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Laboratório de Psicologia Cognitiva e Social - UFJF

Universidade Federal de Juiz de Fora - Instituto de Ciências Humanas e Letras -


Departamento de Psicologia

Valorizar a si e desvalorizar aos outros: distorções perceptuais e de julgamento

Seria possível explicar esta tendência de valorizar o próprio grupo e ao mesmo


tempo depreciar aos outros grupos? As explicações psicossociológicas para esta questão
inicialmente apontavam duas soluções distintas, uma voltada para um plano mais
individualista e a segunda característica de uma posição contextual. Um dos primeiros
trabalhos ligados à vertente individualista a analisar de forma mais sistemática esta questão
foi realizado sob os auspícios da chamada teoria da personalidade autoritária (Adorno,
Frenkel-Brunswik, Levinson & Sanford, 1950). A ênfase desta concepção enfatiza a
estrutura do caráter do indivíduo, em especial o conflito entre os impulsos sexuais e
agressivos e os mecanismos de recalcamento ou repressão social. O caráter autoritário de
algumas pessoas decorreria do estilo de socialização adotado por pais de classes
trabalhadoras que, desejosos de verem os filhos ascenderem socialmente até alcançar a
classe média, passariam a impor uma visão idealizada de como deveriam ser as relações
sociais, levando os filhos a se tornarem seres submissos, conformistas e obedientes.
Entretanto, em decorrência da impossibilidade de um recalque total dos impulsos, dada a
dinâmica característica dos processos inconscientes, o recalcado retornaria sob a forma de
impulsos inconscientes dirigidos aos outros grupos, caracterizados ora como muito
agressivos ora como sexualizados em demasia. Uma versão mais recente da concepção
individualista das relações entre os grupos manifesta-se no denominado modelo
dissociacionista (Devine, 1989). O ponto de partida desta concepção é a adesão à suposição
inicialmente postulada pelos defensores da teoria do racismo sutil de que os níveis reais de
intolerância e de preconceito entre os grupos são bem maiores do que os expressos de
forma manifesta ou catalogados através dos instrumentos de pesquisa psicossociológica.
De uma forma semelhante à teoria da personalidade autoritária, o modelo dissociacionista
também enfatiza o conflito entre os esforços conscientes da pessoa e as forças
inconscientes incontroláveis, mas aqui a oposição manifestar-se-ia entre os estereótipos
que seriam disseminados através da cultura ainda em uma idade bastante tenra, impossíveis
como tais de serem submetidos a uma avaliação crítica, e as crenças pessoais
desenvolvidas em uma etapa ulterior do desenvolvimento. Em decorrência da maneira pela
qual as crenças são aprendidas e interiorizadas, as culturais através de encontros ou
situações repetitivas, e as pessoais, menos praticadas, manifestar-se-iam dois tipos de
processos psicológicos, um ativado automaticamente, característico das crenças
culturalmente disseminadas e o outro não automático, resultante de um certo esforço
reflexivo. A forma particular pela qual o indivíduo se defrontaria com este conflito entre as
crenças pessoais e as culturalmente disseminadas expressar-se-ia em uma tipologia capaz
de diferenciar dois estilos de indivíduo. No caso das pessoas com um nível de preconceito
baixo, quando da ativação automática dos estereótipos, haveria a possibilidade de controle
das respostas subsequentes, uma vez que a presença de padrões morais mais elevados, bem
como as crenças e os valores pessoais igualitários, inibiria a aplicação dos estereótipos. No
entanto, como este controle seria impossível de ser alcançado em todas as circunstâncias,
manifestar-se-ia um sentimento de culpa que terminaria por levar a pessoa a adotar padrões
de conduta mais compatíveis com os valores igualitários internalizados. Por outro lado, no
caso das pessoas com alto nível de preconceito, o conflito entre as crenças culturais e as
pessoais seria de proporção mais modesta, uma vez que não seria possível detectar a
presença de valores ou crenças pessoais dignas de nota e que fossem capazes de impedir os
excessos na aplicação dos estereótipos. Assim, nas circunstâncias em que se manifestassem
discrepâncias entre os padrões morais e as crenças culturalmente compartilhadas, ocorreria
uma externalização do conflito psicológico, fazendo com que o alvo do preconceito e os
seus simpatizadores fossem os objetos da raiva externalizada.
A segunda perspectiva a ser considerada quando se procura determinar a maneira
pela qual os grupos se percebem mutuamente insere-se dentro de uma tendência que
poderia ser caracterizada como contextual. Esta concepção dedica uma especial atenção ao
conceito de categorização social, entendido como a aplicação de rótulos verbais a
exemplares ou aos representantes de um determinado grupo social. Gordon Allport, um dos
primeiros a se interessar pelo estudo sistemático do processo de categorização, reconhece
que qualquer pessoa inevitavelmente tende a categorizar quem lhe é apresentado, uma vez
que tal estratégia possibilita a tomada rápida de decisões pertinentes à situação em questão.
A característica básica do processo de categorização envolve a formação de classes, as
categorias, que são os elementos que guiam as atividades diárias das pessoas. Através das
categorias as pessoas são capazes de identificar de uma forma bastante rápida os objetos a
elas relacionadas, impondo aos seus conteúdos uma série de processos ideacionais e
emocionais, de onde se depreende que as categoriais não são inteiramente criadas a partir
de critérios racionais. Se dois ou mais objetos forem tratados como pertencentes a uma
mesma classe, as diferenças entre eles serão consideradas muito menos marcantes que as
semelhanças que eles porventura carreguem. Contudo, para Allport seria importante tomar
um certo cuidado em relação a este conceito, pois embora possa ser encontrada uma certa
clareza na categorização dos objetos físicos, o mesmo não ocorre no caso dos estímulos
sociais. Nesse último caso, a categorização dependeria da presença daquilo que tem sido
denominado de protótipos, uma vez aceita a tese de que toda vez que se inclui um
indivíduo em uma dada categoria, presume-se que seja efetuada uma comparação de
fatores, estabelecendo-se um contraste entre o exemplar presente na situação e o exemplo
mais típico da categoria (o protótipo), decidindo-se sobre a inclusão ou não do objeto na
categoria a partir do grau de semelhança entre os dois, de forma que os exemplares altos
em prototipicidade para uma dada categoria sejam mais prontamente classificados e
aprendidos, tornando-se mais facilmente disponíveis para as futuras operações mentais.
Pode-se afirmar, portanto, que se alguém situar os objetos em determinadas categorias,
acabará se fazendo presente uma forte tendência no sentido de que o processamento da
informação se fundamente nas similaridades entre os componentes do seu próprio grupo e
nas suas diferenças em relação aos objetos que pertencem às categoriais externas,
podendo-se afirmar, então, que a assimilação perceptual e o contraste ajudariam a formar
uma base de similaridade entre os membros de uma dada categoria. A assimilação
perceptual tenderia a superestimar o grau de semelhança entre os objetos que pertencem a
uma categoria, levando a formação de uma forte tendência a se considerar as semelhanças
entre os membros daquela categoria maior que a apontada pela realidade. O mecanismo do
contraste, ao contrário, procuraria acentuar as próprias diferenças em relação aos
elementos que pertencem aos grupos externos.
Tomando como ponto de partida a noção de categorização inicialmente
desenvolvida por Allport, o psicólogo Henri Tajfel considerou sistematicamente as
estratégias adotadas para diferenciar o próprio grupo ( nós; o ingroup) dos grupos externos
(eles; o outgroup). A suposição básica sugeria um claro favorecimento do próprio grupo e
uma correlata rejeição dos grupos externos, levando o preconceito a ser visto como o
resultado de uma estratégia psicossocial adotada com a finalidade de alcançar uma
identidade social positiva com o ingroup, tomando como parâmetro os valores negativos
atribuídos ao outgroup (Tajfel, 1981). As conseqüências desta estratégia são as mesmas já
apontadas no trabalho de Allport, ou seja, a minimiza-se as diferenças intragrupais,
passando-se a considerar todos os indivíduos do outgroup como iguais, enquanto se
maximiza as diferenças intergrupais, de forma que se passa a admitir que os membros do
outgroup são bastante diferentes daqueles do ingroup.
Durante os anos 70 e 80 as diversas teorias sobre a categorização confluíram no
sentido de admitir que os estereótipos deveriam ser considerados como produtos
inevitáveis nas interações sociais, passando a ser vistos como elementos constitutivos dos
processos cognitivos comuns. As suposições básicas se encaminhavam no sentido de
admitir que as pessoas deveriam ser consideradas como econômicas no plano cognitivo,
uma vez que os limitados recursos cognitivos, aliados à complexidade inerente aos
diversos fatores e elementos constitutivos do ambiente social, acabaria por levar a pessoa a
lidar com e a interpretar o mundo a partir dos escassos recursos cognitivos disponíveis.
Este princípio geral exprimiu-se através da concepção de categorização desenvolvida por
Taylor (1981), onde se sugere que a categorização exerce o seu efeito através da rotulação
das informações, levando em conta indicadores físicos e sociais, tais como a etnia ou o
gênero, ao minimizar as diferenças intragrupais e maximizar as intergrupais, levando os
comportamentos dos membros dos diversos grupos sociais a serem interpretadas de uma
forma estereotipada. Como conseqüência deste processo, manifestar-se-ia uma forte
tendência não só de identificar de forma mais nítida as distinções entre as pessoas dos
vários grupos, como também uma certa intensificação no processo de estereotipização do
comportamento dos outros, embora a familiaridade pudesse vir a exercer um duplo efeito,
tanto em relação à possibilidade de se identificar um número maior de traços distintivos,
quanto a se formar de um número substancial de subtipos.
Tajfel, em um trabalho amplamente citado, evidenciou que o simples fato de alocar
as pessoas em grupos, por mais banal e insignificante que fosse o critério, seria suficiente
para que elas passassem de imediato a privilegiar aquelas do próprio grupo e a
desfavorecer aquelas que pertencem ao outro grupo. Uma série de trabalhos se
encarregaram de popularizar esta concepção, denominada como paradigma do mínimo
grupo. O ponto de partida desta abordagem parece ter sido a teoria realística do conflito,
desenvolvida inicialmente por Sheriff (Sheriff, Harvey, White, Hood & Sherif, 1961), em
que se sustentava o argumento de que a competição por recursos escassos pode levar a
discriminação e favorecer o desenvolvimento de relações de natureza antagônica entre os
grupos, mas que se forem criadas condições que propiciem a interdependência positiva
entre os grupos, poder-se-ia esperar a formação de atitudes mais positivas, assim como
comportamentos menos discriminatórios entre os membros dos vários grupos. Desde a sua
origem, esta teoria, apesar de ter obtido um amplo suporte empírico (Jackson, 1992),
parece falhar em um ponto essencial: não se pode admitir que o conflito de interesses entre
os grupos deve ser uma condição absolutamente necessária e indispensável para o
surgimento dos preconceitos e da discriminação intergrupal. Uma forma clara de
evidenciar os limites da teoria realística do conflito é conceber um delineamento de
pesquisa em que as relações entre os membros dos grupos se manifestem em um “vazio
social” 1. As pesquisas desenvolvidas de acordo com este paradigma apresentaram
evidências empíricas que se contrapunham claramente à teoria realística do conflito ao
demonstrar que a mera formação de dois grupos, mesmo quando realizada a partir de
critérios arbitrários ou triviais ( por exemplo, preferência pelas pinturas de Klee ou

1
Tajfel e Turner (1979) apresentaram os requisitos necessários para consecução deste objetivo: a) os
membros de dois grupos constituídos de forma arbitrária deveriam alocar recursos para membros anônimos
do ingroup e do outgroup; b) não deveria existir qualquer história prévia de relacionamentos entre os
membros dos grupos; c) não deveria existir qualquer forma de relacionamento, seja intra ou intergrupal, entre
os membros dos dois grupos; e d) não deveria existir qualquer vínculo instrumental entre as respostas dos
participantes e os seus interesses pessoais.
Kandinsky; sensibilidade ao azul ou ao verde; introversão ou extroversão; raciocínio
analítico ou holístico) seria suficiente para gerar as categorias do ingroup e outgroup
(Simon, 1997) e dois grandes viéses: 1) a avaliação mais positiva dos membros do ingroup
quando comparada a dos membros do outgroup e 2) uma maior alocação de recursos para
os membros do ingroup quando comparada com o outgroup. Além destes dois viéses,
constatou-se também a tendência dos membros de um determinado grupo a estruturar ou
modificar os seus processos cognitivos de uma forma tal que levava facilmente ao
surgimento de viéses capazes de levar os membros do outgroup a serem percebidos de uma
forma mais homogênea do que os membros do ingroup, como também de desvalorizar a
informação capaz de favorecer distinções mais precisas entre os membros do outgroup
(Bourhis, Turner & Gagnon, 1997).
Se, afinal, por ínfima que seja a configuração dos grupos, estes fenômenos
psicológicos se evidenciam, é praticamente impossível não se admitir que alguns
antecedentes psicológicos devem ser considerados. A ampliação do alcance desses
mecanismos e a tentativa de utilizá-los como critério de explicação dos comportamentos
intergrupais e coletivos impõem a aceitação da noção de que esta distorção no
processamento de informação tende a facilitar o surgimento dos estereótipos, além de
favorecer a aparição de atitudes negativas e a assunção de expectativas impróprias em
relação ao grupo objeto da avaliação. Em decorrência da presença dessas atitudes e
expectativas, manifesta-se fortemente a possibilidade dos membros do grupo externo
estarem sujeitos a um processo de desumanização, o que tornaria ainda mais difícil a
erradicação dos preconceitos (Stephen, op. cit.). Foi observado que a diferenciação entre
in-groups e out-groups não só promove o preconceito, como também pode ser
responsabilizada pela manifestação de comportamentos discriminatórios em relação a
indivíduos dos grupos externos.
O problema da definição: estereótipos e estereotipização
Fica claro pelo comentário apresentado no parágrafo anterior a necessidade de se
definir os estereótipos, diferenciando-os dos conceitos de preconceito e discriminação.
Esta, entretanto, não é uma tarefa fácil, pois, como afirmou Miller (1982), parecem existir
tantas definições de estereótipos quanto o número de autores dedicados ao estudo do tema.
Algumas definições são bastante abrangentes, igualando os estereótipos aos mitos, lendas
ou ao folclore, enquanto outras são mais restritas, definindo-os como grupos de adjetivos
comumente associados aos grupos sociais (Hamilton, Strossner & Driscoll, 1994).
No plano etimológico, o termo ‘estereótipo’ é formado por duas palavras gregas,
stereos, que significa rígido, e túpos, que significa traço. No plano histórico, a psiquiatria
do século XIX utilizava a palavra ‘estereotipia’ para se referir à repetição mecânica e
freqüente de um mesmo gesto, postura ou fala em pacientes que sofriam de dementia
praecox (Leyens, Yzerbyt & Schadron, 1994), embora considerações históricas sugiram
explicitamente que a palavra ‘estereótipo’ origina-se do jargão tipográfico, referindo-se a
um molde metálico utilizado nas oficinas tipográficas, que se destacava pela possibilidade
de produzir uma mesma impressão milhares de vezes, sem precisar ser substituído. Como
Harding (1968) assinalou, daí surgiu, por analogia, o adjetivo estereótipo para indicar algo
que poderia ser repetido mecanicamente. Por essa via, o termo chegou às ciências sociais e
tem sido utilizado para fazer referência à imagem por demais generalizada que se possui de
um grupo ou dos indivíduos que pertencem a um grupo.
Tais considerações, no entanto, são genéricas demais para que possam ser úteis em
um trabalho de natureza científica. Ao apresentar a revisão teórica das pesquisas
desenvolvidas sobre os estereótipos étnicos nas décadas anteriores, Brigham (1971)
sustentou que passados quase cinqüenta anos da introdução do termo na literatura
especializada e apesar do mesmo ter sido considerado de fundamental importância na
pesquisa sobre as atitudes étnicas, os preconceitos, a percepção e os conflitos intergrupais,
os estudiosos não haviam conseguido chegar a qualquer acordo a respeito da função
desempenhada pelos estereótipos na percepção e no comportamento social. Qual a origem
desses problemas, tão tardiamente reconhecidos? Possivelmente, uma parte deles poderia
ser atribuído à definição do conceito apresentado no trabalho germinal de Walter Lippman
e a outra parte ao modelo de investigação, posteriormente inaugurado por Katz e Braly.
Na fase inicial das investigações, em especial devido às contribuições de Lippman,
os estereótipos foram consideradas como fotografias que as pessoas carregavam dentro da
cabeça. Ora, se a percepção que as pessoas tem dos outros grupos é construída através da
articulação entre as impressões sensoriais imediatas objetivas e o resto que foi acumulado
“ na cabeça” durante anos, nada mais natural do que conceber os estereótipos como os
próprios elementos pré-existentes ou acumulados (Klineberg, 1963). Apesar das suas
evidentes deficiências, esta concepção permaneceu servindo como referência básica de
investigação durante mais de uma década, até a publicação em 1933, por Katz e Braly, do
primeiro trabalho de natureza empírica sobre o assunto. Nesta investigação, que serviu de
modelo para um sem número de outros estudos, os autores solicitaram a cem estudantes da
Universidade de Princeton que listassem uma série de traços que consideravam mais
característicos para representar dez grupos étnicos: negros, alemães, judeus, italianos,
ingleses, irlandeses, americanos, japoneses, chineses e turcos. Delimitados oitenta e quatro
desses traços, os participantes do estudo foram solicitados a indicar, a partir de uma
listagem posteriormente apresentada, os cinco traços que poderiam ser considerados os
mais representativos de cada etnia. Observou-se uma forte concordância quanto à
atribuição de alguns traços a determinados grupos étnicos e os autores consideraram que
estes resultados retratariam uma espécie de atitude falaciosa dos participantes do estudo em
relação aos membros dos grupos étnicos avaliados (Brigham, 1971). Avaliou-se que apesar
do consenso a respeito dos traços atribuídos aos diferentes grupos étnicos não serem
destituídos de um significado sociológico ou estatístico, eles dizem muito pouco não
apenas sobre os estereótipos propriamente ditos, assim como sobre o processo de
atribuição de estereótipos. Contribuiriam para esta situação uma série de fatores, em
especial a fraqueza metodológica do paradigma de pesquisa, que tornava a interpretação
do resultados muito insatisfatória, pois estes eram vistos muito mais como uma
conseqüência da metodologia utilizada do que como traços a serem efetivamente atribuídos
aos vários grupos étnicos, além de se suspeitar não só de que os resultados obtidos nestes
estudos mensuravam apenas o compartilhamento de determinadas opiniões sociais e não os
estereótipos propriamente ditos, como parecia ocorrer uma supervalorização da magnitude
da valorização dos estereótipos.
Um dos aspectos mais característicos das críticas apresentadas por Brigham aos
estudos sobre os estereótipos anteriores à década de 70 referia-se a ausência de qualquer
consideração sobre os processos psicológicos envolvidos na aplicação dos estereótipos.
Note-se que as mudanças clamadas por Brigham no início da década de setenta apenas
vieram a se consubstanciar decisivamente nas duas últimas décadas. Em meados dos anos
oitenta Hamilton e Trolier (1986) apresentaram uma das definições mais conhecidas dos
estereótipos, que passaram a ser tratados como estruturas cognitivas, mais especificamente
como um tipo de estrutura que contém o conhecimento, as crenças e as expectativas do
percebedor em relação a algum grupo humano. Obviamente, tal definição supõe um certo
entendimento sócio-cognitivo e aponta para um nova direção de trabalho, uma vez que se
durante muitas décadas o principal interesse dos psicólogos sociais foi o de determinar os
conteúdos dos estereótipos, com o predomínio do modelo da cognição social essa
preocupação a cada dia se encaminhou em direção a uma tentativa de examinar os
processos através dos quais os estereótipos influenciam a percepção social, o julgamento e
o comportamento. De acordo com Sherman (1997), a ativação dos estereótipos pode afetar
a maior parte do processamento das informações sociais, incluindo a alocação da atenção,
a interpretação dos comportamentos, a elaboração de inferências, a busca de informações,
a seleção do tipo de informação a ser retirada da memória, assim como pode levar o
percebedor a procurar apenas as informações que confirmem os seus estereótipos, gerando
as profecias auto-realizadoras.
Esta distinção entre os estereótipos e o processo de estereotipização manifesta-se
claramente nas investigações atuais, podendo ser considerado um indício do impacto cada
vez mais nítido da abordagem da cognição social na psicologia social contemporânea.
Seguindo esta tendência, Leyens, Yzerbyt e Schadron (1994) consideraram os estereótipos
como crenças compartilhadas sobre os atributos pessoais, especialmente traços de
personalidade, como também sobre os comportamentos de um grupo de pessoas, enquanto
definiram a estereotipização como o processo de aplicar um julgamento estereotipado a um
indivíduo de forma a apresentá-lo como tendo traços intercambiáveis com outros membros
de uma mesma categoria.
Ao discutirem os processos automáticos e os controlados envolvidos nas relações
entre os estereótipos e as atitudes Nesdale e Durkin (1998) definiram os estereótipos como
generalizações feitas por um grupo de pessoas a respeito dos atributos e do comportamento
de outros grupos de pessoas, considerando-os como produtos inevitáveis dos processos
adaptativos utilizados pelos indivíduos para simplificar e organizar as inumeráveis
informações encontradas no ambiente social. Nesta mesma linha, a última edição de um
tradicional manual de psicologia define os estereótipos como crenças generalizadas,
inacuradas ou resistentes a novas informações sobre os atributos pessoais de um grupo de
pessoas, cuja função seria a de simplificar a maneira pela qual o mundo é interpretado
(Myers, 1999).
Caracterização dos estereótipos

Decerto que os estereótipos ocupam um lugar significativo na preocupação dos


psicólogos sociais e um indicativo da importância atribuída ao tema foi a publicação de um
capítulo sobre o assunto em uma das últimas edições do Annual Review of Psychology.
Nessa revisão, Hilton e von Hippel (1996) reconhecem tanto o crescente interesse
despertado na literatura especializada, como também indicam o predomínio de uma
preocupação em se determinar os fatores cognitivos e motivacionais que contribuem para a
formação, a manutenção, a aplicação e a mudança dos estereótipos. O ponto de partida
dessas considerações foi o reconhecimento de que os estereótipos emergem em diferentes
tipos de contextos, cumprindo uma série de funções relacionadas às características
particulares de sua emergência: respostas a fatores ambientais, como nas situações de
conflitos grupais e nas diferenças no poder e nos papéis sociais; justificar o status quo; e,
responder às necessidades da identidade social.
Ora, se os estereótipos cumprem uma série de funções socialmente demarcadas, é
perfeitamente natural supor que eles devam ser caracterizados a partir de uma perspectiva
multidimensional. Dentre os fatores mais significativos para a caracterização dos
estereótipos, pode-se destacar a o consenso, a homogeneidade, a distintividade e os fatores
descritivos e avaliativos (Leyens et al., 1994). A natureza consensual dos estereótipos
parece ser um fator característico na sua definição desde os primeiros trabalhos dedicados
ao tema, embora sejam encontradas muitas divergências a respeito da necessidade de se
incluir esta característica na definição dos estereótipos. Adere-se aqui ao pressuposto de
que o processo de estereotipização é estritamente individual, enquanto que os estereótipos
podem ser considerados como produtos compartilhados amplamente no interior de um
grupo social. Neste sentido, pode-se imaginar que os estereótipos disponíveis no Brasil
sobre os portugueses se evidenciam apenas na medida em que eles forem amplamente
compartilhados pela população, apesar do processo de ativação e aplicação dos
estereótipos ser inteiramente individual. Além do elemento consensual, parece aceitável a
admissão de uma certa homogeneidade na atribuição das características dos alvos dos
estereótipos. Desta forma, os portugueses, enquanto alvo de avaliações estereótipadas,
serão considerados como portadores de uma série de traços comuns, capazes de servirem
como critérios para a atribuição do estereótipo. Consequentemente, se um grupo possuir
traços suficientes para que seja visto como homogêneo, pode-se argumentar que
diferenciá-lo de outros grupos não deve ser uma tarefa difícil. Esta terceira característica
dos estereótipos, a distintividade, oferece o suporte para considerar, por exemplo, que os
portugueses enquanto grupo social são diferentes dos alemães, americanos ou japoneses.
Enfim, a caracterização dos estereótipos exige que se faça referência aos seus elementos
descritivos e avaliativos. Os estereótipos, como visto até aqui, têm sido amplamente
utilizado para descrever os comportamentos e os traços de um determinado grupo social.
Além disso, os estereótipos sobre os grupos podem ser positivos ou negativos (por
exemplo, o paulista trabalhador e o baiano preguiçoso ou então o baiano festeiro e o
paulista arrogante). Apesar dos estereótipos não poderem ser igualados aos preconceitos,
pode-se dizer que eles carregam um forte componente avaliativo que não deve ser
desprezado.
Este elemento avaliativo permite a introdução de um outro conjunto de questões a
respeito da caracterização dos estereótipos. Observe-se que tradicionalmente os
estereótipos, sejam entendidos como imagens mentais ou como processos cognitivos, são
considerados sempre sob a perspectiva daquele que percebe. Ocorre que os estereótipos
também devem ser avaliados segundo a perspectiva daqueles que são vistos de forma
estereotipada. Considere-se, por exemplo, o carioca que é visto como malandro, o japonês
como portador de um órgão sexual minúsculo, o português como burro, o judeu como
excessivamente econômico e por aí afora. Se estas crenças estereotipadas forem
amplamente compartilhadas e se forem suficientemente significativas para gerarem
atitudes negativas ou preconceitos, assim como padrões discriminativos de
comportamento, certamente os estereótipos devem ser considerados como algo mais do
que simples imagens mentais. Neste sentido, parece acertada a admissão da existência de
duas perspectivas distintas para se tratar os estereótipos. Na primeira delas, eles são
considerados como estruturas que podem ser representadas dentro das mentes individuais,
enquanto na segunda perspectiva eles devem ser representados como elementos inerentes a
própria sociedade, sendo amplamente compartilhados pelas pessoas que convivem no
interior de uma mesma cultura (Stangor & Schaller, 1996). Em linhas gerais, esta distinção
deve ser considerada a partir de um plano em que a noção de consenso ocupa um lugar
decisivo, onde a perspectiva individualista se preocupa sobretudo como significado dos
estereótipos para o indivíduo, desconsiderando a natureza compartilhada das crenças,
enquanto a visão contextualista enfatiza as crenças sociais compartilhadas e o seu papel na
vida em sociedade.
De acordo com a noção individualista, cuja preocupação volta-se para um nível de
análise micro, intrapessoal, as crenças estereotipadas surgem com a passagem do tempo e
com as repetidas experiências entre membros dos diversos grupos, influenciando as
respostas que serão apresentadas em futuros encontros com os indivíduos do grupo alvo
dos estereótipos. Tais considerações vinculam decisivamente os estereótipos à percepção
social, dado que se aceita a suposição de que a informação percebida deve ser interpretada,
codificada, armazenada e retirada da memória e que em todas estas instâncias podem se
fazer presentes mecanismos de distorção perceptual. Suspeita-se, ainda, que os estereótipos
são aprendidos e modificados através dos contatos diretos entre os membros dos diversos
grupos sociais e consequentemente que os contatos intergrupais devem ser os principais
recursos para a modificação dos estereótipos. Em um plano macroanalítico ou social, os
estereótipos são considerados como crenças compartilhadas. A sociedade, neste caso, é
considerada o repositório onde as crenças são armazenadas e os estereótipos passam a ser
considerados como a informação pública compartilhada pela ampla maioria dos membros
da sociedade a respeito de alguns grupos sociais, representando, portanto, o conhecimento
coletivo de uma sociedade. Assim, na medida em que estas crenças compartilhadas geram
efeitos consideráveis na manifestação dos comportamentos sociais, é impossível de não
serem levadas em consideração quando se procura alcançar um conhecimento mais amplo
acerca dos processos de estereotipização. Em relação ao modo pelo qual os estereótipos
são aprendidos, transmitidas e modificados, a suposição básica aceita por esta perspectiva é
a de que as crenças compartilhadas são transmitidas e reforçadas pela intervenção dos pais,
amigos, professores em um plano mais interindividual e pelos meios de comunicação de
massa em uma perspectiva mais ampla. Como a transmissão dos estereótipos deve
envolver algum tipo de comunicação, a linguagem ocupa um papel fundamental na
representação dos estereótipos, pois não só é impossível se transmitir um estereótipo sem
usar a linguagem, como também não se pode pensar na criação e mudança dos estereótipos
sem se levar em conta o papel da comunicação. Além do mais, é importante assinalar que
uma das características mais instigantes dos estereótipos é o uso de recursos lingüísticos
especializados com a finalidade avaliar os grupos, como se observa quando, por exemplo,
utiliza-se em algumas situações a palavra homossexual para se referir a um dado grupo
social e em outras os termos viado, boiola ou bicha, dado que nestes últimos exemplos a
utilização do estereótipo é muito mais poderosa, ocupando uma posição decisiva no
sistema de armazenamento transpessoal da linguagem (Stangor & Schaller, op. cit.). Na
medida que nas sociedades modernas os estereótipos, juntos com os demais conteúdos
informacionais, avaliativos e valorativos são transmitidos através dos meios de
comunicação de massas pode-se imaginar que eles atingem a milhões ou mesmo bilhões de
pessoas, levando a constituição lenta e inexorável do que poderia ser denominado de
repertório coletivo dos estereótipos. Além da linguagem e dos meios de comunicação de
massa, a abordagem contextualista enfatiza o influência das normas e dos papéis sociais na
manifestação dos estereótipos, uma vez que a simples existência de um estereótipo a
respeito de um grupo já parece ser suficiente para fazer com se espere algo dos membros
do grupo estereotipado e tais expectativas irão determinar não só os comportamentos dos
membros do grupo estereotipado, como também os padrões de comportamento que devem
apropriados quando se realizam encontros com os membros daquele grupo.
Os estereótipos: bases para o preconceito e para a discriminação

Deixando um pouco de lado a definição e a caracterização dos estereótipos, pode-se


dizer que a noção de preconceito diferencia-se da de discriminação no sentido em que o
primeiro diz respeito a uma atitude negativa em relação a um grupo social ou minoritário,
enquanto o conceito de discriminação sugere um comportamento manifesto, referindo-se a
padrões de preferência e a rejeição de indivíduos de determinados grupos durante a
interação social. Pode-se diferenciar os preconceitos raciais dos étnicos. No primeiro caso,
o termo ‘racial’, embora seja bastante contestado e com uma certa freqüência convidado a
abandonar os domínios das ciências sociais, procura descrever a pessoa a partir de alguns
traços físicos comuns, recebidos pela via genética, enquanto o termo étnico aplica-se não
só a raças, mas também a grandes agrupamentos de pessoas classificadas levando-se em
conta traços e costumes comuns. Assim, o preconceito étnico pode se manifestar não só em
relação a nacionalidades (os brasileiros, os portugueses, os japoneses etc), como também
em relação a minorias (índios, negros, gaúchos, cariocas, alentejanos etc). Harding et al
(1967) definem um grupo étnico como um agrupamento de pessoas consideradas por si ou
por outro grupo como portador de um ou mais dos seguintes traços: a) religião; b) origem
racial; c) origem nacional; e d) língua e tradições culturais. De acordo com essa definição,
a atitude relativa aos grupos étnicos seria determinada pelo grau de conhecimento real ou
presumido que estas pessoas teriam a respeito dos membros desse grupo.
Apesar de alguns autores sustentarem que o preconceito e a discriminação andam
sempre juntos, na prática a situação é um pouco mais complexa, dado que o
relacionamento entre esses termos pode comportar quatro possibilidades lógicas distintas.
As duas primeiras envolvem uma relação marcada pela congruência. No primeiro caso,
pode ser que uma dada pessoa possua atitudes negativas e preconceituosas em relação a um
determinado grupo e apresente, concomitantemente, um comportamento intencionalmente
discriminatório em relação às pessoas desse grupo. A segunda possibilidade também é
congruente, ainda que na direção inversa. Aqui uma pessoa pode ser desprovida de
preconceitos em relação a determinados grupos e não apresentar qualquer comportamento
discriminatório em relação às pessoas desse grupo. A terceira possibilidade é
qualitativamente distinta das duas primeiras. Nesse caso, uma pessoa pode não incorporar
qualquer preconceito em relação às pessoas de um dado grupo étnico, mas pode, sem
qualquer intenção evidente, agir de maneira discriminatória em relação a alguém desse
grupo. Finalmente, uma última possibilidade nas relações entre o preconceito e a
discriminação é a de que a pessoa possa ser extremamente preconceituosa em relação a um
determinado grupo étnico, mas que não encontre os meios ou as condições que lhe
permitam vir a manifestar comportamentos discriminatórios.
A formação dos preconceitos é um assunto que tem preocupado bastante aos
psicólogos sociais, que mesmo sendo capazes de detectar a importância dos fatores
cognitivos, sociais e culturais na formação dos mesmos, reconhecem quão difícil é a tarefa
de debelá-los. De fato, considerando que o desenvolvimento das atitudes pessoais em
relação aos diferentes grupos étnicos se manifesta desde os primeiros anos e se desenvolve
por praticamente toda a vida, depreende-se a dificuldade para o combate dos estereótipos e
dos preconceitos. No entanto, algumas suposições têm sido levadas em consideração
quando se procura delimitar os meios ou recursos que seriam capazes de permitir a redução
dos preconceitos: a hipótese do contato, a hipótese da redução da ignorância e a hipótese
transculturalista. A hipótese do contato sustenta-se na afirmação de que se pessoas de
grupos diferentes passarem a estabelecer um número maior de contatos entre si, o grau de
preconceito conhecerá uma queda substancial. Tal hipótese parece receber um bom suporte
empírico, embora seja importante estar atento para o efeito de duas variáveis que exercem
um papel decisivo nessas circunstâncias: a situação em que ocorre o contato e as
características dos participantes, sobretudo o status relativo de cada um deles e as suas
habilidades particulares. Independente de tais restrições, pode-se admitir que a realização
de atividades cooperativas em grupos multiculturais produz mudanças em vários níveis,
incluindo-se aquelas relativas às atitudes quanto aos grupos externos, a intensificação do
comportamento de ajuda às pessoas do outro grupo étnico, a redução dos conflitos e um
acréscimo na participação de influenciação dos membros do grupo minoritário (Stephen,
1986). Entretanto, se estudos desta natureza tendem a depor a favor da viabilidade da
adoção dessa estratégia, outros indícios não permitem este otimismo, talvez exagerado:
muitas vezes a intensificação de contatos físicos pode acirrar os ânimos e levar à adoção de
comportamentos discriminatórios. Ao que parece, a hipótese mais plausível a se adotar em
relação a esta teoria é o reconhecimento de que não será o puro e simples contato, por si só,
que irá gerar transformações que possam levar à redução dos preconceitos, sendo
necessário, na maior parte das vezes, adotar estratégias de contato relativamente complexas
para que se possa obter algum sucesso na redução dos mesmos. Assim, independente da
aceitação ou não dessa perspectiva, é importante reconhecer a natureza complexa da
questão e adotar uma posição mais moderada em que se destaquem alguns pontos de
interesse teórico e empírico. As seguintes regras podem ser consideradas de importância
na organização dos contatos intergrupais: 1) é importante maximizar a cooperação e
minimizar a competição entre o grupos; 2) o status de todas as pessoas envolvidas deve ser
o mesmo, seja em relação à circunstância particular em que ocorre a tarefa, seja fora dela;
3) deve-se selecionar aqueles membros que possuam alguma similaridade em dimensões
tais como as crenças e valores; 4) diferenças significativas no campo das competências
individuais devem ser evitadas; 5) os resultados das atividades cooperativas devem ser
compartilhados por todos os grupos envolvidos; 6) deve-se oferecer um forte suporte
institucional durante as atividades; 7) os contatos intergrupais devem se expandir além dos
limites da situação em que as atividades forem desenvolvidas; 8) deve-se promover a
individualização de cada um dos componentes do grupo; 9) deve-se encorajar contatos
mais profundos, sustentados através de uma postura mais aberta para as diferenças em
relação ao outro grupo; 10) os contatos devem ser voluntários; 11) o contexto em que
ocorrem os contatos parece estar diretamente relacionado com a presença ou não de efeitos
positivos; 12) os contatos devem ocorrer em um número significativo de contextos e
envolver o maior número possível de participantes de todos os grupos; e 13) deve-se
utilizar um número semelhante de indivíduos em cada um dos grupos envolvidos no
contato (Stephen, op. cit.).
Uma outra hipótese relativa à possibilidade de superação dos preconceitos é a da
redução da ignorância. A idéia central contida nessa hipótese é a de que a ignorância é a
base dos preconceitos. Presume-se que se as pessoas vivem em um emaranhado de
concepções errôneas sobre as características físicas e psicológicas e sobre as tradições
culturais de uma determinada etnia, acabarão por perder a dimensão exata da realidade em
que vivem, adotando conseqüentemente um comportamento marcado pelos pressupostos
etnocêntricos. Pode-se afirmar que a hipótese da redução da ignorância justifica-se na
medida que em decorrência da complexidade inerente ao mundo físico e social e à carga de
informações a ser processada, as pessoas tendem a procurar a redução de seus temores e de
suas incertezas em relação aos grupos externos através da aplicação dos estereótipos.
Deriva-se daí a suposição de que o preconceito pode ser reduzido se forem fornecidas
informações objetivas que demonstrem as diferenças porventura existentes entre as
concepções estereotipadas existentes sobre as pessoas daquele grupo e aquelas que podem
ser consideradas aceitáveis quando se procura representar apropriadamente os atributos
físicos e culturais do grupo em questão. Embora possa ser admitida a suposição de que
muitas pré-concepções realmente absurdas possam ser derrubadas através da redução da
ignorância, persiste tanto o problema das pré-concepções que não seriam tão absurdas
assim, como também uma séria questão de ordem teórica: parece admissível que a mente
humana seja regida por uma certa tendência à parcimônia, o que gera a suposição correlata
de que modificar tendências já estabelecidas e cristalizadas devido a anos e anos de ação
dos processos de socialização não é uma tarefa simples. Uma alternativa distinta às
hipóteses do contato e a da redução da ignorância envolve uma mudança duradoura nas
atitudes das pessoas de uma dada sociedade. Trata-se de opor uma tendência relativista aos
valores etnocêntricos imperantes em praticamente todas as sociedades. Essa perspectiva
leva a dois percursos distintos, um psicológico, onde o objetivo principal é criação da
chamada identidade transcultural, enquanto o outro é mais social e enfatiza o
desenvolvimento de uma série de transformações que sejam capazes de levar a uma
mudança duradoura no plano das crenças, atitudes e valores apresentados por um grupo em
relação aos outros situados em um plano externo. Um exemplo da primeira orientação se
encontra nas considerações apresentadas por Krüger (1995) sobre a necessidade de
desenvolvimento de uma identidade transcultural nas situações em que se conhece uma
forte pressão no sentido da aceitação de um identidade étnica, em especial nas
circunstâncias em que esta é considerada um indicador da superioridade de um grupo
étnico sobre os demais. As justificativas para o desenvolvimento desse tipo de identidade
viriam de três planos distintos: a) um ontológico, pois independente da raça, cultura ou
quaisquer outras distinções os seres humanos pertencem a uma única e mesma espécie; b)
uma outra justificativa seria decorrente do Artigo I da Declaração Universal dos Direitos
do Homem (1948), que considera todos os homens iguais nos seus direitos; e c) finalmente,
uma justificativa de caráter moral, quando se considera as conseqüências negativas e as
perdas produzidas pela intolerância. Um exemplo da segunda orientação pode ser
observado no trabalho em que Schaff (1995) analisa as conseqüências da revolução
informática no plano das relações sociais, culturais e políticas. Dentre essas destaca-se a
hipótese do surgimento de um “homem universal”, tanto na sua formação global, alheio à
especialização marcante dos dias de hoje, quanto na sua libertação do “enclausuramento
em uma cultura nacional”. Considerando que à revolução da informação seguir-se-á um
extraordinário enriquecimento decorrente da automação da produção, Schaff sugere que
essa riqueza material será acompanhada por uma notável abundância de todos os tipos de
informação à disposição dos homens e que acabará por gerar uma ruptura decisiva no
isolamento dos indivíduos, proporcionando em conseqüência a libertação da alienação
observada nos dias atuais, onde todos encontram-se isolados em compartimentos
profissionais, nacionais e de classe.
O que se pode afirmar a partir dos comentários anteriores é que os preconceitos
retiram o seu poder e a sua força de um conjunto de idéias extremamente genéricas sobre
os grupos externos. Privilegie-se o favorecimento dos contatos, a demonstração de que as
idéias aceitas sobre um grupo social são absurdas, ou mesmo a criação de novos sistemas
de valores e de crenças, torna-se praticamente impossível deixar de declarar a importância
dos estereótipos na manifestação dos preconceitos e na eliciação de comportamentos
discriminatórios. Uma das formais mais marcantes de discriminação deriva-se do
etnocentrismo. A questão do etnocentrismo tem sido objeto de preocupação de muitos
investigadores do comportamento social. Berry & Kalin (1995) estudaram as atitudes
étnicas e multiculturais no Canadá, uma sociedade em que convive um número bastante
substantivo de agrupamentos étnicos. Um dos pressupostos básicos de muitas pesquisas
desenvolvidas neste país é o reconhecimento de que uma sociedade multicultural como a
canadense convive com (e deve procurar superar) uma série de problemas, através do
favorecimento de alguns valores fundamentais, dentre os quais devem ser destacadas a
necessidade de suportar intensamente o multiculturalismo como valor fundamental nas
relações entre os grupos, que é necessário lutar por uma redução significativa nos índices
de intolerância e de preconceito e pelo fomento de atitudes positivas entre os vários grupos
étnicos presentes na sociedade, mas de uma forma tal que qualquer grupo seja capaz de
manter vínculos estreitos com a sociedade canadense como um todo, sem abandonar as
suas especificidades enquanto grupo étnico. Estes valores se opõem diretamente ao
etnocentrismo, que deve ser definido como o ponto de vista de que nas situações
intergrupais o próprio grupo de referência deva ser concebido como o centro de tudo e que
todos os outros grupos devam ser avaliados e escalonados tomando o próprio grupo como
critério avaliativo. Em seu sentido mais genérico, o etnocentrismo pode ser considerado
como uma forte antipatia em relação às pessoas dos outros grupos (Summer, 1906, apud
Berry e Kalin, op. cit). Nesses termos, o etnocentrismo guarda relações muito próximas
com a intolerância, opondo-se nitidamente ao multiculturalismo, desde que esse seja
entendido como uma perspectiva que procura favorecer a tolerância nas relações
intergrupais. O desenvolvimento conceitual dos estudos sobre o etnocentrismo permitiu
diferenciar dois planos de análise: um preocupado com os aspectos individuais e o outro
centrado no plano grupal. Em um plano mais global, os grupos podem apresentar
preferências em relação a determinadas etnias em detrimento de outras. No plano
individual, as pessoas podem variar na maneira através da qual avaliam e toleram os
grupos externos. Independente dessa diferenciação, pode-se desde já isolar os traços
constitutivos do etnocentrismo: falta de aceitação da diversidade cultural; intolerância geral
em relação aos grupos externos; e preferência por pessoas do próprio grupo, em detrimento
daquelas que pertencem aos grupos externos.
Perspectivas teóricas de estudo dos estereótipos

Partindo de uma distinção apresentada no início da década de 90 de que as teorias


sobre os estereótipos tradicionalmente levam em consideração dois critérios – fazer
referências a um plano individual ou um plano contextual de análise e enfatizar ou não a
dimensão do conflito - , Leyens, Yzerbyt e Schadron (1994) postulam que as teorias dos
estereótipos podem ser diferenciadas em quatro grupos: 1) as teorias do primeiro grupo,
que podem ser caracterizadas como individualistas e conflitualistas são representadas pelas
teorias de base psicanalítica desenvolvidas nas décadas de 40 e 50, incluindo-se aqui as
teorias da personalidade autoritária, da mente aberta e fechada e do bode expiatório. No
segundo grupo, onde se inclui a abordagem sócio-cultural, são encontradas as teorias que
enfatizam o plano contextual e que desconsideram a dimensão conflitiva. As teorias que
enfatizam a dimensão contextual e fazem referência a uma dimensão conflitual, tais como
as teorias realística do conflito e a teoria da identidade social, constituem o terceiro grupo
das teorias sobre os estereótipos. Finalmente, o quarto grupo, representado pelas teorias
individualistas que desconsideram a dimensão conflitiva pode ser ilustrado através da
abordagem da cognição social.
As abordagens teóricas de base psicanalíticas sobre os estereótipos representaram
uma dentre as várias tentativas de articular em uma mesma base conceitual concepções
psicanalíticas e behavioristas, centrando-se especialmente em noções tais como repressão,
projeção ou catarse. A teoria do bode expiatório, derivada dos trabalhos de Dollard, Doob,
Miller, Mowrer e Sears (1939) sobre a relação frustração-agressão retrata de forma nítida
esta tendência e, embora se refira ao comportamento agressivo de modo geral, foi adotada
para tentar se explicar padrões estereotipados, preconceituosos e discriminatórios de
conduta. Na sua formulação básica esta teoria se assentava em dois postulados básicos: o
primeiro sustentava que a agressão seria causada pela frustração, enquanto o segundo
sugeria que toda frustração causaria uma agressão. Desta forma, o enunciado básico da
primeira versão da teoria da frustração-agressão poderia ser formulado nos seguintes
termos: ‘A ocorrência da agressão sempre supõe a existência de uma frustração e, por
outro lado, a existência de uma frustração sempre produz alguma forma de agressão’. Esta
teoria representou um claro avanço em relação a outras teorias psicossociais sobre o
comportamento agressivo, sobretudo por apresentar uma definição clara e precisa dos
termos da própria teoria, já que a frustração passou a ser definida como ‘a interferência na
ocorrência de uma resposta orientada para um objetivo’, enquanto a agressão foi definida
como ‘uma resposta que teria por objetivo causar algum tipo de dano a um organismo
vivo’. Observe-se que, apesar do avanço, a definição dos termos da teoria gerava algumas
dificuldades, pois, neste sentido, a aplicação de um soro anti-tetânico deveria ser entendida
como uma agressão. Além disto, no plano heurístico, não é difícil supor que qualquer
pessoa é frustrada várias vezes ao dia e que nem sempre se produz comportamentos
agressivos, assim como não se tem dificuldades em reconhecer que existem uma série de
circunstâncias em que as agressões se manifestam na ausência de qualquer tipo de
frustração (soldados em guerra, fanfarrões que batem em pessoas fracas, crianças que
agridem outras após ver um filme etc). Parece inaceitável, portanto, o argumento que a
frustração sempre causa a agressão e também que a agressão sempre é precedida da
frustração. Para lidar com estas dificuldades foi desenvolvida em 1941 uma versão
modificada da teoria da frustração-agressão enunciada nos seguintes termos: a frustração
produz o aparecimento de uma quantidade de diferentes tipos de respostas, uma das quais é
alguma forma de agressão. Se esta versão modificada da teoria se beneficiava da vantagem
de ser bem menos restritiva que a versão original, ela contudo gerava uma série de
dificuldades, especialmente por introduzir ambigüidades que não estavam presente na
primeira formulação, em especial por não especificar que tipo de frustração produziria a
agressão, além de não indicar quais as circunstâncias em que a agressão poderia vir a se
manifestar na ausência de uma frustração. Procurando esclarecer as circunstâncias em que
uma frustração poderia vir a causar a agressão, Leonard Berkowitz (1959), partindo da
noção de padrões fixos de ação, desenvolvida pelo etólogo Nikolas Tinbergen, sugeriu que
a resposta agressiva manifestar-se-ia apenas em determinadas condições e na presença de
certos mecanismos disparadores, que ausentes, favoreceriam a manifestação de outros
padrões de comportamento que não o agressivo. Quais seriam, então, estes mecanismos
liberadores? De acordo com Berkowitz poder-se-ia identificar três classes de disparadores
do comportamento agressivo:
1. a presença de alvos, já que em toda a cultura ou sociedade algumas pessoas ou grupos
são eleitos preferencialmente como os alvos apropriados para a agressão (judeus, na
Alemanha nazista; negros, em épocas de recessão econômica no sul dos Estados Unidos;
ladrões presos em flagrante nos bairros periféricos das cidades brasileiras etc);
2. a disponibilidade de objetos, uma vez que se determinados objetos, tais como armas ou
outros dispositivos que podem servir como instrumentos bélicos, estiverem presentes, a
frustração poderá levar mais facilmente à agressão; e
3. situações adequadas, dado que alguns locais, como por exemplo bares ou vias públicas e
não igrejas e restaurantes, facilitam o disparo dos mecanismos agressivos.
A versão mais atual da teoria da frustração-agressão, a teoria do bode expiatório,
privilegia a primeira classe de disparadores e sustenta que a experiência de frustração tende
a gerar uma resposta agressiva, preferencialmente tendo por alvo quem gerou a frustração,
mas que se a agressão não puder ser efetivada na direção da pessoa alvo, seja por
impossibilidade física, psicológica, social ou política, ocorrerá uma inibição da reação
agressiva em relação à pessoa alvo e o deslocamento da agressão para uma terceira pessoa
que funcionaria como uma espécie de bode expiatório, tornando-se, por via indireta, o alvo
da agressão.
A concepção sócio-cultural dos estereótipos

A segunda direção teórica de estudos dos estereótipos enfatiza o conceito de


aprendizagem social, preocupando-se sobretudo com a evolução e os modos de
transmissão dos estereótipos no interior de uma dada sociedade. O entendimento básico
desta perspectiva é a de que tanto a observação direta das diferenças entre os vários grupos
como a influência indireta exercida pela mídia são os principais responsáveis pela evolução
e transmissão dos estereótipos que, neste sentido, deveriam ser entendidos como uma parte
constituinte do próprio ambiente social. Há de se assinalar, no entanto, de que não se
observa qualquer esforço entre os autores desta perspectiva em determinar os mecanismos
subjacentes à formação dos estereótipos, havendo um certo entendimento de que os
estereótipos são “absorvidos” pela audiência dos meios de comunicação de massa. Em
linhas gerais, o argumento básico da teoria sócio-cultural é a de que os estereótipos se
formam através da observação dos comportamentos apresentados pelos membros do grupo
estereotipado, em especial com tipos de comportamento tipicamente associados com as
expectativas em relação ao papel desempenhado pelos membros do grupo estereotipado.
Assim, se observadores tiverem poucas oportunidades de observarem diretamente o
comportamento dos membros de um determinado grupo social, as observações restringir-
se-ão aos padrões de comportamento apresentados nas circunstâncias em que eles são
retratados pelos meios de comunicação de massa. Ocorre que a natureza dos papéis
freqüentemente é determinado pelas estruturas econômicas e sociais da sociedade. Desta
forma, ao considerar as diferenças na percepção das diferenças étnicas nos Estados Unidos
Eagly (1987) notou que as crenças sobre os grupos sociais assentavam-se sobretudo em
observações sobre as grandes diferenças econômicas entre as classes sociais. Da mesma
forma, no Chile as trabalhadoras peruanas possuem um status menor do que as próprias
chilenas e são retratadas pelos meios de comunicação de massa sempre em papéis
considerados menos importantes e qualificados, geralmente como empregadas domésticas
ilegais. Deste modo, na mesma medida em que os estereótipos dependem da observação
dos comportamentos típicos associados aos papéis, haveria uma tendência a se confundir
as características das pessoas em si com as características dos papéis tradicionalmente
ocupados por membros do grupo estereotipado. Semelhante raciocínio aplicar-se-ia
também no caso dos estereótipos de gênero, já que os homens geralmente são vistos
exercendo papéis que envolvem o controle do ambiente e exigem um estilo impositivo,
enquanto as mulheres tradicionalmente ocupam papéis que envolvem altruísmo e cuidados
com os outros2.
Em resumo, as repetidas observações das peruanas pelos chilenos, assim como das
mulheres pelos homens seriam usados como critério para uma espécie de diagnóstico
social, servindo para caracterizar não os papéis em si mesmo, mas para se realizar
inferências acerca dos atributos pessoais daqueles que são observados exercendo os papéis
sociais. Parece importante assinalar que a aceitação desta tese impõe a adesão ao ponto de
vista de que os estereótipos teriam um fundo de verdade, ou mais especificamente, a
adoção do ponto de vista de que os estereótipos de gênero ou étnicos correspondem, em
certa medida, a alguns aspectos da realidade. Ao aceitar, ao menos parcialmente, este

2
De acordo com Eagly e Steffen (1984), poder-se-ia utilizar os termos agêntico e comunal para se referir aos
comportamentos tipicamente atribuídos a homens e mulheres, respectivamente, uma vez que as mulheres
tradicionalmente são vistas desempenhando as funções de dona de casa, enquanto o homem tradicionalmente
é visto como aquele que trabalha fora para suprir as necessidades financeiras da família.
ponto de vista a abordagem da sócio-cultural tornou-se sujeita a dois tipos de argumentos
críticos. Em primeiro lugar, ao aderir à suposição de que os estereótipos são aprendidos da
mesma forma que qualquer outro tipo de conhecimento (ou seja, através da observação) e
que eles refletem objetivamente os elementos presentes na realidade, esta perspectiva
negligencia a tendência quase universal a se denegrir a imagem dos grupos externos, uma
vez que se os estereótipos efetivamente retratassem diferenças reais ou quase reais entre os
grupos, poder-se-ia identificar facilmente tanto os atributos positivos quanto os negativos
dos grupos. A segunda crítica refere-se desinteresse quase completo da abordagem sócio-
cultural pelo poder explanatório e racionalizador dos estereótipos e sugere que, mais do
que um pálido retrato da realidade social, os estereótipos deveriam ser entendidos como
ficções que cumprem a função social de justificar a divisão sexual do trabalho (Hoffman &
Hurst, 1990).
Estereótipos enquanto estruturas cognitivas

A quarta perspectiva teórica de estudo dos estereótipos insere-se na moderna


tradição da cognição social imperante nas últimas duas décadas de desenvolvimento da
psicologia social. Em que sentido esta abordagem representa algo inovador e diferente
quando se compara aos desenvolvimentos anteriores? Esta é a questão com que Hamilton,
Stroessner e Driscoll (1994) se defrontam na introdução do capítulo sobre a cognição
social em um livro que procurou avaliar o impacto da abordagem da cognição social no
campo de estudos da psicologia social, uma vez que os primeiros trabalhos sobre o tema
dos estereótipos, como os de Lippman e o de Allport, ao se referirem às noções de
fotografias dentro da cabeca e de categorização já se deparavam com temas como a
percepção social ou a categorização, já bastante antigos na pesquisa psicossocial. O que,
então, os estudos sobre os estereótipos centrados na perspectiva da cognição social trariam
de inovador e diferente?
O principal diferencial introduzido pela abordagem da cognição social relaciona-se
com a tentativa de explicar o funcionamento do processamento de informação assim como
o da determinação do seu papel na percepção dos grupos e dos seus membros. Ao tentar
responder a estas duas questões os estudiosos dos estereótipos colocaram a ênfase no papel
dos mediadores cognitivos, procurando identificar como eles se inserem numa posição
intermediária entre o mundo dos estímulos sociais e as manifestações comportamentais
investigadas pelos psicólogos sociais. Ora, ao colocarem em evidência os mediadores
cognitivos, os estudiosos da cognição social perfilam-se entre aqueles que acreditam que
os estereótipos devem ser entendidos como estruturas cognitivas capazes de inteferir na
maneira pela qual a informação sobre os grupos e os seus membros é processada, o que
representa, como se viu na seção dedicada à definição dos estereótipos, uma ruptura com a
procura dos conteúdos dos estereótipos e a sua substituição pela preocupação em
determinar os processos envolvidos na aplicação dos estereótipos.
A ênfase nos mediadores cognitivos pressupõe que se seja capaz de descrever não
apenas a natureza da própria estrutura cognitiva, como também de esclarecer os
mecanismos através dos quais estas estruturas influenciam a percepção dos grupos e dos
seus membros. As diversas tentativas de se determinar a natureza das estruturas cognitivas
componentes dos estereótipos realizou-se de acordo com os desenvolvimentos oriundos da
psicologia cognitiva, sendo especialmente importante a importância atribuída às
representações mentais constituídas a partir dos esquemas, protótipos e dos exemplares
(Stangor & Schaller, 1996). Esses modelos representacionais assumem duas formas
distintas, os modelos abstratos (esquemas e protótipos) e os modelos baseados em
exemplares. Considere-se, por exemplo, a representação dos portugueses na cultura
brasileira. Os brasileiros podem ter uma imagem prototípica ou uma repreentação
esquemática do português (o seu Manuel da padaria) ou podem conviver com uma lista de
traços atribuídos aos portugueses (bigodudo, trajando uma camiseta regata suja, atrás do
balcão de uma padaria, pouco inteligente, trabalhador, apaixonado pelas mulatas etc).
Uma das formas mais tradicionais de se conceber a representação dos estereótipos
na memória utiliza o conceito de esquema, que é definido como uma estrutura abstrata de
conhecimento que especifica os fatores determinantes e os atributos de um dado conceito.
Desta forma, um grupo social pode ser representado através de um esquema de grupo, que
pode ser caracterizado como o conjunto das crenças disponíveis acerca dos atributos de um
grupo social. Reconhece-se que a existência de um esquema sobre um grupo social é
suficiente para influenciar a percepção que se tem sobre os membros deste grupo,
interferindo em processos tais como a atenção, a interpretação e a memória, assim como
sobre o julgamento e sobre o comportamento em relação aos membros do grupo percebido.
Apesar do valor heurístico reconhecidamente grande, suspeita-se que o conceito de
esquema é exagedamente amplo, ao ponto de não permitir o desenvolvimento de predições
objetivas sobre o processo de estereotipização.
Uma outra forma de explicar como os estereótipos são representados apoia-se no
conceito de protótipos e envolve uma alternativa menos abstrata de se caracterizar a
estrutura do estereótipo que o conceito de esquema. O protótipo de um grupo pode ser
definido como uma representação de um grupo que se sustenta em um conjunto de
associações entre um rotúlo verbal intrínseco a um grupo (o mineiro, por exemplo) e um
conjunto de fatores que se presumem serem acertadamente aplicáveis aquele grupo
(desconfiados, por exemplo). No plano metodológico, o conceito de protótipo representa
uma vantagem em relação ao conceito de esquema, pois ao se supor que existe uma
associação entre os termos ‘mineiro’ e ‘desconfiado’, pode-se imaginar que qualquer
referência ao primeiro termo favorecerá à evocação do segundo termo de uma forma bem
mais rápida do que a de outros termos não associados aos mineiros, permitindo, portanto, a
adoção de recursos metodológicos que envolvam a mensuração do tempo de resposta para
a avaliação dos estereótipos (Gilbert & Hixon, 1991).
Em um plano mais conceitual, a noção de protótipo sugere que os percebedores
desenvolvem representações mentais a partir de um sistema de classificação que se
caracteriza pela presença de um conjunto de atributos posicionados no interior de um
sistema de categorias hierarquizadas. Estas representações protótipas passam a ser
concebidas como representações abstratas dos atributos característicos dos vários grupos
sociais, ocorrendo a aplicação do estereótipo quando se encontra uma correspondência
entre os traços e demais características distintivas do objeto percebido e os atributos
prototípicos do grupo percebido. Além disso, como se trata de um sistema de categorização
hierarquizado, a estereotipização pode ocorrer em qualquer ponto da hierarquia, chegando-
se mesmo a suspeitar que ela ocorre preferencialmente no plano dos sub-tipos.
Para além deste modelo tradicional de representação dos estereótipos através de
estruturas prototípicas, constituiu-se um movimento distinto, que tomou como ponto de
partido a suspeita de que uma parcela significativa da percepção sobre os grupos advém de
conhecimentos acerca de grupos específicos ou de experiências claramente identificáveis
com membros dos vários grupos, levando-se a um insuspeito reconhecimento de que os
comportamentos individuais dos membros de um grupo são bastante variados e de que
existe uma variabilidade significativa entre os diversos grupos que pertencem uma mesma
categoria.
Como se pode depreender do argumento anteriormente apresentado, esta
perspectiva enfatiza a importância dos traços específicos retirados da memória e de como
estes conteúdos uma vez evocados são capazes de interferir na percepção se passa a ter do
grupo estereotipado. No entanto, o reconhecimento de que os estereótipos devem ser
entendidos como dispositivos heurísticos utilizados frequentemente quando a motivação ou
a capacidade de processar informações individualizadas encontra-se comprometida
(Bodenhausen, 1993 apud Stangor & Schaller, 1994), assim como a constatação de que as
pessoas possuem estereótipos a respeito de grupos com os quais tiveram pouco ou nenhum
contato, parece ser suficiente para assegurar que é possível ocorrer a estereotipização na
ausência de qualquer processamento impelido por exemplares.
Em resumo, em relação à estrutura de representação dos estereótipos pode-se
afirmar que os modelos abstratos supõem a presença de um conjunto de representações dos
fatores típicos do objeto, representações estas fundadas nas experiências com exemplares
do grupo ou na aprendizagem com agentes externos, enquanto os modelos centrados em
exemplares supõem a existência de representações armazenadas independentemente na
memória para cada um dos exemplares 3. Os psicólogos sociais tradicionalmente adotam os
modelos abstratos, com as generalizações sendo tratadas em termos de conceitos tais como
os de esquemas ou protótipos. Apesar das diferenças conceituais, todos estes conceitos
supõem que os estereótipos sejam representados como um conjunto abstrato de fatores
típicos de um grupo social. Embora admitam que a informação presente na base dos
estereótipos tenha sido aprendida através da experiência com as pessoas e grupos ou
através da aprendizagem social, muitos psicólogos sustentam que após a formação dos
estereótipos, uma representação abstrata dos mesmos é armazenada na memória em um
local diferente daquele destinado a armazenagem dos exemplares que lhes deram origem.
Assim, os estereótipos deveriam ser considerados representações autônomas que seriam
armazenadas e buscadas na memória de forma independente, sendo aplicados apenas nas
condições em que o objeto está presente. No caso dos modelos baseados em exemplares,
parece injustificado fazer referência a qualquer espécie de armazenamento em separado na
memória. Eles surgem como uma tentativa de superar a insuficiência dos modelos
abstratos em lidar com fatores como a percepção da variabilidade grupal, a diversificação
dos subtipos encontrados nos grupos sociais e a influência de variáveis contextuais quando
da atribuição de estereótipos. Nos modelos baseados em exemplares, a categorização não
chega a desempenhar o papel decisivo que ostenta no caso dos modelos abstratos, uma vez
que se aceita a tese de que a percepção do objeto do estereótipo é influenciada por um
conjunto de exemplares evocados através da mera exposição ao objeto e não por uma
representação abstrata dos mesmos. O objeto do estereótipo funcionaria como uma espécie
de mecanismo disparador que iniciaria a busca através dos exemplares pertinentes
armazenados na memória. Tais representações dos exemplares seriam agrupadas e
armazenadas na memória para uma posterior utilização. Os exemplares ativadores seriam
aqueles que apresentassem uma maior semelhança com o objeto do estereótipo presente na
memória. Reconhece-se que os modelos baseados em exemplares permitem um maior grau
de flexibilização, sendo capaz de lidar mais facilmente com as mudanças que
freqüentemente se manifestam na caracterização dos estereótipos. Contudo, muitos
pesquisadores sugerem que esses modelos são ineficientes, incapazes de explicar a
ocorrência do processamente on-line e os julgamentos sociais que se assentam em critérios
abstratos. Além disso, reconhece-se que eles teriam dificuldades nas situações de
julgamento social em que os percebedores não teriam como buscar exemplares relativos
àquela situação. Em decorrência das divergências entre cada uma dessas abordagens,
Sherman (1997) sugeriu a adoção de um modelo misto, que leve em consideração tanto as
representações abstratas quanto as informações que se apresentam através dos exemplares.
De acordo com esta sugestão, a representação mental dos estereótipos depende da
quantidade de experiência do percebedor com o grupo objeto do estereótipo. Assim, em
um primeiro momento, ainda quando o conhecimento desse grupo é rudimentar, as
informações dependeriam dos exemplares com os quais os percebedores mantiveram
algum contato e, à medida em que esse conhecimento se intensifica, seriam construídas
representações abstratas que serviriam como critérios para o desenvolvimento dos

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A partir de tal distinção é possível afirmar, por exemplo, que uma dada pessoa pode ter representações
acerca de um determinado grupo social arnazenadas em dois sistemas de memória distintos. Alguém pode ter
uma representação dos leões de chácara como um grupo social constituído por indivíduos extremamente
fortes e agressivos. Esta representação pode ser evocada sob diferentes circunstâncias. Em determinadas
ocasiões é possível se lembrar de exemplares concretos de leões de chácara que agiram de forma agressiva e
que eram muito fortes. Neste caso, o que se buscou na memória foram os exemplos particulares de indivíduos
que se adequavam ao rótulo. Pode ser, no entanto, que a pessoa passe algum tempo sem ir a ambientes em
que sejam encontrados leões de chácara e que, embora a pessoa não se lembre de qualquer circunstância
particular em que os leões de chácara se mostraram fortes e agressivos, é capaz de representá-los desta forma
através do uso de esquemas ou protótipos.
estereótipos sobre os grupos. Uma vez formadas, tais representações constituiriam a base
para o posterior processamento dos estereótipos. Em conseqüência dessa formulação,
pode-se afirmar que os estereótipos baseados em exemplares manifestam-se enquanto não
se forma uma representação abstrata dos mesmos. Assim que isso acontece, no entanto, o
processamento dos estereótipos pode prescindir e ocorre independentemente dos
exemplares armazenados na memória.
Os estereótipos e o processamento da informação

O segundo elemento característico da abordagem da cognição social é a busca do


esclarecimento dos mecanismos através dos quais os estereótipos interferem no
processamento da informação, mas como neste particular a literatura é bastante abrangente
serão destacados aqui apenas alguns elementos essenciais. Sabe-se que os estereótipos
influenciam os processos atencionais, especialmente por afetar a atenção seletiva do
percebedor, dirigindo-a para alguns aspectos particulares da informação disponível. Por
outro lado, os estereótipos também influenciam as interpretações e as inferências realizadas
a respeito dos diversos estímulos presentes no ambiente social, especialmente daqueles
dotados de um certo grau de ambiguidade. Além disso, os estereótipos também afetam a
maneira pela qual a informação é organizada e representada na memória. Finalmente,
existem boas razões para se acreditar que os estereótipos influenciam na evocação da
informação armazenada na memória e na maneira pela qual esta irá interferir no
julgamento e no comportamento que se apresenta em relação aos membros do grupo
estereotipado.
Sabe-se que a atenção exerce um papel decisivo no manuseio das informações
presentes no ambiente, de forma que parece inegável referi-la quando se considera as
tentativas de predizer e controlar os eventos ambientais. Dentre os fatores que dirigem a
atenção poderiam ser destacados aqueles que estão diretamente relacionados ao contexto
(movimentos bruscos, trajes e comportamentos idiossincráticos) e aqueles que se vinculam
diretamente aos fatores internos ao organismo que processa a informação (necessidades,
nível de ativação, expectativas etc). A atenção desempenha um papel não negligenciável
nas situações sociais, pois além de permitir o estabelecimento de inferências sobre os
comportamentos de pessoas ou grupos, ela permite codificar e armazenar na memória as
informações relacionadas com a situação em que os contatos ocorreram.
Um problema que tem gerado muitas controvérsias entre os especialistas no assunto
é se a atenção pode ser considerada controlada pelo percebedor ou se ela se dirige
automaticamente para determinados objetos sem qualquer intervenção consciente. Sabe-se
que a atenção consciente desempenha um papel decisivo nas situações em que os
envolvidos formulam hipóteses ou estabelecem expectativas a respeito de outras pessoas
ou grupos sociais. No entanto, em muitas circunstâncias deve-se considerar a presença de
uma modalidade de atenção que tem sido denominada de automática ou passiva.
Independente dessa discussão, parece ser uma tendência geral que as pessoas atendam às
informações previamente selecionadas pela atenção. Algumas variáveis parecem ser
significativas quando se procura determinar os fatores que levam uma pessoa a dar atenção
a um determinado estímulo social. Entre estas variáveis podem ser destacadas as
expectativas (suposição sobre o que pode ser esperado numa determinada situação)
relativas às pessoas que fazem parte dos diversos grupos sociais, os esquemas
(conhecimento mentalmente representado a respeito de um determinado assunto)
relacionados com pessoas, situações ou categorias e, por fim, os roteiros ( sequência de
esquemas a ser observada numa determinada situação social) previamente estabelecidos
quando se antecipam os comportamentos a serem adotados em determinadas situações
sociais. Apesar da falta de clareza desses conceitos, com reflexos nos planos teórico e
metodológico, eles podem ser utilizados na tentativa de retratar como os estímulos sociais
são atendidos pelo percebedor. Para Stephen (1986), os esquemas, roteiros e expectativas
influenciam o processamento da informação social, uma vez que são capazes de guiar a
atenção, estruturar a codificação da informação, determinar como esta será armazenada e
retida e como estará disponível para uma posterior utilização.
Em relação à codificação e ao seu papel nos relacionamentos sociais, pode-se
afirmar que o material previamente codificado e armazenado na memória desempenha um
papel decisivo no controle da atenção. A codificação, além de determinar os padrões
atencionais, também influencia a maneira através da qual ocorre o processamento e a
posterior busca da informação. Talvez o principal componente do processo de codificação
seja a categorização.
Um aspecto adicional relativo à codificação é o denominado princípio do menor
esforço. Tal princípio sugere uma certa tendência a parcimônia no funcionamento
cognitivo, uma vez que ele sustenta que as pessoas tendem a resistir às tentativas de
modificação da maneira através da qual percebem o mundo externo, dando preferência às
informações que são consistentes com as suas visões de mundo. As principais hipóteses
relativas a este tópico de estudo se relacionam com a noção de correlação ilusória. Este
conceito pode ser entendido como um viés de codificação que ocorre durante o processo de
categorização. Ele se deriva de uma avaliação imprópria da co-ocorrência ou da covariação
de dois ou mais grupos de eventos. Nesse caso, presume-se que ocorra uma superestimação
da aparição de alguns grupos de eventos que se supunha estarem associados. Isto ocorreria
porque as pessoas parecem ter uma tendência a utilizar a informação que se encontra mais
facilmente disponível. Este processo contribuiria para o desenvolvimento dos estereótipos
na medida em que passaria a se manifestar uma certa intensificação na crença esperada a
respeito dos grupos e dos traços a eles atribuídos, impedindo-se que informações
contraditórias com a visão estereotipada sejam percebidas. Supõe-se, a partir daí, que
exista uma forte tendência para se estabelecer predições a partir de dados que sejam
representativos das evidências comumentes disponíveis e uma tendência correlata a
subutilizar as outras informações de interesse.
Além dos fatores puramente cognitivos presentes nos estereótipos, muitos autores
têm procurado ampliar os limites da abordagem da cognição social através da introdução
de variáveis individuais de uma outra natureza. Presume-se que apesar dos estereótipos
manterem uma relativa estabilidade com a passagem do tempo, o grau de manifestação
individual dos mesmos sofre algum grau de transformação com o transcorrer dos dias. Um
fator a ser considerado em tais circunstâncias é o estado afetivo das pessoas que os
ostentam. A suposição predominante nesse plano de estudos é a de que quando a pessoa se
encontra em um estado afetivo negativo (tristeza, por exemplo), os estereótipos negativos
manifestam-se com mais facilidade. Este argumento sustenta-se na hipótese de que as
pessoas que se encontram em estados afetivos positivos tendem a avaliar os outros de uma
forma mais positiva, enquanto as pessoas que estão em um estado afetivo negativo tendem
a se encaminhar na direção inversa. No caso específico dos estereótipos, Esses e Zanna
(1995) sugerem que a influência dos estados afetivos na ativação dos mesmos manifesta-se
tanto na acessibilidade às informações presentes na memória, quanto na acessibilidade às
categorias interpretativas que dão uma tonalidade particular aos significados relacionados
ao objeto. Observou-se que as pessoas em estados afetivos negativos tendem a avaliar os
diferentes grupos étnicos de uma forma extremamente desfavorável e se concluiu que três
fatores podem ser considerados na tentativa de explicação desse estado de coisas:
a) os estereótipos negativos tendem a assumir diversos significados, uma vez que um
número razoavelmente grande de informações sobre o grupo objeto do estereótipo vem à
mente do observador;
b) as informações relevantes a respeito dos grupos externos tendem a ser interpretadas e
reinterpretadas de uma maneira negativa; e
c) a crescente reinterpretação dos traços negativos termina por ampliar a conotação
negativa a respeito dos grupos objetos do estereótipo.

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