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Na nossa definição, os estereótipos são representações cognitivas de grupos humanos e

categorias sociais, frequentemente compartilhados socialmente. Estas representações estão

frequentemente eivadas de valor e/ou fortes associações emocionais que, quando de carácter

negativo, definem "preconceito".

Os seres humanos, apesar dos seus feitos cognitivos consideráveis, são necessariamente

limitados (Simon,1957). Parte da nossa glória consiste precisamente no modo como

contornamos as nossas limitações (Tversky & Kahneman, 1974). E o que fazemos? Generalizar.

Quer dizer, ignorar as minúcias, omitir os detalhes ou reenquadrar o particular. Os estereótipos

são generalizações sobre grupos humanos e categorias sociais, generalizações tornadas

indispensáveis em virtude da terrível complexidade e variedade do nosso mundo social. A

origem do conceito de "estereótipo" foi introduzido por Lippmann (1922) no seu livro A

opinião pública. Para Lippmann, nós não respondemos directamente ao mundo mas às

imagens desse mundo que habitam as nossas cabeças. Quer dizer, nós reduzimos o ambiente

social à nossa escala cognitiva, criando pseudo-ambientes cognitivos aos quais respondemos.

Quer dizer, "ao nível da vida social, o que é chamado adaptação do homem ao seu

meio-ambiente ocorre através da mediação de ficções" ( Lippmann, 1922). Os estereótipos são

representações simples de realidades complicadas, mas, para além disso, o seu conteúdo não é

social ou politicamente neutral o seu conteúdo justifica psicologicamente a hierarquia social e

as desigualdades sociais que dela derivam.

Estavam assim enunciadas duas importantes funções dos estereótipos: a função heurística,

que permite atalhar mentalmente os labirintos sociais em que vivemos, e a sua função

defensiva, que permite justificar as desigualdades e injustiças sociais. Estas duas funções

continuam bem presentes nas teorias actuais, embora a investigação mais recente tenha vindo

a salientar, cada vez mais, a função heurística.

Katz e Braly realizaram os primeiros estudos sobre o tema-o grande consenso social que se

verifica na representação de grupos humanos. Esse é um dado que nenhuma teoria sobre

estereótipos pode desde então ignorar. Segundo esta abordagem, os estereótipos

correspondem à assimilação dos valores sociais vigentes numa dada comunidade, quer dizer

são parte intrínseca dos processos de socialização (Fishman, 1956; Katz, 1968). Esta

abordagem sócio-cultural centra a nossa atenção sobre um aspecto inelutável dos

estereótipos- a sua reduzida variabilidade interindividual.

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A abordagem sócio-dinâmica contribuiu para a compreensão mais clara que a adopção de

um estereótipo de um dado grupo não representa um fenómeno mental isolado. Essa adopção

cumpre muitas vezes funções psicológicas e sociais importantes e integra-se numa visão do

mundo coerente ou ideológica.

Se a perspectiva sócio-cultural se centrou na consistência interindividual na adopção de um

dado estereótipo por diferentes indivíduos, a perspectiva sócio-dinâmica centrou-se na

consistência individual na adopção de estereótipos diferentes, pelo mesmo indivíduo.

Para Alport, os estereótipos não são necessariamente uma manifestação mental aberrante

ou sui generis, os estereótipos são o resultado de um processo cognitivo básico- o processo de

categorização. Esta insistência na ligação entre os estereótipos e os processos cognitivos

básicos é precisamente o que caracteriza a abordagem prevalecente nos nossos dias no estudo

dos estereótipos-a abordagem cognitiva. A abordagem cognitiva no estudo dos estereótiposO

artigo " os aspectos cognitivos do preconceito" de Henri Tajfel, representa talvez o passo

decisivo na construção de uma perspectiva cognitiva no estudo dos estereótipos.

Tajfel (1969) apresenta a sua teoria sobre estereótipos respondendo às perguntas básicas

para qualquer teoria, como? O quê? E quando?, com conceitos que remetem sempre a

interacção entre factores sociais e mecanismos cognitivos básicos. Segundo Tajfel (1969), os

estereótipos não são invenções fortuitas de um indivíduo isolado. Pelo contrário, os

estereótipos ligam-se estritamente aos valores sociais, pelo que o seu conteúdo é determinado

pela assimilação dos valores sociais vigentes, assimilação essa que ocorre naturalmente

durante a socialização de um indivíduo a uma cultura. Neste aspecto, Tajfel (1969) subscreve os

ensinamentos essenciais da perspectiva sócio-cultural. O recurso a estereótipos no discurso

social sofre variações. E essas variações dizem respeito às funções que os estereótipos

desempenham no funcionamento cognitivo e social. Assim, os estereótipos surgiriam

sobretudo em circunstâncias em que a estabilidade, a justiça ou o equilíbrio dos mundos

cognitivo e social estariam em causa.

Categorização, assimilação e busca da coerência- eis os três conceitos que representam o

como, o quê e o quando da perspectiva de Tajfel, todos apontado para a interacção entre

factores sociais e mecanismos cognitivos básicos.

Hamilton e Gifford (1976), estes autores abordam o processo de estereotipizacao na sua

vertente de discriminação de grupos. Na investigação que desenvolveram, demonstra-se como

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é possível através da formação de correlações ilusórias, induzir discriminações avaliarias entre

grupos artificiais. A discriminação avaliativa de grupos humanos é um dos fenómenos

psicológicos mais básicos associados aos estereótipos e preconceitos. Os resultados de

Hamilton e Gifford (1976) puseram em causa o valor explicativo das variáveis postas em relevo

pelas perspectivas anteriores, sócio-cultural e sócio-dinâmica, e com isso abriram o caminho

para uma mais fácil aceitação da perspectiva cognitiva. Mas, ao demonstrarem que é possível

induzir a discriminação avaliativa de grupos através da manipulação de variáveis inerentes a

processos básicos de aprendizagem ( aquisição de correlações ilusórias), constituíram-se no

principal fundamento da perspectiva cognitiva. Funções cognitivas dos estereótipos e sua

dimensão tácitaA perspectiva cognitiva reorientou o estudo dos estereótipos de forma radical.

Segundo a perspectiva cognitiva, não se pode compreender a prevalência dos estereótipos

apenas por serem considerados válidos por alguma ou muitas pessoas. Os estereótipos são tão

preponderantes no nosso mundo porque são mentalmente úteis, cumprem funções cognitivas

importantes, sobretudo quando não estão a ser examinados criticamente, isto é, quando estão

a ser usados como instrumento. Tal como outras estruturas de conhecimentos, os estereótipos

cumprem a função essencial de preservar os nossos recursos cognitivos, que são demasiado

escassos para a formidável complexidade do nosso mundo social. E a sua frequente utilização

torna-os cada vez mais eficientes e a sua função preservadora de recursos melhor sucedida,

tornando mais fácil a realização de tarefas mentais concorrentes, mesmo que totalmente não

relacionadas com a percepção de pessoas e grupos. Mas sobretudo, os estereótipos

simplificam extraordinariamente a percepção dos diferentes membros de um mesmo grupo ou

categoria social e têm, por isso, prioridade sobre processos mais individualizados mas mais

exigentes de formação de impressões. O chamado modelo dissociaríamos de Devine (1989) é

particularmente importante de extinguir entre dois tipos de conhecimento sobre grupos

humanos e categorias sociais com diferente gênese e diferente natureza cognitiva- os

estereótipos culturais e as crenças individuais. Assim, enquanto os estereótipos culturais são

adquiridos durante a infância e muito frequentemente utilizados, tornando-se por isso

extremamente eficientes, as crenças individuais sobre os mesmos grupos e categorias sociais

são adquiridas muito mais tarde, durante a adolescência e muito raramente utilizadas. O que é

interessante é que as crenças individuais e os estereótipos culturais podem ou não convergir e,

se divergem, competirão para a realização das mesmas tarefas cognitivas. Em condições

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cognitivas ideais, as crenças individuais sobrepor-se-ão aos estereótipos culturais porque

correspondem a asserções consideradas válidas sobre os referidos grupos e categorias sociais.

Mas quando somos solicitados por múltiplas tarefas cognitivas e pela persecução de múltiplos

objectivos ( a regra e não a excepção do mundo social), os estereótipos culturais são chamados

a cumprir as suas funções heurísticas, ou seja, são utilizados como instrumento, mesmo por

aqueles que não consideram válidos.

Para decisões ou comportamentos com consequências sociais muito importantes, torna-se

uma questão de responsabilidade social, prestar uma atenção extra aos estereótipos e aos seus

efeitos potenciais. Encarar os estereótipos como objecto crítico da nossa análise e não apenas

como instrumento invisível a que recorremos acriticamente.

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