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coisas que a gente passa em silêncio

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carol coelho

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tt: greendeusa
ocaleidoscopioblog.wordpress.com
wattpad.com/odeterothmans
coisas que a gente passa em silêncio,
que não convém contar pra ninguém
meu choro se repete no vácuo
não se sabe porquê, nem quando, nem quem.

o que passou, passou


virou a página, ou página virou
silêncio perpétuo está decretado
exceto à noite, no silêncio do quarto

não sobra pedra sobre pedra


quando meu corpo desaba
e todo som emitido
pra sempre se propaga

então meu choro sempre volta


e não convém contar pra ninguém
ele se repete no vácuo
não se sabe porquê, nem quando, nem quem.
retrovisor

objetos no espelho
estão bem mais próximos
do que aparentam estar
meus sentimentos no texto
são coisas das quais
não consigo me distanciar.
quando menos espero,
tudo me invade
e a ferida dada por curada
arde, arde e arde.
e eu peço alguma serenidade
pra transformar a dor em arte.
mas será arte o que eu faço?
transformo o transtorno,
moldo o meu choro
preencho o espaço,
junto tudo o que sinto com um laço
na verdade, um emaranhado
com esse meu tosco palavreado
e amo
afinal, o que me resta?
nesse ponto da existência,
pouca coisa concreta
no que me agarrar
perco até o ar
e esqueço como respirar
e então, um alívio no desespero
no nó que me aperta a garganta,
me lembro que eu escrevo.
novamente, vejo
e respiro,
inspiro
lembro que as palavras são como ouro
e me vejo novamente
frente a frente
com o meu mais precioso tesouro.
ode à ausência

quando a gente finalmente aprende e pra me lembrar


a se fazer na ausência, que sangrou a vida toda,
a lidar com silêncios é possível que nunca vá parar,
que não cabem reticências, mas apesar disso
não há presente, não há presença eu vivo.
e isso há muito deixou de ser abstinência, mesmo que nunca estanque,
há muito não me culpo mais pela me alimento do meu próprio sangue
sentença, e rasgada, sobrevivo
há muito sei da sua escolha lembrando que a minha força
e por mais que as vezes ainda doa, vem do lugar vazio
melhorei em lidar com a rejeição, que você nunca se deu
com o vazio da sala cheia ao trabalho de ocupar.
de poréns e de senãos.
e não peço mais perdão e tudo bem.
por ter trancado essa sala você tem a sua vida pra cuidar,
não quando sua maior contribuição e eu nunca precisei
foi a sua falta. da sua voz pra me reclamar.
na sua ausência me fiz forte,
é que as vezes eu ainda dei a mim mesma
gosto de tocar na ferida o meu próprio norte
não que eu seja ressentida, e apesar de carregar seu nome
amargurada, nem nada nunca fui sua
só toco para ter a certeza tudo que sou, é meu,
que ela realmente está fechada. minha doçura e amargura.
e normalmente ela está. hoje eu sei me orgulhar
de vez em quando eu a abro dessa ferida que não tem cura.
só pelo prazer de ver sangrar
o mundo por trás dos vulcões

por léguas tiranas e tudo que vigia


trevas me dizem quando consegue sentir
por milhas insanas o que está para chegar
movida à euforia, eu ia a fúria que grita,
pela décima quarta hora do dia a urgência de se alastrar
para explodir e expandir e queimar e o constante queimar
demarcar todo o caminho no eterno instante
que me levei a trilhar que a chama líquida
e comigo arrastar tem para se espalhar.
vida, cor e até água
na corrida desabalada. por léguas tiranas
trevas ficam para trás
por léguas tiranas e não há nada,
trevas me dizem onde nada mais
dominam meus instintos, que salve as cinzas, a melancolia
escapam do próprio controle lá pela vigésima hora do dia
e queimam quando tudo enfim se acalma
lavando com lava o calor se esvai, se dissipa
levando sem pausa e o mundo todo esfria
o mundo à tiracolo em um suspiro aliviado
a se incendiar quando eu me canso de inflamar.
pra se solidificar
quando finalmente encontrar o mar. por léguas tiranas
trevas anunciam
por léguas tiranas um cessar fogo
trevas são o guia e então, tudo pode descansar.
poesia impressionista I poesia impressionista II poesia impressionista
III
meu deus de amanhã era um barulho seco
já não é o mesmo de esturricado é o sol
ontem como unha arranhando o no fundo do copo
então, louvem quadro e tentando alcançar
enquanto ainda é tempo negro eu me afogo.
uma vez em posição de como a noite - enorme como brilha e me atrai
deus que as vezes engole, o calor fervendo o líquido
com pouco não me as vezes só envolve. bebo, bebo, bebo
contento, o luxo que se reserva e não me satisfaz.
bicho esperto. aos poucos que dormem eu vou até não aguentar
não quero oração, e aqui eu fico mais
não quero apelação, como rato na lata de lixo nessa sede infinita
eu quero direto e reto reviro pensamentos que cada vez mais se
gosto mesmo é do e em meio à fumaça agiganta
concreto, sentimento e nunca se finda
meu altar é de asfalto de completude até cair na madrugada
minha oferenda: em um vislumbre copo vazio, mão gelada
a sola gasta do sapato e por mais que a noite jamais satisfeita,
minha oferta: me deslumbre jamais saciada
paz aos nossos conto as horas que apenas... cansada
e entre os escombros e avançam estrupiada da bebedeira,
destroços para o amanhecer, lombrada da manguaça
a nascente, para o sol que nasce, quando o sol se levanta
um rio que avança forte para o saber e o trazendo junto a ressaca
na direção do poente. conhecer e o mundo explode
de um mundo selvagem o norte vira o sul,
que eu nunca vou chegar dou bom dia para a morte
a ver. tudo se revolta e tudo se
revolve,
tudo se revira e tudo se
resolve
e tudo é sempre nada
tudo é sempre o sol
no fundo do copo
que tentando alcançar,
todas as noites me afogo.
jogo de palavras

gosto daqueles dias que


somos palavra em letra cursiva
não se sabe onde começa um
e onde o outro termina

intercalando nossas
consoantes e vogais
você, eu, você, eu
até não dar mais

mas sempre dá mais um pouquinho


só pra sua língua dar voltas
e conhecer o idioma
em que apresento minhas linhas tortas

oração de joelhos
só verbos, sem sujeitos
porque nós já sabemos
o faça, o faz, e assim, fazemos

pronome de possessão,
tendo você em minhas mãos,
já não preciso afirmar nada,
só aprender as sutilezas
desse jogo de palavras.
probabilidade

possível
não é provável, marreco
e tudo o que ela
poderia ter sido
me assombra
sua voz que nunca ouvi
faz eco.
o plausível
me faz de otário
e o mundo ao revés
é martelo
meu corpo, prego.
se eu soubesse rezar,
rezaria
pela minha alma em revelia
que não conhecerá os céus
nem as suas regalias.
e em condição de condenado
faço estrago,
afinal por que pagar tanto
por só um pecado?
desfruto do fruto que
eva comeu
e com seu peso, me envergo,
mas sustento.
a culpa que não me cai
sempre me assusta
mas é algo não me cabe
e isso as vezes me deslumbra.
restos à mesa

é sempre muito mais fácil


entregar o pior que se espera
em baixas expectativas
desilusões não se geram
em um nível inferior
é aonde eu me garanto
não sou bom o tempo todo
e essa armadura
vale as falas e o pranto

reservo meu bom à mim


porque é difícil sustentar
poucos me conhecem
com minha melhor face a mostrar
nem anos de criação
escapam da minha apuração
o duro eterno da decepção
para mim é sobremesa
eu nunca pedi perdão
por colocar meus restos à mesa

não é sobre merecimento


veja bem, não sou tão baixo
é que tudo é tão passageiro
vem e vai sem deixar rastro
não mantenho, não prometo
a premissa é simples,
de resto só lamento.
é mais sobre ser grosseiro
e a fluidez do ato
é sobre fazer esperar algo
que não vai durar muito tempo
e até você tentar provar
eu já me fui há muito tempo
síntese ix - o eremita

dias em que me sinto tem dias que eu


a síntese apenas quero paz
de tudo que há de errado quero o alento que só
no mundo a solidão traz
tudo despenca corro para casa
em vertigem para o abraço do vazio
e cada vez mais o abismo e eu
eu afundo eu e o abismo
no fim sou só eu e o infinito que cabe
eu e esse muro dentro do estar só
no fim, só eu e, por favor,
eu e deus não tenha dó
pra lidar com meus medos faço porque gosto
mais profundos. e porque preciso
e acredite em mim quando digo
que não faço por maldade
é que pra mim estar só
é a mais estranha das liberdades.
enfim, poeta

vida de poeta se distante,


de alma boêmia sou um guia
que cansado
se transfigura se perdido,
direção
se silêncio,
sou barulho se apaixonado,
desiludo
se gelado,
sou paixão bato mais
que coração
se dia,
me faço noite mas também, eu apanho
ralo a cara nesse chão
se raivoso, sinto tudo ao extremo
sou vulcão. o meu nome é confusão

se calmo, afinal,
tempestade sou poeta
meu templo nunca
se pensativo, será pedra sobre pedra
sou nanquim será choro, fogo e lava
tirania, ódio e alegria
mas serei sempre será razão, impressão,
as palavras a pura síntese da falta de noção
que escorrem será alma lavada e boemia
para além de mim. porque afinal, não é assim
que nasce a poesia?

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