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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

DISCIPLINA: PESQUISA EM PSICOLOGIA I


UFC

RELATÓRIO FINAL

“Um estudo sobre as diferenças de apropriação do espaço e de identidade social


urbana entre grupos de jovens e de idosos em relação à cidade de Nova
Jaguaribara”

PROFª. IDILVA MARIA PIRES GERMANO


ORIENTADOR(A) DO PROJETO:

CENTRO/UNIDADE: CENTRO DE HUMANIDADES

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
DEPARTAMENTO/SETOR:

LOCAL DE EXECUÇÃO: FORTALEZA / NOVA JAGUARIBARA (CE)

DATA DE DATA DA
INÍCIO: CONCLUSÃO:
AGOSTO/2007 DEZEMBRO/2007
APRESENTAÇÃO

GRANDE ÁREA DO CONHECIMENTO CIENCIAS HUMANAS


(CNPq):

ÁREA DO CONHECIMENTO (CNPq): PSICOLOGIA

SUB-ÁREA DO CONHECIMENTO PSICOLOGIA SOCIAL


(CNPq):

ESPECIALIDADE DO CONHECIMENTO PSICOLOGIA AMBIENTAL


(CNPq):

EQUIPE EXECUTORA:

IDILVA MARIA PIRES GERMANO ORIENTADORA

ARIELA OLIVEIRA HOLANDA PESQUISADORA

BYANKA GOMES M. CAMPOS PESQUISADORA

CAMILA ALVES SOARES PESQUISADORA

CAMILA MOREIRA MAIA PESQUISADORA

FERNANDA CARVALHO DE ALMEIDA PESQUISADORA

TIAGO MONTEIRO SOUSA PESQUISADOR


INTRODUÇÃO

A problemática do estudo em questão surgiu do interesse do grupo em saber quais foram os


impactos psicossociais decorrentes da transposição da população da antiga cidade de Jaguaribara-
CE por ocorrência da construção do Açude Castanhão. Os estudos de Pol e Valera sobre
apropriação do espaço e identidade social urbana apontam para o fato de que a transferência brusca
de pessoas dos seus locais de origem para outros lugares não familiares acarreta conseqüências
desestruturantes para a identidade desse povo. Buscamos, então, além dos dois autores citados,
referenciais teóricos na Psicologia Ambiental para compreender quais relações do homem com o
ambiente são responsáveis por esse “sentimento de pertença” a um lugar, pela identificação das
pessoas com os seus entornos e, ainda, quais são os processos que levam à “apropriação do espaço”,
ou seja, à transformação desse espaço em um lugar dotado de significados e afetos.
A antiga cidade de Jaguaribara teve sua origem no final do século XVII, próximo do rio
Jaguaribe, em uma fazenda destinada à criação de gados. Em 1786, o povoado de Santa Rosa, como
era chamado na época, foi doado à Igreja Católica e, em 1957, o Decreto Lei de nº. 3550, de 9 de
março deste mesmo ano, promoveu-o a município, já que, até então, era distrito de Jaguaretama.
Em 1985, chegam a Jaguaribara as primeiras notícias da construção do Açude Castanhão,
uma obra faraônica que tinha como objetivo: “acabar com as inundações do Vale Jaguaribe, irrigar
43 mil hectares de terras férteis no Baixo Jaguaribe, abastecer de água a cidade de Fortaleza, gerar
22,5 megawatts de potência, através da instalação de uma usina hidrelétrica, produção de 3.800
ton/ano de pescado, criação de um pólo turístico” (JAGUARIBARA, 2003) e “contribuir para a
transposição das águas do Rio São Francisco” (IMOPEC, 1995). Mas, para que esse açude fosse
construído, foi necessária a inundação da área urbana e de parte da área rural do município de
Jaguaribara, com o conseqüente deslocamento da população local para uma cidade planejada.
Diante dessa realidade, o povo de Jaguaribara se reuniu, fez abaixo-assinados, participou de
debates, de seminários e de encontros e realizou visitas a outras localidades atingidas por projetos
semelhantes. Engajaram-se em mostrar a incoerência do projeto, haja vista que poderiam ser
construídas “de 10 a 12 barragens de porte médio e grande no vale do rio Salgado, afluente
principal da margem direita do rio Jaguaribe e no alto Jaguaribe” (IMOPEC, 1995, p.79). Evitar-se-
ia, portanto, o grande impacto ambiental sobre a área e, principalmente, o deslocamento de 8 mil
pessoas da sua cidade de origem.
Foram quinze anos de luta, mas os políticos da época (1985 a 2000), os coordenadores do
DNOCS e os grandes empresários não ouviram os clamores do povo. Assim, inevitavelmente, o
açude Castanhão foi inaugurado em 2002. O povo de Jaguaribara foi transferido para Nova
Jaguaribara, uma cidade planejada “em pleno sertão cearense, sob o sol de 40ºC, cercada de
caatingas” (site jaguaribara.ce, 2007) e a quilômetros do rio que, antes, fazia parte do cotidiano
daquelas pessoas.
É importante frisar que muitas das promessas midiáticas que foram feitas para convencer a
população a aceitar a indenização por suas casas não foram cumpridas. O problema das inundações
pelo qual passam as populações ribeirinhas não foi resolvido e muitas famílias sertanejas ainda
sofrem com a falta de água e de energia. Segundo José Josivaldo Alves de Oliveira, agricultor
desapropriado e representante da direção nacional do MAB (Movimento dos Atingidos por
Barragens), o governo deu apenas casa e terra para a população rural, mas nenhum incentivo
agrícola, como sementes e adubos, para que eles pudessem recomeçar suas vidas e se auto-
sustentarem.
Outra questão importante é a baixa correlação que houve entre a melhoria estrutural de vida
e o bem-estar subjetivo da população. Segundo Bomfim (2007), “foi visível a melhora das
condições de vida da população nos aspectos estruturais. As ruas são mais amplas, há facilidade de
circulação, todos os lugares estão conectados, as casas são funcionais e dispõem de água, energia
elétrica e saneamento básico e espaço livre para ampliações. Houve também “a construção de
escolas, centros de saúde e de várias praças.”. No entanto, muitas pessoas relatam que preferiam a
cidade antiga, mesmo que esta estivesse em condições inferiores do que as citadas acima.
Ainda segundo os estudos de Bomfim (2007), percebemos que essa postura de preferência à
cidade antiga não perpassa todas as parcelas da população, ela é mais intensa em idosos que em
jovens ou em adultos. Recortando, então, o objeto de nosso estudo, pretendemos compreender quais
as particularidades da relação com o ambiente de um grupo de idosos e de um grupo de jovens que
acarretam posicionamentos diferentes frente ao seu entorno. Utilizaremos para tanto,
principalmente, os conceitos de “apropriação do espaço” e de “identidade social urbana” de Pol
(1996), bem como algumas outras categorias da Psicologia Ambiental como “sentimento de
pertença”, “topofilia”, “territorialidade” e “qualidade de vida”.
Segundo Pol (1996), a apropriação do espaço se dá em dois momentos: o da ação-
transformação e o da identificação. Portanto, para que a pessoa se identifique com um lugar é
necessário que ela aja sobre ele, que ela imprima suas marcas nele e que assuma como seus os
produtos de sua ação. Dessa forma, o indivíduo passa a reconhecer-se no seu ambiente e depois que
essa identificação se estabelece, ele tende a mantê-la, a ter uma resistência à mudança para que não
perca uma das referências do seu eu (significação de si mesmo) propiciadas por essa relação com o
espaço:
Cuando al envejecer, los rásgos psicológicos de las personas se
rigidifican y agudizan, se pierde flexibilidade y se genera más resistência al
cambio, la desubicación de la persona de su lugar suele tener efectos
nefastos. (POL, 1996).
Segundo Pol e Valera (1994), a identidade social é derivada da pertença e da filiação a
grupos com os quais as pessoas se identificam e com que compartilham atribuições externas e
internas. Isso significa dizer que, quando há identidade social numa população de determinado
lugar, as pessoas se reconhecem como sendo pertencentes ao mesmo grupo, fazem uso dos mesmos
significados, possuem códigos em comum e características semelhantes (desde o seu modo de vida
a formas de linguagem). Além disso, há a identificação das pessoas com os espaços, à medida que
elas se relacionam com estes, que elas agem para transformá-los, simbolizando-os de acordo com
seus próprios sentidos ou em consonância com os significados coletivos. Dessa forma, forja-se a
identidade de lugar. Quando pessoas que se identificam com um mesmo lugar (no caso em questão
com uma cidade), formam, também, identificações entre si (identidade social), surge, então, o que
chamamos de identidade social urbana. Assim, a retirada brusca de uma população de sua cidade de
origem para outra gera uma perda dessa identidade social urbana, já que esta se forma, também, a
partir das relações estabelecidas com os entornos:
Las resistências a los realojamientos de las personas mayores,
aunque sea para aceder a lugares objetivamente más confortables, pero que
no tienen la carga simbólica de su historia personal y social. Su identidad se
vê menoscabada por la perdida de sus referentes funcionales y simbólicos,
difíciles de reconstruir a edades avanzadas, como se ponia claramente de
manifesto em um estúdio de los efectos sociales de la renovación del centro
antiguo de Barcelona (POL e VALERA, 1994).

A identidade social urbana está diretamente relacionada ao sentimento de pertença, uma vez
que o reconhecimento das particularidades do entorno pelos indivíduos é proporcional ao grau de
familiaridade destes com o meio. O ser humano, assim como os outros seres vivos, tem a
necessidade de marcar seu território, para sentir que aquele lugar lhe pertence (não no sentido de
posse, mas no sentido de fazer parte de si mesmo), uma vez que isto o ajuda a orientar-se e a
preservar sua própria identidade. O sentimento de pertença, como a identidade de lugar, é um
resultado do processo de apropriação dos espaços, ou seja, é a atuação em determinado lugar que
faz brotar a sensação de fazer parte deste.
A essa identificação não se pode deixar de somar a estima que também surge por ocasião da
apropriação do espaço no qual se viveu durante grande parte da vida. É nesse contexto que se insere
o conceito de topofilia que, segundo Tuan, “engloba todos os laços afetivos que o homem
estabelece com o ambiente material” (1983), de maneira que quanto mais fortes forem estes laços,
mais o ambiente se torna um poderoso veículo simbólico e emocional. Tuan acrescenta, ainda, que
o tempo de relação com esse ambiente determina o grau de afeição por ele, por isso, diz que “a
consciência do passado é um elemento importante no amor pelo lugar” (1983), que “ a história é
responsável pelo amor à terra natal” (1983) e, a partir disso, podemos começar a compreender os
motivos pelos quais idosos relutam tanto em abandonar seus locais de origem. Assim:
Ser despejado, pela força, da própria casa e do bairro é ser despido
de um invólucro, que devido à sua familiaridade protege o ser humano das
perplexidades do mundo exterior. Assim como algumas pessoas são
relutantes em abandonar um velho casaco por um novo, algumas pessoas –
especialmente idosas – relutam em abandonar seu velho bairro por outro
com casas novas. (TUAM, 1983 p. 114).

A noção de territorialidade trata de algo referente ao espaço físico objetivo e da avaliação


subjetiva que o sujeito realiza individualmente ou inserido em um grupo. Pode-se pensar essa
territorialidade em três instâncias: a primária (habitação), a secundária (vizinhança) e a pública
(cidade). Todas três proporcionam a orientação dos indivíduos nos espaços, oferecem pontos de
referências que permitem “o caminhar” pelas ruas da cidade sem se perder. Esses referenciais se
forjam através desse próprio caminhar que gera construções simbólicas a partir de relações sócio-
ambientais. Dessa forma, ao se retirarem as instâncias territoriais das pessoas, como ocorreu em
Jaguaribara, desencadeia-se uma sensação coletiva de desorientação. Isso pode ser visto no seguinte
discurso de um dos moradores ressaltado nos estudos de Bomfim:
Quase que eu não encontrava minha casa, eu entrava na casa de um
e de outro. Quando você olha pra trás, você não sabe se caminhou muito ou
pouco porque as casas são todas iguais e se a gente não presta atenção,
sofre muito andando (2007).

Como foi apontado nos estudos de Bomfim, a correlação entre melhorias estruturais da
cidade de Jaguaribara e a qualidade de vida dos habitantes não foi alta. Isso porque não se pode
entender qualidade de vida somente como a satisfação de necessidades básicas como água, esgoto,
lugar para morar, energia, etc., é necessário que se leve em consideração um bem-estar subjetivo
que é o resultado de uma multiplicidade de fatores dentre os quais está a identidade de lugar. O
simbolismo do espaço que contribui para a formação dessa identidade é, segundo Pol &Valera,
determinante do bem estar social:
En estúdios propios sobre la calidad de vida em Barcelona, hemos
podido constatar el cumplimiento de la tendência – que también se há
observado en otros estúdios – de que, entre otros factores, si existe uma
buena identificación com la ciudad, si existe uma identidad de lugar
potente, el nível de satisfacción global del ciudadano es más elevado que si
no existe. (POL & VALERA, 1994)

Por fim e por tudo isso que foi exposto acima, partimos da hipótese de que os impactos
psicológicos gerados pela brusca mudança da antiga cidade de Jaguaribara para a Nova Jaguaribara
foram maiores na população de idosos do que na de jovens. Dessa forma, pretende-se aprofundar as
peculiaridades da relação desses dois grupos com o ambiente, a fim de descrever os processos pelos
quais isso se dá.
OBJETIVOS

Objetivo Geral

 Aprofundar a compreensão da dinâmica sujeito / entornos sócio-físicos, investigando como


as relações pessoa / ambiente constituem o indivíduo, transformam a realidade e que
impactos para o sujeito podem advir de intervenções ambientais. Através da escuta de
jovens e idosos, moradores de Nova Jaguaribara, buscaremos perceber como a mudança
não-espontânea de cidade afetou esses indivíduos de diferentes faixas etárias.

Objetivos Específicos

 Realizar uma leitura mais aprofundada da realidade estudada, fazendo uso de alguns
conceitos da Psicologia Ambiental, e estando abertos para o questionamento e a ampliação
dos conceitos utilizados através dessa confrontação com a prática;

 Desvelar que elementos atuam para diferentes graus de percepção ambiental, averiguando
semelhanças e diferenças de percepção ambiental de jovens e idosos, considerando, além da
faixa etária, a história de vida desses sujeitos, em todos os âmbitos relacionais possíveis;

 Contribuir para as reflexões, experiências e para ampliação dos conhecimentos na área


emergente da Psicologia Ambiental, contribuindo também para a formação e experiência
profissional dos pesquisadores, que poderão, durante a própria realização da pesquisa e após
o seu término, fornecer um retorno à sociedade;

 Aliar aos recursos metodológicos da área de Psicologia Ambiental o método da


entrevista episódica de Flick.
METODOLOGIA

I. Justificativa para o tipo de estudo adotado

Esta é uma pesquisa eminentemente qualitativa, ao passo que visou compreender processos
subjetivos como apropriação do espaço e identidade social urbana, sendo esta considerada como
uma das referências do eu, ou seja, significação de si mesmo propiciada por uma identidade que
envolve o entorno sócio-físico. Buscamos compreender esses processos pela tentativa de apreensão
dos afetos (entende-se tudo que afeta, tendo estima positiva ou negativa) através do discurso dos
habitantes de Nova Jaguaribara sobre esta cidade e sobre a antiga Jaguaribara (entrevistas semi-
diretivas).

II. Etapas de desenvolvimento da pesquisa

1. Estudo do referencial teórico citado na Introdução


2. Visita ao IMOPEC (Instituto da Memória do Povo Cearense)
3. Apresentação do projeto de pesquisa
4. Visitas à Nova Jaguaribara
5. Coleta de dados (formação do corpus de pesquisa)
6. Análise dos dados (análise de conteúdo)
7. Apresentação do relatório final da pesquisa.

III. Contexto e participantes

O perfil dos participantes foram quatro jovens de 15 a 20 anos, de ambos os sexos, e quatro
idosos com idade a partir de 60 anos, também de ambos os sexos. Foi condição indispensável que
os jovens e os idosos que participaram da pesquisa tivessem morado na antiga cidade de Jaguaribara
(zona rural ou urbana), e que residam, atualmente, na cidade de Nova Jaguaribara.
A seleção das pessoas entrevistadas foi feita por nós juntamente com o responsável pela
Casa da Memória de Nova Jaguaribara. Este contato na cidade foi conseguido pela equipe de
pesquisa através da visita realizada ao IMOPEC (Instituto da Memória do Povo Cearense), com o
apoio da diretora desta instituição. É importante ressaltar que os participantes, após uma conversa
com a equipe de pesquisadores acerca do tema estudado, decidiram participar livremente das
entrevistas, assinando o termo de consentimento livre esclarecido, e para os menores de idade
solicitou-se a assinatura de um responsável pelo mesmo.
IV. Procedimentos para coleta de dados

Inicialmente, a equipe de pesquisadores se reuniu para planejar como seriam as entrevistas


e o que era fundamental abordarmos nessa exploração. A partir do tema da nossa pesquisa: “Um
estudo sobre as diferenças de apropriação do espaço e de identidade social urbana entre grupos de
jovens e de idosos em relação à cidade de Nova Jaguaribara” fez-se uma investigação do que seriam
essa apropriação do espaço e essa identidade social urbana e como iríamos apreender estes
conceitos.
Utilizando os conceitos acima citados, a equipe esboçou uma classificação para facilitar a
apreensão destes nas entrevistas. Vale ressaltar que essa é uma divisão meramente didática para
uma melhor compreensão de como foram feitas as entrevistas.

CONCEITOS
Apropriação do espaço Identidade Social Urbana
Participação Sentimento de pertença
Cuidado com a cidade e com os outros Qualidade de vida
Territorialidade
Topofilia

Foi tomado como base o texto de Flick (2002) que traz nove fases para a elaboração da
entrevista. Essas fases são:
FASE 1- Preparação da entrevista: consiste em elaborar um guia de entrevista.
FASE 2- Instrução do entrevistado: consiste em explicar o que será investigado e
familiarizá-lo com o tema.
FASE 3- Concepção do entrevistado sobre o tema a ser investigado.
FASE 4- Pertinência do tema na vida cotidiana: investiga como o fenômeno pode estar
presente nas relações cotidianas do entrevistado e de que forma o afeta.
FASE 5- Enfoque nos temas centrais do estudo: concentra-se nos aspectos-chave do tema e
pode ser definido como a questão central da pesquisa em estudo.
FASE 6- Tópicos gerais mais relevantes: traz as opiniões e reflexões do entrevistado,
ampliando o alcance da entrevista.
FASE 7- Avaliação e conversa informal: parte importante na entrevista, pois o entrevistado
pode dar sua opinião quanto ao processo da entrevista bem como trazer informações
adicionais não contempladas na entrevista formal.
FASE 8- Realização de anotações pós-entrevista: através de uma ficha de documentação (em
anexo) são anotadas informações relevantes da situação bem como do entrevistado.
FASE 9- Análise das entrevistas episódicas. Realiza-se a análise das entrevistas a partir de
uma metodologia específica. No caso desta pesquisa, será utilizada a análise de conteúdo
que será explicada posteriormente.
Podemos ver que esses passos tentam trazer, inicialmente, uma concepção ampla do tema e
depois há um estreitamento do foco do estudo. Isso se refletiu no roteiro de entrevista (em anexo),
elaborado pela equipe de pesquisadores.
Após a elaboração das entrevistas e dos critérios das pessoas a serem entrevistadas, a equipe
planejou a visita de campo à cidade de Jaguaribara para a coleta de dados da pesquisa. A viagem foi
realizada no dia 7 de setembro de 2007 e a equipe de seis pesquisadores ficou na cidade até o dia 9
de setembro de 2007.
Preparou-se um roteiro de atividades para os respectivos dias na cidade, de modo a
contemplar todos os aspectos da pesquisa. No primeiro dia, fizemos contato com o responsável pela
Casa da Memória de Jaguaribara que nos acompanhou numa visita à cidade. Conhecemos um pouco
da dinâmica desta, seus principais pontos turísticos, fizemos uma visita à Casa da Memória, onde
estão guardadas muitas relíquias da cidade antiga e recebemos a indicação das pessoas a serem
entrevistadas. No dia seguinte, fizemos a divisão da equipe em duas frentes de atuação, cada trio
ficou responsável por quatro entrevistas. No último dia, a equipe de pesquisadores fez os
encaminhamentos pendentes do dia anterior e procurou conhecer um pouco mais a cidade.
Logo que chegamos à cidade, ao entrar pela estrada que liga a BR-116 à Nova Jaguaribara,
deparamo-nos com uma via bastante larga, calçada em paralelepípedo, na qual havia uma rotatória
de grandes dimensões, algo que não se encontra frequentemente numa cidade de interior. Ao
entrarmos na cidade, fomos surpreendidos pelo esvaziamento das ruas, dando a impressão de cidade
abandonada. Além dessas percepções iniciais, ao longo da viagem, tivemos a oportunidade de entrar
em contato com a dinâmica da cidade durante o feriado. Dessa forma, é importante falarmos da
impressão de vazio que sentirmos ao andarmos pelas ruas. Vimos poucas pessoas nas praças,
inclusive à noite quando, normalmente, comparando com outras cidades de interior, grande número
de pessoas se reúnem. Percebemos que há dificuldades de deslocamento na cidade. Algumas
pessoas tem de percorrer uma longo caminho sob o Sol, também devido à arborização insuficiente
ou inadequada, para ir de sua casa até à igreja, por exemplo. Conhecemos, também, numa das
noites, a dinâmica da praça principal, onde se localiza o mercado. Não sentimos uma integração
entre as pessoas, elas ficavam extremamente dispersas pelo lugar (de grandes dimensões), como se
não estivessem todas juntas num mesmo espaço. Por volta de dez horas da noite, as pessoas
começaram a voltar para as suas casas, os estabelecimentos comerciais começaram a fechar e a
praça foi ficando cada vez mais vazia. Logo após, também nos recolhemos. Tentamos, então, relatar
algumas impressões causadas pelo contato com a cidade, mas temos a convicção de que
dificilmente conseguiremos abranger sua intensidade e complexidade nesse relato.
Quanto à realização das entrevistas, inicialmente havia uma apreciação inicial que
contemplava nossa apresentação pessoal, a explicitação dos objetivos da pesquisa, o porquê do
termo de consentimento livre e esclarecido, a autorização para a gravação da entrevista e a
solicitação da assinatura do termo pelo participante, caso este estivesse de acordo em participar.
É importante ressaltar que os dados básicos de cada participante foram anotados numa
ficha à parte onde eram adicionadas informações complementares como: data da entrevista, nome,
idade, sexo e ocupação do entrevistando, entre outras informações.
As entrevistas se propunham realizar-se de maneira informal, espontânea e confortável.
Duas das entrevistas dos jovens foram realizadas na igreja matriz da cidade, onde eles participavam
do grupo de jovens e as entrevistas dos idosos foram realizadas nas casas dos mesmos, exceto a do
idoso 2 que foi realizada em seu estabelecimento comercial.
Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas.

IV. Procedimentos para análise das informações

Utilizamos como metodologia de análise de dados a Análise de Conteúdo, em virtude de


pensarmos que os discursos proferidos pelos sujeitos entrevistados são carregados não só de
sentidos individuais, forjados a partir da experiência destes com a cidade em suas versões antiga e
nova, mas também de significados coletivos, construídos socialmente. E é a partir desse último que
poderemos ter uma visão mais geral da forma como os dois grupos em questão se relacionam com
seus entornos.
A análise foi feita a partir das respostas dos dois grupos estudados, os jovens e os idosos.
Cada entrevista foi analisada individualmente e esta análise foi feita por tema. Para M. C. D´Unrug,
“o tema é uma unidade de significação complexa de dimensões variáveis; sua realidade é de ordem
psicológica, não de ordem lingüística: tanto uma afirmação quanto uma alusão pode constituir um
tema” (1947, p.56 apud Richardson, 1999, p.235). Segundo Richardson, “o tema tem sido
amplamente utilizado como unidade de registro para o estudo de motivações, opiniões, atitudes,
crenças, etc.” (1999, p.239).

Visando manter a “objetividade, a homogeneidade, exaustividade e a exclusão”


(Richardson,1999, p.223) da nossa análise, elaboramos uma tabela, separada por categorias, para
analisar as falas mais significativas. Segundo o referencial teórico adotado e explicitado na
introdução, subdividimos as duas categorias principais: apropriação do espaço e identidade social
urbana em outras dimensões, a fim de melhor darmos conta dos temas encontrados nos discursos
dos entrevistados. Dessa forma, classificamos um tema como apropriação do espaço quando este
se referia à participação em movimentos sociais, em eventos culturais e na modificação do próprio
espaço individual do entrevistado; ao cuidado empreendido aos espaços públicos e privados e aos
outros habitantes da cidade; à forma como o sujeito demarca o seu território e se orienta na cidade
(territorialidade); e aos laços afetivos estabelecidos com o lugar (topofilia). Por sua vez,
consideramos como identidade social urbana o sentimento de pertencer ao lugar (Jaguaribara
antiga ou Nova Jaguaribara) juntamente com o ato de identificar as pessoas como sendo habitantes
da antiga ou da nova cidade, através de determinadas características; e a qualidade de vida das
pessoas antes e após a mudança de cidade, pois, segundo Valera, como foi visto na revisão
bibliográfica, há grande correlação entre qualidade de vida e identidade de lugar, o que será melhor
explicitado na sessão posterior.

Foi feita, ainda, uma divisão dos temas referentes à antiga e à nova cidade de Jaguaribara, a
fim de sabermos se as diferenças de apropriação do espaço e de identidade social urbana em relação
às duas cidades se assemelham ou se diferenciam nos dois grupos entrevistados. (Para uma melhor
compreensão da metodologia de análise ver Tabelas em anexo).

V. Cuidados éticos

Para a realização da pesquisa, consideramos importante que todos os entrevistados (ou


responsáveis) assinassem o termo de compromisso aceitando as condições apresentadas.
A equipe de pesquisa também assumiu como compromisso dar a devolutiva do trabalho para
a Casa da Memória de Nova Jaguaribara, contribuindo, assim, para o acervo desta, e para os demais
entrevistados que, por ventura, queiram ver o resultado da nossa pesquisa. Desta forma, acreditamos
que podemos difundir os conhecimentos produzidos na Academia para a sociedade, valorizando,
assim, a participação das pessoas que contribuíram com a construção da pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta sessão, serão apresentados os resultados obtidos a partir da análise dos dados. Como
já explicitado, o processo de apropriação do espaço e a identidade social urbana em jovens e em
idosos foram investigados através da análise de conteúdo das entrevistas realizadas. Nesta análise
buscamos identificar nos discursos dos participantes as categorias participação, cuidado,
territorialidade e topofilia que podem estar nos indicando um processo de apropriação do espaço; e
as categorias sentimento de pertença e qualidade de vida que podem ser indicativas da definição de
uma identidade social urbana.
Como/em que medida essas subcategorias podem nos indicar apropriação do espaço e
identidade social urbana?
A apropriação do espaço é a transformação de um espaço em um lugar, de forma que o
lugar é um espaço dotado de significados e afetos. Segundo Bomfim (2003), “o espaço não tem a
marca da identificação do cidadão, enquanto o lugar é a conseqüência de um processo de
apropriação”. Apropriar-se de um espaço não significa apenas reconhecê-lo e utilizá-lo de forma
reconhecida; é ir além e estabelecer uma relação com ele, integrá-lo na própria vivência, criar raízes
e deixar as próprias marcas, ser ativo na sua organização e transformação (LAUWE apud POL,
1996). A apropriação, por possibilitar a transformação de espaços em lugares e a conseqüente
identificação com esses lugares, pode promover o cuidado em relação ao lugar apropriado. Deste
modo, explicamos a seguir como essas subcategorias indicam apropriação do espaço:
 Estabelecer uma relação com um espaço, integrá-lo na própria vivência, “criar
raízes” são acima descritos como atributos de um processo de apropriação do espaço.
Sempre que se estabeleceu uma relação com um espaço, que este foi integrado na
própria vivência, que nele a pessoa “criou raízes”, podemos dizer que há vínculos
afetivos em relação ao lugar (topofilia). Logo, quando os indivíduos manifestarem
algum grau de topofilia, isso pode pressupor um processo de apropriação do espaço.
Portanto topofilia é indicativa;
 “Criar raízes e deixar as próprias marcas” são descritos como parte do processo de
apropriação. A territorialidade – considerada em 3 instâncias: primária (habitação),
secundária (vizinhança) e pública (cidade) – é a demarcação, a delimitação de um
espaço próprio (“minha casa”, “minha cidade”, “minha terra”) e pode ser concebida
como aquilo que oferece pontos de referências referência para o “eu” (em seus
aspectos objetivos e subjetivos), gerando orientação aos indivíduos nos espaços.
Ocorre essencialmente através da ação-transformação, que significa “deixar as
próprias marcas”, ou seja, transformar um espaço de modo a criar as próprias
referências, num sentido mais objetivo (referências do “eu” concretizadas/ concretas
referências do “eu”). A territorialidade pode ser identificada também quando há o
reconhecimento um lugar como sendo a sua origem, significa reconhecer raízes e
isso é também uma referência do “eu” e gera orientação, mas entenda-se aqui uma
referência de cunho mais subjetivo: “de onde eu venho”, “o lugar onde nasci”. Deste
modo, podemos dizer que quando os indivíduos demonstrarem algum grau de
territorialidade, isso pode remeter ao processo de apropriação do espaço. Portanto,
territorialidade é indicativa.
 “Ser ativo na sua organização e transformação”. Ser ativo na organização e na
transformação de um lugar é descrito como algo característico do processo de
apropriação. A subcategoria participação engloba o engajamento em movimentos
sociais, participação em eventos culturais, o trabalho realizado, que são atividades de
organização e transformação em um lugar (aqui entendido num sentido mais
coletivo), além de demonstrarem implicação, um “sentir-se” responsável. Deste
modo, quando os indivíduos demonstrarem algum grau de participação, isso pode ser
alusivo ao processo de apropriação do espaço. Portanto, participação é indicativa.
 O cuidado é descrito como uma atitude característica da relação de uma pessoa com
um ambiente com o qual há identificação. Esta pode ser descrita como uma etapa do
processo de apropriação do espaço, posterior à etapa da ação-transformação (mas
sabendo que este é um processo cíclico: a pessoa age/transforma e se identifica e, à
medida que se identifica, age e transforma). Essa identificação significa que o
ambiente é sentido como uma extensão do “eu” e, simultaneamente, como
constituinte desse “eu” (sem o qual a noção de “eu” não seria possível), ou seja,
como uma extensão da própria identidade ao mesmo tempo em que essa identidade
só se faz possível nesse ambiente. Essa percepção, referente à etapa da identificação
do processo de apropriação do espaço, leva a uma atitude de cuidado. Isso ocorre na
medida em que nesse processo o indivíduo age/transforma um lugar de forma que
este possa ser a expressão daquelas características de si que se deseja expressar,
dando a sua própria “tonalidade” a este lugar. Ao agir e transformá-lo desse modo,
há uma retorno sobre o indivíduo, pois é provável que este se sinta tanto melhor num
lugar que expresse aquilo que ele deseja e que, portanto, provavelmente supre suas
necessidades; necessidades essas tanto práticas, objetivas, de orientação, por
exemplo, na eficiência com que encontro um objeto que procuro, quanto subjetivas
de expressar uma organização pessoal, psíquica, um funcionamento próprio que,
certamente, se manifesta na organização do quarto, da casa, no ato de empreender
reformas, etc. Diante do exposto, podemos afirmar que cuidado é indicativo da
apropriação do espaço, pois só cuida quem se sente responsável, só se sente
responsável quem, em alguma medida, se apropriou de um espaço. É importante
ressaltar que o cuidado é aqui considerado como uma atitude diante do mundo, ou
seja, não especificada como cuidado em relação a algo em especial. Por isso,
consideramos nos discursos dos entrevistados toda sorte de falas que relatassem
comportamentos demonstrativos dessa atitude de cuidado, seja em relação as
pessoas, seja em relação à própria casa, seja em relação à cidade, em uma palavra,
cuidado em relação ao ambiente, pois num conceito ampliado, o ambiente pode ser
desde o próprio corpo, em todos os seus constituintes, até o cosmos, como um todo e
em suas partes constituintes, onde se inclui o planeta Terra também em tudo aquilo
que o constitui (a terra, a água, as plantas, os animais, as pessoas).

A definição de identidade social urbana está relacionada a uma vinculação do indivíduo a


seus entornos urbanos concretos. Esta categoria “pressupõe um conjunto de atribuições elaboradas e
compartilhadas socialmente ou amplamente reconhecida por membros de outras categorias”
(VALERA e POL, 1994). As pessoas se identificam entre si também como membros de grupos ou
comunidades e por pertencerem a lugares específicos, ou seja, por um sentimento de pertencimento
a categorias sócio-espaciais concretas. De maneira geral, podemos considerar as categorias urbanas
como um tipo de categoria social utilizada para definir o que denominamos identidade social urbana
(VALERA, 1994). Diante disto, podemos afirmar que ao identificarmos na entrevistas uma fala que
denotasse em alguma medida sentimento de pertença, consideramo-nos autorizados em afirmar a
existência de identidade social urbana, já que àquele sentimento é característico dessa identidade. Já
a análise das condições de vida da pessoa (tanto em seus aspectos objetivos, como moradia,
educação, trabalho, lazer; quanto subjetivos, o que a pessoa sente e tem a dizer sobre suas
condições) levou-nos a diagnosticar a qualidade de vida dos entrevistados. A qualidade de vida foi
considerada indicativa de identidade social urbana por uma correlação que nos parece clara: quanto
maior o grau de satisfação (qualidade de vida) relativo ao entornos concretos, maior será a
probabilidade de que o sujeito sinta-se vinculado a esse entorno e pertencente a ele; e quanto mais
unânime for a opinião dos entrevistados no que tange à própria qualidade de vida, maior será o grau
de identidade social urbana, pois essa unanimidade não pode significar senão que há “um conjunto
de atribuições elaboradas e compartilhadas socialmente”.
A amostra de idosos entrevistada foi composta por quatro idosos, duas senhoras e dois
senhores, numa faixa de idade de no mínimo 60 anos; a de jovens, por quatro jovens, entre 15 e 20
anos.
No que tange às diferenças de apropriação do espaço em jovens e idosos, compararemos
aqui de que forma a apropriação se dá em cada grupo, comparando suas peculiaridades através das
subcategorias aqui utilizadas.
No quesito participação, que abrange engajamento em alguma ação social planejada, de luta
(participação na dinâmica política), participação em atividades de lazer e eventos tradicionais
(participação na dinâmica cultural/lazer e tradição) e trabalho/renda (participação na dinâmica
econômica), percebemos que para o grupo de idosos, de maneira geral, há uma intensa participação
nos três setores, principalmente na antiga cidade de Jaguaribara, de modo que a mudança para Nova
Jaguaribara acarretou, para todos, algum prejuízo em algum desses setores ou em mais de um deles.
No grupo de jovens, verificamos que a participação nesses setores era menos intensa na antiga
cidade, intensificando-se com a mudança para Nova Jaguaribara (principalmente em relação ao
engajamento em alguma ação social), Para os jovens, percebeu-se também que em relação à
educação, em Nova Jaguaribara há mais facilidades e mais qualidade. Assim, para o grupo de
idosos, a mudança acarretou uma diminuição de sua participação, seja pelo desânimo, pela angústia
(citada na entrevista com um idoso em relação à Nova Jaguaribara), pela falta de condições
concretas/práticas da cidade que possibilite a realização de atividades anteriormente executadas,
como agricultura, pecuária e pesca. Para os jovens, a mudança acarretou um aumento em suas
atividades, ou seja, para eles há uma maior participação em Nova Jaguaribara. Este é, então, um
fator favorável à apropriação do espaço para os jovens e um fator dificultoso para a apropriação do
espaço de Nova Jaguaribara entre os idosos
No quesito cuidado, observamos que entre os idosos, há um maior índice de
comportamentos de cuidar (inclui o pensar, por exemplo “preocupar-se com outra pessoa, com o
lugar”) e ações desenvolvidas nesse sentido do que entre os jovens. Estes, de maneira geral,
demonstraram algum grau de preocupação com a situação de pessoas mais humildes, com a cidade,
mas apenas um realiza alguma ação nesse sentido. Podemos dizer sobre isso que os idosos, por
agirem mais do que os jovens no sentido de cuidar, demonstram uma melhor apropriação, mesmo
que em relação à cidade antiga e talvez, exatamente por isso, mais cuidado também na cidade atual,
por perceberem que a mudança não foi fácil (cuidado é solidariedade, esta é sempre bem vinda em
momentos de dificuldade).
Quanto à territorialidade, esta se mostrou como algo muito forte para os idosos em relação à
antiga Jaguaribara. É esta antiga cidade que eles reconhecem como sua origem, foi lá que eles
“criaram raízes”, era nessa cidade que eles conversavam na calçada e era nela que faziam suas
caminhadas sem se perder, ou seja, era essa cidade que possuía as marcas de seus moradores,
pontos de referência, nela eles conseguiam se orientar. Em Nova Jaguaribara, muitos idosos se
perdem ainda hoje, não se orientam bem, as casas e ruas são muito parecidas, apenas aos poucos a
cidade vai ganhando o “rosto” de seus moradores. As distâncias são grandes, os vizinhos não são
mais os mesmos, exceto em alguns casos. Há ações-transformações (reformas na casa, cultivo de
jardins, etc.) no sentido de criar as próprias referências. Muitos dos discursos dos idosos
transmitiram que eles não sentem Nova Jaguaribara como a sua cidade, a sua terra; disseram “a
minha cidade é Jaguaribara, não é essa daqui” (referindo-se à Nova Jaguaribara). Quanto aos
jovens, por mais que também reclamem as enormes distâncias na cidade, a desnecessária
quantidade de praças e o grande tamanho dessas, motivos de dispersão, percebemos que eles se
orientam bem, mesmo tendo que percorrer enormes distâncias, e sentem aquela cidade um pouco
como “a sua cidade”. Diante disto, podemos dizer que os idosos possuem raízes mais profundas na
antiga cidade, talvez por isso o corte abrupto (a mudança não espontânea de uma cidade inteira, que
deixou de existir) pareça ser mais dolorosa e seja um fator contrário a uma apropriação de espaço de
maneira mais fácil como parece ocorrer com os jovens, nos quais as raízes ainda estão crescendo e
se aprofundando e já não estavam tão fincadas na antiga cidade como no caso dos idosos).
No que tange à topofilia, foi possível observar que, no caso dos idosos, os afetos
(sentimentos e emoções) relacionados à antiga Jaguaribara (vínculos sentimento/lugar) podem ser
fidedignamente transmitida através do trecho a seguir, relativo à entrevista com o idoso 2:
"Era a cidade do nosso xodó, do nosso segredo, da nossa
convivência, a vivência na infância e na juventude e depois até... depois de
constituir casamento e de constituir família, pois a cidade de Jaguaribara
antiga foi um amor que nasceu com a gente, porque lá a gente conviveu
com a grande juventude, que tinha naquela época..."

Visto isso, a antiga Jaguaribara é sempre descrita pelos idosos como uma cidade
aconchegante, simples, digna (ver entrevistas em anexo), uma cidade amada. Quanto aos vínculos
desses idosos com a cidade de Nova Jaguaribara, podem ser descritos por palavras e expressões
como : sofrimento, “é pior”, difícil, horrível, “perdi o gosto, o prazer”, angústia, constrangimento,
lamento, saudade, “essa mudança foi de cortar o coração”, tristeza, revolta, choro, “uma vida
deixada pra trás”, “não é brincadeira”, “não gostava da casa”, dispersão, esclerose, “canto pra não
chorar, “eu me conformo, é como se Jaguaribara fosse uma pessoa que morreu e acabou-se, não
volta mais”, “acho tudo diferente, muito longe”, “isso lá é cidade”, “me acostumei... mas sinto
saudade”. Assim, mesmo quando algum idoso relata, em alguma medida, gostar da cidade, essa
numa é uma declaração ausente da dor pela mudança, é uma conformação com o que não se pode
mudar, mas não sem revolta e dor. No caso dos jovens, a relação com a antiga Jaguaribara é
retratada por “eu sinto muita falta do rio”, que foi consideravelmente citado, dizem que a cidade era
mais aconchegante, mais animada, mas também que era uma cidade pequena, muito voltada para a
agricultura, “pra o povo ali dentro”, ou seja, pouco contato com o “mundo de fora”. Já a relação
com Nova Jaguaribara é ambígua, é “boa e ruim” (jovem 3), ruim pelas grandes distâncias e a falta
de emprego; boa pela escola, os amigos que se encontra lá, novas descobertas, “sensação de ser só
nossa”, “casa nova, cidade nova, tudo novo, foi uma festa”, relatam sentir-se com mais contato com
o “mundo de fora”, com as cidades próximas, com pessoas de outros lugares através da internet,
“visão maior das coisas”, mais informação e disseram que “jovem quer sempre estar mudando”.
Relatam também que a mudança foi um choque, foi dramática, mas é um discurso que não é tão
perpassado pela dor (como nos idosos), mas pela adaptação, pelas novas descobertas, pelo
declaração de que já se acostumaram e estão até gostando. Diante disto, podemos dizer que a
topofilia, em relação à Nova Jaguaribara, nos mostra que os idosos estão muito ligados à antiga
cidade, muito vinculados a ela, os sentimentos descritos no presente se referem à antiga cidade e
não à nova, e o que ocorre num processo de apropriação do espaço é a progressiva vinculação a um
espaço e esse processo dos idosos em relação à Nova Jaguaribara é bastante difícil. Enquanto isso,
os jovens demonstram aos poucos se vincularem a essa nova cidade, ou seja, a topofilia nos jovens
denota que um processo de apropriação do espaço está ocorrendo sem muitas dificuldades.
Por fim, quanto à definição de uma identidade social urbana, as falas que dizem respeito ao
sentimento de pertença, mais uma vez nos confirmam que os idosos não se sentem verdadeiramente
pertencentes à Nova Jaguaribara; enquanto os jovens, mesmo reconhecendo as dificuldades de se
viver ali, se sentem, em alguma medida, pertencentes à cidade. E, no que diz respeito à qualidade de
vida, a melhora estrutural da moradia é sabida para dois dos idosos, mas alguns foram privados da
possibilidade de continuar exercendo suas atividades na agricultura, pesca e pecuária, a maioria está
aposentada, o que pode ainda aumentar o tempo ocioso e, no caso de todos eles, não há um conforto
subjetivo satisfatório. Quanto aos jovens, as condições de moradia, educação, dentre outras
aspectos, em geral melhoraram e foi possível verificar um bom nível de conforto subjetivo.
Portanto, de maneira geral, há uma identidade social urbana relativa à cidade de Nova Jaguaribara,
compartilhada entre todos, desde jovens até idosos, que está relacionada a uma história e memória
coletiva de luta e sofrimento. Entretanto, nos aspectos sentimento de pertença e qualidade de vida,
mais especificamente, os jovens compartilham mais esse sentimento de pertencer à cidade e algum
conforto subjetivo em fazer parte dela.
CONCLUSÃO

Partindo-se do pressuposto de que existem diferenças nos processos de apropriação do


espaço e de construção de uma identidade social urbana entre jovens e idosos, a pesquisa em
questão propôs-se a aprofundar a compreensão dos processos que levam a tais diferenças, ao
analisar, através de observações e entrevistas, como se deu a apropriação da nova cidade de
Jaguaribara por dois grupos: um de jovens e um de idosos. Neste sentido, buscou-se saber se já
pode se falar da existência de uma identidade social urbana, característica da população dessa
cidade.
Para realizarmos tal análise, utilizamo-nos dos conceitos da Psicologia Ambiental
relacionados à idéia de que os espaços não são apenas pano de fundo, eles exercem grande
influência na formação de subjetividades, ou seja, fazem parte da constituição psíquica dos sujeitos,
à medida que estes se relacionam com seus entornos, transformando-os e sendo transformados por
eles.
Dessa forma, observou-se, no que tange à diferença, propriamente dita, de apropriação do
espaço e de identidade social urbana, entre os grupos mencionados anteriormente, que fatores como
o tempo de vida e o grau de participação efetiva nas atividades, tanto individuais como coletivas, na
antiga cidade, foram determinantes para os seguintes desdobramentos: a forma como as pessoas
estabeleceram laços afetivos com a nova cidade, como estas passaram a simbolizar e a se orientar
no novo lugar e se houve ou não a criação de um sentimento de pertença pela cidade.
Em relação ao grupo de idosos, pode-se constatar que o fato deles terem passado grande
parte de suas vidas na antiga cidade, como também, terem vivido acontecimentos marcantes lá e
criado hábitos condizentes com a rotina de uma cidade pequena, fez com que relutassem em
abandonar seu modo de vida antigo, bem como sentissem dificuldades em apropriar-se da cidade
nova.
Por conseqüência disto vimos que os laços afetivos, estabelecidos com Nova Jaguaribara,
não são tão fortes quanto os estabelecidos com a cidade antiga. Isto se confirma pelo discurso
saudosista dos idosos entrevistados. Percebeu-se, ainda, que não há, na cidade nova, uma forte
identificação entre as pessoas, pois, nos discursos dos respondentes, muitas falas se repetiram,
principalmente, quanto ao fato de que, hoje em dia, não se conhece mais todos os habitantes da
cidade como antes. Para estes, houve um distanciamento entre as pessoas, o qual veio a causar uma
sensação de não acolhimento da nova cidade, fazendo-os dizer, desta forma, que a Jaguaribara atual
não é a Jaguaribara deles.
Em contrapartida, o grupo de jovens entrevistado enfatizou bastante as melhorias estruturais
da cidade nova, e a curiosidade que eles tiveram em conhecê-la assim que lá chegaram. Apesar de
demonstrarem, também, saudosismo em relação à cidade antiga, percebeu-se que há uma certa
conformação em relação à mudança, como se a boa qualidade estrutural da cidade compensasse as
perdas.
O tempo de vida desses jovens na antiga cidade foi, também, menor do que o tempo que os
idosos passaram lá, de forma que as ações-tranformações que possibilitariam identificar-se com o
local está se dando atualmente através de suas vivências na nova cidade. A criação de melhores
condições de vida, no que diz respeito à educação, saúde, moradia e acesso a novos meios de
comunicação também contribuíram para que a população de jovens da Nova Jaguaribara fosse
atraída pela mudança.
No entanto, fazendo um apanhado geral do impacto causado pela transferência involuntária
dessas pessoas para uma cidade planejada, pode-se dizer que esta não trouxe resultados positivos
para seus habitantes. Apesar de haver o entendimento de que aconteceram melhorias, como as
citadas anteriormente, principalmente pela população mais jovem, não se vê que as pessoas vivem
satisfatoriamente. Foi relatado em muitas entrevistas que a qualidade de vida das pessoas baixou
após a mudança, que houve muitos óbitos num espaço curto de tempo e que o modo de vida das
pessoas foi completamente transformado.
A partir disso, é importante ressaltar a nossa não neutralidade frente àquilo que foi
observado durante a efetuação desta pesquisa. Entramos em contato com mais uma arbitrariedade
de um sistema perverso que, para atender as suas necessidades, realiza atos inescrupulosos.
Percebemos o quão longe as relações de poder, mascaradas de benfeitorias sociais, podem chegar.
No entanto, vimos também a grande resistência das pessoas atingidas por esse abuso de poder.
Tentam, à medida do possível, resgatar o que foi perdido e manter o que ainda possuem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Afetivos de Barcelona e de São Paulo. São Paulo, Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade
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VALERA, Sergi & POL, Eric. El Concepto de Identidad Social Urbana: una aproximación
entre la Psicologia Social y la Psicologia Ambiental. Anuário de Psicologia: Barcelona, n. 62, 5-
24, 1994.
ANEXOS

ROTEIRO DE ENTREVISTA
Questões Iniciais
1. Você pode falar um pouco da antiga Jaguaribara? Qual sua história lá, como você se sentia na
antiga cidade, como era seu cotidiano, caminhos percorridos, etc.
2. Como você ficou sabendo da notícia de que Jaguaribara desapareceria e todos teriam de se
mudar para uma nova cidade? Como você se sentiu?
3. Como você descreveria o processo de mudança da antiga Jaguaribara para a Nova
Jaguaribara? Como você se sentiu após a mudança? O que esta significou?
4. De quê você lembra quando pensa na mudança? Quais foram os momentos mais marcantes
desta?
5. Quais foram as principais modificações na sua rotina após a mudança para a cidade nova?
Que coisas você fazia e que não faz mais ou que coisas que agora você faz e antes não fazia e
por que? Do que você mais sentiu falta em relação à antiga Jaguaribara?

Apropriação do Espaço
6. Logo após a mudança, você se interessou pela cidade nova? Você procurou conhecê-la?
7. Qual sua rotina na nova cidade? Você poderia falar um pouco do seu cotidiano, o que você
faz durante a semana e nos fins de semana, à noite, nas horas vagas...? Que lugares você mais
freqüenta?
8. Você pode descrever os caminhos que você percorre na cidade (para ir ao trabalho, para
passear, para ir visitar amigos ou parentes, etc), o que você gosta ou não gosta nesses
caminhos?
9. Você participa de algum grupo da cidade (associações, movimentos sociais, religiosos)?
10. Você fez ou foi feita alguma modificação na estrutura da sua casa desde que se mudou?
11. Desde que houve a mudança, houve alguma transformação significativa do espaço sócio-
físico da cidade? Ou seja, a cidade “mudou de cara” durante esses cinco anos?

Identidade Social Urbana


12. Quando você lembra da antiga cidade de Jaguaribara o que primeiro passa pela sua cabeça
(uma imagem, uma palavra, um lugar...)? E quando você pensa na Nova Jaguaribara, o que
lhe vêm à cabeça?
13. Você poderia fazer uma comparação entre a antiga cidade e a nova? (Pontos positivos e
negativos da mudança).
14. Existia algum evento tradicional na antiga cidade? Você participava deles? E em Nova
Jaguaribara, ainda existem festas tradicionais? Qual(is)? Você participa dela(s)?
15. Existia alguma característica peculiar ao morador da antiga Jaguaribara que os diferenciava
dos outros de outras cidades? E em Nova Jaguaribara, o que diferencia seus habitantes dos das
outras cidades?
16. O que significa a mudança hoje para você? Existem diferenças na sua vida de logo que você
chegou na cidade nova e hoje, depois de cinco anos morando nessa cidade? Houve alguma
transformação de opinião em relação a ela durante esses cinco anos?
INFORMAÇÃO CONTEXTUAL SOBRE A ENTREVISTA E ENTREVISTADO

ADOLESCENTE

Data da entrevista:
Lugar:
Duração:
Entrevistador:
Código para identificar o entrevistado:
Gênero do entrevistado:
Idade do entrevistado:
Profissão do entrevistado (caso trabalhe):
Quanto tempo viveu na velha e na nova Jaguaribara:
Peculiaridades da entrevista:

INFORMAÇÃO CONTEXTUAL SOBRE A ENTREVISTA E ENTREVISTADO

ADULTO
Data da entrevista:
Lugar:
Duração:
Entrevistador:
Código para identificar o entrevistado:
Gênero do entrevistado:
Idade do entrevistado:
Profissão do entrevistado:
Quanto tempo viveu na velha e na nova Jaguaribara:
Número de filhos:
Idade dos filhos:
Gênero dos filhos:
Peculiaridades da entrevista:
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Sr(a). Participante:

Estou coordenando uma pesquisa intitulada “Um estudo sobre as diferenças de


apropriação do espaço e de identidade social de lugar entre grupos de jovens e de
idosos em relação à nova cidade de Jaguaribara”. Esta pesquisa será útil para
aumentar os conhecimentos da Psicologia sobre o impacto psicossocial, em grupos de
jovens e de idosos, na mudança de uma cidade natural para uma cidade planejada.
Gostaria, portanto, de pedir sua participação espontânea nesta pesquisa. Nessa
você participará de uma entrevista, elaborada pelos pesquisadores, com questões sobre a
mudança para a nova Jaguaribara, seu dia-a-dia na nova cidade e seus sentimentos para
com essa.
É necessário esclarecer que: 1. a sua aceitação/autorização deverá ser de livre e
espontânea vontade; 2. você não ficará exposto a nenhum risco; 3. a identificação de todos
os envolvidos será mantida em segredo; 4. você poderá desistir de participar a qualquer
momento, sem qualquer prejuízo para você; 5. lhe será permitido acesso às informações
sobre procedimento e resultado relacionados à pesquisa e pauta; 6. a participação desta
pesquisa é totalmente voluntária e gratuita; e 7. somente após devidamente esclarecido(a)
e ter entendido este documento, o mesmo deverá ser assinado.
Para a participação na pesquisa, o(a) senhor(a) deverá assinar abaixo, e devolver
este “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” aos pesquisadores.
Em caso de dúvida, poderá comunicar-se com a Prof.ª Dra. Idilva Maria Pires
Germano, telefone (85) 32241314 e e-mail idilvapg@ufc.br.
Atenciosamente.
Prof.ª Dra. Idilva Maria Pires Germano – Departamento de Psicologia – UFC –
Coordenadora da Pesquisa.

Declaro que, após ter sido convenientemente esclarecido(a) pela


coordenadora, e tendo compreendido este documento, eu ______________________
___________________________ consisto em participar da presente pesquisa.

Fortaleza, ___ de setembro de _____.

______________________
Assinatura do Participante

______________________
Assinatura da Testemunha
Digital

______________________
Assinatura da Coordenadora
Transcrições
Legenda:
[...] - Trechos inaudíveis
As perguntas estão em negrito.

JOVEM 1

Pesquisador 1: Sim, depois do termo e do objetivo da pesquisa né, que a gente falou, é mais pra
ver assim, como é que, pra tu falar um pouco da antiga Jaguaribara, assim, o que que tu
lembra de lá?
Pesquisador 2: Como era a tua vida lá? Assim, o que tu lembrar, o que tu, como era que tu se
sentia na cidade, que que tu fazia por lá, assim, onde era que tu estudava? Pesquisador 1:
Cotidiano... Onde tu morava?

JOVEM 1: Eu morava em sítio. (Pesquisador 2: Morava em sítio?) E estudava em outro sítio.


(Pesquisador 2: Ah, era?! Aí, como era, assim? Teus dias mesmo?) O sítio que eu morava era
distante da cidade, num era muito perto não. Eu estudava num sítio próximo, que era o sítio Velona,
que era onde tinha escola até a quarta série. Aí ia pela manhã, minha tia, que era professora, eu ia
com ela. Até a quarta série, eu estudava no Velona. Aí era de manhã na escola, à tarde, não fazia nada
em casa. (Pesquisador 2: Aí, à tarde, ficava em casa? E o contato com a cidade de Jaguaribara?)
É... Brincava. (Pesquisador 2: Brincava no sítio?) É, no sítio. Tinha lá, tinha um mato, um rio assim,
árvore pra caramba. Contato com a cidade, eu andava muito pouco na cidade. (Pesquisador 1: Não,
mas, geralmente, que que tu ia fazer lá, assim?) Eu, minha tia era professora lá da escola,
geralmente, eu ia pra prefeitura, pegar material escolar. Ou então ia visitar as amigas da minha mãe
que lá na cidade tinha...festa, festa da Padroeira, Natal, que eu ia à noite, coisa assim. Eu só ia com
meus pais.

Pesquisador 1: Como é que tu ficou sabendo da notícia, assim, da mudança de Jaguaribara,


porque vocês eram pequeno, mas ce...alguém já tinha falado né?

JOVEM 1: Já falavam muito lá em casa. Não, porque, a gente ia morar em assentamento. Lá em casa
ficou [...] que a gente ficou sem casa, não sabia pra onde ir. Porque a gente morava num sítio a, era
assim, era emprestado, agregado, aí não tinha direito à casa em outro assentamento, só que meu pai,
ele é marceneiro, aí se a gente fosse pra outro assentamento não ia ter renda, porque tinha que
trabalhar na cidade. Aí recebeu a chave da, da casa, [...] que entregar, mamãe foi que entregou a
chave, a gente passou, ficou sem casa, passamo um bom tempo desesperado, num sabia pra onde ia
[...]. Aí, teve, teve até um projeto aqui que é da Caixa Econômica...aí foi que a irmã “B”, junto com a
amiga de um compadre nosso conseguiu uma casa. Porque meu pai trabalhava na cidade, ele passava
o dia inteiro na cidade, porque trabalhava lá, aí foi que conseguiram uma casa.

Pesquisador 1: E, e como é, quando tu soube da notícia, assim, como é que tu se sentiu, assim?
Tipo assim, vocês já tinham aquela coisa certa né? Ah, vamos mudar...

JOVEM 1: Porque, assim, eu passei por três mudanças. Porque, se, da minha cidade no, no sítio, pra
me mudar pra cá, agente ia ter que pagar o transporte, seria cem a duzentos reais pra pagar pra vim
pra cá e não tinha onde ficar. Aí se, ah, que nós vamos fazer. Eu lembro bem, pronto, fizemo doce á
noite, lá, do sítio, que é pra ninguém saber, de noite, bem noite mesmo. Peguemo um pau-de-arara,
fizemo doce, fumo pra cidade, peguemo uma casa abandonada, que tinha abandonado, já tava no
tempo da mudança. Aí a casa foi abandonada, entremo na casa, fiquemo lá. Aí, no outro dia, passou
uma semana assim, aí passou um carro que tava fazendo transporte de graça, fazendo a mudança. Aí
chamemo, aí o cara num queria levar porque: “não, já passemo nessa rua”, “não, num passou ainda
não, num sei o que”, até que [...] já tinha passado, já tinha feito a mudança da casa e nós ainda trouxe.
(Pesquisador 2: Vocês, eles não iam lá buscar?) Não, porque, na casa que a gente ficou, já tinha
feito a mudança, a gente pegou a casa abandonada. Entramo na casa e fiquemo lá. (Pesquisador 3: As
pessoas já tinham saído.) Já tinha saído, já tinha se mudado, por isso que eles disseram: “não, a
gente já fez a mudança da casa”, aí nós: “não, fizeram não, a gente tava aqui, ninguém passou por
aqui ainda”, aí trouxeram pra cá, aí fiquemo na casa duma prima nossa, que as casas [...] não tavam
construída ainda. Passemo bem uns três mês nessa casa. A lo, foi a prima nossa que emprestou. Aí
quando foi em outu, isso em ago, em julho, quando foi em outubro, as casas ficaram prontas que nós
recebeu. (Pesquisador 2: Que aí vocês receberam.) Foi, a casa, a casa agora é nossa mesmo.
(Pesquisador 2: Mas vocês não receberam do, vocês não tiveram direito a uma casa de [...]) Não,
na cidade não. (Pesquisador 2: Porque vocês moravam em sítio?) Era, aí tinha direito num
assentamento, só que meu pai não quis o assentamento porque viu que não ia ter renda. Aí [...] do
outro lado da barragem, aí pra entrar na cidade não tinha condições, aí ele entregou a chave.

Pesquisador 1: E como é que tu se sentiu, assim, após a mudança, assim?


Pesquisador 2: Eu queria sa, antes de tu falar, é que eu queria saber mais da parte mesmo de,
que a gente acabou não falando. Como é que foi mesmo é, é, que tu ficou sabendo, assim, antes
de, de acontecer a mudança, o pessoal sempre conversava em casa?

JOVEM 1: Ah, conversava pra caramba, porque pai tava muito preocupado. Eu soube assim, era um,
eu só escutava, assim, por alto. Eles falando que, eu lembro que eles saíram mesmo pra vim receber
a, a casa num [...] de peixe. Aí nós pensava que ia ter casa, ficou mesmo lá em casa, esperando saber
que ia ter notícia, aí quando chegaram em casa, pai disse que, simplesmente, entregaram a chave e
num sabia pra onde ir. Aí eu fiquei, de certa forma, apavorada né. Num sabia pra onde ir. A notícia
que eu tenho mais assim, é assim. Agora, [...] da cidade, eu pensei que ia pra cidade, mas só que meu
pai não tinha direito. Ele trabalhava na cidade, só que o prédio que ele trabalhava era alugado, aí não
tinha direito.

Pesquisador 1: Não, eu só queria saber mesmo assim, como é, quando tu chegou aqui, assim,
ficou tudo certo com relação à mudança, aí, como é que tu se sentiu, assim? Tu achou ótimo,
assim, a mudança da cidade, como é que foi, tu sentiu falta?

JOVEM 1: Ah, melhorou muito. Certo que eu sentia falta porque, assim, não tinha onde brincar aqui
né, eu era ainda muito pequena, tinha nove anos. Eu ficava dentro de casa, eu não saía. Aí depois eu
comecei a me acostumar na cidade, quando a gente mudou pra casa a, a atual mesmo. Eu preferia
mudar sim, pra cá, sim. Pelo menos ficou mais fácil estudo, é perto da minha casa. Porque, lá, eu
andava de bicicleta pra escola, de manhanzinha, saía de madrugada, assim, umas seis horas pra
chegar sete horas. Chega até, quando tinha tempo de chuva aí o riacho era cheio pra atravessar.
(Pesquisador 3: Aí vocês não atravessavam ou atravessavam de alguma forma?) Atravessava,
passava por cima de pedra, uma lama, assim. Isso, eu tinha até a quarta série. Aí, atualmente, se eu
ainda tivesse na velha cidade, eu ia estar indo pra rua, de bicicleta, todo dia, ia ter que ir, só tinha até
a quarta série, tava estudando na cidade. Aí aqui num é, a escola é perto, melhor, bem melhor, eu
participo de coisas que eu até sei se num ia participar, casa da memória, por exemplo.

Pesquisador 1: A, além dessas, dessas coisas que tu disse que, que mudou assim, na tua rotina
né, o que foi que mais mudou assim, alguma coisa que tu costuma ir agora e que antes tu num
fazia assim? O que foi que mudou na tua rotina depois?

JOVEM 1: Mudou, mudou pra caramba, viu, porque, antes eu passava de manhã na escola, lá em
casa, ou era brincando, assistindo televisão, ou então passava a noite conversando na área, agora eu
num paro. Depois de chegar de manhã na escola, eu faço, participo de grupos de dança, casa da
memória, essas coisas, infância também. Aí sempre em reunião, ensaio, curso. Tem a praça também
pra sair. (Pesquisador 2: Tu vem pra cá à noite?) É. (Pesquisador 2: Aí os lugares que você mais
freqüenta, então, são esses? Tem mais algum, assim, que tu vai também?) Ah, uma coisa que
dificultou, que eu sinto falta mesmo, é o rio, porque onde eu morava, o rio era detrás da minha casa.
E agora é muito difícil, só quando tem um banho, assim, da escola, a gente vai pra ponte ou então pra
algum lugar, aí eu sinto falta bastante...

Pesquisador 1: E quando tu mudou pra cá, assim, tu, tu, lá, lógico que, assim, vocês eram, vocês
não moravam na antiga cidade então, com certeza deve ter sido bem diferente, assim, aí o que
vocês procuraram conhecer, porque era uma cidade bem grande né?

JOVEM 1: Ah, sim, sim. Quando a gente chegou, já tinha mudado muita gente, tinha comércio já
tava a maioria instalado, vieram primeiro os comércios. (Pesquisador 2: Vocês vieram depois que já
tinha) É, muitos comércios vieram antes, vieram, as casas ficaram por último. E onde, a rua que a
gente ficou, foi a parte do pessoal que ia pro Mutirão, outro bairro que tem, que foi da prefeitura que
fez pro pessoal que tinha casa alugada na cidade. Aí a casa que a gente ficou, que fizeram a mudança,
foi das últimas. Cheguemo já em agosto, quase [...]. Já tinha feito a inau, a mudança da cidade, dos
[...] tudo, já tinha até a feira, que a feira acontece na segunda-feira, já tinha. E eu lembro que saí com
meu irmão e com a mulher do meu tio. A gente andou muito na cidade. (Pesquisador 2: Vocês
vieram em agosto de? Dois mil e?) E um, em agosto de dois mil e um. (Pesquisador 2: Muita gente
já tinha vindo [...] tipo dois mil?) Não, foi começar, a mudança começou em julho de dois mil e um.
(Pesquisador 1: Foi, julho de dois mil e um. Pesquisador 2: Eu achei que tinha começado em dois
mil, porque o seu T. disse que eles chegaram bem depois né. Deve ter sido mesmo...) Ah, o
Mandacaru? Ah, porque o Mandacaru foi uma situação que até eu senti pena, porque era o pessoal do
Velano. E tiraram essas famílias de lá quando tava alagado já, por isso que eles chegaram em dois mil
e dois, tava alagado e muitos, muitos animais morreram e gente que tinha fazenda, no sítio que eu
morava, ao lado tinha o sítio Raiz, que era bem em baixo, tiraram, eu lembro que meu pai foi fazer a
mudança de uma prima nossa, a Z., e tiraram já alagado mesmo, tirou as coisas dentro d’água, muitas
coisas estragaram, porque, perderam tanto gado, o cara perdeu muito gado, prejuízo grande. Era
desesperado o povo, foi que nem o Alagamar, o Alagamar alagou, teve que fazer barraco, passaram
meses e meses morando em barraco até fazer as casa que tem agora. (Pesquisador 1: Meu Deus do
céu!).

Pesquisador 1: E, assim, tu, tu disse que atualmente tu faz grupo de dança, o, o grupo do, da
casa da memória, quais são, assim, os grupos que tu participa, assim, atualmente? Da igreja...?

JOVEM 1: Eu participo da Pastoral da Criança, ajudo a fazer visita, controlar o peso da criança aqui
na cidade, aí Força Missionária, que é com crianças, faz visita, viagem, essas coisas. A casa da
memória é a que eu mais atuo mesmo, que a gente faz as peças, dança, faz os cursos aí sai
apresentando nas cidades. É só isso. Aí estudo, tem os trabalhos da escola também, negócio de
laboratório, essas coisas, educação física.

Pesquisador 1: E, na cidade mesmo, assim, porque a cidade é bem grande, assim, a gente vê que
tem algumas pessoas por parte dela né. Quais seriam os caminhos que tu geralmente gosta de
percorrer, assim, é da igreja pra casa, pro centro?

JOVEM 1: Eu ando a cidade inteira. Eu ando pra caramba viu, assim. Eu faço visita e sempre, assim,
tem muitas casas que eu freqüento que são amigos lá de casa né, assim, eu sempre vou visitar, aí fica
do outro lado, perto da rodoviária. E quando eu [...] a gente tem que sair avisando, vai na rodoviária,
volta aqui perto no Carlos Henrique, vai lá no Mutirão...

Pesquisador 1: Tu mora pra lá né? Vocês receberam a casa, aí ela já tava com o formatinho,
assim, parecido com as outras, nera, assim, ou não? Pesquisador 3: Tua casa é diferente dessas
aqui?

JOVEM 1: É, dessas aqui? (Pesquisador 3: Uhum.) É bastante diferente, a gente recebeu ela só era,
uma sala, um quarto, uma cozinha e um banheiro. Aí foi que a gente aumentou. (Pesquisador 1: Mas
ela já vinha com o modelinho pronto né?) É. (Pesquisador 2: A tua casa tu num recebeu da, da
mesma construtora das outras casas não né?) Não, não, foi a Caixa. (Pesquisador 2: Vocês
compraram?) Não, a Caixa Econômica que doou. (Pesquisador 2: Ai, doou, doou. Foi outra, outra
coisa, vocês conseguiram de outro jeito?) Foi. (Pesquisador: Mas ela já vinha num padrão né,
assim também parecida com as outras?) Já. (Pesquisador 2: Ah, ela vinha também? Ah, tá.) É
assim, pronto, as casas do atual Brasil é o mesmo modelo das casas do Mutirão, porque as casas do
Mutirão é a cidade mesmo, o governo doou pro pessoal da cidade, o atual Brasil, quem doou, foi a
Caixa Econômica, são o mesmo modelo. Mas iguais à nossa aqui é o pessoal que já tinha, já tinha
casa na cidade mesmo, aí tinha, aí ganha, pelos metros quadrados da casa ganhava. O nosso não, é
tudo um tamanho só as casas, todas o mesmo tamanho.

Pesquisador 1: E assim, aí como elas vinham tudo igual, aí vocês resolveram reformar ela pra
deixar do jeito que vocês queriam? Como é que foi? O que que mudou, assim?

JOVEM 1: Ah, reformou porque, outra, período mais desastroso foi a reforma da casa. Que a gente, a
casa tinha que aumentar pra cima né, poder aumentar pra trás, porque se não ia ficar muito pequena.
E destelhou a casa e só ficou coberto a sala e o quarto, então todo móvel que a gente tinha ficava na
sala ou no quarto, era um aperto, era mesa por cima de mesa, tudo aqui era guarda-roupa.
(Pesquisador 1: Isso foi bem no começo ou não?) Pai, pai era assim, tinha as paredes, só num tinha
o teto, aí pai deixava a gente dormir na cama, a gente dormia olhando pro céu. Destruíram o
banheiro, deixaram o vaso no meio da casa, tomava banho na casa da vizinha...Foi a nossa sorte, se
fosse período de chuva. Não, foi, foi assim, era muito engraçado, pra tomar banho era uma luta, só
tomava banho quando tava bem de noite, que num tinha mais ninguém na cidade, que tomava banho
do lado de fora. Era muito engraçado [risos].

Pesquisador 1: Vocês vieram pra cá em dois mil e um né? E assim, tu acha que desses, até
agora, dois mil e sete, seis anos assim, vamos dizer assim, teve alguma mudança assim, na
cidade, assim, tanto estrutura, alguma coisa que mudou, ou tá tudo igual, assim?
Pesquisador 3: A cidade continua com a mesma cara do dia que tu chegou aqui?

JOVEM 1: Não, em relação à estrutura mudou muito, porque, o certo, queriam, o governo queria que
todos ficassem com o muro baixo e a gente reformou casa, aumentou muro, essas coisas assim.
Agora em relação à economia assim, nada não, acho que não, continua a mesma coisa sim.
Desemprego geral, porque desde quando chegou na cidade, o desemprego, num vi nada de diferente
pra cá. Jovem assim, os jovens trabalham em que, em comércio, minha irmã trabalha na farmácia,
desde quando chegou. Que assim que se tinham propostas, quando construiu a cidade, ia ter fábrica,
ia ter num sei o que e nada, só a cidade mesmo saiu. (Pesquisador 1: Só trouxeram a cidade e
pronto né?) Pronto, botaram a gente aqui, que se vire. (Pesquisador 1: Seus pais trabalham em
que?) Meu pai é marceneiro, minha irmã trabalha na farmácia e minha mãe, ela borda. (Pesquisador
1: Ela continua com a mesma profissão que era antes?) É, ele construiu, ele, assim que chegou.
(Pesquisador 1: Ah, por isso que eu vi na tua, na tua casa tinha [...]) É, tem uma marcenaria.
(Pesquisador 1: Ah, verdade, é, legal.)

Pesquisador 1: E quando tu lembra, assim, da Antiga Jaguaribara, assim, qual é a primeira


coisa que vem na tua cabeça, assim, uma imagem, uma palavra, um lugar, assim, específico?

JOVEM 1: O rio, eu amava aquele rio, era ótimo lá, ponte. (Pesquisador 1: Ave Maria, esse rio, ô
coisa preciosa é esse rio.) Não, faz muita falta, a gente sempre ia lá. E aqui. Tinha um baldeário lá,
legal que só, a gente passava o dia lá. Aqui é muito difícil ir. Longe pra caramba, lá era perto, quando
a gente ia pra cidade, sempre ia no rio, aqui é longe.

Pesquisador 1: Aí quando tu pensa “Nova Jaguaribara”, que que vem?

JOVEM 1: Quando eu penso “Nova Jaguaribara”? [silêncio] A minha casa, foi uma luta aquela casa,
primeira coisa que eu lembro. Casa, escola também, muito deferente, liceu...

Pesquisador 1: E, assim, na, na antiga Jaguaribara, tinha é, eventos tradicionais, assim, da


cidade, tinha quermesse, festinha?
JOVEM 1: Ah, era a, a festa da santa, era a que a gente mais freqüentava, ia quase toda noite.
(Pesquisador 1: Tu participava delas?) Participava, sempre ia às missas. Natal também e Ano Novo.
Sempre ia, era uma tradição, Ano Novo, tinha que ir pra cidade.

Pesquisador 1: E aqui, ainda tem isso?

JOVEM 1: Tem, na praça tem. (Pesquisador 1: E é tão legal quanto era antes?) Não. (Pesquisador
1: Por que?) Essas praças, assim, aconchegantes, não são aconchegantes, são muito espaçosas. Lá
era praça pequenininha, apertadinha, todo vinha, era legal, assim. Aqui é muito espaçoso.
(Pesquisador 1: Passava lá do outro lado [...]) Tanta praça, tem praça demais aqui. Lá só era uma
praça, ao lado da igreja, pronto. Aqui tem praça, lá perto de onde eu moro tem uma praça, no Mutirão
tem outra praça, tem essa daqui, tem aquela, do outro lado. (Pesquisador 1: Tem algumas até
abandonada né, [...] porque tanta praça que o povo. Pesquisador 2: É, dezesseis praças.
Pesquisador 1: É, sem noção.) E nem todas são construídas né. Só dizer que é uma praça e pronto,
algumas só tem um banco, nunca terminaram. O prefeito, quando foi, pronto, C., o último prefeito,
antes de ser M. E., ele começou e saiu, simplesmente deixou. Aí é abandonada.

Pesquisador 1: E, e assim, é, A., quando tu, tu acha, assim, que existe alguma diferença, assim,
tu vê o morador de, de Jaguaribara né, tu vê ele como diferente, assim, das outras cidades?
Como é que tu vê o morador de Jaguaribara, assim? Tu acha, que que ele tem de diferente dos
outros, assim? Da cidade, do povo, assim, que é mais calmo, assim, é, assim, que que tu vê?
Quando tu vai pra fora tu fica “ah, esse povo é tão diferente, sei lá”?
Pesquisador 2: Ou então o que que tu acha, o que que as pessoas falam? Tu já saiu da cidade?
Alguém perguntou de onde tu era?

JOVEM 1: Certo, o pessoal daqui mudou muito os costumes. Porque lá em Jaguaribara, da noite, era
muita gente na calçada e conversava. Aqui não. O povo, você mal vê gente na calçada, é bem
diferente. Aqui não tem. E mais assim, quem sofreu mais com essa mudança, foi as pessoas mais
velhas, os idosos. Muita pessoa, aqui, caiu em depressão, muitos morreram quando chegou na cidade,
caiu em depressão. Porque, assim, a gente lá na Jaguaribara, todo dia na calçada, até meia noite,
muita gente dormia com a janela aberta. Aqui você passa hoje na, em frente à casa, é tudo fechado,
num tem ninguém. Aí, outras pessoas falam ainda: “nossa!”.

Pesquisador 1: Aí, tu, tu. Não, assim, atualmente, assim, tu veio pra cá em dois mil e um aí,
assim, aí tua impressão, antes que tu chegou, era boa, aí mudou ao longo desses seis anos?
Como é que foi assim, durante esse seis anos que tu pa, já passou aqui, como é, mudou alguma
coisa do que tu achava antes, quando tu veio pra cá pra agora?

JOVEM 1: O que falavam muito, que eu já falei até, foi emprego. Num sei porque eu coloquei isso
na cabeça. Eu achei que eu ia chegar aqui, ia ter fábrica, essas coisas. Falavam de Jaguaribara como
se fosse o paraíso. E o que é hoje, num tem emprego, muita gente desempregada. (Pesquisador 1: Tu
achou, então, que ta pior, assim, de certa forma?) É, de certa forma sim, porque muita gente lá
trabalhava era o que, era em lavoura, essas coisas assim, com gado, ovelha, essas coisas aqui num
tem. Muita gente passa necessidade por causa disso, zona rural, principalmente, assentamento. O
Mandacaru, todo mundo de lá era velame, era plantação, era gado, tudo, e aqui eles num tem, eu num
sei o que é que o povo tá vivendo. (Pesquisador 2: E, mais, e depois que tu chegou aqui, tipo, de
dois mil e um até agora, dois mil e sete né, tu acha que essa cidade aqui já mudou, mudou pra
melhor, mudou pra pior, o que é que tu acha dessa, tipo, de quando tu chegou aqui em dois mil e
um é, desse tempo aqui?) Se melhorou ou piorou? (Pesquisador 2: É, pra ti.) Pra mim? Pra mim,
melhorou. (Pesquisador 1: E tu fala, assim, que melhorou [...] assim que, “ah, porque eu to mais
acostumada”, ou então “porque to estudando em colégio bom”, assim.) É, me acostumei pra
caramba, porque, depois que eu, eu era muito, tímida pra caramba. Aí depois que eu cheguei aqui, eu
comecei a freqüentar, comecei a viajar, coisas que lá eu não sabia, eu nunca tinha conhecido
Fortaleza, quando eu cheguei, comecei a freqüentar Infância, foi a primeira vez que fui á Fortaleza.
Aí...melhorou bastante né, viagem, grupo, eu amo grupo de teatro, dança.

Pesquisador 3: Quer acrescentar mais alguma coisa?


JOVEM 2

Pesquisador 1: Jovem 1, é, fala um pouquinho, é, sobre a antiga Jaguari, a antiga Jaguaribara,


o que que você lembra dela, o seu dia a dia lá, o que que você fazia que você pode lembrar da
antiga cidade?

JOVEM 2: Assim, o que eu me lembro que a cidade era pequenininha, que era a, as casas tudo era
encostadas, a gente morava próximo ao rio Jaguaribe. Meu dia a dia era assim: meus pais ia trabalhar,
eu ficava só em casa, era filho único, aí, quando tinha aula, aí eu ia, voltava, aí assim, era, meu dia
era assim.

Pesquisador 1: É, quando você ficou sabendo da notícia que vocês iriam mudar e a cidade ia ser
inundada, como você se sentiu?

JOVEM 2: Eu senti assim, que, um dia eu senti, sentiria falta do, do que a gente passou lá, do que a
gente viveu, de alguns amigos que iriam pra outra cidade, essas coisas sabe?

Pesquisador 1: É, como é que você pode descrever assim o processo de mudança? É, o que que
você sentiu na mudança assim, no momento da mudança? Como é que foi essa mudança pra
você? A mudança em si, o dia da mudança, [...] nova casa?

JOVEM 2: Foi fácil [...] no dia da mudança. No período da mudança, é, meu pai tinha que se operar,
aí eu inda era filho único, minha mãe foi acompanhar, acompanhar ele pra Fortaleza, eu tive que ficar
na casa da minha vó em Limoeiro, aí eu não vivenciei o período da mudança, aí quando eu saí de
Limoeiro, vim diretamente pra cá, mas, pelas informações, é que os caminhões, eles pifavam nera na,
no período da mudança e tinha que passar as coisas uma pra outra até chegarem aqui. (Pesquisador
2: Como era? Passava de mão em mão?) Era que os, os caminhões, eles davam o prego, eles pifava
aí tinha que passar as coisas, aí com isso perderam objetos pessoais, essas coisas.

Pesquisador 1: Quando você chegou aqui na nova cidade, como é que você se sentiu, assim, na
nova casa?

JOVEM 2: Me senti assim meio perdido, num sabia onde era a, a casa, precisou minha mãe indicar
pra mim ter uma idéia de onde seria, aí levou até um tempo pra mim me acostumar, até aprender eu ir
pra escola e voltar só, ir fazer umas compras, as, assim, coisas básicas.

Pesquisador 2: Mas quando tu chegou aqui, tu procurou conhecer a cidade? Ver o que que
tinha de novo?

JOVEM 2: Era, eu saí, fui visitar. Antes a gente vinha visitar pra conhecer as casas, ver onde era o
local. Aí quando a gente chegou aqui, a gente foi visitar as escolas, foi vendo a vizinhança, aí com o
tempo que a gente foi se a, se acomodando.

Pesquisador 1: Quais foram as principais modificações assim no seu dia a dia? Que que você
fazia lá que não faz aqui? Ou que que você é, é, é, não fazia lá e faz aqui? O que que modificou
no seu dia a dia?

JOVEM 2: Bom, geralmente, os finais de semana a gente ia ao rio, que era próximo. Aqui já é meio
diferente, precisa de um transporte pra gente ir lá, e num é todo mês que a gente vai. O que eu fazia
muito lá era. O que eu não fazia nera, era, não fazia esportes, como capoeira, caratê, essas coisas.
Aqui, eu já faço. Tinha facilidade pra mim jogar futebol, aqui. Já, lá, num tinha, aqui já tem mais
facilidade. É, tinha coisas assim que hoje, no meu dia-a-dia, que lá eu não fazia.
Pesquisador 1: E quais são os lugares que você mais freqüenta aqui na cidade? Assim, no seu
dia-a-dia?

JOVEM 2: Mais a escola, a praça, a igreja, que fica próximo. (Pesquisador 2: Bem pertinho né?) É.

Pesquisador 1: É, assim, o que que você gosta, assim, nesses locais que você vai? Na sua escola
né, na igreja né, nessas praças, o que que você gosta, o que que você num gosta?

JOVEM 2: Eu gosto assim de, também ir pra escola, que eu, assim, encontro meus amigos, converso
na hora do recreio, debate essas coisas dentro da, da sala. Quando é de tarde assim, quando acaba a
aula, dá aquela, aquele tempo pra gente jogar futebol. É legal. Aí, quando tem um tempo vago, não
vamo jogar vídeo-game, essas coisas.

Pesquisador 1: É, você participa de algum movimento aqui na, na cidade, associação,


movimento religioso, grupo?

JOVEM 2: Participo na infância missionária, tem agora eu to participando do grupo de capoeira, a


casa da memória também, tem o grupo de jovens que lançaram agora. (Pesquisador 2: Grupo de
jovens na igreja também?) É.

Pesquisador 1: E o que que mudou aqui na sua casa desde que você se mudou pra cá, desde que
vocês vieram?
Pesquisador 2: Vocês mexeram muito na casa?

JOVEM 2: É, lá na cidade velha a gente tinha uma casa mais espaçosa, já aqui não, a gente teve que
fazer uma construção lá pra trás pra aumentar porque era apertadinha mesmo. (Pesquisador 2: A
casa de lá era maior do que a daqui?) É, a gente. Era mais espaçosa, mas o que tinha mais apertado
mesmo era o quarto, mas. Era um quarto, entre aspas né, [risos] espaçosa. (Pesquisador 2: Mas
assim, talvez tu diga espaçosa porque lá seria mais aconchegante.) É. (Pesquisador 2: Pode ser
isso?) Assim, é. (Pesquisador 2: E aqui, assim, é uma coisa diferente, que vocês tiveram que se
adaptar, aí, dá a impressão que é mais, né, mas talvez seja o acolhimento da casa.) Mas aqui
também é bom que dá uma sensação assim, de ser só nossa, lá era mais apertadinho, mais
imprensadozinho uma na outra. Aqui não, já aqui já era mais...

Pesquisador 1: Você acha que a cidade mudou de cara nesses seis anos que vocês estão
morando aqui? Que que mudou aqui na cidade?

JOVEM 2: Pouca coisa mudou, mas, o que a gente pode ver são projetos que lançaram.
(Pesquisador 2: Quais?Tu pode falar do projetos?) Tem também um, que quando a gente não
chegou, tem alguns proprietários, aí, tem um clube, lançaram uns clubes, tem também pousadas que
já são muito conhecidas aqui dentro, tem a danceteria, essas coisas, sabe. Do, na semana, que cada
um pode se divertir. (Pesquisador 2: Locais pras pessoas freqüentarem né.) É.

Pesquisador 1: Quando você lembra da antiga cidade, o que que te vem à mente, assim, uma
imagem, uma frase, uma palavra?

JOVEM 2: Lembranças, assim, recordações. (Pesquisador: Que tipo assim? Pesquisador 2: Uma
imagem assim, tu fecha o olho aí, ai eu lembro disso.) Lá na, lá na nossa rua que a gente sempre
tinha aquele costume da gente ta lá, sempre, é, conversando nas, nas calçadas né.

Pesquisador 1: E agora na nova, quando a gente fala: “Nova Jaguaribara”, o que que você, o
que vem à sua cabeça?

JOVEM 2: Uma cidade mais planejada.


Pesquisador 1: Você pode fazer uma comparação assim com a, a antiga cidade e a nova?

JOVEM 2: Na antiga cidade a gente, assim, ma, a gente gostava mais do que aqui. Tem gente que
gosta daqui mais do que lá, mas tem gente que, gos, ainda queria voltar pra lá, se pudesse. Acho que,
por mim, eu estaria lá do que aqui, porque lá a gente tinha aquela convivência, era mais perto dos
nossos familiares. Aqui não, tem gente que fica muito longe dos familiares, como a gente né, ta mais
pra lá do que daqui.

Pesquisador 1: É, existe alguma festa assim, festa tradicional lá?

JOVEM 2: Tinha, mas não era tão freqüente quanto tem aqui. (Pesquisador 1: Você participava
delas?) Não que eu era novinho, era poucas que era eu ia, que eu ia. (Pesquisador 1: E as daqui,
você participa? Existe festa aqui?) As, as que eu vou acompanhados com os pais. (Pesquisador 1:
São festas tradicionais, festas da igreja, festa do município. Pesquisador 2: É, num é festa de clube
não.) Tem... A festa da padroeira que teve agora. (Pesquisador 1: Você participa?) Participei.

Pesquisador 1: É, uma característica assim que você pode dizer do morador da antiga
Jaguaribara?

JOVEM 2: O morador da, da antiga era mais trabalhador, mais agricultor, era mais dedicado ao
trabalho. Aqui não, aqui já é mais difícil ter, a, conseguir um emprego.

Pesquisador 1: Qual é a característica do novo mora, assim, do morador da nova cidade de


Jaguaribara?

JOVEM 2: Mais tranqüilo assim, como é que posso dizer, tem um, mais uma sensação de segurança.

Pesquisador 1: É, que que significa a mudança pra você hoje? Você mudou, é, é, é, seu
pensamento quanto a, assim, nesses seis anos? Como é que você vê a mudança hoje?
Pesquisador 2: Assim, quando tu chegou aqui, desde o dia que tu chegou pra hoje, o que foi que
mudou?

JOVEM 2: Quando eu cheguei, eu achei que a cidade seria muito chata. Eu num, num ia poder sair
de casa, ia ser, as coisas ia ser muito longe, poderia me perder. Mas não, depois que foi passando o
tempo eu me acostumei. Era, aí, aí não, acabei gostando.

Pesquisador 2: Quer falar mais alguma coisa? Quer completar?

FIM
JOVEM 3

Pesquisador 1: Tu podia falar um pouco como que era lá? Já que tu viveu desde pequeno
lá.Como é que tu se sentia na antiga cidade, no cotidiano...

JOVEM 3: Jaguaribara Velha era uma cidade simples, as estruturas das casas eram... muito simples,
humildes, o pessoal lá vivia mais de agricultura, pecuária, comércio, e outros empregos de prefeitura
de estado, de aposentadoria de idosos...mas a cidade era, eu acho, a Jaguaribara Velha muito mais
animada do que hoje, a Jaguaribara Nova. Porque lá o pessoal tinha sua renda, tirava sua renda né
tinha as festas, todo mundo se encontrava, tinha mais aquele aconchego e aqui não, o pessoal é mais
separado, cada um reservado no seu lugar

Pesquisador 1: Ai tu fala muito do pessoal...e tu? Tu sente isso? Tu fala do pessoal mas tu sente
essa...

JOVEM 3: Sinto muito...

Pesquisador 1:Tu se implica nisso que tu ta dizendo?

JOVEM 3: Com certeza! Lá era mais estudar e nos finais de semana eu ia pra fazenda do meu avô,
passava o final de semana na fazenda.(Pesquisador 1: Tu sentia mais aconchego?) É...

Pesquisador 1: E como é que tu ficou sabendo da notícia...que Jaguaribara ia


desaparecer...porque a gente sabe que a notícia é bem antiga. Ai como é que tu soube...como é
que tu se deu conta de que ia acontecer mesmo? Como é que tu se sentiu?

JOVEM 3: É... no começo eu não acreditei muito, pensei que fosse mentira ou uma brincadeira mas
quando eu vi os caminhões da mudança chegando, pessoal sendo chamado pra receber, cada um
sendo chamado pra receber “ Tava a chave da sua casa na nova cidade, você vai morar em tal rua,
fulano de tal vai ser o seu vizinho aí passei a acreditar mesmo que a, que já estava perto da gente se
mudar, o fim de Jaguaribara Velha já estava chegando...

Pesquisador 1: Mas aí como é que tu se sentiu? tu tinha essa esperança...tinha gente que ficou
muito triste e outras ficaram empolgadas...

JOVEM 3: Eu fiquei um pouco triste assim, e alegre. Triste porque eu ia deixar minha terra natal e
alegre pensando que aqui ia ter mais emprego, mais um meio de sobrevivência pro jovem...

Pesquisador 1: Tinha uma esperança?

JOVEM 3: Isso...

Pesquisador 1: Que você lembra quando você pensa na mudança assim...é pontos marcantes na
mudança?

JOVEM 3: Pontos marcantes...é...assim os depoimentos das pessoas, mexeu muito com as pessoas, a
emoção, muita gente se emocionou, muita gente chorando, muita gente dizendo o que achava da
mudança, o que gostava o que não gostava, o que a mudança ia trazer...mudança mexeu muito com o
lado emocional. (Pesquisador 2: E o teu?) Também...

RISOS
Pesquisador 1: Chegou a chorar também?

JOVEM 3: Um pouco...

Pesquisador 1: E assim...o que tu sentiu...claro que tua rotina mudou né? Mas assim o que foi
que tu fazia lá que tu acha que agora mudou tua rotina? Após a mudança pra cidade nova. Que
tu acha que mudou na tua rotina?

JOVEM 3: É meu contato com a zona rural aqui diminuiu mais porque as comunidades aqui são
outras, são pessoas diferentes, não tenho muito contato com essas pessoas, os vizinhos, pelo menos
os meus vizinhos de lá não são daqui. Foi até bom e ruim, bom porque eu fiz amizades com outras
pessoas, comecei a me relacionar com outras pessoas, fiz amizades, foi novas descobertas, e ruim
porque aquele pessoal que a gente tinha mais costume está mais afastado.

Pesquisador 1: Tinha alguma coisa que tu fazia lá que agora tu num faz mais além das
amizades? Costumava fazer lá...que era perto da tua casa tu deixou de fazer?

JOVEM 3: Os banhos do rio...(Pesquisador 1: Ahnnn...) Eu sinto muita falta. Aqui fica mais
distante.

Pesquisador 1: Então, a gente pode dizer que foi o que tu mais sentiu falta?

JOVEM 3: Os banhos do rio, das conversas nas calçadas, o pessoal gostava muito de cada um ir pra
calçada do vizinho e conversar. (Pesquisador 1: E isso hoje...)É ...praticamente acabou. Cada um
mais no seu espaço...

Pesquisador 1: É...depois assim da mudança você se interessou pela cidade? Em conhecer a


cidade, assim os pontos dela, as coisas novas, andar pela cidade pra conhecer?

JOVEM 3: Sim me interessei em conhecer a cidade...é...aprender os pontos de referência, de saber a


casa das pessoas.

Pesquisador 1: E o que foi que tu...aos poucos tu foi se acostumando. Qual sua rotina assim
atualmente? Tu podia falar um pouco o que tá fazendo...

JOVEM 3:Atualmente eu estou estudando e me preparando pra fazer a faculdade.É...se deus quiser
quero conseguir um emprego. (Pesquisador 1: Aqui mesmo?) De preferência aqui. Mas depois eu
penso em quando terminar a faculdade deixar Jaguaribara e ir pra uma outra cidade buscar um
horizonte maior.

Pesquisador 1: Quanto tu fala em deixar é mais pra conseguir um emprego melhor?

JOVEM 3: Tem um pouco dessas duas coisas. A minha maior vontade é mais um emprego maior.

Pesquisador: Quais são os lugares que tu mais freqüenta aqui?

JOVEM 3: A praça, é... a igreja, os clubes de festa (risos), o rio agora tá difícil freqüentar, já fui
algumas vezes...É mais isso mesmo. E a casa dos amigos.

Pesquisador 1: E assim pra [...] que a cidade é muito grande e tu geralmente quais são os
caminhos que tu percorre assim mais? Pra ir pro trabalho, pra estudar, pra ir pra igreja?

JOVEM 3: Eu sempre gosto mais de andar no centro da cidade pro meio, geralmente minha casa eu
fico mais no meio da cidade, sempre andando mais pro centro ou então um pouquinho mais pro final
da cidade quando vou resolver alguma coisa.
Pesquisador 1: Você participa de algum grupo aqui na cidade? Associações? Movimentos
Religiosos?

JOVEM 3: No momento só na Casa da Memória.

Pesquisador 1: [...]

JOVEM 3: As oficinas também já participei.

Pesquisador 1: [...]

JOVEM 3: Mais a realidade ou de Jaguaribara ou então um pouco da realidade do Brasil.


(pesquisador 1: Tipo que?) Uma coisa que tá assim muito forte, por exemplo, agora a peça nova é
sobre a transposição do rio São Francisco, já apresentamos outra peça que era os 500 anos do Brasil,
a questão indígena. Num é só temas relacionados a Jaguaribara não..é mais Jaguaribara e um pouco
também do Brasil.

Pesquisador 1: Legal...Foi feita alguma modificação na sua casa? Que você fez ou alguém
modificou alguma coisa?

JOVEM 3: Alguma coisa foi modificava foi a casa, a gente construiu mais alguns pontos.
(Pesquisador 2: tentando adaptar né?) Lá em casa a gente subiu o muro e aumentou a casa.

Pesquisador 1: E assim, além da casa tu acha que na cidade mesmo houve alguma mudança
assim mais radical...você chegar ...[...]

JOVEM 3:É... aqui teve uma coisa que me chamou muita atenção foi FEST PEIXE, uma festa
realizada no final do ano que é feita pelos piscicultores. É uma festa pra divulgar o trabalho do peixe,
da tilápia, é uma festa nova porque na Jaguaribara Velha a gente não tinha isso. E nós temos agora
essa festa dos piscicultores. (Pesquisador 2:E essa festa é promovida por quem?) Pela Prefeitura,
pelo SEBRAE que promovem...

Pesquisador 1: E aqui na parte física da cidade, assim na parte estrutural...você acha que
mudou alguma coisa?

JOVEM 3: É a estrutura da cidade é muito mais bonita do que da velha.

Pesquisador 1: E em relação...assim quando você chegou a nova cidade...e hoje quais foram as
mudanças? Pra além das casas houve alguma coisa que mudou também?

JOVEM 3: Teve muita gente que mudou também a estrutura dos prédios, teve gente que reformou,
teve outros que modificaram a estrutura, a pintura, o modo de arrumar...cada um quis deixar um
pouco a sua marca.

Pesquisador 1:E da antiga cidade? Que primeiro vem a tua cabeça? Uma imagem, uma
palavra, um lugar...o que primeiro vem?

JOVEM 3: É...quando eu me lembro da Velha eu me lembro muito de companheirismo, é uma


palavra muito forte. Porque lá as pessoas eram mais unidas, mais próximas.

Pesquisador 1: E a nova? Que que você lembra?

JOVEM 3: A nova vejo muita beleza, mas uma coisa que eu acho que ela precisa muito:
desenvolvimento.
Pesquisador 1: Existe outros pontos positivos comparando as duas cidades?

JOVEM 3:Acho que um ponto negativo que eu vejo era a festa do município, depois que chegou aqui
caiu muito. Lá na Velha Jaguaribara era mais animado.

Pesquisador: [...]

JOVEM 3: Lá tinha a parte religiosa da festa, o aniversário da cidade lá na Velha, vinham filhos de
Jaguaribara que moravam fora vinham participar da festa, tinha forró, tinha show cultural, era um
movimento bem animado que chamava a atenção das pessoas. (Pesquisador 2: Era na praça?)
Geralmente era dois a três dias de festa. Tinha gincanas, brincadeiras...(Pesquisador: Qual era o
nome da festa?) Lá era o aniversário de Jaguaribara. A gente fazia até tipo um carnaval, Jaguafolia a
gente chamava lá.

Pesquisador 1: Jaguafolia? E além dessa tinha outro tipo de festa tradicional? Quermese ou sei
lá...algum outro tipo...festa junina num sei...

JOVEM 3: Tinha festa junina também que depois que chegou aqui caiu muito, festival junino...

Pesquisador 1: E nessa nova além da piscicultura que tu falou existe alguma outra?

JOVEM 3: Tem a festa do município que fazem aqui na Nova, mas é uma coisa mais fraca, mais
lenta.

Pesquisador 1: Não tem tanta empolgação?

JOVEM 3: Não tem muita empolgação não...

Pesquisador 2: Essas festas que tu falou antigamente tu participava?

JOVEM 3: hunrum...

Pesquisador 1: E essas agora....

JOVEM 3:Não tenho muita vontade não.

Pesquisador 1: E o povo assim em geral?

JOVEM 3:O povo depois que chegou aqui desanimou muito, o povo pensava que aqui ia ser muito
desenvolvido, que ia ter muita fonte de emprego e quando chegou aqui viu a que a realidade não era
isso foi desanimando.

Pesquisador 1: E a gente conversando com seu R, ele falando que “colocaram a gente num local
muito perigoso” como se o povo de Jaguaribara fosse mais quieto, mais calmo. Que tu acha que
o povo de Jaguaribara se sente diferente em relação aos outros?

JOVEM 3:Mudou...a cidade foi mudada de território, a cidade que a gente era vizinho lá que era
Jaguaribe, Jaguaretama...Jaguaretama continuou ainda sendo vizinho da gente, mas já pegamos Alto
Santo, Limoeiro e eram cidade que, como Seu Rosa falou, né bem esse movimento violento, mais
agitado...

Pesquisador 1: Então vocês se vêem como mais calmos, tentando diferenciar vocês dos outros
vocês se
JOVEM 3: É que Jaguaribara é mais calmo que as outras cidades.

Pesquisador 2: Existe alguma outra coisa que vocês acham que é diferente?

JOVEM 3: A tranqüilidade, a ventilação, o clima, o clima à noite é muito favorável, o espaço das
casas, aqui tem mais espaço.

Pesquisador 1: E em relação às pessoas?

JOVEM 3: As pessoas aqui são legais, são gente boa, mas acho que falta mais animação pela cidade,
a cidade, na minha opinião, ta um pouco assim esquecida essa Nova Jaguaribara.

Pesquisador 2: Que significa pra você a mudança hoje? É...a cidade mudou nesses cinco anos
né? Como você vê assim...modificou sua opinião sobre a cidade? Como você vê hoje essa
mudança?

JOVEM 3: Essa mudança, na minha opinião, ela foi favorável e desfavorável. Algumas pessoas que
foram beneficiadas com, quem não tinha casa própria recebeu uma casa aqui, mas outras pessoas que
tinham uma certa estrutura, tinham uma casa lá quando recebeu aqui já não era como a de lá, com um
valor inferior. Favoreceu por um lado e desfavoreceu por outro.

Pesquisador: [...]

JOVEM 3: Tem, tem muita diferença. Quando a gente chegou na cidade...eu acho na minha opinião
que ela ficou assim um pouco pior porque quando a gente chegou aqui era mais animado é tinha
também o pessoal das firmas que trabalhavam aqui. A cidade, no começo, tinha ate um pouco de
capital, movimento financeiro, ai foi esfriando...diminuindo. Muita gente, no começo, vinha morar
aqui, mas depois quando viu que a realidade era bem diferente foi indo embora.

Pesquisador 1: [...]

JOVEM 3: Foi sendo mais esquecida.

Pesquisador 1: Pois Levi assim o que a gente queria mais saber...

JOVEM 3: Era só isso mesmo. (Risos)

FIM
Jovem 4

Pesquisador: Pois é, sobre isso, pra você falar sobre como era tua rotina?

JOVEM 4: Lá onde eu morava minha rotina seguinte era assim: é, minha mãe saía pra trabalhar né,
aí eu ficava em casa, ia pra o colégio à tarde, aí as outras pessoas não, a gente morava em famílias
que tinha [...], aí tinha lavora né, trabalhava na lavoura, outros com peixe né, na piscicultura,
pescando. E assim, as segundas-feiras era os últimos dias que a gente ia pra cidade né, que era o dia
de feira livre, né, aí a gente ia pra feira, passava o dia lá na cidade né. E ia por outras razões também,
sempre que a gente precisava ia, tinha transporte pau-de-arara né, conhecido, todas as segundas-feiras
e outros dias da semana também tinha, a gente sempre ia né. E a visão assim de lá, comparando de lá
pra cá, é o seguinte: que lá, todo mundo trabalhava na agricultura né, na pesca. E aqui, a gente já
sente essas dificuldades, apesar dos projetos que tem, mas a gente sente a dificuldade, porque muitas
pessoas, lá, tinha terreno né, criava gado né. E aqui não, muitas pessoas tiveram que vender o gado,
né, se desapropriaram das suas terras no início governo né, aí a gente, aqui, não tem as oportunidades
que lá tinha da gente trabalhar com, na agricultura. Aí aqui a gente já procura por trabalho mesmo,
coisa de prefeitura, as pessoas vivem de traba, é, de trabalho de prefeitura, outros vivem de
aposentadoria né, tirando agora o projeto de piscicultura que tem aqui né, que tem muito jovem,
muitas famílias daqui que tem sempre um membro trabalhando na piscicultura.

Pesquisador: Uhum. E assim, tu pode falar é, é, dos lugares assim que tu andava lá, pelo, pelo
[...] que dá mesmo assim, se tinha algum que tu era acostumada, como era que ia?

JOVEM 4: Tinha, a escola a gente ia em pau-de-arara né, que era pro colégio, aí, lá, tinha o distrito
de Jaguaribara, conhecido Poço Comprido, a gente ia de pau-de-arara pra lá, sabe, às vezes, quando o
carro não vinha, a gente ia de bicicleta, às vezes ia à pé, era próximo, não era muito distante não. Aí
quando começou a barragem a ser construída, começaram a juntar água, foi desapropriado o primeiro
lá né, o distrito, aí algumas pessoas foram pra cidades velhas, outras foram pra Urupati, que é um
projeto. (Pesquisador: A gente viu lá.) Pois é, aí a gente ficou lá meio isolado né, aí teve um [...].
Mudaram as escolas, tudo, aí eu fui estudar em outro local, mais distante. Pesquisador: Tu foi pra lá,
pra Urupati? Não, porque eu não morava bem dentro do distrito, eu morava um pouco mais afastada
do distrito, mas estudava lá no distrito, lá, no Poço Comprido, tudo, aí fui estudar em outro colégio,
mais distante né, que era uns 5 km, mais ou menos, o colégio, aí ia de pau-de-arara, todos os dias.

Pesquisador: Assim, de quando, quando tu ficou sabendo da notícia né, que ia mudar a cidade
em que vocês viviam há tanto tempo?

JOVEM 4: Foi, porque quando eu nasci, a notícia já corria né, já corria. (Pesquisador: Aham, mas
assim, vamo mudar mesmo!) Mas pra mim, assim, quando começou o movimento mesmo né,
começou a construção, que tinha um tio meu que trabalhou na construção aqui né, na operação da
construção da barragem. Aí eu fiquei, ai, fiquei super [...] né, que todo mundo dizia que ia cobrir,
aquela água ia vim, ia cobrir tudo, tinha que todo mundo sair dalí. Aí eu pensei: meu Deus, pra onde
é que a gente vai? A gente vai viver de que? Vai trabalhar em que? Eu vou estudar onde? Né. Era as
perguntas que vinham assim, mil e uma perguntas né. Aí quando desapropriaram o distrito, onde era
próximo da minha casa, que começou a água subir né, a alagar aquilo tudo, aí a gente: pôxa, é que
vem mesmo a barragem né, porque muitos lutava contra a construção da barragem, não queria, aí foi
assim a abismado foi uma coisa assim, meu Deus né, muita gente. Nós, assim, pra juventude mesmo,
ixe! Era uma animação, né, porque a gente vinha, quando a gente soube que ia vim aqui pra cá, pra
cidade nova, vixe, foi uma animação e tanto. Eita, casa nova, cidade nova, tudo novo. Foi, assim,
uma festa e tanto né, pra gente que é jovem.

Pesquisador 1: E o que era que as pessoas costumavam falar, assim, mais o pessoal, assim, da
tua idade, a juventude?
Pesquisador 2: É, que que as pessoas diziam né?

JOVEM 4: Ai, a gente pensava muito né, ir pra escola nova né, ter escolaridade melhor, ter acesso à
Internet, que era uma coisa assim, que ai, meu Deus, era uma revolução né, ter acesso a Internet, a
computador. E conhecer outras coisas né. Quando a gente chegou aqui, na cidade, a juventude
mesmo era, você encontrava muitos jovens andando no meio da rua prum lado e pro outro,
conhecendo. A gente não tinha casa do cidadão, aqui a gente tem né, aí era novidade, ilha digital.
(Pesquisador 1: Vocês ficavam [...]) Procurando todas as novidades né, colégio novo, tudo, liceu,
assim, tudo novo e todo mundo ia estudar na empolgação imensa né, tudo novo. (Pesquisador 1: Ia
pra aula com todo gosto né?) Ora eu ia. Tudo, tudo alegre, todo mundo. A coisa mais que a gente, eu
mesma pensava assim: eita, vou conhecer um computador, vou ter acesso, vou aprender né, porque
lá, aonde a gente morava, a gente não tinha acesso a isso, só na cidade mesmo, mas a gente, que
morava na zona rural, num tinha nem acesso nem quando ia pra cidade né, porque lá num postava
ainda de lan house. Aí a gente, só mesmo o pessoal assim, por exemplo, trabalhava em prefeitura,
trabalhava em secretaria, tinha acesso a isso né, e outras pessoas que tinha filhos, que botava pra
estudar em Fortaleza, que sempre vinha passar as férias lá na cidade antiga. Aí contava né, as
novidades, que é Internet e tal. Ai, na cidade vai ter lan house e a gente ficava: o que é isso né? E
quando a gente chegou aqui foi conhecendo tudo, as novidades, e pra gente, jovem, foi uma animação
e tanta. Vim pra cá era uma coisa assim esperada, que um dia parecia um século.

Pesquisador 1: E assim, no dia da mudança, tu podia falar mesmo da mudança em si, como é
que foi a mudança?
Pesquisador 2: Como é que foi pra ela né? Porque tipo, primeiro tu saiu da área de lá, depois
como é que foi esse trajeto mesmo? Como é que foi?

JOVEM 4: Foi assim, muito emocionante, porque a gente, assim, mesmo assim com a empolgação
toda de vim pra cá, mas a gente deixar o local de origem, foi assim meio chocante pra gente, né.
Apesar da gente ser jovem, ter, querer estar sempre mudando, mas foi assim uma coisa dramática. Foi
assim, um choque mesmo, né. Porque a gente deixar lá onde a gente tinha açude pra tomar banho,
tinha um rio próximo né, a gente ia sempre a banho e tudo né. Aqui, apesar a gente tem, mas num é
tanto acesso como a gente tinha lá. No dia da mudança mesmo, quando os carros começaram a
chegar, que a gente foi pra se mudar todo mudo com caixa e galinha e querendo trazer né, pra cá, e a
gente imaginava que não podia né, porque cidade, criar esses bicho aonde né? Aí. (Pesquisador 1:
Muita gente trouxe, né.) É, muita gente ainda trouxe, galinha né, mas esses outros animais maiores
não, de porte maiores não. Mas aí no dia do mesmo, que a gente botando as coisas tudo em cima do
carro. Quando a gente, quando eu comecei a colocar meus objetos da minha casa dentro da.
(Pesquisador 1: Do carro.) Do carro, bateu assim uma saudade, porque lá onde eu morava, pôxa, eu
nasci aqui, posso dizer. (Pesquisador 2: E saber que não ia poder voltar né?!) É, saber que isso aqui
vai ficar alagado, cheio d’água, eu num vou voltar aqui. Cara, bateu uma tristeza. [Choro] A gente
ficou assim, emocionada mesmo. A gente lembra assim, dá, vontade de chorar.

Pesquisador 1: E assim, é, o que foi que mais mudou na tua vida quando tu veio pra cá? Coisas
que você fazia antes, que você passou a não fazer, coisas novas que você passou a fazer, que não
fazia lá na outra cidade?

JOVEM 4: Porque lá, a gente num tinha a modernidade, assim, modernidade que eu digo né, em
aspas, como a gente tem aqui, né. Lá, era, trabalhava na agricultura né, plantava na beira dos açude,
até mesmo do rio, a gente plantava. E, e aqui eu não tenho isso, né, eu num tenho a agricultura pra
trabalhar, num tenho um pé de caju né, pra ir lá e tirar, chupar né, até mesmo debaixo da árvore, aqui
a gente não tem. (Pesquisador 2: Tem muito ninho né?) É, só tem ninho. (Pesquisador 2: Que não
dá caju.) Pois é. Aí, aqui, a gente nota essa diferença, porque, lá, como a gente sabe, era a fazenda, a
gente brincava e corria com animal, tudo né, estilo mesmo de fazenda, aí aqui a gente se sente mais,
um pouco presa, porque a gente não tem essa libir, liberdade que a gente tinha lá. Qualquer hora você
queria tomar um banho e ia lá no rio, ia no açude, tomava um banho. Aqui não, só chuveiro, ou
então, se você quiser, tem que ir até a ponte, que é longe, num dá pra ia à pé. Lá você ia correndo,
daqui pra chegar no açude, você ia tirando a roupa já, quando chegava lá oh: tibum dentro! Era bom
demais!

Pesquisador 1: E... É... Que que eu ia te perguntar? Pois é, assim, eu sei que a gente, eu acho
que ela até já respondeu né, a história das coisas, é assim, se vocês se interessaram né, pela
cidade nova... Ela falou que os jovens saiam pra conhecer todos os buracos da cidade... E a
rotina, assim... Tu pode falar mais da tua rotina aqui?

JOVEM 4: Aqui mudou (Pesquisador 1: Pois é, era isso que eu ia te perguntar, porque, tipo, teus
pais, lá, trabalhavam mais na agricultura, tu também...) Aham... também trabalhava com
agricultura .(Pesquisador 1: Aí, quando vocês vieram pra cá, como é que foi essa mudança assim...)
Aqui, aqui não... (Pesquisador 1: Vocês trabalham em que, vocês...) Eu, praticamente, só estudo, né,
só procuro melhorar nos estudos, agora né, porque a gente tem uma escolaridade assim... Que
melhorou bastante, comparando com a de lá, melhorou muito, muito mesmo... E... Aí, aqui, a gente
ta... Eu, praticamente, como jovem, to só me legando na escolaridade né, porque trabalho... Aqui
também é uma cidade que não tem essa oportunidade né, tão grande né, como em todos lugares a
oportunidade de trabalho ta escassa mesmo. Aí... Só trabalhar, estudar, trabalho mesmo doméstico,
em casa, ou, ou com a igreja né, ou engajada nas pastorais, em algumas pastoris da igreja, pronto.
(Pesquisador 1: Mas o... E tua família?) Aí minha família, praticamente eu não tenho mais pai né,
mas a minha mãe, ela... Trabalhou de agente de saúde, que ela, lá, trabalhava também, agente de
saúde. Aí veio pra cá, continuou. Mas ela foi, como é que se diz, se aposentou agora, aí, só dentro de
casa né. Se a gente ainda morasse lá, com certeza ela ainda taria trabalhando com a parte de
agricultura... (Pesquisador 1: Ia continuar.) É, exatamente, mas aí, como aqui a gente não tem terra,
num tem irrigação, num temos água e tudo, aí, só em casa mesmo, trabalho da igreja, trabalhos
comunitários, pronto. E as diversões, todo dia eu procuro. (Pesquisador 1: E essa parte...
Alimentação... Vocês colhiam e comiam...) Colhia e comia, exatamente. (Pesquisador 1: E aqui é
tudo comprado.) Tudo comprado, tudo no mercado. Lá a gente tinha assim fazenda né, tinha o
leitinho da vaca, mungido na hora, tinha é... O caju, tinha a época do caju, que a gente... Lá na
fazenda onde a gente morava tinha sítio, tinha os coqueiro, tinha goiaba... Aquela coisa toda. E aqui,
a gente notou muito essa diferença, porque é tudo comprado. Se você quer uma banana, uma coisa, é
comprado né... E lá a gente tinha sobrando né, esbanjando, e aqui não. Mas apesar que na casa tem
um quintalzinho né, a gente faz o hortazinha ainda de cebola, de pimentão (Pesquisador 1: E dá pra
tirar...) Mas dá pra...

Pesquisador 1: E assim, a tua relação com a cidade mesmo, assim, tu mora um pouquinho mais
afastada né? Mas tu falou que ia mais na segunda-feira né, porque tinha o mercado e tudo, a
feira assim... E hoje aqui? O que que te traz pra freqüentar a cidade, os caminhos que tu
percorre por aqui... Como é a tua, assim, do mesmo jeito que tu falou da tua rotina lá, tipo, o
que que tu fazia, quando é que tu ia pra cidade mesmo, como é aqui né? A vida aqui?

JOVEM 4: Ah, aqui não né, como eu já moro aqui dentro né, aí a segunda-feira ainda continua as
feiras-livre, mas mesmo assim a gente vem, porque sempre dia de segunda-feira tem muito
movimento, ainda apesar de outras comunidades que não foram desapropriadas vem, dia de segunda-
feira, pra cá. Aí é bom que a gente vê alguém que não veio pra cá, gente conhecida, a gente veio pro
centro né, ver esses conhecidos, vem comprar alguma coisa na feira, que é mais barato. E... Quando
é... Tem alguma coisa pra gente vim fazer, até pagar uma água, a gente deixa pra pagar na segunda-
feira que é pra vim à rua né, pra vim na, aqui ao centro, pra gente rever as pessoas. (Pesquisador 1:
Dia de movimento né?) É... Movimento, aí a gente... É, o negócio aqui é o movimento, a gente
jovem procura sempre.

Pesquisador 1: E... Outra coisa, é... Que que tu faz também, sei lá, fim de semana, ou nas horas
vagas?

JOVEM 4: Final de semana, aqui, tirando, assim, a festa né, tem os mirante, a gente vai assim, dia
de sábado, os mirante à noite, ou uma festa, ou então vim pra praça né. O lazer aqui é a praça. A
gente vem, dias que dá mais gente aqui, dia de sexta, dia de sábado, dia de quinta de manhanzinha,
quinta-feira, quinta, sexta, sábado, a gente vem né. Que aí ajunta toda, toda juventude né, ta ali,
centralizada, aí vem. Pois é... Toma um sorvete, toma uma cervejinha com amigo né, conversa né,
bota aqueles babados todos em dia.

Pesquisador 1: Então os lugares que mais freqüentam são esses?

JOVEM 4: A praça, é, principalmente a praça, que é onde todo mundo se reúne... (Pesquisador 1: É
essa praça?) É, essa praça do mercado, exatamente. (Pesquisador 1: Por que aqui tem quantas
praças?) 16. (Pesquisador 1: Mulher, é praça demais. Muito grande.) É. (Pesquisador 2: Praça
demais! E: A gente não conheceu o resto dessa cidade. E: A gente conheceu, a gente conheceu
seis praças...) Exatamente, mas aí a da gente se reunir, a gente jovem mesmo, só a praça central,
praça do mercado.

Pesquisador 1: E tu pode falar um pouquinho dos grupos que tu participa?

JOVEM 4: Posso né, na relação à igreja, a gente participa dos grupos de reflexão, né, que são às
sextas-feira à tarde, tem o grupo de crisma, né, que tem bastante jovem também, os jovens, aqui, são
bem participante nisso. Tem a pastoral da criança é... Tem muito jovem também voluntário na
pastoral da criança, tem... E tem outros grupos também né, da juventude, tem a juventude
missionária, né, que é de jovens assim entre 10 anos a 15 anos, 16 anos, também tem muito jovem...
Aí também só tem um lazer pra gente né, que a gente vai todos sábado pro Centro Pastoral, se reúne,
né, tem aquele encontro né, de missionário, depois tem brincadeiras e... Se ajunta todo mundo ali.

Pesquisador 1: E, acho que outra coisa também, dos caminhos que percorre aqui, assim, bem
especificamente mesmo, quando tu sai de casa pra vim pra praça, ou pra ir pro mirante... Tu
segue o mesmo caminho geralmente? Que que tu encontra pelo caminho?

JOVEM 4: Ah, quando eu saio da minha casa. (Pesquisador 2: Onde é mesmo, qual é o trajeto que
tu faz, assim?) Quando eu saio da minha casa, eu passo pela praça do Poço Comprido né, que é onde,
a praça onde tem a capelinha, aí às vezes tem gente lá, tem muito jo... Tem um grupo de jovem que
sempre se reúne lá, com um violão né, e fica lá cantando à noite né. Quando não, quando num dá
certo se reunir, a gente vem pra cá. Aí vem, na ruazinha direto, fica aqui na praça. Quando não,
assim, dia de segunda-feira, de dia, a gente vai à Casa do Ciadadão, resolver alguma coisa, ou vai no
Centro de Pastoral, ou vem no mercado, comprar alguma coisa que ta faltando em casa, só esses
trajetos mesmo, a gente vem ao mercantil, comprar alguma coisa que esteja faltando... (Pesquisador
2: Sempre esses lugares né?) É, sempre esses lugares e a igreja. A trajetória, que a gente faz é essa.

Pesquisador 1: E assim, em relação à tua casa, vocês também receberam casa como todo mundo
da cidade. Uma casinha igual... Assim, depois que vocês se mudaram, vocês fizeram alguma
modificação na estrutura da casa?

JOVEM 4: Não, na estrutura da casa mesmo não. Só, só o muro que a gente cercou, né. Só o muro
mesmo e as viginha do muro pra casa, né, que nós tinha, que foi dado. Somente, agora azulejo, essas
coisas assim, uma pia, né, esses detalhes, tirar ou colocar, não. Só mesmo eu acho que a pia lá em, só
lá em casa mesmo que a gente trocou só a pia da cozinha, a gente colocou uma de, outra.

Pesquisador 1: Vocês fizeram alguma coisa para deixar a casa com a cara de vocês? Assim...

JOVEM 4: Não, só encheu de planta. Só planta é, só planta mesmo que a gente colocou. Pois é, a
gente colocou muita planta, lá em casa mesmo a gente tem mamão, plantado no fundo do quintal, tem
um pé de caju, tem um pé de... De goiaba, tem a hortazinha de cebola. (Pesquisador 1: Então
manteve, né, de alguma forma, o que vocês...) Exatamente, é uma coisa que a gente tinha lá e a
gente trouxe pra cá. Muitas plantazinhas, assim, que a gente planta, goiabeira, tem, é... Caca é...
Côco, coqueiro. (Pesquisador 1: É mesmo?!) Tem no quintal, tem graviola, graviola, tem plantada,
(risos) tem graviola. Era coisa que a gente tinha lá, né, plantada aí dá pra plantar no fundo do quintal,
a gente plantou.

Pesquisador 1: E a cidade, assim, em geral, tem o que, tem seis anos de mudança, já ocorreu
alguma modificação na cidade, no jeito da cidade?

JOVEM 4: Assim, quando a gente chegou aqui, né eu tinha mais, acho que por conta assim, da
relação com o prefeito, ele dava... Nós tinha mais trabalho, né, muita gente com esse prefeito. Com a
mudança do outro não, teve muita gente que saiu, outras entraram, mas ficou uma coisa assim, o
trabalho ficou bem escasso. O trabalho ficou escasso. Aí né, as modificações que a gente sentiu de lá
com as de cá... Que lá a gente nera, uma casa pregada na outra, você começava na calçada. Aqui, não.
Teve vizinho que morava ao lado e veio morar lá no outro lado da cidade né, a gente atravessa né, a
cidade, às vezes, pra ir lá, distante... Aí as modificações, assim, que a gente notou, é que lá... Assim,
só a estrutura da cidade né, que melhorou. Porque é assim, bem ampla, uma cidade bem mais aberta,
tem coisas que, aqui, a gente tem que, lá, a gente não tinha, bem estruturada como a prefeitura, como
o fórum, como a câmara dos vereadores, o me... Até mesmo o mercado, tudo, até mesmo as nossas
casas né, que lá era tudo emendada uma na outra né, eram coisinha, assim, pequenininha. E aqui não,
casinha, a casa maior, o quintal grande, e tudo separada, todos têm seu terreno, separa uma da outra
com muro, cercado, os murinhos... A gente vê sempre as casas com os murinhos baixo, né, só
separando mesmo aquele terrenozinho ali, que pertencia à casa. E lá, algumas casas tinha quintal, né,
e outras, num tinha. (Pesquisador 2: Agora todas têm né?) É, agora todas têm um quintalzinho.

Pesquisador 1: E... Assim... Você em relação à mudança de, daqui pra lá... Aqui mesmo, tipo,
quando vocês chegaram... Vocês receberam tudo do jeitinho... Daquele jeito assim, que vocês
chegaram na cidade, até hoje, tu acha, assim, que a cidade, de maneira geral, mudou de cara?
Tu acha, assim, que era diferente? Desde que vocês chegaram...

JOVEM 4: Não, assim, em alguns pontos mudou né, mas noutros ainda permanece. Em outros ainda
permanece. Assim, em relação à estrutura da cidade, muitos cantos ainda permanece, assim, o que
mudou... Teve gente que fez muro em casa, reformou, fez reforma, botou cerâmica né, mudou piso.
Mas assim, mudou mais só as casas, agora os outros pontos não... Continua a mesma coisa. No dia
assim da chegada aqui, a gente... Era legal porque, a gente, até pra ir na casa dos vizinhos, o muro era
baixo, a gente pulava, né. E aí, “oh, fulano, você ta morando aqui?! Ta morando perto de mim!” Né, a
gente ia, só pular o muro, pronto. Ou então quando você queria ir na casa de alguém ia “fulano, to
passando por aqui”, né, por dentro do muro, aí, passava, né... Quando chegou aqui, meu Deus, era
uma festa. Todo mundo atrás, a gente jovem né, muitos idosos não, tiveram mais depressão, essas
coisas e tudo... Mas aí a gente jovem, não, a gente saía andando, pra saber onde era a casa das
pessoas, pra conhecer, né, a estrutura da cidade, conhecer os... A gente conhecer os cantos novos, que
era aquilo, que era isso... É... Aí quando a gente... Quando chegou aqui, o pessoal... A gente não sabia
nem onde se reunir né, a gente não sabia nem onde se reunir, aí outros ficavam: “vamo se reunir na
praça lá”, aí o outro: “não, vamo pra aquela outra”, “não, vamo pra essa”, eu digo, pronto, era uma
coisa. Tanta praça, que a gente não sabia nem onde a gente se reunia. Eu disse: “não, vamo fazer uma
coisa, vamo pro centro né, vamo pra praça do centro?”. (Pesquisador 1: Que era perto pra todo
mundo.) Que era perto pra todo mundo, próximo pra todo mundo. Aí, vamo, aí pronto, daí começou
a regularidade da gente, todo mundo, se reunir na praça do centro, tanto que hoje, todo mundo, até
mesmo pessoas mais, assim, idosas, vêm pra praça, pro centro, praça do centro.

Pesquisador 1: E assim, quando tu pensa, assim, Velha Jaguaribara né, a cidade antiga, o que
que vem na tua cabeça?

JOVEM 4: Que vem assim à imaginação, que vem, é tudo demolido, né, tudo enchendo de água. Só
a imagem que ficou, na minha cabeça, foi essa, a cidade toda demolida. Toda, toda demolida, tudo...
Derrubado. E assim, o que marcou mais foi a derrubada da igreja... Não, num teve ninguém, num
teve jovem, num teve idosos, num teve ninguém que suportasse aquilo né... Marcou mesmo... Vê...
Pois é... Marcou demais, foi assim, o que marcou mais foi a demolição da igreja... (Pesquisador 2:
Todo mundo assistindo.) Pois é, todo mundo assistindo, até da minha casa mesmo, lá na fazenda
onde eu morava, foi assim... Muito triste... Mas, quando a gente chegou aqui né, com a
movimentação de conhecer a cidade, a gente até esqueceu. Foi indo, foi indo... Como se...
(Pesquisador 1: Com o tempo né?) É, com o tempo a gente foi se desapegando de lá, mas a gente
guarda isso na memória né. Porque a pessoa... Tem colegas que diz: “ah, eu só lembro mais da minha
casa”, ou então daquele pezinho de plantinha no fundo do quintal que eu brincava de boneca né,
pronto, é isso. (Pesquisador 1: Eu fiquei emocionada também. Pesquisador 2: Mas e, e as árvores,
também foram derrubadas? Não né? A dona D disse que troxe uma árvore... Mas elas foram
derrubadas também?) Foi, foi...Ah, não, teve umas que não né, mas teve outras grandonas, assim,
que tinham lá, eles derrubaram porque... É... É porque, assim, é, pra algumas pessoas andarem com
barco né, também não podia né, mas... Outras deixaram, só mesmo... Teve gente que arrancou
árvores de lá e trouxe pra cá, como o seu Armando, que vocês entrevistaram, ele trouxe duas árvores.
Arrancou. (Pesquisador 2: Ele trouxe duas árvores?) Foi, arrancou e trouxe. (Pesquisador 1: Mas
que tamanho eram essas árvores?) Grande, um pé de figo, de figo não, de... De acácia, um pé de
acácia, conhece aqui como pé de acácia, é um que põe a florzinha amarela. Ele arrancou o grande.
Arrancou e trouxe, de lembrança de lá. (Pesquisador 1: Lá tinha muita acácia né?) Tinha, era a
planta que dominava lá era o acácia. (Pesquisador 1: E aqui é o ninho.) Aqui é o ninho. Exatamente,
é a planta da gente.

Pesquisador 1: E quando tu pensa aqui na cidade né, nova, o que que vem na tua cabeça?

JOVEM 4: Aqui... Movimento, praça, sabe? Movimento, praça, assim, festa, colégio né, que vem. O
que vem em mente é isso. Os ponto onde a gente se diverte é os que vêm... Em mente.

Pesquisador 1: Ah, e eventos, assim, festas tradicionais, festas que tinham lá, tipo, festas...?

JOVEM 4: Festa junina é uma tradição que a gente tinha lá, que a gente trouxe pra cá, e, quando a
gente chegou aqui, aumentou muito, festa junina, acontece no mês de Julh... de Junho, um festejo
que, lá, a gente tinha só no colégio né. E aqui não, a gente apresenta aqui, apresenta do lado da
prefeitura, que tem um espaço né, ao público. Apresentar, apresenta, apresenta em vila olímpica né.
Sê... Em vários setores aqui da cidade a gente apresenta, a quadrilha, sai pra outras cidade.
(Pesquisador 1: E todo ano tem aqui?) Todos os anos, todos os anos. (Pesquisador 1: Lá tinha mais
festas? Tipo assim, festas tradicionais?) Tinha, tinha, tinha mais, tinha outras festas mais
tradicionais mesmo, porque, lá, quando era assim, tempo de queimar Juda, né, o pessoal lá queimava,
fazia aquele bonecão, né. Tinha a casa de fulano, que fazia aquela fogueirona, aí, vamo queimar o
Juda, né. Ou então até mesmo no rio, fazia a fogueira lá, próxima ao rio, levava o Juda, muita gente
ia, bebia, tal, aquela diversão, queimava o Juda. E aqui não, essa tradição de queimar o Juda não tem,
porque, aqui, a gente num tem nem aonde né, queimar... Fazer a fogueirona grande pra poder queimar
ele, mas ainda tem a tradição de fazer ele. Faz, tem muita gente que anda com ele no meio da rua, em
cima dum carro. (Pesquisador 2: Passa a Semana Santa todinha rodando porque não tem onde
queime.) Exato, é, exatamente. Aí tem a festa, assim, de Natal. (Pesquisador 1: Mas qual era a
diferença das que tinham lá pra as que tinham aqui e tudo?) Lá era assim, mais antiga, era mais...
Mais cultivada né. Mas até mesmo a parte do floclore, assim, os festejos do flo... do floclore, era mais
cativada. Aqui não, aqui ta mais solto, mais disperso, mais esquecido né. Alguns jovens ta sendo
esquecido, tem muito jovem que num é... Num recebeu né, essa transmissão, ou até outros receberam
mas num... Esquece né, num liga. (Pesquisador 1: Num é tão forte né?) É, num é tão forte. Mas, lá,
eu acho assim, que lá era bem mais forte, porque você sabia que tinha um rio, você ia, tomava banho,
queimava o Judá, tinha essa animação toda né. Aí, aqui, não. O rio fica mais longe né, num dá pra
gente ir até lá. (Pesquisador 1: Uma coisa que eu achei interessante ela falando né, eu digo, ah,
aqui num tem nem espaço pra queimar o Judas, só que espaço tem, mas num tem é um lugar
apropriado pra queimar o Judas.) Tem, mas num tem aquele espaço. Num tem o lugar apropriado
com lá... (Pesquisador 1: Talvez num tenha o lugar apropriado como lá, que aproxime as pessoas.)
Exatamente, aí, aqui, como lá no rio não tem energia, porque lá as casas era tudo no meio do rio né.
Tinha restaurante lá, que a metade, assim, da escada, era dentro d’água, você descia, tava dentro do
rio. E, aqui, não, só os domingos, que tem gente que vai, passar a tarde lá no rio, toma banho e vem,
pronto.

Pesquisador 1: Aí, assim, pra gente fechar né, é... Hoje em dia né, depois da mudança, depois do
tempo que vocês estão aqui, como é que tu se sente aqui, hoje?

JOVEM 4: Hoje, aqui, eu me sinto mais assim com con... com contato com o mundo de fora,
porque, lá, era uma coisinha pequena, né, um povoadinho pequeno, era só centralizado ali dentro. E,
aqui, não, a gente pôde ver além daquele cantinho pequenininho que a gente vivia. Aqui a gente tem
mais contato com as cidades próximas, como Limoeiro, Russas, até mesmo a capital, aqui melhorou
bastante mesmo, o acesso, bastante mesmo. Aí, deu pra gente ter uma visão maior das coisas né, mais
informação das coisas que aconteciam fora. Lá, podia dizer que era uma cidade, mas uma cidade,
assim, tão voltada pra a agricultura, tão voltada ali pra dentro mesmo, que o mundo de fora, aquilo ali
tinha, tinha assim, pra algumas pessoas, nem existia né. Pra, agora pra a gente jovem, era só o rio e o
colégio, o rio e o colégio, ir pra praça à noite lá na cidade que tinha, às vezes é, nós ia pra lá.
(Pesquisador 1: Lá não ainda, não tinha uma cidade grande...) Não, lá não, na cidade, lá, não, que
era distante um pouco do povoado, então é... Assim... A gente queria conhecer.

Pesquisador 1: E hoje, assim, como é que tu acha que, como é que tu se sente, como é que os
jovens, em geral, tu acha que eles se sentem em relação à cidade, assim? A opinião quando
vocês chegaram na cidade era uma, ou então, vocês não tavam formado essa opinião né? Que
que vocês acham na cidade, assim, hoje, depois de seis anos morando aqui né? Seis anos...

JOVEM 4: Ai, a gente acha assim que muitos jovens se... Se voltaram mais pro estudo né. Hoje a
gente procura ir pra Limoeiro, fazer faculdade né... É... A gente se voltou assim pra, o acesso aos
estudos né, que, lá, num era tão cativado assim, os estudo, a gente estudava mas num era um estudo...
Bem... Né, e aqui não, teve esse esforço bem bastante. Porque assim, depois desses seis anos tudo, a
gente veve aqui, bate, assim, uma saudade de lá. Apesar da gente viver voltado ali pra dentro, mas, a
gente sentia, assim, liberto né. Tinha trabalho na agricultura, tudo. E, aqui, não, tem dia que você
amanhece, você olha pra cima assim “meu Deus, o que é que eu vou fazer hoje? Que é que eu vou
fazer hoje?”, porque, não tem esse acesso assim, a gente num tem trabalho, num tem trabalho o
suficiente pra todos aqui dentro é... Assim... Um dia assim, mei parado né. A gente nota que é mei
parado. Aí, assim, pra num ser tão parado tem, tem jovens aqui que fizeram é... Como se diz, é...
Danceteria, é... Tem... Um senhor aqui que ele criou um espaço. Aí, vamo animar os final de semana,
que os final de semana aqui era mei parado mesmo né, tirando só a praça, que você vinha à noite, de
dia você não fazia nada, só veve dentro de casa né, ou ia pro colégio, chegava, fazia alguma coisa em
casa, pronto. Aí... Mei paradinho ainda, ta mei monótono, meio parado. Mas, tem outras coisas né,
tem a gente... Tem muito jovem que ainda vai pra Internet né, conversar pra... Conhecer outras
pessoas de fora né, através da Internet, através do orkut, de orkut, a gente vai... Acesso à lan house, aí
quando foi assim também uma novidade imensa, né, a lan house aqui. Aí é, pronto, vem, lan house,
casa, colégio e uma festa no final de semana, ou então agora com as danceterias que foram criada
aqui né. É... Isso, aí a gente se encontra pra isso, aí, pronto, é a rotina, virou isso. A mudança foi essa,
porque, primeiro, assim, quando a gente chegou, num tinha ainda essas coisas, num tava tudo
organizado, porque a gente chegou aqui, pra gente se adaptar aqui foi... Um ano, dois anos, pra gente,
né, começar... (Pesquisador 2: A se acostumar.) A se acostumar né. Então, nesse período aí, tinha
dia que você acordava “meu Deus, que que eu vou fazer hoje?”, “vou arrumar minhas coisas, já ta
arrumada”, aí depois daí, foi... Foi... Criando, surgindo, algumas coisas, foi aparecendo... Hoje é isso,
a gente vive pra isso. (Pesquisador 1: Vocês encontram o que fazer né, às vezes acha que não tem o
que fazer...) É, às vezes tem dia que num tem né, assim, mas, tem outros dias que é bem preenchido
né. (Pesquisador 1: Até demais.) É, até demais. (Pesquisador 1: Sem ninguém assim pra vim
perturbar né?) Não, não. (risos).
IDOSO 1

LADO A

Pesquisador 1: Pra começo de conversa a gente pensou.... a Camila lhe falou, né, do objetivo
que é ver com é que foi essa mudança pra um grupo de idosos e pra um grupo de jovens que
geralmente é diferente, né, a visão que os jovens têm...

IDOSO 1: Exatamente, é.

Pesquisador 1.: Aí assim, a nossa pesquisa é justamente isso, né, ver essa diferença, essa
comparação. E pra gente, que faz esse tipo de pesquisa, sempre que a gente trabalha com
pessoas, a gente precisa da autorização delas, né, pra gente poder trabalhar em cima do que as
pessoas disseram, né. Então a gente precisa trazer o termo de consentimento, né, que o
Pesquisador 3 pode ler pro senhor o que é, que é tipo assim como se o senhor tivesse
autorizando a falar mesmo sobre isso, as suas experiências....

Pesquisador 2: É só essas burocracias, né, da pesquisa. Aí é só um terminho...

Pesquisador 3: [Lê o termo de consentimento]

Pesquisador 1.: A gente vai gravar mesmo só pra não ter que ficar conversando com o senhor e
escrevendo, né. Só mesmo pra ficar mais à vontade, né.

Pesquisador 2: Pra poder ouvir... E o senhor poderia falar pra gente como era a vida de vocês
lá na Antiga Jaguaribara? Como é que era a rotina mesmo, o quê que vocês faziam, em quê
vocês trabalhavam... o senhor disse que tinha animais, né, criavam umas vaquinhas lá. Só falar
mesmo como é que era a rotina.

IDOSO 1: Bom, eu da minha pessoa quando eu morava lá na cidade velha, eu morava perto dum
açude público, né? Eu morava perto de um açude público, né, tinha vazante lá, a gente, na época do
verão lá tinha mais riqueza do que “mermo” na época do inverno, porque tinha esse açude quando era
no verão a gente plantava as vazante da gente, a gente tirava toda qualidade de planta, o que plantasse
dentro daquelas vazantes dava, né. A gente pagava aquele direito das vazantes, pronto, e ali a gente
usava elas do modo que quisesse usar. Portanto, eu lá pra minha pessoa essa mudança pra mim foi
uma coisa que eu nunca no mundo pensei na vida de acontecer uma coisa dessas. Quando o pessoal
falava em mudar pra aqui, eu imaginava assim, “mas...”, dizia “Mas tenho fé em Deus que isso nunca
vai acontecer!”, mas infelizmente aconteceu, né? E ai pra mim só trouxe, só acarretou prejuízo, né, e
pra muitas outras famílias que viviam do trabalho, porque já pensou a pessoa viver trabalhando,
produzindo todo dia e passar quatro ano parado aqui, sem produzir nada, só gastando o que as
pessoas trouxeram pr’aqui, né? Porque quem trouxe um animalzinho pr’aqui, se ele não dispôs dele,
tá sofrendo com ele pra dá de comer. Taí uma vaquinha que nem eu tenho aqui, tem uns “bichim”
[diminutivo de bicho] por aqui. È tirado água da torneira pra dá aqui, água tratada, né? Ai quando é
no fim você vai pagar aquela água como que tenha sido uma pessoa que consumiu. E lá a gente não
tinha isso, a gente tinha água aí abundante pra dá a nossos bichos, né? Portanto, eu pra mim, essa
mudança pra mim foi muito pior do que o que eu vivia lá, né? E muita gente daqui que morava lá
perto de onde eu morava conta essa mesma situação, né? Foi um sacrifício essa nossa mudança pra
gente. Eles prometeram muita coisa, que quando chegasse aqui o nosso projeto tava funcionando. O
nosso projeto aqui vai ser de pecuária leiteira, né? Vai ser cada uma pessoa vai criar aqui 13 vacas
num espaço de 3 hectares todo “regadozim”... Acredito que quando isso começar a funcionar vai ser
bom. Agora quando... só Deus sabe, né, é que vai funcionar isso. A gente todos os mês, ainda agora
eu cheguei de Fortaleza quarta-feira de noite, desde segunda-feira que eu tava lá junto mais a prefeita
batalhando com o pessoal do governo, do DNOCS [Departamento Nacional de Obras Contra as
Secas], pelejando pra que botassem o nosso projeto pra funcionar, mas as promessa é muito fraca.
Talvez que não comece nem durante esse ano ainda, né? E aí a gente fica aqui só sofrendo, só
penando, né?

Pesquisador 1.: E qual é esse projeto deles? É dar um espaço de terra com acesso à água pra
vocês criarem gado?

IDOSO 1: É, é... Eles... Nós temos um canal aqui depois daquele canal da integração nós temos outro
canal aqui que é do nosso projeto, né, que aí eles... a gente tá fazendo uma adutora de um canal pra
outro pra tirar água daquele canal pra esse daqui pra poder daqui ser usado no projeto, que a gente vai
usar, né. Mas ali é tudo pago, energia é tudo pago, água é tudo pago. Depois que a gente for começar
a trabalhar, né. As “vaca” a gente é que vai comprar, agora os “equipamento” de aguação, ele
felizmente, o governo federal deu, né. O Lula deu os equipamento pra instalar dentro das 3 hectare,
né. Mas o resto, a partir daí, tudo nós vamos fazer empréstimo no banco, o custo é de 36 mil reais pra
poder começar a trabalhar. E aí vai ser parcelado, a gente vai ficar pagando por ano, né, até vencer
esse dinheiro que a gente vai tirar, né.

Pesquisador 2: E por enquanto como é que o senhor tá?

IDOSO 1: Por enquanto, olhe, sempre que eu dou entrevista eu digo, eu, por enquanto, eu tenho o
salário de aposentadoria e tenho o salário do sindicato, eu tenho um filho que mora aqui, tenho outra
filha que mora ali, eles não têm emprego, eu ajudo a eles na sobrevivência deles. E os outros que não
têm aposentadoria e que não têm emprego de canto nenhum, só Deus sabe como é que eles passam...
Porque sem ter um salário pra todo fim de mês receber é difícil a pessoa viver, né. Por isso que eu
digo que é muito difícil aqui, né. A gente conta essa situação pros governante, mas parece que ele é,
que nem diz o ditado, entra num ouvido e sai no outro e aí fica, né. Eles num levam em conta que a
gente tá aqui sofrendo há muito tempo e vai levar um bom tempo ainda, né, pra poder deixar de
sofrer. Eu “atribuio” até, depois da nossa mudança pra cá. Porque quando foi pra mudar pra cá a
gente pediu pro pessoal do governo que fizesse um trabalho com esse povo “véi”, esclarecendo como
era que eles “ia” viver aqui, que a mudança não ia ser fácil e esse trabalho não foi feito. E depois que
nós “cheguemo” aqui, as pessoas mais idosas que vieram “pr’aqui”, pra cidade mesmo, já morreram
quase tudo. E tem muita gente aí que se queixa que foi por causa da mudança. Ficou traumatizado
daquela mudança e por conta disso morreram. É pouco os velho que veio de lá de 70 anos, de 70 e
pouco anos que “seje” vivo. Todos eles já morreram. E muita gente aqui atribui que foi por conta da
mudança, ficou traumatizado, teve velho que até ficou maluco, né, daquela mudança de vim
“pr’aqui”, né. Porque lá a gente nasceu e criou-se. Porque você nasceu e se criou-se num canto aqui,
aí você se mudar pra um canto “pertim” não, mas pra um canto longe “da’onde” ele nasceu e criou-
se. Lá a convivência é outra, esses velho lá todo dia eles andavam na cidadezinha, que era
pequenininha e que era todo mundo conhecido. E aqui, tem velho aqui que veio “pr’aqui”, coitado,
nunca saiu de dentro de casa, porque não conhecia a cidade, a cidade toda diferente, moderna, né. E
por conta disso ele traumatizou-se e veio a falecer, né. Muita gente tem esse pensamento que eu
tenho, né. Por conta que a gente pediu um trabalho, né.

Pesquisador 1.: E o senhor, como é que o senhor ficou sabendo da notícia mesmo “olha, vocês
vão se mudar!”, porque a gente sabe que é bem antiga, né ?

IDOSO 1: É bem antiga, é. Nós, nós tamo acho que é com 18 anos que nós vem nesse sofrimento, né.
Quando foi, a gente um dia ficou sabendo, na época que era o nosso prefeito era um tal de Antônio
Granja que ele é até deputado, ele é médico lá em Fortaleza, né. Ele até foi assaltado agora semana
passada, né.

Pesquisador 2: Aqui?

IDOSO 1: Lá em Fortaleza, lá no Hospital Geral. Ele veio visitar uns “paciente”, na hora da saída os
assaltantes... só não mataram, porque o revólver não prestava, né, mas bateu o “catolé” ainda. Ele é
deputado e é médico, né. Aí ele foi a Fortaleza, quando foi chegou lá o Tasso Jereissati, na época né,
avisou que tinha sido despachado mesmo pra sair o açude, né. Aí a gente juntou-se uma comissão
grande, fez visita a barragens de outros estados que tinha sido feito e a gente viu como era que o povo
tava sofrendo lá por conta da barragem, né. Aí a gente começou a botar obstáculo pra que não fosse
construída a barragem. Aí quando a gente viu que não tinha êxito, aí o que foi que nós fizemo,
“começemo” a lutar pelos nossos direitos, né. Mas infelizmente... “Lutemo”, muita gente que vem
aqui visitar a gente diz “É, vocês tão de parabéns, porque vocês ainda tiveram muita coisa além de
outros que foi vítima de barragem, né”. Mas nós assim mesmo não conseguimo o que nós tinha
direito de tudo, né, nós não tivemo direito, né. Mas hoje eu sempre digo, se nós fosse trabalhar em
cima de outra barragem, hoje sim nós sabia trabalhar, porque agora nós já tem experiência, né,
porque antigamente nós não tinha, né.

Pesquisador 3: O quê que o senhor sentiu quando o senhor recebeu a notícia?

IDOSO 1: Rapaz, quando eu recebi a notícia... Bom, nós sabia que tavam fazendo essas casa aqui, né.
Primeiro de tudo, o meu maior impacto foi que eu era aposentado e que eu não tinha direito [Dona
Inês chega], eu não tinha direito de receber casa aqui e nem chão pra trabalhar, porque eu era
aposentado. Aí pra mim foi um impacto medonho, né.

Pesquisador 1.: E aposentado não tinha direito de receber casa?

IDOSO 1: Não, não tinha direito de vim. Tinha assim, ói, receber uma casinha dessa daqui com um
chão de 25 metros por 90 de comprimento, mas não tinha a área de plantar, né. E aí o que é que eu
vinha ver aqui com a família sem ter aonde no inverno plantar, sem ter um projeto de irrigação, sem
ter nada, né. Aí a gente... Foi passando os “tempo” e eu fui adquirindo experiência e aí eu “sube” que
eu podia “butar” um filho meu como um “arrendo” [no sentido de arrendamento] de família, n’era, e
ele receber a casa com o chão e receber as 3 hectare, né. E foi isso que eu fiz, né. Botei um filho de
maior que eu já tinha, né, aí ele recebeu as 3 hectare. Nos passar do tempo ele já casou-se, né. E aí eu
fui e entreguei a casa dele e aqui na área dele eu fui e construir essa casa aqui, né. E aí ele vai ter
direito as 3 hectare. Eu, como sou aposentado, quando sair o projeto ele vai trabalhar, eu sou
aposentado, posso dar ajuda a ele no projeto dele, né. Mas aí eu pensava, sendo que nem eu falei no
começo, pra mim era um sonho, que aquilo nunca ia acontecer, a gente nunca vinha pr’aqui, né. Mas
quando foi no dia da mudança pra vim pr’aqui, menino, até chorar eu chorei lá. Quando eu vi o carro
encostado e eu cheguei... Eu tinha saído lá pra um beiço do rio, que tinha um bocado de gente saindo
de barco, saindo de canoa, porque as coisa tudo molhada, né. Aí eu fui pra lá pedir carro pra tirar
nossa comunidade que tava vendo a hora ser tomado a passagem com a água, né. E lá tinha um
pessoal do IDACE [Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará] e a gente trocou muita palavra
lá, tem um pessoal mentiroso. Disse, “você já tá idoso num pode ter mais raiva, vamo ‘s’imbora’
daqui”. Aí fui embora pra casa, quando cheguei lá em casa a mulher já tava com as coisa já quase
tudo em cima do carro. Aquilo pra mim foi uma dor mais medonha do mundo, né. Eu ter que deixar
minhas coisa, vim pr’aqui pra onde eu não conhecia ninguém, né. Aí ela veio embora com a família e
eu fiquei lá lutando com os bichos. Eu vim bem com oito dias, num foi Inês? Com bem oito dias foi
que eu vim pr’aqui, né. Lá, deixei já os bicho lá noutro “chãozim” já lá climatado, né, aí foi que eu
vim pr’aqui. Mas pra mim, ave Maria, foi uma coisa mais muito horrível quando eu me mudei
pr’aqui. E até hoje eu num me acostumei ainda, tá com três anos que nós tamo aqui. Lá onde nós
morava, era difícil andar um carro lá. Quando acontecia de ir fora de hora, eu ouvia a zoada d’um
carro lá, eu já sabia, era uma novidade que tinha acontecido. E aqui às vezes eu me acordo de noite
com a zoada dos carro passando aqui, aí eu digo “Meu Deus, que é que esse carro tá vindo ver aqui
em casa?”, aí me acordo, aí me lembro “ah, eu tô na vista de uma BR aqui, passa carro toda hora”,
mas ainda hoje não me acostumei, né, morando aqui. Lá a gente amanhecia o dia, quando abria a
porta era de frente pra um açude que tinha, tanta água boa, né, vazante, de comer pro nossos bichos,
né. E hoje aqui a gente quando abre a porta só ver um sequidão desse aqui e poeira.

Pesquisador 1.: O que o senhor lembra assim, quais foram os momentos mais marcantes da
mudança quando o senhor lembra?

IDOSO 1: Foi dessa hora quando eu cheguei em casa que a minha esposa tava com as coisa já
arrumada no carro. Pra mim, eu acho que isso eu não vou esquecer nunca mais na minha vida, né,
desse momento, né. (Pausa) E o pior que na hora que nós viemo se mudar pr’aqui a gente nunca iria
vim, porque achava que num era bom, n’era. E tinha que vir, porque as água tava tomando tudo.
Quando foi com pouco tempo lá a casa onde nós morava foi coberta, foi inundada, né.

Pesquisador 2: Ela nem foi demolida? Foi inundada?

IDOSO 1: Foi inundada, foi. Caiu porque ela, a água quem “derribou” ela.

Pesquisador 2: Vocês moravam num ponto onde foi inundado primeiro assim foi?

IDOSO 1: Não, foi não. Nós “fumo” quando lá no ponto onde nós morava, porque ela pegou água
por três vez. O primeiro ano quando eles começaram a construir ela, eles mudaram uma parte de
gente, que mandaram até um pessoal lá pra cidade de Jaguaribara, né, mudaram pra lá. Mudaram
outros pra outros assentamentos. Aí, quando foi no outro ano, eles aumentaram ela outra coisinha,
houve outra mudança de outro pessoal e a nossa foi a derradeira, né. A nossa mudança foi a última.
Foi por três vez, mudança dessa barragem.

Pesquisador 2: Vocês foram a última família a ser transportada pra cá?

IDOSO 1: Foi, nós “fumo” das última família a saírem de lá... pra vim pra cá. Porque nós era já lá no
final da barragem, né.

Pesquisador 4.: Vocês viram a casa...

IDOSO 1: Demolin... Não, não porque a gente não foi mais lá, porque a água primeiro fez isso [gesto
indicando o caminho percorrido pela água], “rodiou” [fez volta ao redor] todinho, ninguém num
podia ir lá, né. Aí depois foi que ela foi crescendo, crescendo e aí inundou ela, né. Hoje ela já tá...
hoje o local lá já tá descoberto, aonde nós morava, segundo a gente que anda de barco aí... Até eles
me convidaram pra mim ir lá e eu num tive coragem de ir não.

D. I: Descoberto só assim [gesto indicando] só um pouquinho...

IDOSO 1: É... Já tem uma “croazinha” assim descoberta assim de chão assim já descoberta.

Pesquisador 4.: Porque secou, né.

IDOSO 1: É, porque secou já, soltaram muita água, aí já secou.

Pesquisador 1.: Seu Tachim, quais foram as principais coisas que o senhor notou, assim, depois
que o senhor mudou pra cá. O que o senhor fazia lá, assim, na sua rotina que agora o senhor
mudou?

IDOSO 1: Sim, a minha rotina é que nem eu falei no começo, era trabalhar em vazante lá, n’era. Eu
trabalhava no sindicato, eu ia de manhãzinha pra o sindicato, trabalhava lá até doze horas. Aí quando
era “da” meio-dia pra tarde pronto, eu tava trabalhando na minha vazante, né. Tirando comer pra os
bicho, plantando milho, feijão, batata, né. Tudo eu plantava, né. E aí quando era sábado e domingo,
pronto, era... [parada do gravador]

LADO B

IDOSO 1: [retomando] Como eu ia dizendo, lá nesse açude onde nós morava, tinha gente que não
possuía gado, não trabalhava noutra coisa e ele vivia só de quê, vocês talvez não saiba o que é
arapuca. É um negócio que a gente faz de madeira...

Pesquisador 1.: De caçar passarinho?

IDOSO 1: (Não) ...e pega os passarinhos. A gente bota lá a isca, aí vem o passarinho, vem comer
debaixo, aí cai, que chama as galinhas d’água, marreca, né. E essas pessoas viviam disso e de
pescaria só com um anzolzinho, né, e eles sustentavam as famílias só com isso, né. E aí se mudaram
pr’aqui, aqui não tem isso, né. Aqui não tem esse espaço pra ele pegar, não tem o peixe pra ele pescar
e aí pronto, vive aí como Deus quer, né, sofrendo.

Pesquisador 1.: E depois da mudança o senhor procurou, se interessou em conhecer a cidade?

Pesquisador 4.: Essa cidade nova.

IDOSO 1: Não, é porque eu trabalho lá no sindicato lá todo dia, né. Eu ando sempre nela lá, mas eu...
às vezes eu conheço, sei onde é que uma pessoa mora, mas uma pessoa chega me perguntando, aí eu
vou deixar a pessoa lá na casa, porque eu não sei nem ensinar, né. Num sei nem dizer “bom, é rua tal,
tal...”, num tem o nome “direitim”, né? Aí, assim eu vou deixar logo a pessoa lá aonde... na casa, né.

Pesquisador 4.: Melhor ir junto do que...

IDOSO 1: Melhor ir deixar do que ensinar, né. Porque a rua, à vista do que nós morava lá, é muito
diferente, né. Porque lá nossas casinhas eram tudo conjugada, era pequenininha a cidade, né. E aqui é
um espaço medonho, aumentou outro tanto de casa aqui, né, porque o IDACE fez casa, o DNOCS fez
casa, né. Aí aumentou muito, ficou muito grande a cidade aqui, né. Tem velho aqui que ainda hoje se
perde, ele sai da casa dele, vai comprar alguma coisa e quando é pra voltar ele não acerta qual é a
casa. Ainda ontem tinha uma mulher dizendo que o pai a vida é perdido aí na cidadezinha, né. E ele é
um homem novo ainda, ele anda bem de bicicleta, mas ele não acostumou-se ainda e nem vai
acostumar, porque ele já tá bem velho.

Pesquisador 2: Então, o senhor sempre vai lá, mas...

IDOSO 1: Todo dia eu vou lá, de segunda até sexta-feira eu vou todo dia, né. Trabalho lá até o meio-
dia, quando é o meio-dia é que eu venho embora pra cá.

Pesquisador 2: Mas e assim que o senhor chegou aqui, porque o senhor disse que primeiro eles
chegaram, depois passou oito dias o senhor veio...

IDOSO 1: Foi. Antes de nós vim de morada pr’aqui, a cidade se mudou-se pr’aqui, o sindicato se
mudou-se e o que era que eu fazia... Eu vinha dia de segunda-feira, aí passava segunda, terça, quarta,
às vezes eu ia-me embora quinta, às vezes só ia-me embora sexta, né. A família lá e eu aqui na casa
de uma irmã minha, né. Eu já convivi aqui talvez uns quatro meses antes da família vim pra cá, né.
Eu já convivia aqui na cidade, trabalhando no sindicato, aí eu morava na casa dessa minha irmã, né.

Pesquisador 1.: Aqui os lugares que o senhor mais freqüenta, é mais o sindicato...

IDOSO 1: É o sindicato, é. A minha convivência aqui é, na cidade mesmo, eu tenho uma irmã minha
que tem um “comeciozim” lá, eu freqüento muito lá o “comerciozim” dela.

Pesquisador 1.: [...]

IDOSO 1: Não, ela vende verdura, né. Ali no mercado, né. E aí, saindo dali eu vou lá pra o sindicato.
Tem uns dois “comerciantezim” ali que eu tenho muita amizade e aí a gente fica batendo um papo lá
com eles um “pedacim”, né. Mas tirante disso daí, eu venho embora pra casa, né. Aqui em casa aí a
gente vai fazer alguma coisa, né.

Pesquisador 1.: Tem muito gosto de ficar andando por aí não...

IDOSO 1: Tenho não, num tenho muito prazer. À vista... Olhe, pra você acreditar, quando nós
morava na cidade velha, eu não perdia uma missa lá na cidade e aqui é muito difícil eu ir. Até uma
missa é difícil até eu ir. Que eu sei lá, eu perdi o gosto de...

Pesquisador 4.: E é longe, né?

IDOSO 1: Num é por ser longe não que lá era a mesma distância, mas eu sei lá, eu perdi o gosto, o
prazer. Eu num sei não, o que foi isso não. Me transformei, né, parece que é uma angústia, né.

Pesquisador 2: A própria cidade, né...

IDOSO 1: É, a própria cidade, é.

Pesquisador 2: É diferente, grande demais.

IDOSO 1: É diferente, grande, é. Com certeza.

Pesquisador 1.: Sim, além do sindicato, que o senhor fala, o senhor participa... Não gosta mais
de ir à igreja, então assim, fora o sindicato, não tem nenhum grupo que o senhor costuma ir?

D. I: Reunião por cima de reunião.

IDOSO 1: É, reunião sobre o sindicato. Toda semana, tem semana que eu passo dois, três dias fora de
casa. E lá, quando eu tô lá aí chegam pra ir participar “tão chamando pra uma reunião ali”, aí eu vou.
Às vezes é fora, nas comunidades, às vezes tem questão na comunidade e a gente vai aconselhar e
pelejar com as pessoas pra que não continuem com aquela desavença, né.

Pesquisador 1.: É sempre lutando...

IDOSO 1: Todo dia é lutando, todo dia é lutando. Muitas noite quando eu tenho muita reunião que eu
chego aqui em casa dez / onze horas da noite, aí a gente fica perturbado por conta “daquelas reunião”,
“daquelas confusão”. Até perder o sono, eu perco. Perco muitas noites de sono, né, imaginando
naquilo... Outras vezes, eu chego em casa intimado pra no outro dia ir pra outra reunião e aí eu já vou
pensar como é que a gente vai fazer aquilo, né. E aí a gente fica pensando e perde o sono “mermo”,
né.

Pesquisador 2: Tava vendo sua blusa, assim que a gente chegou... III Encontro Regional...

IDOSO 1: È, é... A gente faz uns empréstimos, o Banco do Nordeste faz uns empréstimos aqui de mil
reais pras pessoas comprarem animais e aí a gente faz uma feira aqui, né. E eu participo. Todas essas
coisas eu participo de tudo, né. Eles... Graças a Deus eu tenho grandes amizades com prefeito,
deputado, com esse povo, né. Eu tava em Fortaleza fazendo uns exames essa semana e lá a prefeita
tinha uma audiência com o secretário Camilo Santana, né. Ela foi me apanhar lá na casa que eu tava,
“fumo” pra audiência e voltou foi me deixar lá, né. Porque ela tinha prazer de levar, porque eu tenho
conhecimento das coisas, né. Agora foi mudado o gerente do Banco do Brasil aqui e eu ainda não
tinha tido oportunidade de conversar com ele. Quando foi anteontem, eu fui lá no banco, “vixe
Maria”, ele foi a maior... deu um abraço em mim, aquela maior alegria né e dizendo que queria
trabalhar junto com o sindicato e com a EMATECE, né, que nós é quem conhece o pessoal da zona
rural e aquelas pessoas querem fazer um empréstimo e eles precisam do nosso aval pra poder
trabalhar com aquelas pessoas, né, porque ele não tem conhecimento com eles, né. E a gente se
prontificou-se e o que tivesse no alcance da gente ele tava pronto pra ajudar, né.
Pesquisador 1.: Essa casa aqui foi o senhor que construiu?

IDOSO 1: Foi.

Pesquisador 1.: No caso, não tinha direito a receber, então foram vocês que levantaram?

IDOSO 1: Foi nós que constru... Eu que construí ela. Quando nós “cheguemo” aqui, eu tinha um
“gadozim”, aí vendi uma parte do meu gado, aí construí essa casa e o resto os meus filhos têm o
restim do gado lá em cima, né.

Pesquisadores: [Perguntam algo a respeito do local onde está o restante do gado do


entrevistado].

IDOSO 1: É longe, mais de setenta quilômetros daqui até onde eles estão.

Pesquisador 4.: É longe mesmo, né!

Pesquisador 2: O senhor falou que tem uma pessoa lá cuidando, né?

IDOSO 1: Eles mesmo lá coitados... Eles é quem fazem o comer deles, né. Dormem lá sozinhos
numa casa lá. A gente fez um jeito, levou uma televisão, uma geladeira lá pra eles, né, porque sem
conforto nenhum lá, né. Aí, de noite eles dormem só eles dois só numa casa. Agora não, eles levaram
um rapazinho que tinha duma vizinha aqui que melhorou muito pra eles, que eles saem pras lutas, aí
quando chegasse, na hora que chegasse iam fazer o comer deles. E agora não, é bom porque quando
eles chegam, o outro rapazinho tem feito o comer deles, né, tá tudo prontinho ali. O menino faz as
coisas tudo “direitim”, né. Aí pra eles melhorou cem por cento, né.

Pesquisador 2: Mas e a renda que o gado dá lá é pra eles ou...

IDOSO 1: A renda que o gado dá lá, só dá quase pro consumo do gado, porque a forragem nativa que
a gente tem é pouca e aí tem que ser comprado nos armazéns, né. Aí eles tiram aquele leite, vende e
paga os armazéns, né, e vai lá sobrevivendo... Só pra gente num vender e acabar tudo de uma vez, né.

Pesquisador 4.: Manter, né? Até onde der.

IDOSO 1: Manter é, aquele “patrimoniozim” [diminutivo de patrimônio] da gente, né?

Pesquisador 1.: O senhor acha que aconteceu alguma mudança desde quando... Vocês vieram
pra cá em 2001, né? Vocês acham que mudou alguma coisa, assim, na cidade, de 2001 pra cá?

Pesquisadores: Aqui mesmo. Ele pode dizer mais daqui, né? [Referente à comunidade
Mandacaru que é um pouco mais afastada da cidade de Nova Jaguaribara].

Pesquisador 1.: Mais daqui desse espaço.

IDOSO 1: A mudança que aconteceu foi pra pior, né, porque o pessoal tinha uma vida mais digna,
né. Lá em Jaguaribara era um lugar pobre, mas lá você não via gente com necessidade, você não via
gente pedindo esmola, num via gente amanhecer o dia e anoitecer sem ter uma coisa pra botar no
fogo e aqui acontece. A mudança que aconteceu foi essa. Pra pior. Que nem quando nós se reúne com
esse pessoal do DNOCS e do governo a gente diz pra eles, né. A mudança foi essa. Que eles
prometiam que ia ser uma mudança pra melhor e até... Deus queira que aconteça isso! Até eles não
acham bom quando eu digo, olhe, eu já tenho setenta anos, eu até nem tenho fé dessa mudança pra
melhor, d’eu ver essa mudança pra melhor, porque é tão, é tão, é tão devagar que a gente até perde a
esperança, né.
Pesquisador 2: E nesses seis anos não melhorou nada?

IDOSO 1: Não melhorou nada! Pra mim não melhorou nada e eu acho que a pessoa que mora aqui no
Mandacaru e disser que melhorou ele num tá falando a verdade não, porque eu não conheço nenhum
aqui que tenha melhorado. Nenhuma dessas 170 famílias que moram aqui.

Pesquisador 2: São 170 famílias? Só aqui no Mandacaru?

IDOSO 1: É. E já tem muito mais, porque já gente casou-se, gente já construiu família e mora dentro
dessas casinhas pequenininhas junto mais o pai, mais a mãe, né. E outros construíram assim
encostado, construíram. Eu tô pensando que já tem perto das duzentas famílias aqui no Mandacaru,
porque já aumentou mais. Eu ano passado eu fiz um levantamento, tinha 697 pessoas aqui. Mas eu
esse ano eu vou fazer outro levantamento pra mim ver, porque já nasceu muito “menino” aqui, eu tô
pensando que talvez já tenha uns seiscentos e... Perto de setecentas pessoas que moram aqui, né. Veio
outras pessoas já que levantaram mais casas aqui, que moram aqui, né.

Pesquisador 2: E aqui, [...] tava até falando pra gente, que lá era todo mundo mais juntinho e
aqui é todo mundo longe...

IDOSO 1: Pode ter certeza é. Tudo longe... Aqui na cidade tem gente que morava em Jaguaribara e se
mudaram pr’aqui e até hoje não se encontraram ainda... aqui na cidade.

Pesquisador 4.: (comentário de fundo) É mesmo? Seis anos, né?

IDOSO 1: Seis anos. Ainda essa semana eu vi gente conversando lá, nós “vamo” pra Fortaleza lá e lá
a gente fica numa casa de apoio que é da prefeita, ela vai dois carros por semana com gente pra lá e lá
tem uma enfermeira lá que ela fica levando pro hospital e trazendo, levando pra lá e trazendo.
Quando aquelas pessoas tão liberadas, o carro vem deixar novamente e é pouca as prefeitura que faz
isso, né. A nossa prefeitura é muito pobre, mas, graças a Deus, a prefeita faz isso. E lá, em conversa,
eu vi gente lá conversando: “Rapaz, eu me mudei da cidade velha pra cidade nova e fulano, fulano e
fulano, depois que nós ‘tamo’ morando aí eu não vi essa pessoa ainda!”. Pra gente ver as coisa como
é... E lá a cidadezinha era pequena, no dia que tinha uma missa, todo mundo se encontrava ali e ali
todo mundo se via, né. E aqui nem todo mundo vai pra missa e a gente por isso num se vê, né.

Pesquisador 4.: A missa é um lugar de encontro, né?

IDOSO 1: É, exatamente, é.

Pesquisador 1.: E em relação assim à antiga... Quando o senhor lembra assim a antiga
Jaguaribara, qual a primeira coisa que vem assim na cabeça do senhor? Uma palavra, um
lugar, uma imagem...

IDOSO 1: Quando eu me lembro da cidade de Jaguaribara, a primeira coisa que eu me lembro... Que
eu toda vida, eu nasci e me criei sendo religioso e ainda hoje sou, né. Eu até assim às vezes eu acho
que eu tô sendo injusto, porque eu sempre não freqüento a igreja, né. A primeira coisa que eu me
lembro é das missas que acontecia lá, quando a gente ia, n’era, pra gente era uma alegria, n’era,
aquelas noite de novena que a gente freqüentava, né. Pra mim é isso aí a primeira coisa que eu me
lembro.

Pesquisador 1.: E agora, Nova Jaguaribara o que é que vem assim?

IDOSO 1: Agora, a Nova Jaguaribara, a coisa que eu mais me lembro é quando amanhece o dia que
eu tenho que ir pra ela todo dia.
[Risos]

IDOSO 1: Num é nem a distância, é a angústia. Eu num gosto de ir.

Pesquisador 4.: (comentário de fundo) É o sentimento...

IDOSO 1: O sentimento, é.

Pesquisador 2: (comentário de fundo) Não se sente bem de andar na cidade.

IDOSO 1: É. É a coisa que quando amanhece o dia que eu tenho que me ajeitar pra ir pra cidade, eu
vou constrangido pra lá. Enquanto que quando era na cidade velha, era 4 quilômetros lá de casa pra
lá. Lá em casa tinha bicicleta. Antigamente, quando eu comecei a trabalhar no sindicato, o povo diz
que... Eu conheço muitas pessoas que quando trabalhou em sindicato, começou era pobre e hoje tem
bodega, tem moto, tem carro. E eu, quando eu comecei a trabalhar no sindicato, eu tinha um fusca. E
eu comecei a trabalhar no sindicato, viajava nele fazendo visita ao povo e o sindicato era muito pobre
e eu hoje fiquei de pés e acabou-se o meu fusca e eu tô mais pobre do que quando eu comecei a
trabalhar no sindicato, né. E outros “enricaram”, num sei porquê. Os “caba” diz que é porque eu sou
honesto demais e por isso eu fiquei pobre, cada vez mais, porque os outro “enricaram” e por quê que
eu fiquei mais pobre, né? E lá eu tinha esse carrinho velho e tinha bicicleta e às vezes eu deixava tudo
em casa e ia de pés, né, porque eu vejo muita gente fazendo caminhada e eu fazia logo a minha
caminhada em procura do meu trabalho.

Pesquisadores: (comentários de fundo) Saudável... / Faz bem à saúde...

IDOSO 1: Era, era. Quando era pra voltar, aí eu vinha de moto-táxi, vinha me deixar, porque era ao
meio-dia, era mais ruim, n’era. Aí eu vinha. Aqui muitas vezes eu vou, daqui pra cidade eu vou de
pés quase todo dia. Agora não, porque tem uma nora minha que ela trabalha no sindicato mais eu e
ela tem uma moto, aí eu pego carona mais ela, vou num carro que vem buscar os alunos aqui, todo
dia vem buscar uns aluno aqui, aí eu vou mais eles. É assim.

Pesquisador 1.: E na antiga assim, na antiga Jaguaribara tinha algum... Geralmente tem, em
cidade do interior sempre tem eventos tradicionais assim todo ano, é uma quermesse, uma festa
da cidade.

IDOSO 1: É, é porque aqui, a nossa cidade aqui tem dois padroeiro, Santa Rosa de Lima e São
Gonçalo, né. É duas “festa” que tem por ano aqui, né. Eu sou “mei lesado”... Qual é o mês, Inês, é
janeiro?

D I e pesquisadores: [Comentários sobre os meses de festa. O mês de agosto é citado.]

IDOSO 1: Aí é as festa de tradição que tem, né. E aí outra festa de tradição que tem é o dia de ano,
né, passagem de ano, né, o Natal, né. Era... São essas as “tradição” que tem aqui.

Pesquisador 2: Aí, mas lá sempre tinha na cidade, mesmo assim, uma festa que todo mundo ia...

D I: Tinha, quase toda semana tinha festa.

IDOSO 1: Festa que vocês dizem é festa dançante?

Pesquisadores: [Explicam que não é festa dançante, mas festas / eventos tradicionais, que
reúnem as pessoas, festas na praça, etc.]

IDOSO 1: Mas tinha. Pelo menos essas quatro festas de tradição tinha, tinha todos os anos. O Natal,
o dia de ano e as festas dos dois padroeiros. Essas aí a gente sempre costumava ir, lá [na antiga
Jaguaribara], aqui não [em Nova Jaguaribara]. Lá nós sempre “costumava” ir.

Pesquisador 2: Não tem nem vontade de ir?

IDOSO 1: Eu, pelo menos, nem vontade de ir eu num tenho não.

Pesquisador 1.: Mas o senhor sabe quais as que existem ainda? Essa de agosto, né?

Pesquisador 4.: E as de ano, né?

IDOSO 1: Ela [D. Inês] sempre vai. Quando é nas “novena” se junta um bocado de mulher aqui e vão
de pés aqui, né. Elas sempre vão, eu num fui nenhuma... Eu fui uma derradeira, acho que foi, a
derradeira.

D. Inês:(comentário de fundo) [Diz que tem missa no Mandacaru, que o padre vai celebrar Natal]

Pesquisador 4.: Tem uma capela aqui?

IDOSO 1: Tem uma “crechezinha” aqui, uma creche, né. A creche é pra tudo, é pra missa, é pra
reunião, é pra tudo. Nossas “reunião” é tudo feita...

Pesquisador 4: Serve pra tudo, né?

IDOSO 1: Serve pra tudo.

D. I: [Fala sobre a igreja do Mandacaru] Aqui a igreja é dois “padroeiro” também, São Francisco e
São João. Dia 25 vai começar “as novena” aqui.

IDOSO 1: Agora já ta feita a capela. O pessoal se reuniu, fizeram doação e taí feita uma capela que é
uma beleza, aí, né. É bem aqui, é. Agora no dia 4 vai ser a inauguração.

Pesquisador 4.: (comentário de fundo) Acho que a gente passou perto.

Pesquisador 1.: Vocês acham que essa festa ainda é a mesma coisa assim da antiga, da outra
cidade? Tem a mesma participação do pessoal da cidade?

IDOSO 4: Aqui, todos os anos quando fazem “as missa” dá muita gente, porque só aqui do
Mandacaru são cento e setenta famílias, se viesse todo mundo já era muita gente, né. E tem muita
gente aqui da cidade que são devoto de São Francisco e de São João e eles vêm dali da cidade eles
vêm pra cá. Eu tô pensando que, sobre essas festas desses dois santos, aqui dá mais gente do que
quando era lá. Acho que dá mais gente.

Pesquisador 1.: Aí assim, a gente escutou, acho que foi do seu Róseo, que falou que essa região é
uma região muito perigosa.

IDOSO 1: Qual foi, o Róseo?

Pesquisador 2: Não, é a região onde tá construída a nova cidade...

Pesquisador 4.: Não aqui [o Mandacaru], tudo, a região geral.

Pesquisador 2: ...que a outra era mais tranqüila.

Pesquisador 1.: Aí assim, vocês acham assim que o povo de Jaguaribara é diferente assim desse
povo aqui ao redor?
IDOSO 1: “Hômi”, eu lá onde nós morava lá na outra cidade, lá perto da outra cidade, era distante 4
quilômetros. Nós “cansemo” de sair, eu mais ela “cansemo” de sair pra rua e puxava só a porta assim,
deixava só encostada, nem trancar nós num trancava, nunca no mundo faltou nada dentro de casa, né.
E aqui a gente amanhece e anoitece, morrendo de medo, vendo a hora chegarem e arrombarem a
porta.

D. I: (comentário de fundo) [Comenta que roubam galinha]

IDOSO 1: Por último, eu tinha umas “criaçãozinha” aqui detrás aqui, dentro do chiqueiro, quando foi
amanheceu o dia, tinha “três ovelha” aqui dentro do chiqueiro, quando amanheceu o dia só tinha
duas. Tava a [“rastaria”]. Os “caba” pegaram e foram embora com ela, né. Tiro aqui... Ói, agora... Foi
pra amanhecer ontem foi, Inês? ... passou uns “caba” de moto aí, ói, com revólver na mão, deram
bem oito tiros, contaram aqui, né. Bem “oito tiro” que deram aqui. Moto, hômi, bem aqui nesse canal
aqui onde vocês andaram ali, bem “duas moto” já foi assaltada aqui, bem aqui.

Pesquisador 2: Às vezes é até pela condição mesmo. Você disse que lá ninguém passava fome
nem nada...

IDOSO 1: Pois é. Mas eu não sou de acordo que é porque tá passando fome, não. Porque a pessoa
quando tá passando fome, ele procura outra coisa, né, ele num vai assaltar. Porque ele vai tomar uma
moto, aí ele, ele num...

Pesquisador 4.: Não tem nem a moto, né, pra andar.

IDOSO 1: Pra andar, é. Eu não acredito e nem creio que seja porque tá passando fome não.

Pesquisador 2: Essas pessoas são de fora, né?

IDOSO 1: É, são de fora e tem outros “malandrozim” que roubam sabe pra quê? Pra farrearem.

D. Inês: Parece que mais roubo é quando tem mais festa.

Pesquisador 1: O senhor acha que é mais o pessoal de fora, né, que vem pra assaltar?

IDOSO 1: O pessoal de fora e de Jaguaribara teve gente que veio pr’aqui e se acompanhou-se com
esses também.

Pesquisador: [Fala algo relacionando jovens, roubos e festas]

IDOSO 1: Quando há uma vaquejada, quando há uma festa, sempre eles aumentam os roubo pra
poder terem dinheiro pra ir pra essas festa, né.

Pesquisador 1.: O senhor acha assim, o povo daqui, então, é bem calmo assim em relação ao
povo de fora... O povo aqui é mais tranqüilo.

IDOSO 1: É. E comparando com o assentamento que tem no Alagamar e no Curupati, que eu não sei
se vocês já andaram ou já ouviram falar.

Pesquisador 4.: A gente viu o Curupati lá do outro lado...

IDOSO 1: E tem o Alagamar que é lá na represa da barragem. Comparando com esses outros dois
assentamento, o nosso é o mais calmo. A gente não vê falar em briga daqui de morador, né. E ainda
agora essa semana, eu ouvi falar que no Curupati houve briga lá, até faca eles andaram trocando faca
lá, né. E lá no Alagamar já houve morte, né, depois que tão lá... E aqui, graças a Deus, num
aconteceu nada disso não, né. Eu acho ainda que ainda é dos assentamentos mais calmo é esse nosso
aqui.

Pesquisadores: [Falam entre si alguma coisa acerca do próximo procedimento da entrevista]

Pesquisador 2: Eu ainda queria perguntar outras coisas, que era mais em relação mesmo ao
que o senhor falou, que a gente começou falando no começo na conversa (e acabou indo pra
outro canto)... É dessa história dessas promessas, que eles dizem que é uma coisa, depois é
outra... Assim, só pro senhor contar mais como é que foi assim, que você contou, mesmo dessa
experiência de ter ido pegar água pras vacas e chegar a polícia, dizendo que não pode.

IDOSO 1: Pois é, lá quando nós morava lá na outra cidade ainda, o pessoal andavam lá e as promessa
que eles faziam lá pra gente era que quando a gente chegasse aqui, nosso projeto tava todo pronto, a
gente já ia começar a produzir e que ia ter uma vida melhor do que a que tinha lá. Eu, eu como já
meio idoso e já bem andado no mundo, eu sempre ficava assim mei... desconfiado. Muita gente, não,
acreditava que ia ser, n’era. Aí eu dizia, mas me diga uma... Aí pronto, passou-se, passou-se. Aí
quando eles fizeram “a nossas casa” aqui e a barragem eles tinham a previsão de passar oito anos pra
encher, n’era. Eles “num” sabiam nem... Nós podia até “num” tá nem aqui ainda, se a barragem
“num” tem tomado essa água, né. Aí quando a barragem começou a tomar água, como se diz, de uma
hora pra outra, né, aí a gente teve que sair e o que foi que eles disseram “Bom, vocês vão pras casas
de vocês, o projeto não tá pronto, mas vocês quando chegarem lá, vocês vão receberem uma cesta
básica até vocês começarem a produzir”. No dia que o pessoal chegaram aqui, receberam uma cesta
que teve mulher que eu acho que cantou de alegria, né, porque era boa a cesta mesmo. Mas só foi
essa, só foi essa no dia que chegou e pronto, acabou-se e mais nunca mais...

Pesquisador 4.: (comentário de fundo) Nunca mais veio, né...

IDOSO 1: ...aconteceu nada dessa vida, né. Tudo isso foi promessa em vão que eles fizeram, né.
Tanto do projeto como dessas bolsas, né. Agora ainda essa semana, eu conversando com eles lá, o
secretário Camilo Santana, eu disse pra ele que eles podiam ta pagando pelo menos a água e a energia
dessas famílias que moram aqui, porque eles não tem com que pagar, né, e eles disseram que não têm
como pagar. Pelo menos a água e a energia, a gente pediu e eles não têm como pagar, né. Porque tem
gente, coitado, que quando é no fim do mês aqui pra pagar água e energia tá vendendo uma
“galinhazinha” que tem, se sacrificando. Outros “ajunta” dois, três papel em casa, vendo a hora ser
cortado. Outros, eles vêm e cortam mesmo, né. Aí eles vão pedir à prefeita, vão pedir a um vereador
pra pagarem pra poder, né, fazerem a ligação novamente.

Pesquisador 2: (comentário de fundo) E a água passando aqui do lado...

Pesquisador 1.: Porque no começo ainda tinha uns agrados assim, né, deram uma cestinha
aqui...

IDOSO 1: É, deram uma cesta só. Foi só uma, né.

Pesquisador 4.: Só pra dizer que iam dar.

IDOSO 1: É, era. Pra poder enganar as pessoas, né.

Pesquisador 1.: Depois desses seis anos pra cá foi só...

IDOSO 1: Nada, nada. Zero. Depois desses seis anos, desses cinco anos pra cá aconteceu essa cesta e
mais nada. Às vezes acontece de darem umas bolsas por aqui, o MAB [Movimento de Atingidos por
Barragens], né. Eles “adquerem” umas bolsas por São Paulo, né.

Pesquisador 1.: (comentário de fundo) Ah, o Movimento de Atingidos por Barragens.


IDOSO 1: É, eles dão uma ces... Quando eles “adquerem” essas cestas lá por Brasília, eles dão a
cesta, né. Às vezes dão um mês e outro não, às vezes dão em dois meses, às vezes passa um ano sem
eles adquirirem, né, mas eles “adquere”. E eles toda vida tão junto mais a gente, nessas batalhas, pra
ver se “adquere” as coisas pra gente, né.

Pesquisador 1.: Aí o MAB do povo que vem é d’aonde?

IDOSO 1: É... Tem um pessoal que é daqui mesmo, que eles fazem parte do MAB. Tem aqui do
projeto do Alagamar tem bem três pessoas que faz parte da coordenação nacional, né, e tem outro da
coordenação regional. Aqui do Mandacaru tem bem umas quatro pessoas já que faz parte, né. Sempre
eles se reúnem, até lá no sindicato eles se reúnem pra poder fazerem aqueles planos pra quando
saírem, né, levarem aquelas coisas já tudo agendada, o que é que eles vão exigir, né.

Pesquisador 1.: [Comenta que aqueles tópicos que tínhamos planejado abordar já tinham sido
contemplados e pergunta se alguém quer perguntar mais alguma coisa]

Pesquisador 2: [Faz algum comentário de fundo e pergunta..] Ah, e pesca? Que é muito longe,
né, pra chegar na água...

IDOSO 1: Ah, é. Pra pescar lá na... é muito grande e tem que ter um cadastro lá pra pescar, é.

Pesquisador 2: Ainda tem isso? Eu “num” acredito não...

IDOSO 1: Com o “anzolzim” [diminutivo de anzol]... você sabe como é que pesca com anzol “num”
sabe? Uma “varazinha”, pega um “peixim”... Aquele dali... a pessoa pesca.

Pesquisador 2: Lá era com rede, né?

IDOSO 1: É. Agora com a rede, com galão, com essas coisas, você tem de ser cadastrado. Se não for
cadastrado no dia que o IBAMA [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis] vem, pega, ele toma linha, toma o peixe, toma tudo, né. Ele carrega tudo, não deixa a
pessoa com nada e ainda multa mais a pessoa, a pessoa fica suspenso a uns pouco de meses, bem a
três meses sem poder pescar.

Pesquisador 4.: E lá na outra cidade era livre, assim...

IDOSO 1: Não, na cidade era...

Pesquisador 2: Era o açude, pra todo mundo!

IDOSO 1: Nós tinha o rio lá, que o rio era distante da cidade talvez o que... duzentos metros, né,
cheio de peixe, todo mundo levava sua “tarrafazinha” [diminutivo de tarrafa]. Às vezes a pessoa
amanhecia o dia, “num” tinha o que comer dentro de casa, aí ia lá com a tarrafa, pescava, levava uma
“coisinha” [no sentido de quantidade, “um pouco”] pra cidade, vendia e comprava a mistura e tinha o
outro peixe pra ela. Era a felicidade lá. E tinha esse açude do governo que eu morava lá perto, lá
também as pessoa tinha de ser cadastrado pra pescar lá, né. Mas como não tinha zelador, não tinha
nada lá, muita gente pescava lá sem ter mesmo o cadastro.

Pesquisador 4.: Agora aqui a fiscalização é “braba”.

IDOSO 1: É, a fiscalização aqui, eles andam é dentro do açude de barco, eles tem uns barco e andam
dentro do açude e pega mesmo.

Pesquisador 2: [Comenta alguma coisa acerca da fiscalização dentro da água]


IDOSO 1: Dentro da água. Eles andam no barco todo dia, pescando [talvez signifique “fiscalizando]
de um canto pra outro. Se pegar a pessoa pescando sem ser cadastrado, eles tomam toda a linha que a
pessoa tiver. Eu assisti uma...

Pesquisador 2: O açude é deles, né? [Ironia. Em tese, é um açude público]

IDOSO 1: É. Assisti uma diligência que eles fizeram lá. Eles tomaram talvez assim uns quinhentos
quilos de peixe. Aí o que foi que eles fizeram, eles me chamaram lá com as agentes de saúde e
doaram esses peixes pra nós dar, sair dando na pobreza, né. Aí a prefeita na época deu um carro, aí a
gente saiu distribuindo esse peixe todinho. Agora as “ruma” de linha que eles tinham lá que tomaram,
era coisa imensa essa “ruma” de linha, né. Daí eu perguntei “E vocês vão fazer o que dessa linha?”, aí
ele disse “Nós vamos queimar tudinha!”, né. “Caba” com a linhazinha bem novinha que não tinha
botado nem dentro do açude.

D. I: Tinha nem pagado.

IDOSO 1: Era. Não tinha nem pago ainda. Era de fazer pena, né. Aí eu fui e disse assim “Rapaz,
arranja um galão desse assim pra mim pescar num açude particular”, aí ele foi e disse “Não, pode
você vim botar aqui dentro do açude, né...”. Eles não deram de maneira nenhuma.

Pesquisador 4.: Nem isso, né?

IDOSO 1: É.

Pesquisador 4.: Gente, é muita violência, né?

Pesquisadores: [Comentários inaudíveis]

Pesquisador 3: [Pede para pegar informações pessoais de Seu Tachim]

IDOSO 1: Certo.

Pesquisador 3: Qual a idade do senhor?

IDOSO 1: 70 anos, vou completar 71 agora no dia 28 de novembro.

Pesquisador 3: O senhor é aposentado, mas o senhor... [pergunta que cargo seu Tachim ocupa
no sindicato]

IDOSO 1: Presidente.

Pesquisador 3: O senhor é pecuarista aposentado, né.

IDOSO 1: Exatamente. Pecuarista e agricultor, né, porque eu trabalho na agricultura e crio ainda uns
“bichim”, né.

Pesquisador 2: Aqui o senhor planta alguma coisa ainda?

IDOSO 1: Não planto, porque nós não tem água aqui, né.

Pesquisador 2: Ah, sim... Não tem água...

IDOSO 1: Nós “tamo” brigando pra fazerem uma adutora aqui dentro desses quintais aqui, né.
Pesquisador 4.: Se ele for aguar, ele vai pagar, pela água.

IDOSO 1: É. E é cara.

Pesquisador 2: Aquele mundo de água ali do Castanhão, 6 bilhões...

IDOSO 1: Pois é. Nós “tamo” brigando que seja feita uma adutora dali daquele canal, passando aqui
por dentro do nosso projeto “todim”, né. Cada um com um “pontozinho” [diminutivo de ponto]
d’água, água bruta, né, que essa água nossa aqui é tratada, nem pra aguação “num” presta, né.

Pesquisador 2: É, “num” presta não, queima as folhas.

IDOSO 1: E aí, nós “tamo” brigando. Tá em estudo ainda, tá em licitação essa adutora, né. Se sair, aí
nós pode usar, essa água mais barata aqui pra nós plantar alguma coisa aqui e...

Pesquisadores (Pesquisador 4. e Pesquisador 2): [Comentários sobre as dimensões do


Castanhão e a quantidade de água. Conclusões de que não faria muita diferença a utilização de
água desse açude para irrigar pequenos plantios da comunidade].

IDOSO 1: Pois é, com certeza, é.

Pesquisador 2: Ali é 60 quilômetros de água, a profundidade, ele falou que tem partes que
chegam a 100 metros. É um prédio de 50 andares, de água. É água que “não acaba mais”.

Pesquisador 3: Quando tempo o senhor viveu na antiga cidade?

IDOSO 1: Desde 36, desde o ano de 1936 que eu nasci, que eu nasci lá no município de Jaguaribara,
né.

Pesquisadores: [Comentários]

IDOSO 1: E até a nossa mudança foi pra cá... Em que ano, Inês? Até 2001 eu convivi lá, né.

Pesquisador 2: 65 anos. Vocês vieram pra cá em que mês de 2001?

IDOSO 1: Fevereiro.

Pesquisador 1.: Ah, então vieram primeiro do que o povo da cidade, que o povo da cidade veio
em julho e agosto.

IDOSO 1: Eles vieram primeiro do que nós...

Pesquisadores: [Comentários, especulações acerca do ano da mudança]

IDOSO 1: Nós “fiquemo” lá. Pense num sofrimento! Nós “fiquemo” lá, quando a cidade mudou-se
pra cá. Vindo, setenta quilômetros, nós tinha que fretar um “carrim véi” [carro velho] lá pra vim fazer
as compras da gente aqui. Se adoecesse uma pessoa, tinha que vim pr’aqui ou então ir pra Jaguaribe.
Era até mais perto, uma cidade que tem, Jaguaribe, né, era mais perto pra ir comprar um remédio pra
uma pessoa quando adoecesse, né.

Pesquisador 2: Mas aí, vocês vieram depois, porque preferiram mesmo?

IDOSO 1: Não, porque...

D. I: [Comenta algo acerca de que ainda não haviam as casas]


Pesquisador 2: Ah, não tinha as casas. Não tinha nada ainda. Vocês... ainda não dava pra vocês
virem.

IDOSO 1: Não tinha as casas, era. Não tinha nada, é. Quando a cidade se mudou-se pr’ali, aqui a
primeira casa que foi começada a construir foi aquela casinha ali que é de um filho meu, né, a
primeira. Eu vinha da cidade, eu vinha de moto visitar. Isso aqui era uma mata tão grande, que eu só
queria que vocês vissem a mata que tinha aqui. Ninguém “num” via nem daqui, d’uma casinha dessa
pra outra ali a gente não avistava, com a mata tão grande que era.

Pesquisador 4.: Foi vocês que capinaram?

IDOSO 1: Foi. A gente quando chegou aqui que brocou. Cada um brocou o seu “terrenozim”
[diminutivo de terreno] e queimou e tirou pra fora. Era coisa horrível mesmo. Era horrível. Quando a
gente chegou aqui, era de cortar coração a mudança quando a gente chegou aqui. A gente não
avistava nem a casa de um vizinho pra outro, né, com as mata tão grande que era.

Pesquisador 3: O senhor tem quantos filhos?

IDOSO 1: Quatro.

Pesquisador 1.: Quantas mulheres?

IDOSO 1: Só uma.

Pesquisadores: Só uma mulher e três homens.

Pesquisador 1.: São casados, já, não é? O senhor mora sozinho aqui...

IDOSO 1: Não, tem dois solteiros. [Comenta a respeito dos filhos solteiros e diz que um dos rapazes
que cuida do gado é um sobrinho que ele criou desde que nasceu, como se fosse filho]

Pesquisador 3: [Pergunta a idade dos filhos dos filhos do entrevistado]

[CONVERSA]

Por fim, comenta-se que o céu estava bonito (era fim de tarde). O entrevistado diz que à noite ali é
muito bom, mas durante o dia não é.

FIM
IDOSO 1

LADO A

Pesquisador 1: Pra começo de conversa a gente pensou.... a Camila lhe falou, né, do objetivo
que é ver com é que foi essa mudança pra um grupo de idosos e pra um grupo de jovens que
geralmente é diferente, né, a visão que os jovens têm...

IDOSO 1: Exatamente, é.

Pesquisador 1.: Aí assim, a nossa pesquisa é justamente isso, né, ver essa diferença, essa
comparação. E pra gente, que faz esse tipo de pesquisa, sempre que a gente trabalha com
pessoas, a gente precisa da autorização delas, né, pra gente poder trabalhar em cima do que as
pessoas disseram, né. Então a gente precisa trazer o termo de consentimento, né, que o
Pesquisador 3 pode ler pro senhor o que é, que é tipo assim como se o senhor tivesse
autorizando a falar mesmo sobre isso, as suas experiências....

Pesquisador 2: É só essas burocracias, né, da pesquisa. Aí é só um terminho...

Pesquisador 3: [Lê o termo de consentimento]

Pesquisador 1.: A gente vai gravar mesmo só pra não ter que ficar conversando com o senhor e
escrevendo, né. Só mesmo pra ficar mais à vontade, né.

Pesquisador 2: Pra poder ouvir... E o senhor poderia falar pra gente como era a vida de vocês
lá na Antiga Jaguaribara? Como é que era a rotina mesmo, o quê que vocês faziam, em quê
vocês trabalhavam... o senhor disse que tinha animais, né, criavam umas vaquinhas lá. Só falar
mesmo como é que era a rotina.

IDOSO 1: Bom, eu da minha pessoa quando eu morava lá na cidade velha, eu morava perto dum
açude público, né? Eu morava perto de um açude público, né, tinha vazante lá, a gente, na época do
verão lá tinha mais riqueza do que “mermo” na época do inverno, porque tinha esse açude quando era
no verão a gente plantava as vazante da gente, a gente tirava toda qualidade de planta, o que plantasse
dentro daquelas vazantes dava, né. A gente pagava aquele direito das vazantes, pronto, e ali a gente
usava elas do modo que quisesse usar. Portanto, eu lá pra minha pessoa essa mudança pra mim foi
uma coisa que eu nunca no mundo pensei na vida de acontecer uma coisa dessas. Quando o pessoal
falava em mudar pra aqui, eu imaginava assim, “mas...”, dizia “Mas tenho fé em Deus que isso nunca
vai acontecer!”, mas infelizmente aconteceu, né? E ai pra mim só trouxe, só acarretou prejuízo, né, e
pra muitas outras famílias que viviam do trabalho, porque já pensou a pessoa viver trabalhando,
produzindo todo dia e passar quatro ano parado aqui, sem produzir nada, só gastando o que as
pessoas trouxeram pr’aqui, né? Porque quem trouxe um animalzinho pr’aqui, se ele não dispôs dele,
tá sofrendo com ele pra dá de comer. Taí uma vaquinha que nem eu tenho aqui, tem uns “bichim”
[diminutivo de bicho] por aqui. È tirado água da torneira pra dá aqui, água tratada, né? Ai quando é
no fim você vai pagar aquela água como que tenha sido uma pessoa que consumiu. E lá a gente não
tinha isso, a gente tinha água aí abundante pra dá a nossos bichos, né? Portanto, eu pra mim, essa
mudança pra mim foi muito pior do que o que eu vivia lá, né? E muita gente daqui que morava lá
perto de onde eu morava conta essa mesma situação, né? Foi um sacrifício essa nossa mudança pra
gente. Eles prometeram muita coisa, que quando chegasse aqui o nosso projeto tava funcionando. O
nosso projeto aqui vai ser de pecuária leiteira, né? Vai ser cada uma pessoa vai criar aqui 13 vacas
num espaço de 3 hectares todo “regadozim”... Acredito que quando isso começar a funcionar vai ser
bom. Agora quando... só Deus sabe, né, é que vai funcionar isso. A gente todos os mês, ainda agora
eu cheguei de Fortaleza quarta-feira de noite, desde segunda-feira que eu tava lá junto mais a prefeita
batalhando com o pessoal do governo, do DNOCS [Departamento Nacional de Obras Contra as
Secas], pelejando pra que botassem o nosso projeto pra funcionar, mas as promessa é muito fraca.
Talvez que não comece nem durante esse ano ainda, né? E aí a gente fica aqui só sofrendo, só
penando, né?

Pesquisador 1.: E qual é esse projeto deles? É dar um espaço de terra com acesso à água pra
vocês criarem gado?

IDOSO 1: É, é... Eles... Nós temos um canal aqui depois daquele canal da integração nós temos outro
canal aqui que é do nosso projeto, né, que aí eles... a gente tá fazendo uma adutora de um canal pra
outro pra tirar água daquele canal pra esse daqui pra poder daqui ser usado no projeto, que a gente vai
usar, né. Mas ali é tudo pago, energia é tudo pago, água é tudo pago. Depois que a gente for começar
a trabalhar, né. As “vaca” a gente é que vai comprar, agora os “equipamento” de aguação, ele
felizmente, o governo federal deu, né. O Lula deu os equipamento pra instalar dentro das 3 hectare,
né. Mas o resto, a partir daí, tudo nós vamos fazer empréstimo no banco, o custo é de 36 mil reais pra
poder começar a trabalhar. E aí vai ser parcelado, a gente vai ficar pagando por ano, né, até vencer
esse dinheiro que a gente vai tirar, né.

Pesquisador 2: E por enquanto como é que o senhor tá?

IDOSO 1: Por enquanto, olhe, sempre que eu dou entrevista eu digo, eu, por enquanto, eu tenho o
salário de aposentadoria e tenho o salário do sindicato, eu tenho um filho que mora aqui, tenho outra
filha que mora ali, eles não têm emprego, eu ajudo a eles na sobrevivência deles. E os outros que não
têm aposentadoria e que não têm emprego de canto nenhum, só Deus sabe como é que eles passam...
Porque sem ter um salário pra todo fim de mês receber é difícil a pessoa viver, né. Por isso que eu
digo que é muito difícil aqui, né. A gente conta essa situação pros governante, mas parece que ele é,
que nem diz o ditado, entra num ouvido e sai no outro e aí fica, né. Eles num levam em conta que a
gente tá aqui sofrendo há muito tempo e vai levar um bom tempo ainda, né, pra poder deixar de
sofrer. Eu “atribuio” até, depois da nossa mudança pra cá. Porque quando foi pra mudar pra cá a
gente pediu pro pessoal do governo que fizesse um trabalho com esse povo “véi”, esclarecendo como
era que eles “ia” viver aqui, que a mudança não ia ser fácil e esse trabalho não foi feito. E depois que
nós “cheguemo” aqui, as pessoas mais idosas que vieram “pr’aqui”, pra cidade mesmo, já morreram
quase tudo. E tem muita gente aí que se queixa que foi por causa da mudança. Ficou traumatizado
daquela mudança e por conta disso morreram. É pouco os velho que veio de lá de 70 anos, de 70 e
pouco anos que “seje” vivo. Todos eles já morreram. E muita gente aqui atribui que foi por conta da
mudança, ficou traumatizado, teve velho que até ficou maluco, né, daquela mudança de vim
“pr’aqui”, né. Porque lá a gente nasceu e criou-se. Porque você nasceu e se criou-se num canto aqui,
aí você se mudar pra um canto “pertim” não, mas pra um canto longe “da’onde” ele nasceu e criou-
se. Lá a convivência é outra, esses velho lá todo dia eles andavam na cidadezinha, que era
pequenininha e que era todo mundo conhecido. E aqui, tem velho aqui que veio “pr’aqui”, coitado,
nunca saiu de dentro de casa, porque não conhecia a cidade, a cidade toda diferente, moderna, né. E
por conta disso ele traumatizou-se e veio a falecer, né. Muita gente tem esse pensamento que eu
tenho, né. Por conta que a gente pediu um trabalho, né.

Pesquisador 1.: E o senhor, como é que o senhor ficou sabendo da notícia mesmo “olha, vocês
vão se mudar!”, porque a gente sabe que é bem antiga, né ?

IDOSO 1: É bem antiga, é. Nós, nós tamo acho que é com 18 anos que nós vem nesse sofrimento, né.
Quando foi, a gente um dia ficou sabendo, na época que era o nosso prefeito era um tal de Antônio
Granja que ele é até deputado, ele é médico lá em Fortaleza, né. Ele até foi assaltado agora semana
passada, né.

Pesquisador 2: Aqui?

IDOSO 1: Lá em Fortaleza, lá no Hospital Geral. Ele veio visitar uns “paciente”, na hora da saída os
assaltantes... só não mataram, porque o revólver não prestava, né, mas bateu o “catolé” ainda. Ele é
deputado e é médico, né. Aí ele foi a Fortaleza, quando foi chegou lá o Tasso Jereissati, na época né,
avisou que tinha sido despachado mesmo pra sair o açude, né. Aí a gente juntou-se uma comissão
grande, fez visita a barragens de outros estados que tinha sido feito e a gente viu como era que o povo
tava sofrendo lá por conta da barragem, né. Aí a gente começou a botar obstáculo pra que não fosse
construída a barragem. Aí quando a gente viu que não tinha êxito, aí o que foi que nós fizemo,
“começemo” a lutar pelos nossos direitos, né. Mas infelizmente... “Lutemo”, muita gente que vem
aqui visitar a gente diz “É, vocês tão de parabéns, porque vocês ainda tiveram muita coisa além de
outros que foi vítima de barragem, né”. Mas nós assim mesmo não conseguimo o que nós tinha
direito de tudo, né, nós não tivemo direito, né. Mas hoje eu sempre digo, se nós fosse trabalhar em
cima de outra barragem, hoje sim nós sabia trabalhar, porque agora nós já tem experiência, né,
porque antigamente nós não tinha, né.

Pesquisador 3: O quê que o senhor sentiu quando o senhor recebeu a notícia?

IDOSO 1: Rapaz, quando eu recebi a notícia... Bom, nós sabia que tavam fazendo essas casa aqui, né.
Primeiro de tudo, o meu maior impacto foi que eu era aposentado e que eu não tinha direito [Dona
Inês chega], eu não tinha direito de receber casa aqui e nem chão pra trabalhar, porque eu era
aposentado. Aí pra mim foi um impacto medonho, né.

Pesquisador 1.: E aposentado não tinha direito de receber casa?

IDOSO 1: Não, não tinha direito de vim. Tinha assim, ói, receber uma casinha dessa daqui com um
chão de 25 metros por 90 de comprimento, mas não tinha a área de plantar, né. E aí o que é que eu
vinha ver aqui com a família sem ter aonde no inverno plantar, sem ter um projeto de irrigação, sem
ter nada, né. Aí a gente... Foi passando os “tempo” e eu fui adquirindo experiência e aí eu “sube” que
eu podia “butar” um filho meu como um “arrendo” [no sentido de arrendamento] de família, n’era, e
ele receber a casa com o chão e receber as 3 hectare, né. E foi isso que eu fiz, né. Botei um filho de
maior que eu já tinha, né, aí ele recebeu as 3 hectare. Nos passar do tempo ele já casou-se, né. E aí eu
fui e entreguei a casa dele e aqui na área dele eu fui e construir essa casa aqui, né. E aí ele vai ter
direito as 3 hectare. Eu, como sou aposentado, quando sair o projeto ele vai trabalhar, eu sou
aposentado, posso dar ajuda a ele no projeto dele, né. Mas aí eu pensava, sendo que nem eu falei no
começo, pra mim era um sonho, que aquilo nunca ia acontecer, a gente nunca vinha pr’aqui, né. Mas
quando foi no dia da mudança pra vim pr’aqui, menino, até chorar eu chorei lá. Quando eu vi o carro
encostado e eu cheguei... Eu tinha saído lá pra um beiço do rio, que tinha um bocado de gente saindo
de barco, saindo de canoa, porque as coisa tudo molhada, né. Aí eu fui pra lá pedir carro pra tirar
nossa comunidade que tava vendo a hora ser tomado a passagem com a água, né. E lá tinha um
pessoal do IDACE [Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará] e a gente trocou muita palavra
lá, tem um pessoal mentiroso. Disse, “você já tá idoso num pode ter mais raiva, vamo ‘s’imbora’
daqui”. Aí fui embora pra casa, quando cheguei lá em casa a mulher já tava com as coisa já quase
tudo em cima do carro. Aquilo pra mim foi uma dor mais medonha do mundo, né. Eu ter que deixar
minhas coisa, vim pr’aqui pra onde eu não conhecia ninguém, né. Aí ela veio embora com a família e
eu fiquei lá lutando com os bichos. Eu vim bem com oito dias, num foi Inês? Com bem oito dias foi
que eu vim pr’aqui, né. Lá, deixei já os bicho lá noutro “chãozim” já lá climatado, né, aí foi que eu
vim pr’aqui. Mas pra mim, ave Maria, foi uma coisa mais muito horrível quando eu me mudei
pr’aqui. E até hoje eu num me acostumei ainda, tá com três anos que nós tamo aqui. Lá onde nós
morava, era difícil andar um carro lá. Quando acontecia de ir fora de hora, eu ouvia a zoada d’um
carro lá, eu já sabia, era uma novidade que tinha acontecido. E aqui às vezes eu me acordo de noite
com a zoada dos carro passando aqui, aí eu digo “Meu Deus, que é que esse carro tá vindo ver aqui
em casa?”, aí me acordo, aí me lembro “ah, eu tô na vista de uma BR aqui, passa carro toda hora”,
mas ainda hoje não me acostumei, né, morando aqui. Lá a gente amanhecia o dia, quando abria a
porta era de frente pra um açude que tinha, tanta água boa, né, vazante, de comer pro nossos bichos,
né. E hoje aqui a gente quando abre a porta só ver um sequidão desse aqui e poeira.

Pesquisador 1.: O que o senhor lembra assim, quais foram os momentos mais marcantes da
mudança quando o senhor lembra?

IDOSO 1: Foi dessa hora quando eu cheguei em casa que a minha esposa tava com as coisa já
arrumada no carro. Pra mim, eu acho que isso eu não vou esquecer nunca mais na minha vida, né,
desse momento, né. (Pausa) E o pior que na hora que nós viemo se mudar pr’aqui a gente nunca iria
vim, porque achava que num era bom, n’era. E tinha que vir, porque as água tava tomando tudo.
Quando foi com pouco tempo lá a casa onde nós morava foi coberta, foi inundada, né.

Pesquisador 2: Ela nem foi demolida? Foi inundada?

IDOSO 1: Foi inundada, foi. Caiu porque ela, a água quem “derribou” ela.

Pesquisador 2: Vocês moravam num ponto onde foi inundado primeiro assim foi?

IDOSO 1: Não, foi não. Nós “fumo” quando lá no ponto onde nós morava, porque ela pegou água
por três vez. O primeiro ano quando eles começaram a construir ela, eles mudaram uma parte de
gente, que mandaram até um pessoal lá pra cidade de Jaguaribara, né, mudaram pra lá. Mudaram
outros pra outros assentamentos. Aí, quando foi no outro ano, eles aumentaram ela outra coisinha,
houve outra mudança de outro pessoal e a nossa foi a derradeira, né. A nossa mudança foi a última.
Foi por três vez, mudança dessa barragem.

Pesquisador 2: Vocês foram a última família a ser transportada pra cá?

IDOSO 1: Foi, nós “fumo” das última família a saírem de lá... pra vim pra cá. Porque nós era já lá no
final da barragem, né.

Pesquisador 4.: Vocês viram a casa...

IDOSO 1: Demolin... Não, não porque a gente não foi mais lá, porque a água primeiro fez isso [gesto
indicando o caminho percorrido pela água], “rodiou” [fez volta ao redor] todinho, ninguém num
podia ir lá, né. Aí depois foi que ela foi crescendo, crescendo e aí inundou ela, né. Hoje ela já tá...
hoje o local lá já tá descoberto, aonde nós morava, segundo a gente que anda de barco aí... Até eles
me convidaram pra mim ir lá e eu num tive coragem de ir não.

D. I: Descoberto só assim [gesto indicando] só um pouquinho...

IDOSO 1: É... Já tem uma “croazinha” assim descoberta assim de chão assim já descoberta.

Pesquisador 4.: Porque secou, né.

IDOSO 1: É, porque secou já, soltaram muita água, aí já secou.

Pesquisador 1.: Seu Tachim, quais foram as principais coisas que o senhor notou, assim, depois
que o senhor mudou pra cá. O que o senhor fazia lá, assim, na sua rotina que agora o senhor
mudou?

IDOSO 1: Sim, a minha rotina é que nem eu falei no começo, era trabalhar em vazante lá, n’era. Eu
trabalhava no sindicato, eu ia de manhãzinha pra o sindicato, trabalhava lá até doze horas. Aí quando
era “da” meio-dia pra tarde pronto, eu tava trabalhando na minha vazante, né. Tirando comer pra os
bicho, plantando milho, feijão, batata, né. Tudo eu plantava, né. E aí quando era sábado e domingo,
pronto, era... [parada do gravador]

LADO B

IDOSO 1: [retomando] Como eu ia dizendo, lá nesse açude onde nós morava, tinha gente que não
possuía gado, não trabalhava noutra coisa e ele vivia só de quê, vocês talvez não saiba o que é
arapuca. É um negócio que a gente faz de madeira...

Pesquisador 1.: De caçar passarinho?

IDOSO 1: (Não) ...e pega os passarinhos. A gente bota lá a isca, aí vem o passarinho, vem comer
debaixo, aí cai, que chama as galinhas d’água, marreca, né. E essas pessoas viviam disso e de
pescaria só com um anzolzinho, né, e eles sustentavam as famílias só com isso, né. E aí se mudaram
pr’aqui, aqui não tem isso, né. Aqui não tem esse espaço pra ele pegar, não tem o peixe pra ele pescar
e aí pronto, vive aí como Deus quer, né, sofrendo.

Pesquisador 1.: E depois da mudança o senhor procurou, se interessou em conhecer a cidade?

Pesquisador 4.: Essa cidade nova.

IDOSO 1: Não, é porque eu trabalho lá no sindicato lá todo dia, né. Eu ando sempre nela lá, mas eu...
às vezes eu conheço, sei onde é que uma pessoa mora, mas uma pessoa chega me perguntando, aí eu
vou deixar a pessoa lá na casa, porque eu não sei nem ensinar, né. Num sei nem dizer “bom, é rua tal,
tal...”, num tem o nome “direitim”, né? Aí, assim eu vou deixar logo a pessoa lá aonde... na casa, né.

Pesquisador 4.: Melhor ir junto do que...

IDOSO 1: Melhor ir deixar do que ensinar, né. Porque a rua, à vista do que nós morava lá, é muito
diferente, né. Porque lá nossas casinhas eram tudo conjugada, era pequenininha a cidade, né. E aqui é
um espaço medonho, aumentou outro tanto de casa aqui, né, porque o IDACE fez casa, o DNOCS fez
casa, né. Aí aumentou muito, ficou muito grande a cidade aqui, né. Tem velho aqui que ainda hoje se
perde, ele sai da casa dele, vai comprar alguma coisa e quando é pra voltar ele não acerta qual é a
casa. Ainda ontem tinha uma mulher dizendo que o pai a vida é perdido aí na cidadezinha, né. E ele é
um homem novo ainda, ele anda bem de bicicleta, mas ele não acostumou-se ainda e nem vai
acostumar, porque ele já tá bem velho.

Pesquisador 2: Então, o senhor sempre vai lá, mas...

IDOSO 1: Todo dia eu vou lá, de segunda até sexta-feira eu vou todo dia, né. Trabalho lá até o meio-
dia, quando é o meio-dia é que eu venho embora pra cá.

Pesquisador 2: Mas e assim que o senhor chegou aqui, porque o senhor disse que primeiro eles
chegaram, depois passou oito dias o senhor veio...

IDOSO 1: Foi. Antes de nós vim de morada pr’aqui, a cidade se mudou-se pr’aqui, o sindicato se
mudou-se e o que era que eu fazia... Eu vinha dia de segunda-feira, aí passava segunda, terça, quarta,
às vezes eu ia-me embora quinta, às vezes só ia-me embora sexta, né. A família lá e eu aqui na casa
de uma irmã minha, né. Eu já convivi aqui talvez uns quatro meses antes da família vim pra cá, né.
Eu já convivia aqui na cidade, trabalhando no sindicato, aí eu morava na casa dessa minha irmã, né.

Pesquisador 1.: Aqui os lugares que o senhor mais freqüenta, é mais o sindicato...

IDOSO 1: É o sindicato, é. A minha convivência aqui é, na cidade mesmo, eu tenho uma irmã minha
que tem um “comeciozim” lá, eu freqüento muito lá o “comerciozim” dela.

Pesquisador 1.: [...]

IDOSO 1: Não, ela vende verdura, né. Ali no mercado, né. E aí, saindo dali eu vou lá pra o sindicato.
Tem uns dois “comerciantezim” ali que eu tenho muita amizade e aí a gente fica batendo um papo lá
com eles um “pedacim”, né. Mas tirante disso daí, eu venho embora pra casa, né. Aqui em casa aí a
gente vai fazer alguma coisa, né.

Pesquisador 1.: Tem muito gosto de ficar andando por aí não...

IDOSO 1: Tenho não, num tenho muito prazer. À vista... Olhe, pra você acreditar, quando nós
morava na cidade velha, eu não perdia uma missa lá na cidade e aqui é muito difícil eu ir. Até uma
missa é difícil até eu ir. Que eu sei lá, eu perdi o gosto de...

Pesquisador 4.: E é longe, né?

IDOSO 1: Num é por ser longe não que lá era a mesma distância, mas eu sei lá, eu perdi o gosto, o
prazer. Eu num sei não, o que foi isso não. Me transformei, né, parece que é uma angústia, né.

Pesquisador 2: A própria cidade, né...

IDOSO 1: É, a própria cidade, é.

Pesquisador 2: É diferente, grande demais.

IDOSO 1: É diferente, grande, é. Com certeza.

Pesquisador 1.: Sim, além do sindicato, que o senhor fala, o senhor participa... Não gosta mais
de ir à igreja, então assim, fora o sindicato, não tem nenhum grupo que o senhor costuma ir?

D. I: Reunião por cima de reunião.

IDOSO 1: É, reunião sobre o sindicato. Toda semana, tem semana que eu passo dois, três dias fora de
casa. E lá, quando eu tô lá aí chegam pra ir participar “tão chamando pra uma reunião ali”, aí eu vou.
Às vezes é fora, nas comunidades, às vezes tem questão na comunidade e a gente vai aconselhar e
pelejar com as pessoas pra que não continuem com aquela desavença, né.

Pesquisador 1.: É sempre lutando...

IDOSO 1: Todo dia é lutando, todo dia é lutando. Muitas noite quando eu tenho muita reunião que eu
chego aqui em casa dez / onze horas da noite, aí a gente fica perturbado por conta “daquelas reunião”,
“daquelas confusão”. Até perder o sono, eu perco. Perco muitas noites de sono, né, imaginando
naquilo... Outras vezes, eu chego em casa intimado pra no outro dia ir pra outra reunião e aí eu já vou
pensar como é que a gente vai fazer aquilo, né. E aí a gente fica pensando e perde o sono “mermo”,
né.

Pesquisador 2: Tava vendo sua blusa, assim que a gente chegou... III Encontro Regional...

IDOSO 1: È, é... A gente faz uns empréstimos, o Banco do Nordeste faz uns empréstimos aqui de mil
reais pras pessoas comprarem animais e aí a gente faz uma feira aqui, né. E eu participo. Todas essas
coisas eu participo de tudo, né. Eles... Graças a Deus eu tenho grandes amizades com prefeito,
deputado, com esse povo, né. Eu tava em Fortaleza fazendo uns exames essa semana e lá a prefeita
tinha uma audiência com o secretário Camilo Santana, né. Ela foi me apanhar lá na casa que eu tava,
“fumo” pra audiência e voltou foi me deixar lá, né. Porque ela tinha prazer de levar, porque eu tenho
conhecimento das coisas, né. Agora foi mudado o gerente do Banco do Brasil aqui e eu ainda não
tinha tido oportunidade de conversar com ele. Quando foi anteontem, eu fui lá no banco, “vixe
Maria”, ele foi a maior... deu um abraço em mim, aquela maior alegria né e dizendo que queria
trabalhar junto com o sindicato e com a EMATECE, né, que nós é quem conhece o pessoal da zona
rural e aquelas pessoas querem fazer um empréstimo e eles precisam do nosso aval pra poder
trabalhar com aquelas pessoas, né, porque ele não tem conhecimento com eles, né. E a gente se
prontificou-se e o que tivesse no alcance da gente ele tava pronto pra ajudar, né.
Pesquisador 1.: Essa casa aqui foi o senhor que construiu?

IDOSO 1: Foi.

Pesquisador 1.: No caso, não tinha direito a receber, então foram vocês que levantaram?

IDOSO 1: Foi nós que constru... Eu que construí ela. Quando nós “cheguemo” aqui, eu tinha um
“gadozim”, aí vendi uma parte do meu gado, aí construí essa casa e o resto os meus filhos têm o
restim do gado lá em cima, né.

Pesquisadores: [Perguntam algo a respeito do local onde está o restante do gado do


entrevistado].

IDOSO 1: É longe, mais de setenta quilômetros daqui até onde eles estão.

Pesquisador 4.: É longe mesmo, né!

Pesquisador 2: O senhor falou que tem uma pessoa lá cuidando, né?

IDOSO 1: Eles mesmo lá coitados... Eles é quem fazem o comer deles, né. Dormem lá sozinhos
numa casa lá. A gente fez um jeito, levou uma televisão, uma geladeira lá pra eles, né, porque sem
conforto nenhum lá, né. Aí, de noite eles dormem só eles dois só numa casa. Agora não, eles levaram
um rapazinho que tinha duma vizinha aqui que melhorou muito pra eles, que eles saem pras lutas, aí
quando chegasse, na hora que chegasse iam fazer o comer deles. E agora não, é bom porque quando
eles chegam, o outro rapazinho tem feito o comer deles, né, tá tudo prontinho ali. O menino faz as
coisas tudo “direitim”, né. Aí pra eles melhorou cem por cento, né.

Pesquisador 2: Mas e a renda que o gado dá lá é pra eles ou...

IDOSO 1: A renda que o gado dá lá, só dá quase pro consumo do gado, porque a forragem nativa que
a gente tem é pouca e aí tem que ser comprado nos armazéns, né. Aí eles tiram aquele leite, vende e
paga os armazéns, né, e vai lá sobrevivendo... Só pra gente num vender e acabar tudo de uma vez, né.

Pesquisador 4.: Manter, né? Até onde der.

IDOSO 1: Manter é, aquele “patrimoniozim” [diminutivo de patrimônio] da gente, né?

Pesquisador 1.: O senhor acha que aconteceu alguma mudança desde quando... Vocês vieram
pra cá em 2001, né? Vocês acham que mudou alguma coisa, assim, na cidade, de 2001 pra cá?

Pesquisadores: Aqui mesmo. Ele pode dizer mais daqui, né? [Referente à comunidade
Mandacaru que é um pouco mais afastada da cidade de Nova Jaguaribara].

Pesquisador 1.: Mais daqui desse espaço.

IDOSO 1: A mudança que aconteceu foi pra pior, né, porque o pessoal tinha uma vida mais digna,
né. Lá em Jaguaribara era um lugar pobre, mas lá você não via gente com necessidade, você não via
gente pedindo esmola, num via gente amanhecer o dia e anoitecer sem ter uma coisa pra botar no
fogo e aqui acontece. A mudança que aconteceu foi essa. Pra pior. Que nem quando nós se reúne com
esse pessoal do DNOCS e do governo a gente diz pra eles, né. A mudança foi essa. Que eles
prometiam que ia ser uma mudança pra melhor e até... Deus queira que aconteça isso! Até eles não
acham bom quando eu digo, olhe, eu já tenho setenta anos, eu até nem tenho fé dessa mudança pra
melhor, d’eu ver essa mudança pra melhor, porque é tão, é tão, é tão devagar que a gente até perde a
esperança, né.
Pesquisador 2: E nesses seis anos não melhorou nada?

IDOSO 1: Não melhorou nada! Pra mim não melhorou nada e eu acho que a pessoa que mora aqui no
Mandacaru e disser que melhorou ele num tá falando a verdade não, porque eu não conheço nenhum
aqui que tenha melhorado. Nenhuma dessas 170 famílias que moram aqui.

Pesquisador 2: São 170 famílias? Só aqui no Mandacaru?

IDOSO 1: É. E já tem muito mais, porque já gente casou-se, gente já construiu família e mora dentro
dessas casinhas pequenininhas junto mais o pai, mais a mãe, né. E outros construíram assim
encostado, construíram. Eu tô pensando que já tem perto das duzentas famílias aqui no Mandacaru,
porque já aumentou mais. Eu ano passado eu fiz um levantamento, tinha 697 pessoas aqui. Mas eu
esse ano eu vou fazer outro levantamento pra mim ver, porque já nasceu muito “menino” aqui, eu tô
pensando que talvez já tenha uns seiscentos e... Perto de setecentas pessoas que moram aqui, né. Veio
outras pessoas já que levantaram mais casas aqui, que moram aqui, né.

Pesquisador 2: E aqui, [...] tava até falando pra gente, que lá era todo mundo mais juntinho e
aqui é todo mundo longe...

IDOSO 1: Pode ter certeza é. Tudo longe... Aqui na cidade tem gente que morava em Jaguaribara e se
mudaram pr’aqui e até hoje não se encontraram ainda... aqui na cidade.

Pesquisador 4.: (comentário de fundo) É mesmo? Seis anos, né?

IDOSO 1: Seis anos. Ainda essa semana eu vi gente conversando lá, nós “vamo” pra Fortaleza lá e lá
a gente fica numa casa de apoio que é da prefeita, ela vai dois carros por semana com gente pra lá e lá
tem uma enfermeira lá que ela fica levando pro hospital e trazendo, levando pra lá e trazendo.
Quando aquelas pessoas tão liberadas, o carro vem deixar novamente e é pouca as prefeitura que faz
isso, né. A nossa prefeitura é muito pobre, mas, graças a Deus, a prefeita faz isso. E lá, em conversa,
eu vi gente lá conversando: “Rapaz, eu me mudei da cidade velha pra cidade nova e fulano, fulano e
fulano, depois que nós ‘tamo’ morando aí eu não vi essa pessoa ainda!”. Pra gente ver as coisa como
é... E lá a cidadezinha era pequena, no dia que tinha uma missa, todo mundo se encontrava ali e ali
todo mundo se via, né. E aqui nem todo mundo vai pra missa e a gente por isso num se vê, né.

Pesquisador 4.: A missa é um lugar de encontro, né?

IDOSO 1: É, exatamente, é.

Pesquisador 1.: E em relação assim à antiga... Quando o senhor lembra assim a antiga
Jaguaribara, qual a primeira coisa que vem assim na cabeça do senhor? Uma palavra, um
lugar, uma imagem...

IDOSO 1: Quando eu me lembro da cidade de Jaguaribara, a primeira coisa que eu me lembro... Que
eu toda vida, eu nasci e me criei sendo religioso e ainda hoje sou, né. Eu até assim às vezes eu acho
que eu tô sendo injusto, porque eu sempre não freqüento a igreja, né. A primeira coisa que eu me
lembro é das missas que acontecia lá, quando a gente ia, n’era, pra gente era uma alegria, n’era,
aquelas noite de novena que a gente freqüentava, né. Pra mim é isso aí a primeira coisa que eu me
lembro.

Pesquisador 1.: E agora, Nova Jaguaribara o que é que vem assim?

IDOSO 1: Agora, a Nova Jaguaribara, a coisa que eu mais me lembro é quando amanhece o dia que
eu tenho que ir pra ela todo dia.
[Risos]

IDOSO 1: Num é nem a distância, é a angústia. Eu num gosto de ir.

Pesquisador 4.: (comentário de fundo) É o sentimento...

IDOSO 1: O sentimento, é.

Pesquisador 2: (comentário de fundo) Não se sente bem de andar na cidade.

IDOSO 1: É. É a coisa que quando amanhece o dia que eu tenho que me ajeitar pra ir pra cidade, eu
vou constrangido pra lá. Enquanto que quando era na cidade velha, era 4 quilômetros lá de casa pra
lá. Lá em casa tinha bicicleta. Antigamente, quando eu comecei a trabalhar no sindicato, o povo diz
que... Eu conheço muitas pessoas que quando trabalhou em sindicato, começou era pobre e hoje tem
bodega, tem moto, tem carro. E eu, quando eu comecei a trabalhar no sindicato, eu tinha um fusca. E
eu comecei a trabalhar no sindicato, viajava nele fazendo visita ao povo e o sindicato era muito pobre
e eu hoje fiquei de pés e acabou-se o meu fusca e eu tô mais pobre do que quando eu comecei a
trabalhar no sindicato, né. E outros “enricaram”, num sei porquê. Os “caba” diz que é porque eu sou
honesto demais e por isso eu fiquei pobre, cada vez mais, porque os outro “enricaram” e por quê que
eu fiquei mais pobre, né? E lá eu tinha esse carrinho velho e tinha bicicleta e às vezes eu deixava tudo
em casa e ia de pés, né, porque eu vejo muita gente fazendo caminhada e eu fazia logo a minha
caminhada em procura do meu trabalho.

Pesquisadores: (comentários de fundo) Saudável... / Faz bem à saúde...

IDOSO 1: Era, era. Quando era pra voltar, aí eu vinha de moto-táxi, vinha me deixar, porque era ao
meio-dia, era mais ruim, n’era. Aí eu vinha. Aqui muitas vezes eu vou, daqui pra cidade eu vou de
pés quase todo dia. Agora não, porque tem uma nora minha que ela trabalha no sindicato mais eu e
ela tem uma moto, aí eu pego carona mais ela, vou num carro que vem buscar os alunos aqui, todo
dia vem buscar uns aluno aqui, aí eu vou mais eles. É assim.

Pesquisador 1.: E na antiga assim, na antiga Jaguaribara tinha algum... Geralmente tem, em
cidade do interior sempre tem eventos tradicionais assim todo ano, é uma quermesse, uma festa
da cidade.

IDOSO 1: É, é porque aqui, a nossa cidade aqui tem dois padroeiro, Santa Rosa de Lima e São
Gonçalo, né. É duas “festa” que tem por ano aqui, né. Eu sou “mei lesado”... Qual é o mês, Inês, é
janeiro?

D I e pesquisadores: [Comentários sobre os meses de festa. O mês de agosto é citado.]

IDOSO 1: Aí é as festa de tradição que tem, né. E aí outra festa de tradição que tem é o dia de ano,
né, passagem de ano, né, o Natal, né. Era... São essas as “tradição” que tem aqui.

Pesquisador 2: Aí, mas lá sempre tinha na cidade, mesmo assim, uma festa que todo mundo ia...

D I: Tinha, quase toda semana tinha festa.

IDOSO 1: Festa que vocês dizem é festa dançante?

Pesquisadores: [Explicam que não é festa dançante, mas festas / eventos tradicionais, que
reúnem as pessoas, festas na praça, etc.]

IDOSO 1: Mas tinha. Pelo menos essas quatro festas de tradição tinha, tinha todos os anos. O Natal,
o dia de ano e as festas dos dois padroeiros. Essas aí a gente sempre costumava ir, lá [na antiga
Jaguaribara], aqui não [em Nova Jaguaribara]. Lá nós sempre “costumava” ir.

Pesquisador 2: Não tem nem vontade de ir?

IDOSO 1: Eu, pelo menos, nem vontade de ir eu num tenho não.

Pesquisador 1.: Mas o senhor sabe quais as que existem ainda? Essa de agosto, né?

Pesquisador 4.: E as de ano, né?

IDOSO 1: Ela [D. Inês] sempre vai. Quando é nas “novena” se junta um bocado de mulher aqui e vão
de pés aqui, né. Elas sempre vão, eu num fui nenhuma... Eu fui uma derradeira, acho que foi, a
derradeira.

D. Inês:(comentário de fundo) [Diz que tem missa no Mandacaru, que o padre vai celebrar Natal]

Pesquisador 4.: Tem uma capela aqui?

IDOSO 1: Tem uma “crechezinha” aqui, uma creche, né. A creche é pra tudo, é pra missa, é pra
reunião, é pra tudo. Nossas “reunião” é tudo feita...

Pesquisador 4: Serve pra tudo, né?

IDOSO 1: Serve pra tudo.

D. I: [Fala sobre a igreja do Mandacaru] Aqui a igreja é dois “padroeiro” também, São Francisco e
São João. Dia 25 vai começar “as novena” aqui.

IDOSO 1: Agora já ta feita a capela. O pessoal se reuniu, fizeram doação e taí feita uma capela que é
uma beleza, aí, né. É bem aqui, é. Agora no dia 4 vai ser a inauguração.

Pesquisador 4.: (comentário de fundo) Acho que a gente passou perto.

Pesquisador 1.: Vocês acham que essa festa ainda é a mesma coisa assim da antiga, da outra
cidade? Tem a mesma participação do pessoal da cidade?

IDOSO 4: Aqui, todos os anos quando fazem “as missa” dá muita gente, porque só aqui do
Mandacaru são cento e setenta famílias, se viesse todo mundo já era muita gente, né. E tem muita
gente aqui da cidade que são devoto de São Francisco e de São João e eles vêm dali da cidade eles
vêm pra cá. Eu tô pensando que, sobre essas festas desses dois santos, aqui dá mais gente do que
quando era lá. Acho que dá mais gente.

Pesquisador 1.: Aí assim, a gente escutou, acho que foi do seu Róseo, que falou que essa região é
uma região muito perigosa.

IDOSO 1: Qual foi, o Róseo?

Pesquisador 2: Não, é a região onde tá construída a nova cidade...

Pesquisador 4.: Não aqui [o Mandacaru], tudo, a região geral.

Pesquisador 2: ...que a outra era mais tranqüila.

Pesquisador 1.: Aí assim, vocês acham assim que o povo de Jaguaribara é diferente assim desse
povo aqui ao redor?
IDOSO 1: “Hômi”, eu lá onde nós morava lá na outra cidade, lá perto da outra cidade, era distante 4
quilômetros. Nós “cansemo” de sair, eu mais ela “cansemo” de sair pra rua e puxava só a porta assim,
deixava só encostada, nem trancar nós num trancava, nunca no mundo faltou nada dentro de casa, né.
E aqui a gente amanhece e anoitece, morrendo de medo, vendo a hora chegarem e arrombarem a
porta.

D. I: (comentário de fundo) [Comenta que roubam galinha]

IDOSO 1: Por último, eu tinha umas “criaçãozinha” aqui detrás aqui, dentro do chiqueiro, quando foi
amanheceu o dia, tinha “três ovelha” aqui dentro do chiqueiro, quando amanheceu o dia só tinha
duas. Tava a [“rastaria”]. Os “caba” pegaram e foram embora com ela, né. Tiro aqui... Ói, agora... Foi
pra amanhecer ontem foi, Inês? ... passou uns “caba” de moto aí, ói, com revólver na mão, deram
bem oito tiros, contaram aqui, né. Bem “oito tiro” que deram aqui. Moto, hômi, bem aqui nesse canal
aqui onde vocês andaram ali, bem “duas moto” já foi assaltada aqui, bem aqui.

Pesquisador 2: Às vezes é até pela condição mesmo. Você disse que lá ninguém passava fome
nem nada...

IDOSO 1: Pois é. Mas eu não sou de acordo que é porque tá passando fome, não. Porque a pessoa
quando tá passando fome, ele procura outra coisa, né, ele num vai assaltar. Porque ele vai tomar uma
moto, aí ele, ele num...

Pesquisador 4.: Não tem nem a moto, né, pra andar.

IDOSO 1: Pra andar, é. Eu não acredito e nem creio que seja porque tá passando fome não.

Pesquisador 2: Essas pessoas são de fora, né?

IDOSO 1: É, são de fora e tem outros “malandrozim” que roubam sabe pra quê? Pra farrearem.

D. Inês: Parece que mais roubo é quando tem mais festa.

Pesquisador 1: O senhor acha que é mais o pessoal de fora, né, que vem pra assaltar?

IDOSO 1: O pessoal de fora e de Jaguaribara teve gente que veio pr’aqui e se acompanhou-se com
esses também.

Pesquisador: [Fala algo relacionando jovens, roubos e festas]

IDOSO 1: Quando há uma vaquejada, quando há uma festa, sempre eles aumentam os roubo pra
poder terem dinheiro pra ir pra essas festa, né.

Pesquisador 1.: O senhor acha assim, o povo daqui, então, é bem calmo assim em relação ao
povo de fora... O povo aqui é mais tranqüilo.

IDOSO 1: É. E comparando com o assentamento que tem no Alagamar e no Curupati, que eu não sei
se vocês já andaram ou já ouviram falar.

Pesquisador 4.: A gente viu o Curupati lá do outro lado...

IDOSO 1: E tem o Alagamar que é lá na represa da barragem. Comparando com esses outros dois
assentamento, o nosso é o mais calmo. A gente não vê falar em briga daqui de morador, né. E ainda
agora essa semana, eu ouvi falar que no Curupati houve briga lá, até faca eles andaram trocando faca
lá, né. E lá no Alagamar já houve morte, né, depois que tão lá... E aqui, graças a Deus, num
aconteceu nada disso não, né. Eu acho ainda que ainda é dos assentamentos mais calmo é esse nosso
aqui.

Pesquisadores: [Falam entre si alguma coisa acerca do próximo procedimento da entrevista]

Pesquisador 2: Eu ainda queria perguntar outras coisas, que era mais em relação mesmo ao
que o senhor falou, que a gente começou falando no começo na conversa (e acabou indo pra
outro canto)... É dessa história dessas promessas, que eles dizem que é uma coisa, depois é
outra... Assim, só pro senhor contar mais como é que foi assim, que você contou, mesmo dessa
experiência de ter ido pegar água pras vacas e chegar a polícia, dizendo que não pode.

IDOSO 1: Pois é, lá quando nós morava lá na outra cidade ainda, o pessoal andavam lá e as promessa
que eles faziam lá pra gente era que quando a gente chegasse aqui, nosso projeto tava todo pronto, a
gente já ia começar a produzir e que ia ter uma vida melhor do que a que tinha lá. Eu, eu como já
meio idoso e já bem andado no mundo, eu sempre ficava assim mei... desconfiado. Muita gente, não,
acreditava que ia ser, n’era. Aí eu dizia, mas me diga uma... Aí pronto, passou-se, passou-se. Aí
quando eles fizeram “a nossas casa” aqui e a barragem eles tinham a previsão de passar oito anos pra
encher, n’era. Eles “num” sabiam nem... Nós podia até “num” tá nem aqui ainda, se a barragem
“num” tem tomado essa água, né. Aí quando a barragem começou a tomar água, como se diz, de uma
hora pra outra, né, aí a gente teve que sair e o que foi que eles disseram “Bom, vocês vão pras casas
de vocês, o projeto não tá pronto, mas vocês quando chegarem lá, vocês vão receberem uma cesta
básica até vocês começarem a produzir”. No dia que o pessoal chegaram aqui, receberam uma cesta
que teve mulher que eu acho que cantou de alegria, né, porque era boa a cesta mesmo. Mas só foi
essa, só foi essa no dia que chegou e pronto, acabou-se e mais nunca mais...

Pesquisador 4.: (comentário de fundo) Nunca mais veio, né...

IDOSO 1: ...aconteceu nada dessa vida, né. Tudo isso foi promessa em vão que eles fizeram, né.
Tanto do projeto como dessas bolsas, né. Agora ainda essa semana, eu conversando com eles lá, o
secretário Camilo Santana, eu disse pra ele que eles podiam ta pagando pelo menos a água e a energia
dessas famílias que moram aqui, porque eles não tem com que pagar, né, e eles disseram que não têm
como pagar. Pelo menos a água e a energia, a gente pediu e eles não têm como pagar, né. Porque tem
gente, coitado, que quando é no fim do mês aqui pra pagar água e energia tá vendendo uma
“galinhazinha” que tem, se sacrificando. Outros “ajunta” dois, três papel em casa, vendo a hora ser
cortado. Outros, eles vêm e cortam mesmo, né. Aí eles vão pedir à prefeita, vão pedir a um vereador
pra pagarem pra poder, né, fazerem a ligação novamente.

Pesquisador 2: (comentário de fundo) E a água passando aqui do lado...

Pesquisador 1.: Porque no começo ainda tinha uns agrados assim, né, deram uma cestinha
aqui...

IDOSO 1: É, deram uma cesta só. Foi só uma, né.

Pesquisador 4.: Só pra dizer que iam dar.

IDOSO 1: É, era. Pra poder enganar as pessoas, né.

Pesquisador 1.: Depois desses seis anos pra cá foi só...

IDOSO 1: Nada, nada. Zero. Depois desses seis anos, desses cinco anos pra cá aconteceu essa cesta e
mais nada. Às vezes acontece de darem umas bolsas por aqui, o MAB [Movimento de Atingidos por
Barragens], né. Eles “adquerem” umas bolsas por São Paulo, né.

Pesquisador 1.: (comentário de fundo) Ah, o Movimento de Atingidos por Barragens.


IDOSO 1: É, eles dão uma ces... Quando eles “adquerem” essas cestas lá por Brasília, eles dão a
cesta, né. Às vezes dão um mês e outro não, às vezes dão em dois meses, às vezes passa um ano sem
eles adquirirem, né, mas eles “adquere”. E eles toda vida tão junto mais a gente, nessas batalhas, pra
ver se “adquere” as coisas pra gente, né.

Pesquisador 1.: Aí o MAB do povo que vem é d’aonde?

IDOSO 1: É... Tem um pessoal que é daqui mesmo, que eles fazem parte do MAB. Tem aqui do
projeto do Alagamar tem bem três pessoas que faz parte da coordenação nacional, né, e tem outro da
coordenação regional. Aqui do Mandacaru tem bem umas quatro pessoas já que faz parte, né. Sempre
eles se reúnem, até lá no sindicato eles se reúnem pra poder fazerem aqueles planos pra quando
saírem, né, levarem aquelas coisas já tudo agendada, o que é que eles vão exigir, né.

Pesquisador 1.: [Comenta que aqueles tópicos que tínhamos planejado abordar já tinham sido
contemplados e pergunta se alguém quer perguntar mais alguma coisa]

Pesquisador 2: [Faz algum comentário de fundo e pergunta..] Ah, e pesca? Que é muito longe,
né, pra chegar na água...

IDOSO 1: Ah, é. Pra pescar lá na... é muito grande e tem que ter um cadastro lá pra pescar, é.

Pesquisador 2: Ainda tem isso? Eu “num” acredito não...

IDOSO 1: Com o “anzolzim” [diminutivo de anzol]... você sabe como é que pesca com anzol “num”
sabe? Uma “varazinha”, pega um “peixim”... Aquele dali... a pessoa pesca.

Pesquisador 2: Lá era com rede, né?

IDOSO 1: É. Agora com a rede, com galão, com essas coisas, você tem de ser cadastrado. Se não for
cadastrado no dia que o IBAMA [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis] vem, pega, ele toma linha, toma o peixe, toma tudo, né. Ele carrega tudo, não deixa a
pessoa com nada e ainda multa mais a pessoa, a pessoa fica suspenso a uns pouco de meses, bem a
três meses sem poder pescar.

Pesquisador 4.: E lá na outra cidade era livre, assim...

IDOSO 1: Não, na cidade era...

Pesquisador 2: Era o açude, pra todo mundo!

IDOSO 1: Nós tinha o rio lá, que o rio era distante da cidade talvez o que... duzentos metros, né,
cheio de peixe, todo mundo levava sua “tarrafazinha” [diminutivo de tarrafa]. Às vezes a pessoa
amanhecia o dia, “num” tinha o que comer dentro de casa, aí ia lá com a tarrafa, pescava, levava uma
“coisinha” [no sentido de quantidade, “um pouco”] pra cidade, vendia e comprava a mistura e tinha o
outro peixe pra ela. Era a felicidade lá. E tinha esse açude do governo que eu morava lá perto, lá
também as pessoa tinha de ser cadastrado pra pescar lá, né. Mas como não tinha zelador, não tinha
nada lá, muita gente pescava lá sem ter mesmo o cadastro.

Pesquisador 4.: Agora aqui a fiscalização é “braba”.

IDOSO 1: É, a fiscalização aqui, eles andam é dentro do açude de barco, eles tem uns barco e andam
dentro do açude e pega mesmo.

Pesquisador 2: [Comenta alguma coisa acerca da fiscalização dentro da água]


IDOSO 1: Dentro da água. Eles andam no barco todo dia, pescando [talvez signifique “fiscalizando]
de um canto pra outro. Se pegar a pessoa pescando sem ser cadastrado, eles tomam toda a linha que a
pessoa tiver. Eu assisti uma...

Pesquisador 2: O açude é deles, né? [Ironia. Em tese, é um açude público]

IDOSO 1: É. Assisti uma diligência que eles fizeram lá. Eles tomaram talvez assim uns quinhentos
quilos de peixe. Aí o que foi que eles fizeram, eles me chamaram lá com as agentes de saúde e
doaram esses peixes pra nós dar, sair dando na pobreza, né. Aí a prefeita na época deu um carro, aí a
gente saiu distribuindo esse peixe todinho. Agora as “ruma” de linha que eles tinham lá que tomaram,
era coisa imensa essa “ruma” de linha, né. Daí eu perguntei “E vocês vão fazer o que dessa linha?”, aí
ele disse “Nós vamos queimar tudinha!”, né. “Caba” com a linhazinha bem novinha que não tinha
botado nem dentro do açude.

D. I: Tinha nem pagado.

IDOSO 1: Era. Não tinha nem pago ainda. Era de fazer pena, né. Aí eu fui e disse assim “Rapaz,
arranja um galão desse assim pra mim pescar num açude particular”, aí ele foi e disse “Não, pode
você vim botar aqui dentro do açude, né...”. Eles não deram de maneira nenhuma.

Pesquisador 4.: Nem isso, né?

IDOSO 1: É.

Pesquisador 4.: Gente, é muita violência, né?

Pesquisadores: [Comentários inaudíveis]

Pesquisador 3: [Pede para pegar informações pessoais de Seu Tachim]

IDOSO 1: Certo.

Pesquisador 3: Qual a idade do senhor?

IDOSO 1: 70 anos, vou completar 71 agora no dia 28 de novembro.

Pesquisador 3: O senhor é aposentado, mas o senhor... [pergunta que cargo seu Tachim ocupa
no sindicato]

IDOSO 1: Presidente.

Pesquisador 3: O senhor é pecuarista aposentado, né.

IDOSO 1: Exatamente. Pecuarista e agricultor, né, porque eu trabalho na agricultura e crio ainda uns
“bichim”, né.

Pesquisador 2: Aqui o senhor planta alguma coisa ainda?

IDOSO 1: Não planto, porque nós não tem água aqui, né.

Pesquisador 2: Ah, sim... Não tem água...

IDOSO 1: Nós “tamo” brigando pra fazerem uma adutora aqui dentro desses quintais aqui, né.
Pesquisador 4.: Se ele for aguar, ele vai pagar, pela água.

IDOSO 1: É. E é cara.

Pesquisador 2: Aquele mundo de água ali do Castanhão, 6 bilhões...

IDOSO 1: Pois é. Nós “tamo” brigando que seja feita uma adutora dali daquele canal, passando aqui
por dentro do nosso projeto “todim”, né. Cada um com um “pontozinho” [diminutivo de ponto]
d’água, água bruta, né, que essa água nossa aqui é tratada, nem pra aguação “num” presta, né.

Pesquisador 2: É, “num” presta não, queima as folhas.

IDOSO 1: E aí, nós “tamo” brigando. Tá em estudo ainda, tá em licitação essa adutora, né. Se sair, aí
nós pode usar, essa água mais barata aqui pra nós plantar alguma coisa aqui e...

Pesquisadores (Pesquisador 4. e Pesquisador 2): [Comentários sobre as dimensões do


Castanhão e a quantidade de água. Conclusões de que não faria muita diferença a utilização de
água desse açude para irrigar pequenos plantios da comunidade].

IDOSO 1: Pois é, com certeza, é.

Pesquisador 2: Ali é 60 quilômetros de água, a profundidade, ele falou que tem partes que
chegam a 100 metros. É um prédio de 50 andares, de água. É água que “não acaba mais”.

Pesquisador 3: Quando tempo o senhor viveu na antiga cidade?

IDOSO 1: Desde 36, desde o ano de 1936 que eu nasci, que eu nasci lá no município de Jaguaribara,
né.

Pesquisadores: [Comentários]

IDOSO 1: E até a nossa mudança foi pra cá... Em que ano, Inês? Até 2001 eu convivi lá, né.

Pesquisador 2: 65 anos. Vocês vieram pra cá em que mês de 2001?

IDOSO 1: Fevereiro.

Pesquisador 1.: Ah, então vieram primeiro do que o povo da cidade, que o povo da cidade veio
em julho e agosto.

IDOSO 1: Eles vieram primeiro do que nós...

Pesquisadores: [Comentários, especulações acerca do ano da mudança]

IDOSO 1: Nós “fiquemo” lá. Pense num sofrimento! Nós “fiquemo” lá, quando a cidade mudou-se
pra cá. Vindo, setenta quilômetros, nós tinha que fretar um “carrim véi” [carro velho] lá pra vim fazer
as compras da gente aqui. Se adoecesse uma pessoa, tinha que vim pr’aqui ou então ir pra Jaguaribe.
Era até mais perto, uma cidade que tem, Jaguaribe, né, era mais perto pra ir comprar um remédio pra
uma pessoa quando adoecesse, né.

Pesquisador 2: Mas aí, vocês vieram depois, porque preferiram mesmo?

IDOSO 1: Não, porque...

D. I: [Comenta algo acerca de que ainda não haviam as casas]


Pesquisador 2: Ah, não tinha as casas. Não tinha nada ainda. Vocês... ainda não dava pra vocês
virem.

IDOSO 1: Não tinha as casas, era. Não tinha nada, é. Quando a cidade se mudou-se pr’ali, aqui a
primeira casa que foi começada a construir foi aquela casinha ali que é de um filho meu, né, a
primeira. Eu vinha da cidade, eu vinha de moto visitar. Isso aqui era uma mata tão grande, que eu só
queria que vocês vissem a mata que tinha aqui. Ninguém “num” via nem daqui, d’uma casinha dessa
pra outra ali a gente não avistava, com a mata tão grande que era.

Pesquisador 4.: Foi vocês que capinaram?

IDOSO 1: Foi. A gente quando chegou aqui que brocou. Cada um brocou o seu “terrenozim”
[diminutivo de terreno] e queimou e tirou pra fora. Era coisa horrível mesmo. Era horrível. Quando a
gente chegou aqui, era de cortar coração a mudança quando a gente chegou aqui. A gente não
avistava nem a casa de um vizinho pra outro, né, com as mata tão grande que era.

Pesquisador 3: O senhor tem quantos filhos?

IDOSO 1: Quatro.

Pesquisador 1.: Quantas mulheres?

IDOSO 1: Só uma.

Pesquisadores: Só uma mulher e três homens.

Pesquisador 1.: São casados, já, não é? O senhor mora sozinho aqui...

IDOSO 1: Não, tem dois solteiros. [Comenta a respeito dos filhos solteiros e diz que um dos rapazes
que cuida do gado é um sobrinho que ele criou desde que nasceu, como se fosse filho]

Pesquisador 3: [Pergunta a idade dos filhos dos filhos do entrevistado]

[CONVERSA]

Por fim, comenta-se que o céu estava bonito (era fim de tarde). O entrevistado diz que à noite ali é
muito bom, mas durante o dia não é.

FIM
IDOSO 3

Pesquisador 1: E a senhora está com quantos anos agora? 72. Pesquisador 2: 72...Ah ! A gente
nem falou nosso nome. Meu nome é B. A gente tem que se apresentar né? O meu é C. E a
Senhora viveu quanto tempo na velha jaguaribara? 66 anos. Foi mesmo? Nasci lá , me criei lá,
casei lá , tive meus filhos lá. E agora, aqui , 6 anos né? É. Pesquisador: 66 pra 6 é outra coisa. É...
Aí a senhora tem quantos filhos? Sete, cinco homens e duas mulheres. Pesquisador 1: Cinco
homens? É .. e duas mulheres. Pesquisador: Qual é a faixa de idade deles? O mais novo tem 32
anos, o mais velho tem 50. Ah é .. 50 anos, aí depois dele o outro tem...? Tem 49. “tem 3 meses
(?)” Aí o terceiro? 48. Ah.. foi bem seguido né? Foi...foi os três filho. Pesquisador 1: E os outros?
Os outros já foram mais distantes entre dois anos, antes de dois anos, isso se vocês não forem contar
com uma que nasceu morta. Pesquisador 2: Só a titulo de curiosidade, não precisa saber mesmo.
A Giovana nasceu em 69, o Murilo nasceu em 63. São 4 anos, 5 não? Nivaldo pra Giovana...tem uns
4 meses.Pesquisador 1: E é legal a gente dizer também que são 20 pras 9, acho que a gente
ficaria aqui até umas 9:30, 9:40, né ? Se a senhora tiver algum compromisso...enfim, só pra
avisar mais ou menos a hora, pra gente não tomar muito seu tempo, viu? Então, a gente já
começa né?

Pesquisador 2: A gente queria pedir que a senhora falasse um pouquinho da antiga


Jaguaribara, da cidade, a senhora morou lá há tanto tempo e tal...como era a vida lá? como é
que foi sua historia lá... como falou que nasceu lá...

IDOSO 3: Eu nasci lá, me criei lá. (Pesquisador 2: Como é q era...) Era uma cidade simples, pobre
né? o povo era pobre, mas era um povo ordeiro, era um povo fiel, descente. Pobre, mas descente.
Ninguém vivia de porta em porta pedindo esmola. Nunca fui assim viu ? Ainda hoje cê tem que tirar
da sua cabeça quando eles pede esmola é os de fora, mas os daqui n e os criado lá era mais
abundante, todo mundo criava, tinha um rio que tinha vazantes , nera? tinha feijão, tinha batata. Lá
tinha mais fartura, muitos peixes. Todas as tardes o que era de menino era vendendo peixe na rua. O
povo criava galinha, tinha ovos, criava uma vaquinha, plantavam viu? Aqui é mais difícil, aqui tem
mais dificuldade, principalmente quem morava na zona rural que chegou aqui nem é aposentado, nem
tem emprego, nem pode criar né? A gente não sabe nem como tá vivendo muita gente por ai, a gente
sabe que ainda existe muita fome, muita dificuldade aqui e lá não. Pra vida das pessoas...era um povo
mais simples viu? Menos vaidoso, é , aqui , depois que chegou aqui nessa cidade, o povo parece que
saíram com [...], uma bolsa de lado, um salto alto. Ave Maria, não, não tá dentro do padrão da cidade.
Lá não, era um povo mais simples, as casas eram mais conjugadas né? As ruas mais perto, qualquer
pulinho que você desse tava na casa dum amigo. Já hoje aqui, tem pessoas amigas q a gente não sabe
nem onde é que ta morando. Tem pessoas amigas que a gente não sabe nem onde é que tá morando.
Aqui morre uma pessoa amiga, você quando você vem escutar no rádio, já ta com dez dias que
morreu. Lá não, morreu, na hora você sabia, ia pro velório, ia fazer visita a família, mas hoje aqui tá
muito diferente, viu ? Muito diferente. Aqui tem mais aparência com a vida da capital. À noite as
pessoa é tudo com as portas fechadas. Já tem mais assombro, roubo já tem mais medo de assalto de
que lá. Lá a gente não tinha, era capaz de dormir com as portas abertas, não tinha isso ná? Aqui já
corre mais risco né? Corre mais risco de vida à noite. As pessoas aqui estão mais assustadas, mas lá
não. Violência...

é...Muito bonita, bem planejada, só que as pessoas, muitas pessoa não zelam viu.A gente quando
chegou aqui era tão bonito. Pessoas começam a fazer construção, construções feias, dentro dos
terrenos das muradas. Às vezes umas construções feias que tira a estética da cidade. Já mudou muito,
mas eu gosto daqui. Gostar daqui, eu gosto. Não é só a gente gostar, é a gente imaginar quantos estão
passando dificuldade aí, muitos até sem ter morada. Morando em casinhas bem pequenininhas, duas
famílias, três. Ninguém não sabe nem como é que vive. Tem mais dificuldade. Lá eu ficava sentada,
na missa, no banco e eu tava vendo mamãe na casa dela, sentada e aqui eu não vejo nem a torre da
igreja. Meu vizinhos ficaram completamente diferentes, meus vizinhos aqui num tinha um que fosse
vizinho meu. O mais próximo era esse três dai. Esse aqui, J, era muito longe de mim. Às vezes eu
queria ia a casa de J tinha que dar uma volta, porque era longe e ficou quase meu vizinho né? E esse
aqui, muito longe também, ficaram meus vizinhos e os vizinhos já ficaram foi...nós morávamos na
praça, já ficamos no fim. Os que moravam mais no subúrbio já ficaram na praça. Houve um...um
contraste um discontraste .. não sei nem como é que eu diga a palavra, viu ? Assim, na mudança e
muitas pessoas, pelo menos minha mãe, esclerosou quando chegou aqui, chorava, não gostava.
Quando ela esclerosou...(Pesquisador 1: Ela tinha quantos anos?) Ela tinha oitenta. Ela morreu com
89, então ela tinha 83 quando chegou. Ela chorava, assim, pedia pra pegar na mão dela, dizia:
“vambora, vambora ...pegue na minha mão”. Não tinha um aposento nessa casa que ela gostasse. Ela
dizia que até o banheiro era diferente da casa dela. Mesma coisa, banheiro não, o daqui é até mais
alinhado né? Mas ela não, nada, não tinha... ela não se conformava em sala de estar com de jantar,
junto, como é aqui né? Ali a sala é de janta né? Ela dizia “quem já viu isso? em todo canto tem a sala
de visita, ela chamava a de jantar. Minha cozinha era tão grande, aqui é um corredorzinho. E é porque
essa casa é uma das maiores, né? È esse padrão né? Mas ela achava era muito esquisito, eu colocava
ela de manhã nesse alpendre, ela começava a cantar, logo quando ela tava lúcida, ai ela dizia assim:
“eu canto pra não chorar”. Mas tinha hora que ela chorava até, até ela esclerosar, desconheceu uma
irmã minha que veio do Iguatu e queria que nós botasse ela pra fora de casa, que era um nega [...] que
era de jaguaretama, minha irmã chorava... Acho que ela achava que mamãe fazia isso porque ela
queria nera? mas não era não. Era da loucura. Era da esclerose. Teve um dia que G, meu filho, meus
filhos tudo só chamava ela “mamãe”, aí G disse assim: “mamãe, e M, sua filha, casa com A, que
mora no Iguatu”. Ela sentada na cama, ela disse: “é, eu me lembro que eu tenho essa filha chamada
Mi, casada com A”. Ela me bateu assim e disse: “mas eu ainda duvido!” Que não era, ela dizia que
ainda duvidava que não era a M. E muitos aconteceu assim, muitas pessoas idosas....(Pesquisador 1:
Ela vivia aqui com senhora ? Nesta casa ?) Era, comigo. Lá não. Lá nos éramos vizinhas. Mas aqui,
ela já na idade que tava, tinha que acompanhar, tinha que acompanhar. E eu não ia confiar só em
empregada né? É tanto que a menina que morava com ela , ela vai fazer 4 anos que morreu... a
menina ainda mora comigo, agora que vai sair porque ela passou no [...], tão pobrezinha, passou no
[...], ai eu acho que é pela manha e a hora é mais necessária né? Chega foi a maior confusão pra saber
quem vai ficar aqui no lugar dela. Nós já tamo acostumado. Ela ainda tá aqui né? Ta, ela é bem
fininha. Tem 24 anos, você pensa que tem 15. Eu vou já, quando eu pra fortaleza ela fica aqui,
comida direitinho já sabe como é. Eu tenho um irmão aqui que é meio pertubadinho, que mora
comigo e tem 68 anos. Ela não deixa ele só, fica com ele. Eu não sei como vai ser. Pois é, sei que [...]
muita gente diferente. Muita gente diferente. Agora, eu gosto, não vou dizer que eu não gosto daqui.
Eu gosto, acho tudo diferente, muito longe, o centro de pastoral onde a gente se reunia para as ações
paroquiais. Todo encontro era em cima da minha casa. Aqui se eu quiser, se eu não quiser ir de pé,
meus netos vão me deixar, de carro ou os meus filhos ou os menino, de moto, porque é longe.
Quando é a noite que tem....a gente tem um grupo de reflexão nas famílias, aí quando é a noite, às
vezes eu vou só, é escuro quando chega lá perto da prefeitura, eu tenho é medo, escuro, mas eu gosto
daqui. Mas é isso, não são as mesmas pessoas, tem muita gente diferente né? mas aqueles mais
próximos. Eu gosto do local, da casa aqui, ficou de frente pro nascente, lá nós morava de frente pro
poente. A gente passava a tarde na cozinha, pra lá né? De tardezinha, quando a gente ia sentar na
calçada era um vento danado. Aqui não, a gente sai da área aqui só tem um momentozinho de manhã
cedo, que ela ta aqui...do lado da pracinha que...(Pesquisador 1:Do céu né?) Ela ta aqui...e às vezes
as pessoa ficam trabalhando aqui, tirando a leitura da água ou de energia aí vem cansada, às vezes se
senta aqui , só pra repousar um pedacinho. Tem gente até que chega de Fortaleza, um ex-soldado
aposentado que era amigo da gente. Ele chega aqui, olha e diz assim: “isso aqui é casa de senador, a
casa de vocês”. Isso aqui é casa de senador .Essa casa [...] pegamos perto do comercio ai, a praça,
muito boa. Eu gosto, viu, demais daqui , ai a saudade de lá , pode evitar né? Principalmente quando
passa um filho meu aqui [...] casa por casa, até um amigo da gente. Passa mamãe, os que já morreram
todos, pessoas importantes, diretores dos colégios, tudo passa na filmagem é tudo recordação. É uma
recordação pra nunca mais se acabar, mas não pra mim não me conformar. Tem gente que é
inconformado. Eu não sou inconformada. Eu me conformo. É como se Jaguaribara fosse uma pessoa
que morreu e acabou-se. E não volta mais. É uma pessoa que morreu e não volta mais . Os mortos
você ainda espera a ressurreição né?
[uma pessoa desconhecida pergunta alguma coisa]

Pesquisador 2: Ai lá a senhora trabalhava de professora né? Professora, é. Como professora,


catequista, de circulo bíblico. Fui professora de religião. Pra o final, eu já terminei com religião.
Reduziram a carga horária e me passaram pra religião.

[alguém desconhecido chega, as pessoas cumprimentam e fazem comentários secundários]

Pesquisador 1: Idoso 3 como foi que a senhora ficou sabendo, assim, da noticia de que você ia se
mudar, que a cidade ia desaparecer, como é que foi?

IDOSO 3 : Foi na época do prefeito Francilí Guedes. (Pesquisador 1: Francili Guedes...foi que ano,
mais ou menos ? Que ano mais ou menos?) Em 86 já. (Pesquisador 2:Ele disse que foi em oitenta
e se...) É !! poderia ser. Isso que vocês ficaram sabendo né? Mas isso pra nos nunca ia ser realizado.
Ninguém acreditava nisso. Meu pai morreu lá, mas nunca se preocupou com isso. A felicidade, que
ele nunca se preocupou, não acreditava. Meu marido morreu aqui, só passou uns 15 dias aqui né? Ele
já veio doente. Ele morreu em Fortaleza, porque os meninos levaram ele pra Fortaleza e ele lá morreu
e veio se sepultar aqui. Mas ele brigava quando dizia que essa cidade ia ser construída. Ele dizia que
isso aqui ia ser só fabricas, só renda pra Tasso né? Que era o governador. Ele acreditava nisso, mas
que a cidade feita pra gente morar não. Mas quando ele chegou aqui, se ele tivesse vivido ele tinha se
ambientado muito cedo, ele passava o dia aqui, sentado com os pés inchados ele ficava ali no [...]. E
Quem passava perguntava: “tá gostando daqui?” E ele bem...[problemas na gravação] [...] não tinha
jeito, o homem não queria. No dia que viemos deixa-lo, foi [...], foi o dia que meu filho veio de
fortaleza, os meninos tavam de férias, ele veio de fortaleza, deixou o menino na casa da avó, a sogra
dele, pra poder a sogra e a cunhada dele acompanhar a romaria ne? Quando eu cheguei lá ele disse
assim: “ele não me chama mãe, a mãe que ele chamava era a M, meu nome é E, ele só me chama X”.
Ai ele disse ló, eu to muito triste com uma coisa.Eu disse: o que é?.[Ele disse : ] papai ta muito
doente, eu já to preparado que papai não vai durar muito. 4 meses, 4 meses. Eu não sei porque G não
tira papai para fortaleza. E G é outro filho meu. E nesse tempo G era o chefe do gabinete do prefeito
Cristiano maia. Isso ele tem carro, a hora que quer, por que ele não tira papai pra fortaleza. Ai eu
disse: “seu pai não vai e ele deitado me escutando”. Quando ele saiu, foi minha cunhada, a mulher de
G, minha nora, disse: “rapaz, vá pra fortaleza, vá se tratar.” Ele: “Ah! Eu não tenho doença, vá pra
ponte que caiu, que eu não tenho doença, olha aqui minhas pernas”, sacudiu as pernas, que ele tinha
tomado muito soro, nera, tava forte. Que eu n tenho doença e nessa historia, minha filha, quando eu
vi tava morto.

Pesquisador 1: Idoso 3, você falou do seu marido, e a senhora, como é que foi a mudança, a
senhora achava que ia acontecer ?

IDOSO 3: Não, eu achava q não ia acontecer, mas depois eu vi a realidade. Quando nos viemos na
primeira romaria, que tinha o grupo Humberto feito, delegacia já construída no dentro dos mato, nas
mata. A igreja já tava assim quase nessa altura. Ai eu...já tinha até pista, asfalto, ai eu disse aquilo ali
não era dinheiro desperdiçado. Aí depois já tava quase toda construída, minha menina veio um dia só
pra nos passar o dia. A casa dela ela já sabia qual era. Todo mundo já tava sabendo qual era sua casa,
só que ninguém quis. Ai eu vim, passei o dia com ela, andamos na rua. A sogra do meu filho já tava
aqui e nos fomos as ultimas primeiras, começou em julho e nos viemos no dia 28 de agosto, fomos as
ultimas famílias, que ficou. Eu assisti a cidade toda [...] era um cemitério, era...era...dava pânico. A
rua Major Diogenes não tinha uma porta aberta. Todo mundo já tinha ido embora pra cá, eu dormi a
noite, porque tomei calmante, mas não tinha um hospital, não tinha uma ambulância, não tinha um
medico e a gente tinha medo de assalto. Sabe porquê: Porque o povo queria tirar as coisas de dentro
da casa. Os donos... materiais bons que ficaram viu. Quando tiraram mesmo, roubaram. Veio carro
ate de fortaleza, tirar material viu? A gente tinha medo ate disso. Saiu nossa família, Saiu eu com
mamae, uma filha minha e meu filho com a família. Foram 3 ônibus pra nós três, as três famílias. A
gente chegava aqui ai tinha o almoço já pronto, cada família que chegava tinha o almoço e a janta, ai
quando a gente chegou aqui e colocou caixas e mais caixas na sala, tudo e escrevia o quer era, isso é
assim, isso é assim, mas eu ficava aérea de não saber onde colocar as coisas, por onde eu começasse,
com tanta coisa. Ai minha menina que já tava aqui com a casa dela já arrumava, conhecia uma
menina que já trabalhou comigo, ela não tava trabalhando na casa de ninguém, ai foi chamar ela.
Minha felicidade foi essa. Ai colocou tudo nos lugares, é tanto que ela passou bem 3 meses comigo e
eu não sabia o lugar das coisas quando meu filho, ele n é casado ainda, que ele procurava uma coisa
eu dizia só amanha quando ela vier, porque ela que sabe os lugares. Foi luta pra eu aprender o lugar
das coisas. Eu ficava aéreo, parece que não pisava no chão, mas depois a gente foi...

Pesquisador 1:Mas depois da mudança, como foi que a senhora se sentiu?

IDOSO 3: Um pouquinho melhor. O mais triste foi eu ter perdido mamãe e meu marido tão próximo
ne? a chegada, ne? foi muito triste, mas foi acostumando. (Pesquisador 2: Foi quanto tempo depois
que vocês chegaram aqui?) Ela morreu em 2003, dia 27, 6h .. mais triste né? Mas graças a Deus pela
minha família n, continuam os mesmos, só não moram mais, porque nunca moraram aqui. Ele se
formou em economia em fortaleza. Ele é empregado da secretaria da fazenda, trabalha até no pecém.
Ai...meus meninos gostaram muito daqui. Eles vinham antes de eu vir. Tinha um que quando era dia
de quinta ele já arrumava a troxa. Botava rede e dizia: não sei o que eu é que a senhora quer ficar
nessa cidade velha que n tem mais nada. Uma cidade boa. Ai quando é hoje ele diz: isso lá é cidade!
Ai digo: você n dizia q essa era cidade boa. Mas eu lhe digo, aqui, pra jovem, é muito barato. Tanto
em emprego, como em divertimento. Lá era melhor em divertimento, tinha um banho no rio dia de
domingo que era o dia todo Era movimentado. Vinha gente de Jaguaribe, de Jaguaretema, visitante de
fortaleza, isso passa o dia, meu filho, chamava a pinguela. Era, a pinguela, esse banho era tudo. Era o
ponto turístico. Já aqui é diferente, é mais longe, só vai mais quem tem carro, ninguem vai de pé,
nem todos os domingos vão.. aqui é mais sem vida pros jovens, lá tinha mais vida, viu ?Aqui, por
último .. de inicio foi muita festa, muito turismo... era ônibus e mais ônibus. Agora ta parado. Quem
tem sua aposentadoria, seu empreguinho de prefeitura ta até estabilizado, mas e quem não tem?
Agora o que não fizeram concurso .. aqui em casa os seis fizeram só não fez so um , passou os cinco.
Eu me alegro pelos meus que passaram, aí eu me entristeço pelos que não passaram ne ?Alegria de
um lado, a tristeza do outro .. ja o meu genro desempolgou ... minha filha tirou o primeiro ligou, meu
filho como agente de saúde , esse eu tá dormindo ai, o caçula, tirou primeiro lugar como motorista,
minha nora tirou o primeiro lugar como professora, minha futura nora tirou segundo lugar, [...] tem
tanta gente pobre que não tnha feito ainda ... podia ser pouco, mas fazia uma feira .. uns 600 e pouco
duzentos.. fazia uma feira. Tem gente que chora. Foi outra perda ne? Porque as pessoas desemprega
uma , desemprega outra, porque não passou. Não é culpa da prefeita, ai não é culpa dela. O povo
dizia assim: ela vai colocar quem ela quiser, mas é diferente. Pessoas de dentro da prefeitura não
passaram. Tem gente que dá ate piada: cadê seus funcionários ? incompetentes, não passaram né ?

Pesquisador 1: Idoso 3, quando a senhora chegou aqui, a senhora já procurou saber quem era
seus vizinhos...como é que a senhora conheceu a cidade?

IDOSO 3: Lá eles logo disseram quem era da minha rua .. disseram todos os meus vizinhos.
(Pesquisador 1: A senhora já conhecia o pessoal, mas lá eles moravam longe?) E sim... eles me
disseram todos os vizinhos.

Pesquisador 1: E ai? como foi que a senhora foi conhecendo a cidade?

IDOSO 3: Devagar, me perdia muitas vezes. Uma vez eu sai da igreja, vinha ate de salto alto, sai sem
destino, lai vai lai vai, quando eu dei fé eu já ia era procurando a casa da minha filha ai eu disse ah
Meu Deus, onde é que eu to? Tem festas... na igreja também né? Quais são as festas tradicionais
aqui ? tem? Tem era o são João, mas nem ta acontecendo ne? as festa junina...cabou-se. (Pesquisador
1: Mas lá na antiga cidade sempre tinha?) Tinha sim! tinha as gincanas, aniversário do município,
tinha muitas apresentações do palco, Festa boa na praça.Tinha gente de Fortaleza , em todo canto. Lá
era tudo perto, aqui tudo longe. Ma\s aqui ainda teve uma gincana.. na vila olímpica .. foi que até me
chamaram pra falar sobre o Orós. Tinha mais na inauguração da cidade.Mas depois da inauguração
morreu ne ? Lá sempre tinha as festinhas mas aqui nem tanto. Era... lá tinha os desfiles, muito
bonitos, passavam na nossa porta viu? Os feirante, eu só descia a calçada pra comprar verdura. O
povo vinha vender santo na minha calçada, minha parede ficava cheia de santo Agora não. Se eu
quiser ver eu vou lá pro centro. Todas as segundas eu vou pro centro. (Pesquisador 1: Dia de
Segunda?) É. Dia de segunda eu vou lá no centro. Os comercio é lá...os comerciozinho que tem pra
cá é mais caro as coisas. Lá pro centro é mais barato, centavos [...] E aqui sempre que a senhora sai
de casa a senhora vai sempre pelo mesmo caminho ou já aprendeu a ir por outros ? Não não...as vezes
eu vou por aqui, as vezes eu vou pro lá . Conforme eu queira. Se eu quero verdura ou carne
[...].Quando eu vou pegar o [...] eu vou pro aqui e já saio lá [...]
Ai tem meu filho que mora pra lá do posto, tem um que moro mesmo aqui, tem um que mora lá na
avenida Sebastião Dantas...tem três casado. Tem três homens casados e duas mulheres.

Pesquisador 1: Quando a senhora chegou aqui na casa, a senhora procurou mudar alguma
coisa que a senhora não gostava na casa? Por que é tudo igual né?

IDOSO 3: Não eu fechei a área, eu aumentei a cozinha e fechei a área porque o sol dava muito e no
quarto do menino...o quarto de empregada que meu menino dorme ficava isolado, ficava perigoso. O
menino reclamava muito, que mandasse fechar aquilo porque era perigoso, pra quem dormia no
quarto, ele ficava zangado. Eu fechei essa garagenzinha, essa kombezinha que veio o menino que
veio buscar estudante, pois é.
(Pesquisador 2: E assim...a senhora...acho que algumas casas...assim, a senhora fechou alguma
coisa, fechou a garagem , algumas pessoas também mudaram algumas coisas)
Muito! Teve gente que botou foi quase abaixo a casa, reformou. Queria fazer bonita né : diferente,
cerâmica.. pelo menos uma que tem o visual moda atual moda .. a da [...] essa casa dela foi toda
mudada...aquela da esquina Neusa, botou cerâmica na casa todinha. Muitas construções , muitas
reformas, pelo menos cerâmica muitas casas botaram, outras fizeram mais banheiro, outras fizeram
mais quartos viu? Mudaram...

Pesquisador 1: Então a cidade foi mudando de cara né?

IDOSO 3: Foi.

Pesquisador 1: E algum outro espaço, fora às casas quando vocês chegaram era de um jeito e
depois mudaram alguma coisa, na cidade mesmo?

IDOSO 3: Não...Eu acho que as mudanças mais ficou pra fora né João neto ?É por aqui não. Mais as
casas né ? É (Pesquisador: E as árvores aqui quando vocês chegaram?) Ah não tinha arvore! Tinha
arvore nativa ne? Como tá aqui, esse pé meu aqui, que eu não deixo cortar que é medicinal, a linhaça,
esse eu cheguei já tinha. (Pesquisador 2: Já era grande ou era pequeno?) Era grande, ai o povo vem
corta, carrega os galhos, pra fazer remédio , mas ai ele aumenta de novo. Muito pau branco que é
planta nativa. (Pesquisador 2: Mas eles deram as mudas também pra plantar né?) Foi, ganhou-se
muitas mudas, não quando nós chegamos J, tava tudo plantando já com o chiqueirinho, com as
grades. Todas as casas. Já estavam plantadas. (Pesquisador 2: Mas os moradores chegaram a
plantar alguma coisa depois?) Plantaram! Dentro dos muros, pé de caju, porque aqui dá um caju
besta. Cajueiro. Dá um caju beleza. (Pesquisador 1: E lá na antiga cidade tinha muita árvore?)
Tinha, não era como aqui, mas até que tinha ... mas lá o povo usava mais Acássia...aqui é o Ninho.
(Pesquisador 2: O Ninho que não é nativo né?) É não ...Tudo foi muda. Teve um domingo de ramos
aqui que foi distribuído aqui entre as mudas, na missa. (Pesquisador 2: Foi o ibama n foi que deu as
mudas? Foi... as mudas do Ninho .. começaram a distribuir Acássia e Ni .E tinha aqueles sempre
verde que eu arranquei aqui um quer parecia uma moita, porque ele invadia os canos. Ele teve de
entupir sanitário .. eu arranquei e fazia pena, tão lindo [...] Mas tem gente que tem plantio de laranja,
limão, ali na casa do meu menino tem até eucalipto.

Pesquisador 1: O que é que a senhora lembra da antiga cidade, né, Jaguaribara? O que é que a
senhora lembra assim de imagem, lugar...
IDOSO 3: Eu lembro da minha rua, da igreja, das pessoas, das casas mais amigas que a gente andava,
dos vizinhos, das festas na praça, eu não precisava ir nem a pé, eu botava a cadeira, minha casa,
passava a noite com a porta aberta, o povo tomando água e [...] Ficavam até de manhã na minha
calçada. Essa casa era do meu pai, eu morei 45 anos na casa, ai são dez herdeiros, ai nenhum...eu não
pedi a nenhum e nenhum teve, assim, a bondade de dizer eu vou doar a minha parte. Aí eu pensei
como é que eu vou morar lá. Ai eu falei com a do mutirão ne? [....] e Aquilo não dava em nada,
aquilo não dava em nada;. Ai foi uma noite Jesus chegou lá em casa e me chamou e disse vovó
amanha elas vem aqui, é Dra. Afonsina e Dra.? vem aqui pra você não perder a casa [...] Ai elas
vieram de manha , eu já preparada e [...]mas d. E a dois anos que nos estamos aqui e nos sabemos que
seu pai era um homem de condições que a senhora nunca morou em casa pequena, sempre teve uma
casa boa pra morar. E a senhora querer uma casa de mutirão, casa de mutirão dona E é pra quem não
tem um teto. Dra, eu n tenho um teto n , eu chego la , eu tenho teto? Ai ela disse, não mas você vai
morar com sua mãe, talvez sua mãe chegando , ela n disse o nome morrer né,[..] você fique na casa,
seus irmão não tome de você. Eu disse não, isso ai é certeza, eu ficando na casa irmão meu não toma
de mim, com certeza, isso ai eu sei.Mas n é minha né? Eu digo eu quero é pra mi, não é minha [...]
Elas ligaram pra Pernambuco, Caruaru, dizendo que não queria dar a casa a mim [...] isso quando
terminou.eu falei ½ hora com ela no telefone, ai perguntaram: Bernadete quem é que vai pagar esse
telefonema?Ela disse: pode deixar que eu mesmo vou pagar.Aqui no arraiá você pensa que a gente
vai ter vergonha disso.Depois eu fui indenizada, as terras grandes de mamãe e ainda tem outras terras
que também é pra indenizar.Então eu fui lá fiquei com uma casa, depois vim pra cá e fiquei com
outra.Eu disse pra E que naquela hora não ia me mudar porque mamãe tava doente, papai tava
doente...Mas muita coisa a gente trouxe de Jaguaribara. Esses meus meninos no tempo do mutirão,
trouxeram portas boas, janelas boas, telhas novas e muita coisa boa. E isso tudo nós fizemos murada,
portão de ferro, porta veneziana.Ajeitei minha casinha toda no mutirão e se fosse pra morar lá eu
tinha ido, eu não tenho essas besteiras não.Mas chegou um homem numa bicicleta ali e na 3ª quadra
aí esse homem danou-se pra trocar a casa comigo e ofereceu 50 na casa do mutirão. Ele disse que
dava até uma moto Titã que ele tinha tirado num consórcio, aí eu tinha já pegado os 3 na minha e
tinha emprestado ao meu genro que tava fazendo um consórcio numa moto e aí ele me pagou e eu fiz
outra melhor,com pia inox,banheiro de cerâmica, num lugar mais melhor, foi quando eu troquei por
esta. Depois que mamãe morreu, eu fiquei aqui.Já tenho duas irmãs no cartório, ai eu já comprei a
parte de uma e a outra eu ja dei minha parte e falta esse meu irmão que é meio pertubadozinho que
precisa de médico neurologista, mas tá regularizado na justiça e eu tenho certeza que a parte dele
ninguém toca.Mas aí tem 5 pra mim comprar e devagarzinho eu vou comprando.Se eles querem me
tirar daqui, eles não tiram.Tem aí meus conhecidos e o meu irmão que morava em Cajazeiras que tá
com 6 meses.Ele era formado em direito e contabilidade.O filho dele já veio aqui tá com 2 vezes e ele
disse que gosta daqui.Ele já sabe que tem a parte dele.Tem outra filha dele que também vive em
Fortaleza.

Pesquisador: [...]

IDOSO 3: Aqui a gente tem muito medo de assalto, porque tem acontecido muito.É roubo de moto e
na casa de um médico foi 3 bicicletas que tavam na área.Já roubaram muita roupa e muitos
assaltos.Já essa semana aquele menino da L já fez outro assalto.Até morte na praça já teve. Esse
homem daí da frente, tem 7 mulheres, já se meteu em muita confusão, o dono da padaria também
mataram ele.Esse homem sempre dizia pra gente que nós ia morar na Massaroca, ele não porque ele
morava num sítio, mas nós ia morar na Massaroca, um lugar perigoso e cheio de pistoleiros.Eu
quando vim, passei foi 4 anos sem fechar minha porta da frente, porque eu tinha perdido a chave da
porta aí foi que minha menina disse que não mandava seus meninos pra cá porque não tinha chave na
porta, aí foi que eu mandei fazer uma chave nova pra porta em Jaguaribe porque aqui nesse tempo
não tinha chaveiro.Aqui ficava meus meninos de Fortaleza e os amigos deles que ficavam aqui e
amanheciam tudo dormindo.

Pesquisador 1: Quando a Senhora ia pra Fortaleza e perguntavam pra Senhora qual era a
imagem de Jaguaribara o que a senhora respondia?
IDOSO 3: Eu dizia o lugar que ela ficava e dizia que era perto de Jaguaribe, mas hoje quando me
perguntam sobre Nova Jaguaribara eu digo diferente.Eu digo como ela é, comparo com a outra
Jaguaribara que em geral as pessoas não sabiam nem onde ela era, mas essa aqui eu falo como ela é e
que aqui tenho os meus netos.Eu conheci uma mulher que certa vez me disse que parecia me
conhecer e foi me perguntando a mesma coisa de vocês.Ela depois me disse que tinha lutado muito
por esta Nova Jaguaribara, que tinha pelejado bastante e ela disse que tinha sido advogada nessa
causa de Nova Jaguaribara na questão das indenizações. Ela disse que acompanhou cada pedra na
construção e se percebesse qualquer coisa mal feita nas casas ela reclamava logo e tinha que se fazer
direito e logo afirmava que aquilo tava errado, que era perigoso e não podia se fazer as coisas mal
feitas.Ela era muito cuidadosa e dizia que uma construção de casas perto duma barragem tinha que
ser muito bem feita. A mãe dela tava morrendo e ela vinha de Caruaru de avião pra cuidar de nós
aqui.Ela vinha de avião.Ainda hoje é uma pessoa que qualquer coisa procure por ela que ela faz.Ela
tem todo histórico dessa cidade.Até no histórico tá meu nome como beata.A população por metro
quadrado, tudo enfim ela tem.O tanto de eleitor...tudo, tudo. Ela tem tudo nesse histórico. A origem
da cidade, tem de tudo. Foram estudar isso tudo pra ela que tem todo esse histórico.Tem muita xerox,
muito papel...tem todo histórico.Ela não é Jaguaribana, ela é paraibana, tem 28 anos e fez todo esse
histórico.Onde tinha essa história de barragem ela sempre tava no meio.Tudo foi filmado.Ela vivia
com a filmadora.Filmava todas as reuniões, fazia foto e tudo, tudo. (Pesquisador 1: A senhora tem
foto dessas coisas?) Eu não tenho, mas ela tem tudo isso.Ela fundou a associação dos moradores que
ainda hoje existe, ela fazia tudo.Ela tinha uma equipe.Pra onde ela ia aquela equipe acompanhava,
gente que queria ter direitos maiores que não podia e que queria acima da tabela...até ameaçada de
morte, ameaçaram ela.Ela foi ameaçada de morte. Muita gente agradece a ela porque tinham muitos
que queriam ter mais direito que os outros e ela não deixava.Ela sempre prosava com as pessoas
porque ela queria mesmo era informação de tudo.Ela ainda hoje anda na zona rural, sabe cada casa de
quem é, quantas pessoas vivem naquela casa, o que tem pra comer, quem não tem o que comer...tudo
ela sabe.

Pesquisador 1: De um modo geral, quais foram as mudanças pra senhora?

IDOSO 3: Eu como dizia o prefeito “As coisas só vão melhorar dentro de uns 10 anos e vocês mais
velhos não vão alcançar a evolução do progresso, mas somente os jovens é que vão ver”. Mas hoje eu
já noto umas melhorinhas. Pelo menos na piscicultura, tem muita gente empregada, mas só mesmo na
piscicultura que a gente vê.

FIM
IDOSO 4

PESQUISADOR 1: Primeiramente, nós gostaríamos de saber como era a sua vida na antiga
Jaguaribara, o seu cotidiano, o que você costumava fazer?

- IDOSO 4: É... Minha vida era... Eu sempre fui agente de saúde, fui coordenadora da Pastoral da
Criança durante doze anos e depois quando apareceu o trabalho de agente de saúde eu fiz o concurso
e passei e comecei a trabalhar. Não havia, assim, diferença porque era um trabalho que eu fazia
voluntariamente, que era o trabalho da Pastoral da Criança. Mas era, assim, uma cidade muito
aconchegante, era o povo... Todo mundo a gente se conhecia. Hoje, quando a gente vê uma pessoas
desconhecida aqui em Nova Jaguaribara, a gente diz: “Esse não veio da Grandera”, porque a gente
conhecia todo mundo e eu era, assim, muito conhecida da comunidade é... Fazia um trabalho de
liderança no Alto da Balança, era um doa bairros mais pobres da cidade de Jaguaribara, da velha
Jaguaribara e eu gostava muito, muito mesmo do meu trabalho e... Acompanhava os idosos, as
crianças, as gestantes, como até hoje eu ainda faço esse trabalho. Só que a vida na velha Jaguaribara
para as pessoas mais pobres, mais carentes, era mais fácil. A gente morava ao lado... A cidade era ao
lado do rio Jaguaribe e o rio era rico em peixe e, ali, aquelas pessoas pobres, eles saíam com as suas
redes de pesca, seu galão, sua tarrafa e faziam a sua pesca no rio e isso, quando era assim por volta de
duas horas da tarde os filhos dos pescadores saíam vendendo aquele peixe e com o dinheiro daquele
peixe eles já compravam a própria alimentação para o sustento de sua família né. Se aparecesse uma
pessoa pedindo na velha Jaguaribara, você tinha certeza que não era de Jaguaribara, era uma pessoa
que tinha vindo de fora, porque nós tínhamos fonte de renda, que era o rio Jaguaribe. E tinha também
para as pessoas, os pequenos proprietários, agricultores é... Plantavam e quando tinha o inverno
tiravam sua renda nera e... Tudo era mais fácil porque todo mundo se conhecia, todo mundo morava
perto, você veja assim: uma cidade pequena como Jaguaribara, onde as pessoas nasceram e se
criaram, todo mundo junto, se conhecendo, tudo se tornava bem mais fácil né, do que hoje, na
situação que a gente vive, porque aqui ficou tudo disperso as coisas. Se você ia no centro de saúde,
no posto de saúde, no dia de segunda-feira, que era o dia da feira, você conhecia todas as pessoas que
estavam ali. Pra pegar uma ficha, pra fazer uma consulta, você tinha um bom relacionamento. Se
você ia para o banco, do mesmo jeito, todas as pessoas que estavam lá eram conhecidas, porque eram
as pessoas do município de Jaguaribara. Tudo o que acontecia lá era, assim, aconchegante. A igreja
era ligada a uma praça, a única praça que tinha na cidade, né e todos os eventos que aconteciam eram
na praça, então, a família de Jaguaribara estava ali presente. Todo mundo reunido, todo mundo
brincando. Tinha uma festa tradicional que era o reveillon, o reveillon na praça, então aquela festa...
Era tão bonita, a gente sente tanta saudade, é uma das coisas que eu sinto muita saudade, porque ali
se juntavam jovens, idosos e crianças para se divertirem, era a festa do reveillon...

PESQUISADOR 1: Todo mundo junto...

- IDOSO 4: Todo mundo junto né! E no dia seguinte, tinha certeza que estava no rio, todo mundo.

PESQUISADOR 1: Curando a ressaca né?


- IDOSO 4: Todo mundo curando a ressaca no rio, que o rio era ao lado da cidade. E tinha o carnaval,
no tempo do carnaval que o povo fazia aquela festa no rio. Todos os acontecimentos, todas as pessoas
que vinham de fora, era o lazer, era o rio. O rio de Jaguaribara era a água muito limpa e as pessoas
gostavam muito, né, porque tinha lugar para as pessoas tomarem banho. Era o lazer de Jaguaribara
era o rio. E é assim, desse jeito assim. As pessoas se comunicavam muito bem, todo mundo se
conhecia e todo mundo era amigo e hoje, as pessoas sentem muita dificuldade em relação a isso. As
pessoas, agora, ficaram muito distantes, muito distantes umas das outras. Pessoas que eu morava
vizinho, lá no bairro onde eu morava, que eu sentava na minha calçada, à noite, e meus vizinhos na
calçada deles, assim, a gente ficava tudo conversando e hoje, a gente mora muito distante, eles
ficaram no início da rua e eu fiquei aqui. A gente custa até se ver porque eu trabalho desse lado e eles
ficaram do outro lado, né, e eu não tenho oportunidade de passar nas casas deles.

PESQUISADOR 2: Quando a senhora recebeu a notícia de que Jaguaribara seria inundada e


todos teriam que se mudar, como a senhora se sentiu?

- IDOSO 4: Ah, mas isso foi tão difícil a gente acreditar, a gente achava que era “história de
trancoso”. Quando aconteceu que surgiu essa história, né é... que a cidade... isso tinha um projeto,
dizia que era um projeto antigo né, que esse projeto tinha... é o governo da época, né, ia lutar pra que
essa barragem fosse construída... mas a gente não... assim , de momento não acreditava né...Achava
que podia até ser assim uma história, uma brincadeira. Mas, de repente, a história foi sendo
verdadeira e a gente é... começou a luta... porque foi muita luta, muito trabalho, porque a gente tinha
é... consciência da mudança que se viesse a acontecer, ia ser muito difícil, principalmente pras
pessoas idosas, né e para a nossa juventude também e daí começou o trabalho. Para mim... eu para ser
bem sincera mesmo, eu nem acreditava, que isso nunca fosse acontecer. Quando a gente começou a
vir fazer visitas aqui pra conhecer o terreno, porque eu participei muito das reuniões, eu comecei a
participar aqui desde quando foi colocada a primeira pedra fundamental, eu vim... e daí a gente foi
tomando consciência que deveria ser verdade, né, e aconteceu... e aconteceu...

PESQUISADOR 1: Eu gostaria que a senhora descrevesse o processo de mudança da antiga


cidade para cá. Como a senhora se sentiu depois da mudança, o que ela realmente significou
para a senhora?

- IDOSO 4: Olhe, foi muito difícil, preu dizer pra vocês eu até adoeci. Quando a gente começou a se
preparar pra fazer a mudança, eu fazia parte da equipe, né, da associação... lá a gente criou logo uma
associação, a gente teve grande ajuda de muitas pessoas, do IMOPEC de Fortaleza, né, vocês
conhecem esse órgão e ele veio e nos ajudou muito e daí a gente já criou uma associação pra gente
lutar pelos nossos direitos, pelos direitos dos moradores de Jaguaribara e daí começou uma luta muito
grande né. E quando começou mesmo o processo da mudança, que a gente viu data marcada dos
carros chegarem, dos |ônibus chegarem para carregar as pessoas e... se eu disser pra vocês que eu...
uma noite eu sonhei, eu sonhei que os carros... estava na minha casa que eu morava... minha casa
tinha assim uma calçada bem alta e que eu via aqueles carros buzinando e chegava as pessoas
correndo e dizia assim: “É o carro das mudança que chegou” e eu via, num sabe, eu via as primeiras
pessoas se ajeitando, isso era tanta gente chorando, porque as pessoas iam começar a se arrumar... e
se eu disser pra vocês que esse sonho foi realidade, do jeito que eu sonhei eu vim, eu nunca esqueço,
né. Os carros subiram o alto pra ir lá pro bairro que eu morava, porque as primeiras mudanças iam ser
lá do bairro onde eu morava, né. E quando eu vi aquela cena, as pessoas arrumando as suas coisas pra
viajar, pra embarcar no outro dia, né, e pegar o primeiro ônibus, pra vir o ônibus carregando as
pessoas, eu senti uma dor de cabeça muito forte. E dois momem... e aconteceu é... foi dois casos
assim, uma vizinha minha adoeceu e foi pra Fortaleza. A gente não diz que foi assim da mudança
não, porque ela era uma pessoa assim, dessas pessoas muito tranqüilas, num sabe, que não se
preocupava, mas aí ela foi pra Fortaleza, quando chegou lá é... os médicos descobriram que ela estava
com um coágulo na cabeça e teve que operar e foi no dia da primeira mudança. Então a minha
vizinha me chamou pra fazer u momento de oração na casa dela, que ela tinha cinco filhos pequenos
e, nesse momento, as crianças choravam muito e eu me preocupei muito com essa situação e eu
também adoeci. Só que depois aí a gente começou fazer o trabalho, acompanhei várias famílias, eu ia
na casa, ajudava a arrumar as coisas, se precisasse de alguma coisa, se tivesse alguma pessoas que
não estivesse bem, eu ia verificar a pressão e conversar, até chegar o dia da minha mudança que foi
muito difícil...

PESQUISADOR 2: Como foi a mudança da senhora?

- IDOSO 4: A minha eu senti uma revolta tão grande! Você a credita que eu senti uma revolta tão
grande no dia da minha mudança, eu não sei por que. A gente recebia as caixas, né, a Granero
passava, o carro, entregando as caixas pra gente arrumar. E eu disse assim pra eles: “Eu podia nem
pegar essas caixas”, “Mas por que que a senhora não quer pegar?”... Porque quando eu.... saber que
eu vou fazer uma coisa que eu não quero, que eu não pedi pra isso acontecer. Mas, assim mesmo,
arrumei a minha bagagem, né. Aí liguei pra um filho meu vir, que meu filho mais novo tava em
Horizonte estudando, meus meninos moram lá. E ele veio, né e ele quando chegou eu disse assim:
“Olhe, eu não quero pegar uma caixa dessa pra botar em cima do carro”, mas eles também não
queriam que a gente pegasse não, né, só que o meu filho veio e ajudou a arrumar. E eu tinha um
papagaio e eu peguei e sentei lá fora e fiquei só olhando eles arrumarem tudo. Menina, eu não falava
com ninguém. Aí chegaram umas mulheres, chegou uma irmã, né, que trabalhava comigo e dizia:
“Neta, mas como é que você deu tanta força às outras pessoas, foi pras comunidades e agora você tá
aí sozinha?”. Eu digo: “Não, irmã, porque, olhe, eu estou me sentindo assim, não estou me sentindo
feliz, estou sentindo uma revolta tão grande porque”... (chorando)... até hoje eu fico emocionada,
porque a gente não pediu, né, e pra gente ajudar as outras pessoas é fácil, né, mas quando chega a
nossa hora... é muito difícil... Só sei que eu sentei lá com o papagaio e eles botaram... Menina, mas
minha revolta foi tão grande! Antes de terminar de botar minhas coisas no carro, já subiram e
desligaram a energia e a água, aí eu disse: “agora eu tenho que ir mesmo, não tem mais jeito, né”,
porque... (chorando)... Você ver sua casa ficar pra trás... e aonde você fez uma vida né, assim
porque... eu me emociono porque eu sou viúva e foi lá onde eu criei meus filhos... faz seis anos que a
gente mudou pra cá e dezoito anos que eu sou viúva, então eu fiquei com meus filhos lá e lá, com o
apoio da comunidade... a comunidade me apoiava e eu, com meu trabalho, eu criei meus filhos...
consegui né... meus filhos, graças a Deus, nunca me deram trabalho, consegui que todos terminassem
os estudos e hoje, o mais novo, né, também não mora comigo, por conta que ele faz faculdade e aqui
não tem a área que ele faz, porque ele faz administração. Mas eu me sinto assim, oi, foi uma revolta
muito grande pra muitas pessoas e na minha hora eu fiquei muito revoltada, muito mesmo, até hoje
eu me emociono, né. Quando eu cheguei aqui... Sim, vinhemos, né... Aí o povo chegaram né, do
governo e disseram assim... fazendo aquela festa comigo, eu digo... “Olhe, hoje eu não estou de
brincadeira”, eu disse pra eles. “Ah, mas a senhora vai no ônibus”. Eu digo: “Eu não vou no ônibus
não, eu vou no carro, eu vou acompanhando a minha mudança e meu filho vai comigo, porque ele vai
ter que viajar amanhã pra Fortaleza e ele vai ter que ajudar a desarrumar as coisas e botar as coisas
nos lugares, né, que eu sozinha...” e eu vim. E quando eu cheguei aqui à noite... elas eram muito
conhecidas minhas, né, as mulheres brincavam comigo, aí dizia que minha casa ia ser melhor, “Que
conversa de casa melhor”, eu brigava muito com elas. E eles serviam caldo pra gente, eu disse:
“Pegue seu caldo e vá dá... a quem tá precisando que eu num tô não, não quero não, sabe”. E depois
elas vieram aqui várias vezes conversar comigo, porque elas ficaram preocupadas e eu dizia pra elas
que até hoje eu não... eu dizia pra elas, né, enquanto eles...ficaram assim um tempo fazendo
acompanhamento...eu dizia; “Até hoje eu não achei ainda o lugar deu me sentar e fazer o meu
serviço”, porque eu trabalho nas minhas horas vagas, oi, sempre eu tenho um trabalhozinho pra fazer,
né, eu fazia um crochê e depois, com muito tempo elas me diziam assim, ligaram e me diziam assim:
“N a senhora já encontrou o canto da senhora trabalhar na sua casa?”, eu digo: “Ainda não”, eu dizia
pra elas. Mas hoje, graças a Deus, também depois de seis anos né, eu já estou bem acostumada,
graças a Deus, mas sinto muita saudade. Se eu disser pra vocês que eu nuca sonho aqui, você sabe
que a gente tem aqueles sonhos né, eu sonho sempre na cidade velha. Tem dia que eu ainda acordo
pensando que eu tou deitada no meu quarto de lá. É muita noção. Se vocês tiverem a oportunidade de
visitar uma outra cidade que houve essa mudança, é muitas emoções, você vê muitas pessoas
chorando, muitas pessoas desesperadas e às vezes têm pessoas também felizes é assim, um negócio
que num dá às vezes nem pra você entender.

PESQUISADOR 2: Quais foram as principais modificações na rotina da senhora após a


mudança?
PESQUISADOR 1: Tipo assim, que coisas a senhora fazia antes que não faz mais ou que não
fazia antes e que agora faz...

- IDOSO 4: Foram muitas. Umas das coisas que eu fazia, eu como agente de saúde, eu conhecia todo
o município da velha Jaguaribara. Se você dissesse assim: “N, onde é que fica é”... a comunidade
Barra, Faveiro, Malhada da Pedra, Lagamar, eu sabia onde era, porque eu visitava. Eu fui
coordenadora da Pastoral da Criança doze anos, como eu já falei pra vocês e também, quando iniciou
os trabalhos dos agentes de saúde, eu era a única agente de saúde que fazia vacinas sabe, porque eu
morei, antes de morar na cidade de Jaguaribara, eu morava num sítio chamado Velame e eu morei
treze anos e depois eu vim... era pertinho, só era quatro quilômetros... e eu conhecia o município
todo, todas as pessoas e aqui é muito difícil, mudou totalmente, porque aqui você... até as pessoas que
você conhecia, que era vizinha, você se tornou agora é... distante. Porque você veja, meus vizinhos
ficaram morando na entrada da cidade e eu aqui... da minha casa pra igreja era muito perto. Pro
Banco do Brasil era bem perto e aqui tudo é muito longe, eu sinto muita dificuldade é... em relação
assim às minhas visitas... agora depois que foi feito o mapeamento, depois que a gente é... dividiu
trabalho com o PSF, se tornou mais fácil o meu trabalho, mas antes era muito difícil, porque lá era
uma cidade...muitas casas eram conjugadas, num sabe, se você acompanhasse 200 famílias, se você
dissesse assim: “Hoje eu vou avisar de uma vacina”, num dia eu já sabia, vocês acreditam que eu
sabia por onde eu ia, a minha rotina de trabalho, num sabe...

PESQUISADOR 1: Tinha o caminhozinho bem direitinho...

- IDOSO 4: Tinha o caminho bem feitinho tanto na minha cabeça pra eu ir, fazer aquelas minha visita
e avisar e aqui, eu acompanho o mesmo número de famílias, mas tem que ser dois dias ou três preu
avisar de uma... qualquer coisa que esteja acontecendo ou uma campanha, ou um HEMOCE ou um
trabalho que seja pra avisar é muito difícil, mudou muito a rotina de trabalho, porque as casas não são
conjugadas e a maioria das pessoas já fizeram muro e fica muito difícil. Precisa você bater, chamar,
tem pessoas que trabalham e a casa ta fechada né e ficou muito difícil... e na velha Jaguaribara eu
entrava pela porta da cozinha, eu chamava na janela, eu entrava pela porta da sala e aqui não é assim
não, muito difícil, ficou muito diferente a rotina de trabalho.

PESQUISADOR 1: É assim, logo que a senhora chegou aqui né, a senhora até já falou um
pouquinho sobre isso, mas assim, houve algum interesse da senhora, assim, em conhecer... Ah,
eu vou ver como é que é a cidade pra ver se eu gosto dela e tal, se tinha um interesse pela cidade
nova?

- IDOSO 4: Não, eu não tive pelo seguinte... Porque antes da gente vir morar aqui, eu também faço
parte da associação, do Fã-clube Idosos da Paz, então, nós mesmo é que fazemos a equipe de apoio
desses idosos, a gente se preocupou muito com os idosos e eu vinha, juntamente com a equipe, todos
os domingos a prefeitura dava um ônibus e a gente vinha com os idosos conhecer a cidade, né,
mostrar pra eles, mesmo a gente não sabendo onde era nossas casas, né, e a gente vinha visitar...
Então, eu já tinha tido a oportunidade de conhecer a cidade toda, liceu, cemitério é... CVT, hospital,
centro de saúde, prefeitura, isso tudo a gente conhecia porque a gente vinha com eles e a gente tinha
era ordem pra quando chegar pedir os vigias pra abrir pra gente mostrar, as escolas... Então, eu já
conhecia. Então como eu achava muito distante ir de um lugar pra outro, eu não tive assim,
curiosidade, porque eu já conhecia. Muitas pessoas tiveram, né. Saía de casa de manhã pra ver a
cidade... eu não tive por conta disso, porque eu já conhecia a cidade toda.

PESQUISADOR 2: Qual a sua rotina na nova cidade, o que a senhora costuma fazer no final
de semana, quais são os lugares que a senhora mais freqüenta?

- IDOSO 4: Durante a semana, eu trabalho, que eu já falei pra vocês que eu sou agente de saúde, né, e
a minha rotina é assim: eu sou católica e gosto muito, né, da minha religião. Quarta-feira é
indispensável eu vou pra missa, pra oração do Santíssimo e final de semana também a gente participa
das celebrações, se tiver encontro, eu também faço parte do grupo de leigos Córdio-marianos que
também foi um trabalho que ajudou muito, né, a gente a se conscientizar da luta e do trabalho e eu
visito as pessoas, visito os doentes, eu sou ministra da eucaristia também e faço visita para os doentes
e sábado e domingo a gente aproveita pra fazer essas outras visitas sem ser no trabalho e participar de
encontros, de assembléias paroquiais. Até isso ficou difícil com a mudança pra gente, porque sempre
era mais fácil da gente s encontrar e aqui o município ficou muito... outros municípios próximos,
num sabe, e ficou muito dif... por exemplo, nós moramos aqui, a Lagamar era nosso vizinho lá e aqui
é muito longe pra Lagamar, você tem que ir por Jaguaretama, aí fica longe. Poucas vezes eu fui a
Lagamar, onde eu ia todos os meses pra missa e depois que eu vim morar aqui poucas vezes eu fui,
mas assim, no final de semana a minha rotina é essa. Eu trabalho também com a Pastoral da Criança
e tem o dia do peso, celebração da vida, aí participo assim, dos encontros religiosos e das outras
pastorais que eu ajudo.

PESQUISADOR 1: A senhora mudou alguma coisa na estrutura da sua casa? Deu pra ver que
deu uma mudada né?

- IDOSO 4: Eu mudei assim, num sabe, depois que... em relação assim à casa... quando eu cheguei,
eu não gostava da casa de jeito nenhum, num sabe, e eu procurei assim modificar algumas coisas, né.
Fiz uma área ao lado e comecei a plantar umas plantas, pra poder ver se eu passava a gostar da minha
casa, né, porque aqui é minha casa. Se eu disser pra vocês também que meus filhos não queriam que
eu recebesse a casa nesse lugar, porque lá eu morava... minha casa era uma casa de esquina, era
virada pra sombra, a calçada alta e era assim um lugar muito gostoso da gente ficar e quando eu
cheguei aqui eles diziam que minha casa era do lado da sombra e não era e o Sol era muito quente e
aqui tudo muito grande e quando a gente chegou aqui a cidade nova não tinha um pé de planta, nossa
cidade, eles tinham plantado aquelas plantas é... da região como, por exemplo, pau-branco,
catingueira, essas coisas assim que... plantavam as mudas né e era tudo seca e eu tentei mudar...
tentei, oi, enchi minha casa de planta, plantei ninho, plantei... planto uma coisa, planto outra pra
mudar. E hoje eu agradeço a Deus por já gostar muito da minha casa, hoje em dia as pessoas: “Ah, a
senhora já gosta daqui?”, ficou na história que eu não gostava né. E quando as pessoas se encontram
comigo diz: “N você já ta gostando?”. Às vezes eu vou pra Fortaleza, eu já tive oportunidade de ir
pra Caucaia, ano passado eu fui pruma missa de uma freira muito amiga minha, a primeira pergunta
que elas me fazem é se hoje eu gosto da minha casa.

PESQUISADOR 1: Ta com a cara da senhora né?

- IDOSO 4: É, agora já tem a minha cara já, mas antes não tinha... eu me parecia muito com a minha
outra casa.

PESQUISADOR 1: E em relação à cidade, assim, desde que chegou, houve alguma


transformação significativa? Que deu pra perceber, tipo, a cidade era assim e agora ta com
outra cara?

- IDOSO 4: Ta com outra cara, quando nós recebemos essa cidade aqui, elas eram todas iguais, os
muros, os muros tudo era 80 cm de altura né e isso foi uma luta... que não era pra ser mudado, né e
foi uma das lutas também que a gente conseguiu fazer os muros... Você já pensou uma casa, ninguém
saber... dizer assim: “seu muro é tanto... tantos metros, né”... mas ninguém ia entender, nera se todo
mundo já tivesse os seus muros feitos, nem que fosse pequeno, todo mundo já sabia onde era a sua
área...e a gente conseguiu isso. E quando nós chegamos aqui era tudo igual. Se tivesse uma casa de
50... as casas de 50m era muito bonito, por isso que chamou muito a atenção das pessoas, era muito
igual, num sabe. Se eu chegasse aqui de manhã e olhasse da minha porta da cozinha... eu conhecia
todo mundo né...e a gente se comunicava: “Ei, fulano tudo bem, você dormiu bem? Como passou
noite?”. Isso era a primeira noite, aí todo mundo saía de casa pra ver uns aos outros. E agora é muito
diferente. Olhe, todo mundo já, a maioria... poucas pessoas, só aqueles que não têm condição mesmo
que não subiram o muro das suas casas, não fez uma frente. Outros já puxaram a casa prum lado,
outros já puxou pra outro, já mudou totalmente a estrutura da cidade. Você veja essa casa vizinha
aqui, ela está completamente diferente, puxaram... aqui também tinha um plano diretor que não era
pra mudar o estilo das casas, né. Não podia fazer casa conjugada, subir parede, não podia botar água
da biqueira pra correr pra dentro do muro do vizinho, tinha o tanto de ser. Mas esse projeto também
ficou parado aí num num... Hoje ta completamente diferente a cidade. Se você tivesse visitado aqui
na época que nós chegamos pra ver hoje, dizia assim: “Não e Jaguaribara”, porque o povo mudou
totalmente. Subiram os muros, puxaram casa prum lado, puxaram pra frente, outras puxaram pra trás.
Você vê até casinha, até barracado cobertinho assim de papelão, de qualquer coisa que o povo
fizeram pra cozinhar dentro do muro, aí ficou muito feioi, sabe, e quando as pessoas zelam às vezes
né porque, pra ser bem sincera, nós recemos as casas muito bem feitas, as nossas casas elas são muito
bem feitas, bem construídas, a gente não encontrar ainda rachaduras que na velha Jaguaribara a gente
encontrava era muitas casas rachadas já, mas essas casas são muito e feitas né. Mas a própria
população não está valorizando as suas casas que receberam, tão modificando muito a cidade sabe. E
outra rotina, assim, que vocês me perguntaram é em relação à participação das pessoas, aqui ficou
muito difícil. Na outra cidade as pessoas participavam melhor, por exemplo, das celebrações, dos
trabalhos sociais, das reuniões e aqui, eu não se é porque as casas ficaram muito longe né... porque
todas as reuniões que acontecem é lá no Centro Administrativo, nós temos o Centro Pastoral, vocês
conheceram? Fica lá depois do Centro Administrativo, aí tem o Correio, o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, tem a Casa do Cidadão e os nossos encontros sempre, ou é no Sindicato ou é
no Posto de Saúde, ou no Centro Pastoral e a participação eu sinto que é muito menos, muito menos
que na velha Jaguaribara, em virtude de ter mudado, né, e ficaram muito longe as distâncias, né... e a
outra coisa também que eu sinto muita saudade da velha Jaguaribara é em relação às conversas de
calçada. Na velha Jaguaribara, de noite, todo mundo estava, se juntava duas três famílias e ficava
conversando, contando histórias e brincando com as crianças e aqui, dificilmente, você ver pessoas
sentadas nas calçadas. Na nossa rua aqui a gente senta porque a gente conversou pra gente ficar, né,
um pouquinho na calçada de noite, mas, gente, é difícil, viu. Tem ruas que você passa durante a noite
que você não vê uma pessoa na rua, aonde na velha Jaguaribara era todo mundo senado nas calçadas.
Você podia vir pra casa dez horas da noite ou um filho seu vir da aula que você não se preocupava
que tava todo mundo sentado ainda e aqui não. Se você “tardar” um pouco... eu canso de vir pra casa
e não ter um pé de pessoa na rua, ficou muito diferente a rotina das pessoas, a mudança mexeu
mesmo.

PESQUISADOR 2: Quando a senhora pensa na antiga Jaguaribara o que vem à mente da


senhora? Eu queria que a senhora falasse o que vem quando a senhora pensa na velha e o que
vem quando pensa na nova.

- IDOSO 4: Quando eu penso em Jaguaribara, a primeira coisa que eu lembro é aquela criançada
vindo do rio. Porque o rio era assim... era um ponto turístico da cidade e quando eu penso assim... pra
onde você fosse você via, via ou aquelas mulheres que vinham do rio que iam lavar roupa ou a
criançada tudo banhada, os pais com as crianças né, eu lembro isso. E outra coisa que também chama
a minha atenção é aquelas crianças na rua vendendo peixe. Se você dissesse assim: “Hoje eu quero
almoçar peixe ou amanhã”, você podia sentar e prestar atenção que, de repente, você via os
pescadores, os pais ou os filhos, aqueles rapazinhos vendendo peixe. Eu lembro muito muito... o que
em vem na lembrança é o rio, em relação ao rio, porque era a fonte de renda também da cidade.

PESQUISADOR 1: E quando a senhora pensa na nova, o que vem à cabeça?

- IDOSO 4: Ai meu Deus! Esse vento solto aí, essa poeira no meio do mundo. Na nova é muito difícil
em relação à agricultura porque... as pessoas lá receberam indenizações né, não compraram o
terreno... e você já imaginou as pessoas que nasceu se criou lá plantando no seu pedaço de terra e
chegar aqui pra conquistar... aqueles que são agricultores mesmo eles já conquistaram hoje, eles já
plantam no inverno, mas têm muitas pessoas que deixou até de ser agricultor, porque não tem
condição. Outra coisa também, as pessoas que criavam gado lá, como que cria gado aqui, né? Olhe,
eu já conheço pessoas que tiveram depressão, pessoas até que já morreram. Eu não sei se foi em
virtude da mudança, mas as pessoas sofriam muito, pessoas que tinham uma situação de vida,
financeira bem e depois, chegou aqui, recebeu uma casa nova, mas cadê o seu “criar”? Morava na
zona rural lá, criava galinha, capote, porco, criação, gado e aqui, vendeu tudo. Como sobreviver, né?
Fica a pessoa entre quatro paredes. Eu cheguei numa... eu tava num comércio aí duma conhecida
minha e tinha um senhor e me perguntou assim: “N, eu morro e não me acostumo aqui, porque a
senhora conheceu a minha casa lá na cidade velha, no município de Jaguaribara”... que ele morava
era no município... “Eu não comprava carne, eu matava era peru, era capote, era carneiro, o que eu
precisasse e hoje aqui eu ir prum açougue comprar 2 kg de carne...”. E esse senhor já morreu, ele
adoeceu depois e morreu. E assim foram muitas pessoas né. Pras pessoas idosas é muito difícil passar
por essa situação de mudança. Ninguém queira.
PESQUISADOR 1: A senhora tava falando dos eventos tradicionais, a senhora poderia falar
mais sobre eles, dos que a senhora sente mais falta, se permaneceram ou não?

- IDOSO 4: Rapaz, permaneceu alguma coisa, só que com muita diferença!A festa do final do ano...
já teve ano que não teve o reveillon, mas ano passado teve, mas as praças aqui são muito grandes, são
muito dispersas, num sabe, e você num sente que ta nem em Jaguaribara não, porque lá, como eu
falei pra vocês antes, era uma única praça que tinha, era aconchegante, ficava todo mundo junto e
aqui é todo mundo disperso, as praças são muito grandes, num sabe, oi, espalha as pessoas, num é
mais como era não e o banho do rio ainda existe né, mas eu não sei nem como funciona, porque eu
nunca fui. Eu já fui algumas vezes visitar com minha família quando vem... Mas assim, pra eu ir em
período de carnaval que vão e tudo... Mas as pessoas não se sentem à vontade como se sentiam na
velha não, de jeito nenhum, é muito diferente... Alguns eventos acontecem, mas não é como antes
não, muito diferente.

PESQUISADOR 1: Como é o carnaval daqui? Tem alguma movimentação na praça?

- IDOSO 4: Não, vão mais pro rio. Depois que a gente chegou aqui, já tem uns dois anos ou é três
que eles levam carro de som e faz o carnaval lá no rio né. É muito diferente porque fica longe, você
num dá pra perceber... por exemplo, eu que moro desse lado aqui, dá nem pra perceber o que ta
acontecendo lá, eu nem sei informar como é, porque eu nunca fui e lá eu nem precisava ir pra ver,
porque era tudo perto né. É como eu falo pra vocês... de onde eu tava eu via tudo o que acontecia, a
minha casa ficava mesmo na esquina. Se tivesse uma passeata na rua, passava em frente a minha
casa; fosse o desfile do dia 7 de setembro, passava em frente a minha casa; se fosse uma procissão,
passava em frente a minha casa; todos os acontecimentos a gente participava e tava vendo o que tava
acontecendo e aqui não. Sinceramente, a minha rotina mudou totalmente em relação a isso, mudou
muito.

PESQUISADOR 2: A senhora poderia dizer se existia alguma característica peculiar ao


morador da antiga Jaguaribara?

- IDOSO 4: As pessoas de lá tinham um bom relacionamento umas com as outras, a gente se


relacionava muito bem, se conhecia todo mundo, todo mundo se cumprimentava. E aqui é diferente
como eu já coloquei, né, as pessoas ficaram distantes, tem pessoas que ficaram assim... que não
ficaram...apesar de se conhecer, ver muitas pessoas diferentes, as características mudaram muito.
Quando a gente chegava num ambiente conhecia todo mundo. Você chega, hoje, numa segunda-feira
aqui, você vê o povo totalmente diferente no centro de saúde, porque aqui tem muitos municípios
vizinhos que vêm aqui pra Jaguaribara. E o nosso povo era um povo assim mais tradicional...era
agricultor, era pescadores, criadores... e aqui a gente conhece menos as características das pessoas...

PESQUISADOR 1: Não tem contato pra saber né...

- IDOSO 4: É, num tem nem contrato pra saber não. E se você vê uma pessoa passando ainda, agora
depois dessa criação de peixes, se você vê uma pessoa passando e gritando “Olha o peixe”, você pode
olhar que é de Jaguaribara velha. Essa característica da venda nas portas do peixe ainda é da cidade
velha, você não vê uma pessoa diferente que não morava lá vendendo isso. E uma característica
também em relação aos trabalhos manuais, né... como ponto-de-cruz, crochê, que as pessoas que
moravam na velha Jaguaribara ainda continuam com seus trabalhos m casa, trabalhando praquelas
pessoas, tem associação das bordadeiras... ainda continua, a gente vê que era uma característica da
velha Jaguaribara, você não vê pessoas que vieram de outros municípios com esses trabalhos não. Era
um povo muito pobre, mas muito trabalhador, fazia tudo pra sobreviver.

PESQUISADOR 1: Pra terminar eu queria que a senhora falasse sobre como a senhora está
hoje, como a senhora se sente hoje em relação à mudança?

- IDOSO 4: Rapaz, eu não sei nem dizer muito bem. Eu hoje já estou acostumada no ambiente,
graças a Deus, eu agradeço a Deus, senão eu tinha ido embora. Eu, hoje, eu já tou acostumada,
eu já vejo assim... as pessoas também, a juventude. Agora uma coisa que também mudou
muito, mudou muito em relação à velha Jaguaribara aqui é... a gravidez na adolescência, as
drogas, a prostituição, aqui é demais... o município cresceu muito, né, aqui e eu vejo essa
grande mudança aqui e eu me preocupo muito, eu me preocupo muito com a juventude, com as
crianças do nosso município, porque nós ficamos aqui num local que o povo considerava como
um dos mais perigosos, sabe... a região... e a gente ta vendo o resultado, num sei nem se vocês
devem colocar isso na pesquisa de vocês... isso é uma preocupação muito grande para nós que
somos pais e família aqui, eu vejo isso como um grande problema na sociedade do nosso
município... sei não meu Deus, como que vai ficar... Porque existe festa tem bem aí o Retorno
do Forró, tem o Cajueiro Clube, tem o Espaço Clube... mas se eu disser pra vocês que eu nunca
nem fui... eu não tenho jovem mais, meu filho mais novo não mora comigo porque estuda,
quando ele vem às vezes ele vai um pouco e volta... tem divertimento, mas é muita preocupação
para os pais. Outra coisa também que preocupou muito as famílias foram os trabalhadores que
quando tem uma construção assim muita gente vem de fora né, pra trabalhar. Então, eles vêm,
passa aquele período de tempo, depois vão embora... e a nossa juventude, como fica? Né? É
muito preocupante... ( ESTAVA SE REFERINDO À PROSTITUIÇÃO).

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