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Parte 1

Sei que não sou algum tipo de letrado ou algum desses escritores que fazem livros
profundos pensando apenas sobre o brilho de uma estrela. Mas acho que talvez vocês
queiram ouvir a minha história, até porque ela faz parte de uma reflexão que tive depois
de uma típica conversa de bar em que os amigos começam a falar sobre as mulheres que
passaram na vida deles.

No meu caso pensei em uma menina por qual eu acabei gostando quando tive por volta
de 12 a 13 anos, foi algo ingênuo, comum nesse período (pelo menos em teoria), mas
que foi importante para mim, pois me fez lembrar uma situação que vivi e que envolveu
não só apenas a menina, mas também meus amigos e familiares.

Antes de começar sei que talvez você esteja pensando que isso é mais uma daquelas
histórias bobinhas de adolescentes, mas não é, até porque eu não perderia meu tempo
com tal coisa. Mas e o tipo de história que você pensa quando está fazendo a migração
para a vida adulta, que para a grande maioria das pessoas é uma fase complicada.

Eu me chamo Mauricio e cresci em um bairro periférico da cidade, as ruas eram


desordenadas, não eram asfaltadas, havia filas de casas de madeira, algumas eram até
feitas de tijolos, mas mal acabadas. A maioria das pessoas que moravam ali era
estranha, viviam brigando entre si, parecia que eu estava dentro de um filme de faroeste
em que grande parte das coisas era resolvida em brigas ou em situações extremas, no
uso da bala (sei que pode parecer estranho, mas e dessa forma que aquele lugar ficou na
minha memória).

Mesmo assim o lugar tinha momentos divertidos, era comum nos finais de semana eu e
alguns colegas do bairro se encontrar em terrenos abandonados para jogar bola, mesmo
que não gostasse muito do esporte (até hoje), eu participava somente pela diversão.

Mas algo aconteceu em um determinado momento da minha infância que deixou as


coisas estranhas, meu primo, e melhor amigo, Bruno faleceu devido a um assalto que
ocorreu quando estava chegando a sua casa. Ele era mais velho que eu, mesmo assim
participava das partidas de bola da turma, ele tinha acabado de entrar em uma
universidade que ficava distante do bairro, sempre me acompanhava nos estudos e dizia
para me esforçar, dizia que eu tinha potencial para o desenho, coisa que até então eu não
ligava muito, chegou até a me dar uma caixa de lápis 2B, pois segundo ele era o tipo de
lápis que desenhistas usavam.

Os dias sem a presença de Bruno me fez olhar para o bairro da maneira como ele
realmente era, as pessoas que ali viviam as situações que ocorriam, e como
constantemente a morte pairava sobre aquele lugar.

Foram dias difíceis, e o mais complicado foi ver o como depois de um tempo a morte de
Bruno foi ignorada, e as pessoas dali simplesmente seguiram em frente, “mais uma
morte no Bairro de São José” era o que vinha na manchete do jornal, aquilo era comum.

Toda essa situação teve reflexos e claro na escola, minhas notas caíram, e tive que
repetir a sexta serie.

-Porque você anda tão diferente Mauricio, o que anda acontecendo? Olha para essas
notas, isso não pode ficar assim- falava a minha professora, que eu não gostava muito,
sempre com aquela voz fina e irritante.

-Vou ter uma conversa muito seria com os teus pais- ela continuava e eu me segurava
para não rir, como se meus pais fosse realmente fazer algo a respeito.

Naquele período meus pais não estavam passando por um momento bom, não que fosse
algo perfeito antes, o clima dentro de casa não era mais o mesmo, meu pai trabalhava
em obras, saia de manhã cedo e voltava tarde da noite, eu quase não via ele, e nos finais
de semana sempre estava bêbado, coisa que vinha acontecendo até dia de semana.
Minha mãe vivia em casa, cozinhando, arrumando e por ai vai, ela constantemente
brigava com o meu pai, e era comum encontrar ela com olhos vermelhos como se
tivesse acabado de chorar.

Enfim aquilo era horrível.

Para fugir daquela situação, e ao mesmo tempo para esfriar a cabeça, comecei a sair de
casa, encontrava com alguns amigos e rodava pelo bairro, fazendo coisas normais de
garotos, como jogar bola, e ao mesmo tempo coisas como atirar pedras em carros, soltar
bombas para assustar pessoas, fazer desenhos no muro de algumas casas, e ir para uma
praça que havia no bairro para fumar alguns cigarros. Como se fosse uma gangue de
desocupados.

Era no final das férias de fim de ano, estava prestes a voltar para a escola e recomeçar a
sexta serie, eu e meu amigo Walter estávamos sentados em cima de um caminhão velho
que havia na rua de casa e olhando o duelo de pipas que havia nos céus. Lembro que um
pássaro preto pousou em cima de uma casa ali perto, depois voou para longe até se
perder no horizonte, que inveja eu senti dele.

Quando minha atenção foi roubada com a chegada de Gustavo, um amigo que também
morava ali.

-Ei caras, o pessoal da terceira rua ta se reunindo para jogar bola, borá lá?- Gustavo
falava com tanta empolgação que era impossível recusar o convite, mesmo que ele fosse
o que mais se interessava pelo jogo.

Eu e Walter descemos do caminhão e fomos para a terceira rua, a partida iria acontecer
em um terreno abandonado, quando chegamos, a turma que morava ali estava se
preparando para começar o jogo dividindo os times, eles conheciam a gente e não foi
difícil entrar na partida.

Gustavo mesmo sendo gordo gostava muito do esporte, qualquer partida que acontecia
no bairro ele participava, e rápido conseguiu entrar em um time naquele dia, Walter
também conseguiu entrar. Como o time já estava formado, eu não joguei, e acabei
ficando um pouco distante, sentado na calçada junto com o meu pequeno caderno de
notas que usava para desenhar, andava com ele no bolso para ajudar a passar o tempo.

Fiquei ali desenhando esferas do dragão no canto do caderno, eu não conseguia pensar
em nada de bom, e parei para observar o que estava acontecendo em volta. Era um final
de tarde, a paisagem ganhava um tom meio alaranjado, e aquele lugar pela primeira vez
me pareceu algo bonito, o tempo parou e eu fiquei ali admirando aquela cena.

De repente apareceu uma menina chegando de bicicleta, ela morava em frente ao


terreno abandonado que meus amigos estavam jogando, aparentava ser mais velha que
eu, ela era muito bonita, tinha os olhos claros e os cabelos cacheados, estava usando um
vestido com estampas de girassóis. Foi um momento muito rápido, ela desceu da
bicicleta e entrou na casa.

Fiquei sentado na calçada por um tempo pensando no que tinha acabado de ver, e voltei
a olhar para a partida de futebol, eles estavam discutindo sobre algo que aconteceu no
jogo, Gustavo estava envolvido junto com Thiago, um menino que morava na terceira
rua e estava jogando também.

A discussão ficou séria chegando o momento em que as mães são ofendidas, tive que
me levantar e ir em direção a eles, quando vi Thiago dar um soco na cara de Gustavo, a
turma prontamente procurou conter os dois, não havia mais clima para continuar
jogando, e todos começaram a ir embora, eu e Walter ficamos ali junto com Gustavo,
ajudando ele a se levantar.

Já estava anoitecendo e a nossa volta para a rua de casa foi silenciosa, fiquei pensando
na menina que tinha acabado de ver, parecia que ela não morava naquele bairro, olhei
para Gustavo e ele estava tentando esconder o choro enxugando as lágrimas, o que
piorava a situação, pois manchava de sangue a camisa.

Voltamos para as nossas casas, e foi assim que aquele dia terminou.

*
Parte 2

As aulas haviam começado e aquela rotina de acordar todas as manhãs e seguir para a
escola também, eu não ficava empolgado com aquilo, muito pelo contrario, detestava
porque tinha que voltar a ver aquela professora enjoada de voz irritante. Eu não prestava
muita atenção nas aulas, ficava pensando no dia em que Gustavo levou um soco, ele se
afastou da turma depois disso, pensava também na menina do vestido de girassol,
algumas vezes ficava fazendo desenhos dela andando de bicicleta.

Todo final de tarde minha mãe preparava o café e eu tinha que comprar o pão, em um
lugar que ficava no final da terceira rua, eu pegava um caminho mais longo só para
poder passar na frente da casa da menina, a maioria das vezes eu não a via, mas em
alguns momentos eu a vi chegando de bicicleta e entrando na casa.

Meus pais ainda viviam brigando, e nem se falavam, era comum ver meu pai na sala
enquanto minha mãe ficava na cozinha ou no quarto, eu não aguentava e acabava saindo
de casa para não presenciar aquilo, e eles nem ligavam.

Com a volta das aulas era difícil reunir toda a turma, pois alguns estudavam de manhã
outros à tarde, tinha dias que ficava apenas eu e Walter na praça, Gustavo continuava
sumido.

Havia dias que não encontrava ninguém e andava sozinho por cada uma das ruas do
bairro durante a noite, não era um lugar movimentado, uma ou outra pessoa passava por
ali, em algumas casas havia algumas senhoras sentadas na frente.

As pessoas se preparavam para a chegada da festividade de São José, tinha uma


pequena procissão que percorria as ruas do bairro, e algumas casas eram escolhidas
como ponto de parada para que os devotos pudessem rezar. Nesses pontos de paradas
era comum colocarem uma cruz na frente das casas, eu achava aquilo estranho, pois o
bairro ganhava um aspecto de cemitério.

Durante a minha caminhada eu sempre encontrava o velho Alberto, um senhor que fazia
diversos serviços pela vizinhança, toda vez que eu o via, estava com uma pá ou uma
enxada em mãos. A história dele era interessante, as pessoas falavam que ele era um
professor de uma famosa escola da cidade, um dia ele passou em uma encruzilhada e
caiu em cima de um despacho, ao ver varias garrafas de vinho e cachaça ele começou a
beber todas, minha avó sempre falava que nessas situações e sempre bom pedir licença
para o santo, o que com toda certeza ele não fez.

As pessoas diziam que foi assim que começou a desgraça do velho Alberto, mas eram
apenas boatos que eu não dava muita atenção, quando ele me via fazia um sinal com o
polegar, sempre estava com um sorriso no rosto, até mesmo quando ele ficava bêbado.

Eu seguia com a minha caminhada até dar certo horário, depois voltava para casa
somente para dormir, e assim eram as minhas semanas.

Com a chegada do final de semana a turma se reuniu para uma partida de futebol,
novamente no terreno abandonado da terceira rua, eu e Walter ficamos surpresos ao
chegar e encontrar Gustavo, com a mesma empolgação para jogar bola, parecia que
nada tinha acontecido na semana anterior.

Eu fiquei fora da partida de novo, mas o meu objetivo mesmo era ver se encontrava a
menina mais uma vez. O Jogo havia começado e não deixei de perceber que os garotos
da terceira rua começavam a rir de Gustavo quando ele pegava a bola, principalmente o
Thiago.

Eu estava sentado na calçada com o meu caderno, quando vi a menina chegando de


bicicleta, dessa vez ela estava com muitas sacolas de compras, e quando chegou perto
da casa quase caiu, e eu corri para tentar ajudar. A menina ficou meio sem jeito, mas
aceitou a ajuda.

-Obrigada, eu não deveria ter trago tantas sacolas, desculpa se..., esses desenhos, foi
você que fez?- ela disse notando o pequeno caderno na minha mão.

Gaguejei um pouco antes de falar que o caderno era meu.

-Posso ver?- ela perguntou, não lembro muito bem o que eu estava fazendo, mas parece
que era um menino com uma calda em cima de uma nuvem voadora.

Depois de ver o desenho e folhear o caderno, vi como ela havia gostado de todos.
- Eu também faço alguns desenhos, espera ai, vou te mostrar- Ela correu para dentro da
casa para buscar o caderno, a empolgação dela lembrava a do Gustavo quando o assunto
era futebol.

Enquanto esperei a menina voltar, olhei para o jogo de futebol que estava acontecendo,
Thiago estava imitando o jeito de Gustavo chorar e no meio fazia um grunhido de
porco, Gustavo parou de jogar e foi embora, percebi que ele estava quase chorando,
Walter não gostou daquilo e parou de jogar também.

Thiago ficou rindo com os outros meninos da rua, e o jogo recomeçou mesmo com dois
jogadores a menos, aquilo tudo me deixou irritado, quase segui em direção ao jogo para
socar a cara de Thiago.

-Ei espera! Desculpa não estava encontrando o caderno, olha aqui- a menina apareceu
trazendo um caderno de desenhos, logo na capa já tinha um, ao folhear o caderno
percebi que eram bem melhores que os meus e também muito coloridos.

-Aqui sou eu com a minha irmã- ela apontou para um desenho que tinha uma menina
com um bebê andando em um campo florido, em cima tinha o titulo “Mariana e Lily”.

- Minha irmã se chama Eliana, mas eu a chamo de Lily- ela falou rindo- Você devia
desenhar com um lápis bom, desenhar com caneta deixa o traço muito sujo, e as vezes
mancha o desenho-.

-ah valeu, meu primo me deu uma caixa de lápis 2B, que eu nunca abri-. Eu falei ainda
folheando o caderno dela.

-esse ai é muito bom, devia tentar usar, olha esse aqui que fiz usando esse tipo de lápis-
ela me mostrou um desenho de uma bailarina, estava em cima de um palco e logo
abaixo tinha pessoas aplaudindo.

-Nossa, fiquei até com vergonha de ter mostrado o meu caderno-.

- Teus desenhos são bons, mas são um pouco preguiçosos e sem vontade- ela falou em
um tom um pouco sério- mas tenta dessa vez com o lápis, acho que vai melhorar-.

Uma voz de dentro da casa a chamou parecia ser a mãe dela.


-Desculpa, vou ter que entrar- ela pegou o caderno e seguiu em direção à porta.

-Sim, sim, tudo bem, obrigado pela dica- respondi.

Ela acenou e entrou na casa.

A noite já havia chegado e eu nem tinha percebido, a partida de futebol tinha acabado e
retornei para casa. No caminho fiquei olhando para os meus desenhos, pensei no meu
primo ele sempre me elogiava quando pegava o caderno.

Quando cheguei a minha casa vi meu pai batendo a porta da frente, ele passou por mim,
acho que nem notou a minha presença. A sala estava bagunçada, algumas cadeiras
estavam jogadas no chão, percebi que a minha mãe estava trancada no banheiro.

Sentei-me à mesa e fiquei pensando naqueles desenhos e no que a Mariana tinha me


falado, fui para o meu quarto peguei uma folha em branco e tirei um lápis da caixa que
o meu primo tinha me dado.

Eu estava começando um desenho quando a minha mãe apareceu.

-Oi filho, você quer comer alguma coisa?- percebi que ela estava com os olhos
vermelhos e inchados.

Respondi que sim, e antes dela começar a ligar o forno para esquentar a comida, eu a vi
deixar uma faca na beira da pia.

*
Parte 3

No decorrer da semana eu comecei a desenhar mais, dessa vez utilizando o lápis 2B que
a Mariana havia recomendado. Realmente o resultado era muito bom, os desenhos eram
mais vivos e não eram os desenhos sem expressão que eu fazia antes.

Dessa vez todos os finais de tarde em que eu ia comprar pão e passava na frente da casa
de Mariana, ela acenava e alguns dias até me parava para conversar e me mostrar os
novos desenhos que ela tinha feito. Conheci a irmã dela, a Lily, que aparecia vez ou
outra em alguns dos desenhos, deveria ter por volta de quatro ou cinco anos, era uma
criança muito bonita, mas quando eu perguntava pelos pais dela percebia que Mariana
ficava meio sem jeito e rápido tentava mudar de assunto.

Nos finais de semana eu não esperava mais pelas partidas de futebol, Gustavo dessa vez
tinha se trancado na sua casa, ele não aparecia na praça e nem em cima do caminhão
velho, lugares em que a gente costumava se encontrar.

Certo dia eu fui à praça e encontrei somente o Walter, que ficou desapontado por mais
uma vez o Gustavo não ter aparecido.

-Cara a gente precisa ir lá com ele, ouvi dizer que um dia quando ele estava voltando da
escola, encontrou com Thiago e outros meninos da terceira rua, começaram a zoar dele-
disse Walter.

- Mas o que a gente pode fazer?- Perguntei – Vamos bancar o segurança e proteger ele?
Como se a gente pudesse fazer isso-.

- Podemos aparecer na casa dele, puxar algum assunto, jogar vídeo game, conversar
sabe? Algo do tipo-.

Walter era um bom amigo, gostava dos nossos eventuais encontros e eu entendia a
preocupação dele, a verdade e que essa situação com o Gustavo me deixava aborrecido,
principalmente por que eu não podia fazer nada. Mas a ideia de ir à casa de Gustavo e
conversar me pareceu boa, até pensei em fazer um desenho dele jogando bola.

-Tudo bem, vamos lá amanhã- disse me levantando- vou ter que ir agora, daqui a pouco
vai ter missa-.
-Missa? E desde quando tu vai para a missa?- perguntou Walter sorrindo.

-E que a Mariana disse que vai para lá hoje e... -.

-Háaa eu sabia que ela estava no meio disso, missa porra nenhuma, tu vai para um
encontro-. Walter começou a rir.

Eu fiquei meio envergonhado, mas a verdade e que ele tinha razão. Fazia pouco tempo
que conhecia a Mariana, mas eu gostava bastante de conversar com ela, eu esquecia
aquele bairro horrível, dos meus pais e suas brigas, e do que havia acontecido com o
meu primo Bruno.

Era domingo à noite e eu estava me arrumando para sair, a ideia de ir para a missa me
pareceu tão brega e antigo e em alguns momentos pensei em desistir de tudo e ficar em
casa, o que era uma péssima ideia. Minha mãe estava na cozinha e meu pai estava na
sala assistindo algum jogo, quando passei por ele senti o cheiro forte de álcool, ao lado
dele havia uma garrafa de cachaça.

-Ei Mauricio, tá todo arrumado, para onde tu vai?- meu pai me perguntou quando me
viu.

- Vou à igreja, encontrar com uma amiga-.

-Amiga? Parece um gay falando, eles que dizem “amiga isso; amiga aquilo”- meu pai
falou rindo, ele estava vermelho, provavelmente por causa da bebida.

Não respondi e segui em direção à porta.

- No meu tempo eu já teria traçado essa menina, não saia por ai dizendo que ela é minha
amiga, tu é um frouxo Mauricio isso sim-. Meu pai continuou rindo.

Sai de casa e segui andando, o bairro estava movimentado naquela noite, a lua estava
cheia, deixando o lugar muito bonito. Depois de alguns minutos caminhando e
admirando aquele lugar, ate tinha esquecido o meu pai, finalmente cheguei á igreja.

A Paróquia de São José era um lugar muito grande, estava em período de festividade, e
as pessoas estavam se organizando para homenagear o padroeiro, na frente da igreja
havia uma movimentação de comerciantes montando barracas, não muito longe dali
havia um palco em que algumas bandas iriam se apresentar, era uma festa importante
para o bairro.

Quando entrei na igreja, procurei um lugar para sentar, a missa já havia começado,
percebi que grande parte das pessoas usava uma camisa branca com o rosto de um
homem estampado, era uma missa de sétimo dia, algumas pessoas estavam chorando, o
lugar estava desconfortável.

Que belo encontro eu tinha marcado.

Olhei para os bancos que estavam atrás de mim e vi que Mariana tinha acabado de
chegar, ela estava usando o vestido de girassol, acenei para ela e ela me viu. A missa
prosseguiu, e estava um tédio ficar naquele lugar, voltei a olhar para Mariana, e fazia
uma arma com mão e fingia que atirava na minha cabeça, ela começou a rir, mas
algumas pessoas me olhavam com o ar de reprovação.

A missa não estava nem na metade quando Mariana fez sinal para a gente sair, ideia que
concordei prontamente. Na frente da igreja encontramos a Velha Maria, uma senhora
que aproveitava as missas fúnebres para vender velas, e como naquele bairro quase toda
semana tinha esse tipo de evento, ela lucrava com isso.

Ficamos um tempo andando pelas barracas que tinha na frente da igreja e depois
seguimos para a praça que ficava ali perto, o lugar estava mais calmo, não tinha tantas
pessoas, nos sentamos na grama e ficamos ali conversando.

-Ainda bem que a gente saiu daquele lugar, estava muito chato-. Eu falei.

-Verdade, o lugar estava bem triste, eu não gosto de lugares assim-. Disse Mariana

-Tá morando no lugar errado então, não tem nada mais triste do que esse lugar-.

-Eu não acho que é um lugar tão ruim assim, tem lugares legais como essa praça, e
também sempre gostei de passear de bicicleta pelo bairro-.

Fiquei pensando um pouco, e perguntei.


-Você pensa em se mudar daqui? Tipo, tu pode arrumar um trabalho que pague muito,
pode ser até com os teus desenhos, tu desenha muito bem, muito melhor que eu.

-Obrigada- ela disse sorrindo- mas... A verdade e que sempre pensei no desenho como
passatempo, sabe qual é meu sonho?-.

-Não, qual é?-.

-Sei que pode ser meio bobo, mas eu sempre quis ser uma bailarina-.

Quando ela falou isso, me lembrei do desenho que tinha visto no caderno dela.

-Serio? Mas... Por quê? Não que seja ruim, e que... Não é algo muito comum-.

-Tenho uma tia que mora em outra cidade, um dia ela veio me visitar, e me levou para
passear, fui para vários lugares naquele dia, mas o que eu mais gostei mesmo foi uma
apresentação de balé em um teatro, as meninas que dançavam estavam muito bonitas.
Lembro até hoje da musica, dos movimentos que elas faziam... -.

Nesse momento Mariana fechou os olhos e começou a murmurar uma música, e fazia
uns movimentos com os braços como se fosse uma bailarina. Enquanto ela estava
fazendo aquilo eu sorri, mas minha atenção foi roubada quando vi uma mancha roxa no
braço dela.

-Desculpe, eu devo parecer ridícula fazendo isso- ela disse um pouco envergonhada e
cruzando os braços.

-Não não, que isso, é um sonho legal- falei tentando conforta-la. -Sabe... Ultimamente
eu tenho pensado bastante em trabalhar com desenho-.

- É uma boa mesmo, tem melhorado bastante- ela se levantou- vamos batalhar para
realizar os nossos sonhos Mauricio-.

Eu me levantei também, percebi que já estava ficando tarde e voltamos para casa.
Durante a volta encontrei o velho Alberto ele estava um pouco bêbado, mas quando me
viu com a Mariana, me olhou com um sorriso sacana e piscou.

Quando chegamos perto da rua onde eu morava a gente se despediu, ela me abraçou e
me deu um beijo no rosto, depois seguiu para a rua da casa dela. Enquanto eu estava
voltando para casa eu deveria estar que nem um idiota andando pela rua e com um
sorriso bobo na cara.

Passei na frente de um crucifixo grande que estava na porta de uma casa, era uma das
paradas para a procissão, um pássaro escuro pousou em cima dele e ficou fazendo um
barulho esquisito.

*
Parte 4

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