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Tajfel e Turner (1979) apresentaram os requisitos necessários para consecução deste objetivo: a) os
membros de dois grupos constituídos de forma arbitrária deveriam alocar recursos para membros anônimos
do ingroup e do outgroup; b) não deveria existir qualquer história prévia de relacionamentos entre os
membros dos grupos; c) não deveria existir qualquer forma de relacionamento, seja intra ou intergrupal, entre
os membros dos dois grupos; e d) não deveria existir qualquer vínculo instrumental entre as respostas dos
participantes e os seus interesses pessoais.
Kandinsky; sensibilidade ao azul ou ao verde; introversão ou extroversão; raciocínio
analítico ou holístico) seria suficiente para gerar as categorias do ingroup e outgroup
(Simon, 1997) e dois grandes viéses: 1) a avaliação mais positiva dos membros do ingroup
quando comparada a dos membros do outgroup e 2) uma maior alocação de recursos para
os membros do ingroup quando comparada com o outgroup. Além destes dois viéses,
constatou-se também a tendência dos membros de um determinado grupo a estruturar ou
modificar os seus processos cognitivos de uma forma tal que levava facilmente ao
surgimento de viéses capazes de levar os membros do outgroup a serem percebidos de uma
forma mais homogênea do que os membros do ingroup, como também de desvalorizar a
informação capaz de favorecer distinções mais precisas entre os membros do outgroup
(Bourhis, Turner & Gagnon, 1997).
Se, afinal, por ínfima que seja a configuração dos grupos, estes fenômenos
psicológicos se evidenciam, é praticamente impossível não se admitir que alguns
antecedentes psicológicos devem ser considerados. A ampliação do alcance desses
mecanismos e a tentativa de utilizá-los como critério de explicação dos comportamentos
intergrupais e coletivos impõem a aceitação da noção de que esta distorção no
processamento de informação tende a facilitar o surgimento dos estereótipos, além de
favorecer a aparição de atitudes negativas e a assunção de expectativas impróprias em
relação ao grupo objeto da avaliação. Em decorrência da presença dessas atitudes e
expectativas, manifesta-se fortemente a possibilidade dos membros do grupo externo
estarem sujeitos a um processo de desumanização, o que tornaria ainda mais difícil a
erradicação dos preconceitos (Stephen, op. cit.). Foi observado que a diferenciação entre
in-groups e out-groups não só promove o preconceito, como também pode ser
responsabilizada pela manifestação de comportamentos discriminatórios em relação a
indivíduos dos grupos externos.
O problema da definição: estereótipos e estereotipização
Fica claro pelo comentário apresentado no parágrafo anterior a necessidade de se
definir os estereótipos, diferenciando-os dos conceitos de preconceito e discriminação.
Esta, entretanto, não é uma tarefa fácil, pois, como afirmou Miller (1982), parecem existir
tantas definições de estereótipos quanto o número de autores dedicados ao estudo do tema.
Algumas definições são bastante abrangentes, igualando os estereótipos aos mitos, lendas
ou ao folclore, enquanto outras são mais restritas, definindo-os como grupos de adjetivos
comumente associados aos grupos sociais (Hamilton, Strossner & Driscoll, 1994).
No plano etimológico, o termo ‘estereótipo’ é formado por duas palavras gregas,
stereos, que significa rígido, e túpos, que significa traço. No plano histórico, a psiquiatria
do século XIX utilizava a palavra ‘estereotipia’ para se referir à repetição mecânica e
freqüente de um mesmo gesto, postura ou fala em pacientes que sofriam de dementia
praecox (Leyens, Yzerbyt & Schadron, 1994), embora considerações históricas sugiram
explicitamente que a palavra ‘estereótipo’ origina-se do jargão tipográfico, referindo-se a
um molde metálico utilizado nas oficinas tipográficas, que se destacava pela possibilidade
de produzir uma mesma impressão milhares de vezes, sem precisar ser substituído. Como
Harding (1968) assinalou, daí surgiu, por analogia, o adjetivo estereótipo para indicar algo
que poderia ser repetido mecanicamente. Por essa via, o termo chegou às ciências sociais e
tem sido utilizado para fazer referência à imagem por demais generalizada que se possui de
um grupo ou dos indivíduos que pertencem a um grupo.
Tais considerações, no entanto, são genéricas demais para que possam ser úteis em
um trabalho de natureza científica. Ao apresentar a revisão teórica das pesquisas
desenvolvidas sobre os estereótipos étnicos nas décadas anteriores, Brigham (1971)
sustentou que passados quase cinqüenta anos da introdução do termo na literatura
especializada e apesar do mesmo ter sido considerado de fundamental importância na
pesquisa sobre as atitudes étnicas, os preconceitos, a percepção e os conflitos intergrupais,
os estudiosos não haviam conseguido chegar a qualquer acordo a respeito da função
desempenhada pelos estereótipos na percepção e no comportamento social. Qual a origem
desses problemas, tão tardiamente reconhecidos? Possivelmente, uma parte deles poderia
ser atribuído à definição do conceito apresentado no trabalho germinal de Walter Lippman
e a outra parte ao modelo de investigação, posteriormente inaugurado por Katz e Braly.
Na fase inicial das investigações, em especial devido às contribuições de Lippman,
os estereótipos foram consideradas como fotografias que as pessoas carregavam dentro da
cabeça. Ora, se a percepção que as pessoas tem dos outros grupos é construída através da
articulação entre as impressões sensoriais imediatas objetivas e o resto que foi acumulado
“ na cabeça” durante anos, nada mais natural do que conceber os estereótipos como os
próprios elementos pré-existentes ou acumulados (Klineberg, 1963). Apesar das suas
evidentes deficiências, esta concepção permaneceu servindo como referência básica de
investigação durante mais de uma década, até a publicação em 1933, por Katz e Braly, do
primeiro trabalho de natureza empírica sobre o assunto. Nesta investigação, que serviu de
modelo para um sem número de outros estudos, os autores solicitaram a cem estudantes da
Universidade de Princeton que listassem uma série de traços que consideravam mais
característicos para representar dez grupos étnicos: negros, alemães, judeus, italianos,
ingleses, irlandeses, americanos, japoneses, chineses e turcos. Delimitados oitenta e quatro
desses traços, os participantes do estudo foram solicitados a indicar, a partir de uma
listagem posteriormente apresentada, os cinco traços que poderiam ser considerados os
mais representativos de cada etnia. Observou-se uma forte concordância quanto à
atribuição de alguns traços a determinados grupos étnicos e os autores consideraram que
estes resultados retratariam uma espécie de atitude falaciosa dos participantes do estudo em
relação aos membros dos grupos étnicos avaliados (Brigham, 1971). Avaliou-se que apesar
do consenso a respeito dos traços atribuídos aos diferentes grupos étnicos não serem
destituídos de um significado sociológico ou estatístico, eles dizem muito pouco não
apenas sobre os estereótipos propriamente ditos, assim como sobre o processo de
atribuição de estereótipos. Contribuiriam para esta situação uma série de fatores, em
especial a fraqueza metodológica do paradigma de pesquisa, que tornava a interpretação
do resultados muito insatisfatória, pois estes eram vistos muito mais como uma
conseqüência da metodologia utilizada do que como traços a serem efetivamente atribuídos
aos vários grupos étnicos, além de se suspeitar não só de que os resultados obtidos nestes
estudos mensuravam apenas o compartilhamento de determinadas opiniões sociais e não os
estereótipos propriamente ditos, como parecia ocorrer uma supervalorização da magnitude
da valorização dos estereótipos.
Um dos aspectos mais característicos das críticas apresentadas por Brigham aos
estudos sobre os estereótipos anteriores à década de 70 referia-se a ausência de qualquer
consideração sobre os processos psicológicos envolvidos na aplicação dos estereótipos.
Note-se que as mudanças clamadas por Brigham no início da década de setenta apenas
vieram a se consubstanciar decisivamente nas duas últimas décadas. Em meados dos anos
oitenta Hamilton e Trolier (1986) apresentaram uma das definições mais conhecidas dos
estereótipos, que passaram a ser tratados como estruturas cognitivas, mais especificamente
como um tipo de estrutura que contém o conhecimento, as crenças e as expectativas do
percebedor em relação a algum grupo humano. Obviamente, tal definição supõe um certo
entendimento sócio-cognitivo e aponta para um nova direção de trabalho, uma vez que se
durante muitas décadas o principal interesse dos psicólogos sociais foi o de determinar os
conteúdos dos estereótipos, com o predomínio do modelo da cognição social essa
preocupação a cada dia se encaminhou em direção a uma tentativa de examinar os
processos através dos quais os estereótipos influenciam a percepção social, o julgamento e
o comportamento. De acordo com Sherman (1997), a ativação dos estereótipos pode afetar
a maior parte do processamento das informações sociais, incluindo a alocação da atenção,
a interpretação dos comportamentos, a elaboração de inferências, a busca de informações,
a seleção do tipo de informação a ser retirada da memória, assim como pode levar o
percebedor a procurar apenas as informações que confirmem os seus estereótipos, gerando
as profecias auto-realizadoras.
Esta distinção entre os estereótipos e o processo de estereotipização manifesta-se
claramente nas investigações atuais, podendo ser considerado um indício do impacto cada
vez mais nítido da abordagem da cognição social na psicologia social contemporânea.
Seguindo esta tendência, Leyens, Yzerbyt e Schadron (1994) consideraram os estereótipos
como crenças compartilhadas sobre os atributos pessoais, especialmente traços de
personalidade, como também sobre os comportamentos de um grupo de pessoas, enquanto
definiram a estereotipização como o processo de aplicar um julgamento estereotipado a um
indivíduo de forma a apresentá-lo como tendo traços intercambiáveis com outros membros
de uma mesma categoria.
Ao discutirem os processos automáticos e os controlados envolvidos nas relações
entre os estereótipos e as atitudes Nesdale e Durkin (1998) definiram os estereótipos como
generalizações feitas por um grupo de pessoas a respeito dos atributos e do comportamento
de outros grupos de pessoas, considerando-os como produtos inevitáveis dos processos
adaptativos utilizados pelos indivíduos para simplificar e organizar as inumeráveis
informações encontradas no ambiente social. Nesta mesma linha, a última edição de um
tradicional manual de psicologia define os estereótipos como crenças generalizadas,
inacuradas ou resistentes a novas informações sobre os atributos pessoais de um grupo de
pessoas, cuja função seria a de simplificar a maneira pela qual o mundo é interpretado
(Myers, 1999).
Caracterização dos estereótipos
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De acordo com Eagly e Steffen (1984), poder-se-ia utilizar os termos agêntico e comunal para se referir aos
comportamentos tipicamente atribuídos a homens e mulheres, respectivamente, uma vez que as mulheres
tradicionalmente são vistas desempenhando as funções de dona de casa, enquanto o homem tradicionalmente
é visto como aquele que trabalha fora para suprir as necessidades financeiras da família.
ponto de vista a abordagem da sócio-cultural tornou-se sujeita a dois tipos de argumentos
críticos. Em primeiro lugar, ao aderir à suposição de que os estereótipos são aprendidos da
mesma forma que qualquer outro tipo de conhecimento (ou seja, através da observação) e
que eles refletem objetivamente os elementos presentes na realidade, esta perspectiva
negligencia a tendência quase universal a se denegrir a imagem dos grupos externos, uma
vez que se os estereótipos efetivamente retratassem diferenças reais ou quase reais entre os
grupos, poder-se-ia identificar facilmente tanto os atributos positivos quanto os negativos
dos grupos. A segunda crítica refere-se desinteresse quase completo da abordagem sócio-
cultural pelo poder explanatório e racionalizador dos estereótipos e sugere que, mais do
que um pálido retrato da realidade social, os estereótipos deveriam ser entendidos como
ficções que cumprem a função social de justificar a divisão sexual do trabalho (Hoffman &
Hurst, 1990).
Estereótipos enquanto estruturas cognitivas
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A partir de tal distinção é possível afirmar, por exemplo, que uma dada pessoa pode ter representações
acerca de um determinado grupo social arnazenadas em dois sistemas de memória distintos. Alguém pode ter
uma representação dos leões de chácara como um grupo social constituído por indivíduos extremamente
fortes e agressivos. Esta representação pode ser evocada sob diferentes circunstâncias. Em determinadas
ocasiões é possível se lembrar de exemplares concretos de leões de chácara que agiram de forma agressiva e
que eram muito fortes. Neste caso, o que se buscou na memória foram os exemplos particulares de indivíduos
que se adequavam ao rótulo. Pode ser, no entanto, que a pessoa passe algum tempo sem ir a ambientes em
que sejam encontrados leões de chácara e que, embora a pessoa não se lembre de qualquer circunstância
particular em que os leões de chácara se mostraram fortes e agressivos, é capaz de representá-los desta forma
através do uso de esquemas ou protótipos.
estereótipos sobre os grupos. Uma vez formadas, tais representações constituiriam a base
para o posterior processamento dos estereótipos. Em conseqüência dessa formulação,
pode-se afirmar que os estereótipos baseados em exemplares manifestam-se enquanto não
se forma uma representação abstrata dos mesmos. Assim que isso acontece, no entanto, o
processamento dos estereótipos pode prescindir e ocorre independentemente dos
exemplares armazenados na memória.
Os estereótipos e o processamento da informação