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Autobiografia e resiliência: uma compreensão dialógica

Camila Maia1
Idilva Germano2
RESUMO:
ABSTRACT:
PALAVRAS-CHAVE:
Os estudos contemporâneos a respeito da resiliência têm se debruçado sobre a
questão da delimitação conceitual deste termo no âmbito da pesquisa psicológica.
Dependendo da orientação teórica das investigações, identificam-se definições cujo foco,
ora está no indivíduo, ora está na sociedade.
Utilizado tradicionalmente pelas ciências naturais como qualidade da resistência de
materiais, o termo resiliência foi adotado no âmbito das ciências psicológicas por
pesquisadores cujo referencial teórico, a Psicologia Positiva (SHELDOM e KING apud
YUNES, 2003), procura enfatizar mais os aspectos salutares dos sujeitos do que os
patológicos. O conceito tem sido empregado, neste contexto, para indicar a capacidade que o
indivíduo tem de enfrentar as adversidades que se lhe impõem, durante o curso de sua vida.
No entanto, as opiniões são díspares no que concerne ao entendimento dos fatores que
possibilitam essa capacidade de enfrentamento, se são atributos do próprio indivíduo ou se
consiste num conjunto de habilidades adquiridas de forma relacional.
Os estudos de biografias têm contribuído de forma importante para ampliar a
compreensão dos fatores que possibilitam uma “trajetória resiliente”. As narrativas de vida
têm mostrado que as estratégias utilizadas pelos indivíduos para ultrapassar obstáculos de
qualquer ordem, são, de certa forma, influenciadas por interações sociais que exercem um
papel de proteção deste sujeito e que oferecem as condições de possibilidade para a
construção de compreensões de si e do mundo capazes de fazer frente aos reveses da vida.
Esta visão contrapõe-se às concepções reducionistas e inatistas de resiliência, segundo as
quais o indivíduo resiste às adversidades pelo fato de ser dotado de características especiais
inatas ou inerentes ao seu desenvolvimento.
A teoria do posicionamento, lançada por Davies e Harré (ANO) e retomada por
Hubert Hermans e a noção de self dialógico, desenvolvida pelo último autor a partir da

1
Mestranda em Psicologia do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará. E-
mail: camila_maiapsi@yahoo.com.br
2
Doutora em Sociologia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal
do Ceará. E-mail: idilvapg@ufc.br.
interface entre o pensamento de William James e Mikhail Bakhtin, são ferramentas
conceituais interessantes para compreendermos a multiplicidade que deve ser levada em
consideração quando delimitamos o conceito de resiliência no âmbito da psicologia.
(adicionar compreensões sobre a teoria do posicionamento). Ao contrapor as concepções de
self unificado e essencial, Hermans (2008) propõe a ideia de um self multifacetado e
descentralizado, constituído por diversas vozes que são produto das interações sociais
travadas durante a vida dos indivíduos. Essas vozes estão em constante diálogo e se
manifestam de forma contextualizada no tempo e no espaço, de modo que o indivíduo se
posiciona e é posicionado de forma diferenciada em cada relação que estabelece.
O que pretendemos argumentar, neste trabalho, é que um sujeito cuja trajetória de
vida é considerada resiliente, provavelmente, empreendeu relações sociais que lhe
forneceram condições de resistir a dificuldades, ou seja, de se posicionar e ser posicionado
como alguém capaz de obter êxito frente a situações de risco. Essas relações se dão no
âmbito das diversas instituições das quais o sujeito faz parte, na família, na escola, na
comunidade, em instituições religiosas, etc.
Para defendermos nossa posição, lançamos mão da análise de narrativas
autobiográficas de jovens estudantes de escolas públicas de Fortaleza, à luz da psicologia
dialógica de Hermans (2008), a fim de problematizar o conceito de resiliência. Além disso,
temos o objetivo de, através da crítica a concepções de resiliência solipsistas que
culpabilizam os indivíduos pelo seu êxito ou pelo seu fracasso, incitar uma discussão a
respeito da debilidade das políticas públicas voltadas para a promoção de estratégias de
proteção de jovens que estão em estado de vulnerabilidade social.

Resiliência: um conceito polêmico


A Psicologia Positiva surgiu a partir das reflexões de Martin Selligman (1998)
segundo as quais os estudos em psicologia deveriam enfatizar mais os aspectos
salutogênicos dos indivíduos do que os patológicos. O objetivo, então, desta psicologia seria
“levar os psicólogos contemporâneos a adotarem uma visão mais aberta e apreciativa dos
potenciais, das motivações e das capacidades humanas”. (SHELDON e KING apud
YUNES, 2003, p. 75). É nesse contexto que os estudos sobre categorias como felicidade,
satisfação, alegria e etc. começaram a se tornar mais freqüentes. O conceito de resiliência,
então, segue esses parâmetros e seu uso no âmbito das ciências psicológicas é bem recente.
Yunes (2003) afirma que o termo resiliência, com a função de se referir a
características humanas, é mais utilizado em língua inglesa do que em língua portuguesa. No
Brasil, a Física tem se valido deste para indicar a capacidade que determinado material tem
de retornar ao seu estado normal após ter recebido certas quantidades de energia (pressão,
calor, química, etc.). No Canadá e nos Estados Unidos, tem sido utilizada pela mídia para se
referir à capacidade de permanência de determinada celebridade sob os holofotes ou com o
intuito de justificar políticas sociais.
Na pesquisa psicológica, o conceito de resiliência teve como precursor o termo
invulnerabilidade (cunhado há mais ou menos trinta anos por um psiquiatra infantil) que era
definida como a capacidade de crianças serem psicologicamente saudáveis, apesar de terem
uma vida adversa. No entanto, com o desenvolver das investigações, Rutter (1985, 1993)
afirmou que este termo indicava uma total resistência do indivíduo, passando a ideia de que
o sujeito “invulnerável” era imune a qualquer tipo de sofrimento, além de levar em conta
somente aspectos individuais. Assim, Zimmerman e Arunkumar (1994) preferiram o termo
resiliência para definir a capacidade que os indivíduos têm de superar adversidades, não
significando, no entanto, que este saia ileso deste processo, que os vieses da vida não
tenham efeitos sobre o seu desenvolvimento, mesmo que este se considere uma pessoa
saudável ou de sucesso. Além disso, dá condições para se pensar que essa capacidade de
superação não é inerente ao indivíduo e depende do contexto em que o sujeito vive e da
forma como ele percebe a si mesmo e as possibilidades que se lhes apresentam.
O contexto de surgimento do conceito de resiliência, apesar das perspectivas críticas,
ofereceu condições para que diversas formas de se abordar o tema surgissem. Yunes (2003)
divide essas perspectivas em dois grupos. No primeiro, estão inseridas as pesquisas que
concebem resiliência como um atributo individual e, no segundo, aquelas cujo foco está na
família, ou seja, que concebem a resiliência como uma qualidade resultante das interações
travadas no seio familiar.
O primeiro grupo é composto pelas pesquisas que se baseiam em estudos
psicométricos e em análises estatísticas de medidas obtidas através de testes, de
questionários, de perfis psicológicos e de notas escolares. A partir desses indicadores, os
pesquisadores definem se determinado indivíduo é, ou não, resiliente. Dessa forma,
variáveis como sociabilidade, criatividade na resolução de problemas e senso de autonomia
são operacionalizadas com o intuito de medir a resiliência. Vê-se, então, que só são levadas
em consideração as respostas individuais e padronizadas dos respondentes. Outras versões
individualistas, segundo Yunes (2003 p.78), são as pesquisas qualitativas que enfatizam o
discurso experiencial dos sujeitos e se utilizam de “idiossincrasias como memória, narrativa,
identidade, interpretação e subjetividade”, não saindo, portanto, de um individualismo
teórico. A autora afirma que essas pesquisas focalizam os traços ou disposições pessoais de
crianças e adolescentes que permitem aos pesquisadores identificar seus padrões de
adaptação individual. A ênfase, então, é dada a aspectos individuais, apesar de algumas
dessas investigações admitirem a importância da relação com os familiares e com as
diversas instituições.
Já as pesquisas que focalizam a família, têm interesse em entender de que forma
determinados grupos familiares fazem frente às adversidades geradas por estressores tanto
internos como externos. Seu objetivo é definir quais são as características das famílias que
lhes permitem superar essas situações de crise. Adotando uma perspectiva sistêmica,
proveniente da Psicologia Ecológica de Bronfenbrenner (1996,1998), essas investigações
concebem a família como unidade funcional e buscam por “processos-chave” (sistema de
crenças da família, padrões de organização e processos de comunicação) que as permitam
ultrapassar seus problemas. Acreditam que, adotando uma compreensão global de
resiliência, expandem “a concepção de adaptação individual para a mutualidade de
influências através dos processos transacionais.” (YUNES, 2003 p.81).
Apesar de mudarem o nível de análise, do individual para o grupal, e de o
complexificarem, conferindo um aspecto mais relacional para as investigações, as pesquisas
cujo foco está na família acabam por considerá-la da mesma forma que os primeiros estudos
concebiam os indivíduos. É como se houvesse, apenas, a substituição de personagens.
Antes, os atributos individuais do sujeito era o que importava na definição de sua resiliência;
agora, o que importa são as características de uma família tida como unidade funcional. Em
nenhuma das duas perspectivas são considerados, de fato, os aspectos simbólicos e de
construção social inerentes a qualquer tipo de produção humana. As características que
fazem com que tanto o indivíduo como a família resistam a processos adversos são resultado
de constantes negociações de sentido travadas nos grupos, instituições, comunidades, etc.
dos quais fazem parte. Essas negociações são forjadas em meio a relações dialógicas que
produzem efeitos nas formas com que indivíduos ou grupos concebem a si mesmos e aos
outros.
[AQUI, passagem brusca. Tente articular melhor a questão da resiliência com a de
dialogismo. Torne mais transparentes suas ”hpóteses”.]
Na tentativa de construir uma compreensão de resiliência que dê conta dos
fenômenos apresentados anteriormente, lançaremos mão do conceito de self dialógico de
Hubert Hermans e da teoria do posicionamento, por ele retomada.
Psicologia Dialógica: Hubert Hermans
Hubert Hermans é um psicólogo holandês que desenvolveu, na década de 90, sua
teoria do self dialógico a partir do pensamento de William James (pragmatista norte-
americano) e da noção de novela polifônica de Mikhail Bakhtin (crítico literário russo). Para
Hermans, self e cultura devem ser concebidos como uma multiplicidade de posições a partir
das quais relações dialógicas podem se desenvolver. Essa visão permite a mútua inclusão de
self e cultura em suas respectivas constituições, evitando, assim, que o self seja visto de
forma individualizada e nuclear e a cultura com algo abstrato e reificado.
Segundo Hermans (2001), a distinção entre “Eu” e “mim” realizada por William
James lançou uma base extremamente fértil para a psicologia do self. O “Eu”, para este
autor, é tido como o “self-conhecedor”3 e possui três características principais: a
continuidade que caracteriza a sensação de identidade pessoal, ou seja, de permanecer o
mesmo com o passar do tempo; a individualidade que possibilita a sensação de ser único,
diferente dos outros; e a autonomia que, a partir da contínua aceitação e rejeição de
pensamentos, faz com que o sujeito se sinta como processador de suas experiências. O
“mim”, por sua vez, é considerado como o “self-conhecido” 4, isto é, como os elementos
empíricos que podem pertencer a alguém (ex. minha família, meu nome, minha profissão).
Para James, existe uma gradual transição entre “mim” e “meu”. Dessa forma, ele diz que o
eu empírico é tudo aquilo que pode ser chamado de “meu”, desde aspectos referentes ao
próprio corpo e estados de espírito a coisas externas como objetos e pessoas. Vê-se, então,
que o self assim concebido é estendido ao ambiente, diferentemente de um self cartesiano
dualista, composto por duas partes distintas e separadas. As concepções de James sobre o
self permitiram que desenvolvimentos teóricos posteriores pudessem incluir os contrastes, as
oposições e as negociações como parte de um self distribuido e multivocálico. Suas ideias
pressagiaram a concepção segundo a qual o self é composto por diversos personagens.
No entanto, para melhor explanar essa característica da multiplicidade do self,
Hermans se utilizou da ideia de novela polifônica de Mikhail Bakhtin construída a partir da
crítica literária às obras de Dostoievski apresentada em seu livro “Problemas da poética de
Dostoievski” (1929/1973 apud HERMANS, 2001). Bakhtin afirma que o escritor não se
apresentou de modo unificado enquanto autor nem concebeu seus personagens de forma a
finalizá-los, ou seja, a definí-los como algo acabado e imutável. Mas, sim, tratou-os como se
cada um tivesse a liberdade de se dizer, ou seja, como se fossem senhores de seus próprios

3
Self-as-knower no original.
4
Self-as-known no original.
pensamentos e intenções, não se colocando, assim, como escravos da vontade de um senhor
onisciente.
O diálogo, para Bakhtin, abre a possibilidade de diferenciação entre o indivíduo e
seu mundo interior, diferenciação esta que ocorre no formato de relação interpessoal.
Quando o sujeito transforma um pensamento íntimo em enunciado, ou seja, quando fala a
partir de determinada posição, automaticamente, instaura um diálogo entre aquilo que disse
e os enunciados dos outros imaginários. Esses outros imaginários, por sua vez, são
construídos a partir das relações que este indivíduo estabeleceu, durante a sua vida, com os
outros reais, mas que, agora, fazem parte do seu self. Assim, ao externalizar um pensamento
interior no formato de um adversário ou interlocutor espacialmente separado, um diálogo
entre duas partes relativamente independentes é criado. Essa ênfase dada ao espaço
demonstra que Bakhtin entende as contradições internas e os estágios de desenvolvimento
de uma única pessoa como dramatizações de diferentes posicionamentos.
Apesar de enfatizar mais a continuidade do que a descontinuidade do self, uma vez
que afirma que o “Eu” organiza os diferentes aspectos do “mim” como parte de um fluxo
contínuo de consciência, James admite uma rivalidade entre os vários selves, uma vez que
não se pode escolher todas as possibilidades de ser. Essa suposição da multiplicidade dos
selves o aproxima do pensamento de Bakhtin. Apesar das semelhanças, há que se dizer
aquilo que os diferencia. Para James, um “Eu” diferenciado e autônomo mantém as partes
que compõem o “mim” juntas , a fim de garantir a sua identidade no tempo e no espaço. Ele
estava atento aos aspectos sociais do self individual. “Um homem tem tantos selves socias
quantos forem os indivíduos com quem se relacione” (JAMES apud HERMANS, 2001 p.
247). Já Bakhtin, por não ser psicólogo e sim crítico literário, não se importava com a
descontitnuidade e afirmava que a polifonia era a assunção de diversas visões de mundo.
Estava mais interessado nas noções de voz e de diálogo, pois isso o permitia tratar das
relações dialógicas internas e externas. Assim, apesar de James ter lançado a possibilidade
da construção social do self e da rivalidade entre seus componentes, somente uma teoria
construída à luz da novela polifônica de Bakhtin oferece elementos para a superação das
noções de unidade, de continuidade e de individualidade do self tradicional.
A partir dos trabalhos dos dois autores citados anteriormente, Hermans constrói o
conceito de self dialógico que se trata de uma multiplicidade de dinâmicas relativamente
autônomas de posições do eu.
Nesta concepção, o “Eu” tem a possibilidade de se mover de uma posição
espacial para outra de acordo com mudanças na situação e no tempo. O “Eu”
flutua entre posições diferentes e, às vezes, opostas e tem a capacidade
imaginativa de dotar cada posição com uma voz, para que as relações dialógicas
entre posições possam ser estabelecidas. (HERMANS, 2001 p. 248).

A principal característica do self dialógico é que ele é contínuo e descontínuo, ao


mesmo tempo. Ao assumir determinada posição, de pai, por exemplo, o “Eu” organiza
diversos “mins” de forma contínua, com o intuito de conferir ao indivíduo determinada
identidade. No entanto, ao posicionar-se enquanto filho, o “Eu” organiza outros “mins”,
também de forma contínua, mas que são descontínuos em relação à posição de pai. Assim
sendo, a noção de self dialógico de Hermans permite a convivência entre continuidade
(unidade - James) e descontinuidade (multiplicidade - Bakhtin).
Outra característica importante do self dialógico é a combinação entre as dimensões
temporais e espaciais. Os autores da abordagem narrativa (tais como Theodore Sarbin,
Jerome Bruner, Keneth Gergen e Dan McAdams) já haviam enfatizado a importância do
tempo para a construção de narrativas (coloque a fonte de onde tirou essa afirmação). Para
eles, sem o tempo não há narrativa. A inclusão da categoria espaço como também
constituinte da estrutura narrativa do self dialógico, presentes nas noções de posição e
posicionamento, permite uma dinâmica e uma flexibilidade maior para o conceito de self
definido como múltiplo e heterogêneo, superando, assim, a noção fixa e imutável de papel.

Aqui trouxe pra vc acompanhar e talvez discutir mais a teoria do posicionamento tal como formulada
por Davies e Harré (1990). O artigo “Posicionamiento: La producción discursiva de la identidad” está
reproduzdio em Athenea Digital - núm. 12: 242-259 (otoño 2007). A teoria teve vários
desdobramentos; Me parece que Hermans a desenvolveu no âmbito dos problemas da
personalidade. O texto mencionado po Hermans em seu The Dialogical Self: Toward a Theory of
Personal and Cultural Positioning (2001) é o de Harré, R., & Van Langenhove, L. (1991). Varieties of
positioning. Journal for theTheory of Social Behaviour, 21, 393–407.

“Un acierto importante del paradigma de investigación postestructuralista, al cual


nos referimos antes, es el reconocimiento de la fuerza constitutiva del discurso y de
las prácticas discursivas, en particular mientras que acepta la capacidad de la gente
para elegir en relación a esas prácticas. La fuerza constitutiva de cada práctica
discursiva, creemos, se encuentra en la variedad de posiciones del sujeto. Una
posición del sujeto incorpora un repertorio conceptual y la correspondiente ubicación
en las estructuras de derechos para quienes usan ese repertorio. Una vez que se
hace propia una posición particular, una persona inevitablemente percibe el mundo
desde el punto de vista de esa posición privilegiada y en términos de imágenes
particulares, metáforas, argumentos y conceptos relevantes dentro de la misma. La
oportunidad nocional se encuentra inevitablemente incluida porque hay muchas y
contradictorias prácticas discursivas en las cuales una persona podría participar.
Incluso los participante en este proceso son también producto de las prácticas
discursivas.

Un individuo emerge de los procesos de interacción social no como un producto


final relativamente completo, sino como uno que se constituye y reconstituye a
través de las variadas prácticas discursivas en las cuales participa. De este modo,
uno es siempre una pregunta abierta con una respuesta cambiante que depende de
las posiciones disponibles entre las prácticas discursivas
propias y ajenas; en esas prácticas se encuentran las historias a través de las
cuales entendemos nuestras vidas y las de otros. Las historias se localizan en
varios discursos diferentes; de esta forma, varían notablemente en términos del
lenguaje usado, los conceptos, los temas y los juicios morales relevantes y la
posición del sujeto correspondiente. De esta manera, el postestructuralismo se
convierte en narratología.

Intentamos que la noción de posicionamiento sea una contribución al entendimiento


de la persona. La psicología de la persona ha estado plagada por la ambigüedad
del concepto de identidad, el cual ha jugado un papel importante en el discurso
psicológico de la persona. La misma pregunta “¿quién soy yo?” es ambigua. Los
seres humanos se caracterizan tanto por la identidad continua como por la
diversidad personal discontinua. Así, la misma persona es posicionada en varias
formas en una conversación. Al estar posicionada de distintas maneras, la misma
persona experimenta y muestra una multiplicidad de identidades. Aunque no nos
interesa la identidad personal en este artículo, la consideramos como producto de
prácticas discursivas tal como lo es, también, la identidad múltiple que deseamos
investigar (Harré, 1983; Muhlhausler y Harré, 1990)”.

Para Hermans (ano), o self é composto por um espaço de posições múltiplas.


Posições internas que são sentidas como parte de mim e posições externas que são tidas
como parte do ambiente, isto é, pessoas ou objetos vistos como importantes para uma ou
mais posições internas. Da mesma forma, as posições internas ganham relevância a partir
das posições externas que estão interconectadas a elas. Em outras palavras, as posições
internas e externas recebem seu significado a partir de suas transações mútuas ao longo do
tempo. Específicas posições tornam-se mais relevantes que outras a partir dos processos
dialógicos que as atravessam.
Os sujeitos estão em constante processo de posicionamento já que as posições, tanto
externas quanto internas, estão, sempre dialogando entre si, firmando acordos ou
discordando uma da outra.
O eu se move em um espaço imaginário (que é intimamente entrelaçado com
espaço físico) de uma para a outra posição, criando campos dinâmicos nos quais
as suas negociações, contradições e integrações resultam em uma grande
variedade de significados. (Josephs, 2000 apud Hermans, 2001 p. 252).

Novas posições, muitas vezes, resultam da combinação de antigas posições. Quando


existem discordâncias entre as diversas posições, o diálogo entre elas permite o surgimento
de insights que podem se caracterizar como novas posições e substituir as antigas.
Podemos, assim, utilizar a ideia de self dialógico como ferramenta teórica para
ampliar e relativizar a noção de resiliência. Dessa forma, acreditamos que a definição de
uma trajetória de vulnerabilidade ou de resiliência de determinado indivíduo depende da
forma de organização dos seus selves. Segundo a teoria do posicionamento, o sujeito se
posiciona e é posicionado durante toda a sua vida em relação aos discursos e situações
(inclusive concretudes) que se apresentam a ele. Ao enfrentar determinado evento
considerado como potencialmente nocivo, ele irá recorrer às vozes adquiridas durante as
inúmeras relações que estabeleceu durante a sua vida. Nesse contexto, podemos falar,
então, de relações sociais que protegem o indivíduo, uma vez que oferecem vozes que
possibilitarão uma atitude resiliente frente aos percalços da vida e outras que geram
vulnerabilidade, quando o destituem da capacidade de agir. Somente a partir desta
construção é que se pode avaliar o “grau de sucesso” de sua trajetória.

Autobiografia
Ao analisar as obras de Dostoievsky, Bakhtin descreve o personagem Devushkin se
referindo ao momento em que este lê o romance “The Overcout” de Nicolai Gogol e se
identifica com um dos personagens, Akaky Akakievich. Esta identificação se deve às
características de ultraje e delimitação. Para Bakhtin, Devushkin sentia-se incomodado com
o fato de ser entendido pelos outros apenas como sendo um pobre, não lhe restando, assim,
nenhuma outra possibilidade de ser. No entanto, ao mesmo tempo em que sofria com essa
identificação, não acreditava que isso pudesse ser verdade, como se o personagem
percebesse que estas características não podiam lhe definir por completo. (FRANK, 2005).
A partir dessas reflexões, Bakhtin realiza uma crítica às ciências humanas da época,
ao afirmar que elas estavam “devushkinizando” seus sujeitos de pesquisa e que essa atitude
nem era verdadeira nem ética. Isto é, que os pesquisadores não deveriam considerar os
indivíduos respondentes de suas pesquisas como correspondentes às suas análises, como se
estas esgotassem tudo aquilo que eles são. O argumento de Bakhtin é que o pesquisador não
pode “finalizar” seu informante, ou seja, dizer aquilo que ele é ou pode ser, ou ainda, aquilo
que ele não é ou não pode ser. Para ele, esta atitude é o mesmo que considerar que a pessoa
não possui capacidade de mudança e de transformação de sua realidade. “Para Bakhtin, tudo
o que é antiético começa e termina quando um ser humano tenta determinar tudo aquilo que
um outro é e pode ser; quando uma pessoa alega que o outro não pode e não vai mudar, que
ele vai morrer assim como ele sempre foi.” (FRANK, 2005 p. 966).
A pesquisa, para Bakhtin, trata-se, então, de um movimento num diálogo contínuo
através do qual os participantes se constituem, tornando-se aquilo que eles ainda podem ser,
ou ainda, uma relação dialógica que se estabelece quando uma das pessoas considera a outra
como não acabada. Nesta relação, nunca se pode dizer aquilo que a pessoa é e, sim, somente
aquilo que o pesquisador está percebendo que ela é (ou está sendo) naquele momento.
Implica uma abertura para o vir-a-ser e uma crença na capacidade dos indivíduos para se
tornarem outros, independente do que sejam naquele momento.
O pesquisador, portanto, em hipótese alguma, pode dizer a última palavra sobre
determinado sujeito. O discurso que ele constrói sobre os participantes de sua pesquisa é,
somente, mais uma voz que pode ou não ser questionada pelos informantes. Dessa forma, há
um compromisso com a liberdade dos sujeitos de se autodefinirem e uma abertura para
aquilo que eles podem ser. No entanto, esse compromisso com a autodefinição dos sujeitos
não significa que esta seja autogerada, ou seja, que seu substrato seja o próprio sujeito. Para
Bakhtin, o homem não coincide com ele mesmo (GARDINER apud FRANK, 2005). Da
mesma forma, Frank afirma que ele não coincide com os tipos definidos pelo investigador
social e, quando o pesquisador insiste em fazer esta correspondência, esta se configura de
forma inexata, uma vez que aquilo que não coincide é relegado a pano de fundo. O diálogo
não pode ser estabelecido, quando se adota uma visão solipsista da consciência, pois para
que possa ocorrer, são necessárias, no mínimo, duas vozes.
A pesquisa dialógica enfatiza o engajamento dos participantes no esforço de se
tornarem. O discurso dos participantes também não é tratado como uma representação da
vida desses sujeitos e, sim, como atos de engajamento com os pesquisadores, onde estes
oferecem condições, não somente para que o informante conte sua vida assim como ela é,
mas também, para que este a transforme. Segundo Herbert Mead (ano ), enquanto falamos
sobre nós mesmos ou sobre os outros, nosso discurso gera efeitos. O objetivo da pesquisa
deve ser, então, apresentar o caminho que pesquisador e pesquisado atravessam enquanto
geram efeitos um no outro. Dessa forma, adotando tais posturas, podem-se construir teorias
empiricamente corretas e eticamente apropriadas.
A partir do que foi exposto a respeito do formato de pesquisa dialógico, podemos
fazer ligações com a pesquisa biográfica no sentido que percebemos que este método não
concebe os sujeitos pesquisados como acabados e abre a possibilidade para que eles se
apresentem com todas as suas vozes e as contradições existentes entre elas. Uma vez que se
demanda ao indivíduo que ele conte a sua história de vida livremente, da forma como ele
achar melhor, abre-se a possibilidade para que este se apresente na sua multiplicidade e
heterogeneidade. Além disso, a partir do processo de construção de sua história, o sujeito
empreende uma reconstrução de si mesmo, uma vez que a negociação entre suas diversas
posições torna-se presente.
A análise de biografias tem sido utilizada por pesquisadores narrativistas (Bruner,
Gergen, Sarbin, McAdams, dentre outros) segundo os quais o substrato das subjetividades
possui caráter lingüístico e este mundo psíquico se constitui a partir do momento em que
construímos versões narrativas dele. Essa perspectiva acaba por diluir o dualismo entre
interno e externo bem como oferece alternativas à lógica representacionista segundo a qual
aquilo que relatamos a respeito de nossa experiência a retrata de forma realista e a
linguagem, neste sentido, exerce, apenas, o papel de expressão desse mundo interno. Para
estes autores, é através da narrativa que os indivíduos organizam dentro de uma estrutura
coerente os acontecimentos e situações ocorridos durante sua vida. Fazendo um paralelo
com a teoria do self de William James, é como se o “self-conhecedor” organizasse seus
vários “selves-conhecidos” de forma a conferir-lhes unidade, homogeneidade e autonomia,
através da construção de narrativas.
De fato, a interpretação dos muitos episódios que configuram uma vida parece
exigir uma articulação de tipo narrativo nas culturas humanas. “Quem eu sou”
exige que eu construa um enredo dispondo os fragmentos do vivido numa
seqüência temporal e conseqüencial inteligível. (GERMANO, data?)

Como explicitado anteriormente, os estudos de narrativas tem dado mais ênfase aos
aspectos temporais envolvidos nas histórias criadas pelos sujeitos sobre si mesmos. Ao
adotarmos a perspectiva do self dialógico, podemos inserir nestas construções narrativas a
categoria espaço e trabalharmos com a ferramenta teórica do posicionamento. Para além de
colocar os eventos ocorridos numa sequência temporal inteligível, os sujeitos se apresentam
como diversos personagens desta história ora ocupando uma posição ora outra. Inclusive, a
própria relação que se estabelece entre pesquisador e pesquisado incita determinadas
posições no informante e, não, outras.
A adoção de uma metodologia biográfica para trabalhar o conceito de resiliência
reside no fato de acreditarmos que a análise de histórias de vida nos permite visualizar os
diversos posicionamentos dos sujeitos, provenientes das relações estabelecidas por eles ao
longo de suas vidas, frente aos mais variados aspectos, bem como a negociação de sentido
entre as vozes geradas por cada posição. Assim, podemos inferir, que tipos de relações o
sujeito estabelece (na família, na escola, no trabalho, na comunidade e demais instituições
de que participa) que lhe oferecem condições (materiais e reflexivas) para enfrentar as
dificuldades das mais variadas ordens.

Uma compreensão dialógica do conceito de resiliência: histórias de vida

Considerações Finais

Referências Bibliográficas
GERMANO, I. M. P. Aplicações e implicações do método biográfico de Fritz Schütze
em Psicologia Social. Não possui a referência deste seu artigo na versão disponível na
internet

FRANK, Arthur W. What is dialogical research, and why should we do it? Qualitative
Health Research, Estados Unidos, v. 15, n. 7, p. 964-974, 2005. Disponível em:
<http://qhr.sagepub.com/cgi/content/abstract/15/7/964>. Acesso em: 13 Out. 2008.

HERMANS, Hubert. Toward a Theory of Personal and Cultural Positioning. Culture


Psychology, v. 7, n. 3, p. 243 – 281, 2001. Disponível em:
<http://cap.sagepub.com/cgi/content/refs/7/3/243>. Acesso em: 10 Out. 2008.

YUNES, Maria Angela Mattar. Psicologia positiva e resiliência: o foco no indivíduo e na


família. Psicologia em Estudo, Maringá,v. 8, num. esp., p. 75-84, 2003.

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