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21/08/2022 00:40 Moisés e o Columbia.

Reflexão religiosa sobre uma tragédia da modernidade

Comunhão e Libertação

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MOISÉS E O COLUMBIA. REFLEXÃO RELIGIOSA SOBRE UMA TRAGÉDIA DA
MODERNIDADE
Em 1º fevereiro 2003 a nave Space Shuttle Columbia se desintegrou nos céus do Texas durante a fase
de retorno à atmosfera terrestre. Dom Giussani escreveu um artigo que apareceu na primeira página
do «Corriere della Sera»
di Luigi Giussani - 09.02.2003 

Caro diretor,

observando as imagens da queda do ônibus espacial Columbia, impõe-se uma pergunta:


diante de tudo o que acontece, é justa a vida? Se não respondêssemos a essa pergunta, tudo
ficaria no desespero, como se a tragédia do Columbia ocorresse cem mil vezes por dia
deixando centenas de milhões de pessoas desesperadas.

Ainda assim, na sua busca de uma resposta que afirme a liberdade ou a bondade ou a
justiça, o homem encontra um limite, descobre-se limitado por natureza, de modo que tudo
parece sem fôlego, e a qualquer um, parece-lhe impossível realizar uma única ação de vida
sem cometer injustiças ou contradições.

Somos todos como Moisés, que tinha acompanhado os seus por centenas de quilômetros;
chegando aos confins daquele que mais tarde se tornaria o Estado de Israel, do alto do
monte, vê de longe a Terra Santa sem poder tocá-la, porque Deus lhe havia dito: “Para punir
o teu medo, por não me teres feito justiça, morrerás antes de chegar à Terra prometida”.
Com efeito, será Josué quem fará entrar as tropas para a conquista. Pois bem, nós mesmos,
a cada instante, estamos como que no limiar de uma terra tão desejada quanto inatingível. E
por isso a pergunta acerca da realização da vida domina os dias de qualquer um que tenha
respiro humano.

Ora, existe uma única explicação que dá a razão de tudo o que aconteceu: a cruz de Cristo; a
Sua morte é a resposta de Deus aos nossos limites e às nossas injustiças. Haveria um
horizonte de falta de razão em todas as coisas. Qualquer evento que ocorresse jamais
encontraria resposta adequada, se não fosse Cristo: Ele marca a última vitória de Deus sobre
a realidade humana; aconteça o que acontecer, é a “misericórdia” que lê tudo o que é
humano. A misericórdia: Deus realiza a vitória sobre o mal dentro da história como
positividade, é isto que dá razão ao que acontece.

Mas o homem não consegue entender essa explicação, a única possível para que o dano e o
mal não sejam o sinal último da história. Então acontece uma coisa impossível, a mais
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21/08/2022 00:40 Moisés e o Columbia. Reflexão religiosa sobre uma tragédia da modernidade

impossível: o homem se faz juiz de Deus. Sinto vertigem ao pensar no futuro, naquilo que o
homem pode fazer se julgar Deus injusto por algo que acontece e que ele não consegue
compreender. O homem não pode. Deus pode fazer e pode permitir o que quiser (é o
mistério de Deus, no qual o homem não pode entrar se Deus não lhe abrir a porta) e o
homem que julgasse Deus – por pura presunção – provocaria o verdadeiro cataclismo . É esta
a tragédia de Jesus!

Ao exato oposto, a morte e o destino de Cristo são a ressurreição da vida: a vitória sobre o
mal. Quem aceita esse fato, participa da ressurreição da vida. Quem, não compreendendo,
não o aceita, destrói o mundo.

Mas dizer que Cristo “venceu” é uma expressão estranha para o homem e, desse modo,
chegamos a ela como a uma saída misteriosa, que permanece mistério enquanto o Pai o
quiser, enquanto o mistério de Deus não se revelar. E quando se revelar, será o fim, o fim do
mundo. Para poder dizer: “Venceu”, o homem deve fazer uma escolha: a escolha de que o
bem triunfe sobre o mal. A escolha do bem e não o insistente destaque dado ao mal. E é
inegável que isso seja justo: a priori é justo, não é uma explicação que nós possamos dar,
mas algo que reconhecemos.

Exatamente por isso a história dos Estados Unidos nos ensina uma positividade da vida que
serve de exemplo para todo o resto do mundo. E nos ensina também que se falta o senso do
todo, infinitas serão as possibilidades de rebelião e de massacre.

Deus, o Senhor, me faz chegar à certeza da fé: que a amizade de Deus comigo, com o
homem, não pode ser colocada em discussão por nada (desde o início Deus veio à Terra
escolhendo para si um povo, uma nação predileta para levar o mundo a uma realização que,
de outro modo, jamais teria acontecido). Pensar que pouco antes de morrer Jesus tenha dito:
“Amigo!”, a Judas que o traía, é uma coisa do outro mundo. Assim fala o Salmo 17: “Louvai o
Senhor porque é bom, eterna é a sua misericórdia”. É uma coisa do outro mundo. Nestes
dias pensava em Maximiliano Kolbe, que diz ao capitão alemão: “Você deve matar dez, eu
substituirei um que tem filhos...”. E o alemão aceita a oferta. Se Hitler estivesse ali naquele
instante, certamente não teria premiado aquele capitão... O capitão alemão tinha aplicado
uma idéia de justiça que não era a de Hitler; aceitando a troca, expressava o sentimento
natural de um homem que bem podia ter filhos como aquele condenado. A Igreja canonizou
padre Kolbe porque fez justiça a si próprio diante de Deus. Como foi para Nossa Senhora,
que para mim continua a ser o vértice daquela evolução do eu que se chama santidade. Por
isso, perante qualquer desastre ou limite, um homem pode afirmar com segurança que a
vida é justa porque vai misteriosamente, mas seguramente, rumo ao seu destino de
positividade.

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