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Universidade Federal Fluminense - UFF


Instituto de Humanidades e Saúde - RHS
Departamento de Psicologia de Rio das Ostras - RPS
Curso de Psicologia

TÍTULO

Por

BRENDA PEREIRA ROMÃO

Orientadora: Profa. Dra. Irene Bulcão

Rio das Ostras, 2021


2

BRENDA PEREIRA ROMÃO

TÍTULO

Monografia apresentada ao Curso de


Graduação em Psicologia de Rio das Ostras da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Grau de
Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Profa. Dra. Irene Bulcão

Rio das Ostras


2021
3

BRENDA PEREIRA ROMÃO

TÍTULO

Monografia apresentada ao Curso de


Graduação em Psicologia de Rio das Ostras da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Grau de
Bacharel em Psicologia.

Aprovada em setembro de 2021.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________
Profa. Dra. Irene Bulcão
Universidade Federal Fluminense
(Orientadora)

_____________________________________
Profa. Dra. Marcelo de Abreu Maciel
Universidade Federal Fluminense

_____________________________________
Profa. Dra. Alessandra Daflon dos Santos
Universidade Federal Fluminense
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_______________________________________________________________
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Ficha Catalográfica - obrigatória
_______________________________________________________________
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AGRADECIMENTOS
À Deus que é a definição de amor e que me sustentou até aqui
Aos meus pais e meu irmão, por me apoiarem em todas as minhas empreitadas e
por serem refugiados em momentos caóticos. E principalmente a minha mãe que sempre
investiu financeiramente nos meus estudos, em cursinhos, em pré vestibulares.
À minha família, por todo apoio e por acreditarem em mim e vibrarem a cada
vitória minha.
À professora Patrícia, que uma vez falou que não me via em uma faculdade, e
por causa dessas palavras eu dei tudo de mim, superei todas as minhas dificuldades e
aqui estou.
Aos meus amigos do GAP, por embarcarem juntos comigo na aventura que era o
vestibular, por todos os cursinhos, por todos choros pós prova da Uerj. Por serem
incentivo em momentos de desânimo. É um orgulho ver onde cada um de vocês chegou.
À todos que por algum momento escutaram minhas angústias com a monografia.
Aos meus professores da graduação por me passarem seus conhecimentos, a
profissional que serei amanhã, devo a vocês hoje.
Aos meus colegas de faculdade e as minhas parceiras de estágio, por toda
construção.
Ao meu amigo Gabriel, por ter sido um anjo em toda minha jornada em Rio das
Ostras.
À todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a concretização
deste trabalho.
Às pessoas que me ensinaram amor.
Aos meus amores, que já se foram e que ainda virão.
E a mim mesma, por não ter desistido, por não ter desanimado, que mesmo
regada de choros e batalhas ter dado duro até aqui. Você é forte, por isso nunca duvide
de você!
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Os pensamentos, embora possam


parecer grandiosos, jamais serão grandes
o suficiente para abarcar a generosa
prodigalidade da experiência humana,
muito menos explicá-la. (Zygmunt Bauman)
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SUMÁRIO
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RESUMO

O amor em nossa cultura aparece com um sentimento capaz de promover a


felicidade através de um relacionamento afetivo, mas é possível observar como ele é
influenciado e normatizado socialmente a fim de obter certos objetivos. Isso fica claro
quando cartografarmos a produção do discurso amoroso ao longo da história,
observando quais mudanças foram acontecendo ao longo dos anos, que apesar de
libertar as linhas do desejo, ainda serviam como forma de um controle social. Observar
isso é importante para entender como essas mudanças geraram desdobramentos na
atualidade. Atualidade essa com características bem marcadas e difundidas, como o
amor líquido, a influência da informatização e da globalização, a individualização, o
egoísmo e a busca por autonomia. É interessante observar que apesar dos fortes
discursos pela autonomia e emancipação, o campo amoroso ainda é fortemente
amarrado a padrões encaixantes, impossibilitando a criação e a vivência de uma
subjetividade autêntica. Para mudar isso é necessário devir amor. Pois o amor pode
sim ser um sentimento potencializador e promotor de uma subjetividade autêntica, mas
para isso é necessário retirá-lo do campo do dever, e assumi-lo como uma atividade
criadora, assim como uma arte, libertando as linhas para que os desejos e afetos
percorrem livremente, a fim de criar uma subjetividade e um relacionamento
interpessoal capaz de ser promotor de felicidade e de autonomia, do que uma promotora
de encarceramento em modelos previamente definidos. Amor é seguir pela linha da
experimentação e criação.

Palavras-chave: amor, devir, subjetividade, arte.


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ABSTRACT

Love in our culture appears as a feeling capable of promoting happiness through


an affective relationship, but it is possible to observe how it is influenced and socially
normalized in order to obtain certain goals. This becomes clear when we map the
production of love discourse throughout history, noting what changes have taken place
over the years, which despite freeing the lines of desire, still served as a form of social
control. Observing this is important to understand how these changes have generated
current developments. This is a current situation with well-marked and widespread
characteristics, such as liquid love, the influence of computerization and globalization,
individualization, selfishness and the search for autonomy. It is interesting to note that
despite the strong speeches for autonomy and emancipation, the love field is still
strongly tied to enclosing patterns, making it impossible to create and experience an
authentic subjectivity. To change this it is necessary to become love. For love can
indeed be an empowering feeling and promoter of an authentic subjectivity, but for this
it is necessary to remove it from the field of duty, and assume it as a creative activity, as
well as an art, freeing the lines for desires and affections flow freely, in order to create a
subjectivity and an interpersonal relationship capable of being a promoter of happiness
and autonomy, rather than a promoter of imprisonment in previously defined models.
Love is following the line of experimentation and creation.

Key-words: love, becoming, subjectivity, art.


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INTRODUÇÃO

O amor, na nossa cultura, está em toda parte, sendo apresentado como um sentimento
que nos move, através do discurso de que ele é capaz de nos completar e promover a
felicidade plena. E mesmo com o passar dos anos, amar e ser amado ainda continua sendo
uma enorme busca do ser humano. Por esse motivo sempre me questionei sobre como esses
discursos atravessavam a formação da nossa subjetividade e como eles, inconscientemente,
moldavam a nossa maneira de amar, valorizando determinadas formas de expressar o amor e
desmoralizando outras, nos pondo em “caixinhas”, como se fosse simples, como se todos
tivessem as mesmas necessidades amorosas. Na maioria da minha formação fui adepta ao
discurso do amor líquido, e como as relações eram rasas em nosso tempo, até que provei na
pele esse sentimento. Ao mesmo tempo em que cursei uma disciplina que falava sobre a
importância da relação interpessoal, experimentei como o amor poderia não ser raso, que
poderia ser algo que potencializava, promovia a autenticidade e a formação da minha
subjetividade. Mas voltei a me questionar, quando vi como a minha forma de amar acabou
sendo moldada pelo discurso amoroso dominante e de como o amor deveria ser, botei o amor
na caixa, deixei de lado a criação, e segui pelas linhas duras da normatização e o que eu vi, foi
a líquida ruína da subjetividade e da afetividade.

E pensando e estudando sobre como as relações afetivas se davam e se formavam me


deparei com a necessidade de devir amor. Devir, pois ele era muito mais do que liquidez, que
o amor poderia sim nos potencializar e nos fazer criar, criar a si, criar com o outro e criar uma
subjetividade própria e autêntica. E para apoiar a pesquisa abracei a história e fiz uma revisão
bibliográfica tanto de como o amor e o afeto foram socialmente forjados ao longo dos séculos
e como os fluxos, as linhas e a criação, podem libertar essas vias para a vivência de um amor
potencializador.
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No Capítulo 1 busco construir um pensamento, baseado na teoria de Erich Fromm,


onde através do amor, a angústia proveniente da separação elementar do sujeito pode ser
atenuada, mas não um amor qualquer, e sim o amor como uma arte, como uma atividade
criadora, que ao mesmo tempo potencializa a subjetividade individual e autonomia do ser,
como se liga ao outro, criando com ele. Nesse capítulo também é construída uma ideia,
apoiada por Deleuze, Guattari e Suely Rolnik, de que tomar o amor como uma atividade
criadora requer seguir pelas linhas do desejo, pelas linhas de fuga, por habitar territórios e
desterritorializar-se, através do devir.

No Capítulo 2 é traçada uma breve cartografia da história do amor, baseada nos


estudos de Mary Del Priore e Regina Navarro Lins, se atentando principalmente aos séculos
XVIII ao XX, buscando entender as principais influências que moldaram o amor socialmente,
como o casamento que passa de apenas um contrato social totalmente desprovido de amor e
erotismo, para algo, hoje, totalmente sustentado pelo amor. Busca entender quais linhas de
fuga foram traçadas para libertar o afeto. Nesse capítulo é destacado também esse panorama
no cenário brasileiro, e as consequências que a escravidão e colonização promoveram nos
afetos.

No Capítulo 3 foi analisado especificamente como o discurso amoroso se instaura na


contemporaneidade, no século XXI, de como o capitalismo e a globalização atuam
diretamente na construção do nosso discurso amoroso, e que apesar de sermos capazes de
vislumbrar mudanças em padrões enrijecidos, – através de uma transformação na concepção
de relacionamentos afetivos, que ao mesmo se anseia pela liberdade e autonomia, os ideais
românticos do amor, como a simbiose e o feliz para sempre ainda são almejados –, essas
mudanças acontecem de fato muito lentamente, mas já são passos importantes para novas
significativas mudanças na maneira que o amor é vivenciado na atualidade. Além disso, é
feita uma breve análise de algumas características próprias do amor contemporâneo, como a
liquidez das relações e como a internet influenciou a maneira de reger os afetos.É retomada e
enfatizada a ideia de como é necessário encarar o amor como uma arte, como uma atividade
criadora, que ao mesmo tempo é essencial para a formação da subjetividade autêntica e
criação de si, como para a relação interpessoal. Para encerrar é feito um panorama, apoiando
principalmente nas ideias da Regina Navarro Lins, a respeito das novas formas de amar que a
contemporaneidade tem experimentado e que pode possivelmente virar tendência em um
futuro.
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À guisa de Conclusão compartilho novos modos de ver amor para além do senso
comum, baseando a ideia de que o amor é muito mais do que o encontro entre dois corpos, ele
é algo essencial na vida e importante na construção de si, e para assumir essa visão, é
necessário Devir amor. E reafirmo que minha intenção não foi só apresentar uma revisão
bibliográfica, mas promover questionamentos, promover novas maneiras de pensar em amor.
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Capítulo 1

BUSCANDO ENTENDER O AMOR

Sentimentos negativos e frustrações emocionais são inerentes à condição de viver, e a


busca para superar essas condições a fim de tornar a vida suportável é constante. Fromm
(1964) em sua teoria traz a ideia de que isso é possível através da criação de um self
autêntico, em que a preocupação está em desenvolver uma subjetividade e identidade de
maneira que respeite a própria autenticidade. Por causa desses conflitos inerentes à vida, o
homem está constantemente buscando um equilíbrio entre: a natureza individual e a
necessidade de se relacionar. Essa necessidade está ligada ao fato de uma parte do self
humano só existir na relação.

Fromm (1958) exemplifica que a fonte desses sentimentos é a razão, pois a partir dela
é possível observar o aparelho psíquico consciente. E foi através da evolução do ser que se
adquiriu a razão que, apesar de promover a capacidade de adquirir inúmeras habilidades,
promove a consciência da vida e das questões que a permeiam, e ao tomar essa consciência o
sujeito se vê diante de diversos sentimentos decorrente das angústias, e segundo Rolnik
(1989) elas são de cunho ontológico, existencial e psicológico. Essas questões são
inexistentes no reino animal, e ela trás uma série de sentimentos negativos e angústias, como
a noção da finitude humana, a culpa, vergonha, tristeza, ansiedade (sentimentos esses são
conhecidos hoje como o mal do século XXI). E foi a partir desse momento que se tomou
consciência da separação elementar, pois “[...] as paixões básicas do homem [...] nas
condições específicas da existência humana, na necessidade de encontrar nova relação com o
homem e a Natureza após haver perdido a relação primária da etapa pré-humana” (Fromm,
1970, p. 12). Essa separação acontece porque uma parte do self só é capaz de existir na
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relação, e com a razão o ser humano se enxerga como algo separado da natureza e isolado uns
dos outros.

O autor Fromm (1958) utiliza como metáfora a história Bíblica de Adão e Eva para
ilustrar como a vergonha se associa ao sentimento de separação da natureza. Nesta história,
Adão e Eva viviam em harmonia com Deus, seu criador, mas Ele deu uma ordem aos dois:
era proibido comer o fruto da árvore do bem e do mal, pois ao comer desse fruto eles
morreriam, se separando eternamente do seu criador. O desfecho da história é que eles foram
contra a ordem divina, comendo o fruto proibido e, a partir desse momento, eles se viram
separados, tomaram conhecimento de que eles eram diferentes, que não eram eternos, e donos
de uma subjetividade particular e não um ser uno com Deus, e a partir desse momento eles
foram inundados pelo sentimento de culpa e vergonha. Logo, quando perceberam que
estavam nus, procuraram por folhas para se cobrirem; e quando Deus falou com eles, como
fazia todo fim de tarde, eles se esconderam.

Ao reconhecerem a sua separação permaneceram estranhos, porque ainda


não haviam aprendido a amar um ao outro (o que é também tornado claro
pelo fato de Adão se defender culpando Eva, em vez de defendê-la). A
consciência da separação humana, sem a reunião pelo amor, é a fonte da
vergonha. E ao mesmo tempo, a fonte da culpa e da ansiedade.
(FROMM, 1958, p 29-30)

A busca pela união como consequência da separação pode ser ilustrada pelo mito do
andrógino. Platão (380 a.C) apresenta esse mito em O Banquete, e a sua intenção foi definir a
natureza humana e o tipo de amores possíveis. No mito do andrógino os humanos originários
apresentavam três gêneros: feminino, masculino e andrógino, este último representava a
forma completa da humanidade e de possibilidades de relações interpessoais. Mas ao tentar
desafiar os Deuses, foram separados como punição.

O autor Menezes (2018) comenta o mito do andrógino e esclarece que a natureza antes
una agora “[...] sem suas metades, passam a morrer [...] devido a parte que lhes falta”
(MENEZES, 2018, p. 172), e através desse fato, aparece o desejo como um resgate a essa
união, anulando a sensação de separação, e “o desejo desse todo e o empenho em estabelecê-
lo é o que denominamos de amor” (PLATÃO, 192e10-193a1 apud MENEZES, 2018, p. 173),
logo o amor é o sentimento de anseio “pela unidade perfeita como valorização da ideia de
uma possível androginia que multiplica” (LONDERO, 2006, p.74), atingindo a completude.
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Por isso o amor tem sua genealogia a partir dessa vivência que o ser
humano experimenta de separação, de mutilação, de incompletude, como
se realmente cada um vivesse na própria carne a dor da perda de um
pedaço de si, que só seria aliviada quando encontrasse aquele outro, que
seria nada menos do que uma parte de si mesmo. O desejo de unir-se ao
amado provém dessa sensação de ser apenas parte, metade de um todo.
(LONDERO, 2006, p. 28-29)

Com estes exemplos, Fromm (1958) faz perceber que a “[...] mais profunda
necessidade do homem, assim, é a necessidade de superar sua separação, de deixar a prisão
em que está só [...]” (p. 30). E com o intuito de superar essa angústia proveniente da
separação, as culturas e sociedades utilizaram ao longo da história diferentes modos de buscar
esse estado de completude. Uma dessas maneiras foi onde em diversas culturas houve a busca
através das experiências orgíacas, pois segundo Fromm (1958) eles são capazes de provocar
um estado de transe auto provocado – a partir de drogas, experiências sexuais e religiosas, por
exemplo – mas esses estados provocam resultados transitórios, onde o sentimento de estar
separado desaparece momentaneamente, pois “[...] parece que, depois da experiência orgíaca,
o homem pode continuar por algum tempo sem sofrer demais com a sua separação.
Vagarosamente, a tensão da ansiedade some, e é de novo reduzida pela realização repetida do
rito” (FROMM. 1958, p.32). Logo, pode-se observar que essa forma acaba gerando
repetição, se assemelhando a um vício, pois os resultados da busca orgânica são parciais, pois
essas experiências têm por característica o caráter periódico e transitório.

Outro modo de lidar com essa separação é a de união com um grupo, ela “[...] é uma
união em que o ser individual desaparece em ampla escala, em que o alvo é pertencer ao
rebanho.” (FROMM, 1958, p. 34), promovendo uma homogeneização e universalização, “[...]
uma espécie de reducionismo da subjetividade” (BRITO, 2012, p. 8). Nesse modelo todos
estão, inconscientemente, vivendo um mesmo padrão, segundo os mesmos costumes, gerando
um sentimento de pertencimento, e a sensação de não estar só no mundo. Porém, essa
maneira é de certa forma problemática, pois flerta com o controle, padronização e inércia,
prejudicando diretamente a subjetividade do sujeito, surgindo diversas linhas de fugas
próprias da modernidade, tais como: os vícios em álcool, drogas, trabalho, sexo, dentre outras,
a fim de buscar experiências novas que transcendem para além dos padrões enrijecidos e
impostos pela sociedade.
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Como solução, Fromm (1964) traz que esse sentimento pode ser superado ao passo
que cada sujeito consiga mutuamente encontrar o seu propósito aceitando sua singularidade,
através da constituição de si e de sua subjetividade, e desenvolvendo a capacidade de amar.
Para aceitar e promover a sua singularidade é fundamental que o indivíduo seja capaz de
descobrir seu próprio sentido do self de maneira autêntica, ao invés de aderir às normas já
postas pelo grupo, alienado de si mesmo, pois é de extrema importância conhecer “nossa
própria natureza antes de tomarmos nossas decisões [...] é impossível amar [...] sem antes
conhecermos a nós mesmo. O autoconhecimento é o primeiro e fundamental degrau para que
sejamos capazes de buscar o que precisamos” (NOGUERA, 2020, p. 69). Por isso, o
propósito da vida é a autodefinição, de uma maneira que cada indivíduo abrace sua própria
subjetividade e singularidade. Logo, o autor Fromm (1964) menciona que a principal missão
do homem, na vida, é dar luz a si mesmo e tornar-se aquilo que ele é potencialmente.

Mesmo que num primeiro momento pareça paradoxal, a sensação de integração com a
natureza se dá a partir do momento que conseguimos descobrir nossa individualidade. Para
Fromm (1958) atingir esse estado é possível quando o sujeito segue suas próprias paixões
através da força criativa, pois a criatividade exige coragem de se desapegar das certezas
aventurando no novo, habitando novos territórios e seguindo por novas linhas.

Viver é criar, é expandir, é afirmar, é exercício plástico. Então, a vida


deve ser vista como uma espécie de teatro em que se aprende
efetivamente o caráter criacionista da produção da subjetividade. Nesse
teatro multifacetado e criador, o corpo constrói para si outros modos de
existências. Esse corpo não tem receio de devorar e de exercitar a
devoração, ele não se permite mais ser organizado nas estruturas
encaixotantes e fixadoras, ele transversaliza outros corpos, outros
sentidos. Há encontros e movimentos com o outro, com a alteridade. [...]
“cria, inventa, fabrica outros modos de vida a partir de seus processos de
singularidade. Essa perspectiva rompe com toda a máquina de dominação
da norma, da regra, para afirmar novas formas de afetos, de perceptos”.
(BRITO, 2012, p. 10)

E nada melhor para captar a força criativa do que a arte, pois ela carrega consigo o
ímpeto criador, que traz novos olhares, a capacidade de cocriação com a “obra”criada,
promovendo movimento, logo, a vitalidade “[...] que nos faz encontrar fagulhas de liberdade
no tempo morto da sobrevivência” (ARAÚJO, 2019, p. 2). Diante disso, Araújo (2019) cita
Deleuze, quando fala que não há uma esfera que capta com tanta destreza o devir como a arte,
visto que ela “cria estende esses devires, como linhas prolongadas que escapam dos pontos
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fixados pela representação hegemônica [...] subverte os modos clássicos de representação


artística, que foge da permanência nos ideais elevados e dos meios de expressão pré-
estabelecidos” (ARAÚJO, 2019, p. 5), logo através da arte se torna possível criar novas
formas de vida e relacionamentos.

E diante disso está o amor, “[...] o amor é uma arte político-afetiva." (NOGUERA,
2020, p. 188), e ela proporciona a principal maneira de conseguir escapar da solidão e da
finitude. Esses sentimentos são necessários, pois quando uma “pessoa vive sozinha, todo o
seu repertório, toda a sua sabedoria morre com ela. Nesse sentido, ninguém pode ser sozinho,
de modo que as uniões amorosas tornam-se fundamentais para que as pessoas aprendam umas
com as outras.” (NOGUERA, 2020, p. 74). Dessa forma, o “[...] amor possui a capacidade de
fazer com que o amante se transforme, cresça, torne-se mais potente.” (NOGUERA, 2020, p.
148). Mas, para Fromm (1958) amar é uma ação um tanto diferente da que nossa sociedade
está acostumada, para o autor o amor é uma capacidade criadora interpessoal, ou seja, precisa
ser desenvolvida ativamente como uma parte integrante da personalidade do indivíduo, uma
arte. Logo, a atividade criadora é a maneira de alcançar o sentimento de união, pois o
indivíduo e sua criação tornam-se um através do processo de criação.

A unidade realizada na obra produtiva é interpessoal; a unidade


conseguida na fusão orgíaca é transitória; a unidade alcançada pelo
conformismo é apenas uma pseudo-unidade. Eis porque são todas,
apenas, respostas parciais ao problema da existência. A resposta
completa está na realização da unidade interpessoal [...] está no amor.
(FROMM, 1958, p. 40)

O amor segundo essa lógica não é apenas um sentimento, e sim uma atitude. Noguera
(2020) em um dos capítulos do seu livro traz a ideia de que amor é contar histórias, ou seja, é
construção, que não depende só de uma pessoa, mas reside na capacidade de produzir uma
história em comum. Nessa lógica o amor

[...] demanda que duas pessoas apresentem, uma à outra, a narrativa de


sua vida – só assim elas podem se apaixonar dia após dia e entrelaçar
suas histórias em união [...] O maior desafio do amor é cultivar a arte de
reinventar diariamente o encontro [...] que cabe a cada casal inventar as
próprias aventuras e as diversas maneiras de enfrentar os obstáculos que
aparecerão no caminho. (NOGUERA, 2020, p. 57- 58)
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A importância do relacionamento interpessoal reside no fato de que “[...] a vida nunca


está dada” (NOGUERA, 2020, p. 55), e para complementar o sujeito só é capaz de se
constituir na relação pois “[...] a harmonia da vida depende dos outros, que nos ajudam a
encontrar nosso caminho” (NOGUERA, 2020, p. 24). Isso porque como já visto em Fromm
(1964), uma parte do self humano só existe na relação com o outro, sendo capaz de encontrar
uma resposta para a separação elementar. O afeto interpessoal no indivíduo é de extrema
importância pois os processos de cognição estão intrinsecamente ligados na relação do sujeito
com o mundo, logo, o afeto necessita do envolvimento eu-mundo, pois é “[...] na medida em
que vivemos e agimos, conhecemos o mundo.” (ROCHA & KASTRUP, 2009, p. 387). Nessa
lógica, os atores Varela e Maturana (1995) desenvolvem o conceito de autopoiese, que quer
dizer autoprodução, que diz a respeito à capacidade do sujeito de autoconstruir, criando a si e
o mundo, através de um coengendramento (eu-mundo), trazendo consigo uma importância
para o presente encontro, sendo uma característica que define o sujeito.

[...] a teoria da autopoiese se coloca como uma proposta de pensar a


cognição a partir de uma posição que [...] por participarmos de coletivos
que estabelecem determinadas congruências operacionais que nos fazem
fazer mundos e objetos de tal ou qual modo. A teoria se constitui em
torno do reconhecimento do observador no conhecimento que ele produz,
ou seja, na objetividade [...] Para Maturana e Varela (1991, 1997 e 2001)
todo ser vivo é um processo que produz seus próprios componentes e
essa característica auto-produtora é o que garante a diferenciação destes
sistemas em relação ao meio no qual se acoplam [...] as características
individuais dos componentes não importam, apenas as suas relações [...]
A teoria da autopoiese propõe o aforisma ser = fazer = conhecer. Disso
decorre que quando dizemos que um fazer é adequado estamos
relacionando tal fazer com um determinado domínio de ação (fazer =
conhecer em um domínio). Da mesma forma, todas aprendizagens são
processos que acontecem em domínios, ou seja, aprender consiste na
transformação estrutural através da experiência, na convivência .
(MATURANA e VARELA, 1991 apud GAVILLON, 2019, p. 26)

Logo, segundo Maturana e Varela (1991), a autopoiese é uma produção constante do


sujeito, um “[...] infinito processo de vir-a-ser (transformação) em interação com outros
processos” (GAVILLON, 2019, p. 31) e agindo no mundo, de maneira a se tornar autônomo.
Juntamente com a importância da autonomia e o conceito de autopoiese, Varela (2003)
desenvolve o conceito de enação, e segundo essa teoria “cada ser vivo é considerado como
um sistema autônomo [...] A autoprodução do sistema vivo só é possível por ele estar imerso
em um mundo, que não se separa dele, apenas define sua autonomia” (Rossi, Prenna,
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Giannandrea e Magnoler, 2013 apud GAVILLON, 2019, p. 36), trazendo a ideia de que o
sujeito e o mundo se constituem mutuamente, ou seja, a relação mútua é necessária para a
construção de um sujeito, que se estabelece a partir do agir no mundo, logo não é possível
separar o sujeito do mundo, pois o sujeito é relacional, necessitando de uma relação com o
coletivo para se formar subjetivamente de maneira autônoma. Logo a enação traz a ideia de
que “nós e o mundo somos inseparáveis; nós co-emergimos - cognição (aprendizagem) não
pode ser separada de ser (viver). Conhecimento é o domínio de possibilidades que emerge
quando respondemos a e causamos mudanças no nosso mundo” (Begg, 2013, p.82 apud
GAVILLON, 2019, p. 39). Com isso fica claro perceber que é uma via de mão dupla, que no
mesmo momento que se relaciona com o outro, o próprio sujeito forma a si mesmo, como
visto em Fromm (1964, 1958).

Essa relação interpessoal/ eu-mundo pode se manifestar de diversas formas. As


relações de amor é uma delas, e segundo Fromm (1958) é através da construção de si e do
amor, através da relação interpessoal que conseguimos uma resposta completa para o
problema da separação, pois traz de volta uma sensação de união com a natureza.

O amor é, então, vital para a sobrevivência humana. À medida que as


pessoas se aproximam e criam laços, elas aumentam as condições de se
manterem em um mundo coberto de ameaças e hostilidades [...] o amor
não é fruto só de nossos planejamentos e pretensões, mas faz parte do
corpo, pertence a natureza. (NOGUERA, 2020, p. 48)

Quando se fala de amor, é preciso ter certa sensibilidade para definir que tipo de amor
é esse, que supre o sentimento de separação, pois não é qualquer tipo de amor que provoca
essa resposta. O autor Fromm (1958) traz dois tipos de amores: o amadurecido e o imaturo;
mas esse último não é capaz de ser a resposta para o problema. Ela não pode ser a solução,
pois é uma união simbiótica, havendo a necessidade do outro de maneira, em que se fundem e
se “tornam um”, abrindo mão da integridade, e subjetividade e autonomia, podemos ver essas
manifestações através da dominação e submissão – popularmente conhecidos como sadismo e
masoquismo.

Esse modelo simbiótico é o cerne do amor romântico, aquele que dita nossos padrões
contemporâneos de relacionamento afetivo, onde se prega a necessidade de fusão, anulando
toda subjetividade do sujeito. Com isso, acabamos caindo novamente na conformidade do
rebanho, caracterizadas pela falta de subjetividade através da padronização das relações e
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visões. E é exatamente essa a configuração que nosso ideário amoroso tirou seus ideais, a
necessidade de simbiose e padronização, onde qualquer forma de expressão da afetividade
contrária das ditas certas e esperadas são respondidas com preconceito e repressão, oprimindo
as pessoas que não se sentem encaixadas naquele ideário romântico. Atualmente o amor em
sua configuração romântica deixou de lado sua essência criadora, deixou de ser um devir para
se tornar um dever, impedindo os sujeitos de emergirem através da relação, sendo sempre
cercado por padrões que são construídos socialmente, a fim de, não potencializar o sujeito,
inibindo sua capacidade criadora, ou seja, as relações afetivas dentro desse modelo não são
capazes de atingir o objetivo de resolver o problema da separação. Somente o amor
amadurecido que é capaz de suprir esse problema, esse amor é a

[...] união sob a condição de preservar a integridade própria, a própria


individualidade. O amor é uma força ativa do homem [...] que une os
outros; o amor leva-o a superar o sentimento de isolamento e de
separação, permitindo-lhe, porém, ser ele mesmo, retêm sua integridade.
No amor, ocorre o paradoxo de que dois seres sejam um e, contudo,
permanecem dois. (FROMM, 1958, p. 43)

Ou seja, o amor amadurecido na verdade é uma potência, é uma ação de caráter ativo,
pois “[...] não é possível viver o amor se não estivermos abertos às mudanças [...] amar de
verdade exige cultivar cada momento vivido em conjunto” (NOGUERA, 2020, p. 140). O
amor é o devir, o amor é movimento, onde o amor produz amor, “O amor amadurecido segue
o princípio: ‘sou amado porque amo’. O amor imaturo diz: ‘Amo-te porque necessito de ti’.
Diz o amor maduro: ‘Necessito de ti porque te amo’” (FROMM, 1958, p. 65-66). Os
principais fundamentos desse amor amadurecido são: cuidado, responsabilidade,
preocupação, respeito e conhecimento objetivo.

O amor deve ser capaz de existir de uma maneira amadurecida se existir respeito pela
distinção e singularidade, pois somente assim é capaz de criar uma conexão interpessoal.
Logo, o amor exige respeito pela individualidade do outro, sua base é a autonomia e não a
mistura ou fusão de personalidades, é necessário que haja a promoção da liberdade, “[...] se
amo a outra pessoa, sinto-me um com ela, ou ele, mas com ela tal como é, não como eu
necessito que seja para objeto de meu uso [...] o amor é filho da liberdade, nunca da
dominação” (FROMM, 1958, p. 51-52), dessa maneira o amor amadurecido incentiva o outro
a exercer toda sua autonomia, e nunca a dominação do outro. Para complementar, Noguera
(2020) demonstra isso ao falar que o amor para ser bem sucedido depende na capacidade dos
12

indivíduos em construir uma história comum, e nunca anulando as individualidades, sendo a


“[...] única regra fixa é se fazer disponível, oferecer uma escuta ativa e investir no
autoconhecimento” (NOGUERA, 2020, p. 59). O amor como atividade criadora, como um
devir, se instaura em todas as relações interpessoais, ela aparece na relação de amor entre pais
e filhos – nas \manifestações de amor materno e paterno – nos amor fraterno – no amor
erótico – no amor próprio – e – no amor de “Deus” (no sentido religioso em geral).

O amor não é, primacialmente, uma relação para com uma pessoa


específica; é uma atitude, uma orientação de caráter, que determina a
relação de alguém para com o mundo como um todo, e não para com um
objeto de amor. Se uma pessoa ama apenas a uma outra pessoa e é
indiferente ao resto dos seus semelhantes, seu amor não é amor, mas um
afeto simbólico, ou egoísmo ampliado. Contudo, a maioria crê que o
amor é constituído pelo objeto e não pela faculdade. (FROMM, 1958, p.
71-72)

Com isso, pode-se observar que o amor é um modo de ação e uma maneira de reger a
vida, pois “[...] se verdadeiramente amo alguém, então amo a todos, amo o mundo, amo a
vida.” (FROMM, 1958, p. 72). O que difere é apenas o objeto para que esse amor seja
direcionado, mudando a maneira de satisfação e a construção que será feita juntamente com o
outro. O amor é praticado através da atividade criadora, da criação do desejo/afeto. E o
desejo é o movimento de afeto e de simulações desses afetos, estando presente no encontro
dos corpos que “são tomados por uma mistura de afetos. Eróticos, sentimentais, estéticos,
perceptivos, cognitivos” (ROLNIK, 1989, p. 25),e por isso se eles podem afetar e ser afetado.

Para Deleuze e Guattari (1996) o desejo cria caminhos que são capazes de aumentar a
autonomia do sujeito, trazendo a alegria de viver, ou seja, respondendo ao problema da
separação elementar, e é essa capacidade de criação do desejo que torna a vida uma arte, a
arte de amar. Essa capacidade criadora, da subjetividade e do desejo e da construção de si,
pode se expressar de algumas maneiras, por exemplo, através do processo de territorialização
e desterritorialização e das linhas/mecanismos de fuga.

Guattari, Deleuze e Rolnik em diferentes trabalhos lançam do conceito de território


para explicar os processos de produção de subjetividade, que se dão através dos movimentos
de territorialização e desterritorialização, deixando de habitar certos territórios e pensamentos,
para se fazer presente em outros que melhor se encaixem com suas subjetividades. Esses
territórios são habitados pelos “corpos vibráteis” que são tomados por desejos, são corpos
13

móveis, que vão em direção aos devires, a novos encontros, afetando e sendo afetados, é na
medida em que se aprende a reterritoriar-se que o solo para a produção de desejo se torna
fértil.

Logo, esses movimentos são os próprios devires, pois permite a capacidade de habitar
novos territórios, criar novo território e construir novas realidades, assim “[...] o desejo é a
criação do mundo.” (ROLNIK, 1989, p. 55). Esses processos se dão constantemente e
mutuamente, ao passo que se desterritorializa e habite-se outros territórios através da
capacidade de criação de novas perspectivas e subjetividades. A subjetividade como descrito
por Fromm (1964) se dá a partir de um movimento criador, ou seja, ela não se dá através da
inércia, e sim a partir de devires, logo, ela está sempre em constante composição, não sendo
“[...] como uma espécie de moldura formatada e fixada que leva à padronização do indivíduo
a ser conhecido e reconhecido” (BRITO, 2012, p. 7). Dessa maneira, esse movimento está
relacionado à ideia de território, pois se produz ativamente, um constante movimento de
desterritorializar e habite-se novos territórios.

[...] “subjetividade desterritorializada” exige efetivamente uma estética


da existência, um abandono radical do sedentarismo reinante, um
abandono das formações essencialistas, da disciplinarização dos corpos,
sendo a favor de uma subjetividade nômade, de uma singularização. Isso
requer coragem para deixar viver o experimento [...] existência. Com
isso, a ideia de “subjetividade desterritorializada” opera com a negação
efetiva da identidade, da unidade e da centralidade para pensar a
subjetividade por movimentos, por territorialidade e desterritorialidade,
por dobras e por singularidade. (BRITO, 2012, p. 23)

Os processos de territorialização e desterritorialização, de habitar os territórios se dá


através de fluxos, logo os territórios são formados por linhas. Para os autores Deleuze e
Guattari (1996) essas linhas são responsáveis pelo processo de subjetificação. Melhor
dizendo, as linhas são as relações de forças que determinam os sentidos das ações que
constituem o sujeito, são práticas orgânicas que acontecem em dado território/ sociedade. O
território é perpassado por três linhas, as duras, as maleáveis e as de fuga. As duras são
estruturas enraizadas a partir de uma moral, promovendo padrões e ordens que devem ser
cumpridos de maneira "inquestionável", vistas como a única maneira possível de viver,
agindo a favor da moral civilizante.
14

Para esclarecer esse contexto Cassiano e Furlan (2013) expõem que “As linhas duras
são as linhas de controle, normatização e enquadramento, e através de seus atravessamentos
se busca manter a ordem e evitar o que é considerado inadequado a determinado contexto
social instituído” (p. 373). Sendo assim, são duras, pois são relações que não dão
possibilidades de criação, de mudança para o sujeito. As linhas dura especificamente nas
relações interpessoais se dão de maneira que controle a identidade de cada indivíduo,
aprisionando as subjetividades, impedindo a promoção da autonomia. Já as linhas maleáveis,
promovem uma maior fluidez através da sua configuração rizomática. Outro ponto
importante é que para Deleuze e Guattari (1995) existe uma multiplicidade heterogênea de
elementos e relações, onde cada ponto pode se conectar a outro traçando novas linhas e
conexões, sendo possível ver o início de uma capacidade criadora.

O importante é que em um rizoma não existem eixos ou centros que


comandem as relações e os fluxos entre seus elementos [...] o
acontecimento se destaca, como o lugar e o momento em que a realidade
se constrói, ao contrário do sistema estratificado que predetermina o
fluxo das relações entre seus elementos [...] Ela é, nesse sentido, a
possibilidade do desejo criar novas relações ou formas de vida. Como
não se trata de separar essas dimensões, presentes na realidade, em
qualquer rizoma coexistem pontos de rigidez, ou de estratificação em
trânsito, bem como em cada estrato se encontram rizomas que fogem a
ele e criam novas possibilidades de relações. (Cassiano e Furlan, 2013, p.
374).

Apesar das linhas maleáveis serem mais flexíveis, elas, assim como as duras, fazem
parte do controle social, e mesmo criando novas possibilidades, estas ainda estão rizomadas,
não há rupturas, como ocorre no terceiro tipo de linhas, a de fuga. As linhas são “[...]
rupturas que desfazem o eu com suas relações estabelecidas, entregando-o à pura
experimentação do devir [...] São linhas muito ativas, imprevisíveis, que em grande parte das
vezes precisam ser inventadas, sem modelo de orientação.” (Cassiano e Furlan, 2013, p. 374).
Essas rupturas que nascem a partir de um sentimento de insatisfação provocam mudanças a
partir da capacidade criadora, pois é necessário abandonar algo antes enrijecido, permitindo
novas experimentações através da potencialização do ser.

Essas linhas são responsáveis por libertarem os movimentos do desejo “o mundo que
foge de si mesmo por essa linha, ele se desmancha e vai traçando um devir [...] processos que
se desencadeiam: variação infinitesimais, ruptura que se operam imperceptivelmente;
15

mutações irremediáveis[...] um estado de fuga” (ROLNIK, 1989, p. 48). Segundo Rolnik


(1989) as linhas de fuga são de fato as linhas de afeto, por isso para analisar os movimentos
do desejo é preciso de uma “[...] análise de suas linhas de fuga [...] por onde se desmancham
os territórios” (p.75). As linhas se perpassam a todo o momento, logo o processo de
subjetificação e de amor são construídos e desconstruídos constantemente. Assim, eles estão
sempre em movimento, nos processos de criação do novo, e principalmente no navegar pelas
vias do desejo.

O desejo está sempre em construção, mas ele pode ser paralisado, quando essa
produção criadora é castrada pela culpa e moral que bombardeia o ser a todo o momento, se
tornando mais cômodo seguir pela linha dura, mesmo que penosa psicologicamente, por
causar os sentimentos de angústia. Sendo assim, quando o desejo, a subjetividade e o amor
correm pela linha dura, regida pela imposição, atua como um paliativo para o problema da
separação, pois ela não é fonte de felicidade.

Cassiano e Furlan (2013) ressaltam que quando o sujeito se encontra estratificado nas
linhas do desejo, ele acaba se encontrando em um estado de aniquilação da subjetividade, se
tornando uma marionete da massa. Logo, a criação de linhas de fuga são essenciais para uma
genuína capacidade de se construir como sujeito e amar, atingindo a proposta de Fromm
(1958), que é a capacidade de suprir o sentimento de separação amenizando as angústias
diárias, atingindo a capacidade de amar e se tornar sujeito.

Ao olhar para a História pode-se observar esses movimentos formados por inúmeras
linhas de fuga, não é coincidência que a maioria dessas rupturas se deram através de
movimentos artísticos, que foram responsáveis por inserir um novo olhar e promovendo
mudanças significativas nos modos vigentes de determinar as vidas e relações interpessoais.
As mudanças dessas linhas podem ser vistas como uma sucessão de desvio e composições,
sendo assim Latour (2016) reforça o caráter ativo que as mudanças têm, que em torno de “[...]
um determinado curso de ação sempre é composto por uma série de desvios cuja
interpretação, posteriormente, define uma defasagem que dá a medida da tradução” (p. 28), ou
seja, a partir de situações problemas há um movimento para uma nova prática, através da
tradução que “[...] é ao mesmo tempo transcrever, transpor, deslocar, transferir e, portanto,
transportar transformando” (p. 30). Sendo assim, tais situações como a insatisfação dos
casamentos arranjados onde o sentimento não tinha lugar para florescer, ou mais a frente a
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insatisfação do papel da mulher na sociedade machista, estrutura essa em que as mulheres não
tinham voz nem direitos.

Essas mudanças se dão a partir de situações problemáticas, que geram a angústia, no


modo de amar, nas relações interpessoais, e a maneira que o sujeito é formado ocorreram
inúmeros importantes acontecimentos que contribuíram e influenciaram diretamente para
esses desvios. Para que uma ruptura aconteça é necessário que a partir de um devir haja um
impulsionamento para uma tradução em direção do novo, pois não é possível haver tradução
em modelos inertes, em linhas duras.

A seguir será cartografado como o desejo/amor foi sendo construído ao longo da


História, pois cartografar o amor, os movimentos dos desejos são importantes, no que tange
observar os movimentos de transformações. Melhor explicando, a transformação é vista e
também “[...] acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos
[...] e a formação de outros: mundos que se criam para expressar de afetos contemporâneo,
em relação os universos vigentes tornaram-se obsoletos” (ROLNIK, 1989, p. 15). Há também
constante movimento de atualização e desatualização dos territórios, a “cartografia do afetar e
ser afetado dos corpos vibráteis de uma geração [...] Por se tratar de um mergulho na
intensidade do passado para ressignificá-las no presente” (ROLNIK, 1989, p. 290), e é através
da história, da cartografia sentimental, no sentido do afeto, que se torna possível essa
ressignificações no presente e para o futuro.
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Capítulo 2

BREVE CARTOGRAFIA DO AMOR NA HISTÓRIA

Cartografar a história é importante para entender como ela foi sendo moldada até a
maneira que se observa atualmente, e como o amor e os afetos foram sendo impostos ao longo
do tempo, visto que o amor é uma construção política social. Esses devires alteram o
pensamento da humanidade, a fim de nos situarmos na composição atual, para que seja
possível projetar novos caminhos do desejo. E principalmente entender como a angústia de
hoje pode ser a solução de amanhã, através da criação pelas linhas dos desejos. E como os
impactos dessa construção social influenciam na capacidade criadora do sujeito nos
relacionamentos e na criação de si, com autonomia.

Primeiras grandes mudanças

O Estado, no século XVII, reconhecia que havia uma lei da natureza que levava os
indivíduos de sexos diferentes a viverem juntos, para a sobrevivência da espécie. Sendo
assim, haveria a distinção entre animais e homens. Para os primeiros, prevalência unicamente
o instinto de preservação, mas em relação à espécie humana o instinto podia acarretar más
consequências, precisando, portanto, se controlar por um sistema de regras civis ou religiosas.
Dessa maneira, a autora Del Priore (2012, p. 23) clarifica essa situação pontuando que “[...]
Ao ordenar as práticas sexuais pelos Campos do certo e do errado, do lícito e do ilícito, a
igreja procurava controlar justamente o desejo”, pois existia a ideia que se deixasse o homem
agir somente pelo desejo e instinto sexual poderia provocar uma desordem.
18

Ocorreram diversas mudanças, no que diz respeito às relações amorosas sexuais, que
inicialmente havia uma relação de liberdade. Partindo do princípio que a vida em sociedade
era a principal forma de se relacionar, com o início do patriarcado iniciou a ideia de casal,
para que o homem tivesse certeza da paternidade da criança e não correr o risco de ter a
responsabilidade de criar “o filho de outro”, e foi imposto à exclusividade sexual da mulher;
já que o homem não tinha essa obrigação, pois ele não engravidava.

A grande diferença sobre o patriarcado e o matriarcado, melhor dizendo entre o gênero


feminino para o masculino é que o homem poderia “[...] da mesma forma que o carneiro
emprenha 50 ovelhas, ele também pode ter um harém, se desejar.” (LINS, 2007, p. 31). E foi
a partir desse ponto que começou a opressão sexual da mulher, o autor Lins (2007) expõe que
o poder de procriação foi a principal causa da guerra entre os sexos. Com o passar dos
séculos, diversas culturas como o Antigo Egito, a Grécia, o Império Romano, dentre outras
foram desenvolvendo seus modos de ver o papel do homem e da mulher, partindo dessa
lógica de binaridade, principalmente desenvolvendo suas formas de lidar com a sexualidade e
como se relacionar sexualmente.

Como por exemplo, segundo Londero (2006) na Grécia existia a valorização da


relação entre os homens como iniciação na arte do erotismo. Sendo assim, pouco importava o
sexo do parceiro ou a orientação sexual, mas o que era relevante era o desejo pelo belo. De
fato, podemos ver que nesse período a sexualidade era vivenciada mais livremente, mas com
a ascensão da influência dos pensamentos cristãos durante a Idade Média, com Igrejas
Católicas na maioria dos lugares, começou a ter mais poder na regulação das relações sociais.

Costa (1998) mostra que no primeiro século o amor verdadeiro era somente o amor de
Deus, sendo ele o bem absoluto, tanto que Santo Agostinho pregava que o amor entre os
homens “se caracteriza pelo desejo de possuir o que não se tem e pelo medo de perder o que
se possui” (LONDERO, 2006, p.32). Dessa maneira, essa ideia permanece no Ocidente até a
Idade Média, sendo valorizado o amor da amizade, vale enfatizar que era totalmente afastado
da sexualidade e erotismo.

Assim, qualquer sexualidade expressada era vista como pecado, e que acabava sendo
um obstáculo para o amor de Deus. Foi com o tempo que, a Igreja Católica começou a se
mostrar monogâmica, somente a partir do século VIII d.C., pois até então os reis usavam da
19

poligamia para exibir suas riquezas e poder. Entretanto, foi apenas com a Reforma
Gregoriana no século XI d.C. que definiu que a monogamia deveria ser respeitada, e que os
clérigos deveriam se abster de qualquer relação sexual, praticando então o celibato.

Ainda sobre o patriarcado vale enfatizar que foi instaurado inicialmente, pois na visão
dos homens era necessário um controle da fertilidade e da gestação feminina. Mas o que seria
o patriarcado? Para compreendermos melhor esse termo, Lins (2007, p. 39) o define como
“[...] uma organização social baseada no poder do pai. E a descendência e o parentesco
seguem a linha masculina. As mulheres são consideradas inferiores aos homens e, por
conseguinte, subordinadas à sua dominação”. Sendo assim, para conseguir “controlar” a
mulher precisou submetê-la a inúmeras restrições físicas e mentais, mantendo elas em tarefas
específicas, principalmente as dentro de casa, tendo o discurso que a mulher é inferior e mais
frágil, e até nos dias de hoje conseguimos ver marcas do patriarcado.

Melhor descrevendo, o patriarcado juntamente com os avanços do capitalismo e


instauração da propriedade privada, trouxe a novidade da exclusividade sexual, o surgimento
do conceito de família e vida privada, mudando drasticamente com a maneira de se relacionar
e de “amar” iniciada nos períodos da Pré-História. A nova instituição “família” foi
desenvolvida a partir do contrato de casamento, que no primeiro momento eram arranjados
pelas famílias. Isso ocorria obviamente sem a influência de escolha do futuro “casal”, pois
não existia a função afetiva do casamento, e sim uma função social e financeira.

Os ritos matrimoniais espelhavam sempre uma aliança que atendia, antes


de tudo, a interesses ligados à transmissão do patrimônio, a distribuição
de poder, a conservação de linhagens e ao reforço de solidariedades de
grupos. [...] eles mais eram uma associação entre duas famílias.
Diferentemente de hoje, que é uma associação entre duas pessoas. (DEL
PRIORE, 2012, p.72)

Com o passar do tempo a religião ganhou força e espaço, dessa forma o casamento, a
estruturação da família e as questões sexuais passaram a ser amplamente controladas pela
religião, principalmente pelas “[...] religiões judaicas e cristãs, as que prestam cultos ao Deus-
Pai” (LINS, 2007, p. 43) reforçando o pensamento patriarcal. Com isso, o condicionamento
pela influência religiosa tomou grandes proporções na sociedade ocidental, de forma
inconsciente. Por isso, “[...] a condenação a sexualidade se instaurou de forma intensa,
desenvolvendo uma ideologia de negação sexual, onde era buscado a superação do apetite
20

sexual” (LINS, 2007, p. 49). A Igreja Católica fez do sexo “[...] um ato higiênico, contido,
quase cirúrgico. Tratava-se, sobretudo, de diminuir o desejo e não mais de aumentá-lo ou de
fazê-lo durar. No lugar do amor erotizado, o amor ágape” (DEL PRIORE, 2012, p. 76).
Logo, o sexo passou a ser visto, somente, como necessário a procriação, e quando usado para
outra função, principalmente como fonte de prazer, era visto como pecado. Isso mostra uma
grade contradição frente aos ancestrais é que na sociedade pré-patriarcal não havia relação
sexo-procriação, e relação à com sexo era instintiva e pela busca do prazer.

Para os padres da igreja o sexo era abominável. [...] O sexo era “uma
experiência da serpente” e o casamento “um sistema de vida repugnante
e poluído”, [...] a igreja desenvolveu horror aos prazeres do corpo, e as
pessoas que se abstiam e optavam pelo celibato eram consideradas
superiores. (LINS, 2007, p. 63-64)

Lins (2007) demonstra que os padres pregavam a ética sexual e a castidade, ambas
eram glorificadas e almejadas para alcançar uma santidade religiosa. Mas, ao perceber que
era impossível abolir o sexo da sociedade, atribuiu-se um novo significado para o casamento
que passou a ter duas funções: a válvula para o desejo carnal e a de procriação. Essa
concepção sexual perdurou por séculos, onde a relação sexual será permitida e legitimada,
deixando de ser uma transgressão se ela ocorrer dentro do casamento, e mais, a partir dessa
visão, até mesmo a relação sem o objetivo de procriação, buscando somente o prazer, era
visto como pecado.

Inicialmente “a igreja via o casamento como uma espécie de concessões a fraqueza


humana – necessidades de companheirismo, sexo e filhos” (LINS, 2007, p. 68), e também de
que era uma instituição que não poderia ser rompida. Ao decorrer da história podemos ver a
Igreja Católica agindo com um papel de controle, estabelecendo regras e dogmas a fim de
tornar o casamento uma “prática santificada”, onde as “[...] emoções, todavia, repudiadas no
momento de fazer uma família sufocada do sacramento, a licença amorosa, ou erotismo,
quero afeto vivido somente – ou de preferência – fora do Lar, na relação extraconjugal.”
(DEL PRIORE, 2012, p.82). Um dos grandes exemplos é que existia o manual de
confessores que tinha inúmeras regras de como deveriam ser as atitudes dentro do casamento,
de como deveria ser a relação sexual, por exemplo, as posições que homens e mulheres
poderiam assumir em uma relação sexual, com o intuito de abstrair qualquer sentimento
erótico, pois o sexo só servia para procriar.
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Os corpos estavam sempre cobertos e a registros orais de camisola e


calçolas com furos na altura da vagina. A nudez completa só começa a
ser praticada no início do século XX; antes estava associada ao sexo no
bordel. Tudo era proibido. Fazia-se amor no escuro, sem que o homem
se importasse com o prazer da mulher. [...]. A brevidade das relações
sexuais devem ter sido uma constante. (DEL PRIORE, 2012, p. 177)

Em 1183 d. C. a Igreja Católica deu início a prática dos conhecidos tribunais da


Inquisição, que um dos motivos de sua criação foi para combater e julgar as luxúrias e
questões relacionadas à sexualidade que apareciam dentro e fora do casamento. Esse foi o
início de uma estrutura que foi responsável por inúmeras mortes e sangue derramado.

Ocorreu uma mudança significativa ao longo de anos que “[...] ressurge com o
cristianismo a figura da mãe, que havia desaparecido” (LINS, 2007, p. 62), com a exaltação
da importância da figura da Virgem Maria. Essa mudança foi essencial para a introdução de
novas manifestações afetivas, pois trouxe de volta a importância do papel da mulher, olhando-
a de maneira mais sensível.

Surgimento do amor cortês

Esse novo olhar mais sensível para a mulher, assumindo a sua importância foi
essencial para que, no século XII houvesse a primeira manifestação de amor mais próxima de
como conhecemos hoje no mundo ocidental. O amor como uma relação pessoal e afetiva,
conhecido também como “amor cortês”.

O amor cortês respeitoso pelas mulheres surgiu como tema central na


poesia e na vida. Ao contrário da ideia estabelecida da mulher dominada
e desprezada e do homem dominador e brutal, a visão trovadoresca
reverteu essa imagem, trazendo um enfoque característico do período
neolítico: a mulher poderosa e honrada e o homem honrado e gentil.
(LINS, 2007, p. 74)

O amor cortês surgiu primeiramente na classe artística dos trovadores que pertenciam
à nobreza francesa de Provença, trazendo um discurso que o amor seria um sentimento capaz
de elevar duas pessoas espiritualmente, sendo esse um sentimento que promoveria a aventura
e a liberdade, deixando de lado o pensamento focado nas obrigações e sanções. Para eles, o
22

amor era um sentimento que estava no campo da impossibilidade, sendo perfeito e sofredor e
quando não tinha obstáculos, não era possível existir as paixões.

Lins (2007) mostra que, sutilmente, foi introduzindo a ideia de que no casamento
deveria haver espaço para esse sentimento, não vendo só como contrato social. E foi a partir
dessa iniciativa artística que a Igreja Católica começou a dar indícios de mudanças na visão
do casamento, onde passou a recomendar o casamento para controlar a devassidão, sendo ela
uma instituição que assegurava a reprodução da sociedade.

Outro ponto, é que ainda havia uma sutileza na introdução de uma questão econômica
muito importante, pois sugeria que os “filhos mais jovens de senhores feudais, sem herança,
passam a ter como obrigação conquistar uma noiva rica e estes se rebelam contra este dever
[...] conquista através de amores impossíveis” (LONDERO, 2006, p.40). Isso faria com que
os jovens buscassem através desses amores impossíveis a ascensão econômica.

Segundo Noguera (2020) essa iniciativa promoveu o movimento do clero em


organizar as conquista dentro da corte, pois até então o casamento era somente uma transação
econômica e o sexo para a procriação, e “[...] coube ao clero reorganizar o mundo dos afetos
para tentar arrebatar, dos cavaleiros medievais, um pouco do seu desejo sexual” (p. 118). E
foi a partir desse momento que começou um jogo sutil de “sedução”, melhor dizendo que
eram os cortejos entre homens e mulheres. Pois até então os casamentos eram arranjados, ou
seja, a família que escolhia o parceiro com quem seu filho ou filha deveria se casar (as
famílias entravam em um consenso e os noivos não tinham o poder da escolha). Logo, amor
não era algo que tinha espaço no matrimônio, a relação de marido e mulher estava mais ligada
à estima e reverência do que na afetividade, afinidade do que no amor, pois era um
sentimento carnal que promovia de desordem, logo não se misturava esse sentimento nas
escolhas conjugais.

Com o surgimento do amor cortês foi possível observar a introdução de um amor


delicado, e foi através dele que foi possível observar a mudança dos comportamentos acerca
do amor, que começaram a ser vistos como “[...] a afinidade aos sentimentos elevados, a
experiência espiritual e a ânsia de beleza” (LINS, 2007, p. 84). Com o passar dos anos e da
consolidação dessa nova forma de se relacionar com os sentimentos, que tornou o ambiente
23

propício para o surgimento do romantismo e do amor romântico, como conhecemos e


praticamos hoje.

O amor romântico

Outro movimento artístico foi fundamental para a História da construção do amor,


chamado de Romantismo. Como podemos ver toda transformação no campo dos afetos
ocorreu primeiro no campo das artes, ou seja, o desejo começava a se mostrar no campo
artístico e mais a frente trazido para o campo da realidade. O Romantismo foi um movimento
artístico que marcou a ascensão da burguesia nos séculos XVIII e XIX, e dentro dos ideais do
movimento “[...] a essência do amor romântico é considerar o objeto amado imensamente
precioso e muito difícil de possuir” (LINS, 2007, p. 85). No início do Romantismo é possível
ver ainda um distanciamento do amor terno e respeitoso à relação sexual, pois um homem que
amasse e respeitasse uma mulher não misturaria o seu sentimento com o desejo sexual.
Entretanto, até o século XII o amor era considerado um sentimento negativo, foi somente a
partir da influência do Romantismo que passou a ser um sentimento desejável e nobre.
Entretanto, esse ideário amoroso carregava uma característica marcante da época, o
individualismo.

A partir daí o ideal romântico amoroso se estabelece por regras definidas


que representam uma configuração social de uma época marcada pela
necessidade da individualização, em que amor torna-se sinônimo de afeto
entre um homem e uma mulher, que pretende ser correspondido
excluindo a presença de terceiros. Para tanto, criam-se estratégias de
difícil realização na conquista do amor, caracterizando o romance como
uma história que sempre gira em torno de dificuldades experimentadas
na busca deste amor ideal. (LONDERO, 2006, p.45-46)

A associação do casamento como resultado do amor é historicamente recente, essa


configuração só foi aparecer após a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, ou seja, no
final do século XVIII. E hoje pensamos que a relação amor, sexo e casamento é algo natural,
mas ela foi uma associação extremamente revolucionária para a época. Com o cenário social
do momento histórico, houve mudança na estruturação da família e com isso trazendo novas
ideologias a respeito do relacionamento amoroso.
24

O novo mercado de trabalho mal absorvia os homens, as mulheres são


incentivadas a permanecer em casa, dedicando-se exclusivamente ao
marido e filhos, passa-se a cultivar a casa como lar e necessária
privacidade. Acentua-se o afastamento do grupo familiar da sociedade.
Surge, então, um tipo social de família que se denomina burguesa,
trazendo uma ideologia: o amor materno e o amor romântico. (LINS,
2007, p. 111).

Com esse novo prisma pode-se observar uma nova forma de amor onde “O amor se
torna sinônimo de sensações prazerosas que o outro pode proporcionar [...]. Cria-se, então,
uma interiorização subjetiva do amor, já que reduz o sujeito amoroso a uma capacidade
‘natural’ de sentir prazer ou desprazer” (LONDERO, 2006, p.49). Para complementar essa
ideia Lins (2007) expõe que o amor romântico é construído através da projeção, exaltação e
idealização do outro, ao invés de ser calcado na realidade a respeito do parceiro, onde o outro
não é visto com clareza, e sim através da distorção. Por esse motivo que anteriormente além
da falta de contato físico, não era permitido muita conversa e conhecimento profundo sobre o
outro, antes de formalizar o casamento, a fim de evitar o desencantamento de relações
sexuais.

O amor romântico não resiste à intimidade porque a relação não é como a


pessoa real, do jeito que ela é. O “apaixonado” centraliza seu ser na
ilusão do romance, acreditando que vai encontrar a si mesmo e a vida em
toda sua plenitude. Mas como a magia nunca dura e a idealização do
outro acabam surge o desencantamento (LINS, 2007, p. 95).

Estruturado dentro de uma sociedade extremamente patriarcal, o amor romântico traz


consigo papéis bem definidos a respeito das obrigações do homem e da mulher dentro de um
relacionamento amoroso. Ao analisar a história e construção social da família podemos ver
que o poder do pai era visto como a autoridade absoluta e hostil, frente seus filhos e esposa.
Antes do século XVIII, apesar do amor já ser um sentimento visto como sentimento nobre, ele
“[...] não era um valor familiar ou social. Não tinha a importância que hoje lhe atribuímos”
(LINS, 2007, p. 113). Até então as relações eram regidas pelo medo, onde a insubordinação
do poder paterno era passível de repressão, violência e açoites.

Houve movimentos sociais como “as preciosas” que começaram a questionar o papel
da mulher e do homem. A partir daí se pode ver o inicio do movimento feminista. Depois
desse breve histórico do patriarcado é sabido que anteriormente a mulher não tinha lugar na
sociedade patriarcal e machista, mas com o movimento feminista houve o início da busca pela
25

independência da mulher e a sua emancipação, invertendo os valores tradicionais e impostos


pelo homem. As mulheres feministas militavam a fim de serem capazes de ascender-se
socialmente e serem vistas com mais dignidade. Inicialmente esse movimento

[...] ataca a pedra angular da sociedade falocrática: o casamento. [...]


Invertendo totalmente os valores sociais de sua época [...]. A resistência
tão grande e as zombarias que a elas se opuseram são indícios de um
prestígio não desprezível (LINS, 2007, p. 121).

O Movimento Feminista que promoveu a resistência e emancipação das mulheres em


uma sociedade patriarcal, isso somente no século XX. Porém, há um marco histórico que
ocorreu durante a Revolução Francesa, precisamente em 1789, quando as mulheres
começaram a lutar publicamente pelos seus direitos como cidadãs. Entretanto, como a
maioria dos que participaram do movimento eram homens, suas reivindicações foram
negadas, reforçando a “importante” separação e diferença entre os sexos.

Para Lins (2007) apesar de o amor ser um fenômeno que pode ser visto em diversas
épocas anteriores, esse sentimento não era almejado. Sendo assim, o amor romântico como
vemos hoje é estritamente restrito à sociedade ocidental moderna, “[...] é a única cultura da
história que tem a experiência do amor romântico como um fenômeno de massa” (LINS,
2007, p. 134). Portanto, foi somente com a expansão do pensamento romântico que o amor
passou a ser um sentimento que alicerça os casamentos e qualquer relacionamento amoroso.
Deixando obsoleta a ideia de um casamento arranjado, ou relações firmadas pelos interesses
sociais e econômicos. Para complementar essa ideia, Lins (2007) menciona que “O amor
romântico não é apenas uma forma de amor, mas todo um conjunto psicológico – uma
combinação de ideias, crenças, atitudes e expectativas” (p. 134). E assim, somos
condicionados desde crianças a se enquadrar nesses conjuntos de padrões, nos fazendo
acreditar que ele é a melhor configuração a ser seguida, tornando qualquer movimento fora do
ideário vigente, é visto com estranheza e desvalorizado.

Na história não é novidade que o ser humano se torna passivo e frágil


diante de um sistema social com poder de submetê-lo a ideologias
fabricadas de acordo com seus interesses. Desta forma crenças são
arraigadas, vividas como verdade indiscutível, vão sendo incutidas nas
pessoas que as defendem como se fossem suas (LINS, 2007, p. 132).
26

Outro fator marcante na estrutura do amor romântico é a divisão de características


sexuais esperadas, de forma binária, ou seja, existem atitudes e funções determinadas para
cada sexo: feminino e masculino. Desde o nascimento podemos observar esse
condicionamento, bem sutil e aparentemente inocente distinguimos que: o azul para menino e
rosa para menina. Mais à frente há uma clara divisão nas brincadeiras “permitidas” a cada um
dos sexos. Desde a tenra idade, os meninos são incentivados a adquirir independência, a
serem “durões”, diferentemente das meninas, que são criadas para serem de certo modo:
dependentes e mais frágeis.

Os padrões de comportamento são distintos e determinados para cada um


dos sexos. A expectativa da sociedade é que as pessoas cumpram seu
papel sexual [...]. Atitudes e comportamentos femininos e masculinos
são ensinados às crianças desde muito cedo e, dessa forma, vão sendo
assimilados a ponto de serem confundidos, mais tarde como fazendo
parte de suas naturezas [...] a natureza só traz a autonomia e a filosofia.
Tudo mais é produto de cada cultura e de cada grupo social. (LINS,
2007, p. 136-137)

A mulher e o homem dentro desse padrão que emerge com o patriarcado e reforçado
com o amor romântico, são estereotipados não deixando ambos os sexos se portarem
livremente, “[...] os conceitos de feminino e masculino são prejudiciais a ambos os sexos por
potencializar as pessoas, aprisionando-as a estereótipos” (LINS, 2007, p. 145). Pois certas
atitudes não condizem a um homem, e sim a uma mulher, ou vice e versa. Mas, esse padrão
engessado tem apresentado rachaduras, pois hoje sabemos que “[...] na vida real, homens e
mulheres têm as mesmas necessidades psicológicas – amar e ser amado, expressar emoções,
ser ativo ou passivo –, mas o ideal do homem impede-lhe a satisfação dessas necessidades”
(LINS, 2007, p. 163). Atualmente podemos ver que a mulher recatada e frágil e o homem
sempre viril “não são mais exaltados”, e sim a busca pela mistura de ambos, ver a fragilidade
do homem, abandonando esse estereótipo de “macho” e ver a mulher empoderada.

O amor no Brasil: da colônia até o século XX

A história do amor no Brasil é de certo modo peculiar, pois não houve uma evolução
de modo tão gradual, por exemplo, como na Europa. Mas, foi marcado por uma ruptura
brusca no pensamento vigente e a imposição de outra cultura totalmente diferente. De uma
27

hora para outra, os portugueses trouxeram suas crenças e práticas de como era vivenciado o
amor na Europa e a intenção deles era fazer do território Brasileiro uma colônia de Portugal,
dessa maneira implementaram sua cultura.

[...] a colonização constituiu em uma verdadeira cruzada espiritual que


tinha por objetivo regulamentar o cotidiano das pessoas pela orientação
ética, pela catequese e pela educação espiritual, além de exercer severa
vigilância doutrinal e de costumes pela confissão [...]. A igreja
apropriou-se também da mentalidade patriarcal presente no caráter
colonial e explorou relações de dominação que presidiam o encontro
entre os sexos. (DEL PRIORE, 2012, p.22)

Del Priore (2012) faz um estudo acerca da maneira que o amor e a vida privada
mudaram com o decorrer da História do Brasil. Por ser um país majoritariamente católico,
Portugal trouxe seus costumes fortemente influenciados pela religião. Inicialmente os índios
não apresentavam uma estrutura de família como se tinha na Europa. O Brasil por ser uma
colônia, tinha o casamento como sua principal função o lado econômico. Não eram todos que
se casavam no território, onde podemos observar que durante esse período “[...] a maioria da
população vivia [...] em concubinato ou relações consensuais, apesar de a igreja punir os
teimosos com admoestações, censuras, excomunhão e até prisões.” (DEL PRIORE, 2012,
p.26). O casamento era visto como uma “coisa de branco”, pois ocorria principalmente nas
uniões que envolviam patrimônio.

Partindo de uma visão “liberal” acerca de sexualidade, com a nudez presente na


cultura indígena, os colonizadores inverteram essa visão. E como nos costumes europeus, foi
implementado no Brasil, o casamento com uma visão não-erotizada, onde deveria ser
vivenciado de modo “casto”, abdicado de qualquer manifestação de amor erotismo. Assim,
ao ser diretamente influenciados pelos pensamentos europeus, o amor e sexo não só não eram
encontrados dentro do casamento, como eram visto como pecado. E por ser regido pela Igreja
Católica, o casamento no Brasil também era visto como um contrato indissolúvel e o conselho
da igreja era fazer uma escolha cuidadosa visando os interesses futuros, e não no interesse
físico, pois o casamento era visto como um negócio. O casamento era visto como

[...] um contrato civil antes de se tornar um Sacramento [...] o casamento


é uma instituição básica para transmissão do patrimônio, sendo sua
origem fruto de acordos familiares e não dá escolha pessoal do cônjuge.
(DEL PRIORE, 2012, p. 27)
28

Em relação aos casamentos dos negros, o que acontecia eram as relações consensuais
e duradouras ou os concubinatos, pois o casamento homologado, legal, era interesse somente
dos portugueses, por causa das questões patrimoniais, que era o principal fim do matrimônio.
Já que para Portugal era preciso manter esforços em fazer com que os brasileiros ingressarem
na vida matrimonial e a vivenciarem de maneira pura e fiel, pois “[...] na visão da igreja, não
era por amor que os cônjuges deveriam se unir, mas sim por dever; para pagar o débito
conjugal, procriar e, finalmente, lutar contra a tentação do adultério” (DEL PRIORE, 2012,
p.28). Dando indícios de que apesar de seu principal motivo ser o social, havia um caráter
dúbio e importante para uma vida “santa” diante dos padrões religiosos da época.

Outro fator é que em relação ao adultério é importante lembrar que a infidelidade é um


problema estrutural na história brasileira, pois a partir de um momento que a mulher deveria
ser vista como pura para ser respeitada; e o homem sempre passível do desejo sexual, e
quando casado o casamento deveria ser casto, não dando lugar ao erotismo e prazer,e “[...]
lentamente construiu-se um tipo de amor dentro do casamento e, outro, fora” (DEL PRIORE,
2012, p.75). Assim, os homens para não macular essa sagrada instituição procuravam o
prazer fora de casa

Impunha-se uma dicotomia sexual, na qual o homem era ativo e a


mulher, passiva. O desejo sexual constituía-se em um direito exclusivo
do homem, cabendo as esposas, a submissão e a virtude. O esforço de
adestramento dos afetos, dos amores e da sexualidade, sobretudo
feminina, afinava-se com os objetivos do estado moderno e da igreja [...]
a domesticação do amor conjugal espalha, assim, a nova ideologia dos
tempos Modernos. Controlando corpos e almas, a igreja tentará, desde
os primeiros escritos de Paulo, coadunar o aparentemente incompatível
domínio da sexualidade terrena com a salvação. (DEL PRIORE, 2012, p.
30-31).

Na configuração do Brasil Colônia podemos ver fortemente o papel das amantes,


mesmo sendo uma prática condenada pela Igreja Católica. O adultério é uma questão
estrutural no solo Brasileiro, por duas principais razões: a primeira é a estrutura santa do
casamento, onde não poderia haver demonstrações de prazer, e para manter o casamento uma
instituição santificada, os homens buscavam outras mulheres fora, para suprir essa
necessidade sexual, praticando sempre uma dupla moral; a segunda é a da sexualização dos
corpos negros femininos e a santificação dos corpos brancos. A formação étnica se dava
principalmente pelos nativos (índios), pelos escravos (principalmente os africanos) e pelos
29

brancos (majoritariamente portugueses). Assim, a partir do momento que o casamento era


mais um contrato econômico do que uma manifestação de amor e afeto, as mulheres brancas
eram as que oficializaram o casamento, já as negras eram escravas, ou não detentora de bens,
logo não se casavam com tanta frequência.

[...] o tradicional racismo que campeou em toda parte: estudos


comprovam que os gestos mais diretos, a linguagem mais chula era
reservada a negras escravas e forras ou mulatas; as brancas se reservado
galanteio de palavras amorosas. Os convites diretos para fornicação são
feitos predominantemente as negras e as partes [...] degradados e
desejados ao mesmo tempo [...] mulheres “aptas a fornicação” [...] e, a de
mulheres brancas, fosse para casar ou fornicar, caberia mesmo às
mulheres de cor o papel de meretrizes de ofício ou amante solteiras em
toda a história da colonização. (DEL PRIORE, 2012, p. 60-61).

Del Priore (2012) clarifica que durante o século XVIII os afetos começaram a ganhar
visibilidade com a difusão das poesias coloniais, explicitando práticas de sedução e relações
regidas pelo amor. Porém, esse sentimento demonstrado nessas poesias era o carnal, pois o
amor para a Igreja Católica era o amor castro, desprendido de qualquer manifestação erótica,
porque era visto como expressão do pecado ou qualquer atitude que aumentava o prazer.

Del Priore (2012) traz uma separação do amor cantado nas prosas, que era um
sentimento mais carnal e erotizado. O amor do cotidiano, que era o presente no casamento,
que tinha três principais funções: a primeira é que o casamento servia para a procriação e
educação cristã dos filhos; a segunda era o matrimônio como remédio para a fornicação; e a
terceira era ser um instrumento que auxiliasse a convivência mútua. Porém, pode afirmar que
havia um “[...] laço entre a hipocrisia [...] a tensão erótica que elas contribuem a reforçar,
fornecerá o tema essencial para a libertinagem [...] falar de sexo tornou-se uma compensação
agradável para o vazio espiritual de uma elite.” (DEL PRIORE, 2012, p. 84). Essa
compensação pode ser vista com o desencadear de uma obsessão erótica e um culto
clandestino na pornografia, mas o espaço de expressar essa necessidade era visto no campo
artístico da literatura e nos bordeis.

As relações afetivas nessa época eram de certa forma complexa, pois segundo Del
Priore (2012) existiam vários tipos de amor, se encaixando em ocasiões específicas: o amor
platônico, o amor carnal (só existia na literatura e nas relações extraconjugais), e o amor casto
(aquele vivenciado dentro do casamento). Lutando contra o sistema vigente podemos ver
30

diversas expressões de carinho, que resistiam mesmo diante as constantes vigilâncias dos
pais, o abanar de leques, recados através das frestas, beliscões e pisadelas. Essas
manifestações geralmente aconteciam nas cerimônias religiosas, pois era uma das poucas
ocasiões que eles tinham menos vigilância, se tornando o principal palco para os namoros e
demonstração de interesse dos jovens.

As coisas só começaram a mudar e, mesmo assim, de forma muito


arrastada, no século XIX. Pouco a pouco, a diferença entre amor fora e
dentro do casamento de dilui-se, pelo menos no imaginário das pessoas
letradas [...] passa a existir o único amor, o amor-paixão, enquanto as
características que retardavam o Triunfo do Amor, feito de sentimento e
sexualidade, começam a ser postas em xeque. (DEL PRIORE, 2012, p.
108).

Retomando a ideia principal, a característica que mais se destaca nesse período


continuou sendo o casamento por interesse, sendo considerada uma negociação extremamente
importante, não tendo espaço para os afetos, porque entre o sentimento e os compromissos
sociais, o sentimento não tinha lugar nessas relações. Porém, nesse contexto histórico já se
abria um espaço para o namoro e as paqueras. A Igreja Católica era o palco dessas
demonstrações de interesses afetivos, sendo que “a igreja era o teatro de todas as aventuras
amorosas na fase mais ardente [...]. Só aí as mulheres aproximavam-se e até cochichavam
algumas palavras com seus interlocutores. A religião encobria tudo." (DEL PRIORE, 2012,
p. 123). A aproximação entre os jovens era mais fácil entre as classes sociais mais baixas,
pois não existia tanto controle da família como nas elites.

Sendo assim, nessa fase de paquera ocorreram inúmeros hábitos herdados de Portugal,
como as pisadelas e beliscões, em épocas festivas da Igreja Católica começou a ver também
os correios sentimentais. Além dos encontros nas igrejas e cerimônias religiosas, os
encontros se davam nas reuniões particulares, e os jovens dançavam e faziam música, as
ladainhas, quadrilhas, valsas e serenatas eram aliadas aos cochichos enamorados, pois as “[...]
música e dança serviam para traduzir, sutilmente, o que não podia ser vivido de maneira mais
direta” (DEL PRIORE, 2012, p. 130). Porém, a igreja ajudou muito nessa fase inicial do
romance no solo brasileiro, pois durante muito tempo o namoro ainda continuou sendo
dificultado, principalmente nas elites

Fora a troca de olhares e os cochichos na missa, raramente um homem


tinha ocasião de falar com aquela com quem queria casar antes de ter a
31

pedida em casamento. [...] Até o fim do século o namoro será dificultado.


Em 1890 [...] observava que a inteira liberdade de namoro que já era
concedida nos Estados Unidos continuava desconhecida no Brasil. (DEL
PRIORE, 2012, p. 125).

No Brasil a literatura teve grande importância para introduzir as ideias relacionadas ao


namoro e aos sentimentos amorosos. “A moreninha” de Joaquim Manuel de Macedo, em
1844 foi a principal responsável por trazer os pensamentos sobre o amor romântico para o
Brasil.

O que se observa na literatura romântica desse período são as propostas


de sentimentos novos, nas quais a escolha do cônjuge passa a ser vista
como condição de felicidade. Mas isso ficava para os livros ou para os
novos códigos amorosos que lentamente se instalavam. A escolha, na
vida real, era, todavia, feita segundo critérios paternos. (DEL PRIORE,
2012, p. 129).

Mesmo com essa influência da literatura, o casamento ainda era uma forma de
agenciar interesses econômicos, e as afinidades afetivas eram deixadas em segundo plano.
As demonstrações afetivas como “[...] carinho e amor são aspectos relevantes nos casamentos
de pobre e libertos [...] os padrões de moralidade eram mais flexíveis e havia pouco que se
dividir ou oferecer em uma vida simples” (DEL PRIORE, 2012, p. 159). Os casamentos
aconteciam bem cedo, pois

Entre os fatores culturais e econômicos responsáveis pela tendência de


que as brasileiras se casassem mais cedo estariam: a maior sujeição
feminina, a procriação como objetivo primordial do matrimônio, a
subordinação de interesses pessoais ou familiares, a pouco educação e
instrução, a inexistência de um mercado de trabalho livre e aberto a mão
de obra feminina e, resumindo, a desimportância dos critérios afetivos
para a escolha do cônjuge. (DEL PRIORE, 2012, p. 172).

Na História do Brasil quem foi responsável pelo início de um novo olhar para o prazer
sexual, foram os prostíbulos; pois nesses ambientes que os homens eram apresentados para
um sexo erotizado, diferente do vivenciado no casamento. Além disso, apesar da virgindade
feminina ser uma condição básica para o casamento, a virgindade masculina era
ridicularizada, e eram nos prostíbulos que os homens eram iniciados na vida sexual. Para Del
Priore (2012) essa relação estava explícita no decorrer dos “tempos de desejos contidos, de
desejos frustrados, o século XIX abriu-se com um suspiro romântico e fechou-se com o
higienismo frio de confessores e médicos. Século hipócrita que reprimiu o sexo, mas foi por
32

ele obcecado” (p. 220). Dessa forma, a obsessão era vista no sucesso e expansão dos
prostíbulos, as relações extraconjugais dos homens e a crescente literatura romântica e
erótica. Entretanto, foi com esse espaço “clandestino” que as relações de afeto foram se
desenvolvendo e ganhando força nos ideários das pessoas.

Segundo Londero (2006) a passagem do século XIX para o XX foi marcada pela
campanha de higienização da sexualidade, pode-se observar um “dispositivo de prevenção
das doenças sociais (doenças venéreas, alcoolismo, tuberculose). A medicina buscou erigir a
sexualidade a uma questão de Estado, saindo do âmbito religioso para o secular”
(LONDERO, 2006, p.93). Logo, nessa passagem a principal mudança foi a destituição da
igreja como a única que normatizava as relações.

Na passagem do século XIX para o XX, enquanto consolidava-se entre


nós a república, é lentamente percorrido todo pedregoso caminho para
que os indivíduos ousassem a se libertar da influência da religião, da
família, da comunidade ou das redes sociais estabelecidas pelo trabalho
[...] novos comportamentos tiveram início, no fim do XIX,
comportamentos marcados por enorme transformação social e
econômica. Essa corrente influenciará as formas de viver e pensar,
provocando, no meio do século XX, uma fenomenal ruptura ética na
história das relações entre homens e mulheres. (DEL PRIORE, 2012, p.
231)

Podemos observar como todas essas mudanças que ocorreram no século XX tiveram
grandes reflexos no modo que os relacionamentos eram vivenciados no Brasil, com a rica
obra de Del Priore (2012), podemos observar como em apenas 3 séculos passamos por
profundas mudanças, como as influências externas foram de extrema importância para como
nos relacionamos hoje.

Das transformações pelas quais passou a sociedade brasileira poderíamos


expor o seguinte: o que se assistiu no decorrer do tempo foi uma longa
evolução que levou da proibição do prazer ao direito ao prazer. Fomos
dos manuais de confessor que tudo interditada vão aos casamentos
arranjados, policiados, acompanhados, passo a passo por familiares
relógios. E desses, ao impacto das revoluções que ao fim da década de
1960 exportaram mundo afora lemas do tipo “ereção, insurreição” ou
“amai-vos uns aos outros”, sem contar o movimento hippie com o lema
“paz e amor”. Desde então, o amor e o prazer tornaram-se obrigatórios.
Hoje, o interdito inverteu-se, impôs-se a ditadura do orgasmo. O
erotismo entrou no território da proeza e o prazer tão longamente
reprimido tornou-se prioridade absoluta, quase esmagando o casamento e
33

o sentimento. [...] Passou-se da dominação patriarcal a liberação da


mulher. (DEL PRIORE, 2012, p. 319).

Século XX

Del Priore (2012) mostra que o século XX é conhecido como o século da velocidade,
pois em tão pouco tempo podemos ver eclodindo várias transformações que estavam sendo
geradas de maneira sutil nos séculos passados no Brasil. Nas primeiras décadas foram
observadas as reformas urbanísticas, dando um novo olhar e espaço para os entretenimentos
como música, danças e esportes. Essa reforma foi essencial para uma mudança brusca nos
códigos de vestimentas que eram observados nos séculos anteriores, as mulheres eram
encobertas de roupas. Assim, ocorreu uma mudança cultural a partir do século XX, as
mulheres começaram a mostrar mais o corpo. A revolução científica e a expansão do
capitalismo foram fundamentais para a transformação dos hábitos e costumes do cotidiano,
refletindo diretamente também nos papéis de homem e mulher na sociedade e
consequentemente nas formas de se relacionar afetivamente.

E eles vão se dissolvendo, passo a passo, os modelos que lhe eram


impostos; e vão correndo cada vez mais riscos de as mulheres – Essa é de
fato uma mudança – começar a dizer cada vez mais “não”.
Gradativamente, também, o beabá do casamento muda. Os casais
começam a se escolher porque as relações matrimoniais tinham de ser
fundadas no sentimento recíproco. O casamento de conveniência passa a
ser vergonhoso e o amor… bem, o amor não é mais uma ideia romântica,
mas o cimento de uma relação. (DEL PRIORE, 2012, p. 231).

Essas mudanças sociais combinadas com a decadência da elite agraria e a abolição da


escravidão começaram a dissolver “família tradicional brasileira”. Porém, mesmo com essa
queda do conceito de família, as mudanças civis aconteceram de maneira mais lenta, pois
ainda “[...] o Código Civil de 1916 mantinha o compromisso com o direito canônico e com a
indissolubilidade do vínculo matrimonial.” (DEL PRIORE, 2012, p. 246). Entretanto, com
essa nova lógica aparecendo, os homens precisaram aprender a lidar com as mulheres,
abandonando as visões antigas sobre relacionamento e sexo, não negligenciando as
necessidades sexuais de suas esposas, pois elas não eram assexuadas (como foi pregado
durante séculos).
34

Essas mudanças foram essenciais para que nas décadas de 1960 e 1970 que
começaram a surgir assuntos mais complexos acerca das formas de relacionamento e
sexualidade, e podemos ver que “[...] eclode o fruto tão lentamente amadurecido: a chamada
‘revolução sexual’” (DEL PRIORE, 2012, p. 300). Com a difusão da pílula anticoncepcional,
sem o terror da Sífilis e da Aids (doenças transmitidas, majoritariamente, sexualmente na
época), os jovens poderiam experimentar tudo, o movimento hippie, o rock’ and’ roll, sexo
livre, paz, drogas, libertação da mente e os movimentos LGBT e feminista (tiveram
importantes papéis).

Dentre os movimentos importantes para essa revolução, podemos ver o movimento


LGBT, pois até então o amor entre iguais era altamente julgado e perseguido, onde era
necessário viver o amor nas “sombras” da sociedade. Del Priore (2012) mostra que pelo
menos até os anos 1960 era visto como uma doença “inversão sexual”, e para combater
usavam-se transplante de testículo, convulso terapia, injeção de insulina, considerando um
comportamento esquizofrênico e confinamento em hospícios psiquiátricos. Em 1947, Jorge
James, médico, publica o texto “Homossexualismo masculino” em um seminário sobre
medicina legal, mesmo que ainda em um tom preconceituoso, ele traz novas visões sobre os
homossexuais, que eles “[...] deveriam ter direito de casar [...] O Casamento entre
homossexuais teria outras vantagens, além de sinalizar a anormalidade do casal: evitaria a
prostituição masculina" (DEL PRIORE, 2012, p. 298). Esse estudo foi essencial para
promover outra visão sobre os relacionamentos homossexuais, que anos depois, eclodiu
juntamente com a revolução sexual, a busca pelos seus direitos de viver seus relacionamentos
as “claras”, mostrando que seu modo de se relacionar também eram válidos.

Já o movimento feminista foi marcado por idas e vindas, mas foi o principal
responsável pela discursão dos papeis de gêneros; que eram estabelecidos desde o início do
patriarcado. Aos poucos a mídia foi difundindo esse novo papel da mulher, através das
novelas e revistas, mas mesmo assim, ainda havia um investimento na figura da mulher dona
de casa e mãe. As mulheres começaram a serem vistas como um ser sexual, abrindo espaço
para discursões sobre sexo e orgasmo. A pílula também foi extremamente importante para o
movimento de emancipação feminina, pois ela deu a autonomia à mulher sobre o seu corpo e
sobre a reprodução.
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Todas as transformações foram importantes para a modulação do amor como


conhecemos hoje. Como vemos com clareza, o amor e as formas de amar são frutos de uma
construção histórica, mas a década de 1970 promoveu diversas mudanças mais drásticas a
respeito da vida privada e relacional dos indivíduos. Vale enfatizar que as grandes mudanças
já haviam se iniciado no final do século XIX, com a instauração do casamento por amor, onde
se foi abandonando os modelos de que amor era um sentimento insignificante e não desejado,
e a cultura dos casamentos arranjados e por interesse, finalmente, perde forças. E nas
“últimas décadas do século XX teve início outro movimento, fruto de séculos de
transformações: o que procurou separar a sexualidade, o casamento e o amor. Foi um
momento de transição muito lenta.” (DEL PRIORE, 2012, p. 311). Foi assumido o papel de
busca pelo prazer, juntamente com a emancipação feminina, a relação com o sexo, começou a
assumir uma posição mais leve e vista como natural.

Em toda a história do Amor, o casamento e a sexualidade estiveram sob


controle; controle da igreja, da família, da comunidade [...] podia obrigar
indivíduos a viver com alguém, a deitar com alguém, mas não amar
alguém. Apesar dos riscos da Aids – descoberta popularizada nos anos
80 –, a sexualidade foi desembaraçada da mão da igreja, separada da
procriação graça aos processos médicos e, mais, foi desculpabilizar pela
psicanálise e mesmo exaltada, de forma oposta, ausência de desejo é que
passa a ser perseguida. O casamento, fundado sobre o amor, não é mais
obrigatório e ele escapa as estratégias religiosas ou familiares; o divórcio
não é mais vergonhoso e os cônjuges têm o mesmo tratamento perante a
lei. A realização pessoal coloca-se acima de tudo: recusamos a
frustração e a culpa. (DEL PRIORE, 2012, p. 312).

Essas mudanças que ocorreram principalmente na segunda metade do século XX,


foram essenciais para, no século XXI, caminharmos em direção à uma quebra da ditadura do
patriarcado. Esse movimento de ruptura da relação moldada pelo poder do pai/homem é
essencial para a promoção de um devir. Devir esse que afrouxam as relações cristalizadas, a
fim de promover uma autonomia dos indivíduos em suas formas de amar, promovendo uma
maior subjetividade na criação de si e do mundo ao redor. Esse afrouxar dos padrões é
essencial para fazer dos relacionamentos afetivos uma estrutura potencializadora de
subjetividade e que promova o bem estar, ao invés de uma estrutura adoecedora e cristalizada,
com padrões que foram moldados ao longo da história, a fim de: domesticar os corpos, a
sexualidade, as relações afetivas, as subjetividades individuais e as padronizações.
36

De fato, “nós amamos porque estamos vivos. A vida no impõem a vontade de amar”
(NOGUERA, 2020, p. 197), isso porque o amor é essencial para a vida, pois ele é a resposta
para o problema da existência, mas o amor como ele é cultivado hoje “não há nada natural no
amor” (LONDERO, 2006, p.56). Pois, como é possível observar, houve uma construção e
normatização de valor e crenças de como deveria ser o amor, deixando de lado a principal
característica do amor amadurecido, o devir. Em uma sociedade de consumo onde as artes
não são valorizadas, a capacidade criadora é castrada, promovendo uma crise de
subjetividades e identidade, com relações interpessoais fragilizadas. Um lugar que deveria
servir como espaço de potência, se tornou um lugar de controle. Costa (1998) ressalta a
importância de entendermos que o amor se tornou uma crença que pode ser alterada, pois o
amor como se vivencia hoje foi inventado como a medicina, como a roda, como tudo que o
homem criou ao longo da história, uma criação que infelizmente foi moldado para
potencializar o sujeito e controlar seus desejos. “Portanto tudo pode ser recriado,
transformado” (LONDERO, 2006, p.59) através de novos devires.
37

Capítulo 3

O AMOR PÓS-MODERNO E SUAS CARACTERÍSTICAS

Como foi visto no capítulo anterior, é fundamental entender os mapas do amor.


Cassiano e Furlan (2013) fazem alusão a Deleuze e Guattari para ressaltar a importância da
cartografia que foi trilhada ao longo da História, explorando as linhas de fuga que
possibilitaram que os fluxo do desejo fossem em direção a vida, possibilitando a criação.
Essas linhas de fuga possibilitaram um importante marco da cartografia do amor, que é o
declínio do amor romântico. Como já foi visto, o amor romântico foi à invenção Ocidental
sentimental “[...] mais difundida, poderosa e eficaz [...]” (LINS, 2021, p.136), e teve sucesso
como um modelo afetivo, que prometia a felicidade a partir da fusão promovida pelo encontro
amoroso extremamente idealizado, “em sua essência, pressupõe a realização de algo que seria
inerente ao ser humano” (NOGUERA, 2020, p. 117 ). O amor romântico continuou sendo o
modelo predominante no Ocidente, entre o século XVIII até meados do século XX, e ele era
visto como “o amor eterno, único e inteiramente fiel” (GUEDES e ASSUNÇÃO, 2006, p.
399). Vale relembrar que

O amor romântico não é apenas uma forma de amor, mas todo um


conjunto psicológico – uma combinação de ideias, crenças, atitudes e
expectativas. Essas ideias coexistem no inconsciente das pessoas e
dominam seus comportamentos e reações. Inconscientemente,
predetermina-se como deve ser o relacionamento com outra pessoa, o
que se deve sentir e como reagir (NAVARRO, 2021, p. 129)

Para Guedes e Assunção (2006) o ideário romântico de amor dava destaque para a
fidelidade amorosa e compromisso em relação à família. Dentre as principais características
desse modelo, Lins (2021) destaca a idealização da pessoa amada, como principal
característica, logo “não se relaciona com a pessoa real, mas com a inventada de acordo com
38

as próprias necessidades” (p. 129). As dificuldades presentes nesse modelo é o fato de não
ser possível manter a idealização em longo prazo, ou seja, a relação quando baseada a partir
da idealização com o tempo e convivência os “defeitos” começam a serem vistos, gerando
mal estares e infelicidades, e tornando, muitas vezes, insustentável a relação. Outra
característica, de certo modo problemática, é a proposta de fusão e simbiose com o próximo,
despersonalizando por vez a subjetividade individual de cada sujeito.

Lins (2021) demonstra que o modelo de amor romântico, apesar de ainda popular,
começou a dar primeiros indícios de decadência e mudanças nos meados do século XX, com
o período denominado de Renascença. Assim, quando olhamos os escritos de Fromm (1958)
a respeito de um amor amadurecido que é capaz de promover a felicidade, e ainda reforçado
pela teoria de Lins (2021) clarifica que ver que a configuração romântica do amor não é capaz
de trazer a felicidade, como promete, mas ele acaba por acentuar a angústia, visto que “se
opõe à autonomia pessoal” (NAVARRO, 2021, p. 145) e prega a necessidade de fusão,
fortalecendo a ideia de que

O amor romântico é uma mentira. Mente sobre mulheres e homens e


sobre o próprio amor. É uma mentira há tanto tempo que queremos vivê-
lo de qualquer jeito. Amamos o fato de estar amando, nos apaixonamos
pela paixão. Sem perceber, idealizamos o outro e projetamos nele tudo
que desejamos. (NAVARRO, 2021, p. 136)

Nessa configuração a relação de criação subjetiva interpessoal não existe, há apenas


uma relação marcada pela imposição de vontades (na maioria das vezes marcadas pelo
machismo), principalmente a falta de diálogo e por isso que o amor romântico está em
decadência na pós-modernidade. De fato, esse período histórico é atravessado por grandes
mudanças e segundo Lins (2021) o dilema pós-moderno se torna a produção de uma
subjetividade diante da dicotomia da busca da simbiose com o outro (característica do amor
romântico) e o desejo de liberdade e autonomia, que é característica de um amor amadurecido
que reside na capacidade de criação interpessoal e não fusão com o outro e ainda sim, a
capacidade de criação de uma subjetividade autêntica.

Essa decadência é de certo modo necessária, pois o amor romantizado não


corresponde a uma relação com o real, que acaba por gerar mal-estares. Isto posto, por
esperar se relacionar com o outro idealizado, e não o amor de maneira amadurecida que
segundo Fromm (1985) reside na criação a partir de dois indivíduos, e não a partir da
39

idealização ou dominação de um deles. O amor deve ser capaz de promover uma busca de si
e de desenvolvimento do potencial do sujeito, “sem a crença de que é necessário encontrar
alguém que o complete" (LINS, 2017, p. 32), pois de fato, não há alguém que complete o
outro e sim alguém que deseja criar com o outro. Essa mudança pode-se observar em
diversas frentes, uma delas é na indústria midiática, que anteriormente popularizou e ainda
perpetua as ideias românticas através dos “felizes para sempre”, e que atualmente está
trazendo às telas histórias de mulheres autônomas, dos homens sensíveis, e quebra desses
padrões e dos pensamentos que o amor romântico prega.

Outro ponto que marca essa decadência do modelo romântico segundo Guedes e
Assunção (2006) seria o movimento homossexual, que na atualidade se transformou no
movimento LGBTQI+ que vai contra os papeis pré-definidos para cada sexo, promovendo um
olhar mais humano, assumindo a diversidades de gêneros e maneiras de amar e constituir
relações, que vai muito além do modelo heteronormativo de homem e mulher, dando voz a
essas diversidades não só no âmbito social, mas também no campo amoroso, que antes
precisavam ser vivido em anonimato.

Assim, como a emancipação das mulheres e a busca de direitos iguais, que começou
com a revolução sexual do século XIX, mas que agora no século XX está bastante em voga.
A mulher autônoma, dona de si, que desempenha muito além do papel imposto pelo
patriarcado, que é o de mãe, dona de casa e principalmente submissa a um marido. Hoje
podemos ver que essas especificações de papéis que o romantismo prega tem de dissipado, e a
mulher assumindo papéis importantes na sociedade, como no ano de 2010 tivemos no Brasil a
primeira Presidente da República mulher, além da emancipação feminina cada vez mais forte
e presente.

Essa decadência do amor romântico como a única forma de atingir a felicidade é


marcada por diversas linhas de fuga, de desvios, criações e devires até chegar à configuração
própria da pós-modernidade. Nesse tempo histórico a produção da subjetividade às relações
de amor são grandemente influenciadas pelo mundo globalizado e pelo advento da internet,
que foi popularizada no Brasil no final dos anos 1990. E ao falar de amor na pós-
modernidade é impossível não frisar a grande influência da internet nos afetos
contemporâneos. Segundo Pierre Lévy (1996, apud Bezerra e Justo, 2010, p.11) o
movimento de informatização e virtualização que a internet promoveu não se atém apenas a
40

informação e a economia, mas ela afeta diretamente os corpos, e a maneira da produção de


subjetividade, com isso “a virtualização atinge mesmo as modalidades do estar junto, a
constituição do ‘nós’”, em decorrência disso o virtual perde espaço para o real. Isso porque o
real demanda tempo e investimento, já o virtual já está dado, com isso não necessita de um
esforço de criação.

Essas novas práticas amorosas são facilitadas pelos produtos derivados


dos avanços tecnocientíficos, que possibilitaram às pessoas relacionarem-
se de forma imediata, inclusive a longas distâncias. Telefones celulares,
radiocomunicadores, emails, blogs, websites e diversos outros meios de
comunicação parecem buscar promover maior interação entre as pessoas.
(LAGO, 2009, p. 10)

Lévy (1999 apud GUEDES e ASSUNÇÃO, 2006) entende que com a grande difusão
dos meios de comunicação há a tendência de um dilúvio de ideias, assim “garante apoio
psicológico e senso de pertença” (p. 415) promovendo uma pluralidade de possibilidades, de
formas de se relacionar. Como, por exemplo, já foi mencionado ao longo do texto que os
encontros amorosos aconteciam nos eventos religiosos, mas, hoje não é preciso sair de casa
para conhecer um possível par amoroso, em questão de segundos chega-se ao outro lado do
mundo, e na mesma rapidez é possível desconectar-se com o outro, “aumenta as opções de
escolhas do sujeito, sempre na perspectiva de um processo Mutantes, exageradamente rápido
e geralmente com objetivos inalcançáveis” (CATELLS, 2000 apud GUEDES e ASSUNÇÃO,
2006, p. 411), isso ilustra a fragilidade dos laços interpessoais, que Bauman (2004, apud
LAGO, 2009) expressa.

Pelas possibilidades de relacionar-se ou de fazer qualquer tipo de


interação, uma cultura virtual desenvolveu-se no mundo contemporâneo,
abarcando outras formas de se posicionar e influenciando não somente os
meios de comunicação e informação ligados à virtualidade, mas também
o sistema econômico, os valores sociais, as formas de constituição dos
sujeitos e quase todas as maneiras de interação com o mundo (p.61).

As vantagens que o mundo globalizado possui são inúmeros modos de conexão, por
exemplo, promovendo incontáveis possibilidades de buscar satisfação e de criação de
subjetividades. O que não pode ser confundido é a diferença das relações vividas no
ambiente virtual para as vividas no ambiente real, pois no “ciberespaço, as imagens virtuais
são uma simulação do real” (LAGO, 2009, p. 61) e quando as vivências virtuais são levadas
ao extremo se tornam preocupantes.
41

A simulação não pretende representar este real, mas, de fato, sê-lo.


Gevertz (2002, p. 267) diz que “a lógica da simulação não pretende mais
representar o real com uma imagem, mas, sim, sintetizá-lo, em toda sua
complexidade”. Simulando o real, o sujeito passa a viver,
ficcionalmente, uma realidade de infinitas possibilidades. Introduzido no
ciberespaço, pode construir e reconstruir um mundo à sua maneira [...].
Na pós-modernidade, o ciberespaço leva o sujeito a crer na existência de
uma realidade onde é possível concretizar esse desejo por meio de
simulações [...]. Confundindo o mundo virtual e o emocional, o sujeito,
ao se inserir no ciberespaço, acredita poder viver narcisicamente, de
acordo com seus desejos. (LAGO, 2009, p. 61- 62)

Por esse motivo que as relações atuais não têm sido verdadeiras fontes de felicidade e
bem estar, pois não há uma criação com outro real, o que vive é apenas uma simulação, como,
por exemplo, no vídeo game, pois muitas vezes o que se vive no virtual não é possível viver
integralmente no real e a vivência virtual não substitui o real. Para resolver essa questão
“cabe a esse sujeito saber utilizar-se dos benefícios trazidos pela tecnologia, usando-a para
potencializar suas relações com o mundo sem jogá-las no vazio provocado pela
indiferenciação virtual/real” (LAGO, 2009, p. 64). É necessário um retorno ao presente real,
onde habita as relações e a criação, se criam no presente, é um processo como Lago (2009)
descreve como afetivo-corporal, deixando de lado a “lógica do ‘conectar’, ao invés do
‘relacionar’” (LAGO, 2009, p. 59), em que estamos imersos.

O amor pós-moderno por pregar a informatização e a virtualização, ele pode ser


conhecido pela individualização desenfreada, pode ser conhecido como líquido e frágil.
Podem ser vistos ainda sob a ótica da normatização, mas o futuro nos anuncia que se
mudarmos os pensamentos “as relações vão ser de natureza a respeitar a individualidade dos
envolvidos pontos a aproximação será entre pessoas inteiras e não fusão de metades. É um
outro tipo de amor. É o fim do amor romântico” (LINS, 2007, p. 391), pois é isso que o amor
visto como arte, como uma relação de criação potencializadora do eu, faz acontecer.

Com toda essa influência da globalização e internet podemos observar os principais


desafios do sujeito na atualidade, Lins (2007) faz referência a Elisabeth Badinter sobre um
triplo desafio que é a capacidade de conciliar o amor por si e o amor pelo outro; o querer
transitar entre os desejos de simbiose de liberdade; e a capacidade de ajustar as relações
recíprocas, de maneira que nenhum sujeito seja silenciado, pelo outro, gerando uma relação
42

de poder. São muitos desafios, mas essa multiplicidade de necessidades são bem típicas da
pós modernidade, por isso

Especialistas afirmam que queremos tudo ao mesmo tempo: o amor, a


segurança, a fidelidade absoluta, a monogamia e as vertigens da
Liberdade. Fundado exclusivamente no sentimento que sobrou do amor
romântico, o sentimento mais frágil que existe, [...] hoje, a loucura é
desejar um amor permanente, com toda a intensidade, sem nuvens ou
tempestades. Em uma sociedade de consumo, o amor está
supervalorizado. E o sexo tornou-se nova teologia [...] sabemos, depois
de tudo, que o amor não é ideal, que ele traz consigo a dependência, a
rejeição, a servidão, o sacrifício e a transfiguração. (DEL PRIORE, 2012,
p. 321)

Com isso a pós-modernidade segundo Bezerra e Justo (2010) é um tempo peculiar no


que diz respeito à formação da subjetividade. As características principais são a
individualidade, instabilidade, fragilidade, volatilidade, assim, como a “exacerbação do
narcisismo, a abreviação dos vínculos afetivos e emocionais, o sentimento de insegurança e
de efemeridade, a busca de prazeres sensoriais intensos e imediatos” (GUEDES e
ASSUNÇÃO, 2006, p. 408).

Em confronto com essa lógica individualista, que “altera a forma como o sujeito
vivencia os relacionamentos” (LAGO, 2009, p. 24) reside a dicotomia no fato de uma
transição de modelos rígidos, onde não existia a liberdade, com “a rigidez das leis paternas,
representadas socialmente por religião, Estado, instituições de ensino, entre outros” (LAGO,
2009, p. 45). E essa liberdade que a pós-modernidade promoveu, deixou os sujeitos confusos,
criam-se subjetividades ainda influenciadas e preocupadas com a “moral dominante”. Esse
período histórico é marcado por grandes transformações nos campos da economia, política,
cultura, e principalmente o movimento de globalização, e todos esses movimentos têm
grandes influências nos modos de subjetivação do sujeito e nas formas de vivenciar o amor.
O culto à imagem, o imediatismo e a efemeridade, a cultura do consumo, o narcisismo e o
individualismo são marcas da sociedade pós-moderna.

Ao pensar nessas características pode-se ver a influência direta do avanço do


capitalismo, regido pela lógica do consumo desenfreado, e essa lógica influencia diretamente
o âmbito dos relacionamentos amorosos, fazendo “a vida emocional torna-se mutante e
rápida, assim como tudo o que é produzido no mundo pós-moderno” (BEZERRA e JUSTO,
43

2010, p. 196). A pós-modernidade encontra-se em um período transitório, uma crise cultural


no campo afetivo. O avanço da modernidade e avanço do capitalismo fragmentaliza a
experiência afetiva, onde a lógica de mercado permeia a vivência afetiva onde

os objetos adquirem como que a vida própria e se tornam mais


importantes que a singularidade humana [...] As relações humanas,
intermediadas por mercadorias, perdem sua substancialidade e se
reificam. (BITTENCOURT, 2012, p. 44)

O antigo padrão do romantismo extremamente influenciado pelo patriarcado está


saindo de cena, mas ainda o novo não está totalmente claro e sim “mergulhado em uma
infinidade de modos de pensar que, apesar de coexistirem, são singulares. Todos os modos
possíveis e imagináveis de relação dos sujeitos constituem a realidade pós-moderna” (LAGO,
2009, p. 22). Os padrões rígidos estão sendo deixados de lado, visando uma relação
interpessoal pautada na autonomia e co-criação, logo, essa “pluralidade de formas de pensar
cria novas formatações, que se entrelaçam e se potencializam [...] pluralidade de formas de
pensar cria novas formatações, que se entrelaçam e se potencializam” (LAGO, 2009, p. 22)
esse é o tipo de amor descrito por Fromm (1958).

Outro aspecto que aparece em voga na pós-modernidade são as relações regidas pelo
desejo, no sentido “vontade de consumir [...] apontando sempre para a tentativa de domesticar
o objeto, de forma que ele seja subsumido, destruído ao tentar ser transformado” (LAGO,
2009, p. 57), com isso o sentimento de amor, como capacidade criativa, é raramente vista,
pois o “sujeito pós-moderno procura desfrutar do aqui e agora” (LAGO, 2009, p. 58)
contrariando a ideia de construção junto ao outro. A partir da direta influência do capitalismo
pode observar como a “‘lógica do shopping center’ ilustra como a satisfação pulsional está,
hoje, vinculada à aquisição de bens de consumo, oferecidos através de uma mídia quase
onipresente” (LAGO, 2009, p. 67). Isso está intimamente ligado ao fenômeno da
globalização pois

A sociedade pós-moderna não requer, do sujeito, esforço imaginativo.


Passivos frente à televisão, de onde advêm as mais variadas informações
sem que haja necessidade de se esforçar para obtê-las, ou frente ao
computador, que apresenta uma realidade virtual onde tudo é passível de
ser concretizado por meio de simulações, os indivíduos tornaram-se
inaptos à representação. (LAGO, 2009, p. 73)
44

A partir dessa configuração pós-moderna de relação interpessoal e a criação de


subjetividade é possível ver um tipo de amor imaturo próprio do nosso tempo histórico, o
Amor Líquido, descrito por Bauman (2004) que fala sobre a fluidez das transformações das
relações, como a do Amor Líquido. Lago (2009, p. 56) referência Bauman ao falar que o
relacionamento na sociedade atual, o individualismo e narcisismo estão acentuados são de
certo modo bênçãos ambíguas. E vale ressaltar que apesar do narcisismo estar incutido em
nossa cultura de consumo, onde fica claro que o sujeito pós-moderno busca sempre a sua
satisfação narcísica, mas como já foi dito por Fromm (1958) há uma incapacidade do amor
amadurecido existir concomitantemente com o narcisismo.

Os relacionamentos no líquido cenário da vida moderna parecem não


seguir os padrões românticos do amor moderno. Relacionar-se, até
então, implicava ter um compromisso e comprometer-se, o que não
parece estar nos planos do sujeito contemporâneo. Em uma sociedade
fluida, na qual a singularidade reina, comprometer-se não poderia
representar senão uma ameaça à vida ideal. Como dito anteriormente, o
sujeito passou a querer desfrutar do “aqui e agora”, o que contradiz, em
muito, as ideias de relacionamento e compromisso duradouros. (LAGO,
2009, p. 24)

A ideia de liquidez é marcada “pela flutuação [...] e as incertezas quanto ao futuro, o


mais sensato é não se investir de nenhum tipo de risco afetivo” (BITTENCOURT, 2012, p.
52), o amor é regido por incertezas, a ponto de ser mais preferível evitar viver
relacionamentos e satisfatórios do que embarcar em uma alteridade e criação com o outro.
Logo, prefere-se evitar viver de maneira profunda. Os relacionamentos líquidos segundo
Bauman (2004) seguem a lógica dos “relacionamentos de bolso” que é uma ideia capitalista
de grande influência, que faz com que pense que o outro estará sempre à disposição quando se
precisa, e pode ser facilmente guardado quando for conveniente, “as pessoas se tornam coisas
que podem ser adquiridas, consumidas e descartadas a gosto do usuário” (BITTENCOURT,
2012, p. 45). Com isso os afetos seguem, inconscientemente, como se tudo e todos fossem
descartáveis e, decorrente disso, gerando na contemporaneidade um grande fracasso em
manter as relações afetivas. Seguindo essa lógica o amor líquido é um amor imaturo, pois há
“sintoma da fragilidade das relações humanas na confusão dos valores submetidos aos signos
tecnocráticos do capitalismo” (BITTENCOURT, 2012, p. 55) e o sujeito é despersonalizado e
sua subjetividade despotencializada.
45

A importância da arte do amar na Pós-modernidade

Como mencionado anteriormente, a sociedade atual vive e forma a sua subjetividade


entre os dois extremos regido pelo paradoxo: simbiose e liberdade, mas nenhuma dessas duas
visões possui um olhar sensível para o amor. Assim, promovem estruturas encaixantes, seja
na lógica do para sempre, por exemplo, como o amor romântico, como na efemeridade e
como no amor líquido, tirando a capacidade de permear entre ambos. Dessa maneira, “ao
colocar-se em suas experiências amorosas, procura a felicidade, mas acaba encontrando pelo
caminho enlatados que impedem a sua metamorfose. Clichês e condutas que trazem-no a
solos estéreis, sem efeitos na composição de forças com o caos.” (ROOS, 2006, p. 59), ou
seja, acaba impedindo o sujeito de reger seu relacionamento amoroso de maneira criativa e
madura, assumindo um papel de criação com o outro, definindo para si uma maneira
adequada de viver amorosamente de maneira autônoma.

E ao analisar os afetos pós-modernos conseguimos observar diversas formas de


manifestações de pseudo-amor, como classificado, anteriormente, por Fromm (1958), e
dificilmente vendo formas genuínas de amor. Esses pseudo-amores são os amores que não
são regidos pela capacidade de criação, e/ou é permeado por relações rasas e de dominação.
Isso porque, como já apontado neste trabalho, a pós-modernidade é fortemente influenciada
pelo sistema capitalista, fazendo também os afetos serem regidos pela lógica de mercado
como a principal reguladora. Na lógica capitalista é mais vantagem ter corpos dóceis, onde
tenham seus comportamentos dentro de certo padrão, com ações facilmente previstas,
diferentemente da arte que não é algo previamente previsto e determinado, “o amor é afim à
transcendência; não é senão outro nome para o impulso criativo e como tal carregado de
riscos, pois o fim de uma criação nunca é certo” (BAUMAN, 2004, p. 11). E quando
buscamos tornar o amor como uma capacidade produtiva, há uma influência direta de como a
cultura vigente incentiva a subjetividade e autonomia do sujeito.

Entretanto, quando observamos como a história do amor se deu, podemos ver algo
curioso em relação, que é que as novas formas de ver o amor surgiram nas classes artísticas,
como linha de fuga e resistência ao modelo vigente, por exemplo, como os trovadores e no
período do romantismo. As novas formas de observar o amor sempre surgiram através da
arte, através da capacidade produtiva criadora, a fim de suprir as necessidades que não eram
46

atendidas nas maneiras que se vivenciavam o amor. Logo, o amor é uma arte que está em
constantes mudanças.

Em relação aos pseudo-amores Fromm (1958) traz diversas patologias do amor


socialmente moldado, que são formas de pseudo-amor que vivemos. Assim, estes podem ser
manifestados de diversas formas, algumas delas são: o amor neurótico, o amor idólatra e o
amor sentimental. O amor neurótico há um uso dos mecanismos de projeção, com o objetivo
de evitar seus próprios problemas e focar nos defeitos e fragilidades da pessoa amada. Já o
amor idólatra é visto também como um grande amor, que acontece quando um indivíduo não
alcançou sua identidade e tende a idolatria da pessoa amada, alienando-se de suas forças e as
projetando na outra pessoa. Por último, temos o amor sentimental que é o amor vivenciado
somente nas fantasias, não em relações concretas com a outra pessoa, se instaurando no
campo dos desejos não cumpridos, outra característica importante dessa forma de amor é a
abstratificação do amor em termos de tempo, pois ele acaba vivendo ou no passado ou no
futuro, mas nunca no momento presente. Não é surpresa que constantemente é possível
observar essas manifestações, e não existem somente essas. De fato há outras inúmeras
formas de pseudo-amor no cotidiano. Porém, o que seria necessário para de fato viver um
amor, como algo amadurecido?

O amor só é possível se duas pessoas se comunicam mutuamente a partir


do centro de suas existências e, portanto, se cada uma se experimenta a
partir do centro de sua própria existência. Só nesta “experiência central”
existe realidade humana, só aí há vivacidade, só aí está a base do amor.
Assim experimentado, o amor é um desafio constante; não é um lugar de
repouso, mas é mover-se, crescer, trabalhar juntamente; haja harmonia ou
conflito, alegria ou tristeza, isso é secundário em relação ao fato
fundamental de que duas pessoas se experimentam mutuamente a partir
da essência de sua existência [...] só há uma prova da presença de amor: a
profundidade da relação e a vivacidade e o vigor em cada pessoa
envolvida; este é o fruto pelo qual o amor é reconhecido. (FROMM,
1958, p. 136)

Se buscarmos seguir pelo caminho de Fromm (1958) e assumir o amor como uma
instância potencializadora e promotora da felicidade, que é capaz de diminuir a angústia da
separação: é preciso assumir o amor como uma arte; e é importante ressaltar que como uma
arte qualquer, o amor requer alguns requisitos gerais. Para aprender a amar é do mesmo
modo como se aprende qualquer arte, e para aprender uma arte precisa ter o domínio da teoria
e o domínio da prática, a fim de que, ambos os conhecimentos se fundem em um só.
47

Mas nossa sociedade muitas vezes não considera importante aprender sobre essa arte
do amar, pois influenciados novamente pela lógica de mercado, temos em mente considerar
“dignas de ser aprendidas aquelas coisas com as quais se pode obter dinheiro ou prestígio, e
que o amor, que só traz proveito a alma, mas não é proveitoso no sentido moderno”
(FROMM, 1958, p. 25), sendo um luxo, mas o amor, assim como todas as relações humanas
são de extrema importância para a satisfação pessoal e uma harmoniosa vida social. Para
Freud (1930) a principal fonte de mal estar e a que causa mais sofrimento são os sofrimentos
provenientes das relações entre humanos, que apesar de ser a fonte mais penosa é uma que
poderia facilmente ser resolvida, mas não damos o valor para a aprendizagem dessa arte e
temos ela como algo nato, que não precisamos de esforços para aprender. Mas, de modo
geral na nossa sociedade as artes nunca foram prestigiadas, podemos ver hoje, que vários
artistas da história, em sua época, foram discriminados e viviam às margens e que só vieram a
ter maior prestígio quando morreram, mas o que era visto como loucura podemos ver hoje a
atividade criadora, criadora de um novo sentido, criadora de uma resistência às amarras.

Se partimos para a lógica de Fromm (1958), podemos ver que as artes têm como
principal característica um processo dinâmico e ativo, para isso é necessário uma disciplina
com a prática e concentração, e é exatamente esses pontos que vão contra com o modelo que
o homem moderno leva a vida, a vida líquida. Isso seria a correria como o principal regente
do cotidiano, pois a concentração está intimamente ligada a nossa capacidade de ouvir o outro
e o mundo, de maneira que essa concentração esteja focada no presente e na relação que está
sendo estabelecida no aqui e agora, sendo sensível ao outro da relação, deixando de lado o
nosso narcisismo.

auto-disciplina, a concentração é rara na nossa cultura. Pelo contrário,


nossa cultura leva a um modo de vida desconcentrado e difuso [...]
fazem-se muitas coisas ao mesmo tempo; lê-se, ouve-se radio, fala-se,
fuma-se, bebe-se, come-se [...] esta falta de concentração facilmente se
mostra em nossa dificuldade de ficar sós conosco mesmos. (FOMM,
1958, p. 143)

Outro fator extremamente necessário para o desenvolvimento de uma arte é a


paciência, pois em um trabalho construído em longo prazo, ao tentar um resultado rápido
nunca se desenvolverá de maneira satisfatória no cenário artístico. Esse ponto contrapõe a
efemeridade do nosso tempo, precisamos e ansiamos tudo pra ontem, temos que conquistar
48

muitas coisas em pouco tempo, tornando o amor amadurecido um fenômeno raro em nossa
sociedade contemporânea.

Absoluta incompatibilidade entre o amor e a vida “normal” só e correta


num sentido abstrato. O princípio que alicerça a sociedade capitalista e o
princípio do amor são incompatíveis [...] pessoas capazes de amar, sob o
presente sistema, são necessariamente exceções. O amor é, por
necessidade, um fenômeno marginal nos dias atuais da sociedade
ocidental. (FROMM, 1958, p. 168-169)

Para Fromm (1958) o essencial para a prática do amor, assim como toda arte, é a
atividade, o amor não pode ser um sentimento inerte, pois quando uma prática de amor é
inerente, se configura e um pseudo-amor, é necessário uma postura criadora ativa
interpessoal, que tem uma constante preocupação com o outro, é necessário uma constante
reavaliação de pontos, um constante investimento na figura de amor, promovendo esse caráter
criador que surge na relação interpessoal. É válido ressaltar que no amor a relação de
atividade deve ser vertical, onde se crie com o outro (característica de um amor amadurecido),
e que não imponha ao outro seus ideais.

Segundo levantado no livro “A Arte de Amar” Fromm (1985), o autor menciona que
amar em nossa sociedade, como uma prática amadurecida, é uma atitude rara e que para que
venhamos mudar esse cenário, devemos passar por mudanças na nossa estrutura social,
deixando de ser apenas um fenômeno isolado. Por isso, é importante que venhamos a nos
organizar de “modo tal que a natureza social e amorosa do homem não se separe se sua
existência social, mas se unifique a ela [...] o amor é a única resposta sadia e satisfatória ao
problema da existência humana” (FROMM, 1958, p. 170). Esperançosamente, vemos que as
mudanças que eclodiram no final do século XX, foram o início de uma mudança nos
relacionamentos, trazendo uma “luz no fim do túnel”, esse túnel é o patriarcado e o fim dele
consegue promover relações afetivas regidas pela liberdade e autonomia. As revoluções
foram os momentos em que começa a ver essa luz, ainda não chegamos ao fim, temos ainda
grandes atitudes que são marcadas pelo patriarcado, temos fantasmas de tabus que são
resultados de longos séculos de influências da repressão da sexualidade, e o amor é autêntico
e maduro “por uma pessoa não pode se fundamentar apenas em um contrato moral-jurídico-
religioso, mas sim uma poderosa celebração regida pela espontaneidade, pela alegria e pela
criatividade” (BITTENCOURT, 2012, p. 47) e por esse motivo que hoje já conseguimos
vislumbrar relações mais livres.
49

A prática de amor, de maneira amadurecida, que seja capaz de ser resposta para o
problema da existência humana, a separação, precisa ser uma atividade interpessoal, essa
prática “enraizada através da afirmação da alteridade, capacidade de se compreender a
interioridade do outro; [...] assim, uma experiência que preconiza a intersubjetividade,
comunicando-se então os afetos de pessoa para pessoa” (BITTENCOURT, 2012, p. 44).
Fromm (1958) aponta algumas características que uma atitude amadurecida traz consigo, para
ele esta precisa ser uma atividade que consiste em dar, sendo necessário deixar de lado
sempre o narcisismo, que faz praticar um amor egóico, ama a partir de si. O “ dar” necessário
no amor não está relacionado ao ato de abandonar ou se privar de algo, quando temos essa
visão, deturpada, demonstra a nossa falta de desenvolvimento do caráter. E essa falta está
intimamente ligada ao caráter mercantil em que estamos inseridos, em que o principal é
receber, e quando damos e não recebemos nos sentimos defraudados, lesados. E isso está
muito enraizado na nossa sociedade, a maioria das pessoas tem mais prazer em receber um
presente do que dar, pois o dar necessita de muito mais esforço, depende de doar tempo, para
pensar no que dar, ir comprar, muitas vezes necessita de tempo e dinheiro (FROMM, 1985).
Mas, em contraponto, o ato de dar é uma “expressão da potência. No próprio ato de dar,
ponho a prova minha força, minha riqueza, meu poder. [...] Dar é mais alegre do que receber,
não por ser uma privação, mas porque, no ato de dar, encontra-se a expressão de minha
virtude” (FROMM, 1958, p. 45-46), logo, quando se ama, o indivíduo é capaz de se dar na
relação, se dá cuidado, preocupação, se dá tempo, respeito e conhecimento. Fromm (1958)
ainda na linha das características necessárias para a prática de um amor amadurecido, destaca
o trabalho, pois se “a essência do amor é trabalhar por alguma coisa e fazer alguma coisa
crescer, que amor e trabalho são inseparáveis, Ama-se aquilo por que se trabalha e trabalha-se
por aquilo que se ama” (FROMM, 1958, p. 50), essa característica está intimamente ligada ao
fato do amor residir no movimento.

Quando se afirma que o amor está na capacidade criadora na relação interpessoal, pois
ela é a resposta da separação porque, através dessa criação o indivíduo se coloca naquela
relação, podemos confundir com a ideia de fusão que conhecemos hoje, em que o amor
romântico se prega que tem que ser um com o parceiro, anulando a individualidade, onde há o
discurso religioso “uma só carne”, mas essa ideia e em Fromm (1958) é diferente pois a fusão
está ligada a um modo de “transcender a prisão da própria separação relaciona-se muito de
perto com outro desejo especificamente humano, o de conhecer “o segredo do homem””
50

(FROMM, 1958, p. 52-53). No processo de criar com o próximo é preciso ter muito cuidado,
para que ao invés de ocorrer uma relação de amor, vire uma relação de dominação, imposição
e fusão no sentido de simbiose, pois o processo de dominação está intrinsecamente ligado à
natureza humana. Ao contrário da dominação cruel, tem a prática de amor, que é a
“penetração ativa na outra pessoa, e que meu desejo de conhecer é destilado pela união [...] no
ato de amar, de dar-me, no ato de penetrar a outra pessoa, encontro-me, descubro-me,
descubro-nos a ambos, descubro o homem” (FROMM, 1958, p. 54-55), é como fica claro, o
amor se dá na relação, ele é uma via dupla, onde ao mesmo tempo, o sujeito se descobre e
descobre o outro.

Um relacionamento amoroso não é uma experiência entre conterrâneos,


mas sim entre estrangeiros. Assim, a relação amorosa pode ser vista
como um convite à hospitalidade. Nós precisamos estar abertos e
dispostos a hospedar a outra pessoa. Ela nunca será totalmente
compatível conosco, uma vez que é outro ser humano [...] o que
precisamos é ter uma abertura existencial para receber a pessoa que
amamos, isto é, assumir que somos diferentes e que a arte do encontro é
um esforço que precisa de uma espécie de tradução. O estrangeiro fala
outra língua, a outra pessoa amada tem sua própria gramática. Um bom
anfitrião não é aquele que somente apresenta, ou, pior, impõe a sua
culinária e os seus costumes, mas aquele que aprende a fazer os pratos
favoritos do hóspede e está disposto a aprender cada vez mais sobre sua
cultura e costumes. (NOGUERA, 2020, p. 195)

Um fato importante na relação do amor é a necessidade da construção de si, e de fato o


meio em que estamos inseridos “a questão mais difícil é criar-se [...] Ou melhor, é criar a si
mesmo no meio e com as possibilidades que essa nova postura frente ao caos traz” (ROOS,
2006, p. 20), e o movimento de criar-se demanda esforço, o esforço para se desterritorializar,
esforço para ser autêntico frente aos desejos, esforço para ouvir a si e somente assim poder
satisfazer-se, e ser capaz de amar o outro de maneira madura. É primordial ter em mente que
a "invenção de si num campo amoroso contemporâneo e, principalmente, de que maneira
pode-se abrir passagem a novas sensibilidades na criação de possíveis" (ROOS, 2006, p. 12),
de afetar e ser afetado. Uma subjetividade autêntica não é incentivada e muitas vezes
reprimida, pois de fato

[...] torna-se uma máquina de guerra, com suas combinações


heterogêneas, polifônicas, tornando-se uma trama e ao mesmo tempo
quebrando toda e qualquer binaridade, fissurando os corpos
disciplinados, saltando para além dos modos significado e significante,
51

para além dos estratos organicistas. Ela forma uma espécie de


singularização existencial ligada ao desejo de viver, de construir outros
modos possíveis de mundo, de existência, buscando novos tipos de vida.
(GUATTARI e ROLNIK, 1996)

E esse processo de subjetividade desterritorializada está intimamente ligada à prática


de pensar novas formas de amar. Amar é habitar novos territórios e é o devir amor na prática.
É resistência. É potência. É se tornar um sujeito singular e complexo que não se satisfaz com
modelos e moldes pré-estabelecidos pela moral dominante, é assumir sua subjetividade
desterritorializada, é percorrer pelas linhas de fuga e pelas linhas do desejo. É olhar os afetos
próprios e alheios com um olhar mais sensível. É o processo de se singularizar e se constituir
como sujeito. Esse processo de singularização é

uma maneira de recusar todos esses modos de endocodificação


preestabelecidos, todos esses modos de manipulação e de telecomando,
recusá-los para construir, de certa forma, modos de sensibilidade, modos
de relação com o outro, modos de produção, modos de criatividade que
produzem uma subjetividade singular (GUATTARI, F; ROLNIK, S,
1996, p.17)

Se produzir de maneira singular é o lema de percorrer pelos caminhos das novas


formas de amar, é primordial um olhar mais sensível e preocupado com a formação de uma
subjetividade autêntica, a formação de si e a importância da vivência de um amor
amadurecido, que tem como característica principal, a capacidade criadora, e “tudo indica que
as relações amorosas no futuro serão mais livres e, Por isso mesmo, mais satisfatórias”
(LINS, 2007, p. 392). Lins (2007) menciona Gikovate sobre a prática do amor capaz de
sobreviver às tendências individualistas, onde “a aproximação será entre pessoas inteira e não
fusão de metades. É um tipo de amor” (LINS, 2007, p. 391), pois somente dessa forma é
capaz de preservar a individualidade dos sujeitos.

É claro que é possível viver um tipo de amor bem diferente, sem


projeções e idealizações, longe da camuflagem do mito do amor
romântico. Para isso precisamos, primeiro, ter coragem de abrir mão das
nossas antigas expectativas e depois, então, torcer para que mais pessoas
façam o mesmo. Descobrindo outras formas de amar podemos
experimentar sensações até agora desconhecidas, mas nem por isso
menores excitantes. (NAVARRO, 2021, p. 132)

Ver novas formas de amar é assumir o devir constante que a relações interpessoais se
encontram e se criam a partir de insatisfações acentuadas pela imposição, nova forma de ver a
52

vida e gerir seus relacionamentos pessoais, pois o “problema dos modelos é que todos se
tornam parecidos, as singularidades desaparecem. A grande vantagem do momento em que
vivemos é cada um poder escolher a sua forma de viver” (LINS, 2021, p. 350). Devir amor é
ter a certeza que cada indivíduo se modifica em busca da felicidade, a fim de se tornar mais
autônomo e potente, Noely Moraes citada por Lins (2021) deixa claro que ”o amor tem
diversas faces assim como nós. Não temos uma única dimensão, nossa identidade é bem mais
complexa do que um produto unificado e acabado” (p. 352). É importante ter em mente que
esses devires não assumem o papel normatizador, em que todos devem advir, como o amor
romântico, a monogamia, a necessidade de um casamento e filhos, sobre o risco de ser
julgado, e sim abre espaço para pensar a multiplicidade subjetiva do ser. Pensando nessa
lógica, pode-se observar uma forma de amar um tanto diferente da que estamos acostumados
hoje, em que somos capazes de amar somente uma pessoa, somente ela será fonte dos desejos
e a satisfação dos mesmos. Este modelo diz a respeito do amor ser um sentimento global, ou
seja, o

‘amor livre’, por sua vez, daria lugar a plena manifestação das emoções
entre homens e mulheres [...] a ‘livre União’ significaria a possibilidade
de se definir livremente o tipo de relação amorosa mais adequada para
cada qual [...] Amor Livre [...] é um todo formado pelo homem e pela
mulher que se completa um ,que buscam a vida em comum, sem
dependência de códigos ou leis que determinam as suas funções,
juntando-os por simples convenção social. Vivem juntos Porque se
querem. (DEL PRIORE, 2012, p. 259 - 260)

Lins (2017) dedica todo um trabalho as “Novas formas de amar”, trazendo diversas
tendências atuais de uma vivência amorosa “fora da curva”, como os encontros casuais,
relações múltiplas, as relações livres, o poliamor, o casamento nada convencionais, os amores
"grisalhos", e outras npossibilidades. Para Lins (2017) os encontro casuais são uma nova
forma de se relacionar afetivamente bem característica do sujeito pós-moderno, pois ao invés
de se fecharem em uma relação em uma rotina acelerada, firmam uma relação mais fluida, em
que seguem pelas linhas do desejo, quando ele aparece, buscam se encontrar e construir uma
relação naquele momento, sem grandes planos e regras e normas, deixando o desejo e a
criação fluírem livremente. Porém, nas relações múltiplas, como o nome já diz, são a relações
onde o pacto de exclusividade não existe, principalmente a liberdade sexual, e é nesse ponto
que muitas vezes é confundida com o poliamor, pois na relação múltipla, muitas vezes se
53

mantém um relacionamento fixo com uma pessoa, mas tem a possibilidade de conhecer e se
relacionar com outras.

Em relação às relações livres, existe o movimento chamado “Relações Livres do


Brasil”, que existe desde 2006 com início no Rio Grande do Sul, que tem como princípio a
autonomia sexual e afetiva, e essa autonomia já é previamente estabelecida, é regido
principalmente pela espontaneidade, “o mote é amar e permanecer livre [...] Cada relação
permite uma experiência, todas enriquecedoras da relação humana” (LINS, 2017, p. 162). A
autonomia emocional e a construção de uma subjetividade autêntica é primordial para essa
configuração de relacionamento.

Diferentemente dessas relações abertas e livres, em que a autonomia e liberdade e o


desejo regem o pensamento, não necessariamente precisando ter uma relação de criação
profunda entre os envolvidos, o poliamor busca isso, "está envolvido em relações íntimas e
profunda com várias pessoas ao mesmo tempo, no mesmo nível de importância" (LINS, 2017,
p. 166). O poliamor segundo Noguera (2020) é um modelo de afeto próprio da pós-
modernidade e diferente da monogamia e do amor romântico idealizado, o poliamor
possibilita uma visão fluida do amor, de modo que não se enquadra nos padrões engessados e
sim ele é aberto para todas as identidades e sexualidade. Neste modelo vai contra qualquer
ideia de posse e submissão presentes no modelo romântico, assim como recusa a monogamia
obrigatória, e acreditam que “amar só é possível em um relacionamento cultivado pelo bem-
estar, pela satisfação individual e a comunitária, no qual todos – inclusive a sociedade – são
corresponsáveis pela experiência amorosa” (NOGUERA, 2020, p. 77). Outra diferença para o
amor romântico. Segundo Noguera (2020) é o desejo, no romantismo segue a visão
monogâmica, afirmam que o desejo é direcionado para apenas um objeto de amor específico,
sendo que no poliamor não há uma determinação, deixando o amor o centro dos
relacionamentos. Este é o responsável por determinar o ritmo da relação, deixando o amor
livre, pois ele pode florescer em diferentes campos.

O poliamor, por sua vez, está pautado num modelo mais realista do
mundo. Ele reconhece que a monogamia, ou seu status de modelo único
e possível, está ligada ao patriarcado patrimonialista e a valores
religiosos. Além disso, reconhece o prazer sexual e postula que a
liberdade do exercício da sexualidade é um valor individual – portanto,
os desejos afetivo-sexual de uma pessoa não podem ser reduzidos a
padrões morais, econômicos e culturais. (NOGUERA, 2020, p. 120)
54

É importante ter em mente que o que rege essa relação é deixar o caminho aberto para
as linhas do desejo, em que constantemente há a negociação de acordos, pois segundo a lógica
poliamorista é possível viver uma relação monogâmica sendo poliamorista. Vale ressaltar
que essa constante negociação de acordos deveria ser aplicada em qualquer manifestação de
amor em que se deseje seguir,afirmando o amor como um movimento constante. Assim,
como é possível não ter uma relação aberta e ser poliamorosa, pois a relação é regida pelo
amor e não somente pela relação sexual com uma outra pessoa.

Lins (2017, 2007 e 2021) traz uma ideia de casamento nada convencional, em que
antes uma relação que servia de obstáculo para a liberdade de experiência, agora alguns casais
tem se mostrado abertos em viver uma sexualidade livre dentro do casamento para Lins
(2007, p. 414) relata “há algum tempo, passei a receber grande quantidade de mensagens de
pessoas casadas dispostas a praticar sexo a três com seus cônjuges”. Pode-se destacar como
exemplo, práticas como swing, experiências tântricas são práticas vistas cada vez mais não só
entre os solteiros como os casados, dando uma abertura à experiência, buscando sempre uma
autenticidade e prazer nas relações afetivas e profundas. Potencializando as vivências sexuais
assim como a vivência do eu.

Outra mudança é o amor grisalho, que segundo Lins (2017) acontece entre aqueles que
casaram antes da revolução sexual, em que era vista uma moral sexual bem rígida, e com
costumes e práticas bem diferentes das vividas atualmente. Mas, há uma “crença tão
difundida socialmente de que na velhice as pessoas são assexuadas” (LINS, 2017, p. 191),
essa crença funciona como uma estrutura encaixotante para as pessoas de mais idade que
buscam se encontrar e viver uma vida mais autêntica, inclusive no âmbito sexual, que não está
ligado a idade e juventude, e para ir contra essa lógica podemos ver uma crescente adesão às
reposições hormonais e o uso de viagras. Eles por viverem em uma configuração sexual,
onde o “amor” deveria ser para sempre há o fenômeno atual descrito por Lins (2017) que é o
divorcio grisário, que são essas pessoas de mais idade que lutaram contra o tabu e buscaram
se reencontrar, buscando a auto realização e autonomia. Os motivos para esses movimentos é
a busca pela diminuição do mal-estar provocado pelos modelos e tabus a respeito da
sexualidade e amor e velhice, visto que muitas vezes são potencializados em sua
subjetividade por terem certa idade, mas com o aumento da longevidade. Este pensamento se
tornou antiquado, visto que ainda são sujeitos, capazes, autônomos e que merecem viver uma
subjetividade autêntica, tornando a terceira idade mais sadia, prazerosa e potencializadora.
55

Essas novas formas de amor foram necessárias, pois “a monogamia nem sempre dá
conta de todas as necessidades de uma comunidade” (NOGUERA, 2020, p. 75 ), pois o amor
romântico não abraça as diferentes necessidades. E segundo Lins (2021) estamos vivendo um
momento histórico de transição, pois os valores atuais, dados como certos, estão começando a
serem questionados e aparecendo novas formas de amar. Porém ainda assim essas novas
formas de viver e de amar, ainda causam insegurança, questionamentos e julgamentos, por
parte dos mais conservadores. Mas segundo Lins (2021) o fim de muitos tabus é questão de
tempo, pois como foi visto, inúmeros aspectos que antes eram vistos como tabus, e até crime,
hoje em dia são vistos com normalidade, causando até um estranhamento em pensar que antes
isso era uma realidade, como os divórcios, a questão da virgindade. De fato, “São novas
relações com o corpo, com a sexualidade, com o desejo, com o outro” (ROOS, 2006, p. 42),
novas formas de amar.

É possível aos poucos ir vendo uma lógica que não é regida pela normatização, e aos
poucos consegue-se observar que na pós-modernidade, “os fluidos valores não indicam uma
ordem uma”. O que existe é uma pluralidade de modos de subjetivação [...] Apresenta-se
uma fluidez (LAGO, 2009, p. 70). Ou seja, não há um modelo no qual se deve seguir para
alcançar a felicidade ou para ser aceito, como por exemplo,

A conjugalidade é apenas uma experiência afetiva possível que pode


acompanhar tantas outras a serem criadas. Sempre procurando pensar a
experiência amorosa ampliando as suas possibilidades de
desdobramentos subjetivos; o amor como acontecimento marcado pela
produção de novos outrem e devires. (ROOS, 2006, p. 56)

Não há problema nenhum uma mulher querer ser “dona de casa”, assim como também
não há quando a mulher busca a sua independência, não há problema a mulher sonhar em
casar, ter filhos e construir uma família, assim como não há, a mulher não sonhar com nada
disso. Escolher a monogamia é algo antiquado que deveria ser chacotado no futuro? Não,
não há problema nenhum em querer uma relação a dois, como não há problema nenhum em
viver uma relação livre, um poliamor. O que tem problema é querer normatizar todas as
relações, impondo a todos uma única maneira de amar, o problema está em impedir o devir e
os modos de criação particular de cada um, castrando as linhas do desejo e a capacidade de
satisfazer de diversas formas.
56

É necessário que haja liberdade e abertura de criação, a fim de, criar um modelo de
amor que faça sentido para as pessoas envolvidas na relação, satisfazendo suas necessidades,
e tem por característica o não enraizamento dos acordos, e a “arte de amar já está justamente
em negociar constantemente, fazer e refazer pactos. Uma pessoa não pode dizer “sim” uma
só vez. A magia de um relacionamento não está no começo [...] mas na capacidade de se
manter junto” (NOGUERA, 2020, p. 196), ou seja, um eterno devir. “Ser e amar, no
contemporâneo, com a mesma proposta estética: a de afirmar os acontecimentos e, a partir de
suas novas sensibilidades, propor a si mesmo uma nova existência. Afirmando o devir e o e
ser do devir.” (ROOS, 2006, p. 51-52). Devir amor é potencializar o ser a partir da
capacidade de criar novos modos de amar, de criar novos modos de ser, de ser autêntico, a
possibilidade de viver um amor livre, livre de qualquer “receita de bolo” para só assim o
amor pode dar certo, livre de norma, fixado apenas no eterno devir e criação com a pessoa
com quem deseje compartilhar essa experiência tão potente, que é a arte de amar.
57

CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho mapeamos muitas definições do que é amor dadas ao longo da
história e com certeza, muitas outras ainda serão criadas. Definições muitas vezes
subordinadas a modelos, pondo o amor no campo da normatividade, e sempre que o amor
percorre por essas linhas do dever, por linhas duras, ele é utilizado como ferramenta de
controle, de forma a despotencializar a nossa subjetividade. Amar na contemporaneidade é
fuga, fuga dos padrões impostos e de receitas de bolo que garantem a felicidade, fuga para si e
fuga para a autenticidade.

Amar é se posicionar, se criar, é devir, é resistência, é movimento, é habitar territórios


e desterritorializar-se, tudo ao mesmo tempo, o amor de fato, é uma arte. É desafiador, pois
lida com a alteridade, com o novo, na arte nunca sabemos de fato qual será o resultado final,
se será “bom” ou “ruim”, amar é isso, se jogar na experimentação e ter resiliência de se
recriar sempre que necessário.

Realmente, amar em nosso tempo é raridade, em tempos instáveis e desafiadores


socialmente, onde a política não traz segurança, a economia é limitante, acaba por gerar
angústia que nos faz, muitas vezes, perder o ímpeto criador, e quando perdemos essa força
motriz, morremos como sujeitos, e ficamos presos a padrões que nos causam falsa sensação
de segurança, falsa sensação de liberdade e falsa sensação de felicidade. Liquidez, tempos
líquidos, amores líquidos, marcados pela individualização, pelo egoísmo, pela desconfiança,
pelo medo de se tornar vulnerável, vulnerável não no sentido de ser fraco, mas no sentido de
estar ali presente com o outro disposto a criar-se e criar com. É necessário devir amor.

Devir amor é sair, definitivamente, do campo da norma e seguir pelas linhas do desejo
genuíno. Pode-se amar um, dois, três, pode-se desejar envelhecer juntos ou viver
intensamente durante meses, pode-se desejar um amor “tradicional” ou abraçar as novas
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formas de amar, monogamia ou relacionamento aberto, tanto faz, não existe um tipo de amor,
existem amores. Não é sobre quantidade, tempo, sexo, é sobre criação com o outro, é sobre
potencialização, é sobre se tornar autentico, é sobre criar, é sobre arte.

Devir amor é isso, saber que ele pode sim ser a resposta para a angústia elementar do
homem, que é a separação, a prisão de se sentir só, mas ela só é capaz de servir como resposta
quando ela é utilizada de forma madura, de forma a potencializar a subjetividade e
autenticidade, de potencializar o eu, livre de idealizações, fusões, imposições, é ser fluido, se
recriar a cada encontro, é se criar com o outro, é expandir, é experimentar.

Gostaria encerrar não com um ponto final, pois não é a intenção resolver o problema
do amor ou ditar alguma fórmula mágica para a felicidade, a intenção é sim questioná-lo, de
fazer pensar, de promover o devir. Por isso gostaria de terminar com uma reflexão, para fazer
pensar acerca de nossos fluxos, de nossas linhas, de por onde o nosso amor percorre, e de
como ele pode percorrer a fim de nos potencializar como sujeitos, de quais devires são
necessários para que o amor seja realmente a instância promotora de felicidade e realização,

As linhas se inscrevem [...] quais são suas próprias linhas, qual mapa
você está fazendo e remanejando, qual linha abstrata você traçará, e a que
preço, para você e para os outros? Sua própria linha de fuga? [...] Você
racha? Você rachará? Você se desterritorializa? Qual linha você
interrompe, qual você prolonga ou retoma [...]? (DELEUZE e
GUATTARI, Mil Platôs vol 03)
59

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