãe.
Proponho, a partir do imaginário inventivo
de Helena, recheado de corpo, presença,
imagens, memória, mundo e vida compar-
tilhada, pensar sobre as relações entre
infância, maternar, arte e vida. Pérolas de
Helena é uma criação poética e metafórica
para todas as idades. É simples e profundo.
Helena Mariana é filha de Rafaela e Ricardo
(1982-2010), nascida em Belo Horizonte/MG, Complexo e afetuoso. Fala de ser criança,
está com 12 anos, é estudante, formou-se em fala de maternar, de relacionar-se no mun-
dança pelo Núcleo de Formação em Dança do do e com o mundo, fala de morte, fala de
Sesc MG no período entre 2017 e 2021. É fasci-
nada pelo mar, bichos, metaforiza o mundo, é ve- vida, fala de amor.
getariana, feminista, artística, corpo e presença.
Que este livro ajude os adultos a olharem
Rafaela Kênia é filha de Maria Teresa e José Vicen- para todas as crianças do mundo com mais
te, e mãe da Helena. Atriz, professora, diretora, respeito, reconhecimento, responsabilidade,
dramaturga, pesquisadora na área teatral, femi-
nista e taróloga. Graduou-se em Licenciatura em poeticidade e amorosidade.
Teatro pela UFMG, é mestra em Artes da Cena
pela mesma Universidade. É atriz-pesquisadora
ISBN 978-65-87635-18-7
no Grupo Teatro Público (BH/MG), onde atua nos
espetáculos “Naquele Bairro Encantado” (2011),
“Saudade” (2014), "O Baile" (2018), "Café Encan-
tado" (2018) e “Errantes” (2020) no qual além de
atriz, é também diretora da criação artística.
Rafaela Kênia Alves da Silva
Helena Mariana Alves Delfino
1ª EDIÇÃO 2022
BELO HORIZONTE
EDITORA JAVALI

Rafaela Kênia Alves da Silva


Helena Mariana Alves Delfino
A todas as crianças e mães do mundo.
SUMÁRIO

8 Prefácio
Pérolas
13

de Helena
68 Posfácio
Prefácio
CARTAS PARA HELENA
07 DE JULHO DE 2019

DÉCIMO ANO DE VIDA:


O INÍCIO JÁ COMEÇOU
Hoje é dia de celebrar o início que já começou.
Há dez anos nasceu Helena, e ela transformou a
minha vida. Helena cresce em estatura, sabedoria
e graça. Cuida de si, faz o para casa sozinha com
responsabilidade, ri de piadas simples como uma
criança de dez anos, prepara o próprio café da
manhã, negocia e busca soluções nos desafios
que encontra na escola, tem preguiça de lavar os
cabelos, não deixa mais de escovar os dentes por
“medo” de ficar banguela, brinca incessantemente
de professora, pesquisa sobre a ecologia dos
mares porque sonha em ser bióloga marinha, e
também porque tem amor pelo mar. Além disso,
quer ser dançarina, escritora e mais um monte de
coisas. É boa prosa, pula igual cabrita, me dirige
em cena, opina nos meus trabalhos teatrais,
sonha com a lua e com alienígenas, é artística, se
interessa pela família como uma canceriana que
é, e exagera na expressividade orientada pelo seu
ascendente em Leão.

Helena ama os animais, porém tem medo de


calango. Gosta de gente, não come peixe porque

9
já sonhou em ser sereia, não come carne por
questões ideológicas, tem conversa solta,
desembaraçada, mas às vezes fica tímida.
Transita entre o “ainda sou criança” e o começo
do deixar a infância. Helena ama filmes e séries.
Quer viajar o mundo. Cuidar de mim quando eu
ficar velha, tem planos para as férias e dias de não
férias. Helena gosta muito de fazer aniversário,
chup-chup, maquiar o avô, conversar sobre
músicas com a tia Camila, deitar no colo da avó.
Helena diz que já pode abrir uma creche porque
cuida bem da Sofia e do João (primos gêmeos
ainda pequeninhos), sente muita saudade da
madrinha Fernanda e do padrinho Bernardo que
estão em Salvador, na Bahia, ama infinitamente
a Jailane, a Carol, a Tica, o Joaquim, o Fábio, a
Bia, a Joyce, a Jade, a Bianca, o Charles e agora
o Arthur. É boa com metáforas, principalmente
quando há alguns anos definiu o amor como
“cheiro de mamãe”, e o medo como um “soluço
preso dentro da gente querendo sair”. Helena é
água do mar, é água do rio, luz, amor, mistério,
vazio, cheia, crescente, minguante e nova como a
lua. Helena é mulher-menina, é pitanga, doce de
amendoim, é o adormecer e o despertar, é Jesus
e Nossa Senhora, devoção no coração e na mão.

Helena ainda reelabora a morte do pai, sente


falta dele, mas segue resistindo e se reinventado

10
de forma espirituosa, compreendendo suas
dificuldades, e seguindo em frente. Afinal, a vida
não para. E assim, lá se foi uma década de vida.
Seguimos sonhando. Seguimos com amorosidade,
tentando desconstruir e construir juntas,
uma saudável relação entre mãe e filha, entre
mulheres, nesse encontro bonito da existência,
que mais uma vez nos uniu, agora nos papéis: ela
filha e eu mãe.

Que a sua vida seja feliz, que você seja o que


desejar ser, e que as melhores coisas lhe
aconteçam. Obrigada por me encher de vida, por
me fazer rir quando estou de mau humor, por
me compreender mesmo com tão pouca idade.
Obrigada por ser essa criança vibrante, cheia de
energia e com discursividade de quem pensa esse
mundo doido e contraditório. Para você, todo meu
amor que não tem tamanho, minha compreensão
mesmo quando não entendo, meu colo, meu
cheiro e minha autoridade amorosa de mãe.

Mamãe

11
12
Pérolas
de Helena
TEXTOS DESCRITOS
E OBSERVADOS POR
RAFAELA KÊNIA
ALVES DA SILVA

13
10 DE ABRIL DE 2019

Amizade
Para casa da escola: responder o que é a
amizade para você?

HELENA — Para mim amizade é uma valsa


que a gente dança junto e gosta.

14
01 DE MARÇO DE 2019

Perder-se
Em meio aos brinquedos e tralhas...

HELENA — Mãe, vou ficar um pouco com


mim mesma, e com o universo da minha
imaginação. Depois você me chama. Me deixa.

15
04 DE JULHO DE 2019

Ser
Escutando a conversa entre Helena e o avô...

AVÔ — Helena, você está uma princesa.

HELENA (certeira) — Eu não sou uma


princesa, vô.

AVÔ (confuso) — Você não que ser uma


princesa?

HELENA (analítica) — Vô, nem todas as


garotas querem ser princesa.

AVÔ (mais confuso ainda) — Você quer ser


então, uma rainha?

HELENA (certa de si) — Vô, eu sou uma


guerreira.

16
09 DE FEVEREIRO DE 2018

Mapa astral
HELENA (analítica) — Mãe, você é tão brava
às vezes... (Pensando e resolvendo por ela
mesma esta questão). Deve ser por causa
“dos Áries” que têm no seu mapa astral. E,
além de tudo, você é taurina... (continuando
a analisar em silêncio).

Pensando com os próprios botões, a mãe reflete


e chega a uma conclusão, aliviada, pelo fato da
sua lua ser em Peixes.

17
21 DE JANEIRO DE 2018

Desarme
Uma mãe taurina e uma filha canceriana...

MÃE (brava) — Helena, pode parar com essa


bagunça aí em cima da cama!

HELENA (roubando a bola no jogo) — Ai


mãe, você bravinha fica tão bonitinha! Touro
e Câncer foram feitos um para o outro
mesmo. Que combinação perfeita, né?!

MÃE (rindo internamente) — Sua cara não


queima não, né menina?!

18
19
09 DE NOVEMBRO DE 2017

Sambinha da noite
Helena cantarolando um sambinha improvisado:

Lá vem a mamãezinha com o seu sermão


“Dona sabituda”, ela sabe de tudo
Eu fui rebolando até a cama
Pedindo pra dormir um pouco mais tarde
Ela disse que não, porque amanhã
tem escola
Ai... aí vem mais um sermão

20
06 DE NOVEMBRO DE 2017

Desgosto
HELENA (estranha) — Mãe, eu tive
um sonho estranho... Esquisito... Tinha
uma mulher me rodeando e dizendo
“Heeeleeenaaa”, “Heeeleeenaaa”! O cabelo
dela mudava de cor.

MÃE — E aí?

HELENA — Acordei com um desgosto.

MÃE (encabulada) — Desgosto? Como


assim?! Você sabe o que é desgosto?

HELENA (no alvo) — Claro que sei mãe,


desgosto é um “cálice amargo”.

Sobre o sonho, nós duas permanecemos


encabuladas.

21
28 DE SETEMBRO DE 2017

Sabidona
HELENA — Mãe, sabia que faz 101 dias que
não chove?

MÃE (surpresa) — Olha... como você está


informada.

HELENA (sabidona) — Mãe, celular, TV e


internet servem para alguma coisa: para
informar. Você que é “pessoa antiga”, não
sabe muito disso, mas devia aproveitar
dessas coisas para aprender.

Mãe respondendo em pensamento: atrevida.

22
27 DE JUNHO DE 2017

Evocação
HELENA (aflita, porém com risos estranhos)
— Mãe, hoje eu fiz uma coisa muito errada
na escola.

MÃE (pensando com meus botões) — Ô


Deus, o que é que a Helena arrumou?
(Porém, demonstrando controle da
situação) O que aconteceu Helena? Pode
falar minha filha.

HELENA (aflita) — Ai, meu Deus! Ai, mãe!

MÃE — Vai, Helena, fala de uma vez.

HELENA (fechando os olhos) — Mãe, eu


entrei no banheiro da escola e E-V-O-Q-U-E-I
a Loira do Banheiro.

MÃE (rindo internamente) — E aí? O que


aconteceu? Viu alguma coisa?

HELENA — Eu fechei os olhos e depois abri


só um pouquinho.

23
MÃE — E...

HELENA (horripilante) — Eu vi
R-A-S-T-R-O-S de cabelos loiros voando.

MÃE (insinuante) — Cuidado, hein! Ela


costuma puxar o pé de criança que tem
preguiça de estudar

HELENA — Bom saber. Mas ainda bem que


eu não tenho preguiça de estudar.

24
16 DE MARÇO DE 2017

Medo
Conversando sobre conceitos antes de dormir...

MÃE — Helena, o que é o medo?

HELENA — Um soluço.

MÃE (sem entender) — Como assim,


um soluço?

HELENA (explicando sua teoria) — Mãe, o


medo é como um soluço preso dentro da
gente pedindo para sair.

(Mãe refletindo em silêncio).

HELENA — Mãe? Mãe? Mãe?

MÃE — Sim?! Me perdi ouvindo o que você


falou.

25
09 DE MARÇO DE 2017

Nota sobre o amor


HELENA (com amorosidade) — Mãe, dentro
do meu coração você tem tudo que precisa
para ser feliz.

MÃE (recebendo as palavras e refletindo)


— Ah, “o mundo é bão Sebastião”. O mundo
ainda é bão!

26
20 DE JANEIRO DE 2017

Lágrimas
HELENA — Mãe, por que a lágrima
é salgada?

MÃE — Por causa dos sais que ficam no


nosso corpo. Eles saem no suor, na urina, nas
lágrimas...

HELENA — Então quer dizer que a água do


nosso corpo é salgada, certo? (Surpresa)
Nossa, então, isso quer dizer que existe um
m-a-r dentro de nós!

27
19 DE NOVEMBRO DE 2016

“João de Barros”
Voltando para casa após assistir e participar
do espetáculo teatral “João de Barros”, de
Charles Valadares, Helena faz uma observação:

HELENA — Charles, Charles... O Charles


tem cada imaginação que eu adoro!

28
07 DE NOVEMBRO DE 2016

Teatro Infantil
Já em casa, após a escola ter levado as
crianças ao espetáculo infantil “A Bela e a Fera”:

MÃE — E aí, Helena, como foi o espetáculo


hoje? Você gostou?

HELENA (frustrada) — Ah, mãe, difícil.

MÃE (curiosa) — Por quê?

HELENA — Ora, o espetáculo era todo rosa.


Você acredita nisso? Tudo rosa. A princesa
era rosa, o cenário era rosa, o príncipe era
rosa... Nossa! Tem espetáculos que têm
outras cores, é de “outro jeito”. Complicado.
Pra mim não deu!

29
24 DE OUTUBRO DE 2016

Encontro
HELENA — Mãe, a gente vai ser amigas para
sempre?

MÃE — Vamos ser amigas eternamente,


meu amor.

HELENA — E quando a gente nascer de


novo, a gente vai se encontrar?

MÃE — Sim.

HELENA — E se você nascer lá nos Estados


Unidos e eu na Inglaterra?

MÃE — A vida vai dar um jeito de nos fazer


encontrar.

HELENA (encantada) — Que coisa linda,


mãe! Obrigada.

30
09 DE OUTUBRO DE 2016

Recordação
HELENA — Nossa, peito de mãe é uma coisa
tão maravilhosa que devia existir várias
estátuas de peitos de mães por aí.

31
08 DE OUTUBRO DE 2016

Consolo
Consolando o cachorro “Pingo”, enfezado por
ter tomado banho.

HELENA — Ah, Pingo, relaxa, não faz


essa cara. Que drama! Por que você está
assim?! Olha, eu tomo banho todos os dias
e não reclamo.

32
02 DE OUTUBRO DE 2016

Perguntas
Enquanto o sono vem...

HELENA — Mãe, por que existem pintas?


Por que as mulheres têm que ter filhos?
Por que os negros sofriam muito? Por que
as pessoas têm nomes? Por que meu cabelo
parece a juba do leão? O que eu faço de
sério? Tudo que eu faço é divertido? O que
eu faço de sério? Você passou sete anos
comigo, você tem que saber o que eu faço
de sério. Você já pensou se eu faço algo de
sério? Você deve saber minhas respostas,
você é minha mãe. Mãe, eu acho que eu tenho
mais trinta mil perguntas ou mais.

33
30 DE SETEMBRO DE 2016

Temer
HELENA — Mãe, quem é Temer?

MÃE — Um presidente golpista.

HELENA — Então precisamos fazer uma


revolução como a do Nelson Mandela, já!

34
17 DE SETEMBRO DE 2016

Ir
HELENA — Mãe, estive pensando...

MÃE — O quê?

HELENA — Quando eu crescer não vou ficar


parada não. Vou juntar um dinheiro e vou ir
para Angola.

MÃE — Ah, é?

HELENA — Calma mãe, fica tranquila.


Quando eu voltar, vou trazer uma galinha de
angola para você de presente.

35
36
22 DE JULHO DE 2016

A história do palhaço
de nariz entortado
HELENA — Era uma vez um homem solitário
que vivia num apartamento. Sua profissão
era: palhaço.

Um dia ele estava fazendo o seu número de


sempre, e de repente: Tibum! Ele caiu com a
cara no chão. Quando ele se levantou, alguém
olhou e gritou:

— “Olha lá o palhaço de nariz entortado!”

Ele tentou fazer o nariz voltar pro lugar, mas


não conseguiu. O palhaço voltou para seu
apartamento solitário e desejou fortemente
que seu nariz voltasse pro lugar. Depois, ele
dormiu. Quando acordou teve uma grande
surpresa: seu nariz tinha voltado pro lugar.
Ele ficou feliz e sorriu.

O palhaço se levantou, se arrumou e mais

37
uma vez foi pro seu trabalho de palhaçada.
Mas, de repente: Tibum! Ele caiu novamente
com a cara no chão e mais uma vez lá estava
o palhaço solitário com o nariz entortado.

38
02 DE MARÇO DE 2016

Feito em linhas
HELENA — Mãe, por que a gente é feito
em linhas?

MÃE — Em linhas? Como assim?

HELENA — É mãe, em linhas. Parece que


o nosso corpo é desenhado. Você nunca
reparou?

MÃE (reflexiva) — Não reparei... Ai, filha,


eu nunca tive aula de Artes na escola.
(Percebendo que sou artista e nunca tive
aula de Artes na escola)

HELENA (surpresa e solidária) —


Coitadinha de você, mãe!

39
09 DE FEVEREIRO DE 2016

A noite é uma criança


No meio da madruga, Helena acorda, atravessa
o quarto, mais dormindo do que acordada,
caminha em direção à minha cama, deita ao
meu lado e diz:

HELENA — Mãe, por que você não me


chamou para lutar contra aqueles ninjas que
estão caídos ali no chão? (Deita na cama e
adormece).

MÃE (dormindo mais ainda, sem entender,


porém respondendo) — Que ninjas o quê,
Helena?! São elefantes deitados.

Ao acordar pela manhã e recordando sobre o


ocorrido é que me dei conta de que na verdade,
“ninjas” e “elefantes”, eram os brinquedos que
haviam ficado espalhados no chão do quarto.

40
28 DE JANEIRO DE 2016

Museu
HELENA — Mãe, quando eu crescer eu
quero ser o Zorro. (Pensativa) Mas, eu não
sei como...

MÃE — Uai, Helena, para ser Zorro do que


você precisa?

HELENA — Eu vou precisar de uma


máscara, um chapéu preto, uma capa, um
cavalo e uma espada fina. (Chateada) Ah,
mãe, como é que eu vou fazer?

MÃE (sem entender) — Fazer o quê? Não te


entendo.

HELENA (frustrada) — Ora, ora, mãe! Você


não entende. Como eu vou conseguir uma
espada fina se elas ficam naquele lugar onde
guardam coisas antigas. Como é o nome
mesmo? (Ela mesma responde) Ah, museu.

41
18 DE DEZEMBRO DE 2015

Sobre amar mulheres


À noite, ao adormecer.

HELENA — Mãe, amo muito todas as


meninas, mulheres e alienígenas desse
mundo.

42
2 DE DEZEMBRO DE 2015

Indignação
Ao ver e ouvir na TV uma notícia sobre racismo.

HELENA (indignada) — Mãe, mas por quê?


Por que os brancos “preconceitam” os
negros? Eu não entendo!

43
44
16 DE NOVEMBRO DE 2015

Era uma vez


Enquanto penteio seus cabelos...

HELENA (suspirando) — Ah... Eu queria que


esse mundo fosse um “era uma vez”.

MÃE — Por quê?

HELENA (nervosa) — Porque não ia


precisar desembaraçar os cabelos. Esse
mundo é uma besteira!

MÃE (em silêncio) — ...

HELENA — Mãe? Por acaso você está


tímida?

MÃE — Não, Helena.

HELENA — Então por que você está calada?

MÃE — Helena, você já está nervosa, se eu


ficar falando na sua cabeça você ficará mais
nervosa ainda.

45
HELENA (impaciente) — Mas não é pra ficar
caladíssima assim, né?!

Mãe permanece em silêncio e imagina como será


quando ela for adolescente...

46
09 DE SETEMBRO DE 2015

Passado
Helena reflexiva, enquanto o sono não vem:

HELENA — Sabe mãe, quando eu era


pequena e tinha quatro anos, eu ainda fazia
umas pirraças. Mas agora que já tenho seis
anos... (Incisiva) Sou uma menina madura.

47
13 DE JUNHO DE 2015

Crescer
Arrumando os cabelos para ir para escola.

HELENA — Mãe, eu arrumo meu cabelo. Vou


fazer seis anos, sou praticamente uma moça!

48
14 DE MAIO DE 2015

Xuxa
Brincando e cantando um trecho da música
“Lua de cristal” da apresentadora e cantora
Xuxa Meneghel.

HELENA — Lua de “mingau” que me faz


“zambar”, faz da minha estrela que eu já sei
brilhar...

49
19 DE MARÇO DE 2015

Amor
Conversando sobre o amor.

MÃE — Filha, me defina o que é o amor.

HELENA — Cheiro de mamãe.

50
30 DE JANEIRO DE 2015

Composição
improvisada e
cantarolada
As borboletas vão voando
Vamos deitar as flores, vamos
fazer alegriada
Posso me cantar
Vou brincar
Vou fazer neve
Vou fazer um bonequinho de neve
E ele não pode ser mal humorado.
Meus poderes vão se surgindo ainda mais:
Sou forte, sou forte.

51
06 DE JANEIRO DE 2015

Prece
Dia de Santos Reis.

HELENA (rezando) — Ave Maria cheia


de graça, o Senhor “é com gosto”...

52
01 DE DEZEMBRO DE 2014

Medida
Enquanto toma banho...

HELENA — Mãe, o que é maior, a Torre Eiffel


ou nosso amor?

53
20 DE NOVEMBRO DE 2014

Liberdade
Conversando de bobeira...

MÃE — Filha, o que você quer ser quando


você crescer?

HELENA — “Let it go. Let it go”, mãe!

54
55
11 DE NOVEMBRO DE 2014

Escolhas
Enquanto o ônibus vem...

HELENA (reflexiva) — Mãe, sabe de uma


coisa?

MÃE (curiosa) — O quê?

HELENA (recordativa) — Lembra quando


eu estava na sua barriga? Eu era um bebê
espírito. Mãe, eu te escolhi.

56
28 DE ABRIL DE 2014

Adultos
Brincando com o próprio corpo e cantarolando...

HELENA — Eu não tenho braço, não tenho


perna...

AVÔ (intrigado e um pouco aborrecido) —


Que é isso menina?! Tem sim. Não fale isso!

HELENA — Tenho não.

AVÔ — Tem sim.

HELENA — Ai, vô, eu sou uma c-a-i-x-a!


Credo, você não sabe brincar?

57
19 DE JANEIRO DE 2014

Pegar Deus
No ônibus, voltando da escola...

HELENA — Mãe, o que é sangue?

MÃE — Sangue é um líquido vermelho


que tem dentro do nosso corpo e é muito
importante para nossa sobrevivência, sem
ele a gente morre.

HELENA (curiosa) — Mãe, o Deus tem sangue?

MÃE (pensando no que responder) — Acho


que não, Helena. Acho que Deus deve ser
como o ar, não tem corpo e não dá para
pegar com as mãos (fazendo a ação de
tentar pegar o ar). Ou talvez, Deus deve
ser como a luz. (Fazendo o gesto de tentar
pegar a luz do sol, em vão).

HELENA (chegando a uma possível


conclusão) — Ah mãe, então já sei. Só a
Fada da Luz consegue pegar o Deus, nem
adianta você tentar.

58
07 DE DEZEMBRO DE 2013

Partir
No ônibus em viagem...

HELENA — Mãe, hoje eu vou embora.


Arruma minha mala, coloca meu cobertor do
Cebolinha que eu vou partir.

MÃE (intrigada) — Você vai pra onde?

HELENA (certa de si) — Eu vou pra Nárnia.


Eu quero muito encontrar com o leão. Você
me leva até o trem? Só que vai ter que pagar
minha passagem.

59
26 DE NOVEMBRO DE 2013

Tempo
Referindo-se sobre um tempo...

HELENA — Sabe mãe, quando eu era


pequena, na minha época...

60
25 DE NOVEMBRO DE 2013

Preferências
Pendurada no meu pescoço...

HELENA — Mãe, você é a minha mãe mais


preferida!

61
24 DE NOVEMBRO DE 2013

Planetas
Olhando para o céu...

HELENA (investigativa) — Mãe, só existe um


planeta?

MÃE — Não, Helena, existem vários


planetas.

HELENA — Não, mãe, eu tô te perguntando


se existe de verdade.

MÃE — Verdade, verdadeira. Existem


muitos, muitos planetas, além do nosso.

HELENA — Planeta assim... (Desenhando um


planeta no ar com as mãos). De bola? Igual
o nosso?

MÃE — Sim, filha.

HELENA (com a expressão de eureca) —


N-o-s-s-a-m-ã-e!

62
63
O INÍCIO É POR AQUI
Um, dois, antes do três.

CAMINHAR
Pés ligeiros caminham em passadas curtas.

APRENDER
Corre, tropeça e cai.
Corre, tropeça e levanta.
Corre tropeça e anda.

PALAVRAS
Palavras embaralhadas deslizam na língua de fogo.

64
DOR
Dói a cabeça
Doem os cotovelos
Doem os fios de cabelo
Doem os dedos das mãos
Dói o coração: saudade de casa.

CORES
Cores não são somente cores
Cores têm pés e mãos
Cores têm corpo
Falam muito
E giram feito pião.

DESPROPORÇÃO
A cabeça não cabe no corpo
A cabeça pesa sobre o corpo
A cabeça desequilibra o corpo
Cabeça de dinossauro no corpo de pimpolho.

65
VAZIO
Dentro de corações tão pequenos
também tem espaço para o vazio.

SUMIÇO
Olho no nariz
Cabeça nos pés
Cotovelos nas costas
Barriga nas pernas
Braços embaralhados
Sobrancelhas contorcidas:
Cadê a criança que estava aqui?

OUTROS
Borboleta, mosquito e flores
Jacaré, pedra e panela
Pipoca, meleca e chinela
Menina, menino, banguela
Nuvem, soluço e libélula
Um olho no bolo
O outro no gato

66
Uma mão no boneco
E outra no sapo.
Um pé no chão
O outro no vácuo.

OLHO DE DEUS
No chão, um corpo flutua diante do
céu que o observa.

67
Posfácio
CARTAS PARA HELENA

68
07 DE JULHO DE 2021

Filha, estou aqui sentada na beira da cama


pensando em você. Agora são 12 anos juntas!
Cada dia que passa te conheço um pouco mais e
você também me conhece mais.

O tempo passa tão depressa... Ainda outro dia,


estava eu com uma barriga imensa, tinha comido
pizzas, muitas... E exatamente nesta hora que
cá estou, comecei a sentir suas contrações.
A princípio brandas, mas tão fugaz, você se
apressou ligeiramente, com uma urgência de
viver que tive que correr rápido para o hospital,
ou então, talvez, você nasceria no meio do
caminho. É tudo tão extraordinário e estranho!
Correr para parir (ajuda!). PARA IR...

Em trabalho de parto, mergulhada em dor, choro,


medo, alegria, corpo, presença e inconsciente,
eu só pensava nas pizzas que havia comido e
dizia: “Meu Deus, vai sair tudo aqui!”. O médico
respondia: “Relaxa mãe, deixa vir!”.

Foi assim minha filha, escatológico, espetacular,


absolutamente abrupto e grandioso sentir
o corpo parir e ver você nascer. Nascer é
extraordinário! Bem-vinda mais uma vez!

Você chorou e ao olhar nos meus olhos, sorriu.

69
Pode?! Pode sim. Bem-vinda de novo. Mil vezes
bem-vinda, e sempre.

Bem, agora com 12, você já é adolescente.


Adolescer é lindo. Te ver crescer é lindo. Você é
inteligente, rápida nas palavras, já viu Naruto um
milhão de vezes, metaforiza o mundo, pensa todos
os dias no mar, ainda quer ser bióloga marinha,
descobriu o Taekwondo, tem novos amigues,
só anda descalça, não come carne há dois anos,
tem preguiça de responder o WhatsApp, ainda
tem medo de calango, é extravagante e tímida,
curiosa e investigativa, gentil, urgente, quer fazer
revolução, me contesta, e me conta por horas a
fio um monte de coisas que desconheço.

Todos os dias te pergunto: “Já te disse que você


é maravilhosa hoje?”. Mais uma vez quero te
dizer que você é maravilhosamente incrível! Eu
amo ser sua mãe, obrigada.

Que Jesus, Nossa Senhora, todas e todos da


nossa devoção te ancorem e protejam de todo
mal. Que você seja feliz ao seu modo. Que você
cresça em compromisso e responsabilidade
contigo mesma e com o mundo. Te entrego todo
meu amor, respeito e minha autoridade de mãe.

Mamãe

70
30 DE JUNHO DE 2021
Minha querida Menina Helena
Tuas palavras me envolvem desde sempre!
Obrigada por me escolher!
Tuas palavras e buscas me acordam: a Menina
que ao meu encontro vem e faz (re)existir a
Mulher cambiante em mim.
Quando tua meninice sábia se aproximou
Acordamos!
Acordei!
Recordamos!
Recordei: Somos Juntas!!!
O encontro nos transforma.
Menina Luz
Mulher que vens
Tuas buscas e perguntas: nos ergue.
Menina, juba de Leão
Negra Menina
À Ti reverencio e saúdo: Gratidão

Dindinha, Fernanda Priscila.


Amo-te além-infinito. E espero também que a
Vida dê um jeito de sempre nos fazer encontrar.

71
03 DE JULHO DE 2021.

... E de repente me deparo com as aventuras


de “Helena de BH”, assim como a “Helena de
Troia” filha de Zeus e da rainha Leda, a nossa
Helena é filha de Rafaela e de Ricardo. Helena nos
presenteia com suas pérolas de conhecimento.
“Quem ensinou isso a essa menina?”.

Helena não apenas observa o mundo, mas vive-o


com intensidade e sua vivência é compartilhada
com a mãe e as pessoas mais próximas.

Até os animais fazem parte dessa aventura


do saber, tudo para Helena se transforma em
vivência e desbravamento. Não é que até o
coitado do “Pingo”, o cachorro, foi consolado por
nossa exploradora ao se deparar com a iminência
de tomar banho. Aliás, quem não gosta de tomar
banho, né?

Padrinho Bernardo

72
13 DE JULHO DE 2021.

Helena, tudo que você diz tem muito amor. Olha


isso: “Mãe dentro do meu coração tem tudo que
você precisa para ser feliz”. Como uma criança
ainda pequena sabe disso tudo? Só pode ser amor
e muita alegria que existe dentro do seu coração.

Vovó

73
12 DE JULHO DE 2021.

Helena como é bom guardar no coração os seus


ensinamentos, suas conversas, lembranças... Isso
me faz sorrir.

Seja uma pessoa boa para você e para o mundo.

Helena, eu te amo.

Vovô

74
22 DE JULHO DE 2021.

O que falar da Helena?

Uma criança que cresceu em meio a tantos


questionamentos, sempre muito curiosa e cheia
de vida.

Em cada pergunta uma surpresa. Amo fazer


parte do seu mundo questionador, pois vejo que
você pode mudar as coisas.

Às vezes a vida nos deixa sem respostas para


algumas perguntas, mas sempre encontramos
uma forma de “driblar” essas questões. E você
é assim.

Com amor, Tia Rosa

75
12 DE JULHO DE 2021.

Helena, seu jeito de ver o mundo me toca


profundamente. 

Minha alma se alarga um pouco mais ao ler você.


Tenho muitas perguntas sobre a vida, assim
como você, e a maioria delas não tem respostas.
Também sofro com as dores do mundo e
quero ajudar em sua cura. Talvez por isso faça
teatro para e com crianças e, assim como você,
quero que esse teatro tenha outras cores...
coloridos inventados, jamais vistos em todo o
universo, que fale sobre vida e morte também.

Charles

76
30 DE JUNHO DE 2021.

Helena,

Uma das grandes preciosidades da minha vida


foi certamente conhecer sua mãe e você.

E é também minha a felicidade em saber que as


Pérolas de Helena irão voar mundo afora em
forma de livro.

Ah, Helena!

Eu leio esses fragmentos e me brota sorriso no


rosto.

Eu leio esses fragmentos e me dá um quentinho


no coração.

É tanta pureza e reflexão profunda junta!

Sinto nessas linhas reverberar um amor genuíno


pelo mundo e as pessoas, uma humanidade
tal que jamais deixaria de fora os ‘alienígenas
desse mundo’, afinal cada um tem direito de ser
exatamente quem se é.

Se há a certeza de ser o desgosto um “cálice


amargo”, que por vezes rasga nossas gargantas,
há também a Fada da Luz que pode pegar o
Deus, essa luz espiritual para nos fortalecer e
guiar os caminhos.

77
Vivas.

Viva!

Vida.

Essas suas pérolas eternizadas pelo olhar


cuidadoso e amoroso de sua mãe, e pela sua
força em habitar esse mundo, é combustível
para o exercício da escuta, da reflexão e do
amor.

E do que sinto,

do que brota,

do que fica quando leio suas pérolas,

Helena,

é AMOR.

E, por tanto, te agradeço!

Vânia

78
COORDENAÇÃO E
PRODUÇÃO EDITORIAL
Assis Benevenuto

ILUSTRAÇÕES
Luiz Dias

REVISÃO
Rafaela Kênia e Editora Javali

PROJETO GRÁFICO,
CAPA E DIAGRAMAÇÃO
Letícia Naves

Catalogação na Publicação (CIP)

S586p  Silva, Rafaela Kênia Alves da

Pérolas de Helena / Rafaela Kênia Alves da Silva,


Helena Mariana Alves Delfino; ilustrações por Luiz
Dias. – Belo Horizonte: Javali, 2022.

80 p. : il.

ISBN 978-65-87635-18-7

1. Literatura infantojuvenil brasileira. 2.


Literatura - Diálogos. 3. Delfino, Helena Mariana
Alves. 4. Dias, Luiz. I. Título.

CDD: B869.2 CDU: 821.134.3(81)

Ficha Catalográfica elaborada pelo Bibliotecário


Tiago Carneiro – CRB-6/3279
Este projeto foi realizado com recursos
da Lei Municipal de Incentivo à Cultura
de Belo Horizonte.

Projeto nº 1003/2020

Com uma tiragem de 500 unidades, este livro foi


impresso em offset pela gráfica Formato, Belo
Horizonte, em papel Pólen Bold 90g/m². Foram
utilizadas as faces tipográficas Founders Grotesk,
da Klim Type Foundry, e Obviously, da OHNO Type.

Editora Javali, outono de 2022


editorajavali@gmail.com
www.editorajavali.com

Você também pode gostar