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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

CURSO DE PSICOLOGIA

O O L H AR F E N O M E N O L Ó G I C O - E X I S T E N C I AL S O B R E O
A D O E C I M E N T O P S Í Q U I C O C O N T E M P O R ÂN E O

THIANA ANTUNES DE ALMEIDA

Cabo Frio
2020.1
THIANA ANTUNES DE ALMEIDA
20151109421

O O L H AR F E N O M E N O L Ó G I C O - E X I S T E N C I AL S O B R E O
A D O E C I M E N T O P S Í Q U I C O C O N T E M P O R ÂN E O

Projeto de Monografia apresentada ao curso de


Psicologia, da Universidade Veiga de Almeida, em
cumprimento as exigências para obtenção do grau de
bacharel em Psicologia.

ORIENTADORA: PROFª DRª LÍGIA CLÁUDIA GOMES SOUZA

Cabo Frio
2020.1
UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
Rua Ibituruna, 108 – Maracanã
20271-020 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: (21) 2574-8888

A447 Almeida,
FICHA Thiana Antunes de.
CATALOGRÁFICA
O olhar fenomenológico-existencial sobre o adoecimento
psíquico contemporâneo / por Thiana Antunes de Almeida. –
2020.
69 f. ; 30 cm.

Impresso por computador (original).


Orientadora: Prof. Dra. Lígia Cláudia Gomes Souza.
Monografia (graduação) – Universidade Veiga de Almeida,
Curso de Graduação em Psicologia, Cabo Frio, RJ, 2020.

1. Fenomenologia existencial. 2. Saúde mental. 3. Stress


(Psicologia). 4. Psicopatologia. I. Souza, Lígia Cláudia Gomes
(orientador). II. Universidade Veiga de Almeida. Curso de
Graduação em Psicologia. II. Título.

CDD 150.192

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA


Bibliotecária Adriana R. C. de Sá – CRB-7/4049
THIANA ANTUNES DE ALMEIDA

O O L H AR F E N O M E N O L Ó G I C O - E X I S T E N C I AL S O B R E O
A D O E C I M E N T O P S Í Q U I C O C O N T E M P O R ÂN E O

Projeto de Monografia apresentada ao curso de


Psicologia, da Universidade Veiga de Almeida, em
cumprimento as exigências para obtenção do grau de
bacharel em Psicologia.

APROVADA EM ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Lígia Cláudia Gomes Souza


UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIRA - ORIENTADORA

Profª. Me. Elina Eunice Montechiari Pietrani


UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA - AVALIADORA

Profª. Drª. Cristiany Rocha Azamôr


AVALIADORA EXTERNA
AGRADECIMENTOS

Deus, obrigada por ser minha base nos momentos que pensei que ia cair.
Obrigada por dispor seus anjos ao meu redor a todo instante e por me trazer
inspiração do Espirito Santo para conclusão dessa etapa em minha vida.
Agradeço aos meus pais, Neila e José Eduardo, pela paciência nos meus
momentos de produção e pelas orações, incentivos e carinho, não somente nesse
processo, mas em toda minha vida.
À minha avó, Maria Delva que tornou esse sonho possível sempre me
incentivando a buscar a felicidade e vencer os desafios que a vida nos apresenta da
melhor forma.
Ao meu parceiro Davi que se manteve ao meu lado me animando para a
conclusão deste trabalho e revisando os textos.
Às minhas amigas, Bruna e Sulamita que participaram de todo meu progresso
na faculdade, compartilhando conhecimento, parceria, lágrimas e boas risadas.
Agradeço também à minha amiga Nara que trabalhou arduamente na revisão
dos meus textos.
Não poderia deixar de agradecer também à minha orientadora, Lígia Cláudia
Gomes Souza que sempre se dispõe a ajudar seus alunos com máxima dedicação.
Durante toda a faculdade se mostrou um exemplo de profissional e de pessoa para
mim.
À banca desta monografia, Prof.ª Me. Elina Eunice Montechiari Pietrani e a
Prof.ª Drª. Cristiany Rocha Azamôr que dedicaram parte do seu tempo para essa
avaliação.
Nenhuma época acumulou sobre o homem tão numerosos e diversos
conhecimentos como a nossa [...] Nenhuma época conseguiu tornar esse
saber tão pronta e facilmente acessível. Mas nenhuma época tampouco
soube menos o que é o homem (HEIDEGGER, 1997).
RESUMO

A presente monografia foi elaborada com o intuito de identificar os pontos de


interseção entre o aumento dos casos de psicopatologias e as mudanças nas
relações sociais através da pesquisa bibliográfica. Foi utilizada a base
Fenomenológica-Existencial para compreender o adoecimento psíquico e a
psicopatologia fenomenológica, perpassando por conceitos como responsabilidade,
liberdade e angústia. As posições de não-liberdade postuladas por Kierkegaard
também foram importantes para essa conclusão por apresentar possibilidades de
posturas do Dasein como formas de desvio da responsabilidade perante a liberdade
inerente ao ser. Além disso, foram estudadas as diferentes nomenclaturas atribuídas
à sociedade como Sociedade Disciplinar, dos Consumidores, Líquida e, por fim,
Sociedade do Desempenho. Traçando, com isso, o cenário da atualidade e as
consequências das alterações sociais no psiquismo dos sujeitos. As principais
psicopatologias aqui discutidas são referentes aos transtornos de humor,
psicossomáticos e o abuso de álcool e outras drogas, pois se mostraram como as
mais presentes nos dias de hoje. Enfatizando os princípios da fenomenologia e do
existencialismo, concluiu-se que as alterações do tempo, da interiorização dos
fenômenos pelos sujeitos, da produtividade e consumismo são as principais marcas
da atualidade na influência do psiquismo social. O tempo, que hoje parece ser cada
vez menor para a infinidade de tarefas que se apresentam aos sujeitos pode leva-lo
a uma preocupação excessiva com o futuro, o que poderia ser uma forma de limitar
seu horizonte de possibilidades diante da angústia gerada. O não interiorizar, não
refletir ou contemplar demonstrou a incapacidade do sujeito contemporâneo de
pensar por si só, sobre quem ele é, sobre suas possibilidades e sobre o mundo que
o cerca, levando a relações vazias de sentido.

Palavras-chave: Fenomenologia-Existencial. Sociedade. Contemporaneidade.


Adoecimento psíquico.
ABSTRACT

This monograph was prepared in order to identify the points of intersection between
the increase in cases of psychopathology and changes in social relationships through
bibliographic research. The Phenomenological-Existential basis was used to
understand psychic illness and phenomenological psychopathology. Going through
concepts such as responsibility, freedom and anguish. The positions of non-freedom
postulated by Kierkegaard were also important for this conclusion, as they present
possibilities of Dasein's postures as forms of deviation from responsibility towards the
inherent freedom of being. Furthermore, the different nomenclatures attributed to
society as a Disciplinary Society, Consumers, Liquids and, finally, Performance
Society were studied. Thus, tracing the current scenario and the consequences of
social changes in the subject's psychism. As the main psychopathologies discussed
here, they are related to mood disorders, psychosomatics and abuse of alcohol and
other drugs, which are shown to be more present nowadays. Emphasizing the
principles of phenomenology and existentialism, we concluded that changes in time,
the interiorization of phenomena by subjects, experimentation and consumption are
the main marks of the present in the influence of social psychism. The time, which
today seems to be less and less for the multitude of tasks that are presented to the
subjects can lead to an excessive concern with the future, which could be a way to
limit their horizon of possibilities in the face of the anguish generated. Not to
internalize, not to reflect or contemplate demonstrated the incapacity of the
contemporary subject to think for himself, about who he is, about his possibilities and
about the world around him, leading to empty relationships of meaning.

Keywords: Phenomenological-Existential. Society. Contemporaneity. Psychic illness.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8
1 ADOECIMENTO PSÍQUICO............................................................................. 11
1.1 FENOMENOLOGIA ......................................................................................... 12
1.2 EXISTENCIALISMO......................................................................................... 16
1.3 TEORIA FENOMENOLÓGICA-EXISTENCIAL E CONCEITOS ...................... 19
1.4 PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA ..................................................... 24
2 RETRATO DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ......................................... 27
2.1 HISTÓRICO DAS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS ......................................... 29
2.2 SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA PELA VISÃO DE BYUNG-CHUL HAN ... 35
3 O ADOECIMENTO PSÍQUICO NA SOCIEDADE ............................................ 42
3.1 A BUSCA COMPULSIVA PELA LIBERDADE ................................................ 44
3.2 PERDA DO EU E NARCISISMO ..................................................................... 46
3.3 SUPERFLUICIDADE ....................................................................................... 49
3.4 POSSIBILIDADES DA FUGA .......................................................................... 52
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 57
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 62
8

INTRODUÇÃO

O crescimento da patologização da vida é um fenômeno que vem se


expandindo nos últimos anos concomitante aos processos de modificações sociais,
econômicas e políticas. Cabe aqui questionar qual seria a relação entre estes
cenários atuais, no campo da psicologia, com o objetivo de verificar a sincronicidade
que se apresenta entre os avanços da atualidade e o aumento progressivo de
sujeitos com inúmeros diagnósticos de transtornos mentais.
Especificamente os transtornos de ansiedade, depressão e as compulsões
ganharam foco no final do século XX e, associados ao ritmo acelerado deste tempo,
caracterizam o sujeito contemporâneo sem tempo, sem pausa, ocupado com o
“fazer dinheiro” e obter sucesso. O indivíduo atual não se permite adoecer, muito
menos se curar.
Em primeiro momento, busca-se compreender os conceitos de saúde e
doença no âmbito psicopatológico e, a partir disso, os termos adoecimento e
sofrimento serão utilizados como sinônimos no sentido de padecer a um mal-estar
psíquico. Sendo tais conceitos explorados, torna-se possível entender o processo de
adoecimento da subjetividade em seu movimento duplo de influência com o meio,
em que um torna o outro psiquicamente doente.
Antes de esclarecer como ocorre a construção das subjetividades
caracterizadas/consideradas como ansiosas, depressivas e demais psicopatologias
da atualidade, é importante assimilar a partir de uma base fenomenológico-
existencial como tudo isso atravessa o psiquismo. Por esse motivo, foram estudados
conceitos e métodos da psicopatologia influenciada por Heidegger, Binswanger,
Boss, Merleau-Ponty. Além dos pensamentos existenciais de Sartre e
fenomenológicos de Husserl.
A abordagem Fenomenológica-Existencial modifica o modelo clássico
psiquiátrico de se pensar a doença e o adoecer. O que antes era visto como,
simplesmente, causa e efeito de uma alteração orgânica, agora será pensado como
modo do sujeito ser no mundo. Por esse motivo, a nova proposta se mostrou ideal
para compreender os sujeitos como únicos e as experiências de adoecimento como
singulares.
9

Sendo o principal objetivo aqui a compreensão, através do olhar


fenomenológico-existencial, de como o sujeito tem adoecido psiquicamente na
atualidade, outro ponto que se faz necessário destacar, são as modificações da
sociedade do século XXI. Autores como Bauman e Han também auxiliam na
interpretação de como as relações sociais se modificaram e quais subjetividades a
sociedade tem produzido. Discorre-se sobre a necessidade constante de produção,
uma busca eterna pelo sucesso e a possibilidade do fracasso. Neste recorte,
entende-se que seriam essas exigências agravantes do adoecimento psíquico,
levando a depressão, ansiedade, entre outros transtornos de humor e
somatoformes.
Portanto, a questão no presente trabalho seria: como a sociedade tem
adoecido psiquicamente? E, a partir disto, entender os processos sociais da
contemporaneidade e de que forma produzem espaço fértil para o crescimento de
sofrimentos psíquicos, como a depressão e a ansiedade a partir de um olhar
fenomenológico existencial. Para isso, será necessário identificar quais as principais
psicopatologias da sociedade contemporânea, além de verificar como a sociedade
têm se constituído e a influência das relações sociais no processo de adoecimento.
Com o crescimento de reportagens e artigos sobre um possível aumento de
incapacitações por questões psicológicas, casos de suicídio e relatos de clientes em
supervisão, notou-se um déficit nos estudos da psicologia sobre o tema. Cenário que
poderia influir na clínica psicológica, visto a importância que possui o entendimento
sobre os fenômenos psíquicos atuais para o profissional. Ao compreender que o
objeto de estudo da Psicologia são os processos mentais e comportamentais, faz-se
necessário o estudo das possíveis fontes do adoecimento psíquico. Ou seja, o
psicólogo que busca conhecer como o social atravessa os sujeitos, pode expandir
sua compreensão do fenômeno psíquico.
Através da pesquisa bibliográfica foi possível compreender melhor como os
autores pensam o adoecimento psíquico e a sociedade. Esse modelo de pesquisa
permitiu um amplo estudo das bases teóricas da abordagem fenomenológico-
existencial e do que se pode pensar a respeito do sofrimento psíquico e suas
possíveis fontes sociais na contemporaneidade.
O primeiro capítulo tem o propósito de introduzir a teoria base para o trabalho
apresentando os principais pensamentos da Fenomenologia e do Existencialismo.
10

Por meio das concepções de pensadores importantes para a teoria como Heidegger,
Kierkegaard e Sartre, foram expostos os conceitos necessários para a apreensão do
que é o adoecimento psíquico. Além disso, o capítulo expõe as diferenças
marcantes entre a psicopatologia clássica e a fenomenológica, fundamentais para o
embasamento do que seriam consideradas saúde e doença na Psicologia.
Os principais pontos do capítulo são a noção de que o sujeito é inseparável
do social e também a afirmativa de que apenas o próprio pode significar sua
existência e seus fenômenos cabendo a ele a responsabilidade por sua posição nas
relações com mundo interior e exterior.
Em continuidade ao tema proposto, o segundo capítulo contém um panorama
da sociedade contemporânea embasada, principalmente, pelos pensamentos de
Byung-chul Han, que se mostrou como um atualizador das teorias de sociólogos
como Foucault, Deleuze e Baudrillard. Também foram explicitados os pensamentos
de Bauman a respeito das mudanças da Sociedade dos Produtores para os Tempos
Líquidos em diálogo com a base contemporânea de Han.
Por fim, no capítulo três foi feita a união dos pensamentos expostos
anteriormente visando o esclarecimento do tema deste trabalho. O princípio dessa
junção seria responder de que forma as configurações sociais na atualidade têm
contribuído para o crescimento do número de sujeitos psicologicamente adoecidos.
A correlação da teoria Fenomenológica-Existencial com os pensamentos
sociológicos concluiu que existem diversos fatores atuais que influem diretamente no
psicológico dos indivíduos de diversas maneiras, alterando principalmente a maneira
como se relacionam com o meio.
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1 ADOECIMENTO PSÍQUICO

Ao pensarmos em adoecimento é comum relacionar o termo diretamente às


enfermidades de natureza física e biomédica. A busca pela compreensão do
adoecimento psíquico ainda é recente se comparada com a história dos estudos do
adoecimento físico, mas já conta com diversos artigos, pensadores e adeptos.
Para estudarmos o adoecimento psíquico, é necessário abordar o que é
considerado como saúde mental. Historicamente falando, o conceito de saúde
mental vem sendo aprimorado ao longo dos anos, conforme vão sendo
compreendidas as particularidades que influenciam na mesma. Viapiana, Gomes e
Albuquerque (2018) afirmam que, em 1964 a Organização Mundial da Saúde (OMS)
definiu como saúde o perfeito bem-estar físico, mental e social, deixando de
considerar que o indivíduo que apresentasse ausência de doença ou enfermidade
como saudável apenas por estes fatores, buscando entender outras questões para
uma vida saudável, como ambiente, dieta, fatores sociais, trabalho, moradia, entre
outros.
Diante desses fatores, essa conceituação de saúde dada pela OMS sofreu
críticas, pois se todos estes pontos fossem considerados, seria impossível atingir o
completo bem-estar ou saúde. Nesse aspecto proposto está enquadrada a saúde
mental, que é definida pela OMS (2018) como um estado no qual um indivíduo
percebe suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode
trabalhar produtivamente e é capaz de contribuir para sua comunidade.
A OMS (2018) levanta também diversos fatores considerados determinantes
para a saúde mental, incluindo os sociais, ressaltando que pressões
socioeconômicas são um risco para a mesma. Além desses, outros fatores que
contribuem para o adoecimento psíquico são as rápidas mudanças sociais, exclusão
social e seu estilo de vida.
A possibilidade de o adoecimento ser de ordem psíquica levanta o
questionamento do que seriam considerados saúde e doença nesse âmbito, visto
que se torna mais acessível o diagnóstico da doença física a partir de exames
laboratoriais, os quais não definem o psiquismo. Tal questionamento fomentou a
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investigação em diversos campos do saber na psiquiatria e na psicologia. Assim,


cada abordagem psicológica construiu sua forma de pensar tais enfermidades.
Outro fator que incentiva o estudo do sofrimento psíquico é o crescente
aumento dos diagnósticos em transtornos mentais. De acordo com os dados da
OMS analisados por Viapiana, Gomes e Albuquerque (2018), a depressão, o abuso
de álcool e a esquizofrenia estão entre as vinte principais causas de incapacidade,
estimando que a depressão afeta cerca de 350 milhões de pessoas. As autoras
também apresentaram dados indicando que cerca de 20% a 56% da população
adulta apresenta transtornos de ansiedade, humor e abuso de álcool.
Com o crescimento dos diagnósticos no campo psicológico, os estudos e
pesquisas a respeito do tema também evoluíram, originando diversas teorias para
tratar do assunto, cada uma com suas metodologias e diretrizes. Uma das principais
abordagens que estudou o adoecimento psíquico é a teoria Fenomenológico-
Existencial, sendo esta amplamente difundida nos dias atuais. Esta teoria se baseia
nos princípios existencialistas e fenomenológicos, unindo-os para buscar entender a
essência dos fenômenos para os sujeitos, sendo estes compreendidos como seres
em relação com o mundo.
O adoecimento psíquico então compreendido pela base Fenomenológico-
Existencial se diferencia de qualquer método científico da psiquiatria clássica. Para
além do estudo biológico e mecanicista, têm-se aqui duas linhas fundamentais para
a compreensão do sujeito em sua singularidade no modo de existir: a
Fenomenologia e o Existencialismo.

1.1 FENOMENOLOGIA

A Fenomenologia, fundada por Edmund Husserl surgiu como um método de


apreensão do fenômeno puro, tal como se apresenta. O método tem por objetivo
indagar e descrever a experiência, para depois levar em consideração os sentidos e
significados do ocorrido para o sujeito. De acordo com Reynolds (2013), Husserl
articulava sobre uma ciência que descreveria as experiências sem qualquer
interferência teórica. Com isso, pode-se ir a fundo à investigação analisando as
diversas formas deste se manifestar, em busca da sua essência.
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Segundo Tenório (2008), a essência do fenômeno seria o ponto central que


une e dá significado às suas múltiplas possibilidades de manifestações, o que torna
o homem singular em todos os aspectos. Ou seja, cada sujeito age, pensa e se
expressa de maneira única com probabilidades infinitas de combinações, permitindo
a criação de diversas contingências e signos para tais.
Buscando entender a natureza do fenômeno e somente a ele num primeiro
momento, é possível partir para a interpretação que o indivíduo faz do fato e como
isso o atingiu de forma mais assertiva, pois esta se dá subjetivamente em
intensidade e significado para cada sujeito. Entretanto, apesar de a Fenomenologia
tratar-se do estudo do fenômeno da forma como se apresenta, esta não é limitada à
simples descrição do evento, trata-se de um método utilizado para se compreender
uma específica concepção de realidade trazendo ao conhecimento os fatos ou
dados que serviram de base para tal consciência do individuo.
A proposta de Husserl ao fundamentar a Fenomenologia seria, portanto, a
investigação da consciência, por entender que todas as vivências se dão por ela.
Além disso, como ressalta Ewald (2008) “a consciência é intencional, isto é, sempre
consciência “de” alguma coisa” (p.152). Fazendo, dessa forma, com que a
consciência esteja interligada com a intencionalidade, definida por Husserl (1965
apud EWALD, 2008) como uma marca fundamental da consciência devendo sempre
estar voltada a um fenômeno.
Ewald (2008) ainda acrescenta que tal consciência possibilita a apreensão do
fenômeno em si a partir do princípio de que esta é fluxo de atos e vivências
intencionais. Compreendendo-se então que sempre há intenção na consciência, pois
ela se dá na relação entre o homem e o mundo. Ou seja, não há pré-determinação
do psiquismo para além da vivência, é no ato que ocorre a intenção concomitante ao
fenômeno.
O método proposto por Husserl, de acordo com Feijoo (2011), é lido como
antinatural, pois consiste em uma análise e reflexão baseada na suspensão dos
pressupostos em frente ao fenômeno, resultando em uma postura analítica que
busca chegar à “nudez’’ e originalidade dos fatos, e é a partir deste ponto que
Husserl busca analisar a consciência.
Ao se deparar nessa análise da consciência e sua intencionalidade, Husserl
propõe então a redução fenomenológica (epoché) que nos remete à sua máxima “às
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coisas elas mesmas”, referindo-se, então, a uma tentativa de estudar o fenômeno


em sua originalidade. A respeito disso, Martins (2006) diz que a epoché:

procura enfocar o fenômeno, entendido como o que se manifesta em seus


modos de aparecer, olhando-o em sua totalidade, de maneira direta, sem a
intervenção de conceitos prévios que o definam e sem basear-se em um
quadro teórico prévio que enquadre as explicações sobre o visto (p.16).

Epoché na fenomenologia seria, portanto, deixar entre parênteses todos os


conceitos, pré-definições, suposições, teorias e entendimentos pessoais que
usamos para significar as coisas, para só então, sem intervenção ou qualquer
influência, a consciência seja capaz de captar o âmago da essência do fenômeno.
Tenório (2008) define como principal objetivo do método fenomenológico a
descrição das vivências visando compreender o significado que cada sujeito dá às
suas formas de relação com o mundo. Para a autora, o psiquismo está ligado ao
mundo inseparavelmente, de maneira que “toda vivência é uma forma de relação
que o sujeito estabelece com os diversos objetos que constituem seu mundo” (p.33),
portanto, permite relacionar o objetivo e o subjetivo, o real e o sentido dado.
A partir dessas teorias compreende-se que a existência é única para cada
sujeito e que somente ele pode expressar seu mundo particular. O outro é
reconhecido como incapaz de dizer sobre o sujeito o que ele pensa, sente, vive.
Com isso, destinando a si a responsabilidade por suas experiências de vida.
Ainda sobre a conceituação de Fenomenologia, temos um conceito provisório
formado por Heidegger (2005) em sua obra Ser e Tempo:

A expressão “fenomenologia” pode ser formulada em grego: legein


taphainomena; legein significa, porém, apophainesthai. Fenomenologia diz,
então, apophainesthai ta phainomena, fazer ver a partir dele mesmo o que
se mostra tal como ele por si mesmo se mostra. Esse é o sentido formal da
pesquisa que a si mesma se denomina fenomenologia. Mas assim, nada
mais se exprime do que a máxima já formulada: “às coisas elas mesmas!”
(p. 119).

Nesse sentido, percebe-se que o autor ao declarar “às coisas elas mesmas”,
parafraseando seu mestre Husserl, pretende demonstrar a necessidade de uma
nova acepção à máxima husserliana, a fim de aprimorá-la. Segundo Seibt (2018),
Husserl buscava desenvolver um caminho de retorno para as coisas de maneira
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mais pura, em contrapartida, Heidegger defendia que o que devia ser novamente
buscado e estudado era o sentido do ser.

Aprofundando essa crítica a Husserl, podemos constatar que a redução


fenomenológica pensada por Heidegger visa uma região inteiramente
inexplorada. Sobretudo porque ele não pode nesse movimento regressivo
repetir a sedimentação da tradição e, com isso, toda tendência para
encobrimento do ser e a ocultação do seu sentido. O lema impulsionador
para voltar “às coisas elas mesmas” quer reconduzir o olhar do ente para o
ser, pois o Dasein é o ente assinalado para pensar toda analítica enquanto
ser-no-mundo. (SOUZA, 2019, p.11)

Husserl incentiva, então, a regressão ao entendimento simples do fato, para


que se busque num primeiro momento enxergar algo como realmente parece ser,
como se apresenta, analisando o fenômeno de forma crua. Enquanto Heidegger
soma este saber visando chegar aos significados atribuídos pelo próprio sujeito
sobre fenômeno.
A hermenêutica–fenomenológica de Heidegger, segundo Feijoo (2011),
apresenta dois aspectos fundamentais: “o eu como transcendente, fluxo temporal;
[...] e a destruição do eu em meio à intencionalidade do ser-aí no mundo” (p. 33), o
que possibilitava a concepção de uma psicologia fenomenológica-existencial. Feijoo
(ibid.) argumentou que Heidegger estava em busca do sentido do ser, baseando-se
no ser-aí, no mundo e na inseparabilidade homem-mundo.
De acordo com Feijoo (2011), Heidegger entendeu que para se aprofundar no
estudo a respeito do ser, era crucial buscar compreender a totalidade dos
fenômenos acerca do ser-aí, pois dessa forma se poderia vislumbrar a essência da
existência. Essa união de pensamentos aproximou a fenomenologia do
existencialismo por seu método de análise, que consiste em estudar a essência do
objeto em questão. Isso fez com que o movimento filosófico do existencialismo se
utilizasse da fenomenologia em suas abordagens.
A busca pela essência do fenômeno se torna mister a partir do momento que
se busca compreender a singularidade de cada ser. Por em suspensão toda e
qualquer concepção individual não se apresenta como uma tarefa simples, mas
fundamental para que seja possível vislumbrar a unicidade do outro. Portanto, os
pensamentos de Husserl e Heidegger formaram base metodológica ideal para o
Existencialismo, partindo do principio do ser como único capaz de dar sentido para
suas vivências internas e externas.
16

1.2 EXISTENCIALISMO

Consolidado por Jean-Paul Sartre entre os anos de 1930 e 1970, o


Existencialismo surge como uma filosofia que rompe com a causalidade. Segundo
Schneider (2005), Sartre pensava uma psicologia contrária ao mecanicismo e a
relação de causa-efeito existente na compreensão do humano. E, dessa forma, pode
responder às questões que ocupavam os cientistas da época, como a problemática
do conhecimento e a objetividade nas ciências. A autora reforça ainda que “o
existencialismo tornou-se uma filosofia clássica, isto é, uma filosofia consolidada,
referência obrigatória para qualquer um que queira pensar a realidade humana”
(SCHNEIDER, 2005, p.1), isso porque fomentou uma problemática a respeito da
busca pelo entendimento da realidade humana.
Considerado pai do existencialismo, Sartre postulou sobre diversos aspectos
da existência como o ser e sua relação com o mundo, com o maior foco na liberdade
inerente ao homem. Suas principais referências para início de seus estudos foram a
fenomenologia de Husserl e a concepção de ser-aí de Heidegger.
Schneider (2005) afirma que desde o início de sua incursão filosófica, Sartre
buscava trabalhar uma filosofia que se opusesse àquelas que entendia como
abstratas, desejando obter compreensões objetivas a respeito do homem em sua
individualidade. Estes pensamentos levaram Sartre a buscar conhecimento na
fenomenologia fundamentada por Husserl, sendo então essa uma das diretrizes
filosóficas que constituem o método da teoria Existencialista.
As influências da fenomenologia husserliana nas obras de Sartre foram
marcadas pelos pensamentos da ontologia comum a ambos. Com isso, para além
de um método, Sartre, como postulado por Pessanha (1987), se utilizou de
conceitos como a intencionalidade da consciência para fundamentar as questões tão
importantes para seu existencialismo da essência e da liberdade.
Portanto, o foco de Sartre nas investigações a respeito do sujeito no seu
sentido mais amplo, o levaram à multiplicidade da existência do ser. Como
acrescenta Flynn (2013), com estes fundamentos ontológicos, Sartre entendeu que
o ser transcende o fenômeno. O autor postula que apesar de estarmos sempre
presentes em um momento ou situação, nossa consciência ultrapassa o fato, o que
torna qualquer situação indeterminável e cada sujeito singular.
17

Schneider (2005) aborda como princípio do estudo do existencialismo, a


importância do homem como ser-no-mundo ao afirmar que “não existe mundo sem
homem nem homem sem mundo” (p.10). Isso se dá a partir do entendimento de que
o mundo é constituído através do homem, de suas escolhas, interferências e
significações e, em contrapartida, o homem o é porque o mundo lhe apresenta
oportunidades e possibilidades de nuances existenciais a partir daquilo que escolhe
fazer.
Este ponto é reforçado por Abbagnano (1984) quando afirma que o
existencialismo surgiu da necessidade de uma filosofia

que seja concebida e se exerça como análise da existência, desde que por
’existência’ se entenda o modo de ser do homem no mundo. O
existencialismo é assim caracterizado, em primeiro lugar, pelo fato de
questionar o modo de ser do homem; e, dado que entende este modo de
ser como modo de ser no mundo, caracteriza-se em segundo lugar pelo fato
de questionar o próprio ‘mundo’, sem por isso pressupor o ser como já dado
ou constituído. A análise da existência não será então o simples
esclarecimento ou interpretação dos modos como o homem se relaciona
com o mundo, nas suas possibilidades cognoscitivas, emotivas e práticas,
mas também, e simultaneamente, o esclarecimentos e a interpretação dos
modos como o mundo se manifesta ao homem e determina ou condiciona
as suas possibilidades. A relação homem-mundo constitui assim o tema
único de toda filosofia existencialista (p. 127).

Portanto, Abbagnano acreditava que o existencialismo trata-se do


questionamento da existência do homem no mundo e da definição de mundo
perante o homem. É neste ponto que o existencialismo se depara com a
subjetividade do ser, porém no modelo de pensamento de Sartre, esta subjetividade
é apenas um processo para se chegar na objetividade.

A condição para a ocorrência desse fenômeno é o fato de o homem ser,


inelutavelmente, corpo/consciência. O corpo é seu primeiro contato com o
mundo, a consciência é sua condição, inevitável, de estabelecer relações.
Dessa forma, o sujeito é um conjunto de relações: com a materialidade que
o cerca, com seu corpo, com o tempo, com os outros. (SCHNEIDER, 2005,
p.10)

Sendo o homem um conjunto de relações entre si mesmo e o mundo, é que


se entende melhor a subjetividade citada, pois estas relações são diferentes para
cada indivíduo. Não seria possível negar os diversos fatores como a sociedade que
está inserido, o momento histórico vivenciado, as condições materiais de que dispõe
e todos os aspectos que envolvem o sujeito e sua conexão com as coisas.
18

Sartre (2010) afirma que o primeiro princípio do existencialismo seria: “O


homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo’’ (p.4), baseado na sua
máxima “a existência precede a essência”, remetendo novamente à subjetividade.
Para o pensador, o homem só o é quando se encontra, se projeta e se define a partir
de sua própria experiência e suas próprias escolhas. O autor ainda reforça essa
ideia quando afirma que o “homem nada mais é que o seu projeto; só existe na
medida que se realiza; não é nada mais que o conjunto dos seus atos, nada mais
que sua vida’’ (p.11), levando a entender que o homem escolhe quem é ou quem
será a partir daquilo que escolher para fazer parte do seu projeto de vida, sendo
cada um responsável por si mesmo e pela imagem do homem.
Tratando-se do projeto, Schneider (2005) o define como o “desejo de ser”, se
totalizando pela busca do homem em seus objetivos, pois este, de forma obrigatória,
se move em direção ao seu futuro, àquilo que deseja se tornar, onde cada escolha e
decisão tomada contribui para o projeto.
Dessa forma, o homem teria profunda e total responsabilidade daquilo que
escolhe ser, tanto para si quanto para o restante da humanidade. Se amou, se fez
amizades, se construiu uma carreira ou não, é de seu mérito e de sua exclusiva
culpabilidade, não podendo fugir de sua atribuição quanto ao resultado de sua
própria existência. O homem constrói sua essência à medida que se relaciona com o
mundo, realizando escolhas que são de sua inteira responsabilidade que refletem
em sua existência e na existência da sociedade.
Além de Sartre, o Existencialismo também teve influência dos pensamentos
de filósofos como Heidegger, Merleau-Ponty e Beauvoir. Estes e outros que
pensavam as questões existenciais como a liberdade, responsabilidade e a morte.
Reynolds (2013) trata de temas fundamentais do existencialismo, que são:

Liberdade; morte, finitude e mortalidade; experiências fenomenológicas e


disposições como angústia (ou ansiedade), náusea e tédio; uma ênfase
sobre autenticidade e responsabilidade assim como a tácita condenação de
seus opostos (inautenticidade e má-fé); uma sugestão de que a
individualidade humana tende a ser obscurecida e negada pelos costumes
sociais comuns da multidão, e, possivelmente, um pessimismo sobre as
relações humanas per se (devido à influencia da dialética senhor-escravo
de Hegel sobre Sartre e de Beauvoir); uma rejeição de qualquer
determinação externa de moralidade ou valor, incluindo certas concepções
de Deus e a ênfase na racionalidade e no progresso que foram destacadas
durante o Iluminismo. (p. 13)
19

A partir da colocação desses temas, percebe-se a extensão da


responsabilidade que o homem tem em sua existência e o que esta pode ocasionar,
como ansiedade ou tédio. E, também, partindo para mais além quando afirma que a
individualidade tende a ser suprimida por ‘’verdades’’ superiores estabelecidas como
um conjunto de regras e costumes para o meio coletivo, assim caminhamos para o
entendimento de como o homem escolhe também a sociedade além de a si mesmo.
Ao compreender o princípio do existencialismo em que a ‘’existência precede
a essência’’, Sartre (1987) entende que não se pode saber o que é antes que exista,
e por isso, então, não se pode falar em natureza humana, pois isto implicaria em
uma predefinição do homem antes de sua existência, afastando-se da ideia de que
houvesse uma essência ou natureza humana previamente pensada por Deus.
Como destacado por Teixeira (1997), as abordagens existenciais destes
pensadores não levaram a uma teoria unificada. A partir de cada um surgiram
diversas abordagens com bases existenciais. Como um de seus pontos em comum,
buscaram na fenomenologia a metodologia de trabalho. E dessa forma, o
existencialismo e a fenomenologia formam a base dessas teorias e sua principal
semelhança.
Os principais conceitos abordados no existencialismo a partir da metodologia
fenomenológica são angústia, solidão, liberdade, morte, escolha, compromisso,
responsabilidade, autenticidade, individualidade e projetos de vida, fazendo-se
necessário observar todas essas condições do homem para o estudo de sua
totalidade.

1.3 TEORIA FENOMENOLÓGICA-EXISTENCIAL E CONCEITOS

A teoria fenomenológica-Existencial se deu a partir de dois pensamentos


filosóficos da época: a fenomenologia e o existencialismo. Segundo Roehe (2006), a
obra publicada por Heidegger, Ser e Tempo de 1927, serviu de base para a
elaboração desta teoria, pois foi nesta analítica que o pensador uniu a metodologia
fenomenológica aos questionamentos acerca dos comportamentos humanos. Com
isso em pauta, a psicologia foi mudando gradativamente e de forma significativa a
forma com que buscava compreender o homem.
20

O pensador Heidegger propõe a singularidade humana como foco principal,


valorizando a individualidade e as verdades do sujeito. Segundo Silva, Feijoo e
Protasio (2015), para Heidegger, o homem está no mundo de forma inseparável.
Este homem, Heidegger chama de Dasein ou ser-aí, buscando um distanciamento
de qualquer predefinição existente para o termo homem. Dessa forma, expandindo o
termo a possibilidades. Sendo assim, sem caracterização prévia, o Dasein busca no
mundo os seus sentidos e significados que, vinculados aos seus modos de ser,
permitirão que ele se movimente.
Feijoo (2011) explica que Heidegger buscava desobjetificar a existência
humana, a fim de se chegar à sua originalidade, pois desta forma é possível
caminhar para uma psicologia ‘’sem objeto, sem eu e sem psiquismo’’(p. 34).
Heidegger trata do caráter originário do ser-aí em sua obra Ser e Tempo utilizando-
se das analíticas existenciais e fenomenológicas propondo uma atitude antinatural
para a busca da compreensão do ser-aí que consiste em deixar de lado o
pressuposto de que “os sentidos e as determinações são dados pelas próprias
coisas – no caso em questão, o sujeito’’(p. 35).
O ser-aí, ou Dasein, proposto por Heidegger, é, segundo Feijoo (2011), um
ser que pode escolher a si mesmo, não sendo nada antes que exerça escolha sobre
aquilo que deseja ser eliminando a ideia de características ou predisposições
essenciais, ou seja, a ideia da existência de uma natureza humana é desencorajada,
o que torna o homem não-generalizável, não podendo ser compreendido de maneira
universal, sendo, então, necessária uma abordagem individualista.
Diante disso, Heidegger discorre que a angústia é um fator determinante da
existência do Dasein na totalidade do ser do homem. Isso se deve à compreensão
de que a mesma é essencialmente humana, pois somente o homem tem o
entendimento do ser e a percepção de sua finitude. Em Ser e Tempo, Heidegger
afirma que “a angústia retira, pois, do ser-aí a possibilidade de, na decadência,
compreender a si mesmo a partir do mundo e na interpretação pública’’ (2005, p.
187) concluindo a existência por si só é angustiante reforçando, assim, a amplitude
da angústia do ser.
Sartre (2010) também acredita que a existência por si só nos permite
compreender a angústia. Como discutido anteriormente, o autor delega toda a
responsabilidade do existir e ser nas escolhas do próprio indivíduo, fazendo com que
21

este comprometimento gere sentimentos como angústia, desamparo, desespero.


Isso se deve à vertente do existencialismo que declara que o homem é angústia por
não conseguir, mesmo que tente, fugir do encargo de escolher a si mesmo e a toda
a humanidade.
Kierkegaard (2010 apud FEIJOO, 2011) trata da mesma como sendo o estado
que antecede toda e qualquer escolha, definindo também o nada como sendo um
gerador da angústia. O autor defende que em frente à todas as possibilidades e
diante da realidade estabelecida a angústia se manifesta, isso porque sendo o
homem o criador de seu próprio ser e de sua própria existência, não pode fugir da
responsabilidade de suas escolhas, angustiando-se frente à todas as possibilidades
de existência que lhe são permitidas. Heidegger (2005) trata ainda do que poderia
vir a ser o objeto da angústia, constatando que a mesma não se trata sempre de um
objeto determinado e sim um ‘’nada enquanto tal’’, é nos perceber finitos diante de
infinitas possibilidades e vontades.
No que diz respeito ao desamparo, Sartre afirma que este caminha junto com
a angústia, pois “o desamparo implica que somos nós mesmos que escolhemos o
nosso ser” (2010, p. 10). Indo um pouco além, o desamparo significa, segundo o
autor, que o homem não encontra nem dentro, e nem fora de si nada a que se
amparar, nem mesmo a Deus, tudo depende apenas de si mesmo.
Entende-se com isto que desamparo e a angústia se manifestam a partir da
responsabilidade do homem de ter de ser algo, de ser responsável por suas
escolhas, seus projetos, nos deparamos com uma imensidão de possibilidades que
o mundo permite ao homem. A inseparabilidade do homem-mundo não permite a
ideia de que o homem tenha uma predestinação, com projeto já definido, esse
projeto se define ao longo da vida diante das escolhas realizadas pelo indivíduo.
No mundo há movimento, fluidez garantida por sua infinidade de
possibilidades. Não podendo ser diferente, ao ponto que nele se formam redes de
sentidos e significados compartilhados. Cada sujeito tem seu “mundo particular”,
constituído pelos sentidos únicos que se formam e se modificam durante toda sua
existência. Uma vez que o ser é com o mundo, em relação constante com o mundo,
seus sentidos e significados se entrelaçam com o externo em um movimento duplo
de ligação. As autoras Silva, Feijoo e Protasio (2015) conceituam os termos
familiaridade e estranheza presentes nas relações que o sujeito estabelece. O
22

primeiro conceito remete às referências encontradas pelo Dasein para que possa se
mover.

Essas mesmas referências fazem com que ele se acostume a responder


sempre do mesmo modo às solicitações do mundo, esquecendo-se de sua
negatividade originária e, portanto, de seu caráter de poder-ser, tomando-se
a si próprio como se fosse um ente simplesmente dado. Quando isso
ocorre, o Dasein pode passar a se ver como objeto, coisa, tendo sempre os
mesmos comportamentos, restringindo suas possibilidades. Ele esquece de
sua condição de estar em jogo no mundo, e pode perder-se de si
(CASANOVA, 2009, p. 123 apud SILVA; FEIJOO; PROTASIO, 2015, p.
283).

Por seu caráter de possibilidades, a experiência pode levar à estranheza


quando há ausência da familiaridade. Nesse caso, há um vazio de determinações às
quais o Dasein poderia se apegar, levando-o à busca por algo familiar. É quando se
abre a possibilidade do Dasein sentir a perda dos sentidos que lhe serviam como
base. Esse aspecto de estranheza, para Binswanger (1955/1977), configura
transtornos como os “existenciais, extravagância, excentricidade e amaneiramento”
(SILVA; FEIJOO; PROTASIO, 2015, p. 286). Ou seja, a loucura poderia ser
considerada a perda dos sentidos pelo estranhamento.
A influência existencialista traz os conceitos de liberdade, escolha e
responsabilidade para se pensar a subjetividade. Sua filosofia propõe que todo
homem é livre, mesmo diante dos determinismos existentes. E é por seu caráter de
liberdade que o humano se torna responsável, agente de escolhas que movem o
existir pelas infindáveis possibilidades. Com isso, de acordo com Tenório (2008), o
sofrimento e a angústia se tornam inevitáveis. A condição de humano responsável
por suas escolhas diante da sua liberdade imanente gera angústia exatamente por
ser vivida somente por si mesmo.
Sempre que o homem estiver em uma situação onde tem diversas
possibilidades de escolha, é de sua inteira responsabilidade se decide se acomodar,
aceitar ou combater a situação, bem como as consequências de sua escolha
também são de sua incumbência. Sartre (2010) afirma que a consciência da
liberdade de escolha e da responsabilidade que isso significa para o homem, traz
sensação tanto de poder quanto medo, por saber que não pode delegar a outro a
culpabilidade por aquilo que escolhe.
23

Sendo o mundo oceano de possibilidades, uma forma de sofrimento seria a


restrição delas ou o fechamento do indivíduo para as possibilidades, o que pode
levar o sujeito ao pensamento de não ter escolhas. “Sem liberdade de escolha, a
pessoa vive a sensação de estar encurralada pelas circunstâncias da vida, sentindo-
se impotente para modificá-las, submetendo-se a elas, num sacrifício alienante e
inevitável” (TENÓRIO, 2008, p. 37).
A restrição pode ocorrer exatamente por uma tentativa do homem de fugir da
angústia das escolhas. Feijoo (2008) denomina esta condição como “posição
psicológica de não-liberdade diante de sua situação”, e ainda diferencia três
possibilidades de manifestação segundo o pensamento de Kierkegaard: “pelo
hermetismo, pela perda somato psíquica da liberdade ou pela perda pneumática da
liberdade” (p. 5).
No hermetismo, a perda de liberdade se dá pelo bloqueio da comunicação.
De acordo com Protasio (2008), “faltaria ao hermético a auto-comunicação e a
comunicação com o outro” (p.10). Seria, portanto, um fechamento de si. O sujeito
oculta aquilo que lhe parece intolerável, afastando-o de sua liberdade a partir do
momento que perde a autenticidade consigo e com os outros.
A perda somato psíquica da liberdade diz respeito à expressão através de
sintomas corporais de sua angústia. Protasio (2008) afirma que nesse caso a
comunicação verbal dá lugar às queixas corporais. A autora cita que para
Kierkegaard, a liberdade aqui se perde no “desconhecimento ou na indiferença pela
maior consciência e retomada da liberdade” (p. 10). Ou seja, o sujeito se queixa de
seus sintomas corporais, porém, não assume a responsabilidade por suas questões
psicológicas.
Por fim, a perda pneumática da liberdade se difere das anteriores, pois agora
há a comunicação verbal. Entretanto, o sujeito não interioriza sua realidade, se
comunicando a partir de verdades abstratas. Ele não se conscientiza da sua
liberdade e mantém discursos vitimização. “Justificar-se pelas circunstâncias ou pelo
temor das consequências fundamenta o modo de agir” (PROTÁSIO, 2008, p.11).
Essa posição se apresenta em contraste com o que o sujeito sente por uma tentativa
de não demostrar e reconhecer tais sentimentos.
O sujeito contemporâneo se apresenta facilmente afastado de sua liberdade
seja pelo hermetismo, pela somatização ou pela vitimização. Justamente pela
24

angústia que lhe é própria diante da imensa responsabilidade por sua liberdade. Ao
temer sua realidade e encarar suas escolhas, o homem se abstém de reconhecer
sua infinidade de possibilidades.
Para além das interpretações teóricas da fenomenologia existencial há no
mundo atual a necessidade de categorização e interpretação dos adoecimentos de
natureza psíquica, dividindo o sujeito em DSM1 e CID2. Partindo da necessidade de
especificação do que seriam os transtornos mentais e do que seria considerado
saúde e doença formou-se o campo da psicopatologia, encarregado dos estudos
acerca dos possíveis adoecimentos de origem psíquica.
A princípio a psicopatologia era associada á psiquiatria, estudando o biológico
e a descrição de comportamentos. Com isso, os pensadores fenomenológicos,
existenciais e humanistas posicionaram-se com a proposta de uma nova visão sobre
os transtornos psíquicos, pontuando diferenças fundamentais entre estas maneiras
de compreender o sujeito em adoecimento.

1.4 PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA

A psiquiatria clássica concebe a doença pela redução diagnóstica tendo como


objetivo a mensuração com base em normas consideradas equivalentes aos sujeitos
medianos saudáveis, esse modelo pressupõe uma disfunção ou perturbação
fisiológica que poderia levar a uma alteração do psiquismo. De acordo com
Binswanger (1955 apud TÖPFER, 2013), a psiquiatria visa a relação biológica dos
sintomas, supondo a partir da forma de funcionamento orgânica do psíquico. Töpfer
(2013) acrescenta que é a partir dessa concepção de doença e saúde da
psicopatologia clássica que surge o valor de deficiência ou restrição ao
adoecimento, encontrando-se aqui a principal diferença do modelo clássico para o
modelo fenomenológico da psicopatologia, o qual pretende pensar o homem no seu
modo de ser como um todo, distanciando-se dos conceitos de saúde e doença
existentes.

1
Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais em inglês Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders.
2
Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde.
25

Ao distanciar-se desses conceitos de saúde e doença, a psicopatologia


fenomenológica leva à reflexão em relação aos sintomas aqui divididos em objetivos
e subjetivos. Partindo deste ponto, pode-se compreender que o adoecimento é uma
alteração do estado de saúde do indivíduo que Dalgalarrondo (2008) descreve de
acordo com diversas perspectivas que tentam conceituar saúde e doença. Dentre
estas perspectivas, a saúde é definida, a partir da interpretação fenomenológica-
existencial, como o reconhecimento da liberdade que se tem para percorrer suas
possibilidades no mundo. O autor ainda destaca a visão de pensadores da mesma
linha sobre o adoecimento psíquico como a perda da liberdade inerente ao humano.
No que diz respeito à psicopatologia, a fenomenologia acompanha um
enfoque existencial como proposto por Heidegger que a inicia em Ser e Tempo
(1927). Através da psicopatologia fenomenológica, é possível ter uma visão
heideggeriana dos transtornos e, para Melo, Boris e Stoltenborg (2009), os
pensamentos de Heidegger inspiraram outros estudiosos a analisar o adoecimento
psíquico de diferentes formas.
Este seria o ponto de partida da psicopatologia fenomenológica existencial,
concebida principalmente por Heidegger, Merleau-Ponty, Minkowski, Binswanger e
Boss. Importantes filósofos, psiquiatras, psicólogos e pensadores que descrevem o
adoecer como um modo de existir, considerando a doença a partir do homem e a
significação que ele dá às suas experiências, indo além do pensamento biologicista
predominante. Estes autores propuseram pensamentos que rompem principalmente
com a causalidade natural dos saberes da psiquiatria clássica, permitindo o
surgimento de uma psicopatologia de base fenomenológica e existencial.
Evidencia-se que a base fenomenológica impede a categorização descritiva
de cada transtorno, pois esta abordagem é centrada no princípio do modo de ser no
mundo. Como explica Karwowski (2015):

A característica essencial da fenomenologia não é apontar para nenhuma


das verdades constituídas, seja pela ciência, filosofia, religião ou senso
comum, e desbancá-las, relegando-as à falsidade (Karwowski, 2005), mas
assegurá-las em sua condição de verdade, e também de provisoriedade,
garantindo-lhes seu status para, imediatamente, as despojar da suposta
condição de serem a única verdade. (p. 63).

Há aqui a quebra das verdades rígidas e mecânicas da psiquiatria clássica. A


essência do fenômeno se torna o ponto central para compreender como o sujeito se
26

posiciona no mundo em sua totalidade. Assim, as psicopatologias, como


esquizofrenia, depressão e todas as demais, se tornam modos de ser que só podem
ser significados pelo próprio sujeito.
Teixeira (1997) explicita que as patologias neste campo estariam relacionadas
à fissuras na relação do sujeito com ele próprio, levando á uma postura inautêntica e
alienada. O vazio existencial, o fechamento para liberdade e a paralisia seriam frutos
desse cenário, da mesma forma como afirma o autor, o ser fica limitado para a
existência, como uma grade que o impede de ir e vir para o seu mundo interno tanto
quanto para o externo.
Cabe ressaltar que o campo da psicopatologia fenomenológica ainda é
recente e possui diferentes elaborações. Todas unidas pela fenomenologia e pelo
existencialismo, mas diferentes na formação de seus conceitos e modo de descrição
dos transtornos. Um exemplo disso são os pensamentos de Rollo May e de Ronald
Laing. De acordo com Teixeira (1997), May centralizou seus estudos na concepção
de finitude kierkegaardiana, vendo a angústia como uma negação da morte e
enfatizando a necessidade de aceitação desta para o fluxo existencial. Enquanto
Laing desenvolve sobre o que ele chama de insegurança ontológica que pode levar
o sujeito à perda de si e há questionar sua realidade.
O fato é que, independente da linha de pensamento, o homem para o
existencialismo sempre se encontra em relação com o mundo de forma
indissociável. Ele sempre se encontrará em um meio, em um contexto subjetivo e
objetivo, sendo ele próprio mundo e constituinte do espaço social.
A teoria de base Fenomenológica e Existencial apresentou um novo modo de
ver o outro, buscando sempre um olhar cru, sem interferências de conceitos prévios,
como ensina a Fenomenologia. Da mesma forma como apresentado nas ideias
fenomelógico-existenciais de Heidegger, Sartre, Kierkegaard e outros, a
psicopatologia referenciada por essa linha teórica se volta sempre para os sentidos
e significados do sujeito desviando para um caminho de singularização deste.
27

2 RETRATO DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

O passar dos séculos sempre produziu novidades e grandes mudanças para


a sociedade, como o surgimento de novas tecnologias, novos sistemas e instituições
sociais e mudanças de valores que influenciam diretamente na constituição de uma
comunidade. O movimento histórico muda as relações, as representações, os
deveres e todo o ritmo dos indivíduos sociais. Cada momento tem suas marcas, que
são produzidas pela sociedade e que influem a mesma. Nesse processo, diversos
autores como Michel Foucault, Gilles Deleuze, Zygmunt Bauman e o tão atual
Byung-Chul Han teorizaram sobre a sociedade, seus processos e transformações
psicossociais.
Elliot e Turner (2012 apud MARTINS, 2013) elucidam que a sociologia é a
ciência que estuda o processo de constituição, reprodução e transformação da
sociedade. Para os autores, os conceitos de sociedade vêm sofrendo mutação
juntamente com a sociedade em si, isso se dá devido à quebra de instituições
básicas sociais. Os autores nomeiam como “categoria zumbi” aquelas instituições
que “morreram”, mas continuam vivas, como família ou classe social. Segundo os
autores, um dos conceitos válidos para a sociedade atual seria um espaço para a
ocorrência de relações de força política e econômicas como forma de dominação e
exploração humana.
Muitos foram os conceitos e pensamentos a respeito do corpo social, e muitos
sofrem críticas, mas apesar disto, conceitos anteriormente estabelecidos sobre
sociedade, que incluem relação estado-nação, instituições sociais (família, bairro,
comunidade), entre outros, os autores, Elliot e Turner (2012 apud MARTINS, 2013),
acreditam que algumas dessas análises ainda se mostram presentes no meio atual
e estão sendo ameaçadas pelas extremamente velozes e significativas
transformações sociais políticas, culturais e inovadoras e cada vez mais presentes
tecnologias de comunicação.
Na busca de ressignificar o conceito de sociedade e trazer de volta a
valorização do conceito, Elliot e Turner (2012 apud MARTINS, 2013) uniram os
pensamentos clássicos e contemporâneos a respeito de sociedade, procurando criar
uma centralização de concepções que apreendam a sociedade moderna. Diante
28

desta ponderação, os autores identificaram três conceitos de sociedade, que contêm


argumentos válidos tanto para a teoria quanto para a realidade, sendo eles:
sociedade como estrutura; sociedade como solidariedade e sociedade como
processo criativo.
Essas considerações vão de acordo à sociedade da estrutura proposta por
Elliot e Turner (2012), que entendem que este é o âmbito onde são considerados os
aspectos morais e de conduta que regem as relações, bem como aspectos de
conflito, rivalidade e concorrência dos agentes sociais. A sociedade como estrutura
estabelece uma divisão de atividade dos atores dentro do meio, criando sistemas,
normas e condutas que sirvam de norte para os indivíduos. Os autores ressaltam
que historicamente ocorreram diversas revoluções que buscavam quebrar a
estrutura social e de poder da época, como a revolução industrial, movimentos
feministas, entre outros. Um dos fatores que os autores ressaltam como sendo um
dos combustíveis para o impacto das estruturas sociais, foram as diversas formas de
globalização e as tecnologias de informação, pois estes tornaram mais visíveis as
contradições sociais causando sentimentos de revolta nos grupos menores que não
foram tão beneficiados ao longo dos séculos. Martins (2013) elucida que os
pensamentos clássicos a respeito da sociedade como estrutura, tendem a ser
extremamente moralistas atacando qualquer movimento que trate a respeito de
diversidade cultural que fira aos seus conceitos morais e as normas pré-
estabelecidas, desencorajando revoltas sociais que ameacem as estruturas que
julgam necessárias.
Partindo para o conceito de sociedade como solidariedade, Elliot e Turner
(2012 apud MARTINS, 2013) esclarecem que essa noção tendia a enfrentar os
pareceres individualistas da sociedade, tendo em vista que o homem é capaz de
entender a importância das relações sociais. Esse processo de solidariedade,
segundos os autores, vem do senso de comunidade dos indivíduos, a ciência de que
arranjos sociais em que a individualidade é deixa de lado e a emoção é altamente
presente, como em grupos familiares, unidades culturais e religiosas. Os autores
criticam que muitas das instituições que alimentavam esta solidariedade perderam
as forças na modernidade em decorrência da urbanização, políticas neoliberais e
pela enorme concorrência individual dos dias atuais, porém, identificam ações
solidárias espontâneas que forma uma rede de suporte e apoio.
29

O último conceito de sociedade apresentado por Elliot e Turner (2012 apud


MARTINS, 2013) é o de sociedade criação. De acordo com Martins (2013) este
conceito apresenta uma vertente de afastamento da ideia de instituições de força
social que influam na conduta individual defendido pela sociedade de estrutura e
também o distanciamento dos valores capazes de intensificar relações sociais como
defendido pela sociedade solidariedade. Esta formulação busca incentivar
transformações nas estruturas de poder e a busca pela autenticidade pessoal, busca
a liberdade, iniciativa, o imaginário social, curiosidade, inovação e busca por
comunicação. A sociedade da criação, segundo Elliot e Turner (ibid.), se encontra
sempre sob tensão entre o vislumbre daqui que é possível e os diversos
mecanismos de controle e dominação cultural e social, o que pode resultar tanto
efeitos positivos quanto opressivos.
Diante deste cenário, Elliot e Turner (2012 apud MARTINS, 2013) formularam
o conceito de sociedade elástica, que permite que a mesma seja analisada levando
em consideração as diversas tecnologias de comunicação e automação que tem
mediado as relações humanas, mensurando seus efeitos nos âmbitos sociais,
políticos e psicológicos.
Nota-se que as transformações sociais estão modificando radicalmente toda
estrutura da sociedade, do espaço físico aos aspectos psicológicos dos seus
indivíduos. Esse quadro exige a ressignificação do que é sociedade, visto que as
alterações ocorrem em todos os aspectos desta. Somente assim seria possível
compreender o que é sociedade na atualidade, evidenciando mudanças na moral,
na estrutura, nas relações, nas formas de poder, na comunicação entre seus
indivíduos, em tudo que compreende uma sociedade.

2.1 HISTÓRICO DAS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

É visto que a sociedade tem apresentado mudanças de sistemas e


mecanismos de funcionamento ao longo dos séculos. Com as adaptações
necessárias a cada época, muda-se a distribuição do poder, as formas e estruturas
de governo, valores morais e éticos, posições e classes sociais e tudo isso influi na
forma de agir dos agentes sociais.
30

Foucault (1997/2018) entende que o povo está sob influência de um poder ou


uma rede de poderes que em sua concepção não se limita ao exercido pelo
governo, podendo se estender subjetivamente ao comportamento da coletividade. O
autor pontua que na sociedade soberana, o poder era concentrado integralmente
nas mãos do rei, que exercia autoridade direta sob o corpo do indivíduo, e o controle
era exercido por meio de ameaças de punições aqueles que se distanciassem do
comportamento exigido.
Por meio do estudo de seu livro Vigiar e Punir, Foucault (1997/2018) faz uma
análise do processo de transição e adaptação do corpo social mediante a deposição
da monarquia, entendendo que nessa evolução é que surgiu a sociedade disciplinar.
Ele argumenta que com o fim da sociedade soberana, o manejo do poder passou a
ser feito por meio de um conjunto de ordens que, visando tornar os indivíduos úteis e
disciplinados, passou a exercer sobre eles controle por meio de entidades que
passaram a ter função disciplinar.
Benelli (2004) denuncia que a disciplina domina os espaços, o tempo e, com
isso, o corpo. Não há mais o controle direto dos corpos como na monarquia, em que
o poder permitia a violência direta. Nesse novo modelo de sociedade tudo é
controlado por seriação e classificação, regras e controle dos espaços. Dessa forma,
como afirma o autor, produzindo corpos disciplinados e eficazes. Esses seriam o
principal foco neste panorama. É o controle do poder indireto que age na
produtividade em massa através da organização do tempo e da arquitetura. Os
segundos cronometrados, a organização de filas, separação em celas, toda regra e
seriação que instiga a disciplina e agilidade dos corpos e gestos.
De acordo com Foucault (1997/2018), a disciplina é conseguida por meio do
medo, julgamento e destruição, e com ela os indivíduos tornam-se mais submissos,
podendo ser controlados mais facilmente. Foucault reforça que para isso o indivíduo
era vigiado exaustivamente e moldado para agir de forma contida, utilizando várias
técnicas de controle social em organizações que assim o permitiam, como escolas,
hospitais, hospícios, presídios, fábricas, entre outros.
Principalmente com os avanços nas indústrias e tecnologias, tal corpo precisa
ser produtivo. É necessário formar indivíduos eficazes e, com isso, úteis.
Chevitarese e Pedro (2005) enfatizam que, para Foucault, para o corpo ser
31

caracterizado nestes parâmetros precisa da produção e da submissão. Este seria o


corpo dócil, passivo do poder, constituinte da modernidade.
Os autores destacam que a vigilância se mostrou primordial para o sucesso
das formas de poder modernas. Esse sistema, como afirma Foucault (1999b apud
BENELLI, 2004) ocorre de maneira hierárquica como se fosse uma pirâmide. A ideia
seria de que a vigilância siga verticalmente, mas também horizontalmente,
diferenciando-se do modelo monárquico. Dessa forma, não há apenas um poder
soberano que vigia a todos, mas um poder onipresente onde uns vigiam os outros e
os que estão abaixo na hierarquia. Benelli (2004) caracteriza o poder disciplinar
como aquele “que tudo vê, tudo sabe, sempre atento, alerta, esquadrinhando e
controlando continuamente os indivíduos, através de “olhares calculados” em jogos
ininterruptos, todos vigiam a todos” (p. 242).
A ideia de poder onipresente, onisciente e ininterrupto alimenta o sentido de
submissão dos corpos e é dessa forma que o sistema se renova. Dessa forma, faz-
se um ciclo constante que gera o medo da falha, de se tornar inútil, fortalecendo-se
a todo instante. Neste ponto se diferenciam os premiados dos castigados. Ordem
garantida pelas instituições disciplinares que buscam normalizar os indivíduos com
padrões comportamentais que seriam aceitos socialmente.
Foucault (1997/2018) explica que os comportamentos considerados
aceitáveis na época eram definidos pelos poderes vigentes e transmitidos de forma
a se tornarem novas ‘’verdades’’ para o meio social, os convencendo a agir de
acordo por meio de artifícios criados para vigiar, controlar e moldar a população.
Para isso, eram utilizadas ferramentas de punição para aqueles que se
distanciassem do comportamento esperado, tratando com rigor todas as atitudes
consideradas faltosas até que este estivesse moldado de acordo com as ‘’verdades’’
vigentes.
Aguiar (2015) entendeu que este modelo evoluiu para a sociedade do controle
(Deleuze) quando as principais instituições que formavam a base desse sistema
chegaram ao fim. Com a decadência das organizações de confinamento foi
necessário o estabelecimento de novos meios de controle mais eficazes para o
contexto social, portanto a sociedade do controle seria um desdobramento da
disciplinar. Ainda sobre o assunto, o autor discorre que na sociedade do controle a
32

iniciativa de vigiar não parte somente de um poder estabelecido, mas de todos para
todos.
Passetti (1999) aponta que Deleuze identificou como mudanças da sociedade
disciplinar para a do controle a adaptação das instituições e mecanismos utilizados
para monitorar o povo, como a substituição de fábrica por empresa, a formação
permanente em detrimento da escola, e o controle contínuo no lugar de controle
pontual. Segundo Passeti (ibid.), essa sociedade se utilizou de um sistema
repressivo para repelir os atores sociais à participação neste cenário, tornando-os
úteis. O autor afirma ainda que aqui os indivíduos perdem sua individualidade,
tornando-se um banco de dados para serem utilizados e divididos em nichos de
atuação.
Segundo as análises de Costa (2004), a sociedade do controle é

marcada pela interpenetração dos espaços, por sua suposta ausência de


limites definidos (a rede) e pela instauração de um tempo contínuo no qual
os indivíduos nunca conseguiriam terminar coisa nenhuma, pois estariam
sempre enredados numa espécie de formação permanente, de dívida
impagável, prisioneiros em campo aberto. O que haveria aqui, segundo
Deleuze, seria uma espécie de modulação constante e universal que
atravessaria e regularia as malhas do tecido social. (p.1)

Analisando esta afirmativa, Costa (2004) pontuou aspectos como a


incapacidade de finalizar projetos, percebe-se que este foi um método utilizado pelos
poderes daquela sociedade para controlar o indivíduo, passando uma sensação de
constante transformação, formação e busca, e nunca a conclusão, pois desta forma
se tornaria possível moldar constantemente os conjuntos sociais.
Hardt (2000) pontua que nesta conjuntura do controle, a sociedade desta
época desenvolvia estratégias cada vez mais sutis e imateriais, para que o controle
fosse exercido de forma praticamente imperceptível, evitando assim uma maior
resistência. O autor observa que no lugar de oposição, a massa oferece uma
intensificação na manutenção deste sistema, e agora, livre dos muros da sociedade
disciplinar, o controle encontra-se disseminado e não limitado a lugares específicos.
Outro fator importante denunciado por Deleuze (1990) e destacado por Costa
(2004) é o fato de que os indivíduos neste período perderam sua individualidade, e
as massas tornam-se dados que são analisados para identificar e analisar padrões
de comportamento, estruturando essas informações de forma a gerar estratégias de
controle eficientes, bem como controlar o mercado. Essa quantidade de informações
33

e sua análise, juntamente com a constante observação, resultaria numa espécie de


transparência que aumentaria o poder destas instituições de controle.
A sociedade do controle, portanto, se pronunciava de forma mais sutil e
estratégica para a manutenção de sua influência, buscando colher informações e
entender comportamentos para então buscar controla-los de forma eficaz. Este
modelo de sociedade evoluiu e sofreu alterações nas suas principais instituições,
como família, organizações empresariais e sociais, entre outros.
Bauman (2007) denunciou uma pós-modernidade, nomeando o processo de
transição da modernidade para a pós de “tempos líquidos”. Esse termo remete à
liquefação dos sólidos, é uma metáfora ao processo de desconstrução das sólidas
estruturas estabelecidas na sociedade. Ele enfatiza que as primeiras estruturas a se
desfazerem foram as tradições, as obrigações e os direitos usuais, o que acabou por
interferir em diversas relações sociais, tornando-as frágeis e de pouco
reconhecimento, onde não se investem mais tempo e esforço contínuo para sua
manutenção.
Basílio (2010) reforça esta afirmativa ao declarar que os laços inter-humanos
nos tempos líquidos tornaram-se temporários e frágeis, tornando a sociedade mais
uma “rede” do que uma estrutura, sendo contemplada como uma fonte de conexões
e desconexões que ocorrem de forma aleatória e veloz, além de ocorrer em maior
quantidade para os sujeitos.
Esse desdobramento mudou a percepção do indivíduo que passou a desejar
a liberdade em detrimento da segurança e vida social estável almejada na sociedade
moderna. Assim, as instituições sociais que estimulavam padrões de comportamento
e limitações de escolhas se tornaram obsoletas. Dentre as mudanças destacadas
por Bauman (2007), também está:

o colapso do pensamento, do planejamento e da ação a longo prazo, e o


desaparecimento ou enfraquecimento das estruturas sociais nas quais estes
poderiam ser traçados com antecedência, leva a um desmembramento da
história política e das vidas individuais numa série de projetos e episódios
de curto prazo que são, em princípio, infinitos e não combinam com os tipos
de sequências aos quais conceitos como “desenvolvimento”, “maturação”
ou “progresso” poderiam ser significativamente aplicados. (BAUMAN, 2007,
p.9)

Além da desvalorização das relações sociais, enfraquecimento das estruturas


e do desejo de liberdade, os planejamentos a longo prazo, desenvolvimento de
34

projetos duradouros, progresso e o processo de analisar objetivos futuros também


sofreram impacto nos tempos líquidos, tornando-se inviáveis pela ideia de
“imediatismo” de resultado proposto por essa pós-modernidade, e ainda torna
inteiramente responsabilidade do indivíduo aquilo que decidirem fazer com seus
projetos e suas escolhas.
Basílio (2010) apresenta neste contexto um colapso do pensamento e do
processo de planejamento com antecedência, fazendo com que os projetos
individuais e políticos sejam visualizados a curto prazo. Diante disto, levando os
indivíduos a se deparar com dilemas de situações voláteis e instáveis que ficam sob
responsabilidade deles mesmos, podendo trazer à tona seguranças e incertezas
para os atores sociais.
As análises de Bauman (2007) apontam a incerteza existencial como sendo
um dos males da atualidade. Isso se dá a partir do enfraquecimento das relações
pessoais e da liberdade de escolha que gera incertezas, pois coloca o indivíduo em
direto confronto à sua plena responsabilidade por aquilo que escolhe para viver.
Comparando os tempos sociais, Bauman (2008) apresenta outra linha de
evolução da sociedade que a divide em dois tempos, dos produtores (ou soldados) e
dos consumidores. O autor nomeia como sociedade dos produtores o momento em
que tudo era ordenado e seguro. O foco era cultivar pelo máximo de tempo possível
bens e status. Portanto, assim como as coisas, as atribuições pessoais duravam
anos. Os produtores eram facilmente submetidos a rotinas e trabalhos árduos e,
para eles o trabalho era realizado por amor e obrigação. Diferente dos consumidores
que possuem o dever de consumir excessivamente. Com a fácil disposição em
shoppings e ruas das mercadorias, a nova cultura impregna seus indivíduos com o
dever de consumir. De acordo com Bauman (ibid.) todos ser consumidores por
vocação, sendo esse um dever e um direito social.
Silva (2011) pontua que a transição da sociedade dos produtores para a mais
atual, pela visão de Bauman, se deu de forma gradual em decorrência de diversos
fatores como as revoluções e guerras. Nesse período, os indivíduos foram aos
poucos conquistando a liberdade de escolha. Em contrapartida, se distanciaram das
responsabilidades e se voltaram para o imediatismo. Nessa nova sociedade,
nomeada de “sociedade dos consumidores”, a busca pelo prazer é constante.
35

A todo o momento o sujeito demanda algo para satisfazer o que acredita ser
sua necessidade naquele instante, em meio à enxurrada de opções que lhe são
oferecidas. Como se fosse uma corrida contra o tempo, ganha quem consumir mais.
Nesse quadro, o consumo se estende de objetos à informações, sentimentos e
pessoas.

2.2 SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA PELA VISÃO DE BYUNG-CHUL HAN

Nessa sequência, a contemporaneidade seria marcada, por exemplo, pelas


mídias, pelos smartphones, consumismo, ansiedade e por grandes modificações nas
relações sociais, como os valores e significações das relações, a posição da mulher
na sociedade, as formas de se relacionar (mídias sociais), a postura de vigiar as
atitudes dos indivíduos ao redor, e forma de significar as relações de poder, entre
outros aspectos.
Han (2019a) denuncia uma sociedade impregnada pelo positivismo e seus
sujeitos escravos do desempenho. Nesse novo panorama, o tempo presente é
otimizado para que se possa produzir mais. O autor enfatiza que, dominados pela
economia da eficiência e agilidade perdemos a capacidade de contemplação. Não
há tempo para pensar, estar atento aos detalhes, analisar ou refletir sobre qualquer
coisa, nem mesmo há tempo para estar com o outro, “seu valor é medido apenas
pela quantidade e velocidade da troca de informações” (p. 24) que é permitido pelo
que Han (ibid.) descreve com transparência.
A sociedade positiva também é discutida por Barreto (2019) que afirma que
tal diretriz social não permite qualquer tipo de negatividade, assim, os sujeitos não
se permitem sentimentos como sofrimento e dor, e até mesmo o amor e relações
sociais de afeto são uniformizadas para serem consumidas de forma rasa, sem
qualquer aprofundamento, se tornando assim um acúmulo de informações e
conexões que não produzem verdade.
O curso rápido da informação é a marca da positividade e da transparência,
pois assim não há tempo para que os dados sejam impregnados com a
negatividade. Informações rápidas permitem uma produção mais rápida, a partir do
36

momento em que não é possível se aprofundar nos detalhes, tornando-se


transparentes pela falta de interioridade e reflexão, a informação apenas flui.
Além da necessidade de produzir e obter resultados instantâneos, a
transparência também é uma das características apresentadas por Han (2019a)
como sendo um dos pilares da sociedade. Com isso, ele entende que ser
transparente é afastar qualquer negatividade, não havendo espaço para lacunas,
limites ou vazios e buscando sempre otimizar seus esforços para se tornar cada vez
mais ágil e eficiente, semelhante a máquinas. Esse conceito de transparência influi
ainda no tempo, imagens, ações e até mesmo na comunicação que tendem a ser
cada vez mais limpas e diretas fazendo com que o sujeito não se permita aprofundar
em particularidades, ele apenas está ali para receber e repassar informações,
despojado de qualquer espontaneidade. Para o autor, essas relações transparentes
desprovidas de qualquer espontaneidade e vivacidade são relações mortas,
“totalmente transparente é apenas morto” (HAN, 2019a, p.16).
O aspecto da transparência descrito por Han (2019a) funciona como um
sistema operacional que acelera e estabiliza todos os aspectos e processos sociais,
eliminando o outro ou o estranho, gerando uma uniformização da sociedade. Esse
desenvolvimento caminha em paralelo à desconstrução da negatividade, pois esta
retarda a comunicação rasa do igual que tende a ter uma linguagem formal,
operacional e eficiente. O autor reforça ainda que a transparência é marcada pela
operacionalização das ações, tornando-as mecânicas e controláveis, pois nessa
lógica tudo que é operacional é calculável e isto significa que não há mistério. Para
Han (ibid.) o cálculo leva sempre a um padrão, não permitindo a reflexão, apenas as
certezas. E como afirma o autor, “a sociedade transparente é um abismo infernal do
igual” (p.10).
Barreto (2019) considera que a total transparência nada mais é do que uma
violência para a condição humana uma vez que transforma o sujeito em um
componente funcional de um sistema, sem qualquer privacidade ou particularidade,
trata-se de um excesso de informação e exposição que acelera e uniformiza todos
os processos de comunicação e relação social. A respeito disso, Fernandes (2017)
destaca que nesta sociedade os sujeitos tornam-se seres operacionais que
desenvolvem uma padronização daquilo que querem apresentar, escolhendo partes
37

da vida que querem compartilhar e mesmo com o desejo de se mostrarem


diferentes, por fim se tornam cada vez mais semelhantes para serem aceitos.
Mesmo sendo uma dinâmica padronizada, a transparência não significa
sempre se tratar da verdade, pois faltam a este grande fluxo de informações direção
e sentido. Han (2019a) pondera que “a hiperinformação e hipercomunicação gera
precisamente a falta de verdade, sim, a falta de ser. Mais informação e mais
comunicação não afastam a fundamental falta de precisão do todo. Pelo contrário,
intensifica-a ainda mais.” (p. 25)
A transparência, então, embora permita um fluxo rápido e numeroso de
informações, não garante a veracidade e integridades das informações, aumentando
a incidência na falta de precisão das mensagens emitidas pelos atores sociais,
porém, a compreensão desses fatos é vista como negatividade. No império da
positividade, qualquer forma de reflexão e contemplação são excluídas, pois pensar
demanda tempo e profundidades próprias à negatividade, portanto, avessas à
transparência.
Fernandes (2017) trata sobre a hipercomunicação e a hiperinformação ao
constatar que estas passaram a definir os valores das coisas e relações, que agora
são medidos com base na velocidade em que podem ser transmitidas e consumidas.
Esse fluxo veloz salienta ainda mais a falta de verdade e a falta de ser presente nos
dias atuais, fazendo que se perca o valor das coisas. Esse fator da aceleração, da
necessidade de obter tudo quase instantaneamente impulsiona o sujeito desta
sociedade a desejar viver tudo quanto é possível para se livrar do sentimento de
estar perdendo algo.
Reconhecer limites ou constatar que algo está fora de alcance não é uma
alternativa num ambiente tão positivista como o da sociedade atual. Han (2019b)
ressalta que a negatividade, reconhecida aqui como insuficiência, fraqueza e
limitação, não é admitida neste ambiente operacional que visa sempre extrair o
máximo desempenho do indivíduo, com isso têm-se um corpo social que não
consegue lidar com sofrimento e a dor, visto que esses sentimentos não são
cogitados como possíveis, não é sabido como lhes dar forma e tampouco como
superá-los.
Cunha (2015) identifica que Han diagnosticou uma progressiva
desvalorização da negatividade em favorecimento da positividade, que em seu
38

entendimento foi um processo de substituição de uma sociedade capaz de


compreender o eu e o outro para uma sociedade sem vazios ou lacunas, um
processo de alinhamento de condutas, desejos e saberes. Isso se tornou necessário
para a manutenção da sociedade transparente que não é compatível com qualquer
negatividade, pois esta causa ruídos nas informações e trocas quando tudo precisa
ser transmitido com clareza.
Há no mundo atual o exagero da positividade por uma exigência onisciente de
transparência que Han associa à liberdade de informação. No que diz respeito à
essa liberdade, para que seja realizada com clareza, Han (2019b) assegura que
deve seguir um fluxo simples: receber e repassar, assemelhando-se assim a
máquinas, sem tempo para processamento, absorção ou questionamentos, apenas
repassá-la assim como foi recebida não sendo tolerada qualquer imprecisão. Dessa
forma, a espontaneidade é cada vez mais sufocada para que não haja lacunas na
informação. Para Han (ibid.), o refreamento da espontaneidade e liberdade de ser é
necessário devido à incapacidade do ser humano sequer conseguir ser transparente
consigo mesmo.
O excesso de positividade postulado por Han também pode se conectar às
caracterizações que o sociólogo Zygmunt Bauman atribuiu à sociedade pós-
moderna. Reconhecendo esse novo período como instável e fluido, ele demarca o
fim dos padrões sociais, sendo esse mais uma vez o ponto crucial das mudanças
atuais. Para Bauman (2008) essa quebra de paradigmas desestabilizou a
contemporaneidade por rechear a sociedade com inseguranças, incertezas e
indefinições.
Cunha (2015) apresenta algumas alterações da transparência na sociedade
atual, como a linguagem que se torna formal e maquinal, o tempo que se torna
desprovido de espontaneidade, destino ou liberdade, a ação que passa a ser
calculada, operacional e direcionada, entre outros aspectos. Cunha (ibid.) reforça
que na transparência a comunicação passa a fazer parte de um circuito de
aceleração assemelhando-se a uma maquina em função de reação em cadeia do
igual.
Outro desdobramento proveniente da positividade desta sociedade é a
transformação das coisas em mercadorias. Han (2019a) pontua que neste
parâmetro é preciso expor para ser, pois o valor das coisas e pessoas apenas por
39

sua essência vem sendo substituído pelo valor expositivo. É necessário chamar
atenção para agregar valor, assim, a introspecção, busca de conhecer a si mesmo e
edificar valores internos de nada vale se não for visto. Toda essa exibição
transformou até mesmo o semblante humano em mercadoria e segundo Han
(2019a),
a sociedade exposta é uma sociedade pornográfica; tudo está voltado para
fora, desvelado, despido, desnudo, exposto. O excesso de exposição
transforma tudo em mercadoria que está à mercê da corrosão imediata,
sem qualquer mistério (p.32).

Este valor expositivo vem a ser a essência do capitalismo atual, que submete
tudo e todos a uma exposição totalmente positivista, pois somente esta gera
relevância no cenário atual. Aquilo ou aquele que não expõe tudo de forma
conveniente cai em decadência. Esse aspecto atinge tão profundamente a
sociedade, que o individuo passa a objetificar o próprio corpo, buscando aprimorá-lo
e otimizá-lo, não para o próprio bem-estar, mas para usá-lo como objeto de
exposição, um produto. Parafraseando Sartre, Han (2019a), diz que “o corpo se
torna obsceno quando é reduzido a mera facticidade da carne’’ (p. 69), que assim se
torna quando não tem um direcionamento ou sentido.
Barreto (2019) discorre a respeito das análises de Han sobre a extrema
exposição da sociedade contemporânea que as coisas precisam primeiro ser
expostas, para depois “ser”. Assim, o valor primordial de algo ou alguém não se dá
por aquilo que é em sua essência, mas sim em como se expõe. Essa necessidade
de uma perfeita apresentação chega a interferir no próprio corpo representado em
fotografia digital, onde são corrigidas qualquer negatividade presente na imagem em
decorrência do envelhecer ou de qualquer outro fator que seria considerado
desagradável para a sociedade atual.
Diante de toda essa exposição, Han (2019a) discorre que o espaço público
acaba por se tornar uma espécie de palco, já que todos têm que se expor sempre
em sua melhor forma tornando o mundo uma espécie de mercado onde o que é
exposto, vendido e consumido são as intimidades. No que tange a intimidade, Han
afirma que este modelo de sociedade deixa de lado cerimônias e ritos sociais ao se
relacionar com o outro.
Fernandes (2017) compreendeu a partir dos pensamentos de Han que há nas
relações presentes um fator homogeneizante que só permite espaço para o igual,
40

para aquilo que o agrada e deseja, não deixando espaço para contra narrativas. O
autor esclarece que muitas dessas relações passam a ocorrer nas redes de
comunicação, e é nestes ambientes que a sociedade da transparência encontrou
estratégias para exercer o controle sobre o corpo social, alcançando de forma mais
virtual o controle em todos os espaços da sociedade.
Outro aspecto marcante da sociedade contemporânea, segundo Han (2019a),
é o fim do panóptico, que seria uma teoria de que somos vigiados e observados
levando os indivíduos a generalizar um comportamento típico ou adequado. O fim
deste tipo de panóptico dá lugar ao que Han (2019a) chama de panóptico digital,
onde a ideia de ser vigiado por um único centro é deixada de lado em detrimento da
ideia de ser vigiado por todos. Esse tipo de teoria visa o melhoramento dos atores
sociais, pois criando-se a ilusão de vigilância permanente estima-se que todos
tentarão agir de acordo com o aceitável para não serem julgados.
No panóptico digital os indivíduos participam de forma ativa e pessoal na
manutenção deste sistema ao expor a si mesmo voluntariamente, sem coação
externa e sem pudor, estabelecendo, de acordo com Han (2019a), um mecanismo
de supervisão democrática, onde o superior supervisiona o inferior e vice-versa,
“cada um e todos são expostos à visibilidade e ao controle” (p.109), resultando em
uma sociedade onde todos controlam e vigiam a todos.
Barretos (2019) argumenta que esse novo panóptico digital surgiu em
decorrência do fim da narrativa social. A autora pontua que este novo modo de
vigilância é mais eficaz por não partir de um centro, como era na sociedade
disciplinar, e por não possuir perspectiva. Outro fator que a autora elenca para
enfatizar a eficácia deste panóptico é a sensação de liberdade experienciada neste
modelo, o que permite que os participantes desta rede se comuniquem em grandes
volumes e em grande intensidade, pois há uma ilusão de que estão livres do
controle e vigilância.
Han (2019a) afirma que a lógica considerada por esta sociedade, é a de que
a permanente supervisão é necessária para atingir a transparência que elimina toda
sombra de questionamentos e não saberes. Por este motivo a transparência é aqui
considerada por Han como desconfiança e suspeita, e por isto se apoia tão
fortemente ao controle. Prosseguindo nessa lógica, a sociedade do desempenho
também exerce uma espécie de controle, mas aqui trata-se do controle de si mesmo
41

acompanhado de uma sensação de liberdade. O indivíduo se auto explora em busca


dos melhores resultados, do melhor desempenho, e se torna então auto coagido,
vítima e agressor de si mesmo.
Desde seu princípio a sociedade do desempenho envolve seus indivíduos em
paradoxos como a busca pela libertação dos impulsos e a vigilância constante de si
mesmo. Presos em um ciclo produtivo onde vigia seu desempenho para que seja
sempre produtivo e com isso ser livre. A transparência se mostrou como uma nova
forma de poder sorrateiro, como na sociedade do consumo, porém acentuada e com
meios cada vez mais refinados. O indivíduo é coagido ao espetáculo de sua própria
vida, expondo a imagem de si que deseja passar quando nem mesmo ele consegue
refletir sobre quem ele é. A sociedade apenas segue em um fluxo raso de troca de
informações, rejeitando a profundidade de seus sentimentos, pensamentos,
personalidades, limitando sua relação com o mundo.
42

3 O ADOECIMENTO PSÍQUICO NA SOCIEDADE

A sociedade se transformou e se modificou ao inverter os valores e


reconfigurar as relações sociais e as relações de poder. Sabendo da impossibilidade
de separação entre homem e mundo apontada pela teoria fenomenológica
existencial, entende-se que essas mudanças, e tudo o que está acerca deste âmbito
de sociedade e sujeito, infere diretamente na vida das pessoas, seja positiva ou
negativamente. Quando se entende a inseparabilidade do ser-aí no mundo é
possível fazer uma conexão quanto ao bem-estar, físico ou mental, que o ser-aí
apresenta com as condições sociais que lhe são oferecidas.
Quanto à sociedade atual, Feijoo (2008) disserta sobre o excesso e a pressa
que, além desse caráter temporal, de que tudo deve ser atendido urgentemente,
apresenta uma necessidade de experiências intensas e bem aproveitadas. O tempo
de vida deve ser útil, bem aproveitado e rápido trazendo uma preocupação
excessiva com a qualidade das diversas áreas da vida e do gasto de tempo,
podendo levar à “insistência em aproveitar ao máximo aquilo que a vida oferece ou
desistência por não conseguir dar o máximo de si no sentido de dar conta de todas
as possibilidades” (p. 57).
O século XXI se apresenta , segundo Han (2019b), como época das doenças
neurais, deixando no passado o foco nas epidemias bacterianas e virais. Hoje,
transtornos de humor, déficit de atenção e hiperatividade, entre outras
psicopatologias marcam o século. A principal questão aqui seria: Por que a
atualidade ganha essa marca? E para responder esta questão, deve-se pensar
como esses sujeitos têm se constituído, ou seja, como a sociedade têm atravessado
psicologicamente seus indivíduos.
De acordo com Han (2019b):

A sociedade disciplinar de Foucault, feita de hospitais, asilos, presídios,


quartéis e fábricas, não é mais a sociedade de hoje. Em seu lugar, há muito
tempo, entrou uma outra sociedade, a saber, uma sociedade de academias
de fitness, prédios de escritórios, bancos, aeroportos, shopping centers e
laboratórios de genética. A sociedade do século XXI não é mais a
sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. (p. 14)
43

Nessa nova sociedade proposta por Han, impera a positividade e a


possibilidade de sempre ir além de onde está agora. “O poder ilimitado é o verbo
modal positivo da sociedade de desempenho” (p.24), porém, acompanhando a
possibilidade do sucesso e do bom desempenho, há a possibilidade do fracasso.
Como articula o autor, enquanto a sociedade disciplinar levava os indivíduos à
loucura e à delinquência por suas proibições excessivas, a sociedade do
desempenho conduz seus sujeitos a estados depressivos e marcados pelo fracasso
de não se conseguir atingir os objetivos de produção impostos.
A teoria fenomenológica-existencial entende que o sujeito e o mundo são
indissociáveis, logo esta abordagem possibilita a compreensão de como o indivíduo
é afetado pelas questões sociais. Dessa forma, as mudanças sociais apontadas por
Feijoo (2008) e Han (2019b) exercem impactos na saúde mental humana, pois estes
aspectos de aceleração, hipercomunicação e hiperpositividade constituem ao longo
de sua vivência uma formação de significados e valorações. Essas vivências são
subjetivas a cada indivíduo, e suas escolhas a partir dessa compreensão são de sua
própria responsabilidade, essa afirmativa tem base na análise de Sartre (2010) de
que o homem é aquilo que faz de si mesmo. Sartre discorre sobre o ser-aí, para-si e
o ser-lançado-no-mundo, apresentando o homem como um ser mundano que tem
sua existência baseada em suas relações com o mundo.
Por se apresentar no mundo de forma dinâmica, em forma de projeto, surge a
angústia e o desespero existencial que segundo Kierkegaard (1984) atua frente aos
paradoxos do finito, responsabilidade, necessidade e da possibilidade. Ribeiro
(2005) argumenta que em busca de fugir desta angústia e desespero, o sujeito pode
acabar por se “cristalizar” no extremo de uma dessas condições.
Com isso, têm-se como principais psicopatologias da atualidade, aquelas que
dizem respeito à necessidade de urgência, a responsabilidade, a desistência, e
todas as possibilidades de desvios diante das demandas da sociedade. A OMS
apresentou dados, de acordo com Viapiana, Gomes e Albuquerque (2018), que
mostravam como transtornos mais comuns na pós-modernidade os de ansiedade,
de humor como Depressão, Burnout e Borderline, TDAH (hiperatividade/déficit de
atenção), os somatoformes e o abuso de álcool e outras drogas.
44

3.1 A BUSCA COMPULSIVA PELA LIBERDADE

Feijoo (2008) disserta sobre a compulsão como fruto da atualidade. Segundo


a autora, o hedonismo imperante hoje dimana do século XIX. Período no qual se
iniciam as revoltas contra as repressões da época. O sujeito que era reprimido,
agora busca sua liberdade em poder ser como quiser, poder buscar seu prazer. Hoje
se pode viver por seus impulsos e desejos.
Os novos sujeitos, ainda com a necessidade de seguir regras, mesmo que a
regra seja “ser livre”, voltam-se para extremismos buscando autorreferenciar-se.
Atos que geram uma liberdade paradoxal, ao passo de que não há mais a
submissão e disciplina empregados por poderes superiores, o individuo se torna
prisioneiro de si. Exigindo cada vez mais de si mesmo, o homem contemporâneo
anula sua própria liberdade.
Esse processo de rebelar-se deu origem a uma ambiguidade nos dias atuais.
A sociedade contemporânea demanda o excesso, ao mesmo tempo em que
propaga a necessidade de se manter sob controle e moderado. Em ambos os
pontos o sujeito é levado ao sofrimento e à patologização. Como Feijoo (2008)
expõe em seu texto, é solicitado que o sujeito viva em busca do prazer e somente
ele, mas se o faz, pode ser acusado de acomodado e preguiçoso. Ao mesmo tempo
em que exigem que se tenha sucesso e produtividade, porém, se corresponde à
esta segunda demanda, poderá ser caracterizado como obsessivo.
Sem saída, o sujeito se vê preso ao extremismo e à perda do eu. Seja pela
busca incessante pela liberdade ou por seu fechamento nas repressões. Ao lançar-
se na liberdade irrefreada, não há reflexão sobre si ou sobre suas escolhas. O poder
ser, sem restrições, leva o sujeito à infinidade de possibilidades do mundo. Optando
pela satisfação da necessidade emergente, ele se vê mergulhado em seus impulsos,
o que, segundo Feijoo (2008), pode ter como consequência a necessidade
constante por novidades. As justificativas agora culpam o impulso e tiram do sujeito
a responsabilidade por suas escolhas.
Protasio (2008) ressalta que o homem atual vive a dualidade da busca pela
liberdade máxima simultânea à coerção do mundo para que se iguale à massa. Com
isso, o sujeito teria maior ou menor consciência de sua liberdade, o que para
Kierkegaard (apud PROTASIO, 2008) estaria atrelado à angústia, pois quanto maior
45

a capacidade de ciência de si e de sua existência, maior sua liberdade. Em


contraponto, a repressão pode levar o individuo a perder-se. Há aqui a denúncia de
um tempo de extremismos até mesmo em relação à ciência do que é mais próprio do
ser.
O paradoxo moderno demanda o excesso, o radical, o intenso e exaustivo
conjuntamente à valorização do moderado, neutro e sóbrio. Modelo social que
Dantas (2007 apud FEIJOO, 2008) denuncia como desestabilizador das emoções.
Sejam exaustos com as solicitações constantes, na fuga de suas responsabilidades,
na autoexploração, no distanciamento social, os sujeitos extremos dessa nova
sociedade seguem na corrida contra o tempo em busca da liberdade para se
satisfazer.
Como visto anteriormente neste trabalho, a perda somato-psíquica da
liberdade, teoria postulada por Kierkegaard (1968 apud PROTÁSIO, 2008),
considera a falta de interioridade como geradora de angústias. O sujeito se fecha
para sua liberdade na tentativa de escapar do peso que a acompanha. Ou seja, se
oculta para si mesmo com indiferença por seu livre arbítrio, incapacitando-se de
interiorizar suas escolhas, bem como sua relação com o mundo. Neste caso, pode
ocorrer do não dito revelar-se em sintomas psicossomáticos como alterações de
humor e queixas corporais.
Na perspectiva de Rollo May (1958), de acordo com Teixeira (1997) o sujeito
ansioso é considerado covarde por não querer aceitar a ansiedade natural do ser
humano que nos defende das adversidades do mundo. Para o autor, esta postura
maximiza a ansiedade existencial o que poderia significar uma tentativa do sujeito
negar sua finitude, suas escolhas ou até mesmo estar em conformidade com as
demandas da sociedade.
Este seria, portanto o sujeito modelo da sociedade contemporânea, que se vê
em liberdade total e na busca pelo prazer, mas totalmente submisso aos ditames
sociais em uma postura inautêntica consigo mesmo. À medida que a sociedade
prega que se tenha liberdade total, o ser segue em sentido inverso limitando seu
horizonte de possibilidades.
Os transtornos de humor, por exemplo, podem ser vistos neste panorama
como a patologização da posição de não-liberdade existencial. Seja pela demanda
excessiva da sociedade, pelo medo diante da possibilidade do fracasso, pela
46

exigência social de que os sujeitos sejam produtivos e cada vez mais rápidos e,
talvez principalmente, pela angústia da responsabilidade por suas escolhas. Cada
vez mais inseguros com tanta liberdade, se movem em direção à uma postura de
relação com o mundo reconhecida como psicopatológica.
Boris e Barata (2017) pontuam a transição da angústia existencial, comum
frente às escolhas diárias, para a angústia ansiosa fruto do tempo atual explicitando
que

o comportamento ansioso, que era sintoma de angústia diante do futuro,


está, numa espécie de círculo perfeito, a tornar-se, ele mesmo, etiologia de
angústia. A existência ansiosa não por razões de angústia tende a constituir
um quadro de angústia. Este é um quadro que, empregando as noções de
Sartre (1943/1993; 1943/1997), nos expõe uma conduta generalizada de
má-fé que, no processo de fuga à consciência de angústia, conduz a uma
angústia, que já não é a da apreensão reflexiva da liberdade, mas uma
angústia patológica, socialmente disseminada porque socialmente
determinada por um modelo de socialização industrializador e produtivista.
(p.11)

Com isso, a sociedade do desempenho, como nos apresenta Han (2019b),


influencia diretamente no subjetivo do social com suas alterações temporais
(aceleração), nas relações ser e mundo (transparência, individualismo,
superficialidade) e nas relações econômicas e políticas (consumismo, capitalismo,
produtividade). As referências no campo entre o homem e o mundo se tornaram
fertilizantes para a angústia patológica.
Entretanto, não seria possível levar em consideração apenas os aspectos
geradores de angústia na contemporaneidade. Ao entendermos que o mundo se
move em infinitas possibilidades, automaticamente se anula o fatalismo da ideia de
que toda a humanidade estaria condenada ao adoecimento psíquico. Poderia o
sujeito lidar de maneiras otimistas e variadas diante dos confrontos com a nova
geração, bem como a possibilidade de outros fenômenos psicopatológicos.

3.2 PERDA DO EU E NARCISISMO

A competição pelo sucesso indica diversas possibilidades de caminhos,


dentre eles há o caminho da compulsão, do egocentrismo e também da insegurança
47

e do medo. Qualquer que seja o desvio do caminho para o sucesso é considerado


fracasso na sociedade. Apenas essa ideia já pode gerar insegurança, medo e
angústia nos indivíduos e, na tentativa de escapar do fracasso qualquer medida é
válida. Ao considerarmos que o padrão de vida visto como sucesso se mantem
extremamente distante das possibilidades socioeconômicas e situacionais de grande
parte da população, é compreensível que muitos se considerem no caminho para o
fracasso.
Dentre os padrões de sucesso está a felicidade constante. Barbosa (2012)
afirma que a sociedade contemporânea não tolera qualquer demonstração de
infelicidade, pois hoje impera a obrigação de ser feliz. Quem foge à regra é logo
caracterizado como doente. Seja qual for a insatisfação ou tristeza, restringem o ser
a um código de doenças e o oferecem medicações para fácil resolução. Ser ou estar
infeliz é sinal de fraqueza e falha no panorama atual em que todos vivem em
constante competição. Com isso, não há tempo para adoecer ou mesmo contemplar
seus sentimentos.
É evidente que essa corrida pelo sucesso se inicia principalmente após a
Revolução industrial, quando o valor do trabalho muda de fonte de estabilidade e
segurança para a possibilidade de se atingir níveis cada vez mais altos de sucesso.
Além disso, chegou a instabilidade, a incerteza, pois não é possível afirmar mais que
este ou aquele será o emprego de sua vida, será a garantia do alimento da família
ou mesmo a segurança da aposentadoria. Toda estabilidade se perde em prol da
busca pelo sucesso.
É primordialmente a produtividade no trabalho que rege o momento atual,
solicitando a todo instante um sujeito que responda rápido e com alta qualidade à
todos os estímulos, maximizando o lucro e desenvolvimento da empresa. Esses
sujeitos, como afirma Barbosa (2012), se tornaram narcisistas com foco no prazer
pessoal e nas suas conquistas, individualizando-se cada vez mais, pois agora as
relações interpessoais não os interessam mais. A autora ressalta ainda que esse
padrão fomenta a angústia e o mal-estar na sociedade por levar ao “individualismo,
à perda de sentido e ao vazio que caracteriza a vida na sociedade pós-moderna”
(BARBOSA, 2012, p.38).
Han (2019c) apresenta a depressão como uma relação narcísica do sujeito
com mundo. Ele descreve o narcisismo nesse caso como um exagero de controle de
48

si de maneira doentia e sobrecarregada que leva o ser à exaustão. Perde-se em sua


própria exaustão e permanece preso em si. E, segundo Han, a sociedade têm se
tornado cada vez mais narcisista, neste sentido, pessoas voltadas para seus
próprios egos em busca do sucesso que acabam ficando sem tempo para olhar o
outro. Como postula o autor, “o sujeito do desempenho depressivo mergulha e se
afoga em si mesmo” (HAN, 2019c, p. 11), reforçando a ideia de abismo nas relações
atuais em que o sujeito se perde e perde o outro.
Ao citar Alain Ehrenberg, Han (2019b) compreende que este narcisismo leva
o sujeito à uma exaustão de si. Ressalta ainda que “o que causa a depressão do
esgotamento não é o imperativo de obedecer apenas a si mesmo, mas a pressão do
desempenho” (2019b, p. 27). Assim como a sociedade o demanda, o sujeito cobra
de si todo o desempenho, sucesso e perfeição sempre. A corrida para o sucesso é,
na verdade um disputa do ser com ele mesmo, fazendo-o cobrar-se excessivamente
a todo tempo. Neste ponto, depara-se mais uma vez com a questão da
responsabilidade. Cobrar-se mais exige um encontro com a liberdade de escolha e
seu compromisso com a existência, ambiente propício para a angústia de ser.
As posturas de fechamento diante da angústia da liberdade geram a
possibilidade do sujeito paralisar diante das escolhas. Acreditando ser incapaz de
escolher, se move no mundo de maneira limitada, pois não consegue ver suas
opções com clareza. Esses sujeitos se veem sem saída, sem sentido, sem direção,
muitas vezes mantendo-se em ciclo vicioso com o sofrimento.
A partir do momento que há a paralisia, o sujeito pode se prender em certo
tempo. Por exemplo, os depressivos em que Melo, Paiva e Moreira (2015) afirmam
estarem presos ao passado, sempre retornando aos momentos de maior pesar,
preso em atitudes, pensamentos, no que poderia ou não ter feito em dado momento,
preso há história e paralisado para os novos horizontes.
Há também o esvaziamento de sentido. Não vê sentido na vida, pois não
consegue ver suas opções. Numa época em que tudo é raso, não há possibilidade
de reflexão, e assim o sujeito perde sua capacidade de refletir sobre si e sua posição
no mundo, muitas vezes sem conseguir compreender até mesmo o que o
caracteriza, quem ele é. Eles não se reconhecem, pois estão completamente
fechados para visualizar e refletir sobre sua relação com o mundo.
49

O homem atual pela visão de Kierkegaard, de acordo com Protásio (2008)


recua diante de suas possibilidades por temer a angústia existencial e essencial da
situação de abertura do ser-no-mundo. Ao negar sua liberdade, ele evita o encontro
com o finito da sua existência. Protásio (2008) retoma o sentido de finito e infinito da
existência diferenciando-os como o concreto e o ideal. Entende-se que o sujeito
idealiza sua existência no espaço infinito, onde tudo é possível. Como alerta, a
autora afirma que ao se perder no infinito, o homem arrisca perder a si próprio e
decaindo em uma vida abstrata. Por outro lado, no finito, no concreto da existência é
onde o seu eu se realiza. Se aprofundar no concreto, no entanto, impede o homem
de perceber os detalhas, de imaginar, de vislumbrar suas possibilidades. Aqui, ele
acaba por esquecer-se de si ao se perder no que lhe é dito, no que lhe impõem.

3.3 SUPERFLUICIDADE

A infinidade de possibilidades juntamente com a ideologia de positividade e


necessidade de entrega máxima do desempenho leva o sujeito a desenvolver uma
redução na sua capacidade de contemplação, pois não há tempo para analisar,
vivenciar ou compreender profundamente algo em uma sociedade que se deve estar
atento a tudo.
Oliveira (2018) analisa a teoria de multitarefa proposta por Han (1959) como
sendo um dos causadores da superficialidade das relações humanas com o outro e
com o mundo. Isso porque, segundo o autor, é intrínseco aos atores sociais que
façam mais de uma atividade ao mesmo tempo, como por exemplo, resolver
assuntos do trabalho enquanto passa tempo com as crianças, responder e-mails e
mensagens enquanto assistem à TV, ligar para resolver pendências enquanto
dirigem, entre outras situações que apresentam a multitarefa. Nesse âmbito, quem
não consegue realizar diversas atividades simultaneamente é tido como limitado,
uma pessoa que não apresenta um bom desempenho, o que leva às pessoas a não
dedicarem tempo e esforço a algo ou alguém, não permitindo se doar, aprofundar ou
refletir.
Sem conseguir aprofundar-se em relacionamentos e vivências, somadas à
angústia gerada pela consciência de sua responsabilidade a respeito do sucesso
50

pessoal e, às vezes, angústia gerada pela tentativa de fuga dessa responsabilidade,


a sociedade contemporânea se vê marcada pela superfluicidade. Na tentativa de
fugir desta angústia e buscar por felicidade instantânea, o indivíduo se entrega a
impulsos, e instrumentos que facilitem as novas formas de interação social.
Silva e Carvalhaes (2016) apontam a reconfiguração das relações sociais
neste cenário que utilizam como ferramenta as redes sociais, pois estas minimizam
os riscos existentes em relações presenciais, bem como oferecem inúmeras trocas
instantâneas, rápidas e múltiplas. São vínculos que proporcionam satisfação ao ego,
permitindo mostrar apenas aquilo que julgar aceitável e consumir aquilo que lhe
interessa, ao mesmo tempo em que pode desenvolver negociações comerciais, que
já é uma ferramenta disponibilizadas por estas redes. Ou seja, nesses ambientes é
possível realizar diversas atividades que ao mesmo tempo lhe proporcionam prazer
e produtividade.
Para Silva e Carvalhaes (2016), também há impulso de consumo em
decorrência da infelicidade e angústia causada pela falta de contemplação. Esta
seria uma forma de enfrentamento da frustração ao proporcionar uma sensação de
prazer momentânea. Além disso, os autores afirmam que o mercado busca fornecer
estratégias que amenizem ou tratem as patologias emergentes na sociedade, de
forma que estas se tornem de certa forma alimento para o consumismo. A
superfluicidade se apresenta nestes contextos a partir do momento em que a
felicidade como uma mercadoria, seja de aquisição de objetos a serem comprados,
ou como vivências superficiais expostas e pontuais para satisfação pessoal.
Mattar (2008) identifica nessa busca de satisfação diversas atitudes
supérfluas, capazes de produzir a sensação de prazer e/ou felicidade instantânea,
como “a procura de sensações inéditas e momentos exóticos; desprezo pela rotina e
por tudo que signifique estabilidade” (p.91) bem como a busca do prazer como
objetivo primordial da vida. Feijoo (2008) também ressalta a existência de uma fuga
da responsabilidade ao se buscar o “gozo imediato”, uma interiorização de suas
próprias necessidades de satisfação pessoal.
A afirmativa de Han (2019c) de que “a libido é investida primordialmente na
própria subjetividade” (p.9), apesar de ele utilizar conceitos psicanalistas, nos
permite entender o narcisismo intenso na nova cultura, no sentido de que o sujeito
atual está mais voltado para seus interesses de. Assemelhando-se à uma corrida
51

onde o ponto final é o próprio sucesso, todos competem e muitos adoecem pelo
caminho e, como toda corrida, não há chance para a contemplação da paisagem.
Oliveira (2018) discorre que

Se o tédio e a vida contemplativa nessa sociedade não têm espaço, muito


menos o tem o descanso, elemento a ser superado de acordo com o ethos
dessa formação social plena de urgências, mesmo que para isso tenha que
se recorrer ao doping. (p.6)

Quando o estudo da sociedade atual se depara com a afirmativa de que o


sujeito não possui tempo para contemplar e descansar, inicia-se uma análise dos
efeitos e possíveis patologias que esse fator pode vir a desencadear no corpo social.
O cansaço e o esgotamento provenientes de toda essa hiperatividade são reais e
intrínsecos na sociedade.
Han (2019b) aponta que a soma de diversos fatores, como multitarefas, auto
coerção para o máximo desempenho e uma vida extremamente ativa levou a
sociedade a uma exaustão, o que ele chama de sociedade do cansaço. Ao se
transformar em algo cada vez mais semelhante a uma “máquina de desempenho” o
sujeito passa a registrar cada vez menos situações que inviabilizem ou diminuam
sua produtividade, não reservando tempo para si introspectivamente, suas
necessidades ou para relações sociais. Esse processo resulta em um esgotamento
e cansaço, físico e mental, solitário e individual. O autor cita que “o excesso da
elevação do desempenho leva a um infarto da alma” (p.71), buscando externar o
sentimento causado por este esgotamento, que leva o indivíduo a se distanciar do
outro se forçando a vivenciar um cansaço calado e intermitente.
Corbanezi (2018) enxerga a sociedade do cansaço como o processo de
“valorização de indivíduos inquietos e hiperativos que se arrastam no cotidiano
produtivo realizando múltiplas tarefas” (p.01), o que reforça as análises de Han
(2019b). Corbanezi (ibid.) apresenta ainda a pobreza de negatividade e o excesso
de positividade como influenciadores nesses estados de esgotamentos como a
síndrome de Burnout e Depressão vivenciados na atualidade, assim como a fuga do
tédio que levam os indivíduos a se afogarem inquietos em muitas atividades.
É sabido que essas atividades são alimentadas por extrema autocobrança e
sentimento de necessidade de produzir. Oliveira (2018) alerta que esses aspectos
52

acarretam em frustração e sofrimento quando não supridas e são capazes de induzir


o desenvolvimento de patologias neuronais provenientes do cansaço psíquico.

3.4 POSSIBILIDADES DA FUGA

As mudanças nas formas de poder, como apresentadas em Foucault (1987) e


Deleuze (1988) foram fundamentais para que os indivíduos se sentissem livres. Mas
agora, diante de infinitas possibilidades, a responsabilidade retorna e o próprio ser
perde suas identificações, perde seu eu, com isso recorrendo a diversos
subterfúgios para resgatar sua liberdade e suas referências. Dentre tais subterfúgios
tem se mostrado comum o uso e abuso de álcool e outras drogas, a fácil
medicalização e as mais diversas formas de compensação da angústia no corpo.
Ribeiro (2005) ao analisar os questionamentos de Boss (1959), afirma que o
pensador acreditava que “o estrangulamento existencial revela-se na corporeidade
como sofrimento psicossomático.” (p.45), assim, por algumas vezes o indivíduo que
se encontra em um estado de enfrentamento da angústia e desespero existencial
acaba por desenvolver patologias psíquicas que se apresentam no corpo, uma vez
que não consegue e desconhece administrar sentimentos como sofrimento, dor,
tristeza e insegurança. A autora afirma que a origem causadora não é essencial pois
o adoecimento é uma forma do ser estar no mundo, “o ser-doente é o modo
específico de ser-no-mundo” (RIBEIRO, 2005, p.45). O ser-doente é uma maneira
única de expressão, cada ser se apresentará com toda sua singularidade de
diferentes formas diante das situações que lhe cruzarem.
Assim, na base fenomenológico-existencial o ser-aí pode exprimir suas
dificuldades psíquicas na forma corpórea de patologias, como um ser-doente devido
às demandas e pressões sociais e de si próprio, sendo influenciado diretamente por
sua própria auto cobrança e pelas valorações do meio em que está inserido.
Silva (2019) reforça essas afirmativas ao argumentar que

No decorrer do adoecimento, o homem entra em contato com as


vicissitudes de ser finito e está compelido a se compor de outro modo, (re)
descobrindo maneiras de fazer a vida caber no horizonte de agora, dentro
das condições que tem nesse momento de sua existência. Estando nessa
condição de adoecimento, nessa busca de equilíbrio no fio da navalha, o
53

sujeito deve perscrutar quais possibilidades existenciais estão tolhidas de se


realizarem para conseguir encontrar novas formas de compreensão e
experimentação da realidade. (p.11)

Dessa forma, efetiva-se o ato de transferir ao corpo os sentimentos de dor,


sofrimento, angústia e desespero, buscando encontrar uma solução para estes
sentimentos, os quais o sujeito atual não se encontra preparado para enfrentar.
Neste momento de fuga e busca pela satisfação ou prazer imediato, muitos
indivíduos acabam por optar pela medicação ou abuso de álcool e outras drogas.
Isso se dá uma vez que o sentimento de sofrimento é desvalorizado na
sociedade atual, e é considerado uma fraqueza, uma falha. Neste âmbito positivista
em que se encontra a sociedade contemporânea não há espaço para este tipo de
sentimento que acaba sendo considerado um obstáculo para o sucesso, assim o
ser-aí busca por fugas instantâneas que imunizem ou amenizem este tipo de estado
mental.
Silva (2017) denuncia uma desvalorização do sofrimento que juntamente com
a culpabilização do homem pelas nuânces da vida resulta na medicação de qualquer
mal-estar que afaste o homem da sua busca por seus objetivos e contentamento. A
autora também analisa as considerações de Aguiar (2004), Birman (1999) e Dantas
(2014) que indicam uma aproximação entre os fenômenos existenciais e os
diagnósticos psiquiátricos. A autora considera que

O diálogo com a fenomenologia existencial, ao modo de Heidegger, nos


convida a refletir para além de uma visão fragmentada de objetivo/subjetivo,
homem/mundo, interior/exterior, normal/patológico. E, ainda, Heidegger
realça a importância de um olhar atento e cuidadoso para o horizonte de
sentido técnico que atualmente demarca as condições de possibilidade para
o surgimento do sofrimento e da medicalização, circunscritos pelas
determinações históricas. (SILVA, 2017, p.87,88)

Logo essa aproximação do estado mental com as questões biológicas


fenomenológico-existenciais trouxe uma sensação de conforto e segurança para
aqueles que se encontram em estado de sofrimento, pois uma vez que é identificada
a causa é possível encontrar a solução do problema, com isso abriu-se caminho
para diagnósticos e escolha de tratamentos capazes de levar o paciente ao bem-
estar por meio de saberes e técnicas, incluindo medicações.
54

Dessa forma, têm-se um grande aumento no uso de medicações que


prometem alívio quase que instantâneo dos sintomas provenientes da angústia
existencial experienciada pelo ser humano. Isso se prova com o surgimento do que
Rodrigues (2003) chamou de “pílula da felicidade”, uma medicação, a fluoxetina, que
se mostrou mais eficaz do que os antidepressivos que já eram utilizados, o que
poderia, segundo os adeptos, evitar um tratamento terapêutico mais extenso.
Figueiredo (2014) apresenta a compulsão pela medicação como um
desdobramento da busca do prazer absoluto e liberdade presentes na sociedade
contemporânea, pois este é um atalho para tais objetivos. Vivenciar e buscar
profundamente os motivos e significações das crises existênciais para então buscar
uma solução interiorizada em si não faz mais parte do protocolo, Aguiar (2004)
discorre que atualmente o que acontece é a justificativa de que essas questões se
manifestam a partir de alterações de substâncias químicas cerebrais, como a
serotonina, que podem ser resolvidas com remédios.
Silva (2017) argumenta ainda que

Sustentar o sofrimento em tempos de medicalização é pensá-lo como algo


comum à vida, deslocando-se da tendência à patologização. É um convite
ao desvelamento do sentido das experiências, ao enfrentamento da vida em
sua evanescência. É um anúncio da nossa condição existencial de
incompletude originária, transitoriedade e esvaziamento de sentidos. (p.92)

Logo, aquele que opta por enfrentar o sofrimento com interiorização em


detrimento dos medicamentos é como ir na contramão do que a sociedade espera
nos dias atuais, visto que uma solução mais rápida e descomplicada, como a
oferecida pelas indústrias farmacêuticas, é muito mais bem quista atualmente.
A fuga da realidade em busca do prazer não se apresenta somente pelo uso
de medicamentos, como também pelo abuso de álcool e drogas. Barbosa (2017)
esclarece que o uso em excesso de álcool ou qualquer drogadição precisa ser
analisado individualmente a cada indivíduo, pois a cada um deles competem
motivação, intencionalidade e objetivos divergentes, que vai desde a simples busca
por prazer até uma forma de fugir da realidade e a tentativa de suprimir sentimentos
conflitantes. Em se tratando do método fenomenológico-existencial, Barbosa (2017)
entende que este compreende o sujeito dependente como um ser que está em
frente à um conflito buscando existir no mundo.
55

Uma grande dificuldade apontada pela perspectiva fenomenológica seria o


fato de que, por meio da dependência, o sujeito, a partir de um momento,
passa a se configurar de uma maneira que não corresponde ao que de fato
ele é para a sua vivência; desta forma, distancia-se da realidade e de sua
essencial forma de se relacionar com os outros, tornando-se incapaz para a
produção de criatividade e controle sobre sua própria vida, abandonando
perspectivas de futuro e de crescimento (SONENREICH, 1982 apud SIPAHI
e VIANNA, 2001, p.505)

O processo de se tornar incapaz de cuidar e controlar sua própria vida em


decorrência do abuso de drogas e álcool faz com que o sujeito “escape” da
responsabilidade de ser o autor do seu próprio projeto de vida, mesmo que
ilusoriamente, pois para existir, viver e ser é necessário estar em movimento e em
constante relação de transformação e escolhas com um mundo, assim, eximindo-se
desta responsabilidade alivia-se a carga de viver e os sentimentos de angústia e
desespero existencial.
Barbosa (2017) reforça esse pensamento ao argumentar que o abuso de
substâncias se transforma em “conforto e a anestesia para dores e sofrimentos
existenciais” (p.07). Marques, Holanda e Serbena (2015) analisam ainda que o vazio
existencial ao provocar uma diminuição no sentido da vida e falta de motivação vêm
a ser um dos principais causadores do abuso de substâncias. Esse vazio, segundo
Marques, Holanda e Serbena (2015) pode ser proveniente de frustrações diante das
necessidades existenciais. Os autores também ao analisar as pontuações de Frankl
(1946/2008) sobre assunto, citam que “que o próprio uso de drogas pode ser
considerado uma psicoterapia auto-administrada por aqueles que sofrem dos
problemas existenciais” (p.04).
Vargas (2006) também identifica como potenciais motivações para o uso de
substâncias uma fraqueza física, moral, psíquica, cultural e/ou social, assim, o
sujeito utilizaria dessas “válvulas de escape” para fugir de alguma falta imposta pelo
mundo, seja falta de estrutura familiar ou social, falta de afeta, entre outros fatores.
Além das motivações já citadas, Escudero (2008) pontua ainda que o abuso
de qualquer tipo de drogadição “se desvela como um modo de pronunciamento da
angústia, uma vez que vem estabelecer-se como opção de estabilidade, como
identidade, referencial” (p.136) logo, nota-se que a necessidade do ser de estar
inserido e aceito num círculo social, a necessidade de se referenciar e criar sua
própria identidade também podem ser impulsionadores para este tipo de prática.
56

Escudero (2008) também correlaciona este fator como consequência das


diretrizes impostas por uma sociedade extremamente positivista, pois os indivíduos
nela inseridos sentem-se impelidos à busca e acumulo de novas sensações e novos
prazeres, bem como a de superar limites externos e pessoais, o que neste meio é
visto como sucesso. É também para responder a uma demanda social que se busca
por aventura, diversão diferentes experiências buscando alcançar a ilusão de
felicidade.
57

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Existencialismo entende o adoecimento como modo de ser do homem e


apesar de buscar esclarecer as psicopatologias, deve-se lembrar de que o sentido
de cada modo-de-ser é dado exclusivamente pelo sujeito, portanto, não cabe a
nenhum outro categorizá-lo a partir de sintomas objetivos, somente o sujeito quem
conhece as suas representações subjetivas acerca do seu fenômeno ou sofrimento
psíquico.
Por meio do estudo bibliográfico compreendeu-se que o homem e o mundo se
influenciam mutuamente, pois o homem se posiciona no mundo por suas escolhas, e
infere nele. Em relação às escolhas, estas são realizadas através de suas
concepções, de sua essência e, como discutido, o Dasein constrói sua essência à
medida que se relaciona com o mundo. Diante das vivências ele se posiciona, ou
seja, escolhe e molda sua forma de estar no mundo baseando-se principalmente
pelo que ele encontrou até este ponto de sua vida, como ele se vê e o que ele
projeta para si. Após essas vivências, o sujeito cria familiaridade com as coisas, pois
as reconhece como fonte segura de referência para futuras escolhas. Ao se apegar
ao que lhe é familiar, suas decisões podem se tornar repetitivas, o que restringe
suas possibilidades, evitando a angústia de uma escolha nova.
Na sociedade atual, com demanda excessiva por transparência, muitos se
apegam aos detalhes usuais se tornando mecânicos e talvez quase robóticos.
Entretanto, com a hiperfluicidade o familiar logo pode desaparecer, obrigando o
sujeito a buscar novos padrões, o que pode levar à estranheza ou a falta de
referências. Caracterizada pela perda de sentido, a ausência de uma base para se
movimentar no mundo imobiliza o sujeito por não saber como significar essas novas
demandas.
A partir deste trabalho, entende-se que os próprios sentimentos são vistos
como estranhos em uma sociedade que não tolera a tristeza e o sentir, dificultando a
elaboração dos sentimentos profundos por não os reconhecer, afundando no vazio
de sentidos pela falta de determinações que possa se apegar. A partir desse ponto
fica claro que o declínio da obediência e estabilidade levou a indivíduos que não
sabem reconhecer os sentimentos mais interiorizados, considerados negativos. O
58

amor profundo, a tristeza, a reflexão não são mais aceitos no panorama atual, pois
não há tempo para lidar com eles, não há tempo para encarar e contemplar tais
sentimentos. Desse modo, o sujeito desvia a todo instante de sua angústia
existencial, acabando por torná-la cada vez mais patológica.
O existir por si só gera sofrimento e angústia, pois são inevitáveis diante da
responsabilidade por suas escolhas dentro de uma liberdade da qual não pode
escapar. Quando o próprio não escolher é uma escolha, a angústia vem em sua
defesa como meio de expressão do estranhamento. O que a diferencia da patologia
seria o nível que essa angústia e o sofrimento se apresentam e a forma como o ser
se relaciona com eles.
Para a teoria Fenomenológica-existencial o adoecimento não é visto
necessariamente como algo incapacitante, deficiente ou que cause restrição, é
reconhecido como a forma do sujeito se posicionar no mundo, é o ser-doente. Com
isso, a abordagem se mostrou essencial para a expansão e melhor compreensão de
como é possível vislumbrar o ser no mundo e suas possibilidades de adoecimento.
Retomando sempre o ponto de que, apesar da gama de teorias que se formulam a
cada instante a respeito do homem e da sociedade, cada ser sempre será único.
Portanto, cada fenômeno, cada adoecimento, cada modo de se estar nas relações,
possui significado testemunhado somente por aquele que vive em sua constituição
singular. Por esse motivo não foi possível restringir a compreensão do adoecimento
à nomenclaturas carregadas de estigmas, como Depressão, Ansiedade, Borderline,
Burnout, entre outros dos infindáveis termos da psiquiatria clássica.
O Existencialismo permitiu reconhecer os transtornos, mas o principal para
essa base é compreender como o Dasein se relaciona com o mundo, como ele se
posiciona e qual seu modo de ser. Não necessariamente vê-lo como doente, mas
visualizar o fenômeno de seu sofrimento.
Aqui se configura uma noção de sofrimento psíquico por meio das posições
de não-liberdade, pela concepção de inautenticidade e pela compressão da relação
de familiaridade ou estranheza do sujeito com o mundo. Dentre as possibilidades, o
Dasein movimenta ou estagna de diferentes maneiras a sua liberdade de acordo
com as demandas do meio. Correlacionando ao cenário social foi possível notar a
influência das mudanças da sociedade no ritmo dessa relação do sujeito com ele
mesmo.
59

Neste sentido, o sujeito ao seguir o fluxo rápido da transparência se permite


apenas a receber e repassar as informações, com agilidade, mas sem reflexão,
garantindo uma postura inautêntica na qual o sujeito não se reconhece por não
refletir sobre quem ele é e não saber qual o modo dele se relacionar com o mundo.
Então ele segue as demandas de maneira automática, se tornando um igual e
limitando suas possibilidades. No espaço do igual não se pode ter lacunas, então o
sujeito divulga o que deseja e da forma que deseja, e guarda pra si o que acredita
não agradar à sociedade. Ele se esconde de si mesmo, o que carrega consigo a
falta de verdade para ele e para o outro.
Se não há reflexão sobre o eu e sua existência, o sujeito se vê incapaz de
escolher, então, busca fugir da angústia que a responsabilidade da escolha traz.
Entretanto, como não é possível apenas se livrar da responsabilidade por estar
atrelada ao existir, o sujeito busca o prazer a todo instante como forma de clamar
por sua liberdade e mascarar sua angústia. Para o Existencialismo, o homem age
com inautenticidade consigo e com o outro, podendo encaminhar-se para a
sensação de vazio existencial, restrição da sua liberdade e até mesmo a paralisia
diante das escolhas.
A elaboração deste trabalho permitiu a compreensão da relação entre as
modificações sociais e o aumento dos casos de adoecimentos psíquicos, sendo um
dos principais focos o paradoxo da liberdade, que transformou as relações sociais
em individualistas ao ponto que cada um está sempre em busca da sua própria
liberdade, o que pode trazer aspectos negativos e positivos. Poderia concluir, com
isso, que o tempo é principal ponto de movimento e mudança da sociedade e de sua
relação com o psiquismo dos indivíduos, pois a falta de tempo sempre rodeia as
interações, seja consigo mesmo, seja com o outro ou até mesmo com as coisas.
Tudo na atualidade é planejado para economizar tempo e permitir que se produza
mais e mais.
Os padrões atuais demandam que o sujeito tenha sucesso em todos os
aspectos de sua vida. Isso inclui adquirir os bens mais atualizados com frequência,
viver em felicidade plena, ter o corpo ideal, estar sempre conectado para exibir suas
conquistas e ver a próxima novidade e, por fim, ter riqueza e plenitude em todos os
âmbitos da sua existência. Além disso, deve se lembrar de que qualquer falha é
inteiramente culpa sua. Mas, esses padrões irreais apenas aumentam as
60

responsabilidades dos sujeitos e o peso delas sobre sua existência, não abre
espaço para que se reflita sobre o que deseja para si ou mesmo para que tenha
relações interiorizadas consigo e com o mundo.
Cada vez mais uniformizados, mesmo com suas diferenças, os sujeitos têm
se posicionado nas relações de maneira semelhante. Como o homem é inseparável
do mundo, ou seja, está sempre conectado e em relação com tudo que o rodeia,
sempre haverá influência mútua. Portanto, o sujeito recebe as informações que o
atravessam por todos os lados e escolhe, diante de suas possibilidades, como agir,
pensar e se posicionar nesse espaço.
A ascensão das mídias sociais como forma de controle social, a
hipervaloração do sucesso e da produtividade e o constante fluxo de informações,
rodeados pela necessidade de transparência e extrema fluicidade, alteram as
possibilidades que se dispõem no horizonte do sujeito. A união desses aspectos tem
apresentado indivíduos mais mecânicos que, assim como as máquinas, estão cada
vez mais limitados. O próprio ser se limita para que não desvie do caminho da
produção e do sucesso respondendo às demandas da sociedade.
Os sujeitos se apresentam vazios de sentidos, cada grupo levantando sua
bandeira com extremismo na tentativa de se autoafirmarem por faltar-lhes
referências que a libertação os tirou. A facilidade de acesso à informação maximiza
a transferência de dados e a transferência de possíveis referências. Para muitos a
referência é clara, seguir a sociedade, mas para outros, o peso da escolha pode
levar a respostas de posicionamento adoecido. A libertação dos impulsos maximizou
as possibilidades, dobrando a responsabilidade, as opções, as exigências. São
excessivas informações ao mesmo tempo, pois a sociedade vive em constante
mudança produzindo nossos modelos para seus indivíduos a cada segundo.
Afastando-se de uma visão pessimista das evoluções aqui apresentadas,
cabe ressaltar que os pontos considerados negativos sempre existiram em todos os
tempos sociais e eles apenas se transformam. Em certo momento o problema da
sociedade era o poder abusivo, ou pragas que assolavam a humanidade, hoje são
os adoecimentos psíquicos, entre outros fatores que sempre ocorreram, como as
diferenças socioeconômicas exorbitantes. Diante disso, cabe ao profissional de
psicologia posicionar-se nesse novo cenário, pois é preciso estar pronto e ciente dos
61

avanços sociais para receber esses “novos” indivíduos em qualquer espaço de


trabalho.
Durante a elaboração deste trabalho também foi possível notar que as
informações aqui citadas não abrangem as diferentes esferas da sociedade. O foco
se manteve em um padrão da sociedade ocidental, capitalista e em sua maioria com
renda média a alta. Levantando a questão de como os atravessamentos atuais se
apresentam em outras culturas e condições.
Como visto que a história se mantem em um ciclo de modificações nas
relações, nos valores, na moral, em aspectos culturais e em sua estrutura social, a
maneira de ver a sociedade deve sempre ser atualizada. No momento da
elaboração deste trabalho ocorreu uma pandemia viral, que, como qualquer evento
de nível mundial, certamente mudará algo nas relações entre os sujeitos. O choque
com a estranheza de precisar lidar com ócio na quarentena a qual muitos foram
submetidos possivelmente movimentou muitos pensamentos. O que garante ao
psicólogo a necessidade de constante atualização pra acompanhar as mudanças de
seu tempo.
62

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