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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Elizabeth Filipecki Machado

“Lado a Lado” -
Reflexões sobre a criação do figurino para teledramaturgia

Rio de Janeiro
2016
Elizabeth Filipecki Machado

“Lado a Lado” -
Reflexões sobre a criação do figurino para
teledramaturgia

Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da


Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Dissertação Final para obtenção do título de
Mestre em História e Crítica da Arte.

Orientadora: Prof.ª Dr. ª Maria Cristina Volpi

Rio de Janeiro
2016
Elizabeth Filipecki Machado
LADO A LADO:
Reflexões sobre a criação do figurino para teledramaturgia

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa da Pós-Graduação em Artes Visuais/


Escola de Belas Artes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Imagem e Cultura.
CIP - Catalogação na Publicação

M149l Machado, Elizabeth Filipecki Lado a Lado:


Reflexões sobre a criação do figurino para a
teledramaturgia / Elizabeth Filipecki
Machado. -- Rio de Janeiro, 2016.
210 f.
Orientadora: Maria Cristina Volpi.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Escola de Belas Artes, Programa
de Pós-Graduação em Artes Visuais, 2016.

1. figurinos de época. 2. teledramaturgia. 3.


práticas artísticas. 4. iconografia. 5. Lado a
Lado. I. Volpi, Maria Cristina, orient. II. Título.

Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os


dados fornecidos pelo(a) autor(a).
AGRADECIMENTOS
Expresso, de modo singelo e carinhoso, minha gratidão a todas as pessoas que me
acompanharam nesta breve e desafiadora experiência intelectual, como discente do Programa de
Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes.

Meus agradecimentos aos profissionais da Secretaria Acadêmica, sempre atentos aos prazos
e aos protocolos. Aos colegas de curso e ao corpo docente, agradeço os momentos de interação e
de reflexão teórica.

Agradeço de modo especial à minha orientadora Professora Maria Cristina Volpi Nacif por ter
me recebido neste Programa, ter acolhido minha proposta de pesquisa e ter me dado liberdade e
incentivo para realiza-la com paixão e dedicação.

À amiga Michele Augusto agradeço seu modo paciente e dedicado de colocar a dissertação
no formato exigido pelas normas, além das sugestões e dos comentários frutíferos.

Agradeço a minha equipe de figurinistas por multiplicarem sua dedicação ao trabalho


enquanto dividiam comigo o desafio de registrar no papel alguns traços do nosso ofício.

Finalizo agradecendo o apoio amoroso e incansável dos meus filhos, João Vicente e Ana
Carolina, e do meu querido esposo Renaldo Machado, companheiro de vida e trabalho. Renaldo
virou o texto ao avesso, pontuando de maneira aguçada aspectos práticos do cotidiano que
vivenciamos na criação e na produção dos figurinos para teledramaturgia. Muitas vezes dividimos
nossas reflexões com minha mãe e minhas irmãs nas visitas de final de semana a Teresópolis. Nesse
ambiente familiar acolhedor, colorido pelas memórias da infância associadas à minha escolha
profissional, as leituras bibliográficas e a redação do texto tornaram-se tarefas menos árduas. Por
esse motivo não posso deixar de agradecer a minha irmã Maria Cristina e ao seu esposo Geraldo
Fonseca pela hospitalidade e preocupação em criar as condições físicas e emocionais adequadas à
atividade intelectual. O mestrado e a enfermidade de minha mãe correram em paralelo. Nesse
percurso comum, compartilhei com minha irmã Ana Tereza uma convivência afetiva e intelectual
muito rica. No seu jeito prático de olhar a atividade investigativa, de quem está habituada com o
mundo da pesquisa científica, encontrei incentivo, conforto e confiança para me dedicar ao texto.
Por isso, registro meus agradecimentos a ela.

Dedico esse trabalho à memória de meus pais, por tudo que aprendi com eles.

Gratidão a todos,

Beth Filipecki
RESUMO

Neste trabalho descrevo e analiso uma prática de criação de figurinos de época para a
teledramaturgia brasileira centrada na pesquisa iconográfica e na mobilização de saberes e
fazeres de diferentes tipos de profissionais. Questiono se é possível construir um projeto de
figurino de época para a teledramaturgia nacional artisticamente comprometido e
responsável. Refiro-me a um modo de criação de figurino de época para a teledramaturgia
que revela práticas artísticas coletivas de construção de objetos funcionais, orientado pelas
questões associadas à organização de acervos e ao reaproveitamento de materiais. O estudo
está centrado em alguns figurinos da telenovela “Lado a Lado”, obra de ficção que tem como
cenário o Rio de Janeiro da Belle Époque. Aproxima-se de um estudo de caso, de natureza
descritiva, que ao explorar os atributos de um figurino de época premiado por juízes
especializados, investiga os fundamentos básicos e as condições materiais mínimas para
conceber e fabricar um bom figurino para a teledramaturgia nacional e sua relação com a
formação da nova geração de figurinistas.

Palavras-chave: figurinos de época, teledramaturgia, práticas artísticas, iconografia,


“Lado a Lado”, design, objetos artísticos, criação coletiva, acervos de indumentária,
reaproveitamento de material.
ABSTRACT
.

In this work, I describe and analyze a working practice of designing historical costumes for
the Brazilian television drama production: a practice which is based on iconographic
research and on the mobilization of a number of skilled professionals and specialists. The
research question is: ‘Is it possible to design historical costume for television drama
artistically committed and responsible?’ I refer to a way of designing historical costumes
that reveals collective artistic practices mobilized to produce artistic and functional objects.
It is a practice guided by issues related to the organization of collections and the reuse of
materials. The study focus on a set of costumes produced for the soap opera "Lado a Lado",
a fiction which has the Rio de Janeiro of the Belle Époque as a setting. The methodological
approach resembles a case study which by exploring the attributes of a historical costume
awarded by specialized judges investigates the fundamentals and the minimum material
conditions to design and manufacture a good costume for the national television drama and
its relation to the formation of the new generation of costume designers.

Keywords: historical costumes, television drama, artistic practices, iconography, design,


object of art, collective creation, clothing collections, reuse of material.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................ 9
CAPÍTULO 1. MEMÓRIAS DE UM OFÍCIO ............................................................................ 14
1.1. MINHAS MEMÓRIAS.................................................................................................... 17
1.2. OUTRAS MEMÓRIAS: UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ........................ 23
1.3. DESIGN DE FIGURINO DE ÉPOCA: TRANSFORMAÇÃO DE SILHUETAS E
MANEJO DE FORMAS .............................................................................................................. 29
1.3.1 A silhueta em “S” de 1904: espartilhos, babados, anquinhas e anáguas ......................... 30
1.3.2 Com espartilhos, sem babados, sem anquinhas e sem anáguas: a silhueta “colunar” de
1910 .......................................................................................................................................... 32
1.3.3 A silhueta base e a multiplicação dos trajes .................................................................... 33
1.4 A MÍDIA TELEVISIVA E O FIGURINO DE ÉPOCA PARA A TELEDRAMATURGIA 37
CAPÍTULO 2. FIGURINO DE ÉPOCA NA TELENOVELA “LADO A LADO”...................40
2.1. OS TRAJES, AS PERSONAGENS E O CORPO DAS ESTRELAS................................... 41
2.2 - A LEITURA MATERIAL, SIMBÓLICA E ESTÉTICA E DOS FIGURINOS DE “LADO
A LADO” ..................................................................................................................................... 46
2.2.1 - Os figurinos da vilã Constância ........................................................................................ 51
2.2.2 - Os figurinos da protagonista Laura ................................................................................... 60
2.2.3 Os figurinos da protagonista Isabel ..................................................................................... 68
CAPÍTULO 3. PRANCHAS ICONOGRÁFICAS NA CRIAÇÃO DE FIGURINOS DE
ÉPOCA ............................................................................................................................................. 81
3.1 A PRANCHA ICONOGRÁFICA DE FIGURINO DE ÉPOCA ........................................... 82
3.1.1 A apropriação das fontes iconográficas para compor a colagem ........................................ 85
3.1.2 Mudanças no modo de apropriação das fontes iconográficas e textuais ............................. 86
3.2 A prancha iconográfica como dispositivo de comunicação visual ......................................... 92
3.2.1 A prancha iconográfica e sua relação com o tempo de produção de “Lado a Lado” .......... 92
3.2.2 Práticas artísticas na fabricação dos figurinos: da prancha para o atelier ........................... 98
3.2.3 Consultando o acervo ........................................................................................................ 106
3.3 AS PRANCHAS ICONOGRÁFICAS DE “LADO A LADO” ........................................... 107
3.3.1 A prancha iconográfica do figurino da vilã Constância ................................................ 110
3.3.2 A prancha iconográfica do figurino da protagonista Laura ........................................... 115
3.3.3 A prancha iconográfica do figurino da protagonista Isabel............................................... 118
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 122
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ........................................................................................ 129
APÊNDICES .................................................................................................................................. 140
Apêndice 1 – Quadro dos trabalhos realizados para teledramaturgia. ....................................... 140
Apêndice 2 – Carta do Diretor ................................................................................................... 142
Apêndice 3 – Sinopse e Perfil dos Personagens ......................................................................... 144
Apêndice 4 – Quadro da Equipe ................................................................................................ 180
Apêndice 5 – Press Kit ............................................................................................................... 186
APRESENTAÇÃO

Neste trabalho descrevo e analiso uma prática de criação de figurinos de época para
a teledramaturgia brasileira: uma investigação fundamentada em minha experiência
particular como figurinista para televisão, teatro e cinema. A pesquisa é de caráter
exploratório (TRIVIÑOS, 1987, p.109-110), uma vez que pretendo levantar questões sobre
a concepção e o desenvolvimento de figurinos de época para a teledramaturgia. Aproxima-
se de um estudo de caso, de natureza descritiva (GIL, 1999, p.43), pois busco compreender
um modo de criação de figurino de época centrado na mobilização de saberes e fazeres de
diferentes tipos de profissionais que, mesmo se dando num meio industrial, inclui artesãos,
que dominam processos e técnicas tradicionais de forma criativa ou inovadora. Para realçar
a singularidade da produção do guarda-roupa dos personagens da teledramaturgia, estes
profissionais artistas são convocados por mim, enquanto titular da equipe de figurinistas,
para fornecer peças ou objetos com visualidades artísticas originais. Como exemplo, cito as
pinturas de tecidos manuais baseadas em obras de arte daquele período. Um segundo
exemplo é o tecido desenhado (ou projetado, no sentido do design) pelo artista têxtil para a
teledramaturgia, produzido em tear manual, para operar a fusão entre a tradição e a inovação.
E para terminar, o adereçamento como uma joalheria. O telespectador deve concluir que
aquele objeto artístico passou por várias etapas de trabalho. Neste caso é o artesanal que é
valorizado em sua singularidade. Mais uma vez é o domínio da técnica e dos materiais que
irão potencializar a qualidade visual do projeto de figurino de época. Desse modo, considero
o figurino de época um gênero que mobiliza recursos humanos e materiais similares, em
diversos pontos, aos de uma obra de arte (BECKER, 2010).
Por este motivo considero fundamental associar as reflexões teóricas situadas no
campo da arte visual às práticas de figurino de época. Trata-se de uma tarefa árdua porque
envolve muitos aspectos não só do campo específico do ofício, mas também da própria
televisão, e porque é um exercício de memória. Assim, e para poder me aprofundar nas
questões relacionadas ao figurino de época e sua criação, centrei o estudo em alguns
figurinos de uma telenovela que tem como cenário o Rio de Janeiro da Belle Époque. Desse
modo, do conjunto dos trabalhos que desenvolvi para telenovela (ver Apêndice 1) me detive
somente em alguns figurinos femininos de “Lado a Lado”; 80ª telenovela produzida pela
Rede Globo e exibida originalmente de 10 de setembro de 2012 até 8 de março de 2013.
“Lado a Lado” é uma obra de ficção que pretendeu recriar no presente a atmosfera real do
Rio de Janeiro na Primeira República. A telenovela foi detentora do Emmy Internacional 1 e
recebeu 11 indicações nas categorias ator, figurino, cenografia, fotografia e maquiagem. O
figurino recebeu duas: o “Prêmio Extra de Televisão” e o prêmio “Melhores do Ano da
Central Globo de Televisão”. Considero “Lado a Lado” um bom exemplo para explorar os
atributos e as características de um modo de criação de figurino que venho aprimorando ao
longo de anos e que se inspira em práticas artísticas. Para além do reconhecimento do
público, a obra também apresenta dois momentos históricos diferentes, o que leva a duas
silhuetas distintas. De um total aproximado de 1500 peças, escolhi um conjunto de trajes e
acessórios da vilã Constância e das protagonistas Laura e Isabel, interpretadas pelas atrizes
Patrícia Pillar, Marjorie Estiano e Camila Pitanga, respectivamente. O critério de seleção dos
personagens baseia-se na visibilidade emblemática dos trajes que vestem as estrelas da
teledramaturgia.
Como uma das minhas intenções principais é consolidar uma metodologia de criação
de figurino de época que contribua para a formação da nova geração de figurinistas - o que
considero da maior relevância, já que a minha geração teve pouca documentação que servisse
de apoio ao desenvolvimento do trabalho -, discuto diferentes aspectos do ofício no ambiente
televisivo, desde a potencialidade de soluções criativas até a organização de acervos e o
reaproveitamento de materiais. A preocupação com a formação profissional resulta do
entrelaçamento entre o ofício de figurinista e o de docente presente em minha trajetória.
Ingressei no magistério universitário aos vinte e seis anos no curso de Artes Cênicas -
habilitação Indumentária da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (EBA/UFRJ). Busquei transmitir aos meus alunos o que aprendi com meus grandes
mestres: integrar o ensino acadêmico com a prática profissional, criar oportunidades e inseri-
los no mundo do trabalho. Companheira de toda a vida, minha mala de livros foi sempre o
meu principal acessório. Antes de ingressar no mestrado, minha biblioteca especializada
consistia basicamente de publicações relacionadas à história da indumentária e aos estudos
das artes visuais. Agora, disponho de um acervo mais eclético em que estão presentes as
referências indicadas no curso de mestrado. Entre o ir e vir do mundo acadêmico para o
mundo televisivo, aprendi a atuar como mediadora, incentivando leituras sobre história da
arte e pesquisas iconográficas usando referências trazidas de minha formação acadêmica
dentro da EBA e da prática que ia crescendo concomitantemente. Assim, o objeto de estudo
e as questões de investigação foram escolhidas em função da minha trajetória acadêmica e

1 Prêmio concedido pela Academia Internacional das Artes & Ciências Televisivas à programas televisivos que tenham
sido produzidos e transmitidos fora dos Estados Unidos.
profissional como estudante de Belas Artes, docente em cursos superiores de figurino e
indumentária, e como figurinista para o cinema, teatro e televisão, há mais de trinta anos.
Como afirmei anteriormente, entendo que o presente trabalho foi uma busca de lançar
luz sobre práticas profissionais do figurino de época recorrendo a novas leituras teóricas. O
jogo recursivo entre teoria e prática é que permitiu sistematizar o conhecimento empírico
adquirido. Além disso, os conceitos serviram para me distanciar do que observo e faço
cotidianamente, transformando o familiar em exótico - de acordo com a abordagem de
Gilberto Velho -, e desse modo melhor identificar as bases de meu próprio trabalho: “o que
sempre vemos e encontramos pode ser familiar, mas não é necessariamente conhecido e o
que não vemos e encontramos pode ser exótico, mas, até certo ponto, conhecido” (VELHO,
1981, p.126). Entendo também que o meu conhecimento pode “estar seriamente
comprometido pela rotina, hábitos, estereótipos” (IBID, p.128). Todavia, como Gilberto
Velho, acredito que o familiar é um objeto relevante de investigação “quando somos capazes
de confrontar intelectualmente, e mesmo emocionalmente, diferentes versões e
interpretações existentes a respeito de fatos, situações” (IBID, p.131).
Esclareço, ainda, que optei por introduzir os teóricos ao longo das descrições e das
análises dos figurinos selecionados para investigar um modo de criação de figurino de época
para telenovela, objeto deste estudo. Alguns autores foram convocados especificamente para
enriquecer minha compreensão sobre os conteúdos que não podem ser deixados de fora do
processo formativo.
Escolhi iniciar este trabalho pela narrativa do meu percurso profissional, caminho
que denominei “memórias de um ofício”, pois “Lado a Lado” reflete todo um processo
anterior, não apenas da Belle Époque, mas de outros períodos históricos. A narrativa atual
não seria legítima sem conjugá-la a outras memórias que permitem introduzir as primeiras
questões sobre o processo de profissionalização do figurino para a teledramaturgia e também
render um tributo àqueles que formaram ou formam gerações de figurinistas. Adicionei
também ao primeiro capítulo uma seção que resume os primeiros passos da teledramaturgia
nacional e sua relação com a profissionalização do figurino para esse tipo de produção.
Espero, assim, situar o momento do meu ingresso na televisão ao estágio de desenvolvimento
do figurino para a teledramaturgia. Fechei o capítulo descrevendo detalhadamente as
silhuetas do corpo feminino em 1900 e 1910, épocas contempladas em “Lado a Lado”,
relacionando as formas aos dispositivos da indumentária utilizados para criar as silhuetas.
Utilizei a passagem entre a modelagem original do período e a modelagem do figurino da
teledramaturgia para enfatizar quatro atributos importantes na criação do figurino de época:
(1) conjuga arte e funcionalidade, (2) retrata a indumentária do período histórico sem estar
rigidamente conformado às questões de autenticidade, (3) opera a fusão personagem e estrela
(atriz ou ator), e (4) considera prazos e recursos materiais e humanos disponíveis. Encerrei
a seção apresentando o artifício que utilizo para operar a transformação das silhuetas,
fazendo a ponte com o capítulo seguinte.
No capítulo dois apresento o caso do figurino de época da telenovela “Lado a Lado”,
fazendo uma descrição analítica do conjunto de trajes e acessórios de Constância, Laura e
Isabel. Inicio com uma discussão sobre as relações entre o traje, a personagem e a atriz,
priorizando as questões associadas à gestualidade e ao corpo (físico e psicológico) da atriz.
De modo aligeirado pincelo alguns comentários sobre a importância da familiaridade da
figurinista com o corpo da atriz. A leitura estética e funcional dos trajes, seção 2, é realizada
no corpo das atrizes Patrícia Pillar, Marjorie Estiano e Camila Pitanga, e consiste
basicamente em explicar suas características materiais e simbólicas. Faço isso entrelaçando
trechos da sinopse da trama com documentos textuais e imagéticos, que incluem referências
teóricas e empíricas e também conversas com a equipe e pesquisadores.
No terceiro capítulo descrevo e analiso a metodologia que utilizo para criar
coletivamente os figurinos de época para a teledramaturgia; uma prática fundamentada na
colagem de imagens de origens diversas. Na primeira seção apresento as referências que me
levaram a nominar as “pranchas de colagens” de “pranchas iconográficas”, explicando de
que maneira as imagens são selecionadas e distribuídas sobre esta. Em seguida, relato as
mudanças no meu modo de apropriação das fontes iconográficas exemplificando, no tempo,
alguns figurinos de época e as referências textuais e imagéticas utilizadas em sua concepção.
Na segunda seção aprofundo a noção da prancha iconográfica no que tange à sua função
comunicacional. Ainda nesta seção, apresento a dimensão coletiva do trabalho de criação do
figurino de época, em particular de “Lado a Lado”, relacionando os créditos da criação e da
fabricação dos trajes às competências artísticas e técnicas dos profissionais envolvidos.
Encerro a seção, discutindo o papel do acervo na criação dos figurinos de época. Na terceira
e última seção, debruço-me sobre as pranchas iconográficas dos trajes selecionados para
descrever e analisar um modo de concepção e desenvolvimento de figurino de época.
Deixei para as considerações finais um conjunto de reflexões e questionamentos
sobre a formação da nova geração de figurinista, respondendo a questão foco deste trabalho:
É possível construir um projeto de figurino de época para a teledramaturgia artisticamente
comprometido e responsável? Refiro-me a um modo de criação de figurino de época para a
teledramaturgia que revela práticas artísticas coletivas de construção de objetos artísticos,
orientado pelas questões associadas à organização de acervos e ao reaproveitamento de
materiais.
CAPÍTULO 1. MEMÓRIAS DE UM OFÍCIO

Ingressei na TV Globo no final dos anos de 1970, época em que a profissionalização


televisiva consolidava-se. Recém-formada pelo curso de indumentária da Escola de Belas
Artes (EBA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a minha inserção no ambiente
televisivo ocorreu no fluxo das transformações iniciadas em meados da década anterior. Para
situar o momento do meu ingresso na televisão e o estágio de desenvolvimento do figurino
para a teledramaturgia ilumino alguns fatos 2.
Em 1950 é instalado no território nacional o primeiro canal de televisão, a TV Tupi
de São Paulo 3. No ano seguinte a emissora apresentou a primeira telenovela brasileira: “Sua
vida me pertence”, escrita e dirigida por Walter Foster (1917-1996), era exibida duas vezes
por semana. Em 1952 a TV Paulista inicia suas atividades, e sucessivamente outras
emissoras foram sendo implantadas no território nacional. A telenovela diária aparece
apenas em 1963 com a exibição de “2-5499 Ocupado”, pela TV Excelsior. A Rádio Globo
recebe concessão de TV em 1957, sendo oficialmente criada a TV Globo em 1965. A
primeira telenovela diária da TV Globo, “Ilusões Perdidas”, exibida entre abril e julho do
mesmo ano, teve direção de Líbero Miguel e Sérgio Britto.
Na história da televisão nacional um dos gêneros que se destaca é a teledramaturgia:
narrativa dividida em capítulos consecutivos, cujo princípio é deixar o telespectador preso à
trama e curioso em saber o que acontecerá no capítulo seguinte. No início, a teledramaturgia
brasileira produzia adaptações de textos de autores renomados como Ibsen e Dostoiévski
(BRANDÃO, 2009). As primeiras novelas televisionadas tinham muita semelhança com as
radionovelas, tanto na forma quanto no conteúdo. Segundo o sociólogo brasileiro Renato
Ortiz (1947- ), as matrizes da teledramaturgia brasileira residem nos folhetins da imprensa
francesa do século XIX, tendo também uma mescla do teatro e do rádio com as soap operas
norte-americanas. O início da teledramaturgia foi uma era de improvisação, confirmando o
depoimento de Norma Blum, ela comenta que os atores traziam de casa seus próprios
figurinos e, quando se tratava de peças históricas, as roupas eram alugadas. O autor ilustra
essa afirmativa com o depoimento da atriz Eunice Alves (1931- ), conhecida no meio
artístico como Márcia Real:

2 Diversos autores vêm se debruçando sobre a história da televisão brasileira e o papel da telenovela como um dos maiores
fenômenos culturais do nosso tempo. Ver, por exemplo, Calzas (1996) e Barroti (2013).
3 O principal responsável pela transmissão foi o controvertido empresário paraibano Assis Chateaubriand, dono de uma das

principais empresas de comunicação do país: os Diários Associados. Em 1951 foi inaugurada a TV Tupi Rio.
Chegava assim com uns vinte cabides. Em “Senhora”, que era uma peça
de época, eu usei para casar Aurélia Camargo o meu vestido de noiva. Eu
chegava com os cabides, com os sapatos, com tudo, porque ninguém dava
nada. (ORTIZ, 1988, p. 33)

A televisão passou a ser vista como um veículo de massa no início dos anos de 1960.
Para Ortiz, o golpe militar de 1964 foi uma força poderosa na criação dos produtos pelas
empresas televisivas, e estes refletiam as características políticas e sociais da época. A
preocupação dos produtores e críticos com a natureza da audiência cresceu nesse período,
resultando na introdução das primeiras pesquisas mercadológicas (BERGAMO, 2009). As
produções passaram a ser mais profissionais, acompanhando o crescimento do mercado
televisivo nacional 4.
Para Nóbrega Filho (2015, p. 31) a “teledramaturgia se fez genuinamente brasileira
a partir dos anos de 1970”. Segundo Hamburger (2005, p. 30), "sob o domínio da Rede
Globo, as novelas passaram a ocupar a posição de um dos programas mais populares e
lucrativos da televisão brasileira".
A profissionalização crescente das atividades realizadas na televisão, desde setores
específicos como os de cenografia, figurino, maquiagem e fotografia, até o processo de
criação de departamentos, é também ressaltada por Ortiz. Sem isso, assegura o sociólogo,
não teria sido possível um crescimento tão acelerado na produção das telenovelas. Foram
exibidas três novelas em 1963, vinte seis em 1964 e quarenta e oito em 1965. O ritmo intenso
demonstra claramente a necessidade de se alterar o modo de organização dos processos de
trabalho e ampliar os investimentos associados a uma estrutura empresarial sólida.
Assim, a teledramaturgia foi experimentando produções cada vez mais complexas,
que obrigaram os figurinistas a buscar informações sistematizadas, a partir de pesquisas
históricas, orientadas por especialistas, sem as quais não seria possível caracterizar
personagens, especialmente as que emergiam da literatura ou de momentos marcantes da
história do Brasil.
Ao longo de três décadas acompanhei na TV Globo transformações significativas nos
processos e nas condições de fabricação dos figurinos para teledramaturgia. Um exemplo
seminal da época é a minissérie “Grande Sertão: Veredas”, cujos figurinos foram idealizados
pelo próprio diretor, o mestre Walter Avancini (1935-2001). Ele acabou juntando a ideia

4 De lá para cá, a televisão se tornou a mídia brasileira mais popular, presente em mais de 95% dos domicílios. (fonte:
IBGE, Censo de 2010, disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2012-04-27/ibge-pela-1-vez-domicilios-
brasileiros-tem-mais-tv-e-geladeira-d.html>, acesso em: Maio de 2015).
inicial de trabalhar com o couro, para captar o universo do sertão mineiro, com o uso de
tecido, para conseguir maior movimentação de cena para os atores 5. Além disso, cuidou da
composição de cada cena. Conforme assinala Tamiris Batista Leite 6, a respeito de uma cena
que apresenta ao telespectador a pureza da revelação do amor, o diretor e roteirista tratou de
criar uma ambientação clara para as roupas de cama, cor da parede e usou vestimenta alva,
intensificando a irradiação da luz. Para reproduzir na TV o universo ficcional de Guimarães
Rosa, Avancini, que também assinou o roteiro final da trama, dirigiu cerca de 2 mil pessoas
ao longo de noventa dias de gravação no interior do sertão. Com a equipe de produção
alojada em um lugarejo chamado Paredão de Minas, a minissérie foi totalmente gravada em
locação (GLOBO, 2010, p. 260). Avancini utilizou sua experiência consolidada no teatro
para formar uma nova escola na teledramaturgia, contribuindo assim para a
profissionalização no setor (GLOBO, 2008, p.208).
Vale lembrar que, apesar da presença, na atualidade, de quatro grandes grupos
televisivos nacionais, a Rede Globo ainda desempenha papel dominante no mercado das
telenovelas, e já exportou onze novelas. A primeira, “Escrava Isaura” (1976-1977), chegou
a 79 países, e “Avenida Brasil” (2012), a 130 países. Na grade de programação de
teledramaturgia, a emissora contempla gêneros diversos (urbanas, regionais, de época, por
exemplo). O gênero “época” é uma das especialidades em que a emissora tem destaque no
cenário nacional e internacional.
Ao questionar se é possível construir um projeto de figurino de época artisticamente
comprometido e responsável, pergunta central deste trabalho, reitero minha preocupação em
deixar registrada, para a nova geração de figurinistas de época, uma reflexão estruturada
sobre os fundamentos básicos e as condições materiais mínimas para conceber e fabricar um
“bom” figurino para a teledramaturgia nacional. Por este motivo selecionei o caso de um
figurino premiado por juízes especializados. Parto de uma afirmativa polêmica: criar
figurino de época para a teledramaturgia é fazer arte aplicada e sua qualidade, assim como a
de um design materializado em objeto de arte, extrapola a habilidade do designer que o
concebe. Em última análise, um bom figurino depende da criatividade do designer
(figurinista de época), da competência de quem o manufatura (equipe de figurinistas e
profissionais especializados) e de quem o assessora para aspectos específicos (pesquisadores
e consultores). Com esta afirmativa, quero ressaltar que um bom figurino de época não pode

5 Fonte: Memória Globo, disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/grande-

sertao-veredas/figurino-e-caracterizacao.htm>.
6 “A construção do tempo na minissérie Grande Sertão: veredas”. Fonte: Abralic, disponível

em:<www.abralic.org.br/anais/arquivos/2014_1434481355.pdf> , Acesso em: Agosto de 2016.


ser realizado sem que a equipe de figurino compreenda as dimensões: estética, histórica e
funcional das peças, e que esta esteja preparada para executá-las com “maestria”. É
justamente por ser uma peça artística (estética) e funcional que a manufatura de um figurino
é desafiada cotidianamente pelo processo industrial da mídia televisiva.
A mídia televisiva tem características próprias, particularmente no que tange ao ritmo
intenso e acelerado de produção, que orienta e enforma (no sentido de enquadramento) o
modo de conceber e desenvolver figurino de época para a teledramaturgia. A velocidade
exige do profissional vasto conhecimento de seu métier, habilidade no comando da equipe e
também familiaridade com a engrenagem complexa de um modelo de produção industrial.
Requer entrosamento entre o figurino e a cenografia, a direção de arte, a fotografia e o
elenco. No conjunto de suas habilidades, o figurinista precisa saber dialogar com outras
obras do autor, integrar-se às demais equipes, buscando compreender a intenção do diretor
refletida nos processos de trabalhos dos demais profissionais e, especialmente quando faz
figurino de época, pesquisar e buscar especialistas no período retratado, de preferência
aqueles que conhecem o universo da ficção.
O ofício de figurinista de época está associado à sua formação e às suas fontes de inspiração,
tema da próxima seção.

1.1. MINHAS MEMÓRIAS

Minha forma particular de conceber um projeto de indumentária, especialmente


figurinos de época, foi construída fundamentalmente pelas interações entre o mundo
acadêmico e o profissional, e também pelo interesse profundo por esta área de conhecimento
desde a infância, observando minha mãe transformar em sua máquina de costura peças de
tecidos e roupas usadas, como as calças de meu avô, em nossos trajes de domingo. O
conhecimento informal foi sendo sistematizado durante a prática profissional, mas já tem
início na própria graduação. Esta foi uma aprendizagem orientada e inspirada por mestres
experientes e reconhecidos da Escola de Belas Artes da UFRJ (EBA). As memórias dessa
trajetória formativa são essenciais para pensar um modo de profissionalização e inserção no
mundo do trabalho do figurinista. Dessas experiências que vivenciei como estudante e que
continuei a ter ao longo do exercício do magistério técnico e universitário, destaco, em
especial, as figurinistas Maria Augusta Rodrigues (1950 -) e Kalma Murtinho (1920-2013),
o cenógrafo Hélio Eichebauer (1941- ) e a artista plástica, cenógrafa, figurinista e aderecista
Marie Louise Nery (1924- ).
Foi pela indicação da professora Maria Augusta Rodrigues que ingressei, em 1977,
como estagiária de Kalma Murtinho na novela “Espelho Mágico”. Murtinho, uma das
fundadoras do Teatro Tablado, foi reconhecida desde o início da carreira e já detinha
diversos prêmios quando tive contato profissional com ela. Ela me preparou para um
conhecimento técnico amplo e refinado; em especial, tive acesso a sua metodologia de
produção de figurinos e acessórios do sofisticado universo burguês carioca, mundo que lhe
era familiar por origem. Por quatro anos acompanhei, em diferentes espaços culturais, a
jornada investigativa da mestra que se tornou amiga. Kalma ensinava que “(...) a cor, a linha,
tudo depende da expressão que o figurino deve ter para quem olha” e que o figurino “é o
sinal que você quer passar. E a adequação, deve servir ao tipo que ele vai mostrar” (GLOBO,
2007, p.64). Ela dominava os materiais e tinha bom gosto para misturar magistralmente
peças de diferentes procedências. Além disso, garimpava preciosidades como ninguém, pois
tinha vasto conhecimento do assunto. Não se cansava de percorrer as ruas da cidade
pesquisando acervos, ia dos melhores antiquários aos mais insignificantes brechós. Sua
reserva técnica era conhecida, porque guardava todos os projetos feitos, e sua biblioteca era
riquíssima. Trabalhávamos sempre com livros de indumentária e com obras raras colhidas
em suas viagens pelo mundo. Uma verdadeira coleção iconográfica, transbordando cores,
texturas e formas: objetos de artesanato latino-americano (com destaque para os brasileiros
e peruanos) e pré-colombiano, além de adornos coloridos, fios e tramas. Gravuras, pinturas,
desenhos e livros com dedicatórias e agradecimentos refletiam o talento dessa profissional
inovadora e incansável que produzia três, quatro peças concomitantemente. É preciso
acrescentar que Kalma era tão exigente na execução dos figurinos quanto em sua criação,
pois sabia muito bem que um figurino desleixado ou mal-acabado prejudicava todo o
espetáculo. Com ela também aprendi que o mais difícil na roupa de época são os acessórios,
bengalas, luvas, como usar, onde deixar, “Os homens tiravam as luvas e jogavam numa
mesa, dentro da cartola. Era um gesto, um gesto da época [...]. Metade das pessoas acha que
não precisa, tira os acessórios e assim, tira a característica. É uma pena” (MURTINHO,
2014, p.98).
A casa de Murtinho era frequentada por amigos autores, diretores e atores renomados
como Fernanda Montenegro, Marília Pêra e Vera Fisher. Estrelas e diretores confiavam em
suas criações sabendo que não havia período ou local a que ela não atendesse com precisão
e que não havia figurino por ela concebido que não deixasse a atriz ou o ator perfeitamente
confortável para fazer seu trabalho. Segundo Barbara Heliodora foi “[...] a certeza dessa
qualidade que fez com que Kalma, tão forte na criatividade quanto na pesquisa, viesse a ser
chamada para trabalhar com todos os diretores importantes por mais de cinco décadas”
(HELIODORA, 2014, p.18).
As senhorinhas do “Apoio Fraternal” em Laranjeiras, bairro carioca, também a
conheciam muito bem, e sempre ofereciam, em primeira mão, àquela cliente especial do
brechó, joias raras que só Kalma sabia valorar em uma rápida visada. Trazia sempre à mão
a ficha de medidas dos atores, que ela mesma fazia questão de tirar. Além de registrar as
proporções, anotava detalhes preciosos que serviam muitas vezes de guia no decorrer da
produção dos figurinos.
Murtinho pertenceu à geração que profissionalizou e deu visibilidade ao ofício de
figurinista. Sua trajetória profissional exitosa ao longo de sessenta anos está parcialmente
registrada no livro “Kalma Murtinho, figurinos” (MURTINHO; GREGÓRIO, 2014).
Acredito ser imprescindível uma reflexão sobre o papel da orientação artística no modelo
exercido por Kalma para pensarmos os percursos formativos em figurino. A análise de uma
relação similar ao do mestre e do aprendiz permite identificar um amplo conjunto de
estratégias de ensino-aprendizagem seja por imitação ou por interação.
Sobre o mestre carioca Hélio Eichebauer destaco o período em que exerceu a
coordenação do curso de Cenografia da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (1971 e 1972). Ele ensinava fora dos padrões acadêmicos da época, trazendo
para a realidade brasileira a metodologia de sua formação na Escola de Praga, onde estudou
com o cenógrafo Josef Svoboda de 1963 a 1966, tendo feito estágio no Beliner Ensemble e
na Ópera de Berlim, com passagens pela França, pela Itália e por Cuba, como descrito pelo
próprio artista no seu livro “Cartas de marear: impressões de viagem, caminhos de criação”,
de 2013. Nas palavras do autor:

A sala de aula era um laboratório de artes plásticas, literatura, filosofia,


arquitetura e música. Praga me ensinou todo o rigor, todo o método, toda
uma forma muito específica de ver o mundo, de trabalhar com as formas.
A abstração cinética. (EICHBAUER, 2013, p.208).

Hélio “renovou a cenografia brasileira com ideias arrojadas, modificou os recursos


habitualmente usados, propondo a metáfora, a livre interpretação e o papel autoral na
concepção artística do espetáculo” (SERRONI, 2013, p.171).
Frequentei, entre 1974 e 1977, as aulas de Hélio na EBA e na Escola de Artes Visuais
(EVA), instalada no Parque Lage, situado no bairro Jardim Botânico. Eram encontros
memoráveis entre estudantes e profissionais de formações diversas – retornei depois, em
2000, para reviver em tempos acelerados a riqueza do estudo e da reflexão que seus cursos
livres de artes plásticas e artes cênicas agora no espaço do Jardim Botânico, me
proporcionavam. Essas convivências evocam o sentido das “humanidades” concebido pelo
historiador de arte Panofsky:

Assim, enquanto a ciência tenta transformar a caótica variedade dos


fenômenos naturais no que se poderia chamar de cosmo da natureza, as
humanidades tentam transformar a caótica variedade dos registros
humanos no que se poderia chamar de cosmo da cultura. (IDEM, 2014,
pp.24-25).

Outra experiência que considero radical para a minha formação de figurinista de


época foi ingressar, em 1980, por indicação de Kalma Murtinho, no quadro do Teatro
Municipal do Rio de Janeiro. Longe de exercer as atribuições do cargo registrado em minha
carteira de trabalho – “assistente de direção de óperas e balés” – minhas atividades estavam
relacionadas com a produção de figurinos, sob a supervisão de Tatiana Chagas Memória
(1927-2007), diretora do Teatro. A oportunidade significou experimentar materiais têxteis
singulares e trajes marcados pelos saberes e fazeres da tradição da ópera e do ballet, criados
por artistas consagrados como o produtor e diretor de óperas Franco Zefirelli (1923- ). Da
experiência adquirida no Teatro Municipal, ressalto, como dimensão basilar e diferenciadora
para a minha formação, o acesso a um vasto e importante acervo de modelagens de época,
que foram sempre utilizados como referência em meus trabalhos mais complexos.
Em 1984, fui convidada pela professora suíça Marie Louise Nery para lecionar na
Escola de Teatro da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO). A artista era responsável por
três disciplinas do departamento de Artes Cênicas: Artes Plásticas, História da Indumentária
e Práticas de Montagem de Figurino Teatral. Como docente da instituição, acompanhei
cotidianamente os exercícios de criação que ela desenvolvia com seus estudantes nestas
disciplinas. Um trabalho refinado e inovador que enfatizava o valor do rigor da estética
visual nas adaptações do figurino teatral, numa época em que pouco ou quase nada existia
em português sobre as relações entre figurino, artes cênicas e artes plásticas. Marie Louise
destacava-se também por sua habilidade em entrelaçar saberes de fontes diversas – carnaval;
dramaturgia de rua; produção de bonecos e máscaras, alegorias e estandartes; e o que fosse
possível ou necessário abraçar. Casada com o artista plástico brasileiro Dirceu Nery,
transbordava sabedoria, inteligência emocional, afeto, criatividade e dedicação às artes
cênicas e ao ensino. Em sua publicação “A evolução da indumentária: subsídios para a
criação de figurinos” (2004), a artista deixa registrada em texto e em desenhos ilustrados por
ela uma parcela do conhecimento que tinha sobre história das artes, artes plásticas e autores
teatrais.
Kalma Murtinho, Marie Louise Nery e Maria Augusta Rodrigues acompanharam,
como testemunhas e consultoras, meu trabalho na televisão e, de forma menos direta, minha
atividade docente. Mestra da arte e da cultura popular brasileira, Augusta me revelou o
mundo da cultura popular. Com ela vivenciei pela primeira vez o cenário da avenida,
descobrindo na prática concreta as dimensões reduzidas do recorte televisivo. Augusta é
capaz de transpor imageticamente os eventos do cotidiano carioca – leva as brincadeiras de
rua para o palco da avenida. Compõe com maestria usando técnicas artesanais (papier -
marché, vime, escultura em isopor, aramado à mão sobre opaline e papel couro) e transforma
com muita habilidade sentimentos e emoções em trajes. A artista é reconhecida na mídia
pela sua trajetória consagrada no mundo carnavalesco, em especial, nos enredos produzidos
para a Escola de Samba União da Ilha do Governador no início e em meados da década de
1970 (1972-1973 e 1976-1978). Além disso, foi a principal articuladora na montagem do
primeiro curso técnico de estilismo criado no Rio de Janeiro pelo Centro de Tecnologia da
Indústria Química e Têxtil (CETIQT), do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI), implantado em 1986. Fundamentou o projeto pedagógico nas artes visuais e
plásticas, incluindo na grade curricular as tecnologias emergentes do Design Assistido por
Computador 7 e da Manufatura Assistida por computador 8, recém-introduzidas nas indústrias
brasileiras têxteis e de confecção. Em sua concepção, o curso deveria capacitar o futuro
estilista industrial de modo ampliado, isto é, para atuar em campos diversos como, por
exemplo, o do figurino televisivo. No projeto curricular, as disciplinas e as ementas dos
campos da Moda, do Design e das Artes Cênicas foram desenvolvidas, em colaboração, pela
artista plástica Rosa Magalhães (1947- ) e pelo cenógrafo Claudio Moura, ambos docentes.
Realizei, como professora, um mergulho na realidade do mundo da fabricação têxtil e de
confeccionados que até então desconhecia. Pela primeira vez experimentava saberes
compartilhados por s profissionais que elaboravam plantas piloto de acabamento e de
confecção, vinculados a laboratórios didáticos de física e de química. O curso acolhia
estudantes de diferentes procedências geográficas e formações acadêmicas. Com frequência,
encontrávamos jovens egressos de cursos superiores variados que buscavam ampliar seus

7 Em inglês - Computer-Aided Design - CAD


8 Em inglês – Computer-Aided Manufacturing - CAM
horizontes profissionais. À época, a formação em modelagem assistida por CAD era uma
novidade que abria portas do mercado de trabalho.
Das minhas lembranças das décadas de 1970 e 1980, destaco o fato de que todo o
figurino na TV Globo era praticamente feito na costura. O experiente figurinista Carlos Gil
(1913-2009), habituado a orientar a confecção de figurinos complexos como os de “Escrava
Isaura” (televisionada pela primeira vez entre 1976-1977), ajudava os iniciantes a
destrinchar os desenhos na hora das modelagens. Com ele aprendíamos também como
superar o desafio de encontrar equilíbrio entre o tempo, grande vilão da teledramaturgia, e a
qualidade da produção. Destaco aqui o pioneirismo de Carlos Gil no processo de reutilização
dos acervos da TV Globo, que eram frequentemente utilizados para pesquisa e reserva
técnica em nossas criações.
Neste contexto historicamente situado, faço um desvio e desloco minhas recordações
para as tensões vivenciadas no ambiente televisivo, como assistente de figurino para a TV
Globo, no período que antecedeu a abertura política. Em 1978, os roteiros das novelas ainda
eram submetidos ao setor de censura. À época, comentava-se nos bastidores o veto de 36
capítulos gravados ocorrido na primeira versão da novela “Roque Santeiro” (1975), escrita
por Dias Gomes, adaptação de um texto teatral do próprio autor, o “Berço do Herói” (1963),
que misturava o real com o fantástico. Essa mistura suscitava um manancial de desafios de
comunicação visual, incluindo o figurino, assinado por Isabel Pancada (1937-2012). A
censura impossibilitou a exibição de grande parte dos figurinos, impedindo, segundo Gil (em
conversa informal), que o trabalho criativo da figurinista Isabel pudesse emergir na sua
plenitude. O fato nos remete à reflexão de Ortiz sobre a censura agindo “como repressão
seletiva que impossibilita a emergência de um determinado pensamento ou obra artística”
(ORTIZ, 1988, p.114).
Mesmo correndo o risco de escapar da memória nomes de figurinistas renomados que
formaram gerações de profissionais na teledramaturgia nacional, encerro esta seção
destacando o figurinista, cenógrafo e carnavalesco carioca Arlindo Rodrigues (1931-1987),
autor de memoráveis desfiles de escolas de samba do Rio de Janeiro nas décadas de 1960,
1970 e 1980. Habituado a lidar com a cultura popular, Arlindo Rodrigues foi responsável
pela criação dos figurinos de época das primeiras novelas exibidas na TV Globo nos anos
1960, exercendo com criatividade e destreza a regência dos profissionais das áreas de costura
e caracterização, uma vez que 90% dos trajes e acessórios eram feitos na emissora. “Arlindo
é quem ditava o estilo das roupas, maquiagens e penteados dos atores da teledramaturgia da
TV Globo em seus primórdios, quando as novelas ainda eram em preto e branco e pesar a
mão no visual era uma forma de destacar o luxo e a fantasia das tramas”. (GLOBO, 2007, p.
40). Através de um guarda-roupa repleto de símbolos e mitos, o artista plástico autodidata
imprimiu na teledramaturgia nascente um estilo próprio no campo das artes cênicas ao ser
capaz de associar adaptações clássicas da literatura universal e o imaginário popular.
Reconhecido por sua capacidade de elaborar um conjunto harmonioso de trajes adequados à
trama, suas criações eram tão detalhadas no acabamento, nas texturas dos materiais e nos
cortes dos modelos que as lentes da câmera podiam se aproximar dos trajes dos astros e das
estrelas sem arriscar um tropeço. Arlindo não aceitava modificações que descaracterizassem
os trajes. Por exemplo, na telenovela “Sangue e Areia”, exibida originalmente em 1967,
alguns atores queriam dispensar a faixa que era colocada sobre a túnica, na altura da cintura,
porque ela ressaltava a barriga. Arlindo contrapôs a proposta, sugerindo como solução, o uso
de cinta para alongar a silhueta. (MEMÓRIA GLOBO, 2007, p.42). Em síntese, Arlindo
Rodrigues contribuiu para a profissionalização do figurino abrindo caminho para os
profissionais que despontavam nas décadas de 1970, como menciono de modo sucinto em
“outras memórias: uma breve revisão bibliográfica”.

1.2. OUTRAS MEMÓRIAS: UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

É preciso reconhecer o crescimento no Brasil das publicações, dos grupos de pesquisa


e dos eventos científicos que investigam nas áreas de moda, design e figurino. Uma ideia
deste crescimento é fornecida por Maria Claudia Bonadio ao comparar os resultados obtidos
no intervalo de uma década. Em 2000, segundo Bonadio (2010, p.53), foram identificados
32 trabalhos com a presença das palavras moda, vestuário, têxtil e roupa nos campos título
e/ou assunto, e em 2010 um total de 533 dissertações, teses e uma livre-docência. A respeito
deste crescimento, destaco ainda o número de periódicos científicos dedicados ao tema de
moda que estão mensurados pelo Qualis Periódicos 9 como, por exemplo, o “dObra[s],
Iara:Revista de Moda, Cultura e Arte” e o “Modapalavras” (MATTOS; BONADIO, 2014,
p.11).
Dentro deste conjunto é possível identificar uma gama de investigações e de registros
biográficos cujo objeto é o figurino para a teledramaturgia. Esta seção não tem a pretensão
de uma revisão bibliográfica completa. Meu propósito é o de apresentar outras práticas de

9Fonte: Acervo Capes, disponível em :


<https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/veiculoPublicacaoQualis/listaConsultaGeralPeriodicos.jsf,
>, acesso em: Fevereiro de2015.
construção de figurino para telenovela, seja diretamente pelas vozes dos figurinistas, seja
pelas vozes de pesquisadores. Vejo essas narrativas como uma porta de entrada para discutir
o que não pode ser deixado de lado na formação profissional em questão.
Por uma questão de familiaridade, inicio tecendo comentários sobre o livro de
Marília Carneiro intitulado “Marília Carneiro no Camarim das Oito”. Impresso em 2003, a
autora descreve suas experiências como figurinista na TV Globo a partir da década de 1970.
Faz um relato de mais de 30 anos de experiência e sua biografia se confunde com a própria
profissionalização da categoria. Há também recordações de um período significativo da
produção artística nacional e aspectos da evolução do tempo de uma teledramaturgia que se
firmou como um fenômeno social concreto na vida brasileira, desde os anos 1970. Carneiro
destaca com humor e precisão aspectos introduzidos por ela em sua maneira revolucionária
de produzir figurinos para novelas contemporâneas: a função de caçadora de tendências. Fica
evidente a preferência da profissional pelo tipo naturalista-realista ao instruir-nos sobre o
funcionamento de seu processo de criação, da leitura do roteiro até a maquiagem do ator,
passando por orçamentos de aquisição de roupas e tratamentos de tecidos. Ela abre também
espaço para a vida dos bastidores e para os tropeços no camarim, onde se vestem não só
pessoas, mas também humores e estados de alma. Para Marília, “vestir um personagem é um
pouco construí-lo”. A sua maneira, Marília traduz na prática os pressupostos teóricos
apresentados por Cyntia Tavares Marques de Queiroz (2014), em sua reflexão sobre o campo
dos currículos para o ensino de moda. A autora ressalta a importância de “instrumentalizar
os estudantes à identificação da beleza como expressão da autonomia humana, por
intermédio do juízo de gosto” (IBID, p.63). Uma das maneiras de fazê-lo é introduzir e
valorar na educação as subjetividades: emoções, efemeridades, incertezas, sensações e
sentidos.
Sobre a profissionalização do figurino para a televisão há o livro “Entre tramas,
rendas e fuxicos – o figurino na teledramaturgia da TV Globo”, editado em 2007. Vinculado
à Central Globo de Comunicação, a obra foi elaborada pela equipe do “Memória Globo”,
formada por historiadores, antropólogos, sociólogos, e jornalistas, que se dedicam, desde
1999, a pesquisar a história da TV Globo e de suas produções, nos arquivos da empresa e
em acervos públicos e privados. O texto conta a história do figurino de teledramaturgia na
TV Globo de 1960 até 2007, relacionando documentos (textuais e visuais) e extratos de
entrevistas realizadas com onze figurinistas da emissora e outros profissionais que trabalham
na criação e na produção de figurinos deste gênero. Organizado em seis seções, além de uma
breve apresentação, o texto introduz o tema a partir da descrição e da análise de saberes e
práticas. O figurino é visto como uma espécie de arte, capaz de representar os modos de
vida, da cultura e da estética de uma época. O figurinista é descrito como um construtor de
personagem que coloca o figurino a serviço da narrativa (pp.14-17). Como exemplo, cito a
historiadora e figurinista Emília Duncan (1958- ) ao afirmar que “nós figurinistas,
decodificamos e recodificamos um figurino para o público atual. Não dá para levar ao pé da
letra os códigos velhos; se não, você não comunica” (IDEM, p.16). A seção denominada
“Janela” dedica-se a mostrar como o figurino da teledramaturgia influencia os hábitos de
consumo da moda e é influenciado por eles: “O modismo dos figurinos é uma via de mão
dupla. Fonte de inspiração, a televisão também busca no dia a dia e na moda elementos para
as suas criações” (MEMÓRIA GLOBO, 2007, p.330).
No “Figurino, uma experiência em televisão”, editado em 2002, Adriana Sampaio
Leite e Lisette Guerra tratam das diferenças entre arte, moda e figurino. Baseadas em uma
vasta pesquisa de campo e na prática de Adriana Leite dentro do veículo televisivo, as autoras
dialogam com depoimentos de profissionais da área, enriquecendo o acervo bibliográfico
para futuras pesquisas. Esclarecem para o leitor, através de quadros e diagramas sintéticos,
as diferentes etapas do processo criativo e as interfaces com outras áreas de produção dos
bastidores desse intrincado fazer coletivo. Atribuem status ao figurinista como mediador
criativo, intérprete e voz da personagem em busca de uma plasticidade sensível.
Os múltiplos caminhos que investigam o fazer do figurino estão também no livro de
Rosane Muniz “Vestindo os nus” (2004) e em “O diário de pesquisador: traje de cena”
(2012), organização de Fausto Viana e Rosane Muniz. O primeiro descreve o fazer teatral e
o segundo apresenta reflexões de profissionais e teóricos sobre os múltiplos caminhos do
fazer figurino, com destaque para o texto do professor e figurinista Samuel Abrantes em
“Diário do Figurinista: O traje de Cena” (2012, pp 73-86), onde descreve seu estilo de
criação; uma prática discursiva singular, desenvolvida no transcurso de 25 anos, dedicados
a conjugar o ensino acadêmico, com a prática artística. Destaca a importância do “fazer com
as mãos” como campo experimental reflexivo, o lugar das descobertas e da riqueza de sua
intensa prática teatral. Desenvolve um pensamento interdisciplinar para costurar teoria e
prática, criando um tecido rico de texturas simbólicas, repletas de memórias afetivas,
tingidas nos elementos naturais do cotidiano, entrelaçando o corpo do ator para revesti-lo
com o colorido de sua imaginação. Para ser mais precisa reproduzo as palavras de Samuel
Abrantes, em seu depoimento:
Meu método é muito pessoal e muito próprio – todo o artista é singular na
sua criação – e a minha singularidade se dá nesse processo. Não gosto de
trabalhar com o tecido tal e qual vem da loja. Eu pego e rasgo, queimo,
tinjo, desboto, coloco alvejante, faço beneficiamento passo cola, resina,
invento coisas. Porque o ator, quando pega o figurino no seu personagem,
não o tirou de uma vitrine, mas de um baú, de uma caixa de história do
teatro ou do ator, sei lá, da história do texto. (MUNIZ, 2004, p. 274).

No conjunto de publicações encontro também análises de projetos que criei para a


teledramaturgia nacional. O figurino de “Primo Basílio” e “Os Maias” estão presentes no
texto da pesquisadora Solange Wajnman, intitulado “O figurino imaginado da TV: o que se
pode aprender com ele”, (VIANA, MUNIZ, 2012, pp 149-161). A autora recorre ao
sociólogo francês Roger Bastide para sugerir que na teledramaturgia o traje pode ser visto
como estilo de vida, o ponto de contato da arte e do social, o lugar onde a arte penetra o
humano para modificar o social. Segundo Wajnman, o traje audiovisual, sua designação para
o figurino de televisão, faz parte de uma engrenagem midiática com características de
difusão massiva que se sustenta a partir das tecnologias de comunicação, mas nem por isso
teria menos expressão artística.
Luciana Selvaggio, Maria Sílvia Barros de Held e Isabel Cristina Italiano
apresentaram, em 2010, no 6º Colóquio da Moda, o estudo “A construção da minissérie
Capitu”. O figurino de “Capitu” foi tema central da dissertação de mestrado de Mariana
Millecco Ribeiro, intitulada “Capitu: pela análise de um figurino e por um resgate e
reconstrução da metodologia de trabalho de Beth Filipecki”, defendida em 2014, e também
foi abordado no artigo da pesquisadora Carolina Bassi de Moura intitulado “Capitu: a
televisão vestida em camadas” (2014), em que a autora discute de que maneira a estética
moderna do escritor afetou a criação dos trajes de cena. Um ponto mencionado por Moura
que desejo destacar é o efeito positivo sobre o desempenho das equipes de produção
associado à palestra sobre a gestualidade da época e o uso adequado de determinados objetos,
apresentada por Kalma Murtinho para o elenco e profissionais diretamente envolvidos
(IBID, p.104). “Lado a Lado: ritmos, poemas, sonhos...ilusões da modernidade” é o título
do ensaio de Ana Beatriz Pereira de Andrade, Ana Maria Rebello Magalhães e Paula Rebello
Magalhães de Oliveira sobre a telenovela “Lado a Lado”, publicado na coleção “Ensaios em
Design: pesquisa e projetos” (2013). Em 2015, as mesmas autoras publicaram um novo
ensaio sobre “Primo Basílio”. Desde agora realço um ponto que foi observado pelas autoras
e que será aprofundado adiante:

O figurino de Lado a Lado tornou visíveis nas representações das


protagonistas, Laura (interpretada por Marjorie Estiano) e Isabel
(interpretada por Camila Pitanga), mudanças de atitude diante dos novos
valores e hábitos. Cada um ao seu modo, consideradas as diferenças entre
vivências particulares e diferença racial, exemplificam reações às
imposições conservadoras, reafirmadas na forma de vestir. (ANDRADE et
al, 2015, p.65).

Finalizo a seção destacando dois pontos. Primeiro a importância dos estudos sobre
os trajes e acessórios para compreender a história do vestuário e da moda nacional. Concordo
com Bonadio (2014, p.9) ao afirmar que “os trabalhos sobre acervos ainda são recentes no
Brasil”, e ratifico a importância de grupos de pesquisa como os de Fausto Viana e Rosane
Muniz em São Paulo e o Núcleo Interdisciplinar de Estudo da Imagem e do Objeto NIO –
PPGAV- EBA, de Maria Cristina Volpi no Rio de Janeiro 10, preocupados em subsidiar o
ensino e a pesquisa sobre a história da indumentária no Brasil. O segundo ponto é sobre os
atributos do figurino de época e sua relação com a prática que descrevo e analiso neste
trabalho.
Um bom figurino de época opera mudanças na modelagem original, adaptando as
formas das roupas para torná-las adequadas ao personagem, à estrela (ator ou atriz), à
representação, ao orçamento, ao tempo e a tecnologia televisiva. Grande parte do esforço do
figurinista de época consiste em multiplicar o número de trajes sem precisar confeccioná-
los. Uma das formas de obter este resultado é criar uma silhueta base, sobre a qual camadas
de acessórios são somadas ou subtraídas: coletes, golas, peitorais, capinhas, sobressaias etc.
Além de facilitar o manejo da forma, o uso da silhueta base torna o figurino versátil e
funcional. Sobre esta forma, é possível criar um conjunto de trajes conjugando diferentes
materiais e texturas (como musseline, renda, georgete, filós, tules,) com técnicas variadas
(como drapping, encaixes e cortes, crochê, fitas, patchwork e bordados) e acessórios.
A versatilidade e a funcionalidade dos trajes que utilizam a silhueta base são
características visíveis em diferentes momentos da gravação. Como a teledramaturgia é uma
obra aberta ou em construção, os trajes precisam ser adaptados à encenação e às várias
frentes diárias de gravação.
A mistura dos materiais e a aplicação das técnicas mencionadas permitem, também,
contornar restrições de orçamento para a aquisição dos tecidos, rendas e acessórios nobres.
Outra vantagem da composição dos trajes a partir da silhueta base e da sobreposição de peças
avulsas sobre o modelo-base é a sua flexibilidade. Por exemplo, diferenças na fonte luminosa
durante a gravação (dia/noite, externa/estúdio) criam efeitos inesperados cuja solução pode

10NACIF, Maria Cristina Volpi. Estilo urbano: um estudo das formas vestimentares nas camadas médias urbanas no Rio
de Janeiro, na primeira metade do século XX. Tese de doutoramento. Niterói/ICFH/UFF. 2000.
ser obtida retirando ou adicionando camadas. Sobre a organização e a preservação do acervo
associado ao uso desta estratégia, observo algumas dificuldades. A primeira é o
armazenamento e a catalogação das pequenas peças como as golas, capinhas, anquinhas e
acessórios. A segunda é a falta de critério na reutilização das peças: um pedaço de renda
francesa não pode ser colocado em uma peça ou traje qualquer.
A silhueta base também é utilizada para criar unidade entre a silhueta da atriz e a
silhueta da personagem (Figura 1). Este processo de harmonização ou fusão de silhuetas
sobre a silhueta base leva em conta não apenas os traços físicos, mas, também psicológicos.
O traje potencializa a incorporação da personagem pela atriz. E a incorporação está associada
à identificação e à concordância da atriz com o traje. Em última instância, constitui o que
Gilda Mello e Souza denomina “essência da elegância” (1987, p.41).
Figura 1-- A transformação de silhuetas: atriz e persona em fusão 11
Este aspecto levanta questionamentos sobre a relação entre um bom figurino e a
autenticidade dos trajes dos personagens utilizados na teledramaturgia. Para ilustrar de que
maneira um bom design de figurino leva em conta os condicionantes, apresento na próxima
seção os procedimentos que utilizo para operar ordenadamente as transformações da silhueta
das protagonistas de “Lado a Lado”.

1.3. DESIGN DE FIGURINO DE ÉPOCA: TRANSFORMAÇÃO DE SILHUETAS E


MANEJO DE FORMAS

Estilo e evolução estilística não resultam da invenção de formas


específicas, mas sim do manejo das formas. (PANOFSKY, 2001, p. 125).

Meu objetivo nesta seção é destacar alguns atributos estéticos e funcionais de um


figurino de época concebido para a teledramaturgia. Inicio pela modelagem original da época
e os dispositivos utilizados para fabricar as formas da silhueta feminina. Em seguida,
apresento a passagem da modelagem original para a modelagem base: uma operação
orientada pelos condicionantes materiais e imateriais (por exemplo, tempo e conhecimento),
associados à produção da teledramaturgia de época. Encerro com uma reflexão sucinta sobre
a adaptação da modelagem base ao corpo da atriz e ao enquadramento da câmera.
“Lado a Lado” tem duas fases - 1904 e 1910 – e estas terão influência na silhueta
feminina. Na primeira, predomina a silhueta em “S” (Figura 2A) e, na segunda, a “colunar”
(Figura 2B),

11 Fonte: Acervo pessoal


Figura 2A - Silhueta e, "S" e os espartilhos, responsáveis Figura 2B– Silhueta “colunar” tradicional 13.
pela formação da silhueta feminina 12.

1.3.1 A silhueta em “S” de 1904: espartilhos, babados, anquinhas e anáguas

Por baixo das roupas as mulheres usavam um moderno espartilho que


inclinava a parte de cima do corpo para a frente, formando um peito
inteiriço como o papo do pombo, e projetava os quadris para trás, desse
modo formando a típica silhueta em “S” da época. (FOGG, 2013, p. 191).

A silhueta em “S” era fabricada por um conjunto de dispositivos colocados por baixo
das roupas para modelar o corpo feminino como, por exemplo, o espartilho.

Os figurinos desta fase incorporam formas curvilíneas, cinturas


extremamente afuniladas, golas altas ou decotes fechados, saias volumosas
e bem ajustadas na cintura e que se abrem no formato de sino a partir do
quadril. (MENDES; HAYE, 2009).

12 Fonte: Coleção de imagens do Pinterest, disponível em: <www.pinterest.com>, acesso em: Maio de 2016
13 Fonte: Coleção de imagens do Pinterest, disponível em: <www.pinterest.com>, acesso em: Maio de 2016
Na silhueta em “S” original, a chemisette (equivalente hoje ao top com babados)
servia para mascarar a divisão dos seios e dar espaço ao espartilho (letra A, na Figura 3). A
cintura se submete à tensão dos espartilhos para representar e enfatizar a delicadeza da forma
feminina (letra B, na Figura 3). Mesmo desconfortáveis e inapropriadas ao clima tropical, os
espartilhos mantiveram-se como sinal de status por várias décadas do século XIX até o início
do século XX, no Brasil. A calçola (similar a uma bermuda) é utilizada como proteção
feminina (letra C, na Figura 3), a gola de colarinho alto serve para esconder o colo durante
o dia (letra D, na Figura 3), e a anquinha (letra E, Figura 3) para levantar o bumbum. O cinto
externo (letra F, na Figura 3) é utilizado como acabamento, para firmar a postura e também
ressaltar a cintura fina da silhueta da mulher.

1900

Figura 3 – Camadas que compõem a estrutura interna da


silhueta “S” 14.

Na silhueta em “S” original, a anágua é o dispositivo utilizado para dar volume e


definir a forma do quadril (Figura 4); evidentemente, a modelagem da Belle Époque tem de
ser adequada às formas da mulher do século XX. Se no final dos oitocentos, mulheres de
segmentos sociais mais ricos, de classes abastadas, passam a circular ao ar livre e que
praticam esportes como o ciclismo e o footing, o que interfere no vestuário, a situação é outra
um século depois. O espaço público certamente atua como controle do corpo no meio social.
Mas as atrizes que interpretam esses papéis não sofrem do mesmo modo aquele tipo de
controle e devem se preparar no que diz respeito aos gestos; o figurino, por sua vez, deve

14 Fonte: Acervo pessoal.


adequar os novos físicos aos trajes de uma época em que a liberdade de circulação estava
ainda em processo.

Figura 4 - Anágua original de 1900 15.

1.3.2 Com espartilhos, sem babados, sem anquinhas e sem anáguas: a silhueta “colunar” de
1910

“O surgimento do vestido entrevêe por volta de 1910 provocará o desaparecimento


das anáguas de seda e a substituição pela peça chamada combinação feita de tecido lingerie
(linharia fina) de crepe de china” (BOUCHER, 2010, p. 391). No que tange aos espartilhos
(Figura 2B) estes foram mantidos e alterados na sua estrutura e no material; tornaram-se
mais longos, leves e menos apertados na cintura.
Na silhueta “colunar” da segunda fase da teledramaturgia os babados e a anquinha
são retirados, propiciando maior liberdade de movimento e gestualidades.

[...] o busto ainda é bastante rebuscado, mas a silhueta de estômago


extremamente achatado do espartilho em “S” foi substituída por um
desenho mais de coluna. (FOGG, 2013, p. 198).

No figurino de 1910, a gola com o peitoral e a anquinha da silhueta em “S” são


abandonados e o cinto é mantido, mas invertido (Figura 5).

15 Fonte: Metropolitan Museum, disponível em: <www.metmuseum.org;McCord>, acesso em: maio de 2016
Figura 5 - Combinação base da segunda fase 16.

1.3.3 A silhueta base e a multiplicação dos trajes

Um dos desafios do figurinista de época para produzir o guarda-roupa do elenco (atriz


ou ator) consiste em multiplicar o número de trajes sem precisar confeccioná-los. No meu
caso, utilizo uma silhueta base, sobre a qual camadas de acessórios são somadas ou
subtraídas: coletes, golas, peitorais, capinhas, sobressaias, por exemplo. Assim, a partir de
uma anágua, de um vestido e de uma blusa concebo um conjunto de trajes que constituem
uma pequena coleção ordenada. Em síntese, a silhueta base abre um leque de opções de
trajes. Os modelos são desenhados em papel vegetal sobre a silhueta base. Como ilustração,
apresento o modelo-base que utilizei para elaborar o guarda-roupa de Constância (Figura 6,
primeira linha, da esquerda para a direita), de Laura (Figura 6, segunda linha, da esquerda
para a direita) e de Isabel (Figura 6, terceira linha, da esquerda para a direita).

16 Fonte: Acervo pessoal.


Figura 6 — Constância, Laura e Isabel, respectivamente. As camadas sobrepostas e
opções de trocas criadas para traduzir o porte de Constância, Laura e Isabel,
respectivamente, e facilitar a construção dos modelos 17.

Para Constância e Laura utilizei uma saia e uma blusa como modelo base, e para Isabel uma
camisola, inspirada numa peça original utilizada no início do século XX (Figura 7).

Figura 7 - Peça original para camisola de Isabel 18.

As transformações sobre o modelo-base ocorrem por adição ou por subtração. No


caso de Constância, adicionei uma sobressaia e um encaixe de uma gola cachê-coeur. No

17 Fonte: Acervo pessoal.


18 Fonte: Acervo pessoal.
terceiro modelo, a saia e a sobressaia são mantidas, a gola cachê-coeur é retirada e uma blusa
transparente de mangas compridas é acrescentada. Na sequência temos mais dois modelos.
No primeiro, apenas o acréscimo do adereço (a pele); no segundo, a sobreposição de um
robe.
No caso de Laura, o modelo-base é uma saia longa ajustada na cintura e no quadril,
ligeiramente enviesada, com uma blusa ajustada à silhueta de golinha alta com nervuras
entremeadas de rendinhas, detalhada no desenho lateral (Figura 6), segunda linha, primeira
imagem da esquerda. As mangas são longas, e sobre a blusa foi aplicado um peitoral avulso.
Um plastron finaliza o conjunto. Na segunda imagem adicionei um colete acinturado e uma
sobreposição de saia com um recorte na altura do joelho que desce em curva mais baixa
contornando pelas laterais o desenho da saia. No terceiro modelo retirei o colete e coloquei
um paletó acinturado com detalhes no punho. O chapéu palheta permanece como na imagem
anterior. Na sequência (da esquerda para a direita), quarta imagem, temos um estudo
inacabado de troca de peças como a abertura da manga da blusa sobre o punho e, para
finalizar, a última imagem mostra um conjunto de camisola e robe desenhado para a
personagem.
Como afirmei anteriormente, para Isabel utilizei não uma anágua e, sim, uma
camisola (Figura 7). Assim, na primeira imagem da esquerda (Figura 6, terceira linha), o
modelo-base tem um largo babado franzido, entremeado de nervuras e rendas de algodão,
que visa ampliar a roda da saia até a altura acima do tornozelo. Na segunda imagem,
podemos observar sobre o modelo-base a sobreposição de um vestido com decote
arredondado e em mangas. Na terceira imagem, a sobreposição de uma blusa de mangas três
quartos ajustadas, com uma pequena golinha, um recorte arredondado na altura acima do
busto para formatar o pequeno peito de pombo, e o encaixe de uma pequena cinturinha.
Acrescentamos ainda uma faixa decorativa na cabeça. Na sequência, temos a sobreposição
de um colete curto, aberto na frente, arrematado à cintura, por uma faixa justa e alongada.
Na quinta imagem a aplicação de um xale de tricô fecha o quadro da primeira fase do figurino
de Isabel.
No figurino de época, a função da anágua é mantida, mas adaptada ao melodrama. A
adaptação é orientada pela necessidade de liberdade e de mobilidade para atuar (gestos,
expressões e deslocamentos físicos) e as características da tela; variáveis que demandam
leveza e equilíbrio. Na prática são feitas alterações no corte, no material e na densidade da
anágua. A figura 8 apresenta a silhueta base de 1900 (silhueta “S”) e de 1910 (silhueta
“colunar”), nas posições frente, perfil e costas.
Figura 8 -- Composição das silhuetas base de 1900 e de 1910 19.

A anágua na silhueta em “S” possui as seguintes características: frente lisa (para não
criar volume que impeça ou dificulte o andar), fio reto (para alongar o corpo e facilitar a
costura), babado franzido na altura da barriga da perna (para ampliar o movimento do andar).
Uma particularidade essencial da anágua é o cordão que faz o acabamento na bainha. Este
cordão, na segunda fase da novela, é utilizado para segurar a anágua na cintura. A anágua,
de modo geral, é confeccionada em tecido sem tintura para receber a coloração artesanal,
seguindo a paleta cromática concebida para o figurino. Além disso, a anágua tingida no ateliê
constitui a primeira camada sobre a silhueta base. As anáguas são feitas de cetim, cetim de
seda ou voil de algodão, e sua densidade (razão entre o peso do material e o volume do traje)
é manipulada alterando o corte, a costura, o encaixe ou a superposição.
A anágua da silhueta “colunar” usada em 1910 resulta da inversão da anágua em “S”.
O cordão da bainha da anágua em “S”, como já mencionei, é a cintura da anágua “colunar”.
A inversão é uma das estratégias que utilizam a silhueta base para multiplicar os figurinos e
facilitar a montagem do guarda-roupa. Acelera o tempo de produção e reduz a quantidade de
recursos materiais. Para transformação a silhueta base “S” para a silhueta base “colunar”
ocorre por inversão do cinto e da saia, por subtração do peitoral com a gola alta estruturada,
mantendo-se as mangas e a anágua.

19 Fonte: Acervo pessoal


Figura 9 - Anáguas de 1900 e 1910 para a telenovela 20.

A tradução da silhueta da época específica (“S” ou “colunar”) para a silhueta do corpo


da atriz é fundamentalmente uma interpretação de imagens. Esta tradução leva em conta
questões estéticas, funcionais e operacionais específicas da produção televisiva, seção que
encerra esse capítulo. Essa visão sustenta o argumento de que o conjunto de trajes e
acessórios de figurino, apesar de ter sido realizado em um ambiente altamente
industrializado, isto é, seguindo o modelo de produção da TV Globo, carrega uma
singularidade, por juntar o funcional (como um objeto de “design” ou uma roupa, feitos para
uso utilitário), a historicidade e a criatividade. Ao se envolver e mergulhar em uma época, o
figurino passa a fazer parte do pensamento estético e cultural daquele tempo, à medida em
que se aproxima dele e também o documenta, como, por exemplo, o uso da silhueta S e
colunar e também de adereços característicos da Belle Époque, que registram práticas
vestimentares presentes em 1904-1910. Por outro lado, como é uma recriação, tem o olhar
do figurinista sobre este passado.

1.4 A MÍDIA TELEVISIVA E O FIGURINO DE ÉPOCA PARA A


TELEDRAMATURGIA

Como afirmei anteriormente, o trabalho contínuo no meio televisivo me permitiu


testemunhar transformações radicais nos processos e métodos associados à evolução nas
técnicas de trabalho para a TV. Destaco aqui, em função do estudo da novela “Lado a Lado”,

20 Fonte: Acervo pessoal.


a mudança operada pela tecnologia de alta resolução HD TV, em especial sua capacidade de
ampliar de forma acentuada e inédita os detalhes das imagens. Trata-se de uma transição
ainda em curso que desafia, em especial, o figurino, posto que a qualidade da imagem para
o observador está associada ao meio de recepção (analógico ou digital). Em “A televisão
levada a sério” (2000), Arlindo Machado argumenta que as imagens da TV e do vídeo
precisam, antes de qualquer coisa, ser tratadas como imagens eletrônicas que, de fato, são.
Segundo o autor, elas traduzem certo campo visual.
As linhas da tela televisiva interferem nas formas, distorcendo as proporções dos
objetos artísticos (cenários, figurinos, produção de arte, iluminação e etc.), aqueles que
registram um processo cênico e histórico. O figurino, a exemplo dos cenários que se ajustam
ininterruptamente às novas tecnologias digitais, sempre em rápida evolução, leva figurinistas
e cenógrafos a criarem estéticas cuidadosas, na procura de conjugar o entendimento da
linguagem visual estabelecida pelos diferentes diretores com as novas leituras, visíveis ao
olho do telespectador contemporâneo, atento aos detalhes no acabamento dos cenários e dos
figurinos. O profissional que lida com as novas tecnologias deve se adaptar à demanda a
cada novo projeto, atentando às orientações definidas em reuniões com a direção artística,
iniciando pelas escolhas feitas pela direção no que diz respeito às equipes que irão realizar
o projeto.
Como exemplo, posso citar o cuidado fundamental na escolha do diretor de fotografia
que compõe o quadro de luz, projetando a forma como o telespectador vai identificar os dias
e as noites, na teledramaturgia de “Lado a Lado”. O figurinista, também, deve levar em conta
o movimento das câmeras e enquadramentos das cenas, buscando a beleza do conjunto; ele
precisa entender a imagem como um todo, ajustando suas criações não só ao corpo da atriz,
mas desta em sua relação espaço-temporal, nesse novo modelo de captação da imagem.
Além de mobilidade, o traje deve fortalecer a atriz em sua representação da
personagem, ou seja, ela deve se sentir segura na roupa que veste. A tecnologia digital pede
um cuidado redobrado na harmonia de proporções e no acabamento. Destaco, também, que
o trabalho do figurinista não termina com o traje pronto: existem os ajustes de última hora,
e, se forem mal feitos, trazem ruído à cena. Vale o mesmo para evitar efeitos exagerados e o
excesso de informação para uma personagem, como a vilã Constância, interpretada pela bela
Patrícia Pillar, uma atriz madura, que também se preocupa com o figurino, porque sabe que
isso faz parte da personalidade de sua personagem.
O figurino precisa de uma seleção rigorosa nas escolhas materiais, simbólicas e
estéticas para não engessar a performance da atriz, tendo o cuidado com o não dito. O
resultado advém da mobilidade do traje, do ajuste da composição da forma, da delicadeza
das texturas, das gamas de cor capazes de conferir o melhor ângulo para que os trajes de
cena se harmonizem ao conjunto, sem saturar a imagem. Atualmente, tudo fica em evidência.
Uma simples linha de outro tom ou um arremate inadequado, pela pressa do trabalho, devido
à alta definição das imagens captadas em HDTV pode se destacar na peça de roupa,
transformando o traje elegante em traje deselegante, com efeitos distorcidos.
Hoje mudaram as proporções convencionais e o figurino precisa traduzir, mais do
que no passado, a delicadeza no olhar e no tratamento dos materiais, como por exemplo a
dinâmica quanto às cores, que devem ser usadas com cautela. Se não houver cuidado com a
harmonia das combinações, e até mesmo com as intensidades de cada cor, pode-se poluir
visualmente a cena e intoxicar a visão do telespectador, causando um efeito indesejado e
transformando negativamente o sentido artístico e cênico da produção. Em minha forma de
ver, um figurino deve se transformar em um quadro vivo, uma composição, um recorte
elegante, aberto a releituras inovadoras.
Assim, a concepção dos trajes, diante das lentes, tem múltiplas funções: um
transpasse, o peso e o comprimento de um casaco; os pequenos bordados, as rendas, os
debruns; a variação e os ritmos dos comprimentos das saias - tudo pode realçar partes do
corpo da atriz ou prejudicar a organização visual proposta pela teledramaturgia. É importante
ressaltar que os figurinos sempre precisam se adequar à estética da televisão e, para isso, em
toda a minha carreira foi constante releitura de “O espírito das roupas: a moda no século
XIX”, de Gilda Mello e Souza (1987), livro de cabeceira para meus figurinos de época, para
análises estéticas, psicológicas, sociais e culturais das formas, tratamento similar à de um
objeto artístico. A alta definição tornou-se um grande desafio para todos os profissionais
envolvidos nessa empreitada, entendendo que a harmonia e a delicadeza das escolhas
(formas, cores, texturas, proporções, detalhes e acabamentos) são os grandes diferenciais
que se buscam num trabalho de qualidade. Que o figurino seja ao mesmo tempo criativo e
que transmita através das roupas, um modo da pessoa mostrar o que ela é e o seu propósito 21.

21 Eligere, outra forma de dizer escolher em Latim, deu elegans, que inicialmente indicava uma pessoa muito exigente, que
escolhia muito, que não aceitava facilmente o que lhe apresentavam. Depois a palavra passou a indicar "escolhas bem
feitas, bom gosto". Na verdade, a elegância transcende os aspectos materiais para se firmar como extremamente importante
na conduta pessoal. Há pessoas que nunca compreenderam isto e se dedicam apenas a andar sempre na moda, julgando que
isto basta para estarem elegantes. Fonte: site Origem das palavras, disponível em:
<http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/elegancia>
CAPÍTULO 2. FIGURINO DE ÉPOCA NA TELENOVELA “LADO A
LADO”

Neste capítulo detenho-me na leitura material, simbólica e estética do conjunto de


trajes e acessórios selecionados dos figurinos da vilã Constância e das protagonistas Laura e
Isabel, nas duas fases da teledramaturgia (Figura 10). A título de esclarecimento, tomo o
termo “simbólico” na acepção que lhe dá Ernst Cassirer (apud. BOURDIEU, 1989), que o
relaciona ao poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não
querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. Considero os trajes como
formas sociais, relacionadas a grupos específicos, estas formas são “socialmente
determinadas e não usadas apenas com caráter funcional, mas operadas simbolicamente no
sentido de comunicar poder, sedução etc.” (IBID, p.8). 22

22 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa, Difel, 1989 - Tradução de Antonio Tomaz, Rio de Janeiro: Bertrand,

disponível em: <http://lpeqi.quimica.ufg.br/up/426/o/BOURDIEU__Pierre._O_poder_simb%C3%B3lico.pdf>


Figura 10 - Os trajes da Constância, Laura e Isabel nas duas fases históricas
da teledramaturgia 23.

Minha análise das criações é feita a partir do traje já no corpo das atrizes e está
embebida do enredo da trama e seu período histórico, das características das personagens,
da personalidade e familiaridade de cada atriz com o período em questão e também das
condições de produção, incluindo o tempo e as especificidades da mídia televisiva. Adotei
esse procedimento para enfatizar uma noção de figurino de época que incorpora elementos
artísticos, técnicos, históricos, emocionais e econômicos nas etapas de concepção,
desenvolvimento e produção. Ressalto que os figurinos já incorporados pelas atrizes são
tratados como um tipo de objeto da época retratada e também do momento em que a
produção se deu, registrando o processo cênico e também de indumentária de um período
histórico.
Assim, inicio com uma reflexão sobre as relações entre os trajes, as personagens e o
corpo das atrizes, deixando para a seção seguinte a leitura propriamente material, simbólica
e estética dos figurinos selecionados para descrição e análise.

2.1. OS TRAJES, AS PERSONAGENS E O CORPO DAS ESTRELAS

Como já sugeri anteriormente, na teledramaturgia os trajes e os acessórios utilizados


pelas personagens ultrapassam os limites da necessidade ou da prioridade de seu valor de
uso. Mesmo fora da esfera do espetáculo e da encenação teatral, o traje extrapola seu caráter
utilitário, desempenhando múltiplas funções nos planos individual, social e cultural. Nas
palavras de Nacif:

23 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Maio de 2016.
Nos diversos sistemas de vestuário, passados e presentes, a utilização
social e simbólica do vestuário está presente na especialização do traje,
pelo gênero e pelas idades da vida; o status social se afirma pelas categorias
de trabalho e intercâmbio e também pela ritualização do cotidiano,
expressa através dos acontecimentos sociais: ritos de passagem, expressão
de sentimentos, saúde, festas, lazer, esporte, entre outros. (NACIF, 2000,
p. 293).

Através do traje as pessoas afirmam sua identidade, revelam-se parte de um grupo


ou indicam sua participação ou exclusão de certos rituais. O figurino é a segunda pele do
ator, conforme afirma o ator e diretor de teatro russo Aleksandr Yákovlevich Taírov 24 (1885-
1950) no começo do século XX.
Segundo Patrice Pavis, o figurino, “desde que aparece em cena, põe-se a serviço de
efeitos de amplificação, de simplificação, de abstração e de legibilidade”. Um bom figurino
é “aquele que retrabalha toda a representação a partir da sua flexibilidade significante”
(1996, p.168). Dito de outra forma: a qualidade de um figurino não pode ser avaliada apenas
no manequim, mas a partir da interpretação da atriz (ou do ator). Portanto, o figurino não
pode confinar a gestualidade da atriz ao representar a personagem. Assim, o figurino serve
à atriz que, por sua vez, atribui significado ao traje que veste. Portanto, a atriz incorpora
tanto o traje quanto a personagem. E o bom figurino deve ser capaz, particularmente o de
época, de gerar uma identificação imediata do ator com a personagem. Dessa forma, duas
atrizes no mesmo papel nunca vestem o mesmo traje ou o mesmo acessório, de modo a
contribuir para marcar a peculiaridade da personagem de cada uma delas. Por esse motivo,
quando utilizo as fotografias das provas de roupas para analisar as escolhas feitas na
construção do figurino, não deixo de pensar nas relações entre a personagem, o corpo e a
gestualidade da atriz na cena, sob o olhar da câmera. Muitas vezes conforme a evolução da
personagem na novela, o figurino vai se modificando. Recebe alterações (colocam-se ou
retiram-se determinados elementos que o identifiquem), pois sua aparência é a sua identidade
visual.
Meu propósito nesta seção é mostrar de que maneira o figurino vincula relações entre
o corpo, o traje (incluindo acessórios) e a personagem. No primeiro capítulo, particularmente
na seção sobre as transformações da silhueta, enfatizei o papel dos dispositivos colocados
embaixo da roupa para modelar o corpo feminino do início do século. O corpo como o lugar

24Taírov (1885 – 1950) – defensor do teatro Libertado, isto é, do teatro que coloca o ator e sua gestualidade como central

na representação. No teatro Libertado, “o espaço é organizado segundo planos, linhas e curvas que fazem da cena uma
máquina de representar” (PAVIS, 2011, 47).
de múltiplas narrativas e a roupa como uma escrita; roupa e corpo unidos na construção de
uma imagem, um recorte aberto a diferentes leituras investigativas. Assim posto, tomo o
figurino como registro de uma construção cultural com suas convenções, modas e educação.
O corpo das atrizes versus um abstrato ideal de beleza. A construção do corpo versus a roupa
e a da roupa versus o corpo. O objetivo é estabelecer um diálogo com as partes interessadas
nesse jogo do processo criativo na expectativa de seus desdobramentos e dos inúmeros
encontros que aqui podem ser estabelecidos, por ser tratar de um processo, como já dito
anteriormente, de idas e vindas, de um longo convívio e trocas, que se darão até o final da
novela.
Cabe aqui assinalar que considerei a personagem de ficção como:

Um lugar ontológico privilegiado: lugar em que o homem pode viver e


contemplar, através de personagens variadas, a plenitude da sua condição,
em que se torna transparente a si mesmo; lugar em que, transformando-se
imaginariamente no outro, vivendo outros papéis e destacando-se de si
mesmo, verifica, realiza e vive a sua condição fundamental de ser
autoconsciente e livre capaz de desdobrar-se, distanciar-se de si mesmo e
de objetivar a sua própria situação. (Rosenfeld in CANDIDO, 2014, p.48).

Em outro momento do texto, Rosenfeld apresenta características da personagem de


romance que servem para a teledramaturgia. Trata-se de uma configuração esquemática, ou
seja, é o resultado de escolhas de quem cria a figura fictícia:

A personagem de um romance (e ainda mais de um poema ou de uma peça


teatral) é sempre uma configuração esquemática, tanto no sentido físico
como psíquico, embora formaliter seja projetada como um indivíduo
“real”, totalmente determinado. (IBID, p.33)

Segundo Nacif (2012, p.293), o figurino se constrói para a teledramaturgia por meio
do manejo adequado dos elementos da linguagem visual, ou seja, através da linha, da cor, da
forma, da textura, da escala, da dimensão e do movimento do corpo e dos materiais
empregados, relacionando com a questão da representação da personagem, criada a partir de
relações atribuídas aos objetos e suas qualidades. A autora destaca que o figurino dá
aparência real à situação imaginária, segundo a intenção ficcional ou mimética.

É um sistema vestimentar referente a diversos sistemas vestimentares; é


um objeto e se constrói com os elementos da linguagem visual; representa
a natureza da obra literária; expressa as relações estruturais da narrativa,
representada pelos personagens (IBID, p.292).
A personagem é um ser fictício, representa pessoas, segundo modalidades próprias
da ficção. As referências estilísticas do texto podem ser transpostas para a linguagem visual,
quando se trabalha com adaptação de uma obra literária ou teatral. Para outros tipos de
roteiros não existe essa preocupação. O manejo adequado dos elementos da linguagem visual
na teledramaturgia contribui para que constitua uma narrativa em movimento que se revela
de imediato aos olhos do telespectador, como um jogo dinâmico. São pedaços de saia,
decotes inusitados, fendas, echarpes, enfim, um todo intensificado nos valores expressos no
discurso dramático, prenunciando o que está por vir, criando, assim, no nível da recepção do
telespectador, narrativas que evocam, ao mesmo tempo, o indivíduo e a sociedade.
Sobre as relações entre a personagem e os acessórios, em particular, utilizo as
reflexões do sociólogo francês Jean Baudrillard (1929-2007), ao destacar o valor dos objetos
na vida social. Nas palavras do sociólogo: “uma verdadeira teoria dos objetos e do consumo
fundar-se-á não numa teoria das necessidades e de sua satisfação, mas em uma teoria da
prestação social e da significação”. Afirma: “os objetos são portadores de significações
sociais catalogadas, portadores de uma hierarquia cultural e social, e isso nos menores
detalhes, forma, material, cor, duração, disposição no espaço, etc., em suma, que eles
constituem um código” (BAUDRILLARD, 1972, pp. 42-53). Significa que os artefatos
nunca se esgotam naquilo que para que servem, objetivamente: a inutilidade, a futilidade, a
superfluidade, o decorativo, e não a funcionalidade, são expoentes de prestígio. Assim, os
acessórios exemplificados nas figuras 11 são funcionais (um leque, um chapéu, uma
sombrinha e uma bolsa) e decorativos (um bordado ou uma faixa), porém a sua forma de uso
ou o material com que foi confeccionado pode alterar estes valores trazendo-lhe
significações subjetivas e valores sociais além da funcionalidade ou ornamentação. Eles se
transformam em códigos e podem ser indicativos, por exemplo, de posição de classe.

Figura 11 -- – Exemplo de acessórios funcionais e decorativos 25.

25Fonte: Les Modes, Julho de 1914. Disponível em <http://les-modes.tumblr.com>, acesso em: Dezembro de 2015 e
Pinterest catálogo de imagens, sem descrição. Disponível em <www.pinterest.com>, acesso em: Dezembro de 2015.
Destaco aqui um dos elementos que faziam parte de uma das personagens de um
nível social alto (Constância). As sombrinhas feitas de rendas e babados serviam para
proteger contra o sol, entretanto elas também exibiam e distinguiam posições sociais,
conforme Zulmira Tavares afirma no posfácio a um dos livros de Baudrillard (2015, p.230).
As sombrinhas simbolizavam a proteção da pele branca e alva da mulher europeia (era uma
necessidade) e eram utilizadas pelas damas que não trabalhavam (era um sinal de status
social). Em síntese, a questão do objeto com valor-signo expressa uma “exigência cultural”:
as damas com seus acessórios de vestuário promovem distinção social e signos de status.
Na composição do traje, o figurinista propõe para a atriz elementos adequados à
personagem. Ele busca acessórios que traduzam mais fortemente o seu caráter e o seu lugar
social, como, por exemplo, uma joia que carrega um brasão. E ajusta o acessório de forma
similar à modelagem ao corpo da atriz. Dito de outro modo, o significado atribuído pela atriz
ao acessório pode ser ponte ou barreira à incorporação de emblemas sociais que caracterizam
a personagem. Mas o profissional não pode garantir 100% que a atriz corresponda ao projeto
criado.
Como afirma Duncan, no sistema televisivo “não há diferenciação entre a estrela e
sua persona, entendida como a soma da pessoa e sua imagem” (CASTILHO; GALVÃO,
2002, p. 213). Diferente do cinema ou do teatro, a televisão possui um corpo de atores e
atrizes contratados pela emissora. O elenco estelar é, em última análise, selecionado deste
conjunto pela direção 26. Todavia, cabe descrever algumas variantes. O autor pode sugerir ou
indicar à direção o nome do ator ou da atriz para a personagem. É possível também que o
ator ou a atriz inspire o autor na elaboração da personagem (protagonista ou antagonista,
herói ou vilão) tendo em vista que a telenovela é uma narrativa em construção e há uma
correlação coincidente entre a personagem e a própria pessoa do ator ou da atriz, como
reforça Duncan. Essa correlação pode levar a limitações de papéis para alguns atores, que
ficam limitados a desempenhar determinados tipos. É frequente determinado elenco estar no
imaginário de autores e diretores para atuarem como protagonistas ou antagonistas. É
possível supor que a criação para os papéis de Constância, Laura e Isabel tenha sido inspirada
nas atrizes Patrícia Pillar, Marjorie Estiano e Camila Pitanga, respectivamente.
Na concepção do figurino é preciso levar em conta as dimensões psicológicas da atriz
que interpreta, corporifica e veste a personagem (NACIF, 2000). Cada personagem tem sua
história; histórias e personagens se entrelaçam dentro do contexto cênico. Desta forma, além

26 No caso de “Lado a Lado” os diretores foram Dennis Carvalho e Vinícius Coimbra.


de navegar pela história e desvelar o espírito da ambientação, o figurinista busca, na medida
do possível, fundir atriz e personagem, pois “a persona traz seu corpo como bagagem e o
figurino tem de realçá-lo, valorizar quem já vem valorizado” (DUNCAN, 2002, p.213).
Como mostrarei no capítulo 3, os figurinos apresentados inicialmente através de
pranchas iconográficas são sempre submetidos à avaliação dos diretores (e de especialistas
de outras áreas), que fazem julgamentos baseados em critérios distintos (fotografia, por
exemplo) e na maneira como projetam a interação atriz-personagem, e eventualmente à
equipe de pesquisa. Podem ser feitos reajustes de coisas que no começo não deram certo e
também de outras que foram mudadas por demanda de audiência, ou do diretor como trocas
frequentes e inesperadas, pelas mudanças de roteiro quando surgem impedimentos, acidentes
ou incidentes como uma conjuntivite no elenco, que pode se alastrar com muita rapidez pela
equipe.
Além disso, a extensa prática televisiva nos dá a capacidade de avaliar um bom
roteiro a partir de leituras e dos organogramas da produção, onde as equipes reavaliam seus
orçamentos e sinalizam suas prioridades, colocando suas dificuldades em reuniões de pautas
semanais, o que facilita o planejamento.

2.2 - A LEITURA MATERIAL, SIMBÓLICA E ESTÉTICA E DOS FIGURINOS DE


“LADO A LADO”

A leitura material, simbólica e estética dos trajes no corpo das atrizes Patrícia Pillar,
Marjorie Estiano e Camila Pitanga consiste basicamente em explorar essas dimensões no
contexto da obra. Faço isso entrelaçando trechos da sinopse da trama com documentos
textuais e imagéticos, que incluem referências teóricas e empíricas e também conversas com
a equipe e com pesquisadores.
A sinopse da história de “Lado a Lado” (Apêndice 3) foi escrita pelos autores Claudia
Lage e João Ximenes Braga. Seu conteúdo, apresentado em aproximadamente 40 páginas,
especifica: o perfil dos 47 personagens que interpretam a trama, a época, os cenários (cidade
cenográfica, estúdio, locações e cenários especiais). A descrição dos personagens contempla
as características (idade aproximada, classe social, ocupação, temperamento etc.)
relacionadas à trama. Já na apresentação da sinopse (Quadro 1) encontramos uma série de
pistas sobre a conotação a ser dada aos trajes que devem vestir Constância, Laura e Isabel:
modernidade, reforma urbana, contrastes, influências europeias, hábitos, costumes e
sentimentos. Com o suporte das referências podemos iluminar essas pistas, produzindo uma
espécie de cartografia cultural da época. Além disso, as referências ajudam a selecionar e a
interpretar imagens que registrem as cores, as formas, as texturas, os movimentos e os
comportamentos deste período, em diferentes segmentos sociais.
Vejamos. “Lado a Lado” tem como base de conflito a reforma urbana que a cidade
vivencia e as mudanças de valores na sociedade carioca e no papel da mulher. Destaca a
remodelação da capital pelo então prefeito Pereira Passos (1902-1906), a construção das
grandes áreas de circulação da cidade, tais como a Avenida Central, a demolição dos cortiços
e a expulsão das camadas pobres para outras regiões, resultando na formação da primeira
“favela” do Rio de Janeiro, no Morro da Providência.

Quadro 1: Apresentação de “Lado a Lado” na Sinopse


“Lado a Lado” é uma novela de época que se pretende ágil e contemporânea na linguagem.
Nossa história começa em 1904, época em que o Rio de Janeiro se transformava em uma cidade mais
cosmopolita e moderna, com o prefeito Pereira Passos realizando uma série de obras tendo Paris
como ideal, ao mesmo tempo em que as favelas começavam a surgir sem despertar maior
preocupação no poder público. Uma época que definiu os contrastes que até hoje marcam a cidade e
o país.
No ritmo do samba que começava a tomar forma nas ruas, na agilidade da capoeira, ainda
vista com preconceitos, no glamour do teatro de revista e das confeitarias, “Lado a lado” vai utilizar
eventos históricos reais – através dos olhos de personagens fictícios - para contar a saga de duas
amigas no momento em que as mulheres começam a se tornar agentes sociais no país. De origens
bem diferentes, Isabel e Laura lutarão pelo mesmo que as mulheres de hoje: conciliar amor e
independência no país dos contrastes.
Fonte: Sinopse do autor, p. 147

Os costumes, as convenções, os rituais e as regras de comportamento da sociedade


carioca do século XIX e início do século XX estão descritas nas obras de autores brasileiros
renomados como Lima Barreto (1881-1922), Euclides da Cunha (1866-1909), Machado de
Assis (1839-1908), Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) e José de Alencar (1829-1877).
Conforme resume Maria Lúcia Bueno (orelha do livro de Mariana Christina de Faria Tavares
Rodrigues, 2010), trata-se de uma literatura inspirada em autores europeus do século
dezenove, como Charles Baudelaire (1821-1867), Balzac (1799-1850) e Flaubert (1821-
1880), que abandonam temas literários tradicionais para mergulhar no universo cotidiano.
Mas procurei principalmente na literatura brasileira referências para pensar os figurinos.
Dois historiadores foram utilizados para situar o contexto sociocultural da época: o paulista
Nicolau Sevcenko (1952-2014) e o estadunidense Jeffrey Needell (1951). Ambos
conhecidos de trabalhos anteriores, o que mostra a continuidade no trabalho e a importância
da releitura.
Sevcenko descreve os costumes da época de “Lado a Lado” em seus livros “A revolta
da vacina” e “Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira
República”, publicados em 1984 e 1985, respectivamente. No primeiro, apresenta a
“constituição de uma sociedade predominantemente urbanizada e de forte teor burguês no
início da fase republicana” (IBID, p.12). Trata de uma insurreição ocorrida em 1904, na
capital federal, pincelada nos capítulos iniciais de “Lado a Lado”. No segundo, analisa o
início do século através de obras literárias, em particular de Lima Barreto (“Triste Fim de
Policarpo Quaresma”) e de Euclides da Cunha (“Os Sertões”) críticos da Primeira República.
O historiador identifica nas obras desses autores as mudanças drásticas vivenciadas em todos
os setores da vida brasileira. Como destaca Magalhães (1997, pp.79-86), ao analisar a obra
“Literatura como Missão”, essas mudanças tentam apagar a memória do Império: “Como na
França após revolução, os liberais brasileiros derrubaram casarões, impuseram costumes,
importaram vestuários, tudo para criar uma nova imagem do povo brasileiro, inserindo-o na
modernidade ocidental” (SEVCENKO, 1997, p.83).
Publicado pela primeira vez em 1987, o livro de Jeffrey Needell intitulado “Belle
Époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século”
constituiu referência para compreender “como uma classe dominante eminentemente urbana
reproduz de maneira acrítica ideias e valores ingleses e franceses”. No prefácio da edição de
1993 (em português), Needell esclarece que seu interesse é estudar a função da cultura no
contexto neocolonial e, para tanto, analisa o papel de costumes europeus na estrutura social
e econômica do Rio de Janeiro. O foco da análise incide sobre a elite carioca afetada pela
Belle Époque que floresceu na Europa entre 1898 e 1914, daí o título referenciando a “belle
époque tropical”. É interessante destacar a preocupação dele em buscar superar o modelo de
simples “imitação” ou de “dependência cultural”, para compreender “até onde os elementos
estrangeiros se mesclam e se fundem de modo vital com os elementos nativos” (1993, p.12).
Em “Lado a Lado”, os grupos sociais são representados por meio do ‘Rio dos Salões’,
das figurações de rua e das camadas médias da população. A mitologia da avenida desenha
a gestação de uma cidade partida. De um lado, as novas vias reguladas para os
comportamentos tidos por modernos e civilizados, com novas noções culturais e costumes,
representados de forma visual através de registros fotográficos pesquisados da época.
Figura 12 – Tendinha Águia de Ouro (esq.) 27, Classe média urbana. (dir) 28 - das camadas médias da
população

Figura 13 - As novas avenidas Figura 14 - Passeio pela Avenida Central, a Elite e os


reguladas pelos comportamentos tidos passeios regulados pela Avenida Central
como civilizados 29.

De outro, a exclusão social e racial das classes populares, junto com as suas tradições. Na
descrição de Svecenko:

A enorme massa popular dos trabalhadores, subempregados,


desempregados e vadios compulsórios foi sendo empurrada para o alto dos
morros, para as áreas pantanosas e para os subúrbios ao longo das estradas
de ferro e ao redor das estações de trem. (SVECENKO, 2013, p.108).

27 Fonte: MIS/Coleção Augusto Malta


28Fonte: MIS/Coleção Augusto Malta e O Malho
29 Fonte: Augusto Malta, 2009, p.59.
Figura 15 - Festa de Penha e o samba 30 (esq.). Figura 16 - Populares diante de um
barraco,1906, anônimo 31 (dir.).
São transformações radicais que impactam as vidas de três núcleos sociais
apresentados pela novela através de seus personagens. Divididos, grosso modo, em classe
popular, burguesia e uma certa aristocracia que tenta se aliar à burguesia com a mudança do
regime, para não perder as suas regalias. Este aspecto foi enfatizado por Clarisse Fukelman,
que fez palestra para o elenco e as equipes na fase de definições de indumentária e preparação
das gravações. Ela destacou como conviviam, em diferentes situações, a cidade partida e a
cidade partilhada. Apesar de a população apresentar diferentes tipos físicos, interesses,
níveis econômico-sociais, o espaço público aproximou indivíduos de origens diversas. A
pesquisadora registrou que a população do país dobrou de 1890 a 1920, chegando a 30
milhões de habitantes, do quais mais de um milhão morando na Capital Federal, e que os
pontos de contato entre grupos diversos ficam evidentes nas ruas da cidade. A partir de uma
ilustração de Kalixto para a revista Fon-fon 906/07/1907), a que se sucederam fotografias e
trechos de jornais e da literatura, deixou claro como, pela gestualidade e pelos trajes, se podia
caracterizar diferentes tipos sociais.
Cada fundo de cena da telenovela tem um recorte temporal definido, com
particularidades em relação à silhueta e aos costumes da sociedade. Estes costumes foram
bem compreendidos pelo jornalista, cronista, tradutor e teatrólogo João Paulo Barreto (1881-
1921), conhecido como “João do Rio”. Barreto deslocava-se com intimidade entre os
espaços e interstícios da alta sociedade e das camadas mais populares. Com um olhar
analítico de escritor flâneur publicou, em 1908, sua coletânea de crônicas intitulada “A alma
encantadora das ruas”. Além disso, citando Calado (2005), no Brasil de fin-de-siècle, o
escritor é destaque como o principal elaborador da roupagem estética da crônica moderna,
gênero mais adequado ao registro do efêmero dos flagrantes urbanos. Estes atributos
justificam a pertinência da escolha de suas crônicas como fonte de levantamento de

30 Fonte: O Malho,1913.
31 Fonte: KOK, 2005, 29.
memórias textuais e imagéticas do contexto histórico, social e cultural da Belle Époque
carioca. Assim, a telenovela utiliza aquele momento político de grande mudança, que se
torna visível na descrição dos personagens como, por exemplo, a de Bonifácio Vieira sogro
de Laura, que aparece como um oportunista, comprando os terrenos de Assunção e
Constância por um valor irrisório, se aproveitando da crise financeira da família, e que sabia,
de antemão, que estes terrenos iriam ser muito valorizados, após as reformas de Pereira
Passos. (Quadro 2),
Quadro 2: O personagem e a política
Bonifácio Vieira (55/61 anos) Senador da República [...] político corrupto e inescrupuloso,
que não hesita em usar sua influência no Senado para beneficiar seus negócios pessoais. No início
da primeira fase, ele apoia as reformas urbanas de Pereira Passos, seu aliado. Mas quando a imprensa
descobrir que Bonifácio usou de artimanhas para conseguir a concessão de uma linha de bondes para
si, o prefeito irá retirar a concessão. O Senador irá passar para um grupo de político opositor e ajudar
a insuflar o levante popular da Revolta da Vacina, associando-se a bandidos [...].
Fonte: Sinopse do autor, p. 178

2.2.1 - Os figurinos da vilã Constância


A elaboração do figurino para a personagem Constância foi dividida em duas fases
históricas: 1904 (Figura 17, esq.) e 1910 (Figura 18, dir.). Em ambas, a vilã mantém os
padrões socioculturais da moda em vigência e faz questão de demonstrar em suas escolhas
estéticas a sua posição social e o seu poder perante os menos favorecidos; é o mundo das
aparências onde gestos, posturas e falas estão sujeitos às convenções culturais que
prevalecem em qualquer época dada e ajustam as relações entre as várias partes do corpo
(SVENDSEN, 2010). O figurino se preocupou em traduzir visualmente esse perfil. O evento
inicial do primeiro capítulo da teledramaturgia, o casamento de sua filha Laura com Edgar é
um marco para a representação da personalidade de Constância.

Figura 17 (Esq.) Figura 18 (Dir.)


Os trajes de Constância nas duas fases históricas da
teledramaturgia 32.

32 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Dezembro de 2015.
Baudrillard lança luz sobre o universo feminino da alta classe da Belle Époque ao
afirmar que as análises de Thornstein Veblen 33 sobre a posição da mulher na sociedade
patriarcal esclarecem com precisão a noção da preservação da ordem hierárquica:
“consomem em nome do senhor, testemunhando, em sua ociosidade, em sua superfluidade,
a grandeza e a riqueza daquele” (1972, p. 44). Aponta que as mulheres desta época se vestiam
suntuosamente não para serem belas, mas para testemunharem, através do luxo, o privilégio
social do marido. Os trajes e os acessórios femininos da Belle Époque parisiense eram
influenciados pela Art Nouveau. Segundo Svendsen:

Este movimento criou uma visualidade própria, relacionada à pesquisa de


novos modelos estilísticos derivados de abstrações, formas vegetais e
animais. As mudanças nos corpos ideais podem ser vistas nos manequins
exibidos em vitrines. No início do século XX, eles tinham ombros e braços
fortes, ao passo que a cintura era delgada. (A clássica figura de ampulheta),
com os seios se projetando para a frente e o traseiro para trás.
(SVENDSEN, 2010, p.96, 97).

No Rio de Janeiro, capital da República, a moda vivia a ditadura estética da Belle


Époque tropical que determinava “desde a decoração dos chapéus até a cor das ceroulas"
(FEIJÃO, 2011, p. 86). Acessórios como joias e chapéus seguiam rígidas normas, até mesmo
quanto às variações para o uso, por hora, dia e ocasião 34. Um deslize como o exagero, por
exemplo, podia manchar a imagem do marido ou a honra da mulher, conforme apresenta
Renata Falanga Hudson (2015). Luís Edmundo de Melo Pereira da Costa (1878-1961),
memorialista e historiador renomado, afirma que “era comum nas ruas da capital carioca a
presença de chapéus adornados com plumas ou flores artificiais sobre os coques, bolsas
pequenas de mão, luvas de pelica e botas de cano curto” (EDMUNDO, 2003, p.46). Luís
Edmundo, como era conhecido, “frequentava os salões da moda e os bares mais famosos da
cidade (...)”. O jornalista oferece um dos mais ricos painéis da capital Republicana em sua
obra aclamada “O Rio de Janeiro do Meu Tempo”, publicada pela primeira vez em 1938 e
reeditada em 2003 pelo Senado Federal.
A sinopse dos autores permite identificar a dedicação da matriarca Constância
(Quadro 3) em desempenhar o papel social da elite branca carioca no início da República,
particularmente aquele relacionado ao matrimônio dos filhos.

33 Th. Veblen, The theory of the leisure class 1899 (há trad. brasileira de Zahar, Rio). Apud BAUDRILLARD, J. A moral

dos objetos, função-signo e lógica de classe. In. MOLES, Et Al., 1972, p. 44.
34 Ver também em NACIF, 2000.
Quadro 3: A personagem Constância
Constância Assunção (45/51 anos) Orgulha-se do sangue azul e lamenta que, com a República, não
possa mais usar o título de baronesa da Boa Vista e sua família esteja em franca decadência
financeira, apesar de manter as aparências e ter prestígio na alta sociedade. Constância vê o ingresso
do marido na carreira política como a chance de dar a volta por cima e, para isso, não hesita em
pressionar a filha Laura a entrar num casamento de que não está segura. Constância de fato ama os
dois filhos, mas é controladora e não entende que Laura não dê tanto valor à riqueza e ao prestígio
social. É a grande vilã da novela, mas tudo que faz, inclusive contra Isabel, é acreditando ser pelo
bem de sua família [...].
Fonte: Sinopse do autor, p. 174

É pela importância do ritual do casamento nos costumes da época que selecionei,


para análise da primeira fase do figurino de Constância (1904), as imagens do traje azul
utilizado na cerimônia.
Em “História do Amor no Brasil”, a historiadora Mary Del Priore (2006, p.156)
afirma que, no final do século XIX e no início do século XX, “os motivos do casamento
continuam a passar longe do coração”. Os enlaces eram arranjados ou dependiam do
consentimento dos pais; frequentemente eram motivados pelos interesses das famílias. Este
é o caso do matrimônio entre Laura e o filho de Bonifácio, com forte pressão de Constância
para que a filha se case com ele. Del Priori observa também que os registros de cerimônias
de noivados e casamentos neste período são escassos. Todavia, afirma que, através de relatos
dos viajantes, é possível saber que as roupas de seda eram bordadas com requinte e que
enfeites, cruzes e diamantes adornavam os colos. Os “cortejos saíam de casa e com aparato
dirigiam-se à igreja mais próxima (...)”. Casar na igreja não era simples, as dificuldades eram
as mesmas dos tempos da colônia, por “(...) morosidade de papéis e excesso nos custos”.
Apenas no final do século XIX a ideia de casamento gradualmente ultrapassa “o rasteiro
negócio” (IBID, pp.164-179).
A escolha de Patrícia Pillar personifica o luxo da Belle Époque: ela é elegante e
sofisticada, conforme pude constatar em trabalhos anteriores diretamente com a atriz, em
que fui figurinista. Procurei caracterizá-la de acordo com a celebração de aparências
mencionada por Gombrich (2012, p.261): “o estilo, bem como qualquer outro uniforme,
também é uma máscara que nos esconde tanto quanto revela”. No caso de Constância a
máscara tem uma função essencial, tanto pela personalidade e postura, quanto por suas
origens. Ela frequenta as áreas consideradas nobres da cidade, seus trajes se contrapõem ao
mau gosto enfatizado por João do Rio: "ao observar de uma janela da Rua do Ouvidor as
roupas demasiadamente ricas das mulheres que por ali passavam, João do Rio insere uma
exclamação de pleno desgosto em seu famoso ‘Cinematographo’ na gazeta ao referir-se à
elite carioca" (FEIJÃO, 2011, p. 143). Para ele, as senhoras transformavam a rua em salão
de baile. Observo que Constância tem a elegância de quem nasce elegante, como diria João
do Rio.

Figura 19 - Passeios da elite carioca na Av. Central. Fonte: Fon-Fon!,


1911 e 1907 – Universo e práticas recorrentes da classe social de
Constância, exemplificam e demonstram a sua construção
comportamental e vestimentar. 35

Além dos aspectos acima apontados, o traje azul de Constância foi pensado para
reunir diferentes sentidos: serviu não apenas para identificar a personagem como pertencente
à elite da Belle Époque carioca, mas também foi uma maneira de fugir de uma visão
simplificadora quando se evitou usar a cor sombria para a vilã.
A imagem da atriz em seu traje revela, na primeira visada, elegância e luxo,
registrados também documentalmente pelas revistas Fon-Fon, Revista da Semana, Ilustração
Brasileira e Kosmos, que eram lidas na época. O vestido azul é constituído de duas camadas:
a superior confeccionada em musseline (tecido leve e transparente) de seda azul hortênsia,
tingido artesanalmente, com encaixes de renda também tingidos à mão e montado em uma
base de tule na cor cinza. Contém uma leve cauda na parte posterior e dupla camada na
frontal. A parte superior possui ornamentação de barrado de renda, formando uma moldura
na saia com abertura provocada pela sobreposição de outras saias de seda azul que ampliam
o efeito de sino e reforça a parte frontal complementada pela cauda, estendendo a figura além
das proporções corporais. A segunda camada representa uma base opaca e dá a forma da
personagem, baseada na silhueta S de 1904. (Figura 20).

35 Acervo da revista Fon-Fon!, disponível em: <http://bndigital.bn.br/> , acesso em: Maio de 2016.
Figura 20A – O simbolismo da renda Figura 20 B - E a definição das
como marca de luxo e seus efeitos sobre camadas (base e superior
os braços de Constância 36. (esq.) transparente E a combinação de
materiais que formam o traje
completo (dir.) 37

A renda é documento de tradição, particularmente a de origem europeia. Produzida


manualmente desde o período renascentista 38 (séculos XV e XVI), sendo por esse motivo
denominada “renda renascença”, foi incorporada à indumentária dos nobres pela sua beleza
e delicadeza. A renda do traje azul de Constância não foi feita artesanalmente, porém não
podemos perder a essência do simbolismo deste tipo de renda, pois ela representa a força
aristocrática de Constância. Mesmo que houvesse recursos financeiros para tecer

36 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Dezembro de 2015.
37 Fonte: acervo pessoal.
38 Trata-se de um período importante na história da arte. Uma das características desta época é a crescente busca da

soberania humana frente às questões do universo. O pensamento neste período retorna aos filósofos clássicos da Grécia e
de Roma. Com o estabelecimento da imprensa, os textos filosóficos de Platão, Aristóteles e outros foram traduzidos e
difundidos para várias regiões da Europa sendo rapidamente assimiladas pela nova e crescente burguesia (NÓBREGA,
2005, pp.37-38). Deste modo, a arte é incorporada na cultura renascentista, sendo valorizada pelo homem culto. Esta
valorização está traduzida no incentivo e no apoio das famílias ricas aos pintores, escultores, arquitetos, ourives, poetas e
músicos. Esses mecenas apadrinhavam grandes artistas, artesãos e seus tutores.
manualmente os 40 metros de renda renascença necessários para a confecção do figurino,
não haveria tempo hábil para fazê-lo 39. De acordo com a produção original da renda
renascença, se usam agulha (similar à da costura) e linha fina (em geral de seda ou de
algodão), em cima de uma pequena almofada sobre a qual repousa o modelo em papel
manteiga. A produção é feita em cinco etapas: (1) criação do risco (traçar o modelo no papel
manteiga), (2) alinhavo do lacê 40 (prender com alguns pontos o lacê no papel), (3) tecimento
ou confecção, (4) acabamento e (5) lavagem. É um processo longo e trabalhoso, exigindo do
artesão habilidade manual e total atenção. Os pontos podem ser agrupados e reordenados em
“um número tão grande de combinações que tem como único limite o potencial criativo
dessas mulheres” (NÓBREGA, 2005, p. 153). A renda industrial mantém os desenhos
concêntricos da renda renascença, que projetam linhas sinuosas e divergentes e chegam a
contemplar mais de 30 pontos distintos.
Na ficção, o vestido utiliza os lados direito e avesso da renda industrial recortada e
encaixada em arranjos de florões que simulam os desenhos concêntricos da renda
renascença, montada sobre o tule cinza, na costura sob a supervisão de nossa contramestra
Isabel Botelho e do figurinista Edmar Galvão, que descrevo no capítulo 3.
Na sobreposição de materiais de diferentes texturas - rendas, sedas de pesos diversos
e tule, montados em drapping 41, colagens, encaixes e cortes -, busquei traduzir imponência
e dominação, indicativos de luxo e ostentação da camada social a que a personagem pertence,
visto que é um acontecimento importante e que a mãe da noiva deve demonstrar sua
elegância e suas boas maneiras, através da escolha do traje para a ocasião. Além disso, os
desenhos vazados das rendas produzem efeitos ordenados de luz e sombra formando uma
joia natural sobre os braços de Constância.
O chapéu ornamentado (Figura 21) é de palha italiana, já na época um material muito
caro, recoberto de crinol francês, rendas e com aplicação de flores e plumas em tons variados
do azul até o lilás. Os tons lilases em meio aos azuis trazem iluminação e vida ao conjunto,
gerando um leve contraste de tons. O volumoso adereço combina com as luvas de cetim azul
real, bolsa de festa em prata, um conjunto de acessórios completados pelo longo cordão e
pelo par de brincos de cristal importado.

39 Ameaçada pela intensificação do processo industrial, a aprendizagem e a produção da renda renascença encontra refúgio
nos conventos europeus, difundindo-se posteriormente para outros continentes através das congregações religiosas,
incluindo o Brasil. Assim, o status e o valor ornamental da renda renascença se espraiam desde a indumentária dos nobres
(punhos, botas, golas) até as vestes eclesiásticas e a decoração do altar das igrejas (NÓBREGA, 2005, p.35).
40 Lacê é uma fita chata de seis milímetros de largura feita de algodão ou seda com uma borda dentada contínua nos seus

dois lados, por onde partirão os pontos da renda (NÓBREGA, 2005, p. 112).
41 Modo de modelagem tridimensional, montado sobre o manequim direto no tecido.
Figura 21 - Constância e o seus acessórios emblemáticos, o chapéu de palha italiana recoberto de
crinol azul, elementos florais e plumas tingidos em tons variados de azul e lilás, luvas azuis
brilhantes de cetim e a pequena bolsa de prata completam a construção simbólica do traje e a sua
ocasião 42.

O chapéu, uma tendência da época, também se funde à estética delicada e sofisticada


da atriz, nos aspectos físico e gestual. A aparência luxuosa expressa a altivez e o estatuto
social que a distinguem. A elegância faz parte de sua vida cotidiana, em que a personagem
reina absoluta, habituada às convenções e aos manuais de etiqueta. Retomando Baudrillard,
o chapéu representa o consumo da civilização burguesa, estatuto social ligado à posse de
objetos, portadores de forma que funcionam como reguladores da vida cotidiana,
transmitindo mensagens de um indivíduo a outro. Constância esconde-se por trás desse
emblemático acessório, que, de modo simbólico e pontual, ajuda a definir a personagem
dúbia e misteriosa, cujas feições angelicais contrastam com os traços de sua personalidade.
O figurino de Constância na passagem para a segunda fase da teledramaturgia não
sofre rupturas. A personagem continua desempenhando a mesma função social na trama e
sofre apenas alteração de silhueta, devido ao processo de transformação cultural da
indumentária.

42 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Dezembro de 2015 e acervo

pessoal
Figura 22 - A renda e os efeitos sobre os
braços de Constância, na segunda fase da
personagem 43.

A nova moda em voga em 1910 traz uma figura mais alongada pelo traço vertical.
São atualizados os elementos decorativos, como o cinto recoberto em renda de tom rosa
antigo, cortado em linha sinuosa acentuando a curva do busto; são pequenas transformações
apenas para atualizar a passagem de tempo (Figura 22). A base do traje branco é de tafetá
fosco, combinando com o tom da luva. O forro, um tecido de seda mista, foi escolhido após
teste de vídeo com a iluminação montada em estúdio. O material ajuda a refletir na medida
certa o emblema de distinção que é o uso renda rosada (tingida artesanalmente), mais uma
sobreposição usada no conjunto de peças de Constância. O decote retangular demarcado por
duas pregas de igual dimensão foi montado no mesmo tecido, para destacar a beleza do colo
da atriz e, ao mesmo tempo, indicar um dos aspectos de sua personalidade na trama da
novela: a sua habilidade para a sedução. O tom do chapéu rosa salmão complementa o traje
(Figura 22).
Outro elemento que contribui para a mobilidade da silhueta foi fazer com que os
braços fossem ornados com a mesma renda, com uma pequena e leve sobreposição,
reforçando a intenção do figurino em ressaltar a imagem distinta e leve da vilã. As
características pessoais e sociais permanecem as mesmas. A renda continua a ser o fio
condutor, as camadas de transparências e jogos de luz e sombra permanecem inalterados ao

43 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Dezembro de 2015.
longo da segunda fase da personagem, assim como os florais e seus pequenos pontos de luz.
Continuam inalterados também os tons claros, a aparência angelical, a combinação de
objetos que marcam sua condição social de elite, como os grandes chapéus de abas
adornados com florais, plumas e tules, as pequenas bolsas e luvas. Estes objetos de moda
mantêm sua identidade pessoal, mesmo com a passagem de tempo. Como durante a trama a
personagem não sofre alterações de status social, foi possível uma criação linear do conjunto
de figurinos, adaptando apenas a questão documental da mudança de época. A visualidade
de vitrine esconde sob a falsa aparência a sua vilania. Tudo ela faz em nome da tradição, que
defende acima de qualquer circunstância. Constância acredita na sociedade patriarcal e o
bem-estar familiar depende de uma harmonia social conseguida através do código de boas
maneiras de seu grupo social. As boas aparências são uma forma de preservação do nome
perante a sociedade.
Considerei na criação de figurino, registros de época sobre damas de sua camada
social que mostram claramente a importância dos objetos de moda. Recorriam às revistas
ilustradas de moda que ensinavam combinações e formas de uso dos trajes. Na primeira
metade do século XX circulava o periódico “Fon-Fon”, que “espelhava o esnobismo carioca,
fazia crítica, apresentava flagrantes e tipos do set da cidade, com muitas fotografias,
ilustrações, literatura e excelentes charges políticas e sociais da sociedade do Rio de Janeiro”
(ZANON, 2009, p. 111). Colares, chapéus, luvas, leques, sombrinhas e joias, entre outros
adereços, são objetos que indicam, de acordo com os materiais de que são feitos, uma
determinada classe social e os usos são regulados pelas revistas ilustradas, que ensinam
combinações, apresentam novos modelos e incentivam a aquisição.
Conforme mencionei anteriormente, os trajes cotidianos de Constância sinalizam que
ela está acostumada a fazer escolhas refinadas, além de dispendiosas. Na composição
procuramos mostrar ao telespectador a utilização de tecidos luxuosos como as já citadas
rendas e sedas, e também bordados à mão. Seus objetos estão impregnados de convenções e
hábitos culturais. Em diferentes momentos da história, se observa a ociosidade da
personagem, que usa parte de seu tempo para exercer o ofício do mando junto aos subalternos
e empregados, que se esmeram por manter sempre irretocável esse acervo pessoal
constituído pelo figurino, moeda de troca de seu bom gosto regado ao luxo da vida burguesa.
Na segunda fase o chapéu permanece o acessório emblemático da personalidade
dúbia e misteriosa de Constância (Figura 23). A atriz sabe usá-lo com distinção, tornando-o
um objeto de ostentação de sua casta social: luxuoso delicado e exclusivo 44. Em resumo, o
uso do chapéu na Belle Époque simbolizava extravagância e ostentação. Os chapéus das
senhoras não só eram grandes como exigiam exuberante guarnição. As criações, cada vez
mais extravagantes, eram decoradas com “plumas e até mesmo pássaros inteiros"
(MENDES; HAYE, 2003, p.20).

Figura 23 - Personagem Constância - O chapéu como objeto, ordenação social, um conjunto de peças
adornadas ricamente, com flores, rendas e plumas 45. O mesmo chapéu com outra ornamentação 46.

2.2.2 - Os figurinos da protagonista Laura

Laura (Marjorie Estiano) se transforma em heroína feminista ao longo da trama


(Quadro 4). Seu sentimento pelo noivo Edgar não é suficiente para conduzi-la ao altar com
entusiasmo e segurança. De fato, o amor que tinha por ele vai se apagando ao longo dos
quatro anos em que o noivo permanece em Portugal, estudando. O matrimônio destes dois
personagens representa a tradição feminina do grupo social de ambos: o casamento ocorre
por imposição dos pais (interesse de Constância).

44 Para evitar que o adereço dificultasse as gravações de estúdio, aumentasse o tempo de produção e fosse um fardo para a
atriz, definimos que nas gravações de estúdio o chapéu seria trazido nas mãos e apenas nas gravações de externas colocado
à cabeça. Entre as gravações de estúdio e externas, a preocupação centrava-se na continuidade: manter o penteado, além
do traje.
45 Fonte: Foto de bastidor, autor Stefano Martini. Revista QUEM, ano 2012.
46 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>.
Quadro 4: A personagem Laura
Laura Assunção (24/30 anos). Diferente em tudo da mãe, Laura sempre teve gosto pelos livros e
pelas artes e, apesar de bonita e vaidosa, não é dada a futilidades. Não é uma heroína romântica
típica de novela de época, é uma mulher corajosa que irá se divorciar em 1904 (apenas 14 anos
depois de o divórcio (a mensa et thoro permitia a separação dos bens e do leito conjugal, mas não
outro matrimônio) ser aprovado no país, será novamente proibido dali há outros 30 anos. De
espírito independente por natureza, ela quer trabalhar e ser mais que um bibelô para ser exibido
pelo marido em salões. Constância achou natural Laura formar-se em professora, o curso era um
bom passatempo enquanto seu noivo, Edgar, estudava em Portugal. Laura, porém, quer seguir a
profissão, sem abandonar a sua outra grande aspiração: escrever. Mas isso não significa que ela
não seja uma heroína romântica – seu amor por Edgar será tortuoso, mas profundo. Como a
espectadora contemporânea, seu grande objetivo é conseguir conciliar a feminilidade com a
liberdade, o amor com a independência.
Fonte: Sinopse do autor, p.175

O figurino de Laura também está dividido em duas fases (1904 e 1910): antes e
depois de se divorciar de Edgar (Figura 24). Todavia, as características gerais do seu figurino
se mantém, nas duas fases, uma narrativa comum que retrata, na forma de vestir, sua
personalidade corajosa, curiosa e independente.

Figura 24 - Os trajes de Laura nas duas fases históricas da


teledramaturgia 47.

Na primeira fase, os elementos iconográficos do universo masculino estão presentes


de forma lúdica. Para isso, a pesquisa do período deu base para a equipe de figurino tomar
essa decisão. A ambivalência dos signos masculinos e femininos presentes em seu guarda-
roupa formam um conjunto inspirador para a expressão da personagem, sem, contudo,
chegar a adotar a calça comprida, por orientação do diretor Denis Carvalho. O signo
masculino está traduzido nos coletes e nas gravatinhas. As saias ganham vigor masculino

47 Fonte: Acervo pessoal e Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Dezembro de

2015.
com os tecidos pesados de sarja, linho ou lã; os comprimentos até o chão e a modelagem em
sino seguem o período histórico. Vale ressaltar que nesta época a espessura do tecido refletia
a posição social: “(...) mais hirto, grosso e crespo o gorgorão, melhor a família” (NEEDELL,
1993, p.201). Externamente, a força intelectual masculina é revelada pelos tecidos pesados
das saias longas e sinuosas que substituem os vestidos enfeitados de rendas. No entanto, ela
continuava a usar um espartilho apertado e camadas de anáguas sugerindo que “sua
emancipação ainda era superficial” (LURIE, 2003, p. 35).
A predileção por trajes discretos e funcionais está representada nos detalhes
minimalistas da blusa confeccionada em voil de algodão com entremeios de rendinha e
nervurinhas, signos de feminilidade. O modelo da blusa segue a silhueta da Belle Époque. O
traje adotado reflete o estilo alternativo muito comum entre as mulheres de camadas médias
nos principais centros europeus e norte-americanos apresentado pela historiadora social
Diane Crane:
O estilo alternativo pode ser compreendido como um conjunto de sinais,
extraído do vestuário masculino, composto de itens usados separadamente
ou em conjunto, que modificavam sutilmente o efeito geral do traje
feminino. (CRANE, 2006, p.202).

Figura 25 – Imagem fotográfica de uma das provas de figurino da


personagem de Laura vestindo uma de suas composições alternativas para
a primeira fase da novela. Saia mais pesada, marcadamente com a questão
da cor, da forma e da textura – o uso de anágua e espartilho para controlar
e modelar a silhueta – a busca de elementos do universo masculino – o tipo
de tecido mais encorpado da saia, objetos como as gravatas e o chapéu
palheta unissex. 48

48Fonte: Acervo pessoal


A aparência distinta de Laura na primeira fase da telenovela espelha as tensões
sociais e pessoais presentes na vida de algumas mulheres que lutam pela emancipação. A
contradição aparente entre o laço e a gravata revela (Figura 25) a gradual conquista da
emancipação da mulher. A cintura alta da saia, em estilo espanhol, uma escolha criativa do
figurino, além de alongar a silhueta da atriz, conjuga e reforça a vitalidade da heroína do
folhetim.
Por baixo da saia dominam as tradições do vestuário feminino do final do século XIX
com seus espartilhos, anáguas e anquinhas. Além de desconfortáveis, esses dispositivos
limitam a liberdade almejada. Em síntese, no período que antecede o divórcio Laura é ainda
um membro do sexo frágil e sua indumentária não foge a descrição do jornalista Luís
Edmundo de Melo Pereira da Costa.

As senhoras vestem saias compridas, amplas, cheias de sub saias, sungadas


a mão; mostram cinturinhas de marimbondo, os traseiros em tufo,
ressaltados por coletes de barbatanas de ferro, que descem quase um palmo
abaixo do umbigo. Todas de cabelos longos, enrodilhados no alto da
cabeça e sobre os quais equilibra-se um chapéu que, para não fugir com o
vento, fica preso a um grampo de metal em forma de gládio curto, com um
cabozinho enfeitado de madrepérola ou pedras de fantasia. Usam como
fazendas, o surah, o faille, o chamalote, o tafetá e o merino; calçam botinas
de cano alto, de abotoar ou presas a cordão, o infalível leque de seda ou
gaze na mão, sempre muito bem enluvada. (EDMUNDO, 2003, p.46).

No caso de Laura, exemplificado na figura 25, a personagem espelha a segunda


geração das jovens de elite que se preparavam para uma participação concreta mediante os
novos desafios do século XX. É o comportamento arejado de quem não é dada a futilidades
nem se preocupa com os adornos excessivos, assim como também não utiliza o excesso de
rendas, tal qual faz parte da geração anterior de sua mãe. A protagonista prefere elementos
mais simples e funcionais, que facilitavam seu deslocamento e suas funções de trabalho, seja
da biblioteca, seja na sala de aula.
O projeto de figurino selecionou para Laura signos que definem sua posição social,
como as camisarias brancas, os detalhes de acessórios e acabamentos, porém sem as camadas
de ornamentos e sobreposições. Manteve-se para as saias o padrão S da silhueta, mas sem
estender-se muito além de seu corpo, porque sempre se tomou a funcionalidade como
premissa. Os tons mais sóbrios e as texturas mais lisas dos algodões e das sarjas atuais
substituem de forma pontual os tecidos de época e simulam para o telespectador uma
aparência mais próxima do universo masculino, mas sem perder a feminilidade. Os
acessórios masculinos foram adaptados para o uso feminino, destacando-se os itens mais
usados: o cinto de couro cru e a gravata, que dialogam com as demais partes dos conjuntos
de peças de seus figurinos e traduzem sua personalidade forte e determinada.
As gravatas em tons terrosos e vermelhos são acetinadas, dando assim um toque de
suavidade; ao mesmo tempo, o tom é excêntrico ao universo de uma dama da elite criada
nos moldes do bom tom e do bom gosto. Da mesma maneira se dá com o chapéu palheta
unissex, que faz parte do cotidiano de Laura, em tons de cinza ou em creme como na figura
26 (esq. e centro), sempre na intenção de compor uma relação de funcionalidade, como a de
proteção do sol, e de elegância natural no contexto da personalidade de Laura. Os coletes
são curtos e não fecham, sendo sobreposições das blusas, para manter a ideia de liberdade.
Foram utilizados coletes masculinos originais, obtidos em brechós, mas adaptados para o
corpo da atriz; outros foram construídos nos moldes dos originais com pequenas alterações
para ficarem mais abertos e acinturados (usou-se também o recurso dos cintos de couro para
ajustes), porém mantendo as características de tecidos mais rígidos e lisos, ou com
acabamentos simples. Outro recurso foi utilizar o molde para fabricar peças mais delicadas
com transparência, intensificando a relação de sobreposição, como na figura 26 (dir.), que
apresenta um modelo semelhante a um colete de traje noturno masculino, mas com
elementos bordados que possuem uma analogia de renda associada aos padrões de formas
do Art Nouveau.

Figura 26 – Chapéus, gravatas e coletes de Laura, o universo masculino unido à sua personalidade 49

49. Fonte: Acervo pessoal e Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>,acesso em: Dezembro de
2015.
A transição de fases do figurino de Laura é marcada por uma transgressão da tradição:
a desobediência à mãe. Laura, assim como outras mulheres de sua classe social, vivia com
Edgar um casamento “de mútua estima e amizade dos esposos” (DEL PRIORI, 2006, p.254)
até decidir se divorciar. Seguindo o pedregoso caminho de quem ousava “se libertar da
influência da religião, da família, da comunidade ou das redes sociais estabelecidas pelo
trabalho” (IDEM, 2005, p. 231), que inclui o casamento, Laura é obrigada pela mãe, após o
divórcio, a se esconder na casa da avó, localizada no interior do Estado do Rio. De fato, o
divórcio de Laura é um episódio emblemático das transformações de comportamento do
início do século XX, associadas a outras mudanças sociais e econômicas. Transformações
também visíveis no retorno de Laura ao Rio após seis anos de exílio, forçado pela matriarca.
Recuperada emocionalmente e mantendo-se longe dos olhos de Constância, ela realiza seu
sonho de trabalhar e de ser independente. Vende joias recebidas como herança da avó
falecida para estabelecer uma escola e torna-se também jornalista.

Na segunda fase do figurino de Laura, os trajes revelam independência, vitalidade, e


desejo de construir um novo destino. Assim, a blusa abandona a gola alta e recebe um decote
em “V” (Figura 27), símbolo de um estilo que a maioria das mulheres emancipadas não
ousava. Neste sentido, tomei uma liberdade poética, considerando o papel dela na ficção. A
sua força feminina agora é a de uma mulher madura e autônoma, tons vermelhos colorem
sua cartela junto à ousadia do decote. O formato das saias recebe a modelagem da passagem
do tempo, mas se torna cada vez mais funcional, considerando grandes deslocamentos pela
cidade e para o trabalho. Nos aspectos gerais de sua personalidade vestimentar, mantém o
padrão elegante sem excessos como da primeira fase, porém há pequenas mudanças
necessárias para a nova etapa de vida: não só o colo se torna mais aparente, mas, além de
coletes, insere-se o uso do paletó de linho branco, com o comprimento abaixo dos quadris,
pespontado à mão no contorno da gola e do punho, esse conjunto era chamado de “tailleur”
justamente porque era feito por alfaiates, com a mesma técnica dos trajes externos
masculinos.
Figura 27 - Imagem fotográfica do traje de Laura para a segunda fase da
novela, a inserção dos tons de vermelho na blusa interna, mantendo a
delicadeza de transparência do crepe georgete, iluminada pelo paletó de
linho branco debruado na gola e na manga, mesclando os universos:
masculino e feminino, assim como a simplificação da saia, sem as camadas
de anáguas, mais curta, tornando aparentes as botinhas, porém mantendo
o peso da cor e das texturas da primeira fase 50.

Figura 28 - Os acessórios do figurino de Laura na segunda fase da


teledramaturgia 51.

As mudanças também afetam os adereços e os penteados. A Laura emancipada está


refletida também nos penteados (Figura 28). A equipe do figurino e caracterização decidiu
fugir das regras de etiqueta da época, quanto ao penteado dela. Consideramos que os trajes
pediam cabelos em parte soltos, fora dos formatos tradicionais de sua classe social, cada vez

50 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em:Dezembro de 2015.


51 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Dezembro de 2015.
mais ligados à funcionalidade e à liberdade. Os chapéus se tornaram mais vibrantes em cores
e proporções. Essas alterações criaram novas atmosferas para a mudança de vida da
professora, e foram adaptadas posteriormente, tornando a situação mais clara para o
telespectador.
Os trajes de Laura nessa fase revelam algumas características defendidas por Gilda
de Mello e Souza:

Mas é possível que ainda encontre um divisor comum entre os valores de


seu grupo e os valores do grupo masculino, e aprenda a inscrever no novo
curso de sua vida aqueles elementos que se gravaram na sua
individualidade e fazem como que parte do seu ser. E que, combinando a
graça com a eficiência, encontre para si um novo equilíbrio, tão
harmonioso quanto o estilo de vida da mulher do século XIX. (SOUZA,
1987, p.107).

Assim, Laura não abdica da sua elegância e feminilidade ao longo da trama. A paleta
cromática nas duas fases da novela encerra o branco, o cinza e o preto. Entretanto, para
marcar a passagem de tempo e caracterizar o amadurecimento emocional e político de Laura
na segunda fase, algumas blusas brancas recebem um colorido avermelhado, inspirado nos
autochromes dos irmãos Lumière 52 (Figura 29). Essa escolha é adequada a uma técnica
fotográfica muito difundida no Brasil.

Figura 29 - Inspiração para a paleta cromática do figurino de Laura 53.

52Inventores do autochrome. Processo fotográfico colorido desenvolvido em 1903 e patenteado em 1907, como
Autochrome Lumière. Tal processo utilizava-se, basicamente, de uma chapa de vidro sobrepostas por camadas de fécula
de batata tingidas de laranja, verde e violeta (uma aproximação das três cores primárias: vermelho, verde e azul). A chapa
com essa estranha mistura de batata era inserida na câmera fotográfica, ficando à frente da chapa com a emulsão em preto
e branco. Ao fotografar determinada cena, as informações de cores eram retidas nas partículas de batata e o resto da cena
era capturado normalmente em preto e branco. Após o processo de revelação, ao sobrepor ambas as chapas de vidro e
iluminando-as por trás, é possível ver uma fotografia colorida.
53 Fonte: Irmãos Lumière, fotos colorizadas pela técnica de autochromes. Disponível em: <www.pinterest.com>, acesso

em: Maio de 2016.


2.2.3. Os figurinos da protagonista Isabel

Diferente dos figurinos de Constância e Laura, os trajes de Isabel nas duas fases da
teledramaturgia apresentam algumas mudanças radicais (Figura 30).

Figura 30 - Os trajes de Isabel nas duas fases históricas da


teledramaturgia 54.

Nos primeiros capítulos da telenovela, Isabel (Quadro 5) reside com o pai em um


cortiço no bairro da Saúde e trabalha como doméstica. No guarda-roupa da primeira fase
predominam o algodão e acessórios com influências da cultura africana, refletindo o grupo
social a que pertence e suas origens étnicas. Na segunda fase, Isabel retorna de Paris como
artista consagrada por sua dança considerada exótica na Europa, o samba. O figurino
expressa a incorporação do universo ornamental do Art Nouveau. Isabel reafirma, na forma
de se vestir, mudanças de atitude diante de novos valores e hábitos. Todavia, as
características originais (físicas, psicológicas, culturais e artísticas) da personagem não são
suprimidas e, sim, sobrepostas. Neste caso em particular, a técnica de sobreposição é
essencial para indicar a memória da história da personagem, juntando a sua origem e o que
aprendeu fora do país.

54 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Dezembro de 2015.
Quadro 5: A personagem Isabel

Isabel Nascimento (25/31 anos). Criada com zelo pelo seu Afonso, Isabel cresceu sob os princípios
transmitidos pelo pai, o de humildade, trabalho honesto, vida simples e digna. Acreditando nisso,
sonha construir uma família com Zé Maria. Entretanto, o ideal romântico, típico do perfil de uma
mocinha, logo será testado diante das dificuldades e preconceitos que encontrará pelo caminho.
As decepções a levam a enfrentar a vida com uma coragem e firmeza que surpreenderá a todos,
algumas vezes, até a ela própria. Mas Isabel tem dentro de si a certeza de que apenas luta pela sua
liberdade e independência, de forma digna e honesta, como sempre ensinou o seu pai, embora de
um modo avançado e moderno demais para o entendimento de seu Afonso. O seu amor por Zé
Maria também passará por duras provas, principalmente por que Isabel, após a passagem de seis
anos, se torna uma mulher rica e muito independente. Independência que assustará Zé Maria,
apesar de ela continuar a amá-lo. Como acontece com Laura, e também com a mulher de hoje,
Isabel fará de tudo para preservar a sua liberdade conquistada, sem desistir de ser feliz no amor.
Fonte: Sinopse do autor, p.175

No final do século XIX e na primeira década do XX, que correspondem às duas fases
da teledramaturgia, a cidade do Rio de Janeiro contava com um pouco menos de 1 milhão
de habitantes; desses, a maioria era composta por negros que “construíram sua cidadania por
meio da cultura”, retomando os termos da historiadora e pesquisadora da novela Rosana
Bardanachvili:

[...] foi justamente em 1900 que o Rio de Janeiro começou a ganhar


a cara que tem hoje. É importante compreender este período porque
as manifestações culturais que eram criminalizadas pelo Estado e
alvo de forte preconceito social acabaram construindo e moldando a
identidade da cidade do Rio de Janeiro de hoje. Não só do Rio, mas
do Brasil: a cultura negra, o samba, o carnaval, o futebol. Os negros,
excluídos da sociedade e sem direito à cidadania, criaram uma forma
própria de inserção na sociedade. (BARDANACHVILI, 2012, site
da oficial novela 55)

Um contingente expressivo da população rural se deslocava do campo para a cidade


em busca de novas oportunidades no ramo de serviços e funções ligadas à atividade
portuária. A maior parte morava na zona central da cidade. Os velhos casarões serviam como
pensões baratas. As obras da reforma do porto, intensificadas em 1904, resultaram na
demolição dessas habitações. “Sem moradia, essa camada numerosa e extremamente pobre
da população foi levada a constituir e habitar favelas e cortiços” (SEVCENKO, 2003,
pp.224-225).

55 BARDANACHVILI, R.; REIS, L. Coluna - Naquele Tempo: Mergulhe no universo histórico de Lado a Lado. Fonte:

Site Oficial da Novela Lado a Lado, 2012, disponível em: < http://gshow.globo.com/novelas/lado-a-lado/Fique-por-
dentro/noticia/2012/10/naquele-tempo-mergulhe-no-universo-historico-de-lado-a-lado.html>, acesso em: Junho de 2015.
Figura 31 - O cortiço 56 - o contexto social da
personagem Isabel na primeira fase.

Com a reforma da cidade, a casa de Isabel é demolida e sua família passa a morar no
Morro da Providência (Figura 31). Este acontecimento ocorre no mesmo dia em que perde
o noivo e cai na miséria, após engravidar de Albertinho, filho de Constância. Isabel conheceu
Albertinho no dia do casamento de Laura e as duas se tornaram amigas. Uma amizade
nascida no momento em que Isabel pensa ter sido abandonada no altar pelo noivo Zé Maria.
O noivo capoeirista havia, na verdade, sido preso defendendo a moradia dela. A amizade
entre Laura e Isabel tem início na sacristia da Igreja em que os casamentos ocorreriam. A
espera de Isabel pelo noivo retarda o casamento de Laura e, nessa espera comum, as duas
trocam confidências. O laço afetivo, que perdura ao longo da trama, tem uma função
importante para uma novela que trata de mudanças sociais profundas. Em primeiro lugar,
Isabel e Laura pertencem a diferentes classes sociais e se encontram em uma igreja reservada
à alta sociedade. O casamento à época, conforme observado anteriormente, era um evento
oneroso, porém o pai de Isabel, segundo a sinopse dos autores, havia reservado suas
economias para a cerimônia. O destino de Isabel, assim como o de outras mulheres de seu
nível social, seria, provavelmente, similar à descrição feita por Luís Edmundo:
Engalanou-se, por isso, a minúscula morada da noiva. Lá estão os noivos
no aposento principal, sentados num sofá de palhinha, à espera dos
cumprimentos, das felicitações e dos convidados. Desde que chegaram da
pretoria e da igreja que se conservam na atitude espectral em que se acham:
ele, de preto, gravata branca e umas luvas brancas, sujas, velhas,
evidentemente emprestadas, na mão esquerda que repousa sobre a coxa,
pondo a direita, napoleonicamente, enfiada na abertura do colete; ela, com
uma coroa de flores-de-laranja, no seu vestido de cassa branca, coberta por

56Fonte: Foto de Augusto Malta. Secretaria Municipal de Cultura/Departamento Geral de Documentação e Informação
Cultural, Divisão de Editoração, Rio de Janeiro.
uma espécie de cortinado de filó branco, caído, e que se fecha até os pés,
deixando passar, apenas, em riste, um braço duro, mostrando a mão que
aperta, firme, um bouquet, também de flores-de-laranja, na atitude em que
o rei de copas segura o cetro...(...) São dois noivos de pau. Ou de pedra.
Não falam. Não sorriem. É o protocolo [...] (EDMUNDO, 2003, pp. 238-
239).

O historiador registra gestualidades presentes nos casamentos da população que


habitava os cortiços. Todavia, Isabel teve uma formação distinta, pois desde os quatorze anos
convive com Mme. Besançon, com quem aprendeu francês e as regras sociais da etiqueta
francesa. A relação entre Mme. Besançon e Isabel é de apadrinhamento, similar ao
mencionado por Needell ao explicar porque “as coisas foram diferentes” para Lima Barreto:
“(...) menciono sua formação [de Lima Barreto] como um exemplo de apadrinhamento
familiar onde, a despeito da pobreza e da cor, os indivíduos podiam ser “criados” por famílias
poderosas (NEEDELL, 1993, p.256).
Inspirada na relação entre Isabel e Mme Besançon, selecionei o traje da primeira,
como doméstica, como objeto iconográfico da primeira fase do figurino da heroína (Figura
32) interpretada por Camila Pitanga.

Figura 32 - Isabel na primeira fase da teledramaturgia, a delicadeza de


tecidos e aplicações, os diferentes momentos de sua vida no dia-a-dia e no
trabalho 57.

Como mencionei no início desta seção, Isabel representa as classes populares, e por
esse motivo seu traje é feito de algodão leve. A coloração deve ser neutra, por ser um
uniforme doméstico. Apesar de ser um uniforme, este é tão delicado quando a personalidade
de Isabel; o figurino atendeu ao desejo dos diretores, preocupados em não estereotipar o

57 Fonte: Acervo pessoal e Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Maio de 2016
traje, igualando-a as outras empregadas da novela e, também por usá-lo em harmonia com o
negro vestido de Mme. Besançon. Assim, o tecido possui pequenos motivos que formam
uma espécie de floral de tom sobre tom, que enriquece a característica da silhueta S menos
acentuada das classes populares. Seu traje é mais curto, devido à funcionalidade. As mangas
por sua vez, também são encurtadas, criadas em padrão ¾ servindo ao propósito de
funcionalidade e liberdade de movimentação dos braços, mas também para conferir um
toque mais gracioso. O cinto de largura mais estreita e os pequenos debruns brancos no
decote e na barra da manga completam o sentido de graciosidade da personagem (Figura 32,
esq.).
Tais aspectos estão presentes também nos trajes do cotidiano da personagem fora do ambiente
do trabalho, porém com uma liberdade maior na região do colo. Os transpasses e formatos
abotoados na parte frontal das blusas, franzidos e pregueados, permitem maior movimentação
(Figura 32 dir.). O jogo de luz e sombra, também presente na roupa de Constância, contribui no
caso de Isabel para a indicação de uma sensualidade natural e despretensiosa, mais próxima de
seu universo descontraído. Os motivos florais são adornados com bordados e rendinhas
aumentando as percepções emocionais de sua personalidade. Na cena de abertura da primeira
fase da novela, Isabel dança apaixonada no carnaval de rua. A personagem desliza verdadeira em
sua gestualidade livre (Figura 33).

Figura 33 - Isabel na abertura da teledramaturgia:


leveza nas formas, abertura de braços e colos refletem
a sua personalidade livre, no carnaval de rua 58.

É, justamente, a leveza e a liberdade dos gestos de Isabel no samba que inspira o


desenho de seus trajes particularmente na primeira fase. O colo e os braços desnudos
permitem revelar a liberdade que carrega na alma. Sua delicadeza é refletida nas diferentes
texturas, criadas a partir da composição de bordados manuais (pequenas flores aplicadas no
cinto e na blusa em voil de algodão) e de finas nervuras e rendinhas de algodão (Figura 34).

58 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Maio de 2016
Figura 34 - Isabel na primeira fase da teledramaturgia, a delicadeza de tecidos e aplicações,
leveza nas formas, abertura de braços e colos refletem a sua personalidade livre, no carnaval e
rodas de samba 59.

Foi necessário apenas redesenhar um novo decote mais aberto para enfatizar o longo pescoço da
atriz. O ajuste das formas foi feito sob medida, mas em proporções diferentes às da época,
porque o corpo da atriz, muito magro, estava fora dos padrões de então. A cava do braço foi
deslocada um pouco fora do lugar, ampliando e liberando a gestualidade de seus movimentos. A
saia de algodãozinho florido, franzida na cintura, foi montada em quatro panos. Recebeu um
tratamento de envelhecimento manual, feito com uma escova de aço, esse lixamento dava a
impressão de que a peça tinha uma memória, uma vivência, além do volume que singularizava
sua aparência teatral. Rebordamos algumas flores para reforçar as texturas e acrescentar
unidade ao conjunto do traje. Eram linhas alongadas e onduladas, que se misturavam ao desenho
original configurando originalidade à peça. A saia ainda fora pintada em várias camadas de
aguadas com tinta branca que evocava cal, feitas em sentido vertical, deixando uma imagem de
luz e sombra na movimentação da dança. Na cintura, um cordão com entrelaçamentos de fios
variados, tecidos e misturados a flores de papel crepom de diferentes cores e tamanhos,
complementava o traje de nossa heroína.
Seguindo a sinopse dos autores, Isabel despe seus trajes do samba (Figura 34) e, em
poucas horas, está vestida para a cerimônia de casamento. Assim, em um curto lapso de
tempo, deixa o espaço do samba e se desloca para a emblemática igreja da Glória. A aparente
mobilidade social de Isabel é, de fato, resultado da intervenção de Mme. Besançon, que
solicita ao vigário que abra uma exceção e celebre o casamento da “afilhada” com Zé Maria
naquela igreja. Portanto, o encontro entre Isabel e Laura é um “acaso”. Além disso, para os
autores de “Lado a Lado”, a amizade entre as heroínas românticas que lutam por liberdade
e independência revela uma mudança de comportamento social: “no final do século 19, as
mulheres passam a ficar mais próximas umas das outras, são mais solidárias” (CORTES,
2012, p 205. Apêndice 5. Press Kit).
Isabel, no entanto, não encontrou a esperada solidariedade em Mme. Besançon
quando esta ficou sabendo de sua gravidez. Ela foi demitida do seu emprego. Sua gravidez

59 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Maio de 2016
também não foi aceita pelo pai, que a expulsou de casa. Só que, mesmo grávida, é admitida
como camareira no Teatro Alheira até o nascimento de seu filho. Ela dá à luz, mas fica sem
conhecer de fato o bebê, porque ele foi substituído por outro, morto, por ordem da vilã
Constância. Esta perda é a principal motivação que leva Isabel a se mudar para a França em
companhia de Mlle. Dorleac, dançarina francesa que se tornou amiga dela no Teatro Alheira
por afinidade artística. De fato, Mlle Dorleac estava, segundo a sinopse dos autores
(Apêndice 3 – Sinopse p.158), “entediadíssima com os trópicos” porque só via “à sua volta
imitações de Paris” e, por este motivo, foi levada por Isabel a uma festa popular de samba
no bairro da Saúde. Dorleac identifica o talento de Isabel ao observá-la dançando. A respeito
dessa descoberta por parte da atriz francesa, destaco aqui observações de Sevcenko sobre o
comportamento da elite carioca:

[...] o importante, na área central da cidade, era estar em dia com os


menores detalhes do cotidiano do Velho Mundo. E os navios europeus,
principalmente franceses, não traziam apenas os figurinos, o mobiliário e
as roupas, mas também as notícias sobre as peças e livros mais em voga,
as escolas filosóficas predominantes, o comportamento, o lazer, as
estéticas e até as doenças, tudo enfim que fosse consumível por uma
sociedade altamente urbanizada e sedenta de modelos de prestígio.
(SEVCENKO, 2003, p.51).

Isabel desloca-se no sentido oposto a este fluxo. É bem recebida em Paris pelo seu
talento e exotismo; retorna ao Rio já consagrada pela dança afro-brasileira exibida na capital
europeia. O intervalo de seis anos de exílio de Isabel na França introduz a segunda fase de
seu figurino (Figura 35). O traje escolhido para representar essa virada apresenta duas
marcas. A primeira está intimamente relacionada à arte visual deste período histórico (1910),
em especial, a escala cromática avermelhada, dourada, quente e luminosa. O colorido
artístico se contrapõe ao da vilã Constância em seu traje azul, porém, se harmoniza com o
de Laura. Isabel é uma artista brasileira de origem social popular que soube apreciar a arte
cosmopolita do mundo parisiense. No longo período em que permaneceu na capital francesa
mostrou ao estrangeiro a dança de sua terra natal e também observou outros costumes e
movimentos artísticos da época.
Figura 35- Isabel na segunda fase da teledramaturgia (1910) 60
O traje de Isabel incorpora a luz e a gestualidade do balé russo de Serge Diaghilev
(1909-1929). Segundo Mantovani, “os coreógrafos e bailarinos Fokine e Kijinsky
revolucionaram a dança” (MANTOVANI, 1989, p.33), integrados aos conceitos simbolistas
da arte 61, inspiração na imaginação, tendo por resultado “um quadro onde os corpos dos
bailarinos são pinceladas leves e transparentes que se movimentam, [...] tinha que ser uma
festa aos olhos dos espectadores, além da riqueza dos figurinos e a perfeição dos bailarinos”
(IBID, 34).

60Fonte: Acervo pessoal e Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Maio de 2016
61Muitos pintores e artistas plásticos desenvolveram figurinos e cenários para as encenações do balé, uma rica
contribuição, utilizando a cor como forma de expressão.
Assim, o figurino de Isabel tem como referência o conjunto de obras do aclamado
pintor austríaco Gustav Klimt (1862-1918) e do pintor, desenhista e ilustrador tcheco
Alphonse Mucha (1860-1939). Ao escolher como inspiração a leitura artística de Klimt e
Mucha, foi construída uma ponte com a arte decorativa (Figura 36). Considerei, por
exemplo, a presença de elementos metálicos, mas empreguei tecidos estruturados que davam
o mesmo efeito de visualidade, com mais suavidade. A atriz, diferente da personagem do
quadro, tem de ter mobilidade, e, do ponto de vista dos materiais conforme os meios, era
preciso adequar a imagem da segunda fase da novela às mudanças de atitude diante de novos
valores e hábitos. O figurino também afirma a reação a imposições conservadoras. A escolha
dos adereços do traje é inspirada nas ilustrações de Mucha e o vestido de seda pintada com
uma escala cromática avermelhada e dourada é uma referência às pinturas de Klimt. Mas
vem também de Mucha a ideia de seda tingida, bordados e o acessório na cabeça que formam
o conjunto da peça performática. No espírito do Art Nouveau, o artista conquistou maior
visibilidade, divulgando os estilos de seus criadores, ganhou renome internacional e tornou-
se mais conhecido por meio da circulação dos cartões postais, que fizeram dele um dos mais
requisitados artistas gráficos do seu tempo.

Figura 36 - Série das Artes – A Pintura. Obra de Alphonse Mucha 62 (Esq.); Higia, de Gustav Klimt 63 (centro); Isabel
vestida com o traje que sintetiza a representação estética dos artistas mencionados 64 (Dir.).

A síntese das imagens construída a partir desses dois artistas plásticos está
representada na composição do vestido de seda pintado artesanalmente e dos ornamentos
(Figura 36). O tecido do traje corresponderia à tela sobre a qual a gestualidade do artista se

62Fonte: Painting.From The ArtsSeries.Alphonse Maria Mucha1898 Disponível em:<http://www.alfonsmucha.org/home-


2-24-1-0.html>, acesso em: Maio de 2016.
63Higia (Detalhe de Medicina) Gustav Klimt, 1900, fonte: Warburg, banco comparativo de imagens, disponível em:

<http://warburg.chaa-unicamp.com.br/obras/view/4851l>, acesso em Maio de 2016.


64 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Maio de 2016.
manifestaria. Este traje ilustra a noção de figurino como similar a um objeto de arte: criado
em um contexto industrial, mas com caráter artístico. Relaciono ao projeto de Hedva
Megged, que inovou a pintura sobre seda, na técnica Sertí, expandindo suas linhas
caligráficas e expressivas, formas e cores vívidas. Por esse motivo é um objeto que carrega
a singularidade do “agir pela mão” da artista e sua subjetividade na intervenção do material,
subjetividade também presente na confecção do traje utilizado pela heroína ao interpretar
sua dança singular no teatro carioca (Figura 37). Dezoito metros de seda pura foram tingidos
manualmente pelo figurinista assistente, o artista Ed Galvão. Foram sobrepostos três tons da
cor terra rosada, que simbolizam as raízes negras da atriz e personagem, O tingimento
acompanha a silhueta e os movimentos do corpo da artista de cabaré, que apresenta ao
público carioca suas experiências na capital europeia. A modelagem do macacão possui dois
cortes verticais, para libertar o movimento das pernas. A cintura é marcada pelo peitoral
bordado preso ao corpo da atriz. Esse aplique está confeccionado como uma frente única
para dar firmeza e sustentar os movimentos da dança de Isabel. A parte de cima com alças
largas é presa nas costas na altura da cintura salpicadas de canutilho, o mesmo material do
bordado do peitoral e se encaixa na parte frontal. A saia confeccionada numa grandeza
proporcional ao cenário da ficção, criada para ampliar os movimentos da dançarina, acaba
por ressaltar o valor simbólico de sua coreografia. É importante frisar que essa proporção foi
pensada considerando o tamanho do palco construído pela cenografia dentro do estúdio da
TV.

Figura 37 – A dança de Isabel na segunda fase, já como uma artista famosa no exterior 65.
O samba coreografado pela atriz reforça a necessidade de se pensar o traje como um
elemento visual que expande sua dimensão no espaço cênico, sendo capaz de liberar os
movimentos da personagem, as suas verdades e a sua negritude. A solução resulta em um

65Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em Maio de 2016.


traje teatral, arrematado por uma extensa saia de corte oriental sobre o macacão de seda pura.
Vale relatar que o modelo de inspiração descrita na sinopse pelos autores da novela era o da
dançarina americana de sucesso internacional na Paris da Belle Époque, Josephine Baker,
sugestão essa que abandonamos por se tratar de uma referência transgressora mais desnuda,
posterior à época, mas que não se adequava aos movimentos e à gestualidade da coreografia
de Isabel, dentro do contexto e de uma novela veiculada no horário das 18 horas.
Outro elemento importante na apresentação de Isabel se deve ao fato de que ela vem
consagrada do exterior. Ao retornar de Paris em 1910, sua dança conta uma história. A atriz
imprime em sua personagem, ajudada pelo figurino, um valor estético que a sugestão dos
autores não havia contemplado. A criação do figurino acompanha a silhueta da atriz na
gestualidade de sua dança e esta, por sua vez, na consciência desse movimento, contando
com um traje sem amarras, tem condições de apresentar o lado livre e sensual de sua
personagem. Personagem e traje carregam a flexibilidade significante em sua composição,
conforme dito anteriormente por Pavis, apresentando ao público carioca e ao telespectador
o sentido de uma cena que desestabiliza os costumes locais: uma negra que interpreta com
elegância a artista de cabaré.
Operei a transformação dos materiais e a superposição de tempos no corpo da atriz e
nos tipos de tecidos. Testes foram feitos em diferentes materiais na busca do caimento, cor
e movimento adequados. Como dito antes, esses elementos se faziam extremamente
importantes para representar as memórias da terra, do samba e das raízes da personagem.
Chegamos finalmente à seda, pelo seu peso e movimento. Todavia, para obtermos o efeito
desejado foi necessário aplicar um tingimento ombrê (degradê) nos tons terrosos. Para além
do cuidado com as correlações históricas impregnadas nos objetos e materiais, foi preciso
levar em conta novamente os dispositivos tecnológicos utilizados na comunicação da ficção.
Uma questão com a qual o figurino teve de lidar foi a cabeça, que precisava estar
livre para demonstrar liberdade quanto às convenções sociais e culturais, mas também
ornamentada (Figura 38), trazendo à tona a nova condição de artista e rica, pertencente à
elite, mas de maneira diferenciada. No cotidiano da personagem, o volume do cabelo
harmoniza-se à sua negritude. É preciso apenas ornamentá-lo, deixando-o livre para a
gestualidade dos movimentos.
Figura 38- O cabelo de Isabel como um ornamento sofisticado: segunda fase da teledramaturgia 66.

A figura 39 ilustra a transformação do cabelo de Isabel entre a primeira e a segunda


fase da teledramaturgia. Os cachos se tornam mais definidos e controlados em massas
delineadas e destacadas, isto porque o penteado se torna um ornamento, uma joia valiosa
diante dos olhares da sociedade. Expressa sua condição social ascendente de maneira
vanguardista e condizente com seu estilo de vida de dançarina/artista, independente e livre.
A massa de cachos ao redor do rosto forma uma moldura delicada e refinada, um ornamento
orgânico similar aos elementos plásticos das obras do movimento Art Nouveau, que enfatiza
o rosto e as joias. A cascata de cacho pelo colo intensifica a sensualidade que a combinação
dos figurinos transmite.

Figura 39 - A transformação do cabelo de Isabel 67.

66 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>. acesso em Maio de 2016.


67 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Maio de 2016.
Finalizo essa seção retomando a importância da familiaridade das equipes, da direção
e dos autores com as atrizes. No caso da escolha de Camila Pitanga para o papel de Isabel,
utilizo as palavras de João Ximenes Braga, um dos autores de “Lado a Lado”, quando
questionado por Fernanda Menezes Côrtes sobre a sua participação na seleção do elenco:

Sim. Eu, por exemplo, já tinha escrito muito para personagens da Camila
Pitanga. Aliás, nunca fiz uma novela sem ter a Camila. O Lázaro [Zé
Maria, noivo de Isabel], também, já estava convidado desde “Insensato
Coração” [telenovela exibida pela primeira vez em 2011] (BRAGA apud,
CORTÊS, 2012, p 205, Apêndice 5. Press Kit).

No caso da criação dos trajes de Isabel, pesa não apenas o fato de estar familiarizada
com o corpo de Camila Pitanga, mas, também, o fato de perceber a relação que a atriz
estabelece com a câmera. Trata-se de uma variável relevante, especialmente no contexto do
espírito do Art Nouveau, no qual o “estilo ornamental consiste no acréscimo de um elemento
hedonista a um objeto útil” (ARGAN, 1992, p.202). Pitanga demonstra um modo particular
de se posicionar diante da câmera, um modo que comunica o prazer de ser observada e
exposta ao público.
CAPÍTULO 3. PRANCHAS ICONOGRÁFICAS NA CRIAÇÃO DE
FIGURINOS DE ÉPOCA

Neste capítulo descrevo e analiso a metodologia que utilizo para criar coletivamente
os figurinos de época para a teledramaturgia; uma prática fundamentada na colagem de
imagens preponderantemente fotográficas. Por esse motivo, utilizo a expressão “prancha
iconográfica de figurino” para me referir a uma composição que reúne um conjunto diverso
e rico de imagens (desenhos, ilustrações escultura, pintura, fotografia, gravura), para criar
uma “visão tipo” de cada personagem. Nomino a prancha de colagens de “prancha
iconográfica” por analogia com a noção de iconografia do historiador de arte Giulio Carlo
Argan [1909-1992] (1994, p.39), para quem, iconografia é “o estudo da conformidade com
uma imagem tipo”. Argan entende iconologia como história da transmissão, da transmutação
das imagens. Os estudiosos da iconografia e da iconologia referem-se à história da arte como
a história da cultura elaborada não pela via dos conceitos, mas por meio das imagens.
A prancha iconográfica ou prancha de colagens é uma composição que guia o
desenvolvimento e a fabricação dos figurinos das personagens da teledramaturgia. A prancha
apresenta uma unidade e, ao mesmo tempo, se abre a uma diversidade de expressões,
simulando a atriz ou o ator vivendo situações bem diferentes. É um recurso iconológico e
simbólico para desenvolver os figurinos da teledramaturgia.
É difícil situar no tempo e no espaço o momento preciso em que as pranchas
iconográficas são introduzidas de maneira sistemática e contínua na minha metodologia de
criação de figurino de época. Até Primo Basílio (1988), essa etapa concentrava-se em croquis
pintados em aquarela ou pastel seco dos modelos dos figurinos. Os personagens eram
traduzidos para o plano do desenho após leitura minuciosa da sinopse e dos capítulos iniciais.
Minha memória evoca lembranças sobre as dificuldades do diretor em ler e interpretar as
pranchas de desenho, cuidadosamente elaboradas. Como ilustração, faço uma pausa e
descrevo um episódio radical para introduzir as pranchas de colagens na etapa de concepção
do figurino. Durante a produção de “Primo Basílio”, Carlos Gil, responsável pelo setor de
Costura e Confecção da TV GLOBO, sugeriu que o diretor da teledramaturgia, Daniel Filho,
aprovasse cada desenho de figurino antes de entrar em produção. Assim evitaríamos
questionamentos posteriores sobre a adequação e a pertinência do modelo desenvolvido para
a personagem. O processo de aprovação era quase um julgamento de “gosto”. Os aprovados
recebiam a assinatura de Daniel Filho (Figura 40).
Figura 40 - Exemplo de desenhos em pastel do figurino de Primo Basílio 68.

Minha maior motivação foi desenvolver uma estratégia de comunicação visual que
estimulasse o olhar da direção. Iniciei, assim, o processo criativo das colagens para a
teledramaturgia, abordando não apenas um estudo de croquis, mas uma dimensão mais
abrangente do universo da personagem, na tentativa de reduzir o desperdício de tempo, de
material e de trabalho decorrentes do estranhamento de linguagens. Hoje, a prancha tem a
função de mediar o diálogo entre os profissionais do figurino e os demais responsáveis pela
produção da telenovela (cenógrafos, atores, diretores, fotógrafos, entre outros).

3.1 A PRANCHA ICONOGRÁFICA DE FIGURINO DE ÉPOCA

Encontro no historiador de arte alemão Erwin Panofsky 69 (1892-1968) os fundamentos para


pensar o processo de construção da prancha de colagem. Panofsky acreditava ser possível
“recriar” todo o processo de elaboração do objeto artístico para a sua interpretação

68Fonte: Acervo pessoal.


69Panofsky detalha suas ideias sobre os níveis da compreensão da história da arte em seu livro “Estudos em Iconologia”
de 1939.
fundamentada na história das imagens. Por analogia, penso na prancha de colagens como um
recurso artístico que, a partir da interpretação de imagens visuais e textuais, “conta a história do
personagem, da época, da trama”. Grande parte da elaboração consiste em selecionar e
posicionar documentos visuais e textuais no plano. A colagem é um quadro artístico repleto de
referências e sujeito a múltiplas interpretações e em constante transformação. É um estudo ou
ensaio no formato de uma narrativa visual.
Faço um paralelo entre os procedimentos de composição da prancha e os níveis de análise de
Panofsky. Seguindo com Panofsky, “o primeiro nível de entendimento da obra, é o primário,
aparente ou natural”, isto é, despojado de qualquer conhecimento ou contexto cultural. O
historiador Peter Burke 70 (1937 -) explica que este nível se limita à identificação de objetos (tais
como árvores, prédios, animais e pessoas) e eventos (refeições, batalhas, procissões, etc.).
Panofsky denomina o segundo nível de secundário ou convencional, aquele que
introduz a “equação cultural e o conhecimento iconográfico”. É o nível, segundo Burke
(2004, pp.45-56), da análise iconográfica 71 no sentido estrito, voltado para o “significado
convencional” (reconhecer uma ceia como “A Última Ceia” ou uma determinada batalha
como a Batalha de Waterloo).
O último nível na concepção de Panofsky é o do significado intrínseco ou do
conteúdo (iconologia). Esta última camada é essencialmente uma síntese dos níveis
anteriores; nele, o historiador questiona o significado global do objeto artístico
(PANOFSKY, 2014, pp.48-51). É o nível da interpretação; portanto, requer julgamento. Em
outras palavras, vai além da “decomposição de um todo em suas partes constituintes, ou seja,
decomposição de seus elementos a fim de classificar cada um destes” (PIFANO, 2010, p.5).
Burke esclarece que é neste nível que as imagens oferecem evidência útil para os
historiadores culturais.
Para Panofsky, a obra de arte expressa o “espírito de uma época” ou uma vontade de
forma imanente a uma época. Em oposição à ênfase de Panofsky sobre o objeto, o aclamado
historiador de arte Ernest Hans Gombrich [1909-2001] (GINZBURG, 1989, p.78) invoca os
historiadores a não idealizarem a obra de arte e a não considerarem os estilos do passado
como uma mera expressão de época, raça ou situação de classe. Gombrich (1999, p.29)
afirma: “A arte não é apenas a expressão da época: é o trabalho de pessoas que precisam
buscar aprovação se quiserem sobreviver”. No meu caso, considerei os dois lados
complementares: o estético e o cultural, dentro das contingências do meio televisivo.

70 Segundo Burke, os termos “iconografia e iconologia” foram relançadas ao mundo da história da arte, durantes as décadas
de 1920 e 1930, com destaque para a Escola de Warburg, criada por Aby Warburg (1866-1929), na cidade de Hamburgo.
A Escola de Warburg reunia “estudiosos com boa educação clássica e interesse por literatura, história e filosofia” (BURKE,
2004, p. 45). Erwin Panofsky inclui-se nesse grupo, com seus estudos iconográficos.
71 O dicionário Aurélio apresenta as seguintes definições para os termos iconografia e iconologia. Iconografia é a arte de

representar por meio de imagem; conhecimento e descrição de imagens; documentação visual que constitui ou completa
obra de referência e/ou de caráter biográfico, histórico, geográfico, etc. A iconologia refere-se à representação alegórica ou
emblemática de entidades morais, explicação de imagens ou monumentos antigos, explicação das figuras alegóricas e seus
atributos ou parte da história das belas artes que estuda o tratamento dos assuntos em diversos artistas e épocas.
Assim como Panofsky demonstra sobre a obra de arte e seu tempo, a equipe de “Lado
a Lado” tinha o desejo de realizar uma produção em que houvesse esse espírito da época,
mas não somente na questão plástica, e, sim, tomando o processo cultural como um todo; de
maneira criativa, que pensasse a década 1900 como um período rico em referências visuais
como, por exemplo, o surgimento do cartazismo, influências dos progressos da fotografia
iniciante, nascimento do cinema, cartões postais e também levando em conta a necessidade
apresentada por Gombrich de ver o contexto.
As escolhas e aplicações dos elementos visuais no figurino e acessórios das
personagens, como pinturas artísticas, tingimentos manuais, adaptação de modelagens e
cortes, ou na apropriação de novos materiais que simulassem a realidade da época, etc., estão
presentes nos figurinos de “Lado a Lado”. Um trabalho televisivo necessita do entendimento
do espectador, inserindo-o na época de forma simbólica e expressiva, ampliando a ilusão de
temporalidade.
Burke concorda com outros pensadores que criticam o método de Panofsky por ser
“intuitivo em demasia”: no limite, os iconologistas encontrariam nas imagens o que sabiam
que iriam encontrar. Outra crítica ao autor apresentada por Burke é a indiferença do enfoque
iconográfico aos contextos social, cultural e político de produção e consumo da imagem
(mercado da arte). Burke (2004, pp. 50-52) complementa as críticas afirmando: “um
problema do método iconográfico é que seus praticantes não têm prestado suficiente atenção
à variedade de imagens”. Isto é, o método precisa ser adaptado não apenas para lidar com as
imagens alegóricas, como fazia Panofsky, mas também para lidar com a diversidade de
estilos. Burke sugere, ainda, que a iconologia seja praticada agregando outros enfoques
como, por exemplo, o da teoria da recepção dos trabalhos artísticos; abordagem similar ao
que é feito em estudos literários.
O método iconográfico sustenta a maneira que utilizo e me aproprio de algumas
alegorias e simbolismos, a fim de dar vida aos personagens e construir o mundo imagético
deles, mas, concordando com Burke, este método precisa ser complementado, pois um
figurino, e qualquer indumentária, também envolvem questões sociais, políticas e culturais,
como tudo o que envolve o consumo de imagens. Por isso, se faz necessário o diálogo com
outros estudiosos para construir o conjunto de peças que fazem parte do universo retratado
na telenovela. Da mesma maneira que procede o historiador da arte, o figurinista coloca o
espectador como testemunha ocular da trama, como se buscará descrever a seguir.
3.1.1 A apropriação das fontes iconográficas para compor a colagem

Na apresentação e nos capítulos anteriores, defendi que o figurino de época é um


gênero que mobiliza recursos humanos e materiais similares, em diversos pontos, aos de um
objeto de arte 72 (BECKER, 2010), ou seja, pela sua forma de expressão, pela sensibilidade
da imaginação, pela busca de materialidade, o desejo de realizar e suas escolhas singulares
em formas e materiais, pois:

A emoção artística só se torna possível devido à existência de um conjunto


de convenções às quais tanto o público [telespectador] como o artista se
podem reportar para que a obra seja investida de significado (BECKER,
2010, p.50).

Afirmei na seção anterior que a prancha de colagens resulta, em certa medida, de


uma análise iconológica das referências ou fontes. Afirmei também que a prancha de
colagens é um objeto que serve de guia para criar os figurinos da teledramaturgia. Por esse
motivo remeto aqui à noção de criatividade apresentada por Gombrich:

É o impulso de procura das possibilidades e da variedade de soluções


oferecidas pala tradição artística (do artífice) que irá produzir novidade e
originalidade, porque o que o artista (o artífice) aprende não é apenas a
copiar, mas também a variar, a explorar suas fontes por inteiro e levar sua
habilidade ao limite extremo que a empreitada permite e sugere 73.
(GOMBRICH, 1991, p. 69).

A prancha de colagem guia a concepção e o desenvolvimento do figurino, e o


figurino é um dos recursos da teledramaturgia para situar o espectador na trama e no seu
período histórico. Portanto, um dos condicionantes na concepção do figurino é a relação
entre a imagem e seus significados diante de um grupo determinado. Tal como a sociedade
para qual a obra teledramatúrgica fora produzida, pois, como afirma Panofsky (apud
BURKE, 2004, p.43): “(...) um nativo australiano não poderia reconhecer o tema da última
ceia; para ele, a cena apenas evocaria a ideia de um alegre jantar”. E, mesmo assim, nem
todos o veriam exatamente da mesma maneira.

72 Para o autor, “os criadores da obra de arte [...] designam as atividades necessárias à produção de uma forma de arte
como ‘artísticas’, por que estas exigem o dom ou a sensibilidade que só o artista possui” (BECKER, 2010, p.39).
73 Livre tradução do original a seguir: “Creativity does not come out of the void. It is the impulse to search out the

possibilities and the varieties of solutions offered by the craft tradition which will produce novelty and originality, because
what the craftsman learns is not only to copy but also to vary, to exploit his resources to the full and push his skill to the
very limits of what a task will allow and suggest.”
A figurinista examina os mecanismos utilizados pela obra imagética para levar os
espectadores a fazerem determinadas interpretações. Ao longo dos anos, a partir da
experiência acumulada, o profissional sabe de recursos que fazem com que a imagem
estimule o expectador a identificar-se com o herói ou com a vítima, já que as telenovelas
sempre criam essa polaridade. Mas, do mesmo modo, e em função de todas as premissas que
apontei no capítulo 1, o figurinista deve evitar estereótipos. Burke afirma que o patrimônio
interpretativo deve ser enriquecido. Como neste trabalho me coloco como analista do meu
próprio trabalho endosso o ponto de vista do historiador, para quem a análise da imagem
mais promissora é aquela “que pretende reconstruir as regras ou convenções, conscientes ou
inconscientes, que regem a percepção e a interpretação de imagens numa determinada
cultura” (BURKE, 2004, p.227). No caso de uma obra de ficção, o dinamismo entre o
consciente e o inconsciente, o ser e o parecer são também incorporados ao traje da
personagem. Para fugir ao banal é que entra o lado da criatividade e a aproximação da arte
como fonte de inspiração.
Assim, a centralidade da iconografia na minha forma de conceber o figurino de época para a
teledramaturgia, materializada na prancha de colagens, encontra eco em Peter Burke (2004, p.13)
ao ratificar o valor das imagens como evidência para a história do vestuário. Segundo o
historiador, “as imagens são testemunhas de etapas passadas do desenvolvimento do espírito
humano, objetos através dos quais é possível ler as estruturas de pensamento e representação de
uma determinada época”. Todavia ele ressalta que as escolhas das fontes (textuais e imagéticas)
devem ser sempre acompanhadas da pergunta: “Em que circunstâncias o documento foi
produzido”? Para mostrar como o uso das fontes foi mudando ao longo da minha vida
profissional introduzi uma breve seção em que menciono algumas criações.

3.1.2 Mudanças no modo de apropriação das fontes iconográficas e textuais

Quando iniciei como assistente de figurino na Rede Globo no final dos anos de 1970, orientada
por Kalma Murtinho, as referências eram fundamentalmente selecionadas por ela. A
preocupação com as fontes textuais e visuais passou a ter um peso diferente para mim quando
assumi a liderança da equipe de figurino em algumas telenovelas. Essa passagem ocorreu
concomitantemente ao meu ingresso como docente na EBA/UFRJ. Sem dúvida, a docência em
Indumentária contribui significativamente para embasar minhas práticas de trabalho na televisão
nos campos das artes visuais e da modelagem de época. Todavia, considero a interação cotidiana
com os profissionais das diversas equipes, além de autores, diretores e produtores, uma das
principais fontes de aprendizagem. Um processo enriquecido ao longo do tempo à medida que a
pesquisa para a produção da telenovela de época se profissionalizava. Refiro-me,
especificamente, a pesquisa histórica exercida por historiadores, sociólogos e profissionais de
letras.
O primeiro figurino de época que assinei foi um Caso Especial dirigido por Geraldo
Casé intitulado “O Inspetor Geral”, em 1983. Com esse trabalho ganhei o Prêmio da
Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). O “diretor ressaltava a estética teatral e
irônica da obra” (ARRUDA, p.298). 74Como era uma adaptação da obra de Nicolai Gogol
(1809-1852), busquei inspiração na arte de Marc Chagall (1887-1985), identificando alguns
traços comuns entre os dois. Gogol era russo ucraniano, tinha forte formação religiosa e, no
fim da vida, terminou músico e louco. Marc Chagall nasceu na região da Bielorrússia. O
pintor embora tenha se radicado na França manteve ao longo de sua vida laços estreitos com
a cultura judaica, sua origem, e com a cidade em que nasceu e cresceu. Chagall materializou
em suas obras os sentimentos e os conflitos humanos e sociais de um período beligerante
(Primeira e Segunda Guerra Mundial). Gogol, em “O Inspetor Geral”, denuncia os vícios da
alma humana e faz críticas incisivas às instituições. Considerei à época uma associação
perfeita. A loucura de Gogol apareceu inclusive na montagem da televisão. As figuras foram
construídas sem eixo de equilíbrio, como a pintura de Chagall. Nesse período, apesar de a
produção televisiva estar mais profissionalizada, “O Inspetor Geral” manteve algumas
características artesanais, aproximando-se de um trabalho teatral no estilo de uma fábula.
Outra experiência significativa no que tange à busca de referências textuais e
iconográficas para a criação de figurino de época ocorreu na produção da minissérie “O
Tempo e o Vento” (1985), dirigida pelo gaúcho Paulo José. A obra épica de Érico Veríssimo
foi objeto de uma ampla pesquisa, criteriosamente acompanhada pelo diretor que mantinha
pelo texto de Veríssimo uma relação literária apaixonada. Para fazer justiça a seu livro de
cabeceira, Paulo José empenhou-se em todos os detalhes de produção, orientando o uso das
fontes de pesquisas regionais (muitas delas do acervo pessoal do diretor). Com essa
abordagem, ele foi capaz de ampliar e enriquecer o olhar das equipes para as questões
históricas, simbólicas, artísticas e materiais. O deslocamento geográfico, as interações
ocorridas nas pesquisas de campo, o contato vivo com grupos folclóricos e proprietários de
pequenas indústrias familiares, os acervos históricos públicos e privados pesquisados, todos
estes elementos foram fundamentais para as equipes envolvidas com a produção da
minissérie. Além da (con)vivência local, permanecer no ambiente geográfico permitiu
adequar os trajes e os acessórios às condições ambientais, particularmente aquelas
associadas às estações climáticas (como luminosidade e temperatura). Destaco também o
conhecimento sobre as raízes tradicionais das equipes de produção local e a orientação das
pesquisas de arte por Rosa Magalhães. Sobre a autenticidade do figurino da minissérie
ressalto a participação seminal dos artesãos locais habituados, por gerações, a dominar as
técnicas tradicionais do couro, do metal e da lã. Como exemplo dos acessórios, cito a riqueza
de detalhes das esporas em acabamentos banhados de prata, dos coldres, dos cintos, das

74 MEMÓRIA GLOBO, 2007.


guaiacas e das botas. Ponchos tricotados, rendas e bordados manuais de qualidade
excepcional foram peças posteriormente incorporadas ao acervo, servindo de referência para
outras produções.
Outra aprendizagem radical na forma de pesquisar as referências para figurino de
época ocorreu na produção da minissérie “Memórias de um Gigolô”, em 1986. Dirigida pelo
mestre Walter Avancini, a obra de Marcos Rey adaptada por Walter G. Durst e Walcyr
Carrasco tinha como cenário os anos de 1920. Avancini desafiou as equipes a representar a
efervescência do período. Para o figurino, encontrei no traço farsesco das ilustrações de José
Carlos de Brito e Cunha, conhecido como J. Carlos (1884-1950), uma ideia de plasticidade
artística que gradativamente fui ajustando as condições simbólicas e materiais da produção.
Utilizei meus conhecimentos técnicos de luz e cor para selecionar texturas e acabamentos
que refletissem tonalidades suaves, harmonizadas ao ritmo da filmagem e ao enquadramento
da câmera típicos do diretor. A abordagem singular de Avancini provocava cotidianamente
a equipe de figurino a observar os detalhes e a exercitar o improviso, no meio televisivo. Foi
assim que retirei o forro dos trajes da protagonista para dar a mobilidade e a leveza exigidas
nas gravações das cenas.
Outra mudança fértil no modo de buscar as fontes iconográficas e textuais ocorreu
na minissérie “O Primo Basílio” (1988). Baseada na obra de Eça de Queirós, a ficção foi
adaptada por Gilberto Braga e Leonor Bassères, e dirigida por Daniel Filho. Como havia
sido a última profissional escolhida pelo diretor, creio que por indicação de Paulo José, eu
não acompanhara a equipe de cenografia, arte e direção em sua viagem de pesquisa a
Portugal, etapa importante dentro do processo de interação como sublinhei anteriormente.
Coube então mergulhar no universo ficcional, pesquisando com rigor histórico as fontes
textuais e iconográficas na biblioteca do Real Gabinete Português do Rio de Janeiro. As
referências me ajudaram a compor os figurinos dos tipos populares e regionais, pano de
fundo para a minissérie. Encontrei imagens de temas cotidianos nos painéis portugueses de
azulejaria. Um dos autores consultados foi Alberto Souza. O resultado me incentivou a
buscar outros artistas que representavam na pintura as cidades e os grupos sociais desta
época. Aqui remeto a cozinheira da trama vivida pela atriz Louise Cardoso, cujo figurino foi
inspirado em José Malhoa (1855-1933), pintor português que mais se aproximou do
impressionismo. Relembro meu estranhamento ao receber o material trazido de Portugal pela
direção de arte – xales, capas, cinturitas, acessórios; brincos, chapéus, etc. – para ser inserido
no guarda-roupa da minissérie. Como desconhecia as características materiais e simbólicas
das peças, encontrava dificuldade em relacioná-las aos personagens e ao elenco. Aqui abro
um parêntese para observar o fato de não ser obrigada, na teledramaturgia, a usar material
de época original. Todavia, tenho obrigação de conhecer os trajes da época e suas técnicas
de produção (modelagem, corte e costura), incluindo os acessórios (chapéus, cintos, sapatos,
etc.). Sem esses conhecimentos não posso decidir quando e como utilizar peças originais ou
adaptadas que funcionem na tela e que auxiliem os gestos e os movimentos do elenco. Cito
como exemplo o caso das armações complexas das saias do período.
Na teledramaturgia “A Força de um Desejo” (1999), dirigida por Marcos Paulo e
Mauro Mendonça Filho, encontrei outros desafios profissionais que contribuíram para o meu
amadurecimento no que tange às referências de criação de figurino de época e às técnicas de
fabricação dos trajes. Estávamos agora no PROJAC (sigla para Projeto Jacarepaguá, à época)
e as equipes eram constituídas predominantemente por jovens profissionais. Um número
significativo de funcionários experientes havia se aposentado, grande parte do setor de
fabricação das roupas. Havia necessidade de preparar as equipes e aproveitamos para
introduzir novos modelos de produção. Além disso, “A Força do Desejo” era a primeira
novela de época que a equipe de arte liderada por Denise Garrido estava realizando. No que
dizia respeito ao elenco selecionado, havia atores experientes (com os quais estava
familiarizada) e outros iniciando carreira na televisão, portanto, desconhecidos para mim.
Eram muitos os desafios para todas as equipes. Destaco que do grupo envolvido na área de
arte, figurino e direção somente o diretor Marcos Paulo e eu tínhamos experiências em
projetos de época. Diante deste quadro, minha sugestão foi trazer a pesquisadora Clarisse
Fukelman para orientar todas as áreas de produção, o que foi imediatamente aceito pela
direção. Especialista em literatura e pesquisadora para diversos projetos educativos para o
canal Futura, inclusive baseados em minisséries, a consultora contratada aproveitava cada
reunião semanal com as equipes (cuja pauta é a análise dos capítulos referentes à semana)
para discutir questões relacionadas à linguagem adequada à época (vocabulário, expressões
gestuais, hábitos e modos de comportamento). Ressalto, em especial, os seminários
organizados por Clarisse Fukelman para o elenco, em que especialistas convidados por ela
aprofundavam temas específicos. Lembro que uma das referências temáticas abordou
elementos da cultura negra banto presentes em “A Força do Desejo”. A fundamentação da
tradição literária apresentada por Fukelman ampliou meu entendimento sobre as
personagens femininas de José de Alencar. Compreendi que poderia vestir de branco a
pecadora em sua primeira aparição (Esther Delamare interpretada por Malu Mader). Escolhi
como referência para o figurino da protagonista a série cinematográfica “Sissi a Imperatriz”.
Procurei nos brechós de Londres peças originais, depois de visitar em Viena o Museu Sissi,
situado no conjunto de Hofburg. Lembro, também, que, na criação do figurino da
protagonista Esther Delamare, utilizei como referência o traje de baile da personagem
feminina da ópera “La Traviata” produzida por Franco Zefirelli, e encenada no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, em 1983. Esta foi uma das óperas para as quais fiz a supervisão
da confecção dos trajes durante o período no qual trabalhei no Teatro Municipal. Zefirelli,
com sua experiência internacional na encenação de óperas, já havia adotado a prática de
utilizar anáguas ao invés das pesadas “crinolinas”, para facilitar a mobilidade e a
gestualidade das cantoras. Com ele aprendi também a técnica de sobreposição de camadas
para criar efeitos visuais e multiplicar a quantidade de figurinos. Zefirelli sabia transformar
cenários e figurinos constituídos de materiais contemporâneos em ambientes de época.
Observando a técnica do diretor para colorir as superfícies – basicamente utilizando spray –
compreendi de que maneira o acabamento pode simular texturas e cores correspondentes aos
períodos históricos.
O hábito de pesquisar em museus, galerias, brechós dentro e fora do Brasil foi sendo
gradualmente incorporado à minha prática de figurinista. Assim, os figurinos da elite
portuguesa representada em “Os Maias” (2001) - obra de Eça de Queirós adaptada por Maria
Adelaide Amaral, dirigida por Luiz Fernando Carvalho - foram valorizados pela pesquisa
realizada em museus portugueses, com destaque para o Museu do Traje, aproveitando o
primeiro mês de gravação da teledramaturgia. Esclareço que, para os figurinos das classes
populares desta teledramaturgia, recorri às fontes de “O Primo Basílio” (1998), dirigida por
Daniel Filho.
Saltando no tempo, chego à iconografia da minissérie “Capitu” (2008), uma livre
adaptação e direção do mesmo Luiz Fernando Carvalho. O conhecimento e a experiência
adquiridos ao longo de minha trajetória profissional trouxeram uma liberdade maior na
interpretação das fontes iconográficas e textuais, bem representada no figurino de “Capitu”.
Considero que os trajes criados para os personagens da teledramaturgia refletem em certa
medida a observação de Moura (2014, p.100) ao afirmar que Machado de Assis conseguia
“[...] atravessar a aparência das coisas para chegar à essência delas”.
Em síntese, nesta seção procurei mostrar que não é possível relativizar as escolhas
estéticas, simbólicas e materiais do figurino de época sem introduzir mudanças na forma de
pesquisar as referências iconográficas e textuais. Reitero que a montagem da prancha de
colagem é um processo baseado no conhecimento, na familiaridade e intimidade com as
artes visuais e na capacidade de situar no tempo (no sentido mais amplo) e no espaço a
tradição artística. As referências básicas para a seleção e disposição dos elementos para a
composição da narrativa visual e montagem da prancha iconográfica não podem prescindir
de um domínio do conhecimento das artes plásticas, particularmente de pintores e suas
técnicas de expressão. Um exemplo já citado é o traje de Isabel na segunda fase da
teledramaturgia inspirado nas obras de Mucha (para os acessórios e o traje de dança) e de
Klimt (para a pintura sobre o tecido), apresentado no capítulo 2.
A prancha de colagem materializa o domínio de conhecimentos e habilidades
relacionadas à composição artística (equilíbrio, tensão, nivelamento, agrupamento,
positivo/negativo, entre outros), aos estilos artísticos (primitivismo, expressionismo,
classicismo, estilo ornamental e funcionalismo) e à comunicação visual (ponto, linha, forma,
direção, tom, cor, textura, escala, dimensão e movimento). A interação entre os profissionais
da equipe de figurino com as demais equipes de produção enriquece a capacidade de
observar os efeitos de luz e sombra do objeto criado, ajudando a relacionar esses efeitos aos
tipos de superfície (acima de tudo, a humana).
Em síntese, o alfabetismo visual é, conforme discutido pela professora e designer
Donis A. Dondis em “Sintaxe da Linguagem Visual” (2003), a condição básica para criar ou
interpretar as pranchas iconográficas, pois inclui referências como o cinema, o balé, a ópera
ou o teatro; aprendizagens fundamentais para o figurino de época. Como exemplo, cito
novamente o figurino de “Capitu” (Figura 41), analisado por Marianna Milleco Ribeiro
(2015), no qual é evidente a influência dos filmes “O Leopardo” (1963) e o “Inocente”
(1976), do consagrado diretor de cinema italiano Luchino Visconti (1906-1976).

Figura 41 - Capitu menina e Capitu mulher, integração da renda aos trajes e os


elementos da personalidade 75.

75 Fonte: Memória Globo, disponível em: <www.memoriaglobo.globo.com>, acesso em: Maio de 2016.
Entendo assim, que a resposta à pergunta de Burke - “Em que circunstâncias o
documento foi produzido?” – vincula-se aos domínios de conhecimento destacados
anteriormente; portanto, é interdisciplinar. Desse modo, as pranchas iconográficas devem
ser interpretadas como uma construção coletiva, de trocas, materiais e imateriais, de saberes
e práticas; aprendizagem por interação, e, às vezes, contágio, entre profissionais de origens
e percursos acadêmicos e profissionais distintos e complementares.

3.2 A prancha iconográfica como dispositivo de comunicação visual

Como afirmei no início deste capítulo, a prancha iconográfica foi concebida para
facilitar o diálogo entre a equipe de figurino, a direção de arte, o elenco e as demais equipes.
Esse diálogo ocorre a partir de uma polissemia de interpretações das imagens que estão
posicionadas sobre as pranchas: são múltiplas leituras e múltiplos leitores. Vale lembrar que
a própria seleção e disposição das colagens são traduções historicamente e localmente
situadas, orientadas pela razão e também pela emoção. Reitero que da montagem da prancha
até a fabricação do traje existe um conjunto de processos de trabalho ordenados: (1) montar
a prancha de colagens; (2) submeter a prancha ao escrutínio dos diretores e suas equipes; (3)
elaborar os croquis dos modelos dos trajes aprovados; (4) adaptar o modelo original do
figurino de época ao corpo e a gestualidade da atriz, criando o modelo base; (5) realizar a
modelagem de cada traje aprovado; (6) costurar os trajes; (7) realizar a prova dos trajes no
corpo das atrizes e (8) fazer ajustes no projeto original, conforme o andamento da novela.
Este percurso de concepção, desenvolvimento e fabricação de figurino de época para a
telenovela é recorrente e o resultado depende de um arranjo harmonioso de saberes e práticas
que não ignora as tensões e as deformações geradas em um ambiente de trabalho
condicionado pelo orçamento e pelo tempo de produção. Sobre este último, em função da
sua relevância, trato separadamente na próxima seção.

3.2.1 A prancha iconográfica e sua relação com o tempo de produção de “Lado a Lado”

De modo geral, os figurinos de época para a televisão são produzidos ao longo de


sua exibição. No caso de “Lado a Lado” a teledramaturgia foi exibida em nove meses. As
atividades da equipe de figurino são contínuas e recorrentes. Nossa prática é a de manter
sempre uma reserva técnica significativa de materiais para atender as demandas de última
hora. Procuramos fabricar o maior volume possível de trajes antes do lançamento da
telenovela, seguindo os quadros da gerência de produção, que fornecem informações sobre
local das gravações (estúdio e locações em externa), viagens, datas, equipes, etc. que
antecedem o início da exibição da telenovela. A figura 42 ilustra o planejamento das
gravações dos primeiros 18 capítulos de “Lado a Lado”.
Figura 42 - Decupagem técnica do roteiro de gravação: um exemplo 76.

Na seção anterior, apresentei oito processos de trabalho que ocupam a equipe de


figurino. Todavia, ressalto que os quatro primeiros envolvem atividades que dependem
diretamente da liderança da figurinista e da metodologia de criação que utiliza. A etapa de
avaliação da prancha traz inúmeros benefícios porque nessas reuniões definimos os
conceitos e estabelecemos as linguagens visuais para os figurinos e para os cenários, de
forma harmonizada. O cenário e o figurino se complementam e a sintonia é fundamental
não só para situar o enredo e o período da trama, mas também para conseguir uma harmonia
entre os personagens e os outros elementos de cena. Por este motivo descrevo a construção
da paleta de cores do figurino de “Lado a Lado”.
As pranchas de colagem que apresentamos às equipes de produção na primeira
reunião conjunta tinham tonalidades de cartões postais de época colorizados que havíamos
selecionado como referência visual. A equipe da direção interpretou a proposta dos tons da
prancha de colagem, traduzindo-a para o colorido do autochromes dos Irmãos Lumière,
mencionado no capítulo anterior. Portanto, nesta passagem identificamos um modo de
incorporação e ampliação de conceitos visuais contidos nas pranchas iconográficas. Um dos
benefícios da convergência ou complementaridade de linguagens ou de inspirações que
emergem das interações entre profissionais de diferentes equipes é a redução no tempo de
produção do figurino. Além disso, as interações contínuas e as reflexões permanentes sobre

76 Fonte: Acervo pessoal.


a composição dos figurinos aguçam nossa capacidade de observar ou ler as imagens,
favorecendo o “acaso”. Refiro-me a uma espécie de “serendiptismo” ou serendipidade
(serendipity, em inglês), neologismo que remete a descobertas afortunadas feitas,
aparentemente, por acaso. Essa dimensão é relevante porque também pode interferir no
tempo de criação do figurino. Exemplificando: a montagem da prancha de Laura foi
acelerada quando estabeleci um elo de identidade estética entre as atrizes Marjorie Estiano
e a inglesa Keira Knightley, no filme “Um método perigoso”, que estreou no Brasil em
março de 2012. A minha primeira visada (uma descrição pré-iconográfica) ocorre ao
observar o cartaz do filme. Vejo uma jovem similar a Laura em beleza e delicadeza; ela se
encontra posicionada entre duas personagens poderosas: Freud e Jung. Faço uma análise
iconográfica da atriz e de sua personagem assistindo ao filme: observo a transformação, no
tempo, de uma figura fragilizada pela doença mental (psicose histérica) para uma psiquiatra
renomada (Figura 43). A unidade entre Laura e Sabina está na força do caráter de ambas. A
essência da elegância de Laura está no reconhecimento e aceitação de sua identidade e de
suas escolhas de vida, isto é, daquilo que a distingue (DE MELLO E SOUZA, 1987, p.41).
O corte temporal no processo de construção da prancha iconográfica de Laura ocorre no
momento em que percebo que é possível e recomendável uma economia de significados.
Citando Louis Pasteur, “o acaso favorece a mente preparada”.

Quadro 6 – Sinopse do filme “Um método perigoso” 77.


Em 1907, Sigmund Freud (Viggo Mortensen) e Carl Jung (Michael Fassbender) iniciam uma
parceria que iria mudar o rumo das ciências da mente assim como o das suas próprias vidas.
Seis anos depois, tudo isso se altera e eles tornam-se antagônicos, tanto no que diz respeito
a suas considerações científicas como no que se refere a questões de foro íntimo. Entre os
dois, para além das divergências de pensamento, surge Sabina Spielrein (Keira Knightley),
uma jovem russa de 18 anos internada no Hospital Psiquiátrico de Burgholzli. Com
diagnóstico de psicose histérica e tratada através dos recentes métodos psicanalíticos, ela
torna-se paciente e amante de Jung e, mais tarde, em colega e confidente de Freud. Isto, antes
de se tornar numa psicanalista de renome.

77Fonte: Blog Sentado na coxia, disponível em: <http://sentadoacoxia.blogspot.com.br/2011/11/critica-um-metodo-


perigoso-dangerous.html>. Último acesso em 16/07/2016.
Figura 43 - Sabina 78 (esq.) personagem referência de inspiração para
Laura 79 (dir.)

A “mente preparada de Louis Pasteur” nos remete à afirmativa de Gombrich (1999,


pp.15-16) ao referenciar a análise de Panofsky sobre o relato do abade Suger de Saint Denis,
no século XII: “não se pode separar o ver do conhecer”. Panofsky utiliza seu conhecimento
profundo sobre a cultura grega para explicar a relação que o abade firma entre o mundo
material, representado no precioso relicário cravejado de pedras, e o mundo espiritual.
Panofsky compreende que a visão religiosa do abade está impregnada pelo misticismo da
luz do neoplatônico Dionísio, cultivado em sua abadia. Na explicação de Panofsky fica claro
que Suger só foi capaz de converter a luz em manifestação visível do divino porque conhecia
a doutrina neoplatônica que vigorava na abadia.

78Fonte: site IMDB, disponível em: <httt://www.imdb.com/media/rm1628880128/tt1571222?ref_=ttmi_mi_all_sf_l>.


79Fonte: Acervo pessoal e fotos de divulgação da TV Globo, blog costumelover, disponível em:
<http://costumelover.blogspot.com.br/2012/09/lado-lado-costumes.html>. Acesso em: Maio de 2016.
A imagem é um objeto material apenas quando representa algo para nós. Dito de
outra forma: “a visão depende do conhecimento, de que em toda representação há um
elemento do conhecimento” (CONDURU, 1998, p.81). Os sistemas de significados circulam
nas diferentes culturas. A imagem que alguém constrói não é retirada do vazio, ela é sempre
elaborada no cruzamento de múltiplas relações, de experiências individuais e sociais, de
ordem psicológica e, principalmente, de ordem política e cultural. O processo de
identificação e seleção dos objetos iconográficos que precede a montagem da prancha ilustra
o que Machado, citado por Fisher, denomina cruzamento, intimidade e inseparabilidade
entre as imagens “internas” que construímos sobre as coisas e as imagens propriamente
“externas” – aqueles objetos visuais, perceptíveis, “materiais” (MACHADO, 1988, apud
FISCHER, 2006).
Tenho convicção, pela prática, de que a colagem, quando bem elaborada, alinhava um
conjunto saberes de caráter técnico e criativo. Por outro lado, ela também se abre a uma
releitura não só por parte do grupo presente, mas também por parte das atrizes ali
representadas.

3.2.2 Práticas artísticas na fabricação dos figurinos: da prancha para o atelier

A criação para “Lado a Lado” mobilizou, como em outras novelas de época que
realizei, saberes profissionais de diversos segmentos, e novamente foram chamados desde
artistas que dominam técnicas artesanais tradicionais e também os que exercitam processos
de criação das artes plásticas, até pesquisadores especializados, para dar conta do universo
ficcional.
Como afirmei anteriormente, esta condição é central para pensarmos as práticas de figurino e a o
figurino de época especificamente, que não quer abrir mão do lado estético, funcional e de
comunicação, isto é, transmitir ao espectador aspectos culturais e sociais representados na
narrativa.
O nível de especialização envolvido na produção de uma telenovela pode ser
apreendido pela observação dos créditos apresentados ao final da exibição do capítulo diário
da teledramaturgia, um procedimento utilizado por Becker (2010, pp.32-33) ao discutir a
criação coletiva de obras artísticas. Para ilustrar a diversidade de saberes e práticas presentes
na produção da telenovela, acrescentei a carta de agradecimento do diretor de “Lado a Lado”
às equipes (ver Apêndice 2). Menciono, novamente, os dados que forneci no início deste
trabalho sobre a produção da teledramaturgia: o desenvolvimento e a fabricação de 1.500
peças de figurino de época envolveram 5 equipes e 50 profissionais, ao todo,
aproximadamente.
Becker (2010, p.29) caracteriza bem as questões associadas à diversidade de práticas
profissionais e suas relações na produção coletiva de objetos artísticos. Refere-se, dentre
outras, às posições distintas de autoridade presentes nas interações. Baseada no sociólogo
estadunidense, penso nos profissionais em “Lado a Lado” que concebem o trabalho
(roteiristas e diretores, por exemplo), nos que executam (costureiras, alfaiates, aderecistas,
bordadeiras, chapeleiras, etc.) e naqueles que fornecem os equipamentos e matérias
indispensáveis à sua execução (figurinistas, produtores de arte e cenógrafos). Becker
também inclui a audiência. Essa inclusão tem grande importância porque, como afirmei
anteriormente, a maior parte da fabricação do figurino é feita ao longo da exibição da trama.
“Como o índice de audiência e as solicitações do público sobre o desfecho de um
personagem em particular podem alterar a sinopse da teledramaturgia” (OGURI;
CHAUVEL; SUAREZ, 2009, p.43), o desenvolvimento e a fabricação do figurino de época
devem ter agilidade e plasticidade para se ajustarem ás mudanças introduzidas ao longo das
gravações.
Resgato um conjunto de colocações, desejos e intenções manifestas pelos
profissionais durante a produção de “Lado a Lado” para descrever como os artistas e artesãos
são convocados e mobilizados pela equipe de figurino. Inicio pelas colocações dos diretores
artísticos Denis Carvalho e Vinícius Coimbra.

Fotografia

Lembro que, na primeira reunião com a equipe de figurino de “Lado a Lado”, após a
apresentação da prancha de colagem, os diretores artísticos destacaram a importância dos
detalhes na produção de época, afirmando que o bom resultado dependia da seleção e da
utilização criteriosa das referências fotográficas dos dois períodos da telenovela (1904 e
1910). A natureza da obra, segundo ambos os diretores, exigia um olhar cinematográfico
acurado e especializado. Por esse motivo haviam escolhido o fotógrafo e cineasta Walter
Carvalho. Reforço aqui a função narrativa da câmera: focaliza, recorta, aproxima, expõe e
descreve. A importância da câmera é enfatizada por Jane Gaines (1990, pp. 208-209) quando
afirma que o detalhe do figurino está preso ao enquadramento fotográfico (“the costume
detail is trapped in the frame”). Para capturar os gestos e os movimentos a câmera precisa
focalizar (“In order to capture and hold, the camera has to linger”) 80. No caso de “Lado a
Lado”, o fotógrafo Walter Carvalho enfrenta a penumbra das ruas do centro carioca
iluminadas pelas lamparinas valorizando suas tonalidades. As referências iconográficas em
preto e branco inspiram o fotógrafo a criar um “trabalho de desiluminação”, cujo objetivo é
proteger os atores e atrizes de intensidades luminosas que ampliam excessivamente os
detalhes ou as falhas das superfícies em foco.

Estilista artista

No figurino de época, o passado (silhuetas, peças e materiais autênticos ou originais)


e o presente sempre se misturam. Conforme discuti anteriormente, a tradução do período
histórico é uma interpretação situada no tempo, isto é, um dado período histórico será lido
de forma diferente em diferentes momentos da história. Ao falar sobre o figurino de época
para o cinema, o renomado figurinista estadunidense Richard La Motte (2004, p. 52) afirma
que qualquer tentativa de uma recriação estará inexoravelmente muito mais amarrada à
estética do período da produção do que do período que está sendo traduzido 81.
Motte (2004, p.51) utiliza a expressão “documento emocional” (“emotional
document”) para enfatizar o fato de que, apesar de um filme de época ser um documento
histórico, o filme (ou a teledramaturgia) é acima de tudo um documento emocional que será
lido por uma audiência 82. Na visão do figurinista a precisão do período é relativa, pois o
figurino deve comunicar o espírito ou a sensibilidade da personagem, mais do que retratar a
exatidão do traje à época. Para Motte, na indústria cinematográfica (que se aplica também à
teledramaturgia), o figurino deve parecer correto mesmo que, de fato, seja impreciso. Esta

80No original: “But the crucial point here is that in order to capture and hold, the camera has to linger. And yet, as I have
said, it will not be waylaid by costume detail. The moments when the costuming eludes meaning, when affect becomes
ascendant then, are those moments in which the camera is held on the heroine for some other dramatic reason. The costume
detail is trapped in the frame.” (GAINES, 1990, pp. 208-209)

81 No original: “The reality of the past is the reality of the past, however, and every attempt at a new recreation is inexorably

tied much more to the esthetics of the period of translation than to the period being translated. Why? Because we live in
the ‘now’, and films are supposed to connect with a ‘now’ audience, so ‘now’ sensibilities are always going to intrude.
(This also applies to editing and shooting styles). By sensibilities I mean not only popular test, but also the existence of
certain textiles, trimmings, animal products, dyes, and even craftspeople necessary to accurately reproduce a distant
period.” (MOTTE, 2004, p.52)
82No original: “If you allow that a film is usually first an emotional document and only second a historical document, then
arguments about the relative historical inaccuracy of any film become less important, even less so if the costume in question
serves the spiritual or thematic sense of the character better than the accurate one would have. In our business, the
characters, even historical ones, have to appear correct, even if they are, in reality, inaccurate”. (MOTTE, 2004, p.51)
noção é compartilhada pela figurinista britânica Andrea Galer, reconhecida
internacionalmente por seus figurinos de época para a teledramaturgia. Galer, em entrevista
concedida a Catherine Paula Han (2014, p.221) - para falar sobre o figurino criado para a
personagem Jane Eyre (BBC, 2006) - afirma que a autenticidade do período (apreendida na
pesquisa) também leva em conta a necessidade de sustentar a atenção e o interesse da
audiência 83.
Para mim, a tradução da pesquisa histórica (leitura do período histórico) para o
figurino de época da teledramaturgia é uma adaptação criativa; um estudo de equivalência 84,
em concordância com Gaines (1990, p. 191) baseado em conhecimento teórico e empírico
(saberes e práticas). Neste sentido, o ideal é que o pesquisador a serviço da equipe de figurino
tenha familiaridade com o mundo artístico e ficcional.
“Os figurinos idealizados para um texto dramático são feitos para o momento: para
uma específica narrativa e expressão estética” 85 (ANDERSON, 2011, p.108). O que
figurinista de época faz para comunicar o período histórico da trama? Galer (IBID, 211)
menciona que adiciona sempre um acabamento autêntico sobre um tecido de hoje, pois acha
que é essencial para fazer com que alguma coisa pareça real 86. Todavia, adiciona que está
cada vez mais difícil encontrar e comprar peças de antiquários. Precisamos lembrar que não
basta que a peça seja original, ela precisa também gerar na tela uma boa imagem.
Além disso, recriar peças autênticas de épocas prévias pode não ser adequado ou
possível, por várias razões. No figurino, a habilidade em transformar o presente (um tecido
de seda) no passado (um tecido de bombazina – mistura de lã e seda), ou o passado no

83No original: “Having said that, the problem with the Victorian period was that it’s quite austere and people didn’t
reveal very much of themselves. So, yes, I played around with dates. I dressed Jane Eyre’s [2006] houseguests in
outfits from around 1835, even though Jane’s clothing was from the late 1840s. It probably wasn’t quite right to do
that —Jane was ahead of the houseguests who, if anything, would have been more fashion forward. However, I just
wanted to do it that way! I couldn’t make it work for what I wanted to do without setting the houseguests in that
rather bizarre decade. I took the licence that, living in the country, they could have been behind the times. The 1830s
seemed to work for Adèle’s [Cosima Littlewood] character too — it helped me make her a bit more exotic.”(HAN,
2014, p.221)
84 Nooriginal:: “The stated theory of character costuming, then, holds that the costumer’s creative process works through
equivalences and is like other process of adaptation in which different artistic systems are consciously compared.”
(GAINES,1990, p. 191)

85 No original:: “Film costumes are characteristic because they are made for the moment: for a specific narrative and
aesthetic expression. As such they are designed for an individual actor or actress. Costume design thus involves
conceptualizing and creating garments that capture and defines the personalities of fictional characters, and are therefore
intended to embody the psychological, social and emotional condition of the character at a particular moment in the
screenplay.” (ANDERSON, 2011, p.108)

86No original:: “In Jane Eyre [2006], and all the other period productions I’ve done, I’ve mainly used original trim with
fabrics from today. In my opinion, it is the basis for making something look period. It’s become harder to find and buy
antique pieces, which is a shame because you need a stable of old things to pull together in order to make something that
really works on camera.” (ANDERSON, 2011, p.218)
presente, reside no conhecimento específico sobre materiais (tecidos, fios, rendas, bordados,
por exemplo), acabamentos, produtos animais e vegetais (como couro, madeira, metais e
corantes), e suas técnicas de produção. Sem esses saberes não é possível operar a
equivalência entre os trajes originais do período histórico e os figurinos de época (um sistema
de adaptação).
Na execução do figurino de “Lado a Lado” destaco os saberes e as práticas da estilista
e artista, amiga de 30 anos, Rucélia Ximenes, que domina técnicas tradicionais de
tingimento, costura e bordados manuais e renda. A artista é capaz de fazer uma leitura
contemporânea (estética atual) das peças originais ao produzi-las. Por exemplo, uma de suas
habilidades é reconhecer a autenticidade de um pedaço de renda renascença, distinguindo-a
de uma peça de renda renascença produzida hoje. Ao mesmo tempo, é capaz de modificar
uma renda industrial, aproximando-a de uma renda autêntica. Assim, a leitura compreende,
dentre outras, transformar a estética de uma época em narrativas visuais ricas e elaboradas
para encantar e emocionar a audiência do presente, além de trazer uma informação
historicamente mais correta.

Costura, acabamento e adereçamento

A equipe de costura recebe os primeiros croquis (desenhos das peças do figurino)


logo após a aprovação da prancha iconográfica. Para orientar a confecção da modelagem,
anexo aos croquis peças originais da silhueta base (como, por exemplo, anáguas,
combinações, blusas), conforme apresentei na seção 1.3.3. Reitero que a ideia é adequar as
silhuetas de época às características televisivas, aos personagens, ao elenco e à forma do
corpo na atualidade. Como afirmei no capítulo 2, realizamos uma apropriação poética das
linhas básicas do movimento Art Nouveau em busca de leveza e praticidade (criar um
número suficiente e adequado de trajes para mantê-los limpos e acessíveis às gravações
externas e de estúdio). O corte e a modelagem dos figurinos femininos de “Lado a Lado”
foram executadas por Ed Galvão e pela contramestra de costura Isabel Botelho, que
interpretaram de forma delicada e prática os conceitos pré-determinados. Os dois
profissionais conseguiram elaborar uma adaptação que atendesse às necessidades das
gravações, já que se tratava de duas épocas diferentes. Foi necessário reajustar o quadro das
seis primeiras costureiras e contar ainda com a presença da supervisora Lia Abreu para
agilizar, em tempo hábil, os primeiros testes de figurinos do elenco feminino.
Abro aqui um parêntese para relatar o que chamo de envolvimento profissional
“Lado a Lado” foi o primeiro trabalho de Ed Galvão para a teledramaturgia de época. Ele já
havia trabalhado comigo com modelagens atuais, exercitando diferentes estéticas adequando
cortes e estilos com precisão e talento. Estava, pois, habilitado a fazer o que descrevo a
seguir: o figurinista assistente utilizou seu período de férias em Nova York para pesquisar
os acessórios e as indumentárias do Art Nouveau. Visitou museus e exposições de arte,
antiquários especializados e acervos de brechós, buscando entender as peças, apreciar sua
fabricação, pesquisar as modelagens da Belle Époque.
A construção coletiva do objeto artístico, no figurino de época de “Lado a Lado”, é
também visível na elaboração da cartela cromática. Inspiradas em cartões postais
colorizados, montamos, Patrícia Machado Fiúza (também formada pela EBA/UFRJ) e eu, a
palheta de cor das pranchas iconográficas. Na reunião com as demais equipes, como descrevi
anteriormente, a direção artística sugeriu o colorido do autochromes dos Irmãos Lumière.
Para orientar a confecção da cartela cromática, prendemos nas pranchas de colagens
materiais retirados do acervo da TV Globo e do meu acervo pessoal, tais como fitas, flores
antigas com tonalidades envelhecidas, botões diversos, faixas bordadas, voiletes, plumas e
fitas de tafetá francesas, para estimular a imaginação da equipe de aderecistas (Figuras 44 e
45). As pranchas iconográficas com os materiais anexados foram interpretadas pelos
aderecistas Maísa Costa Melo, Priscila Pires e Rondinele Allemand, formados em
Indumentária pela Escola de Belas Artes da UFRJ, e, a partir da análise, esses profissionais
produziram a cartela de 73 tons numerados em tecido de algodão cru. Para ilustrar o nível
de complexidade do processo, descrevo o procedimento de tingimento: pedaços de algodão
cru são tinturados em dégradée para cada cor primária, utilizando o pigmento “Guarany” a
quente.
Reafirmo que o figurinista convoca e gerencia sua equipe, distribuindo os
profissionais em função de suas competências (conhecimentos, habilidades e atitudes). No
caso de “Lado a Lado”, foram cinco assistentes assim distribuídos: Fernanda Garcia e Eliete
Catraio nos figurinos do núcleo favela, ala pobre, e, das classes média e rica, que
compunham a figuração da cidade cenográfica; Rosângela Sabino, nas gravações de estúdio;
Rogério França no figurino masculino, sob supervisão do figurinista Renaldo Machado,
também responsável pela logística da produção de figurinos da novela.
Figura 44 - Manipulação de materiais pessoais da autora com o fim de elaborar as palhetas
de cor para as pranchas iconográficas do figurino 87.

87 Fonte: Acervo pessoal.


Figura 45 - Exemplos de Autochromes das décadas de 1900 - 1910 88 bases para a cartela cromática.

Chapelaria

Os chapéus de “Lado a Lado” foram fabricados pela chapeleira e aderecista


Teresinha Rosa de Jesus Carvalho, do corpo de funcionários da Rede Globo. Além de
reciclar chapéus antigos do acervo, criou novas modelagens para a teledramaturgia.
Considero Teresina uma artesã artista porque, ao conjugar sólida experiência do ofício,
habilidade e interesse pela área, é capaz de transformar materiais do cotidiano em objetos

88Fonte: Pinterest, pesquisas em acervos de imagens de autochromes (Flickr, Lumiere Autochrome Photography entre
outros), disponível em: <www.pinterest.com>, acesso em: Novembro de 2015.
artísticos de época concebidos para a dramaturgia. Dominando a técnica e compreendendo
a proposta do figurino, é capaz de criar novas soluções para contemplar e agilizar as trocas
dos ornamentos dos chapéus (rendas, passamanarias, peças de indumentárias antigas),
formando múltiplos estoques florais e um conjunto variado de broches.

Serrando a Renda

Outro bom exemplo para caracterizar a dimensão artesanal do figurino de época, o modo de
produção coletiva do objeto artístico e o uso do acervo é a prática de "serrar a renda". Destaquei
neste trabalho a importância da renda no figurino azul de Constância para valorizar o luxo do
projeto de figurino. Relacionei também as restrições de tempo e de recursos financeiros para
produzir a renda renascença. Agora, entrelaço o uso do acervo com a habilidade profissional de
Isabel Botelho, nossa contramestra com 54 anos de prática profissional, para trabalhar com o
estoque de pedaços de rendas antigas de diferentes origens, faturas, cortes e metragens 89.
Iniciada aos 13 anos na costura manual, ela desenvolveu ao longo de sua sólida carreira uma
técnica aprimorada do corte feminino. Com competência profissional (que envolve
conhecimentos, habilidades e atitude) é capaz de ajustar funcionalidade e qualidade no traquejo
de diferentes tipos de materiais e aviamentos entre eles a renda. Além disso, Isabel é sensível à
linguagem artística que utilizo nos meus projetos e sabe traduzi-los na produção das peças. A
comunicação entre nós é baseada na familiaridade, posto que a costureira artesã especialista em
serrar a renda me acompanha desde a novela "A Força de um Desejo” (1999).
Em "Lado a Lado", a maneira como Botelho foi capaz de valorizar o luxo da tradição com
os encaixes da renda remete ao texto de Deyan Sudjic (2008, p. 91), em "A Linguagem das coisas:
"(...) tradicionalmente, o luxo era o prazer a ser encontrado na compreensão da qualidade das
coisas materiais que eram feitas com cuidado e seriedade". E continua: "(...) é devido aos recursos
que eles exigiam que o luxo é uma característica que também se tornou um sinal de status,
destacando um grupo social de outro".
Outra dimensão da prática de Isabel que deve ser enfatizada enquanto modelo de produção
coletiva é a maneira como a profissional ensina suas costureiras a manipularem encaixes invisíveis
a partir da sobreposição harmoniosa dos pedaços selecionados. A primeira etapa da
aprendizagem compreende a habilidade de pregar a renda à mão; a segunda, de recortar os
excessos dos encaixes de modo a valorizar os desenhos e tornar os acabamentos das costuras
imperceptíveis. Assim, os antigos retalhos foram transformados em metros e metros de tecidos
rendados nas quantidades necessárias para a criação dos trajes de Constância e de outras
personagens femininas de sua classe social.

3.2.3. Consultando o acervo

Sobre o acervo, parto de uma comparação entre a composição de uma prancha de


figurino de época e um jogo de memórias, revisitadas e reconstruídas. A montagem da
prancha é uma atividade guiada pela imaginação; portanto, inclui “imagens sedimentadas na
memória” (ARGAN, 1984, p. 38). Memórias que ultrapassam os documentos visuais e

89 Muitas contramestras não gostam de trabalhar com materiais que precisam ganhar novos ares, mas este “pré-conceito”

não faz parte da conduta profissional de Isabel Botelho.


textuais associados à época da teledramaturgia e que podem fazer parte da composição da
prancha de referência. Refiro-me a peças que resultam de produções anteriores e que estão
armazenadas no guarda-roupa geral. No acervo de figurinos da TV Globo, estão guardadas
cerca de 80.000 peças divididas e organizadas em três categorias: show, atualidade e época.
O volume de objetos está relacionado ao número de produções, variando no tempo em
quantidade e diversidade. O acervo está “vivo” quando as peças servem às produções e a
intensidade do fluxo de entrada e saída das peças do acervo é um indicador de sua
funcionalidade.
O reaproveitamento ou a reutilização das peças do acervo está situado em um
ambiente de recursos materiais e imateriais, que inclui o tempo. Além disso, o uso do acervo
está associado a dinâmica de improvisação que permeia a produção televisiva. Portanto, faz
parte da prática do figurino avaliar as possibilidades de utilizar ou não o acervo desde a
concepção até a execução dos trajes. A prancha iconográfica é um objeto de referência para
a produção do figurino que pode servir a este fim. Fotografar as peças catalogadas,
posicionar as imagens sobre as pranchas e transformar as imagens através de cortes e
colagens são etapas de um processo de trabalho estruturado que facilita a interação da
produção do figurino com a equipe do acervo do guarda-roupa. A descrição analítica das
pranchas contempla a discussão sobre o modo de organização, utilização e ampliação do
acervo.
Numa primeira visada, havia separado um pequeno repertório no acervo do guarda
roupa da TV Globo, como peças de renda, saias de tule, apliques, golas, peitilhos, capinhas,
boleros, espartilhos, aviamentos diversos, para constituírem material de transformação: um
restauro ou um tingimento acentuaria linhas, mudaria formas e cores. Estas aplicações,
inseridas, por exemplo, na prancha iconográfica de Constância, ganharam um degradê
artesanal no figurino de “Lado a Lado”, conforme descrevi anteriormente. A proposta da
cartela de cor desenvolvida através do processo das associações cromáticas e de texturas
gerou o conceito da coloração fragmentada utilizada em toda a telenovela.

3.3 AS PRANCHAS ICONOGRÁFICAS DE “LADO A LADO”

A prancha iconográfica é um objeto artístico que possui significado material (aquilo


que é tangível, que eu posso colocar a mão ou medir) e simbólico (intangível como, por
exemplo, a estética, os sentimentos, as emoções, o imaginário da época). Ela representa um
único objeto – a personagem e sua identidade na trama (como descrita e analisada no capítulo
2), e não a simples soma de vários objetos iconográficos. Como mostrei anteriormente, a
seleção das imagens segue o enredo e a pesquisa. No que se refere à disposição das imagens
selecionadas, esta segue um ordenamento ritmado. Cada fragmento da prancha comunica
um traço ou um ponto da personagem. Uma série de pontos, pontos que trançam linhas;
linhas que seguem direções; direções que criam formas; formas que orientam texturas,
volumes e cores, esteticamente arranjadas. Faço a descrição analítica das pranchas
iconográficas dos figurinos de Constância, Laura e Isabel indo no sentido oposto ao da
criação, isto é, das formas, texturas e cores esteticamente arranjadas para chegar ao ponto,
isto é, o perfil da personagem. Como a prancha é um dispositivo de comunicação visual que
passa por múltiplas leituras e múltiplos leitores, apresento-a como uma proposição.
Figura 46 - A prancha iconográfica de Constância 90.

90 Fonte: Acervo pessoal.


3.3.1 A prancha iconográfica do figurino da vilã Constância

Figura 44 - A prancha iconográfica de Constância 91.

Proposição de cores e matizes

Lendo a prancha iconográfica da esquerda para a direita, identificamos a primeira


referência. Trata-se de um arranjo floral com dois tipos de flores naturais: dálias rubras de
diferentes tonalidades, intercaladas por dois ramalhetes de hortênsias azuis. As colagens
recortadas formam dois novos arranjos, agora sobrepostos na ornamentação do chapéu de
Constância, formando um arranjo em pétalas. O segundo buquê, com o mesmo tema, decora
o colo de nossa vilã. O conjunto cria um forte contraste entre os dois coloridos. A base dos
coloridos aguados aplicados na prancha de Constância vem do ramalhete e vai pontuando
outras interferências, ao longo da prancha.

Figura 45 – As tonalidades da prancha iconográfica de Constância.


Proposição de formas, cores e texturas

91 Fonte: Acervo pessoal.


As silhuetas das duas épocas da teledramaturgia (1904 e 1910) estão representadas
na prancha. Na extrema esquerda, somente estão dispostas imagens da silhueta em “S”,
incluindo o espartilho. A silhueta colunar aparece mais claramente no canto superior direito,
contrapondo-se às silhuetas em “S” de perfil e em ¾. Sobre o manequim, um vestido em “S”
sem gola serve como silhueta base, pronto para ser multiplicado. As proposições de cores
estão representadas nos trajes e nos adereços.

Figura 46 - Figuras da silhueta em “S” e “colunar”

A imagem do vestido de noite com florões aplicados no entorno da barra serve como
silhueta base e evoca possibilidades de composições. Por exemplo, retirar a cauda, subtrair
a manga ou adicionar peitoral de tule ou filó bordado. Percorrendo a prancha da esquerda
para a direita, observamos as proposições de formas, texturas e cores.

Dimensão simbólica: ornamentos e gestualidades

A personalidade e a classe social de Constância estão representadas nos ornamentos


e nas gestualidades sugeridas: as posturas elegantes das damas, as boas maneiras, a
combinação perfeita entre os trajes e os acessórios, as rendas, os tecidos leves e as regras de
etiqueta. Na face da atriz, a altivez da personagem. Repare na dama, sentada em seu
“boudoir”: ela confere, com seu espelho de mão, a colocação do acessório na cabeça. A
intimidade do “boudoir”, o modo se vestir e de se olhar, os apliques de golas em rendas, os
musselines, os organdis, os filós, as fitas, os laçarotes e os peitorais ora plissados, nervurados
ou engomados, caracterizam a personagem e possibilidade de multiplicar os trajes. Como
lembra Anne Hollander:

Mas no guarda-roupa de uma pessoa elegante, embora a moda pudesse


exigir constantemente uma aparência nova, muitas dessas roupas podiam
ser criadas a partir das existentes. O precioso tecido seria recortado e
refeito em um molde novo que manteria um forte elo com a vida anterior,
que nutria a nova; a moda costumava erigir fisicamente sobre suas próprias
fundações. Mesmo quando as velhas suposições e instituições pudessem
estar desmoronando, o vestuário, com seu poder de permanência quase
orgânica por meio das rápidas mudanças de estilo, com seu elo de ligação
com o passado nos materiais e estruturas feitas à mão, poderia falar aos
seus proprietários de sobrevivência e continuidade. (IDEM, 1996, p. 199).

Intervenção da direção artística

Na apresentação da prancha iconográfica de Constância à direção artística, Denis


Carvalho comentou a escolha de Patrícia Pillar para viver a vilã Constância. Destacou a
familiaridade dele com a atriz, a sensibilidade característica de suas interpretações,
garantindo que a mesma saberia dar o tom necessário da vilania, salientando sua beleza e o
ar angelical como contraponto a suas atitudes. Para a cena do casamento de Laura, Denis
Carvalho escolheu a tonalidade azul dos ramalhetes de hortênsias, que simbolizavam para
ele elegância, distinção e sofisticação. Salientei, então, a importância da renda na tradição
do evento (casamento de Laura), frisando que a abordagem da direção, ao destacar as
preferências pelas imagens mais leves, delinearia os procedimentos seguintes do figurino.

Proposta final para o figurino de Constância

A aparência leve e sofisticada do figurino de Constância estava condicionada aos


materiais de fabricação do traje (cetim de seda, rendas e filós), às tonalidades (gamas dos
rosáceos, dos lilases e dos dourados velhos, por exemplo) e à “desiluminação” da fotografia
de Walter Carvalho. Encontrei no quadro “Divine in blue” de Giovanni Boldini (Figura 47)
a referência visual para criar o traje azul da personagem.
Figura 47 - Boldini -- "Divine in blue" 92

O retratista mundano, brilhante e superficial, aclamado pelo público francês, ficou


reconhecido pelas suas pinceladas espontâneas e seguras, de execução rápida e solta “que
revelam abundância de dons naturais” (ARGAN. 2013, p 208). Boldini interpretava muito
bem a elegância feminina da época e as mulheres tiveram um papel importante em sua vida:
alongava pernas, mãos e pés para enfatizar atrativos naturais. A elegância e a delicadeza
deveriam ser captadas pela câmera na telenovela.

92The Divine In: Blue, Giovanni Boldini. Fonte: Wikiart, disponível em: <http://www.wikiart.org/>. Acesso em: Maio de
2016.
Figura 48 - A prancha iconográfica de Laura 93.

93 Fonte: Acervo pessoal.


3.3.2 A prancha iconográfica do figurino da protagonista Laura

Figura 49 - A prancha iconográfica de Laura 94.

Proposição de cores e matizes

A construção da prancha iconográfica de Laura em “Lado a Lado” traz uma narrativa


possível a meio caminho entre fotografia e pintura. Não há cor e, sim, luz. A cor sempre
alimentou o gosto pelo decorativo e a busca agora é a exatidão e fidelidade à realidade; essa
realidade que tanto preocupou a época de transição do século XIX para o século XX. “A
fotografia; torna visíveis inúmeras coisas que o olho humano, mais lento e menos preciso,
não consegue captar”. (ARGAN, 2013, p. 81). A prancha do figurino de Laura é dominada
por uma escala cromática em tonalidades de branco, de cinza, de preto e de terrosos
avermelhados. Assim, conjuga cores contrastantes, claros e escuros, fortes áreas opacas
entremeadas de brancos e suaves sobreposições. Uma proposta inspirada nas promessas da
modernidade: o progresso, a cidade e a tecnologia.

Proposição de formas, cores e texturas

A prancha contempla imagens do ambiente interior e exterior (a escola, a biblioteca


e o deslocamento nas ruas). As formas que dominam na prancha são da silhueta em “S”.
Todavia, no canto esquerdo dominam imagens de estilos contemporâneos, refiro-me à nossa
atualidade como, por exemplo, a camisola decotada. A dicotomia de silhuetas (vestidos e
alfaiataria) e a fusão de texturas (tecidos leves e pesados como a lã e a sarja) geram um

94 Fonte: Acervo pessoal.


desvio estilístico, uma ousadia inesperada. Algo incomum no campo imagético para
comunicar uma personalidade que está à frente de seu tempo.

Dimensão simbólica: ornamentos e gestualidades

As imagens do cotidiano e dos acessórios práticos e simples definem os hábitos e os


valores da personagem. A atriz é jovem, a face suave e a postura altiva, mas sem esnobismo,
está impregnada de beleza e otimismo.

Intervenção da direção artística

Diferentemente do figurino de Constância, a proposta para o figurino de Laura foi


aprovada na sua totalidade, exceto no que tange ao uso da calça comprida. Segundo a
direção, este elemento seria desnecessário, tendo em vista que o estilo de representação da
atriz (que eu desconhecia) seria suficiente para comunicar as características modernas da
personagem.
Figura 50 - A prancha iconográfica de Isabel 95.

95 Fonte: Acervo pessoal.


3.3.3 A prancha iconográfica do figurino da protagonista Isabel

Figura 51 - A prancha iconográfica de Isabel 96.

Proposição de cores e matizes

As imagens selecionadas para a prancha iconográfica de Isabel (Figura 51) estão


impregnadas de excesso de cores e matizes. As cores dos jardins floridos contrastando com
as fotos em preto e branco revelam dramaticidade. O centro da prancha é dominado por tons
avermelhados, que representam características afetivas e emocionais da personagem (como
seu amor por Zé Maria e sua paixão pelo samba). Diferente das pranchas anteriores, nesta
encontramos imagens de pinturas de artistas renomados: o austríaco Gustav Klimt (1862-
1918), os brasileiros Almeida Júnior (1850–1899), Rodolfo Chambelland (1879-1967) e o
espanhol radicado no Brasil, Modesto Brocos (1852 – 1936).

Proposição de formas, cores e texturas

O recorte da pintura “Saudade” do pintor Almeida Júnior mostra meio corpo de uma
figura feminina com a cabeça inclinada, envolta por um manto cinza escuro. Suas feições
revelam intenso sofrimento. Os recortes de Klimt são alegorias cuja estética delicada e
harmoniosa revela a intimidade do universo feminino: o beijo, o abraço, o corpo. A silhueta
de Isabel está representada em duas imagens femininas: uma em que dança seminua e outra
em que está grávida. A imagem da obra do pintor espanhol - “Redenção de Cam”- trata de
questões raciais e populares do século XIX que permeiam o universo de nossa protagonista
negra. E, para finalizar, o recorte da pintura de Rodolfo Chambelland – “Baile à fantasia” –

96 Fonte: Acervo pessoal.


mostra, através de manchas coloridas e pulsantes, a relação afetiva de um casal de foliões
dançando o carnaval. Adequando o tema ao plano da ficção, destaco as texturas pinceladas
dos trajes; elas aumentam a sensação de movimento e animação.

Dimensão simbólica: ornamentos e gestualidades

Na prancha de Isabel encontramos apenas uma imagem em que o chapéu é utilizado


como ornamento feminino (chapéu de palha creme adornado com um arranjo floral acrescido
de um “voilette” que contorna a frente e a lateral do chapéu). Os cabelos estão presos e
alguns, enfeitados com arranjos florais. Em uma das figuras o cabelo está preso por uma tela
clara. Embora semelhantes em proposta, podemos observar que os fios trançados da rede
que prende os cabelos da figura acima à esquerda de Isabel contornam o penteado, mas não
se contrapõem em naturalidade, o que não acontece com Isabel com o mesmo penteado. Os
cachos de Isabel estão presos, tirando-lhe a liberdade. Algumas imagens se assemelham a
um camafeu. O destaque é a formalidade da época que se contrapõe à personagem.
Os braços, o olhar e a dança são as gestualidades que se destacam. As duas mulheres
que dançam (Figura 52) utilizam lenços esvoaçantes para ampliar os movimentos.

Figura 52 – Imagens de mulheres dançando.

Intervenção da direção artística

A única orientação da direção artística foi soltar os cabelos de Isabel sob o argumento
de que a autenticidade do penteado correspondente ao período histórico não combinava nem
com a personagem, nem com a persona da atriz (Camila Pitanga). Por outro lado, a direção
artística acatou minha proposição de substituir o modelo da dançarina “Josefine Baker” pela
coreografia inspirada na “Danse Serpentine” de Loie Fuller.

Figura 53 - A dança de Loie Fuller 97.

Minha forma particular de descrever a base conceitual da composição do traje de


Isabel se apoia na síntese de Argan sobre o Art Nouveau (ARGAN, 1992, pp. 199-200), em
que ele distingue cinco características, que sintetizo a seguir no intuito de detalhar minha
inspiração para criar o traje. A primeira característica é a temática naturalista (flores e
animais). A segunda é a influência da arte japonesa ("japanomania"). A terceira, a
preferência pelas curvas e suas variantes (espiral, voluta, etc.) e pelos tons frios, pálidos e
transparentes. A quarta é a ausência de proporção ou equilíbrio simétrico, predominando as
formas onduladas e sinuosas, numa referência aos ritmos "musicais". A quinta característica
"refere-se ao propósito evidente e constante de comunicar por empatia um sentido de
agilidade, elasticidade, leveza, juventude e otimismo". Essas características seriam, para o
autor, independentes das variações de tempo e espaço. Em outras palavras, são
independentes do local (na França, na Inglaterra, nos países nórdicos, por exemplo) ou do
tempo (no caso dos países nórdicos, a influência da arte japonesa - ocorre entre 1875 e 1918).
No traje de Isabel, embora todos esses traços estejam contemplados, os mais marcantes deles
são a gestualidade, o ritmo, a agilidade, a elasticidade e a leveza, que sintetizariam a
juventude e o otimismo da época.
O espetáculo de apresentação da dança de Isabel nos palcos da ficção revela a
mobilidade desses traços estilísticos para o telespectador de hoje, impactados pela memória

97 Fonte: Dance National Art Center e Dance Heritage Coalition, disponível em:

<http://artsalive.ca/en/dan/meet/bios/artistDetail.asp?artistID=168> e <http://www.danceheritage.org/fuller.html>, acesso


em: Junho de 2016.
do ritmo musical do samba em seus primórdios. Assim, o traje, ao ser manipulado pela
dançarina, se faz presente como silhueta de luz dançante, circundante, que se transforma em
curvas, volutas, espirais, um meio de expressão e difusão de liberdade e de mobilidade social.
Finalizo o capítulo ratificando que cabe ao figurino da teledramaturgia imprimir uma
visualidade única aos personagens, buscando adequar continuamente ao longo das gravações
os dispositivos necessários para compor coletivamente uma estética funcional aberta a novas
leituras criativas que captem o espírito da época. Remeto novamente a Becker ao afirmar
que:

A criação de uma determinada estética pode preceder, seguir-se ou


acompanhar a elaboração das técnicas, das formas e das obras que
compõem a produção de um mundo da arte e pode surgir de qualquer um
dos participantes. Às vezes, são os outros próprios artistas que formulam
explicitamente essa estética. Com mais frequência, criam uma estética
implícita, mediante escolhas de materiais e formas. (IDEM, 2010, p. 127).
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pergunta que norteou esta dissertação foi: é possível desenvolver um figurino de


época artisticamente comprometido e responsável? Balizada por esta questão, procurei
descrever e analisar uma prática de criação de figurinos de época para a teledramaturgia
brasileira centrada na mobilização de saberes e fazeres de diferentes tipos de profissionais
artistas convocados por mim, enquanto titular da equipe de figurino da novela “Lado a lado”.
Por este motivo, iniciei este texto tratando do estágio atual do meu percurso profissional
para, em seguida, de forma retrospectiva, apresentar algumas reflexões sobre o figurino de
época para teledramaturgia e sua relação com a arte, com a artesania e com a formação
acadêmica de jovens interessados em abraçar este ofício.
O mestrado, particularmente nos dias atuais, tornou-se, de modo geral, um ponto de
passagem para o doutorado. Mas, no meu caso, ele representa o encerramento de uma etapa
da carreira docente, pois me permite sistematizar uma prática particular de criar figurino de
época, a partir da pesquisa de fontes históricas e iconográficas, a partir do universo da ficção
e a partir do ponto de vista do veículo, a televisão. Lançar luz sobre a metodologia que
desenvolvi ao longo dos 30 anos no ofício de figurinista é um estudo de caso que, somado
aos demais, realizados ou em andamento, por outros profissionais permite registrar e
compreender o estágio atual de conhecimento nesta área no Brasil. Meu objetivo principal
foi deixar registrado à nova geração de figurinistas de época os fundamentos, as condições,
as restrições e os desafios para criar um figurino de época de qualidade, para a
teledramaturgia nacional. Ao explorar um conjunto de atributos que contribuem para a sua
idealização e adequação ao projeto como um todo, detalhando seu modo de produção,
acredito que a nova geração terá elementos adicionais para conceber e desenvolver processos
de trabalho inovadores. Por este motivo selecionei o caso de um figurino de época premiado
por juízes especializados.
Parto de um método que tem como centro a arte, o que não significa que eu defina a
criação de um figurino como necessariamente obra de arte, e sim como uma criação que
estaria inserida no âmbito do design. Mas afirmo que há uma aproximação possível com o
campo da arte em diferentes pontos. Afirmei antes, neste trabalho, que criar figurino de
época para a teledramaturgia é fazer arte aplicada; sua qualidade, assim como a de qualquer
design materializado em um objeto de caráter artístico. Minha concepção de figurino de
época tem afinidades com a peça artística (ou com o objeto artístico) criado coletivamente,
de acordo com a análise descritiva do sociólogo estadunidense Howard Becker, citado na
apresentação e no capítulo 3.
Acrescento, ainda, uma síntese da maneira de trabalhar do designer dinamarquês
Finn Juhl (1912-1989), entrelaçando essas leituras com a visão do literata Mário de Andrade
sobre arte e artesania. Juhl buscava na arte contemporânea, particularmente nas formas
orgânicas da escultura abstrata moderna, inspiração para criar mobiliário 98. Estudou
arquitetura na Royal Academy of Fine Arts, em Copenhagen (Dinamarca), e o
reconhecimento de sua criatividade, particularmente no design de poltronas, sofás e cadeiras
premiadas está historicamente associado ao nome de seu principal colaborador Niels
Vodder, mestre na construção de cabinet 99 (OTTENSTEN; PEDERSEN, 2012). Vodder,
para além do domínio técnico e de sua habilidade, compreendia que Juhl projetava peças
artísticas e não artigos para serem produzidos em massa. Juntos desenvolveram novas
técnicas para a criação de móveis. Ao fazer esse paralelo quero ressaltar que um bom figurino
de época não pode ser realizado sem que a equipe de figurino compreenda estar dentro do
campo do design, e no cruzamento entre arte e demanda industrial das peças e esteja
preparada para executá-las com maestria. Por isso a manufatura de um figurino é desafiada
cotidianamente pelo processo industrial da mídia televisiva. Uma evidência da natureza
artística do figurino de época é o fato de que nas sociedades ocidentais o curso de
indumentária está preponderantemente situado nas Escolas de Belas Artes (School of Fine
Arts) ou das Artes Plásticas, sendo assim reconhecida como uma arte aplicada.
Em síntese, a elaboração de projetos de figurinos apoia-se nas artes plásticas, na
pesquisa histórica e na dinâmica do trabalho coletivo com diferentes equipes de
profissionais. Por este motivo, um figurino de época artisticamente comprometido e
responsável depende de trocas de saberes e fazeres, de restrições impostas pela indústria
televisiva, de bons consultores e técnicos, e não apenas da criatividade do designer que o
concebe. E a criatividade de cada figurinista de época está associada à sua formação

98
He is greatly inspired by painting and sculpture, and transfers their free forms to more bound projects. He works toward
a union of the arts by placing the applied arts on equal terms with other art forms and works with a collective effect between
them in his interiors. (…) Erick Thommesen’s wooden sculptures, which Finn Juhl often places together with his furniture,
show some of the same natural shapes that grow and unfold in tongues, fins and joints in Juhl’s furniture. (…) Juhl does
not wish to transform his furniture into pure artworks, but sees them a discussion between many contemporary art
movements (OTTENSTEN; PEDERSEN, 2012, pp. 15-17).

99Much of Finn Juhsl’s furniture in the house on Kratvænget is fine, handcrafted pieces, made by master cabinetmaker
Niels Vodder for the Cabinetmakers’ Guild Fall Exhibition in 1937. (…) Juhl works closely with Vodder for twenty years
and he really puts the cabinetmaker’s abilities to the test with his furniture’s curved shapes. Often Juhl pushes the wood’s
capacities to the extreme. According to Juhl himself, this is probably because he is not trained as a cabinetmaker, and is
not ‘limited in knowledge’ of wood is actually capable of (OTTENSTEN; PEDERSEN, 2012, p.27).
acadêmica e profissional e às suas fontes de inspiração. O bom figurino é funcional e estético
desde a sua concepção até a sua utilização, como já afirmei. Minha função como titular da
equipe é mobilizar os profissionais para a construção da peça ficcional, de modo orquestrado
e de maneira que cada um se sinta impelido a materializar sua arte ou a técnica que domina
na criação do traje de época. Nesse ponto, destaco um ponto que trago das considerações de
Mário de Andrade apresentadas no texto 100 “O artista e o artesão”, de 1938. Ele afirma que
nos processos de movimentar o material, a arte necessita de uma base artesanal. Segundo
Andrade todo o artista tem de ser ao mesmo tempo artesão. A artesania estaria dentro da
arte, e bastaria perscrutar a existência de qualquer grande pintor, escultor, desenhista ou
músico, que encontramos sempre, por detrás do artista, o artesão. Desse modo, considero o
figurino de época um gênero que mobiliza recursos humanos e materiais similares, em
diversos pontos, aos de uma obra de arte (BECKER, 2010, p.84).
Tratar um figurino de época para teledramaturgia como objeto artístico ou peça
artística (na acepção do design) criada coletivamente é o caminho que encontro para
sintetizar a metodologia descrita e analisada neste trabalho. Aqui recorro novamente a
Howard Becker, que ressalta que obras resultam de ações e interações e é preciso estudar
“as estruturas da atividade coletiva em arte numa tradição relativista, crítica e democrática”.
Becker, explica Heinich ao analisar o texto do sociólogo publicado em Les Mondes de l’art
(1982), a obra de arte é:

Essencialmente coletiva, coordenada e heterômica, isto é, submetida a


pressões materiais e sociais exteriores aos problemas especificamente
estéticos. Ela opera, assim, uma desconstrução das concepções
tradicionais: superioridade intrínseca das artes e dos gêneros maiores,
individualidade do trabalho criador, originalidade ou singularidade do
artista (HEINNICH, 2001, p.117).

O design, seja de objetos seja o de figurino, também é submetido a essas pressões,


com a diferença que a telenovela como um todo é um produto de massa, de mercado,
controlado pelas instituições de pesquisa e precisa satisfazer o telespectador. Visando
reforçar a centralidade da interação entre profissionais na construção do figurino de época
para a teledramaturgia, apresento mais um exemplo de como a aprendizagem coletiva entre
profissionais de áreas distintas e correlatas ocorre. Lembro que, para orientar a decisão sobre

100Aula inaugural apresentada no Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal, em 1938 - ANDRADE, Mário
de. O Artista e o Artesão. Fonte: Site Encontros de Dramaturgia, disponível em:
<http://www.encontrosdedramaturgia.com.br/wp-content/uploads/2010/09/Mario-de-Andrade-O-ARTISTA-E-O-
ARTES%C3%83O.rtf>, Acesso em Agosto de 2016.
a escala cromática do cenário de “Lado a Lado”, sugeri a leitura do livro da arquiteta Marize
Malta, de 2011, intitulado “O olhar decorativo: ambientes domésticos em fins do século XIX
no Rio de Janeiro” ao cenógrafo Flávio Rangel responsável pela telenovela. Trata-se de uma
indicação de leitura objetiva e precisa como demanda o modo de produção televisiva
industrial. Malta oferece uma visão clara e ampliada de como móveis e objetos são capazes
de recriar a arquitetura de um edifício. Analisa o ato de decorar, afirmando que este pode ser
definido como um processo de significação. Destaca que a decoração é capaz de “completar
a caracterização da personalidade de indivíduos” (MALTA, 2010, p.13). Essas noções são
fundamentais para criar uma teledramaturgia em que o figurino e a cenografia dialoguem. A
potencialidade desse diálogo é bem caracterizada por Therése Anderson ao analisar o
figurino do filme “Marie Antoinette” (2006), de Sofia Coppola. Como ilustração, destaco o
trecho em que a autora explica de que maneira a desolação de Maria Antonieta é retratada
na relação entre o padrão do vestido e o do papel de parede 101 da sala em que Maria Antonieta
se encontra (ANDERSON, 2011, pp. 107-108), tão bem explorada pela lente da câmera. O
tecido do vestido e o papel de parede possuem o mesmo padrão floral. Ao ler a carta da mãe,
Marie Antoinette é arrebatada por um sentimento de incapacidade de corresponder às
expectativas das pessoas ao seu redor, especialmente às demandas de sua mãe. Ao inclinar-
se sobre a parede, “a autoestima de Marie Antoinette dissolve-se nos padrões florais das
muralhas de Versailles”. De fato, a análise de Anderson sobre a palheta das cores do figurino
e da cenografia reforça o argumento que desenvolvi no texto sobre a importância do trabalho
desenvolvido por uma das profissionais da equipe de figurino de “Lado a Lado” ao elaborar
o catálogo numerado com 73 tons. Como mencionei anteriormente, o catálogo tornou-se
referência para todos os membros da equipe de figurino.
Como enfatizei neste trabalho, o figurino de época é uma expressão da cultura
material do período histórico retratado e também do momento em que a obra é produzida (o
filme ou a telenovela de época). O projeto de indumentária não pode desconsiderar a
memória do telespectador associada à época, adquirida através de um conjunto mais ou

101One sequence, which is highly illustrative of how the themes of despair and disquiet are visualized and played out
through mise-en-scène and costume, is when Marie Antoinette, dressed in a floral gown, is seen reading a letter from her
mother, leaning towards a wall with a similar floral fabric (…). In distress Marie Antoinette leans towards the wall and
becomes lost in its floral pattern, slowly sliding down the wall and becoming one with it. At the same time the camera
moves gradually in only to stop in a close-up of her tearful, red face. Her inability to meet the expectations of people around
her, especially her mother’s demands, causes her to lose her grip. Her sense of self is dissolved in the floral patterns of the
walls of Versailles. At the same time her choking existence is laced in the corset, making it hard to breath. She has to
struggle to regain her own self again. By using a similar cluttered pattern for both the wallpaper and the dress the feeling
of inadequacy, and – maybe even more – confusion is visualised. (ANDERSSON, 2011, pp.107-108)
menos extenso de meios de aprendizagem: história, literatura, quadros, filmes, fotografias,
e outras mídias. No processo de busca de referências visuais, objetos e materiais que darão
conta dos aspectos determinantes da época, fica evidente a relevância da qualificação dos
profissionais situados na artesania. Profissionais cujos ofícios correm o risco de extinção
seja pela desvalorização social do trabalho manual que realizam, seja pela intensificação de
processos industriais que imitam ou reproduzem efeitos do trabalho manual como é o caso
da produção fabril de rendas e tecidos similares ao crochê, por exemplo. Apontei ao longo
do texto a dificuldade em encontrar ou utilizar peças originais. Quando o material original
não produz uma imagem com o efeito desejado para a ficção, ou se a relação custo-benefício
não atende à produção, é a habilidade, o talento, a criatividade e a qualificação dos artistas
artesãos que dominam as técnicas tradicionais, muitas vezes passadas de pai para filho, que
permitem simular peças exclusivas e originais. Refiro-me, particularmente, aos alfaiates, às
bordadeiras, às chapeleiras e aos aderecistas. A figurinista titular precisa orientar cada
membro da equipe no que tange ao papel mediador 102 que desempenha na criação das peças
de uma novela de época. Esses profissionais devem saber que fazem um tipo de arte, que são
operadores de transformações ou de “traduções” (HEINICH, 2001, pp.98-100) e que estão
envolvidos na geração de programas para um meio de comunicação de massa poderoso. Dito
de outra forma, um figurino de época artisticamente comprometido expressa o desejo de
realizar o mais próximo possível de uma criação artística coletiva rica em resultados que se
aproxima de um trabalho singular 103 (HEINICH, pp. 152-153). Um figurino responsável
compreende e domina estratégias de reutilização de peças e materiais, entendendo que,
mesmo fazendo parte de uma engrenagem industrial que tende a padronizar gostos, pode
introduzir novas visualidades e percepções.
Sobre a formação acadêmica e profissional do figurinista faço as seguintes
observações. Primeiro, considero fundamental, no tempo presente, que o estudante de
graduação aprenda os rituais e a prática da pesquisa científica o mais precocemente possível.
De modo geral, a pesquisa para a produção da teledramaturgia é conduzida por um
pesquisador, pertencente ou não ao quadro de funcionários da televisão, que orienta
prioritariamente autores e produtores sobre os usos e costumes da época. Os registros
fotográficos da época retratada pela dramaturgia constituem uma das principais referências
utilizadas, após serem criteriosamente avaliadas. Por ser uma ficção e não um documentário,

102
De forma mais abrangente, pode-se entender a “mediação” como tudo o que se interpõe entre a obra e seu expectador
(HEINICH, 2001, p.100)
O regime de singularidade torna-se um sistema coerente de representação e de ações
103

(HEINICH, 2001, pp. 152-153)


o vasto painel iconográfico dever ser capaz de provocar, mobilizar, despertar, promover ou
ampliar a familiaridade das equipes com o período e também o interesse pela obra e seus
personagens. Além disso, é fundamental que conheça mais teorias da narrativa e de ficção,
inclusive para saber lidar melhor com o material histórico. É este o motivo de eu ter acionado
algumas vezes a consultoria de profissionais de outras áreas, de modo a estimular na equipe
a compreensão maior do ficcional e o acesso à diversidade de processos de pesquisa No caso
de “Lado a Lado”, foram selecionadas aproximadamente 300 fotos pela titular da equipe de
pesquisa, Madalena Prado de Mendonça. No material compartilhado por Mendonça,
aprendemos a observar a cidade do Rio de Janeiro retratada por Marc Ferrez e Juan Gutierres
antes da reforma urbana do prefeito Pereira Passos. Aprendemos a explorar a riqueza do
olhar do fotógrafo Augusto Malta revelando as transformações da cidade e os deslocamentos
da população nos seus entornos. Aprendemos a identificar o recorte dos tipos populares
registrados pelo olhar de Vicenzo Pastore. Fontes utilizadas para recriar o momento
histórico, o pano de fundo de “Lado a Lado”, e que haviam sido utilizadas por Clarisse
Fukelman durante palestra para o elenco, e enviadas aos diretores da novela, conforme
solicitação da direção. A iconografia selecionada é a base conceitual do trabalho de
finalização para as cenas de abertura dos capítulos diários. A iconografia orienta a construção
da cidade cenográfica e ajuda a revitalizar nossas memórias sob outros pontos de vista. O
estudante de indumentária precisa pesquisar a história do vestuário. Precisa ficar
familiarizado com as peças e os materiais do vestuário de diferentes épocas para
compreender sua historicidade. Sem conhecer a cultura material – particularmente as
modelagens originais das roupas e as características dos acessórios - não poderá operar as
adaptações demandadas pela produção, pela obra e pelo corpo das atrizes (ou atores) do
elenco.
Por este motivo, acredito indispensável a organização de materiotecas e de um banco
de imagens rico (amplo no período histórico, diverso e detalhado) capaz de desvelar as
práticas sociais e a cultura material dos diferentes períodos. Embora os trabalhos sobre
acervos ainda sejam recentes, o modelo do Centro de Referência Têxtil/Vestuário (CRTV),
do Curso de Indumentária da Escola de Belas Artes da UFRJ, é destaque no cenário carioca.
Coordenado pela professora doutora Maria Cristina Volpi Nacif carrega consigo um sentido
holístico importante como fonte de interdisciplinaridade, destacando-se ainda pelas
contribuições aos campos da teoria da moda e metodologia de pesquisa. Em seu artigo “As
roupas pelo avesso: cultura material e história social do vestuário”, a autora relata essa
experiência de trabalho, em suas palavras: Ao nos debruçar sobre esse pequeno acervo,
articulando relatos, histórias de vida, leituras de imagens e de objetos, procuramos contribuir
singelamente para uma escrita da história da indumentária no Brasil. (NACIF, in dObras, 2014,
p.77)
Na minha descrição sobre a prática de ofício, procurei ressaltar as transformações
operadas no processo de seleção, disposição e apresentação das fontes iconográficas em
função do contato com especialistas e pesquisadores, da imersão na tradição literária, das
visitas a museus e do acesso às modelagens autênticas. Trata-se de uma aprendizagem
interdisciplinar, fundamentada na interação. Por esse motivo, procurei destacar nesse
trabalho de que maneira o regime de produção e organização do trabalho pode propiciar
trocas de saberes e fazeres essenciais na concepção e no desenvolvimento do figurino de
época para a teledramaturgia. Desse modo, no que tange à formação acadêmica, considero
fundamental a convivência dos estudantes dos cursos de indumentária com estudantes de
outras áreas de conhecimento, como cenografia, teatro, história, literatura, museologia, para
citar algumas.
Trata-se de uma reflexão importante no contexto da formação acadêmica dos cursos
de indumentária pelos motivos já colocados neste trabalho, com destaque para a natureza
interdisciplinar do ofício e a relação entre arte e artesania.
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APÊNDICES
Apêndice 1 – Quadro dos trabalhos realizados para teledramaturgia.

Título Ano Autoria Direção


Domingos de Oliveira e Antonio Carlos
Ciranda Cirandinha 1978
Fontoura Paulo José
Carga Pesada 1979 Dias Gomes e Gianfrancesco Guarnieri Gonzaga Blota
A Ilha das Cabras 1979 Ferreira Gullar Paulo José
Nicolai Gogol (Adaptação de Doc
O Inspetor Geral 1983
Comparato) Geraldo Cazé
Voltei pra Você 1993 Benedito Ruy Barbosa Gonzaga Blota
Oscar Wilde (Adaptação de Euclydes
O Fantasma de Canterville 1983
Marinho) Daniel Filho
A Máfia no Brasil 1984 Leopoldo Serran Roberto Farias
O Tempo e o Vento 1985 Doc Comparato Paulo José
Hipertensão 1986 Ivani Ribeiro Wolf Maia
Memórias de um Gigolô 1986 Walter George Durst e Marcos Rey Walter Avancini
O Primo Basílio 1988 Gilberto Braga e Leonor Bassères Daniel Filho
Vida Nova 1989 Benedito Ruy Barbosa Paulo Ubiratan
A, E, I, O... Urca 1990 Doc Comparato e Antonio Calmon Dennis Carvalho
Delegacia de Mulheres 1990 Maria Carmen Barbosa Paulo Ubiratan
Riacho Doce 1990 Agnaldo Silva e Ana Maria Moretzohn Paulo Ubiratan
O Caso do Martelo 1991 José Pozzenato Paulo José
Os Homens Querem Paz 1992 Péricles Leal Luiz Fernando Carvalho
Felicidade 1992 Manoel Carlos Denise Saraceni
Renascer 1993 Benedito Ruy Barbosa Luiz Fernando Carvalho
Fera Ferida 1994 Agnaldo Silva Dennis Carvalho e Marcos Paulo
Irmãos Coragem 1995 Dias Gomes e Marcilio de Moraes Luiz Fernando Carvalho
O Fim do Mundo 1996 Dias Gomes Paulo Ubiratan
A Indomada 1997 Agnaldo Silva e Ricardo Linhares Paulo Ubiratan
Por Amor 1997 Manoel Carlos Paulo Ubiratan
Meu Bem Querer 1998 Ricardo Linhares Marcos Paulo
Força de um Desejo 1999 Gilberto Braga e Alcides Nogueira Marcos Paulo
O Cravo e a Rosa 2000 Walcyr Carrasco Walter Avancini
Os Maias 2001 Maria Adelaide Amaral Luiz Fernando Carvalho
Esperança 2002 Benedito Ruy Barbosa Luiz Fernando Carvalho
O Quinto dos Infernos 2002 Carlos Lombardi Wolf Maia
Kubanacan 2003 Carlos Lombardi Wolf Maia
Senhora do Destino 2004 Agnaldo Silva Wolf Maia
Cobras e Lagartos 2006 João Emanuel Carneiro Wolf Maia
Eterna Magia 2007 Elizabeth Jhin Carlos Manga
Capitu 2008 Euclydes Marinho Luiz Fernando Carvalho
Cinquentinha 2009 Agnaldo Silva e Maria Elisa Berredo Wolf Maia
Lara com Z 2010 Agnaldo Silva e Maria Elisa Berredo Wolf Maia
Afinal, O que Querem as
2011
Mulheres Paulo Cuenca Luiz Fernando Carvalho
Lado a Lado 2012 João Ximenes Braga e Claudia Lage Dennis Carvalho e Vinicius Coimbra
Alto Astral 2014 Andrea Maltarolli e Daniel Ortiz Jorge Fernando
Eta Mundo Bom 2015 Walcyr Carrasco Jorge Fernando
Apêndice 2 – Carta do Diretor

Pessoal,
O final de toda novela que faço me traz um sentimento de dívida em relação à equipe e ao
elenco, fico sempre achando que não agradeci suficientemente sua contribuição e talento.
Mas desta vez não vou deixar barato. Lado a Lado foi particularmente elogiada pelo público,
pela imprensa, pela empresa e pelos nossos colegas de trabalho não por acaso: vocês
arrasaram! Porque não adianta o ator arrasar em cena se o microfone não estiver bem
posicionado, se o operador de áudio não tiver aberto o canal corretamente, se a luz não estiver
ajudando a contar aquela história, se o operador de vídeo não captar a imagem da melhor
forma, se a roupa do ator não tiver sido bem desenhada, costurada, vestida corretamente, se
o diretor de imagem não cortar na hora certa para o ator, se o foco não estiver no olho dele
e o quadro equilibrado, se a continuísta não souber o que importa e o que não importa
observar, se a assistente de estúdio não estiver com o texto na ponta da língua, se o
contrarregra não segurar a porta pro ator, se a produtora de arte não sugerir a ação certa, o
objeto certo, se o cenógrafo não tiver feito o cenário ideal para a personagem, se o operador
do carrinho não tiver sensibilidade ao mover o dolly, se o caboman não estiver ali do lado
para impedir que o movimento seja interrompido, se o produtor de engenharia não tiver
pedido o melhor equipamento, se o assistente de direção não der a opinião precisa ao diretor,
se o famigerado diretor não souber qual é a emoção da cena, se a maquiadora não prestar
atenção ao suor, ao tom da pele do ator, se a cabelereira não cuidar da beleza ou da feiura do
penteado, sabendo quando é necessário um e outro, se o outro ator em cena não tiver sido
bem escalado pelo produtor de elenco, se este ator não for bem ensaiado pela preparadora
de elenco, se o fiscal não tiver escolhido um figurante que colabore com o ator, se o editor
de imagem, depois de tudo isso, não escolher o melhor take, se o editor de áudio não tratar
o diálogo devidamente, se o ruideiro não criar um ambiente correto, se o sonoplasta não
entrar com a música na hora que faça todo mundo chorar, se a música composta pelo
produtor musical não fizer todo mundo chorar, se a galera da computação não fizer o recorte
perfeito do croma atrás do ator e, ao final, se o colorista não der à imagem o tratamento
belíssimo que sempre foi dado em Lado a Lado... E ainda, se o motorista não trouxer o ator
confortavelmente, se o segurança não der segurança pra ele fora do set, se o pessoal da água
e da frutinha não servi-lo com carinho, se o dublê não substituí-lo quando necessário, se o
pessoal do efeito não soltar o fog com critério, se o assistente de produção não cuidar do ator
naquele dia, se a galera da base não cuidar dele e da equipe na semana, se o a gerente não
cuidar do ator, da equipe e de todo mundo na novela, se o diretor de produção não cuidar da
novela inteira e dela junto à empresa! E depois de gravada, se a cena não for devidamente
divulgada pela turma do site, das chamadas, da CGCOM... Cada um de vocês é fundamental!
O resultado está no prestígio que a novela alcançou: Lado a Lado é um marco de qualidade
na televisão brasileira por causa da competência e dedicação de vocês.
Agradeço ao nosso amado diretor de núcleo, responsável pela realização de toda a
novela com talento, bom humor e ousadia, e aos nossos autores, que criaram essa história
linda e escreveram o que saiu da boca e dos olhos do ator que arrasou em cena.
Ao final, agradeço aos atores e atrizes, que teimam em me emocionar no switcher e os
brasileiros em casa. De coração, obrigado a todos.
Beijos saudosos,
Vinícius.
Apêndice 3 – Sinopse e Perfil dos Personagens

“Lado a lado”
Sinopse de novela para horário das seis

Por Claudia Lage e


João Ximenes Braga
Supervisão
Gilberto Braga
Direção geral
Dennis Carvalho
Vinícius Coimbra
Núcleo
Dennis Carvalho

Apresentação

“Lado a lado” é uma novela de época que se pretende ágil e contemporânea na


linguagem. Nossa história começa em 1904, época em que o Rio de Janeiro se transformava
em uma cidade mais cosmopolita e moderna, com o prefeito Pereira Passos realizando uma
série de obras tendo Paris como ideal, ao mesmo tempo em que as favelas começavam a
surgir sem despertar maior preocupação no poder público. Uma época que definiu os
contrastes que até hoje marcam a cidade e o país.
No ritmo do samba que começava a tomar forma nas ruas, na agilidade da capoeira
ainda vista com preconceitos,
no glamour do teatro de revista e das confeitarias, “Lado a Lado” vai utilizar eventos
históricos reais – através dos olhos de personagens fictícios – para contar a saga de duas
amigas no momento em que as mulheres começam a se tornar agentes sociais no país. De
origens bem diferentes, Isabel e Laura lutarão pelo mesmo que as mulheres de hoje: conciliar
amor e independência no país dos contrastes.
A história

Rio de Janeiro, 1904, anoitecer na Pedra do Sal, na Saúde. Imigrantes baianos, ex-
escravos e descendentes de escravos, cantam e dançam samba, 13 anos antes de Donga
gravar “Pelo telefone”. Um jovem casal se destaca na dança, Isabel e Zé Maria. Ela,
doméstica, ele, auxiliar de barbeiro, nem se lembram de dificuldades financeiras neste
momento. Apaixonados, cheios de sonhos, podiam dançar até o sol raiar, mas Isabel quer
partir. Eles vão se casar no dia seguinte, ela quer estar bem descansada.
Enquanto isso, numa bela mansão em Botafogo, outra noiva dá os últimos retoques
no vestido. Laura também vai se casar no dia seguinte, mas não com o mesmo entusiasmo.
Ela e o noivo, Edgar, namoraram antes de ele embarcar para Portugal, onde foi estudar
direito. Antes de ir, num impulso apaixonado, Edgar a pediu em casamento. Laura aceitou,
porém, passados quatro anos, nenhum dos dois tem tanta certeza de seus sentimentos. O
casamento se realiza mais por insistência das famílias do que dos noivos.

Se para Isabel e Zé Maria o casamento é um sonho que acalentam juntos há alguns


anos, Laura e Edgar não poderiam ter sonhos mais diferentes. Ela, inteligente e idealista, não
quer se tornar uma dona-de-casa, nem mulher de sociedade, quer continuar os estudos,
trabalhar, ser independente. Apesar da oposição da família, principalmente, da mãe,
D.Constância, Laura quer ensinar, passar o gosto de ler para crianças, e ambiciona, em
segredo, escrever, tornar-se escritora. Já Edgar preferia ter adiado o casamento e ficado mais
tempo em Portugal. Um dos motivos que o prende em terras lusitanas, entretanto, ele não
revela à família. Apesar de advogado, Edgar enveredou mesmo foi para o jornalismo. Em
Lisboa, já iniciara a sua carreira, em um jornal da cidade. Trabalhava como jornalista
investigativo, fazendo denúncias sociais. Mas seu pai, o senador Bonifácio, quer o filho no
Brasil, assumindo os negócios da família, na fábrica Vieira, no lugar do seu irmão mais
velho, Fernando Vieira, cujo trabalho como diretor da fábrica lhe desagrada. Bonifácio quer
Edgar dirigindo a fábrica para se dedicar mais à carreira política, além de outros negócios.
Com a demolição de cortiços promovida pelas obras de Pereira Passos, avenidas serão
construídas na intenção de modernizar a cidade. Bonifácio comprou no passado terrenos de
Assunção e Constância por um valor irrisório, aproveitando a crise financeira da família,
sabendo de antemão que esses terrenos iriam ser muito valorizados, após as reformas de
Pereira Passos. Além disso, se tornou sócio de uma companhia de bondes que conseguiria a
concessão para funcionar depois da construção das avenidas. Bonifácio não hesita em tirar
vantagem da família Assunção, o que não imagina é que Constância, ao descobrir que foi
passada para trás, lhe cobrará algumas compensações, entre elas, um emprego público para
o seu marido, Alberto Assunção, no governo de Pereira Passos, e, mais tarde, o seu ingresso
na carreira política. Assim, os dois vilões entram num jogo de gato e rato incrementado por
uma forte atração física entre eles.

Enquanto Edgar e Laura vivem seus dramas individuais, incertos em relação a seus
destinos como casal, Isabel e Zé Maria, que têm a certeza de que se amam e ficarão juntos
para sempre, estão prestes a viver um drama social, que influenciará para sempre suas vidas.
No cortiço onde moram, crescem os boatos de que este pode ser invadido pela polícia e
demolido em questão de semanas, ou de dias. Sinal dos tempos. De um novo Rio que está
nascendo. Os ares insalubres das moradias coletivas não combinam com o novo ideal de uma
cidade cosmopolita ou, mais especificamente, parisiense.

Apesar da tensão crescente no cortiço, Zé Maria e Isabel preferem adiar a


preocupação por alguns dias. Querem curtir a felicidade do casamento, acreditar num futuro
melhor. Prometem ao pai de Isabel, o Seu Afonso, um barbeiro boa gente, que pensarão
numa solução após o casamento. Apesar de muito preocupado, Seu Afonso assente, em
consideração aos noivos. Desde que a menina ficou órfã de mãe, criou a filha sozinha e não
poupa sacrifícios para vê-la feliz. A cerimônia na igreja, por exemplo, quase acabou com
suas economias, mas ele não esconde o orgulho. Sobretudo por gostar muito do noivo, seu
colega de barbearia. O que Seu Afonso não sabe, nem mesmo a noiva Isabel, é que José
Maria, também conhecido como Zé Navalha, é capoeirista. Zé esconde por uma boa razão:
naquele tempo, a capoeira não era considerada um esporte, mas uma arma com a marca da
marginalidade. Na verdade, Zé Maria não podia ser mais “do bem”: ganhou o apelido de
Navalha não por desferir golpes mortais, e sim pela profissão de barbeiro.

Essas duas moças de origens diferentes vão se conhecer na igreja, no dia seguinte,
já em seus vestidos de noiva. Por quiproquós detalhados nos capítulos da primeira semana,
em anexo, ambas se conhecerão face a face em situação sui generis. O casamento de Isabel
atrasa bastante, por um motivo inesperado a todos: o noivo não aparece. Apesar de
inconformada, Isabel é obrigada a desistir de esperar Zé Maria. Quem a pressiona e se mostra
indignada com o atraso é D. Constância, já que o casamento de sua filha Laura está marcado
para logo depois. Assim, Isabel, a noiva apaixonada, será “abandonada” no altar. E Laura, a
noiva claudicante, vai se casar com pompa e circunstância.

O espectador verá, porém, que Isabel não é abandonada - o casamento não acontece
por motivo de força maior. A caminho da igreja, Zé Maria será interceptado como Zé
Navalha. Caniço, um amigo capoeirista vem avisar que o cortiço será derrubado. A polícia
está a caminho. O grupo dos capoeiras pretende interceptá-la e impedir a invasão, uma reação
desesperada para algo que, naquele momento, parece tão somente uma perseguição aos
pobres – coisa que, em tempo, veremos não ser. Zé Maria vai preso enquanto Isabel espera
por ele na igreja. Em meio à angústia da espera e a discussão com D.Constância, ela não
percebeu que um rapaz a seguia com os olhos hipnotizados. Trata-se de Albertinho, filho de
D. Constância e irmão de Laura. Na verdade, o jovem é um boêmio janota, que ficou
encantado pelo charme brejeiro e pela beleza da moça do cortiço. Encanto esse que trará
graves conseqüências, que veremos adiante.

Enquanto isso, Laura, que acompanhou compassiva a espera angustiosa de Isabel


pelo noivo, vê o seu próprio casamento se realizar com pouca emoção. Para a sua surpresa,
Edgar se mostra tão desconfortável quanto ela. Ele também se surpreende por não vê-la
emocionada como todas as noivas quando se casam. Ambos sabiam que a distância de quatro
anos havia esfriado o namoro, mas nenhum dos dois tocara no assunto. Por mais que as
últimas cartas fossem mais genéricas do que ardorosas, Edgar ainda pensava que Laura
queria casar com ele, e vice-versa. Essa impressão sempre foi reforçada por ambas as
famílias. Constância tem ambições de ascensão social na República, já que não se conforma
com a perda de seu nobre título de baronesa dos tempos do Império, e pretende realizá-las
com a aliança com os Vieiras. Por sua vez, Bonifácio, prestigiado senador da ala
conservadora, vê com bons olhos a aliança com uma família de nome aristocrático como os
Assunção. Mas quando Edgar e Laura se virem sozinhos, todas essas falsas impressões
formadas por suas famílias irão definitivamente por água baixo.

Enquanto acontece o casamento de Laura, Isabel e seu pai voltam da igreja e


descobrem que não têm mais casa. Vizinhos e amigos se solidarizam e, juntos, mudam-se
para o Morro da Providência, a primeira favela carioca, que começara a ser habitada alguns
anos antes. Isabel acredita que Zé Maria pode ter sido impedido de ir ao casamento por conta
da confusão, mas nenhum vizinho tem notícia dele, ela precisa amparar o pai, seriamente
abalado, e ajudá-lo a mover suas coisas para o novo destino. Só quem lhe fala de Zé Maria
é Berenice, uma vizinha invejosa, que garante que o rapaz foi procurar as namoradas e
desistiu da noiva. Dentre as coisas retiradas da casa dele, ela descobre roupas e artefatos da
capoeira, acredita que Zé tinha, sim, uma vida paralela na boemia e na marginalidade de que
ela nem desconfiava, o que apenas reforça o abandono. Isabel ainda procura por Zé Maria
em hospitais e na delegacia mas, como ele foi preso com o nome de Zé Navalha, ela volta
sem informações e só lhe resta concluir que foi realmente abandonada.

Após o casamento, Laura e Edgar vão para a casa nova, presente de Bonifácio. O
clima entre eles é totalmente diferente do que se espera de um casal recém-casado. Naquela
noite, Edgar dorme no quarto de hóspedes, e Laura sozinha na cama de casal. No dia
seguinte, ela quebra o silêncio, e acabam discutindo. Edgar deixa escapar na discussão que
o pedido de casamento foi precipitado, Laura concorda, ela se acha muito nova para estar
presa a um marido. Edgar se surpreende, pois sempre achou que ela sonhava com esse
casamento. Por ele, teria ficado em Portugal. Ambos se sentem enganados. A cada dia, o
ambiente da casa fica mais insuportável. A todo custo tentam se evitar, e quando se
encontram, saem faíscas. Mas, depois de mil farpas atiradas para todos os lados, concordam
ao menos em uma coisa: foram precipitados e levados pela família ao altar. Após isso, ficam
visivelmente aliviados por terem posto as cartas na mesa. Ao menos entre eles, não precisam
interpretar os papéis de marido e mulher.

Enquanto Zé Maria padece na cadeia, Albertinho, obcecado com a beleza de Isabel,


consegue na igreja informações sobre sua patroa francesa. Ele se apresenta à Mme
Bensançon mentindo que é estudante necessitado de aulas de francês, indicado pelo padre
Olegário. Mme Bensançon se sente em dívida com o padre, por conta do casamento
cancelado de Isabel, e o aceita como aluno. Albertinho encontra Isabel sofrida e amarga,
abalada pelos últimos acontecimentos. Ele se apresenta a ela como um rapaz sensível e frágil,
bem diferente de Zé Maria. Aos poucos, vai derrubando as suas barreiras, mostrando que é
um homem honesto e romântico, e pode significar para Isabel, quem sabe, uma esperança
no amor. Num momento de fraqueza, Isabel vai acabar se entregando a ele.

Laura e Edgar vivem uma situação sui generis. Os dois percebem que estão no mesmo
barco. Concluem que, sim, não se amam, como pensavam há quatro anos, mas não precisam
se odiar. Podem se tornar, quem sabe, amigos. Edgar fica sabendo dos planos profissionais
de Laura, e também que ela era professora voluntária na biblioteca do bairro. Para desespero
de D. Constância, ele a incentiva a voltar a estudar e a dar aulas na biblioteca. Do mesmo
modo, Edgar se sente livre para se reunir com amigos intelectuais até tarde da noite, sem ter
hora certa para voltar para jantar com a esposa. Essas liberdades que permitem um ao outro
espantam as outras pessoas, mas se tornam um assunto divertido entre os dois.
Enquanto isso, Albertinho conseguiu o que queria de Isabel, mas vai se apaixonar
por ela. Só não é forte o suficiente para lutar por esse amor. Isabel nota a mudança de atitude
no rapaz, identificando logo o problema. Albertinho a assume na intimidade, mas não tem
peito para assumi-la da porta da rua para fora. Isabel o coloca contra a parede, exigindo uma
posição. Ao mesmo tempo, D. Constância descobre o namoro do filho com a moça do morro,
e o manipula em seu ponto fraco: dinheiro. É a gota d’água para Albertinho. Diante das
pressões da namorada e da ameaça de perder a mesada, termina friamente com Isabel, que
terá sua segunda decepção amorosa.

Na casa de Laura e Edgar, a rotina surpreendentemente feliz do casal de “amigos”


sofre uma alteração quando Laura, curiosa diante da nova intimidade criada entre eles, quer
saber mais sobre a vida de Edgar em Portugal. Por respeito a ela, ele é bastante evasivo, o
que desperta ainda mais a sua curiosidade. Um dia, a empregada Matilde deixa cair, ao
arrumar os armários, caixas de Edgar com seus pertences de Portugal. Laura ajuda Matilde
a arrumá-las, quando, num momento a sós, não resiste e pega outras coisas nas caixas, em
busca de mais informações sobre a vida de Edgar em Portugal: cartas, um pequeno caderno,
de onde caem fotos de uma bela mulher. Em uma delas, ela posa em um camarim de teatro,
com figurino de uma peça. Em outra foto, com dedicatória, ela está em frente a um teatro.
Laura lê a dedicatória, “Para Edgar, da sua atriz portuguesa, com saudades, Catarina, 1903”.

Paralelamente, vemos Zé Maria na tentativa de mandar recados para Isabel da cadeia,


sem sucesso. Um dos recados chega a Berenice, que o sonega, e ele estranha a falta de visitas.
Assim, quando sai da cadeia, o reencontro com Isabel é o encontro de dois animais feridos,
cheio de hesitações. Esclarecida toda a situação, os dois voltam a formar um casal
apaixonado. Isabel não tem dúvida de que foram feitos um para o outro, que o breve
relacionamento com Albertinho foi um grande erro, mas quando voltam a falar de
casamento, um fantasma ronda Isabel: como revelar a Zé Maria a perda da virgindade? Zé
Maria, já de volta à rotina na barbearia, quer retomar os planos do casamento o quanto antes
e não entende a hesitação de Isabel.
Enquanto isso, Laura inicia uma investigação criteriosa sobre Catarina, com a ajuda
da prima Alice. Esta, aliás, é categórica ao ver o seu empenho investigativo: “ciúmes”. Mas
ela nega veementemente. A investigação vai desde bibliotecas até teatros no centro do Rio,
como o famoso São Pedro, no Lago do Rocio (hoje, o teatro João Caetano). Ao voltar para
casa, Laura não se contém e fala sobre Catarina Ribeiro, deixando Edgar perplexo. Porém,
ele capitula diante de sua firmeza. Reconhece o erro de tê-la traído, mas pede compreensão.
Àquela altura, já eram mais amigos do que noivos. Ambos hesitam, como se pisassem em
ovos. Laura quer saber por que então ele não lhe contou tudo e terminou o noivado, assim
poderiam ter tomado outro rumo. Mas Edgar não queria magoá-la. E, apesar de mais
perguntas, evita entrar em detalhes. No entanto, responde,a contragosto que foi, sim,
apaixonado por Catarina. Diante disso, Laura se retrai. O casal volta a se distanciar.

Passado algum tempo, antes que Isabel conseguisse coragem para revelar seu segredo
a Zé Maria, ela se descobre grávida. Não há dúvida de que o filho é de Albertinho.
Romântico, machista e respeitador, Zé nunca se atreveu a atravessar a linha com a mulher
que quer levar ao altar. Ela recusa o pedido de casamento e diz a verdade a Zé Maria,
acreditando ser a única atitude digna que pode tomar. Zé Maria não é um homem à frente de
seu tempo, não aceita a mulher que ama grávida de outro homem. Os dois se separam.

Na casa de Laura e Edgar, o clima também não está nada conciliatório. Desde o
conhecimento da existência de Catarina, Laura não consegue mais agir naturalmente com
ele. A lembrança da ex-namorada portuguesa a assombra, desperta seu ciúme, ora a sua raiva,
ora a consciência de que, ao contrário do que acreditava, os sentimentos que nutre por Edgar
não se tornaram tão fraternos como imaginava. Ele, por sua vez, lamenta o distanciamento
de Laura. Um de seus melhores momentos do dia era o retorno para casa após o trabalho na
Fábrica Vieira. Bonifácio pedira ao filho que fizesse uma auditoria na fábrica. Edgar aceitou,
a contragosto, entretanto, com a condição de seguir depois o próprio caminho. No dia a dia,
Laura volta aos poucos a ocupar os seus pensamentos. Sem que percebam, pequenas
intimidades cotidianas surgem entre os dois. A quantidade certa de açúcar que Laura põe no
café de Edgar, a janela da sala que Edgar abre diariamente porque Laura gosta da claridade
da manhã... Embora não percebam, o público percebe que, sem saber, eles já começaram a
ser um casal...
É nesse contexto que D. Constância aparece para uma visita, e percebe um fato
chocante: Edgar não dorme no quarto de casal, mas no de hóspedes. Rapidamente, D.
Constância providencia uma consulta ao médico para ela e pede a Laura que a acompanhe.
No consultório, Laura é levada a ser examinada também. E assim nossa infalível Constância
confirma, com horror: a sua filha continua virgem. Decide, então, tomar urgentemente uma
providência. Encontra a oportunidade perfeita para seus planos no jantar de seu aniversário.
Nas despedidas, insiste para o casal pernoitar lá, preocupada com o retorno em plena
madrugada. Quando Laura vê, está em seu antigo quarto de solteira, sozinha com Edgar.
Levemente incentivados pelo poder inebriante do vinho, tentam se recompor, mas a atração
latente que já sentiam um pelo outro vem à tona, e o plano de D.Constância dá certo: eles
têm uma bela noite de amor. A partir desta noite, o fantasma de Catarina vai ficando pra trás
e eles passam a ser, de fato, um casal.

Enquanto isso, no Morro da Providência, Isabel sofre as conseqüências da sua


gravidez. Primeiro, é demitida de seu emprego, depois, é expulsa de casa pelo pai que, apesar
de carinhoso, era moralista, um homem de seu tempo. É muito difícil para o Seu Afonso
aceitar que a filha se deitou com outro homem, e, pior, engravidou dele, traindo Zé Maria.
Mas, por ironia, é justamente Zé quem vai aparecer para ajudá-la. Através de contatos com
clientes da barbearia, arruma-lhe um emprego de camareira junto ao Teatro Alheira,
companhia de comédia do diretor Mario Cavalcanti. Isabel é aceita apesar da gravidez, já
que é um trabalho temporário. Na companhia de teatro, Isabel vai conhecer novos
personagens e entrar num mundo que trará mais leveza e humor à novela, a ser descrito em
separado. No futuro, Seu Afonso vai se reconciliar com ela, perdoá-la, mas ela continuará
trabalhando.

Paralelamente, Zé Maria começará um caso com Berenice, que sempre foi


apaixonada por ele. Zé não se encantará de verdade por ela, apenas buscará consolo na
paixão dela e na bebida. E começará mais e mais a se envolver com a capoeira e a
malandragem. Os convites de Caniço para participar de rodas de capoeira logo evoluem para
aceitar participar de brigas com a polícia, por motivos variados. Mais adiante, Zé Maria será
um dos capoeiras que lutará para provar que a capoeira não anda junto com a marginalidade,
entrando em confronto com Caniço, que segue esse caminho.
Depois de alguns meses, o parto de Isabel se aproxima. Apesar de totalmente
desencantada com Albertinho, Isabel se convence de que o filho não pode passar
necessidade, tem direitos. Ela vai procurar o pai de sangue. É recebida por Constância, que,
a princípio, acusa Isabel de golpista, a destrata. A cena é vista por Laura. Depois que Isabel
sai, Laura a procura, na rua. Nessa reaproximação, lembram do primeiro encontro no
casamento. Laura nunca esqueceu do olhar triste de Isabel, e nem Isabel esqueceu do olhar
desamparado de Laura diante do altar. Laura pergunta se o filho que Isabel espera é mesmo
seu sobrinho. E, diferentemente da mãe, acredita na palavra de Isabel, oferecendo-se para
interceder junto ao irmão.

Laura de fato pressiona Albertinho e D. Constância começa a temer que, em algum


momento, ele ceda à idéia de assumir a criança, causando um escândalo que ameace a
carreira política de seu marido que, graças a Bonifácio, foi bem recebido no partido.

Paralelamente, o idílio de Laura e Edgar sofre um baque quando ela ouve uma conversa
de Constância com Carlota, sua irmã e grande cúmplice. Constância comenta que, agora que o
casamento da filha entrou nos eixos, já pode queimar “a carta”. Laura interfere e questiona a
mãe e a tia, que tentam disfarçar e desviar o assunto. Laura insiste, até que a tia Carlota, muito
nervosa, mete os pés pelas mãos, para irritação de Constância, e conta a verdade: é uma carta
endereçada a Edgar, de uma tal Catarina, datada de algumas semanas antes do casamento dos
dois. D. Margarida a recebeu em sua casa, mas não a entregou ao filho nem a abriu, guardou-a,
intacta. D. Constância a viu por acaso, durante uma visita, e fez uma de suas estripulias para
pegá-la sem ser vista. Ao ler o conteúdo, achou melhor guardá-la como trunfo caso Edgar saísse
de linha com a filha. Mas que Laura lesse a carta e aprendesse a lição: nada de aulas e de livros,
nada de quartos separados, devia se dedicar exclusivamente a casa e ao marido. Laura lê a carta,
atônita: Catarina está grávida.

Laura se lança num dilema moral. Edgar ia ser pai e tinha o direito de saber disso.
Por outro lado, ela sabe que poderia correr o risco de perdê-lo. Antes de criar coragem para
entregar a carta a Edgar, porém, o pior acontece: Edgar encontra a carta em suas coisas, e
entende que Laura a escondeu por todo esse tempo. Apesar das explicações da esposa,
mantém a desconfiança. Numa breve carta a Catarina, conta que se casou, mas que irá
assumir sua responsabilidade de pai.

Paralelamente, os dramas de Isabel e Laura as unem cada vez mais. Isabel não aceitará
ajuda financeira de Laura, mas trocarão favores. Laura a levará a seu médico. Isabel lhe levará
pequenos presentes. Tornam-se confidentes, solidárias à história uma da outra. A aproximação
das duas é vista com horror por D.Constância, que arquiteta um plano para evitar que esse neto
bastardo atrapalhe suas ambições.

A resposta de Catarina não tarda a vir. Ela havia interpretado o silêncio de Edgar
como rejeição, mas demonstra-se aliviada, pois, na verdade, precisa dele com urgência. A
gravidez teve complicações graves, a criança nasceu com problemas de saúde e ela passava
por dificuldades financeiras. Edgar mostra a carta à Laura, preocupado. Laura lamenta a
situação, mas, como comenta depois com sua amiga Isabel, é de chamar a atenção o fato de
Catarina não ter feito nenhum comentário a respeito do casamento de Edgar.

Edgar toma em seguida uma difícil decisão: irá a Portugal dar assistência necessária
à Catarina. Precisa ver qual é realmente a sua situação. A reação de Laura é enérgica: irá
junto com ele. Edgar não concorda, teme o encontro entre as duas. O romance com Catarina
foi intenso e intempestivo, assim como é a sua personalidade. Acha melhor ir sozinho, será
mais tranqüilo e rápido. Pede que Laura confie nele e o espere. Edgar segue então para
Portugal, com a promessa de resolver os problemas com Catarina rapidamente, estabelecer
uma compensação financeira para criar a criança, e voltar logo para o Brasil.

Em seguida, nasce o bebê de Isabel, e dona Constância decide tomar uma


providência. Chegou a pensar em dar fim ao bebê, mas nem mesmo ela seria capaz de
tamanha crueldade: é seu neto, afinal de contas. No hospital, paga para que roubem a criança
de forma a levar todos a acreditarem que o filho de Isabel morreu logo após o parto. Ela o
entrega a Zenaide, uma parenta de sua empregada de confiança, para criar o menino como
se fosse seu filho. Para não levantar suspeitas, Zenaide terá que se mudar para uma
vizinhança onde não seja conhecida, e ganhará uma quantia mensal para garantir o bem estar
do menino até a maioridade. O que Constância não sabe é que, no futuro, esta moça irá parar
no mesmo Morro da Providência onde moram Seu Afonso e Isabel.

Em profundo luto pelo filho, Isabel recebe a solidariedade de Laura. E também de Zé


Maria. No caso dele, é uma tentativa de reaproximação, mas a essa altura, Berenice não
estará disposta a perder o amante. Fará de tudo para atrapalhar essa aproximação, e consegue.
Laura vê Edgar partir para Portugal com o coração apertado. Ele ainda não parecia
de todo convencido que ela tinha, sim, a intenção de lhe entregar a carta de Catarina. A
despedida é estranha, deixando em Laura uma triste impressão. Logo depois, é pega de
surpresa com uma notícia: está grávida. Atordoada, feliz, escreve para Edgar dando a
novidade, pedindo que ele volte logo. Não conta à família ainda, na intenção de ter primeiro
um retorno do marido. Apenas sua prima Alice e a amiga Isabel sabem de sua gravidez. Para
seu espanto, a resposta não chega.

Paralelamente, chega ao auge na cidade a polêmica sobre a vacinação contra a febre


amarela promovida por Oswaldo Cruz, situação que teremos construído aos poucos entre os
personagens secundários. A população se revolta contra a vacina, atitude que é alimentada
pelos políticos de oposição, que espalham boatos que a vacina é uma tentativa de exterminar
os pobres. Ao invés de imunizá-los, lhes transmitiria a doença, para que morressem. A esta
altura, Bonifácio já não apóia mais o o presidente Rodrigues Alves. Depois que o jornalista
Guerra denunciou a irregularidade do senador que era sócio de uma empresa que vinha
conseguindo vantagens para explorar as novas linhas de bonde, Bonifácio teve suas
concessões cortadas. Com isso, tornou-se inimigo de Pereira Passos e bandeou-se para o lado
do maior opositor da república do café com leite, o advogado Pinheiro Machado. Bonifácio
contrata Caniço para liderar um grupo de capoeiras que vai insuflar a revolta popular. Zé
Maria é dos primeiros a se envolver na revolta, até descobrir que Caniço foi pago por
Bonifácio e que estava sendo usado com fins políticos. Zé Maria vai combater Caniço e
controlar os capoeiras até que, como na vida real, a vacinação acontecerá e será bem-
sucedida. A informação de Zé Maria sobre Bonifácio terá desdobramentos na segunda fase
da novela.

Isabel se ocupa, por necessidade de sobrevivência, com o trabalho no teatro, onde


tudo gira em torno da chegada de uma dançarina francesa que será a grande atração da
temporada. Todos os boêmios do Rio, os jornalistas e escritores que frequentam a Confeitaria
Cabral – e formam nosso coro grego e parte do núcleo cômico - não falam em outra coisa.
Mlle. Dorleac, porém, está entediadíssima com os trópicos. O que vê à sua volta são
imitações de Paris, de que lhe vale viajar dessa forma? É Isabel, que fala algum francês
aprendido com a ex-patroa, quem faz às vezes de cicerone para a mademoiselle e a leva à
Pedra do Sal. Lá, mais que pelo ritmo, a francesa se encanta pela dança de Isabel, que, ao
som do samba, esquece a dor da perda do filho por alguns instantes.
Enquanto isso, D. Margarida, que chegou a saber do romance proibido de Edgar em
Lisboa, e fez de tudo para que ele voltasse ao Brasil, quer tranqüilizar Laura, mas o faz da
pior forma possível. Afirma que ela não deve temer Catarina, que certamente não quer Edgar
de volta, já que foi ela quem terminou o romance. Quando voltou ao Brasil, seu filho estava
deprimido porque a portuguesa o rejeitara. Arrasada, Laura pensa que Edgar pode nunca tê-
la amado realmente. Sem nenhuma resposta do marido, ela não vê como tirar outra
conclusão. O sofrimento a faz ter uma gravidez difícil, e Laura cai de cama, doente.

Isabel, que também passou por uma gravidez difícil, assiste Laura na doença, e lhe
revela que Mlle Dorleac a convidou para seguir com ela a Paris. Sua grande hesitação: Zé
Maria. Ela ainda não está refeita da morte prematura do filho, sente como se ele ainda
estivesse vivo em seu colo, mas já se sente forte o suficiente para tentar retomar as rédeas
de sua vida e reconquistar Zé Maria, separá-lo de Berenice.

Ainda sem notícias de Edgar, Laura perde o bebê, com poucos meses de gravidez. O
aborto espontâneo a faz perder muito sangue, o que torna necessário repouso absoluto. O
médico da família a aconselha a ficar assistida na casa dos pais. É neste momento que Edgar
volta ao Brasil. Visivelmente exausto e perturbado, encontra a sua casa fechada e vazia. Quando
enfim encontra Laura, o encontro é tenso e comovente. Laura, ainda muito fraca, mal escuta as
suas palavras de amor e os pedidos de perdão. Mas, quando se recupera um pouco, sofre outro
baque: Edgar não veio sozinho. Trouxe Catarina e a filha, Melissa, de Portugal, para morarem
no Brasil.

Edgar explica que a menina nasceu doente, com graves problemas respiratórios, o clima
do Rio de Janeiro seria benéfico para ela. Mas são muitas coisas para Laura absorver. O silêncio
de Edgar, a gravidez solitária, a perda do filho. E agora a chegada dessa família, que incluía o
seu marido no papel de pai. Ferida em sua confiança e convencida de que Edgar nunca a amou
realmente, Laura pede o divórcio, mesmo arrasada. Inconformado, Edgar faz de tudo para a
reconciliação, mas quanto mais se explica, mais Laura duvida de sua sinceridade. A presença
de Catarina com a filha no Brasil é, para ela, a evidência definitiva da escolha de Edgar.

Paralelamente, Isabel descobre não ter mais chance de reconciliação. Caniço, em


busca de vingança contra Zé Maria por conta do episódio da revolta da Vacina, espalhou
pela cidade rumores de que Zé traíra os capoeiras, ele passa a correr risco de vida e, para
fugir do Rio de Janeiro, sua melhor opção é alistar-se na Marinha. Ao saber que Zé Maria já
está longe de seu alcance, Isabel vai optar por partir para Paris.

O divórcio de Laura e Edgar é realizado à revelia de D. Constância, que, ao descobrir,


tenta abafar a notícia, convencendo a filha a passar uma temporada no sítio de uma parenta no
interior do Estado. Em sociedade, D. Constância não tem limites para poupar a reputação de
sua família: espalha que Laura foi se tratar de tuberculose.

Com o embarque de Isabel e a separação entre Laura e Edgar, a novela terá uma
passagem de tempo de seis anos. E a partir daqui, para efeito de clareza na sinopse,
contaremos as histórias de Laura e Isabel em separado. Reforçamos, todavia, que são duas
histórias convergentes. A amizade entre elas permanecerá por toda a novela, e em muitos
momentos uma terá papel ativo na história da outra.

SEIS ANOS DEPOIS

Isabel e Zé Maria.
Depois da passagem de tempo, vamos descobrir que, no Moulin Rouge do início do
século XX, Isabel virou sensação com uma adaptação da dança afro-brasileira. Uma fantasia
com base real - antecipamos em algumas décadas os fenômenos Josephine Baker e Carmen
Miranda. Seu sucesso chega a ser notícia nos jornais brasileiros e é comentado nas mesas da
Confeitaria Cabral.
De volta ao Rio, Laura é surpreendida por carta de Isabel anunciando seu retorno. A
mesma notícia é recebida no Teatro Alheira, de Mario Cavalcanti, com reações que variam
da euforia à inveja, até porque o clima lá é tenso, com disputas até no fechamento da
bilheteria. Há tempos circulam boatos de problemas financeiros, abafados por Mario na
medida do possível. Em busca de uma solução, ele, secretamente, se correspondeu com
Isabel na França, e vê o seu retorno ao Brasil como uma esperança de recuperar a sua
companhia teatral, atolada em dívidas.
A notícia do retorno de Isabel logo também se espalha entre seus antigos vizinhos no
morro da Providência – de onde o pai, seu Afonso, jamais saiu, apesar de a filha lhe mandar
dinheiro constantemente. “Se Isabel está voltando, é porque não foi tão bem-sucedida quanto
se diz nos jornais, eu sabia!”, alegam alguns, “ela está é com saudades de casa”, defendem
outros. Aqueles que também frequentam as rodas de música da Pedra do Sal, ao se lembrar
dela, indagam por onde anda o sumido Zé Maria, ou Zé Navalha.
Vamos reencontrá-lo alheio a tudo e a todos, em alto mar. A esta altura, Zé Maria já
foi promovido a cabo, mas, insatisfeito com as injustiças da corporação, está articulado ao
grupo de João Candido Felisberto (figura histórica real que será citada, mas não será
personagem). Ele será um dos artífices do motim que vai ficar conhecido como Revolta da
Chibata - levante contra os castigos físicos impostos aos marinheiros negros, herança maldita
da escravidão. Zé Maria lidera os marinheiros na tomada do poder de uma das embarcações
que participam do levante, subjugando os oficiais.

Nos próximos dias, toda a cidade ficará em suspense. Os marinheiros, num


movimento que se alastra por toda a corporação, ameaçam abrir fogo sobre a capital federal
se suas reivindicações não forem atendidas.
Essa história é assunto em todas as rodas, mas um personagem em particular está
fascinado por ela: o pequeno Elizeu, morador do Morro da Providência, uma criança
particularmente inteligente, mas muito sofrida, não só pelas dificuldades da vida na favela,
mas porque sua “mãe”, Zenaide, não o trata como filho. O público logo entenderá que ele é
o filho de Isabel.

Desde seu nascimento – e rapto - dona Constância continua zelando, à distância, pelo
menino. É seu neto e, apesar de querer distância dele, nunca atrasa a pensão que dá à moça
para criar o menino. O que ela não sabe é que Zenaide desvia boa parte do dinheiro para suas
vaidades e para criar seus próprios filhos de sangue, Vilmar, 8 anos, e Olavo, 10 anos. Elizeu
sempre ganha o menor prato, as roupas mais puídas. Vilmar, o irmão do meio, age com ele
de forma não muito diferente da mãe. Já Olavo é seu grande camarada. Só estranha certas
memórias: lembra-se da mãe trazendo a criança para casa, mas não de tê-la visto esperando
neném. Olavo deixa o assunto de lado, pois sempre que tentou fazer perguntas sobre isso a
Zenaide, só recebeu cascudos como resposta.
A rebelião não termina bem para Zé Maria. A princípio, ele e seus companheiros recebem a
notícia de que o governo está disposto a ceder. Entregam as armas apenas para descobrirem
que foram enganados. Suas reivindicações não são atendidas, sobretudo a de anistia aos
revoltosos. Zé Maria é um dos que será expulso da Marinha.
E é assim, desiludido e sem dinheiro, que vai voltar pro morro e, mais adiante,
reencontrar Isabel. A trajetória de Zé Maria e a ambientação do Morro da Providência,
núcleo importante para o projeto, será desenvolvida à parte. Aqui nos atemos a sua história
romântica com Isabel.

Ela chega de Paris anunciando que se tornou proprietário e sócia majoritária do teatro
Alheira de Mario Cavalcanti. A notícia surpreende a trupe de atores da companhia, mas
Mario garante que será para o bem de todos, inclusive, do teatro nacional. Isabel volta com
um projeto audacioso: quer o teatro cada vez mais brasileiro, com temas e músicas de
compositores brasileiros. Confiante, ela volta à sua cidade querendo mostrar a todos que
superou os preconceitos e venceu na vida, a garota virou uma mulher à frente de seu tempo.
Mas apesar de ciente dos preconceitos que envolvem sua fama de dançarina, não estará
preparada para as fortes reações que causará.

Na trupe, terá aliados e detratores. No morro, há quem veja nela a filha pródiga,
outros a consideram uma Jezebel. Seu pai, Afonso, a receberá com distância. Ama a filha,
mas ela vive num mundo que ele não está preparado para entender, por isso prefere continuar
vivendo no morro, e devolve todo o dinheiro que recebeu dela esses anos todos, que ele
guardara sem gastar, para tristeza de Isabel. Laura a recebe com alegria e o companheirismo
de sempre. Pelas cartas trocadas durante os seis anos, Isabel sempre mencionou a Laura o
desejo de voltar ao Brasil. Apesar do sucesso na França, tinha a consciência de que a carreira
de dançarina não duraria para sempre. Com a independência financeira garantida, sentia a
hora de voltar para casa, de rever o pai e de recomeçar a vida no Rio de Janeiro.

Na cidade toda, a recepção a Isabel é polêmica. Entre os boêmios que circulam pelas
confeitarias, os boatos sobre ela não param de crescer, e as pessoas se dividem entre o
fascínio e a repulsa pela brasileira pobre que voltou do exterior transformada em dançarina
célebre e financeiramente independente.

Em ninguém mais essa divisão é tão óbvia quanto em Zé Maria. Ele é tratado como
um herói por todos à sua volta, um homem que lutou e se arriscou para trazer melhoras a seu
povo. Diante disso, os capoeiras deixam de lado a animosidade contra ele.
Aos seus próprios olhos, porém, ele é apenas um desempregado apaixonado por uma
mulher que se transformou num fenômeno. Isabel anseia por uma reconciliação, em anos de
Europa, nunca amou outro tanto quanto seu primeiro amor, mas vai esbarrar no orgulho do
macho ferido, que, por uma fase, vai voltar a flertar com a boemia e a marginalidade.

Outra pessoa para quem o retorno de Isabel tem um significado especial é,


evidentemente, dona Constância. Justiça seja feita a nossa vilã, ela repudiaria uma mulher
como essa de qualquer jeito, faria tudo a seu alcance para prejudicar uma “propagadora da
imoralidade”. Mas Isabel lhe causa medo. Medo de ser descoberta, de ser obrigada a encarar
o rapto de Elizeu, e das consequências para sua reputação e do Dr. Assunção, agora senador,
se essa história vier a público.

O medo de dona Constância se torna ainda maior ao ver seus filhos se aproximando de
Isabel, por vias diferentes. A amizade dela com Laura continua firme. Encontram-se
assiduamente. Isabel é a única que sabe que a sua amiga Laura é, na verdade, o jornalista Paulo
Carioca, e lhe dará apoio na escola que irá abrir (ver “história de Laura e Edgar”).

E Albertinho, que ainda vive na boemia, mas vê a mãe pressionando-o cada vez rumo
a um casamento de interesse, fica enlouquecido pela chegada da nova Isabel. Quer por que quer
reconquistá-la, embora suas tentativas acabem resvalando para o patético. Isabel recebe as
investidas sem rancor, mas com desdém.

Dona Constância não mede esforços para tentar prejudicar Isabel, não vai se furtar a
exercer sua influência sobre o marido para que o teatro seja fechado, ela quer ver Isabel
voltando com o rabo entre as pernas para o morro onde pertence, ou para Paris, que seja. Na
medida em que Isabel ganha aliados na imprensa para seus projetos no teatro e a simpatia de
algumas feministas, isso se torna cada vez mais difícil.

Quem estranha esse comportamento é Laura. Conhece a mãe e compreende suas


idéias, mas não tanto esforço para prejudicar sua amiga. Sua suspeita de que há algo estranho
vai se solidificar aos poucos.

O trauma com a maternidade ronda a conversa das duas amigas. Isabel sempre diz
que se sente como se seu filho estivesse vivo. Ela chegou a lhe dar a primeira mamada, a
senti-lo forte em seus braços, não conseguiu acreditar quando lhe disseram que estava morto,
quando lhe mostraram o pequeno cadáver, teve certeza de que não era o mesmo bebê.
Laura, a princípio, acha que isso é um devaneio compreensível da amiga. Aos poucos,
porém, vai ter pequenos indícios de que Isabel possa ter razão. O primeiro acontece quando
Elizeu fica doente e Laura flagra uma conversa da mãe com Zenaide. A conversa é
entrecortada, pouco clara, mas o suficiente para Laura entender que dona Constância
sustenta o filho daquela moça. À primeira vista é tão somente um ato de caridade, mas Laura
descobre que a criança tem a idade que teria o filho de Isabel com Albertinho. Pouco depois,
outra descoberta: o garoto em questão se chama Elizeu, mesmo nome de um outro irmão
seu, o caçula de Constância, que morreu ainda bebê. Ao ser confrontada, dona Constância
posa de boa: “foram por essas coincidências que me apiedei desse menino”. Quando fala
dessa sua vaga suspeita a Isabel, porém, a amiga instintivamente quer ver para crer.

Laura e Isabel vão visitar a criança juntas, a desculpa de Laura é conhecer o


“afilhado” da mãe. Zenaide as recebe mal, mas sem poder rechaçar. Isabel se encanta com o
menino. E estranha sua situação, ao vê-lo menos bem cuidado que os irmãos. Isabel começa
a procurar por Elizeu sempre que pode, de preferência sem Zenaide por perto. Diante da
crescente proximidade, Olavo acaba deixando escapar que o irmão é adotado, que a mãe não
estava grávida quando o teve. Isabel investiga o passado de Zenaide. Vai a seu antigo bairro,
ninguém se lembra de ela ter engravidado do terceiro filho. Isabel checa datas, descobre seu
caderno de contas na venda ao lado de sua antiga casa, vê que Zenaide morava ali até pouco
antes da criança nascer. Vai às maternidades por perto, nenhum registro da entrada de
Zenaide. Há apenas o registro de Elizeu no cartório, pai desconhecido, a data do nascimento
é a mesma de seu filho “morto”. Diante da pressão de Isabel, que promete trazer todos os
seus vizinhos ali para provar que ela nunca esteve grávida, Zenaide acaba confessando que
Elizeu é de criação.

Isabel não tem mais dúvidas de que ele é seu filho, mesmo diante das negativas de
Zenaide. Entende tudo, confronta Constância, que lhe joga na cara: não há registro, não há
prova legal de que ele seja seu filho.

Mas Isabel agora é uma celebridade e tem a imprensa a seu favor, e nesta hora ganha
um improvável aliado, Albertinho, que ainda almeja reconquistá-la, mas também sente
emoção sincera ao conhecer o filho. Diante da pressão pública, do medo do escândalo, o
próprio dr. Assunção usará de sua influência nos cartórios para uma rápida resolução em que
Zenaide abdique da maternidade e Isabel possa adotar a criança.

A esta altura, Zé Maria voltou a se firmar. Encontrou seu caminho como professor
de capoeira, que perdeu aos poucos a conotação marginal, sendo inclusive defendida por
alguns intelectuais como “esporte nacional”. Graças a esse trabalho, recuperou o orgulho e
se reaproxima da antiga paixão. Aparentemente, o reencontro com seu filho e seu primeiro
e único amor garantiriam a felicidade plena a Isabel.

Mas Zé Maria, apesar de feliz por Isabel encontrar o filho, não gosta nada de ver que
isso dá a Albertinho, que fez questão de assumir a paternidade, uma chance de aproximação.
E agora, dona Constância sente sanhas de vingança, na mesma medida em que Isabel quer
justiça.

Laura e Edgar

Seis anos depois, encontramos Laura e Edgar divorciados. Durante todo esse tempo,
Edgar continuou morando na mesma casa, sozinho. Ele sustenta Catarina em outra casa e
visita Melissa com frequência, mas com discrição, em respeito à Laura. Graças a isso, D.
Constância conseguiu manter sob controle a imagem da família. Embora muitos saibam do
divórcio, ninguém tem coragem de contestá-la quando diz que a pobre filha padece de
tuberculose no interior. Só quem a contesta é a própria Laura.
De início Laura aceitou o exílio forçado pela mãe, até para se recuperar
emocionalmente. Todavia, longe dos olhos de Constância, logo recuperou sua força para
realizar seu sonho de trabalhar e se tornar independente. Morando com a avó no interior,
tornou-se professora numa escola local. Ao fim desses seis anos, porém, a avó morreu, e
deixou a Laura suas jóias. Já uma profissional independente, ela decide voltar ao Rio, e usar
a pequena herança para ampliar sua ambição profissional.

O retorno de Isabel e as cartas mutuamente encorajadoras também lhe dão mais


forças para enfrentar o Rio como mulher divorciada. Laura volta à cidade com o discreto
apoio do pai – que a protege à revelia de Constância. Aluga um quarto de pensão, consegue
um emprego de professora e passa a viver modestamente com recursos próprios, enquanto
estuda a melhor forma de investir a herança. A médio prazo, vai aceitar o convite de Isabel
para morar com ela em seu quarto de hóspedes, com mais conforto.

Edgar tem uma grande batalha na segunda fase: reconquistar a confiança de Laura e
provar seu amor. Batalha sempre atrapalhada por Catarina, que usa e abusa da filha como
pretexto para se aproximar de Edgar. Chamando-o, por exemplo, tarde da noite, dizendo que
Melissa está doente, fazendo-o pernoitar em sua casa, entre outras situações que acabam
chegando aos ouvidos de Laura.
A primeira reação de Constância ao saber do retorno de Laura à cidade é de horror,
em parte por ver a filha desobedecê-la, mas sobretudo por temer escândalo em torno do
divórcio. A notícia da volta de Laura se espalha, sua condição de divorciada idem, e as
pessoas não mais se privam de falar a respeito diante de Constância. Mas a esta altura
Assunção já está bem posicionado como Senador. Ele teve uma rápida ascensão política na
elipse, durante os governos de Rodrigues Alves e Afonso Pena. Nesta volta da novela,
contudo, foi rompida a hegemonia da política do café com leite graças à eleição de Hermes
da Fonseca, que teve o apoio de Pinheiro Machado, a quem Bonifácio se aliou no fim da
primeira fase. Em suma: Bonifácio e Assunção continuam em lados diferentes, e Bonifácio
volta a estar mais próximo do poder.

Como aos olhos de todos Assunção é um homem poderoso, as consequências do


disse-me-disse sobre a separação de Laura são menos graves do que Constância esperava e,
diante disso, ela busca se reconciliar com a filha e se une a dona Margarida com o intuito de
ver os filhos reunidos. Mas bolam planos e armadilhas que sempre dão o efeito contrário.
Constância fará Edgar crer que Laura tem um pretendente, achando que o ciúme o fará agir
com mais força, mas isso acaba por distanciar mais ainda o casal.

Edgar também enfrenta uma batalha na vida profissional. Durante a auditoria feita há
seis anos na fábrica Vieira, encontrou tantos problemas administrativos que a falência seria
inevitável. O seu irmão Fernando, na ansiedade de agradar ao pai, atropelou-se e atolou-se
em dívidas. A fábrica vivia mais de aparência do que de lucros, Edgar teve que arregaçar as
mangas para salvar o patrimônio da família. Paralelamente, porém, voltou a trabalhar como
jornalista, como havia feito em Portugal. Como faz diversas denúncias políticas, Edgar não
quer que o seu sobrenome o atrapalhe nas investigações nem que sua família saiba de sua
atividade paralela, portanto assina seus textos para o pequeno mas influente Notícia
Brasileira como Antonio Ferreira. Bonifácio é senador e não conta com a simpatia do editor
do jornal, Carlos Guerra, que conhece a verdadeira identidade de “Antonio”, mas guarda o
segredo.

A amizade entre Laura e Isabel se aprofunda ainda mais. Ambas lutam para manter
a independência e o respeito na sociedade carioca do início do século XX. Numa noite, vão
ao teatro que Isabel comprou, assistir a uma de suas produções. A peça é bem brasileira, e
Laura elogia a iniciativa da amiga. No dia seguinte, no entanto, lê no Notícia Brasileira, a
crítica negativa de Luiz Neto, célebre intelectual, membro da Academia Brasileira de Letras.
O crítico repudia a peça justamente por fugir aos moldes europeus, que seria a “grande arte”.
Laura, revoltada, escreve um artigo em resposta, defendendo a cultura brasileira. Numa
conversa com Isabel, fica sabendo que o editor do Notícia Brasileira se revelou um tanto
machista em diversas ocasiões. Apesar de progressista em vários pontos, Guerra não acredita
que as mulheres estejam preparadas para competir com os homens em pé de igualdade no
mercado de trabalho.

Assim, Laura envia o texto para o jornal, mas assina como Paulo da Silva Carioca,
uma homenagem a um dos seus jornalistas prediletos, o João do Rio (Paulo Barreto). Nesse
caso, Laura usa o preconceito a seu favor: antes de tudo, quer o seu texto seja lido. Depois,
se for o caso, revelará a sua identidade, como fez a célebre George Sand no século anterior.
Usou o preconceito masculino contra ele mesmo. Primeiro conquistou o seu espaço,
assinando seus livros com pseudônimo masculino, e, depois da revelação de que era mulher,
a sociedade não teve alternativa a não ser aceitá-la. Cabe lembrar que, nesta época, já era
comum haver jornalistas mulheres, mas sua atuação era praticamente restrita às revistas de
temática feminina, sua atuação na grande imprensa era raríssima e, em geral, feita com
pseudônimo.

O texto de Laura agrada a Carlos Guerra, que o publica, iniciando uma polêmica com
o intelectual Luiz Neto e toda a elite brasileira que ainda cultuava preceitos parnasianos e
ideais importados da Europa. Guerra incentiva Paulo da Silva Carioca, a nossa Laura, a
escrever mais textos para publicá-los. Inicia-se um debate por meio da imprensa. A cultura
popular versus a influência européia. Quem também gosta dos textos de Paulo Carioca, como
começa a ser chamado o novo jornalista, é Edgar, que compartilha da ideia de valorizar a
cultura popular brasileira.

Os textos para o jornal, contudo, são apenas uma atividade paralela. Insatisfeita com
o ensino na escola onde trabalha, Laura logo decide abrir sua própria escola, com as jóias
que lhe foram deixadas pela avó. Isabel entra como sócia, o que torna o sonho possível. O
que Laura só saberá bem mais adiante é que Isabel recorreu a Edgar sem que ela saiba: ele é
o proprietário da casa onde funcionará o colégio. Laura só saberá disso no futuro, quando
necessário para a reconciliação do casal.

Laura inaugura a escola, ainda pequena, mas que tem uma concepção de educação
diferenciada. Meninos e meninas estudam juntos, recebem o mesmo tratamento e
aprendizagem. A disciplina se faz a partir do diálogo, não da repressão. Laura sabe que a sua
condição de mulher separada é difícil, mas não esperava tamanha discriminação à sua escola.
Não só não há matrículas de alunos, como mães e pais organizam uma manifestação em
frente à escola, exigindo que seja fechada. Uma mulher separada, independente, não pode
ser bom exemplo para as crianças, dizem os cartazes, esbravejam os pais. Edgar,
inconformado com o preconceito que Laura sofre, procura ajudá-la, agora publicamente. Faz
a primeira matrícula da escola, de sua filha Melissa. Reúne amigos intelectuais e explica a
proposta inovadora de ensino de Laura. Alguns matriculam os seus filhos. Isabel faz o
mesmo com os amigos artistas. Assim Laura consegue número suficiente para abrir uma
turma. Apesar de receosa, reconhece a ajuda de Edgar. Receberá Melissa com apreensão,
mas compreenderá as dificuldades da menina, o que a fará entender parte do extremo cuidado
e dedicação que Edgar tem com ela, o que a fará aos poucos baixar a guarda com ele. Melissa
tem a saúde frágil, é extremamente inteligente, mas sofre também de extrema timidez. É uma
menina especial. E Laura irá ajudá-la bastante. Catarina, ao contrário, aceitará a filha na
escola de Laura por pressão de Edgar, mas não gostará do laço de afeto que irá iniciar entre
as duas. Temerá perder a filha e também Edgar, já que Melissa é o único vínculo entre eles.

Enquanto isso, as matérias de Paulo Carioca ganham o gosto popular. São


comentadas nos bares e confeitarias, gerando curiosidade sobre esse excelente jornalista que
ninguém conhece. O próprio Edgar, cujo nome profissional de Antonio Ferreira também já
é bastante conhecido, já tentou conhecê-lo várias vezes, sem êxito. O mais recente artigo de
Paulo Carioca, especialmente, chama a sua atenção. Paulo Carioca denuncia que, sem
policiamento, o Morro da Providência está se tornando perigoso e violento, suscetível a
bandidos. Na verdade, Laura chegou a essas pessoas através de Isabel. Ela sobe o morro e
entrevista Zé Maria, Berenice, seu Afonso, etc. A partir daí, Laura aceitará bolsistas em sua
escola, alunos levados por Zé Maria. Elizeu e Melissa se tornarão melhores amigos, terão
um namorico de criança.

A reportagem chama atenção de Edgar, desperta tanto admiração quanto


competitividade. Logo, como “Antônio”, ele tem sua vez de despertar o mesmo em “Paulo
Carioca”.

Constância e Carlota estão decididas a dar um basta no carnaval carioca, que


consideram arruaça de marginais. Elegem como vítima preferencial um cordão carnavalesco
– espécie de precursor das atuais escolas de samba - que vai fazer seu desfile na rua do
Ouvidor. Para horror delas e de alguns comerciantes locais, a rua mais chique da cidade será
invadida por negros e pobres. Usando da influência de Assunção, elas insuflam uma grande
repressão policial ao desfile.
Sem saber da associação da ex-sogra a essa repressão, Edgar é pego de surpresa pela
chegada da polícia ao brincar com a filha no cordão, ele testemunha a prisão de diversos
foliões. Os comentários se dividem: uns dizem que eram marginais, arruaceiros, outros que
a prisão foi indevida. Edgar investiga o caso e descobre que os presos eram cidadãos comuns,
presos injustamente numa empreitada policial para “moralizar” a cidade. Os presos, na
maioria negros e pobres, são os frequentadores mais comuns dos cordões naquele lugar da
cidade.

Edgar consegue entrar na cadeia e conversar com um deles, o que resulta numa
matéria polêmica e denunciadora da ação abusiva da polícia. A ponte para isso é Zé Maria.
A princípio ele desconfia daquele moço fino tão interessado na vida das pessoas do morro,
que se diz contra a polícia. Depois, vão se tornar parceiros.

A repercussão da matéria causa verdadeiro rebuliço e revolta popular. É carnaval, e


os ânimos ficam exaltados. A polícia mantém a sua ação violenta pelas ruas do Rio, com a
intenção de passar a mensagem de que a revolta não tem uma causa justa, é pura ação de
arruaceiros.

Bonifácio chama as manifestações populares de vandalismo, defendendo a ação da


polícia. Essa postura causa discussões com Edgar, sempre apaziguadas por D. Margarida.
Enquanto isso, Laura acompanha tudo pelos jornais, com admiração pelo jornalista Antonio
Ferreira, sem saber que se trata de Edgar. Do mesmo modo, ele lê os artigos de Paulo
Carioca, sem saber que se trata da Laura. O destino irá, mais adiante, colocar um diante do
outro, revelando a identidade de cada um, escondida sob pseudônimo.

Após a revelação dos verdadeiros nomes atrás dos pseudônimos, a admiração mútua
entre Laura e Edgar vai aos poucos trazendo à tona antigos sentimentos. Ao mesmo tempo,
não demora a Edgar, em suas investigações, chegar ao nome de seu pai, como ele temia.
Atordoado, pede a Laura que o ajude nas investigações. Ele quer tirar a limpo todas as
suspeitas de participação de Bonifácio em atividades ilícitas e regalias irregulares. No fundo,
quer acreditar que seu pai não é um político corrupto. Esse conflito acompanhará Edgar até
o fim da novela, sempre com a ajuda de Laura. E de Zé Maria, que desde o início guarda
informações que ligam Bonifácio a Caniço no episódio da Revolta da Vacina.

A colaboração mútua entre Laura e Edgar os aproximará cada vez mais. Laura tentará
levar para o lado da amizade, pois tem a necessidade de se certificar de que Edgar realmente
não tem mais nada com Catarina. Laura fica sempre na dúvida, por mais que o público veja
que o amor dele por ela é sincero, e são as artimanhas de Catarina que os separam.

Mesmo assim, Laura não abre mão de uma coisa: a amizade de Edgar. Descobre nele
um verdadeiro companheiro, assim como ele descobre nela uma grande parceira. Claro que
a essa altura já estarão novamente apaixonados, mas confusos e inseguros em relação ao
sentimento do outro. Além de revelada a manipulação de Catarina – que, em Lisboa, impediu
que as cartas de Laura falando de sua gravidez chegassem às mãos de Edgar - o impasse
romântico poderá chegar ao fim com o incentivo de Edgar para Laura assumir publicamente
a sua verdadeira identidade. Ele não vai medir esforços para Laura ser reconhecida como
uma das mulheres pioneiras do jornalismo brasileiro, ajudando a ampliar a participação
feminina na imprensa além das revistas de moda e receitas. Só a confiança reconquistada e
a descoberta das arapucas de Catarina poderiam desarmar totalmente Laura e unir novamente
o casal.

TRAMAS CONVERGENTES

Tupy ou not tupy – That’s the question

O teatro Alheira se consagrou no Rio de Janeiro com comédias. Isabel, quando


começou a trabalhar com o grupo, como camareira, logo entrou em sintonia com a trupe.
Recebeu o apoio de todos, mas principalmente, dos atores, que sempre a faziam rir, dentro e
fora de cena, fazendo-a esquecer por alguns momentos o seu drama pessoal.

A boa impressão do teatro ficou em Isabel, tanto que ao retornar para o Brasil, pensou
logo em investir seu dinheiro na Companhia. O diretor, Mario Cavalcanti, não podia estar
mais necessitado de um patrocinador. Apesar do renome do grupo, as dívidas eram maiores
do que o lucro, sempre incerto. Quando Isabel chegou com a sua proposta ele estava a ponto
de vender a própria casa.

Isabel, porém, traz novos ares ao grupo. Ela quer investir na cultura brasileira. No
grupo, o entusiasmo com a chegada de Isabel é geral, apesar de circular, a boca pequena,
alguns temores. Será que ela vai querer mandar em tudo? Até onde ela pode determinar as
coisas? Cavalcanti tenta acalmar os ânimos, principalmente da sua atriz principal, Diva
Celeste.
Diva é famosa atriz cômica, que vem de uma conhecida família de grandes atores
dramáticos. Por circunstâncias da vida, mas principalmente por ter se apaixonado por
Cavalcanti, Diva seguiu pela linha cômica, ao contrário de sua origem. A linhagem
dramática, no entanto, um dia ia cobrar a sua conta, e o resultado é que, aos 40 anos, Diva
entrou em crise artística. Como seus pais e seus avós, quer ser reconhecida como uma grande
atriz dramática. Mas não há espaço para o drama no Alheira. Ela estava a ponto de convencer
Cavalcanti a montar um drama de Shakespeare quando Isabel apresentou a sua proposta.
Shakespeare, claro, foi para o ralo abaixo, para desespero de Diva. Mesmo na comédia, ela
fará poucas e boas para mostrar seu talento dramático, o que causará confusão entre os atores
e o diretor.

A crise de Diva afetará também o seu companheiro de cena, o galã da companhia,


Frederico Martins. Frederico é egocêntrico, como Diva, mas se orgulhava de sua carreira na
Comédia até sentir seu estrelato ser ameaçado pela crise da nossa estrela. Os dois entrarão
em hilárias disputas egocêntricas, em cena e fora dela, enlouquecendo Cavalcanti.

A rixa entre os astros alcançará Neusinha, a atriz mais jovem da companhia e


deslumbrada com a vida de artista. Neusinha sofrerá duros golpes em sua vaidade e
confiança como atriz, mas aos poucos vai revelando ter maiores ambições. Neusinha não é
propriamente uma vilã, mas quer ser a estrela da companhia e, depois de se sentir humilhada,
não vai hesitar em usar de pequenas artimanhas na tentativa de puxar o tapete de Diva.

Ironicamente, o ponto fraco de Neusinha será o filho de Diva, o jovem Luciano, o


mocinho da companhia, que também é pau para toda obra, executando diversos papéis,
principalmente aqueles pequenos, que tem apenas uma entrada em cena. Apesar da aparente
versatilidade, há um problema: Luciano é péssimo ator. Na verdade, de doer. E ele próprio
é o primeiro a dizer isso. Segue na companhia e na carreira teatral para agradar a mãe, a
quem idolatra e admira imensamente, como atriz e também por tê-lo criado praticamente
sozinha, apesar do apoio sempre presente de Cavalcanti e de Frederico Martins, que,
secretamente, acreditam cada um, ser o pai do rapaz.

Neusinha e Luciano irão namorar e ajudar um ao outro a sobreviver em meio às


loucuras da companhia de teatro. Isabel simpatizará com o jovem casal e será uma boa amiga
e conselheira. Ajudará Luciano a seguir o seu sonho: ter uma vida fora do teatro. Ao contrário
de toda a família, Luciano não quer brilhar no palco, mas ter um emprego comum, de
funcionário público se possível, com salário garantido por toda a vida, os finais de semana
livres, e voltar para casa no final do dia após o trabalho. O que ele chama de “uma vida
normal”.

O triângulo amoroso da Companhia, nos bastidores, é formado por Diva, Cavalcanti


e Frederico. Os três se adoram e toleram com humor e paciência os defeitos e chiliques um
do outro, mas, com as dificuldades financeiras, as crises de vaidade constantes, antigas rixas
começam a vir à tona. No passado, já tinham participado de uma mesma companhia, e Diva
teve breves romances com ambos, o que acabou gerando um rompimento total. Quando se
reencontram, Diva apareceu acompanhada de um filho. Por mais que Cavalcanti e Frederico
insistam, ela nega que um dos dois possa ser o pai. Cavalcanti e Frederico, entretanto, vêem
Luciano crescer com a certeza de que estão diante de seu filho. E assim nasce uma bela
amizade entre eles, até que, cedo ou tarde, o assunto voltará à tona, e Diva terá que esclarecer
a paternidade de Luciano, além de escolher entre seus dois grandes amigos e amores, que
permanecem apaixonados por ela.

Na subida do morro

Após sua participação na Revolta da Chibata e consequente expulsão da Marinha, Zé


Maria vai tentar reconstruir sua vida no Morro da Providência, onde viverá uma história de
ação, paralelamente à história de amor com Isabel.

A favela que vai encontrar na virada de 1910 para 1911 já será bem maior que aquela
que viu nascer na primeira fase. Zé será bem recebido por Afonso, que vai ajudá-lo a
reconquistar o emprego na barbearia.

Em princípio, a favela que Zé Maria encontra é um lugar calmo. Seu Afonso continua
a cantar suas modinhas na hora de folga, em muitas delas tenta sublimar sua relação
conflituosa com a filha, cuja vida de artista em Paris ele nunca aceitou. Ele se dá bem com
dona Jurema, lavadeira de origem baiana, ligada ao candomblé, que gosta de cozinhar.
Através de dona Jurema, seu Afonso vai ser apresentado ao samba de roda baiano, vai juntar
sua viola à batida deles, e assim trazemos à novela, a título de ambientação pitoresca, o
nascimento do samba e da identidade nacional.

O morro também terá um núcleo infanto-juvenil. Olavo, “irmão” mais velho de


Elizeu, será líder de um pequeno grupo de adolescentes que vai começar a descobrir a vida
e que terá Zé Maria como ídolo, em parte pela propaganda que Seu Afonso faz dele. Apesar
de acompanhar o complicado relacionamento amoroso dele com Isabel, Seu Afonso o
defende como herói da Revolta da Chibata. Zé Maria ganha a admiração de todos.

Mas logo Zé Maria vai descobrir que nem tudo é paz. No tempo em que estava fora,
Caniço se transformou em líder de um grupo de capoeiras, que usa a luta para atividades
criminosas – que vão desde furtos até participações em tumultos políticos mediante
pagamento, como visto na primeira fase. Caniço recebe Zé Maria bem, até perceber que ele
se recusa a ser mais um de seus seguidores. Caniço se sentirá duplamente ameaçado: sabe
que Zé Maria é melhor lutador e também que sua atual mulher, Berenice, foi apaixonada e
amasiada com ele.

Caniço não hesitará em prejudicar Zé Maria. Vai começar espalhando rumores sobre
sua participação na Revolta da Chibata: de que ele foi não um herói, mas um assassino frio,
que matou diversas pessoas no navio. Zé Maria, mais que nunca, passa a ser Zé Navalha.

Zé Navalha, por sua vez, está preocupado em ver que Caniço, ao apoiar o crime e se
vender para políticos, dissemina a imagem da capoeira como uma ameaça à ordem pública,
estimulando preconceitos. Zé se aproxima de Olavo e seus amigos porque quer que eles
conheçam a tradição do jogo, seus significados, e acaba transformando-se em professor. Não
só num professor de capoeira, mas num líder que vai estimular os jovens a frequentar a escola
de Laura e a se aprofundar nos estudos e lutar por um futuro melhor.

Estes jovens também vão se meter em aventuras por conta própria. Com eles vamos
explorar um dos grandes mitos do Rio de Janeiro da virada do século, o do tesouro dos
jesuítas escondido nas galerias subterrâneas do Morro do Castelo, história explorada na
literatura tanto por Machado de Assis quanto Lima Barreto. Em 1911, a lenda vive novo
momento com a visita quando, em reportagem de grande repercussão, um repórter da revista
“Ilustração brasileira” descerá às cisternas do convento em busca do tesouro. Inspirados na
ficção pela reportagem real, Douglas e companheiros farão uma caça ao tesouro particular.

Paralelamente, Zé Maria vai tentar desarticular o grupo de Caniço, e colaborar com


Edgar na exposição dos desmandos políticos de Bonifácio. Sentindo-se ameaçado diante
dele, Caniço não vai medir esforços para tirá-lo do caminho. Para isso, vai aproveitar-se da
má fama que ele mesmo construiu para Zé Navalha, e plantar provas que levem todos a crer
que ele é um assassino. No terceiro ato da novela, Zé vai precisar desvendar o crime para
provar sua inocência diante da comunidade e, sobretudo, de Isabel.
A belle époque é uma festa

Nos salões da Confeitaria Cabral, uma majestosa réplica de similares franceses que
tanto orgulha a elite carioca, a reputação de Isabel e Laura será debatida em detalhes, entre
defensores e detratores dessas mulheres independentes. É lá ainda que o coro grego vai
comentar os acontecimentos históricos que permeiam nossa narrativa. Mas é lá, sobretudo,
que reina Albertinho Assunção.

Típico de uma primeira leva de almofadinhas que dariam no playboy carioca de hoje,
ele se ocupa do esporte da conquista e do bem vestir, mas também acende debates acalorados
às suas costas, nem tanto por desenvolver o hábito do flerte com mulheres casadas, mas por
sua mais nova paixão: o futebol. O esporte britânico, recém-introduzido no país, ainda
restrito a jovens brancos de classe alta, é visto por muitos como uma prática abjeta que só
desencaminhará nossa juventude.

Logo ali perto, no Bar Silva, frequentado basicamente por homens, o escritor e jornalista
Luiz Neto é dessa opinião, no que é contestado por Jonas, um jovem tipógrafo que ainda
sonha em ser jornalista. Jonas sempre quer a opinião do editor Carlos Guerra, seu ídolo.
Guerra, um jornalista apaixonado que toca seu próprio jornal aos trancos e barrancos e
sempre sob risco de ser fechado por falta de dinheiro, é o grande inimigo político de
Bonifácio. Se tivesse algum juízo, ele ficaria ali, no Bar Silva, mas ele instiga os outros a ir
à Confeitaria Cabral. Diz, esnobe, que é importante ver como se comportam os bárbaros da
classe alta, mas na verdade, ele tem um outro motivo: d. Carminha.

Uma paixão proibida de meia idade e um tanto insólita, com tons cômicos. Carminha,
irmã mais nova de Constância e Carlota, vive dominada pelas outras irmãs e já é considerada
encalhada para os termos da época. Se nunca se casou foi menos por falta de atrativos físicos
que pela absoluta falta de prendas. Atrapalhada, d. Carminha é inepta ao piano, à leitura, à
dança, e a tudo mais que é de bom tom para brilhar em sociedade. Mas entre idas e vindas
na Confeitaria, Guerra se encanta por aquela jovem senhora desajeitada e sorridente que
sempre quebra alguma coisa. Começa a nascer um flerte entre os dois. Para desespero de
Jonas, sempre preocupado com as finanças.

Sempre que o patrão o obriga a ir com ele à confeitaria, Jonas pede apenas um café,
e se desespera ao ver que Guerra vai somando dívidas dantescas no lugar. Jonas, porém, logo
vai arrumar uma ocupação para si na confeitaria com a chegada de uma nova atendente,
Maria, jovem simples cuja beleza logo desperta a atenção de todos, deixando Jonas na
desconfortável situação de disputar as atenções de uma mulher com o próprio Albertinho,
que é seu rival antigo por conta do futebol. Na primeira fase, Jonas foi impedido de participar
do time de futebol de Albertinho e Fernando, por ser mulato e de classe social baixa, numa
época em que o esporte britânico era introduzido no Brasil e ainda era restrito à elite. Nesta
segunda fase, através de Jonas, mostraremos o início da democratização do esporte.

Uma vez que o flerte entre Carminha e Guerra for descoberto pelas irmãs mais velhas,
será enfrentado com firme oposição. Até que, ao descobrir a vida dupla da filha no
jornalismo, Constância alimentará a aproximação. Quer usar Carminha para obter
informações e destruir o jornal de Guerra, mas o feitiço acabará virando contra o feiticeiro.

PERSONAGENS

(As idades dos personagens são aproximadas, lembramos que há uma passagem de seis anos
na novela)

Constância Assunção (45/51 anos) Orgulha-se do sangue azul e lamenta que, com a
República, não possa mais usar o título de baronesa da Boa Vista e sua família esteja em
franca decadência financeira, apesar de manter as aparências e ter prestígio na alta sociedade.
Constância vê o ingresso do marido na carreira política como a chance de dar a volta por
cima e, para isso, não hesita em pressionar a filha Laura a entrar num casamento de que não
está segura. Constância de fato ama os dois filhos, mas é controladora e não entende que
Laura não dê tanto valor à riqueza e ao prestígio social. É a grande vilã da novela, mas tudo
que faz, inclusive contra Isabel, é acreditando ser pelo bem de sua família. Ela se dá bem
com o marido, que a obedece cegamente, mas, ainda jovem e bonita, não deixa de ser
cortejada nos salões. No segundo ato da novela, terá um amante mais jovem, Umberto, e
será chantageada por isso, numa trama de suspense que terá uma reviravolta surpresa.

Laura Assunção (24/30 anos). Diferente em tudo da mãe, Laura sempre teve gosto pelos
livros e pelas artes e, apesar de bonita e vaidosa, não é dada a futilidades. Não é uma heroína
romântica típica de novela de época, é uma mulher corajosa que irá se divorciar em 1904
(apenas 14 anos depois de o divórcio a mensa et thoro – que permitia a separação dos bens
e do leito conjugal, mas não outro matrimônio - ser aprovado no país, para ser novamente
proibido dali a outros 30 anos). De espírito independente por natureza, ela quer trabalhar e
ser mais que um bibelô para ser exibido pelo marido em salões. Constância achou natural
Laura formar-se professora, o curso era um bom passatempo enquanto seu noivo, Edgar,
estudava em Portugal. Laura, porém, quer seguir a profissão, sem abandonar sua outra
grande aspiração: escrever. Mas isso não significa que ela não seja uma heroína romântica -
seu amor por Edgar será tortuoso mas profundo. Como a espectadora contemporânea, seu
grande objetivo é conseguir conciliar a feminilidade com a liberdade, o amor com a
independência.

Edgar Vieira (25/31 anos). Jovem de família abastada e filho de um poderoso industrial e
senador da República, Edgar luta para manter sua individualidade diante da pressão da
família. O pai já lhe traçou o destino: mandou-o a Portugal para formar-se em Direito, mais
pelo prestígio do diploma, pois o quer mesmo comandando os negócios da família. A
verdadeira paixão de Edgar, contudo, é o jornalismo. À frente de seu tempo, ele está
preocupado com as injustiças sociais que se formam na jovem república que sente os efeitos
recentes da escravidão. Edgar teve um breve mas intenso romance em Portugal com
Catarina, uma atriz de teatro que engravidou dele e continua investindo em reconquistá-lo.
Por amor à filha, ele não se desliga de todo da vilã, mas sua grande paixão é mesmo Laura.
É um herói apolíneo, nobre, justo, mas com senso de humor.

Isabel Nascimento (25/31 anos). Criada com zelo pelo Seu Afonso, Isabel cresceu sob os
princípios transmitidos pelo pai, o de humildade, trabalho honesto, vida simples e digna.
Acreditando nisso, sonha construir uma família com Zé Maria. Entretanto, o ideal romântico,
típico do perfil de uma mocinha, logo será testado diante das dificuldades e preconceitos que
encontrará pelo caminho. As decepções a levam a enfrentar a vida com uma coragem e
firmeza que surpreenderá a todos, algumas vezes, até a ela própria. Mas Isabel tem dentro
de si a certeza de que apenas luta pela sua liberdade e independência, de forma digna e
honesta, como sempre ensinou o seu pai, embora de um modo avançado e moderno demais
para o entendimento de seu Afonso. O seu amor por Zé Maria também passará por duras
provas, principalmente porque Isabel, após a passagem de seis anos, se torna uma mulher
rica e muito independente. Independência que assustará Zé Maria, apesar de ela continuar a
amá-lo. Como acontece com Laura, e também com a mulher de hoje, Isabel fará de tudo para
preservar a sua liberdade conquistada, sem desistir de ser feliz no amor.

Zé Maria dos Santos (27/33 anos) De origem simples, Zé Maria trabalha numa barbearia
ao lado de Seu Afonso, pai de Isabel. É tão hábil no corte e na feitura da barba e cabelo que
ganhou por isso o apelido Zé Navalha. Mas o apelido é adotado pelos capoeiristas, como se
Zé Maria fosse, pela capoeira e por sua destreza física, dado à violência e à contravenção.
Justiceiro, ele lutará para, apesar das adversidades e das calúnias promovidas por Caniço,
seguir o caminho do bem. Mas o seu ponto fraco não são os problemas com Caniço e a
polícia, mas Isabel. Apesar de amá-la, Zé Maria sofre por não confiar mais nela, após o mal-
entendido que os separou. Além disso, ele não consegue lidar com a sua independência e
autonomia, após seu retorno da França. Zé Maria terá que enfrentar os próprios princípios
para o seu caminho e o de Isabel se cruzarem novamente.

Seu Afonso Nascimento (55/61 anos) Pai de Isabel. É trabalhador, bom pai e boa gente, mas
enraizado a valores antigos, incompatíveis com os rumos da vida de sua filha Isabel.
Amolecerá quando souber da existência do neto Elizeu, e ajudará a filha a reunir a família,
incluindo trazer de volta o querido e orgulhoso Zé Maria. Barbeiro, tem como hobby tocar
modinhas e vai misturar seu violão ao batuque, numa homenagem aos criadores do samba.

Caniço (23/29 anos) é exímio capoerista, mas, ainda assim, inveja a habilidade de Zé Maria.
De má índole, considera normal que os golpes de capoeira evoluam para brigas de rua,
pequenos assaltos e outros meios de contravenção. Será um dos responsáveis na difamação
da capoeira, sempre se utilizando dela para fins marginais, entrando, nesse ponto, em
confronto direto com Zé Maria, que procurará passar a imagem que capoeira e violência não
combinam. De antigos amigos, Caniço e Zé Maria se tornarão inimigos declarados, mas,
enquanto Zé Maria tenta seguir seu próprio caminho, Caniço, vingativo, se dedicará a
prejudicá-lo a todo custo.

Berenice (23/29 anos) Moradora do cortiço, e, depois, do Morro da Providência. Inveja


Isabel em tudo, mas principalmente pelo namorado. Berenice nem sabe se quer Zé Maria
para ferir Isabel, ou porque é apaixonada por ele. Conseguirá conquistá-lo, apesar de saber
que não é realmente amada. Ainda assim, o aceita como for, e fará tudo para mantê-lo ao seu
lado.

Zenaide (40/46 anos) de origem simples, mãe de Vilmar e Olavo, aceita a proposta de
Constância de criar Elizeu a troco de uma mesada. Acaba, no entanto, achando que é pouco
para o trabalho que o menino lhe dá. Desconta em Elizeu suas frustrações, não lhe poupando
cascudos e privações.
Mlle. Dorleac (30 anos) Dançarina francesa que passará temporada no Rio de Janeiro. Se
encantará com Isabel e a levará para a França. Torna-se sua amiga e empresária, e a ajuda a
se tornar uma estrela. Participação especial.

Elizeu (6 anos, na segunda fase) é o filho de Isabel. Menino bom e alegre, sofre com os maus
tratos de Zenaide. Não entende porque é tão maltratado, enquanto seus irmãos têm do bom
e do melhor. A princípio, Elizeu achará que sempre fez alguma coisa errada, para irritar
Zenaide, mas aos poucos perceberá que há algo errado em sua família. Será amigo de
Melissa, ao estudar na escola de Laura. Juntos formarão um casal mirim, amigos, com
tempero de namoradinhos, com bastante inocência e graça.

Jurema (44/50 anos) Moradora do cortiço, e depois do Morro da Providência. Amiga e


conselheira de Isabel. Uma espécie de segunda mãe. Lavadeira de origem baiana, ligada ao
candomblé, adora cozinhar e reunir os amigos para uma boa prosa, boa mesa e boa música.

Isidoro (50/56 anos) Amigo e confidente de Seu Afonso.

Mme Bensançon (60 anos) Patroa de Isabel, francesa. Vai apoiar a criada e ensinar francês
a ela, mas, por moralismo, vai expulsá-la ao descobrir sua gravidez pecaminosa. Participação
especial na primeira fase.

Albertinho (Alberto Assunção Filho, 25/31 anos) Irmão de Laura, é um playboy inveterado,
janota, sedutor, mas covarde. Vai se apaixonar por Isabel, mas sem ter a coragem de assumir
o relacionamento. Vai vagar pelos salões seduzindo mulheres casadas e jovens de classe
baixa. Sua verdadeira paixão será o futebol, esporte britânico recém-introduzido no país,
então restrito aos jovens de classes altas e muito criticado.

Bonifácio Vieira (55/61 anos) Senador da República, o pai de Edgar é um industrial


poderoso e também um político corrupto e inescrupuloso, que não hesita em usar de sua
influência no Senado para beneficiar seus negócios pessoais. No início da primeira fase, ele
apoia as reformas urbanas de Pereira Passos, seu aliado. Mas quando a imprensa descobrir
que Bonifácio usou de artimanhas para conseguir a concessão de uma linha de bondes para
si, o prefeito irá retirar a concessão. O Senador irá passar para um grupo político opositor e
ajudar a insuflar o levante popular da Revolta da Vacina, associando-se a bandidos como
Caniço. Na segunda fase, diante de nova configuração política, Bonifácio volta a ser um
Senador da situação. Além de viver em conflito com o idealismo de Edgar, Bonifácio tem
como calcanhar de Aquiles um intenso desejo por Constância.

Fernando Vieira (22/28 anos) Fernando é o filho obediente de Bonifácio que percebe que
Edgar, o irmão rebelde, é o preferido do pai. Invejoso e incompetente, quase arruina os
negócios da família enquanto Edgar está no exterior. É companheiro inseparável de
Albertinho, mas sem ter o mesmo talento com as mulheres. A inveja que Fernando sente de
Edgar o leva para caminhos da vilania, sobretudo quando se fascina por Catarina, mais por
inveja do irmão que por amor romântico, e é usado por ela para prejudicar o irmão.

Dr. Assunção (Alberto Assunção, 55/61 anos) Marido de Constância, é um bom homem
que ama a esposa e os dois filhos, mas, fraco, obedece em tudo à mulher. Trilha carreira
política mais para satisfazer as ambições delas que as próprias. Até o momento de sua grande
reviravolta, que surpreenderá todos, sobretudo a esposa.

Dona Carlota Passos (48/54 anos) Viúva amarga e peçonhenta, é irmã mais velha de
Constância, com quem tem relação dúbia. Inveja a outra por sua beleza e traquejo social,
mas ao mesmo tempo, é sua grande cúmplice.

Alice Passos (18/24 anos) Filha de Carlota. Amiga da prima Laura, mas diferentemente
desta, obedece à mãe em tudo. Será cortejada por jovens, mas nunca terá coragem de fazer
nada sem a aprovação de D. Carlota, que controla totalmente a filha. Na primeira fase, Alice
vai se interessar por Jonas, um jovem mestiço de classe social baixa, logo Carlota vai destruir
esse relacionamento, pois tem em vista casar Alice com Umberto, jovem de boa família. Este
relacionamento, porém, logo será também condenado, ao se descobrir o envolvimento de
Umberto com o teatro. Alice chegará à segunda fase ainda vitimada pela opressão da mãe,
crendo que seu destino é se tornar uma solteirona, até que, com a ajuda de Laura, consiga
descobrir sua individualidade.

Dona Carminha (Carmen Bragança, 40/46 anos) Irmã mais jovem de Constância e Carlota,
nunca se casou e é desprezada pelas outras por ser uma solteirona. Dona Carminha não é
desprovida de atributos físicos, mas nunca foi pedida em casamento por ser terrivelmente
atrapalhada. Personagem cômico, leve, charmoso. Vai ser envolver com Guerra na segunda
fase.

Dona Margarida Vieira (50/56 anos) Mãe de Edgar e Fernando, casada com Bonifácio, é
inocente das maldades do marido. Boa mãe, boa esposa, cercada de virtudes, acaba se unindo
a Constância e atrapalhando a vida de Edgar sem perceber, cheia de boas intenções.

Catarina Ribeiro (27/33 anos) Atriz radicada em Portugal, onde teve relativo sucesso. De
péssimo caráter, teve um relacionamento intenso com Edgar no passado, terminou com ele,
mas descobriu-se grávida. Vai usar a filha para vir ao Brasil e encontrar seu conforto graças
ao sustento de Edgar. Mas só ela sabe se a pequena Melissa é de fato filha de Edgar. Embora
não seja aliada de Constância, Catarina vai ser a outra grande vilã da novela. Além de fazer
de tudo para atrapalhar a reconciliação de Laura com Edgar, na segunda fase, Catarina vai
tentar voltar aos palcos e se imiscuir no Alheira, virando rival profissional de Isabel.

Melissa Vieira (6 anos, na segunda fase) A pequena filha de Edgar. Recebe amor do pai,
mas é rejeitada pelo avô, por ser bastarda. Sofre com o preconceito e com a saúde frágil. Vai
encontrar consolo na amizade com Elizeu.

Demais personagens:

Olavo, (10 anos, na segunda fase) Irmão mais velho de Elizeu, seu grande camarada. Olavo
não lembra da mãe grávida de Elizeu, e a questionará sobre isso.

Isidoro (50/56 anos) Amigo e confidente de Seu Afonso.

Vilmar (8 anos, na segunda fase) Irmão do meio de Elizeu, age com ele de forma não muito
diferente da mãe. Tem ciúmes da amizade entre Elizeu e Olavo, o irmão mais velho. Tenta
chamar a atenção de Olavo, muitas vezes implicando com Elizeu, mas acaba sempre se
dando mal. Olavo sempre o repreende em prol do irmão caçula.

Carlos Guerra (40/46 anos) Dono do Notícia Brasileira, um pequeno jornal combativo que
vive endividado, Guerra é amigo e grande incentivador de Edgar no jornalismo. A amizade
se tornará conflituosa quando começarem a aparecer as ligações de Bonifácio com a
corrupção, e Guerra pressionará o amigo a denunciar o próprio pai. Boêmio inveterado,
Guerra terá um romance de ares cômicos com dona Carminha.
Luiz Neto (50/56 anos), célebre intelectual, membro da Academia Brasileira de Letras, é
companheiro de boemia de Guerra e escreve para seu jornal, mas, diferentemente do editor,
tem posições conservadoras sobre política, artes e comportamento social.

Jonas (18/24 anos) um jovem tipógrafo que sonha em ainda ser jornalista. Vive em torno de
Guerra, tenta trazer juízo ao chefe diante de suas crises financeiras. Mulato, vai ser impedido
de jogar futebol na primeira fase, quando o esporte britânico está chegando ao Brasil e ainda
é restrito à elite. O preconceito vai impedir também que seu namoro com Alice vá adiante.
Na segunda fase, vai se apaixonar pela bela Maria e disputá-la com o playboy Albertinho,
ao mesmo tempo que tem sua chance no futebol.

Maria (18/24 anos) Moça simples e honesta, ingênua, vai trabalhar na luxuosa Confeitaria
Cabral e impressiona a todos com sua beleza, o que lhe abre um mundo novo e perigoso.

Roberto (27/33 anos) Entra na segunda fase. Capoeira, é o grande companheiro de Zé Maria
tanto na Revolta da Chibata quanto na luta para transformar a capoeira em esporte e
desvinculá-la da marginalidade. Bom caráter, simpático.

Mario Cavalcanti (45/51 anos) Diretor do Teatro Alheira. Vive às voltas com dívidas da
companhia, sempre se esforçando para tornar um projeto rentável. Consequentemente, vive
às turras com seus atores, tentando trazer alguma razão a um ambiente distorcido por
vaidades. É tido por todos como irascível e mal-humorado, seu ponto fraco é a paixão por
sua principal atriz, Diva Celeste, com quem teve um caso no passado.

Diva Celeste (40/46 anos) Famosa atriz cômica, que vem de uma conhecida família de
grandes atores dramáticos. Por circunstâncias da vida, mas principalmente, por ter se
apaixonado por Cavalcanti, Diva seguiu pela linha cômica, ao contrário de sua origem.
Mesmo na comédia, ela fará poucas e boas para mostrar seu talento dramático, o que causará
confusão entre os atores e o diretor. Esconde um segredo do passado, dos tempos em que
manteve um triângulo amoroso com Cavalcanti e Frederico.

Frederico Martins (40/46 anos) Egocêntrico, como Diva, de quem foi amante no passado, se
orgulha de sua carreira na Comédia até sentir seu estrelato ser ameaçado pela crise da nossa
estrela. Os dois entrarão em hilárias disputas egocêntricas, em cena e fora dela,
enlouquecendo Cavalcanti.
Neuzinha (30/36 anos) vai entrar na companhia como camareira, substituindo Isabel. Em
princípio, apresenta-se como grande fã de Diva. Aos poucos, porém, vai mostrar suas garras
e não só vai se transformar em atriz da companhia com o nome Ana Duvivier, como vai se
esforçar para puxar o tapete de Diva e se tornar a principal estrela. Suas tentativas, contudo,
acabam resvalando para o cômico. Seu ponto fraco é a paixão por Luciano, filho de Diva.

Luciano (20 anos) Mocinho da companhia, que também é pau para toda obra, executando
diversos papéis, principalmente aqueles pequenos, que tem apenas uma entrada em cena.
Apesar da aparente versatilidade, há um problema: Luciano é péssimo ator. Cavalcanti e
Frederico Martins acreditam cada um ser o pai do rapaz, mas este é um segredo que Diva se
recusa a revelar. Entra na segunda fase.

Eliete (30 anos) Atriz do Alheira. Participação especial na primeira fase, logo será expulsa
da companhia por artimanhas de Neusinha, que rouba seu lugar.

Quequé (25/31 anos) É o contra-regra do teatro, que Diva considera a herança maldita do
antigo proprietário. Atrapalhado, desastrado, socialmente inepto, é um tipo de humor
popularesco. Além do teatro, vai circular no Bar Silva, sempre aprontando confusão por onde
passa.

Umberto (22/28 anos) É um jovem playboy da turma de Albertinho, joga futebol com eles e
estuda Direito. Vem de família rica. Aparentemente, um jovem de ouro da sociedade. Mas
sua grande paixão é o teatro. Acaba virando ator no Alheira, acreditando ingenuamente que
vai conseguir manter esse hobby sem ser descoberto pela sociedade num teatro popularesco.
Com as mulheres, seu caráter é duvidoso. Na segunda fase, vai ter um romance escondido
com Constância, a grande vilã da novela. Esse romance proibido, movido por desejo, vai dar
origem a uma trama de chantagem e mistério na segunda fase da novela.

Teodoro (22/28 anos) Outro jovem da turma de Albertinho, vai ter um romance conflituado
com Sandra, jovem professora, amiga de Laura, que esconde um segredo de seu pretendente.

Padre Olegário (57/63 anos) Padre antigo da igreja frequentada pela elite carioca. Embora
tente manter todos na linha, tem bom coração, compreende e perdoa com facilidade. Conhece
a virtude e os pecados de todos seus fiéis. Por isso, sente-se no direito de passar sermão a
qualquer hora e em qualquer lugar, criando as situações mais embaraçosas e
constrangedoras. Apesar do bom humor, o que lhe dá um toque cômico, sente-se realmente
uma autoridade divina, um representante de Deus, que deve ter sempre a palavra final.
Tereza (42/48 anos) é mulher do delegado Praxedes e mãe de Sandra. Trabalha na biblioteca
municipal, onde Laura dá aulas como voluntária. É feliz com o marido, mas guarda um
grande segredo dele, envolvendo a filha Sandra.

Sandra (24/30 anos) conheceu Laura no curso Normal, onde se tornaram grandes amigas,
para desgosto de Constância, que vê Sandra como uma má influencia para a filha. Sandra
compartilha com Laura o desejo de independência e liberdade, mas nem sempre consegue
lidar com as consequências de seus atos. Na história que se iniciará na segunda fase da
novela, Sandra engravida, trazendo grave problema para a sua família. O seu pai, o delegado
Praxedes, como todo bom conservador, nunca aceitaria que a filha fosse mãe solteira. Teresa,
ciente disso, intercede a favor da filha, criando uma verdadeira farsa. Ela esconde do marido
a gravidez da filha, viajando com Sandra para a casa de parentes distantes, e assumindo o
neto como se fosse o seu próprio filho com o marido. Esse segredo ronda a família e será
descoberto no desenrolar da novela.

Delegado Praxedes (45/51 anos) Vai se envolver em todas as confusões com a polícia que
permeiam a novela. Homem honesto, mas autoritário e muitas vezes equivocado em suas
avaliações. É casado com Tereza e pai de Sandra. Seu maior orgulho é o filho homem, sem
saber que a mulher lhe esconde um segredo sobre a criança.

Percival (30/36 anos) e Etelvina (30/36 anos) Ele lutou na Guerra de Canudos e voltou para
o Rio com a promessa, nunca comprida pelo governo, de ganhar uma casa. Acabou se
instalando no Morro da Providência, primeira favela carioca, então conhecida como Morro
da Favela. Homem do povo, simples, amigável. Etelvina é sua grande companheira. Têm
um casal de filhos pequenos que cresce na segunda fase da novela. São personagens leves,
populares, uma família estável e batalhadora que exerce certa liderança no morro, se dá bem
com todos os personagens da área e de fácil identificação com o espectador popular.

Luzia (34/40 anos) Empregada de Constância, aliada da patroa, sem escrúpulos.

Matilde (34 anos) Empregada de Laura na primeira fase. É posta na casa como espiã de
Constância, mas logo toma o lado de Laura e se torna fiel a ela.
Apêndice 4 – Quadro da Equipe

LADO A LADO

Duas jovens lutam por amor e liberdade, em meio às transformações sociais do Rio de
Janeiro do início do século XX.

Autoria: Claudia Lage e João Ximenes Braga


Supervisão de texto: Gilberto Braga
Direção: Cristiano Marques, André Câmara
Direção-geral: Dennis Carvalho e Vinícius Coimbra
Direção de núcleo: Dennis Carvalho
Período de exibição: 10/09/2012 – 08/03/2013
Horário: 18h
N° de capítulos: 154 capítulos
Elenco:

Álamo Facó - Quequé


Alessandra Negrini - Catarina Ribeiro
Ana Carbatti - Zenaide
Ana Paula Lopes –
André Arteche - Luciano
Antonio Pitanga - Tulio
Beatriz Segall - Madame Besançon
Bia Seidl - Margarida
Caio Blat - Fernando
Camila Pitanga - Isabel
Cassio Gabus Mendes - Bonifácio
Cauê Campos - Elias
Christiana Guinle - D. Carlota
Claudio Tovar - Padre Olegário
Daniel Dalcin - Teodoro
Daniel Marques –
Débora Duarte - D.Eulália
Dudu Sandroni - Laranjeiras
Emílio de Mello - Carlos Guerra
George Sauma - Jonas
Guilherme Piva – Praxedes
Gustavo Genton –
Guto Silva -
Hugo Maia –
Isabela Garcia - D. Celinha
Juliane Araújo - Alice
Jurema Reis - Gilda
Italo Sasso -
Klebber Toledo - Umberto
Lais Vieira - Etelvina
Lázaro Ramos - Zé Maria
Luisa Friese - Matilde
Marcello Melo Jr - Caniço
Marcos Acher –
Maria Clara Gueiros - Neusinha
Maria Eduarda - Eliete
Maria Padilha - Diva Celeste
Maria Silvia Godoy Radomille -
Marjorie Estiano - Laura
Milton Gonçalves - Afonso Nascimento
Patrícia Pillar - Constância
Paulo Betti - Mario Cavalcanti
Priscila Sol - Sandra
Rafael Cardoso - Albertinho
Rhaisa Batista - Esther
Rogerio Freitas -
Romis Ferreira - Luiz Neto
Rui Ricardo Diaz - Percival
Sheron Menezzes - Berenice
Susana Ribeiro - Tereza
Thiago Fragoso- Edgar
Tião D´Ávila - Isidoro
Tuca Andrada - Frederico Martins
Werner Schünemann - Dr. Assunção
Zezeh Barbosa – Jurema

Equipe:

Novela de: João Ximenes Braga e Claudia Lage


Escrita com: Chico Soares, Douglas Tourinho, Fernando Rebello, Jackie Vellego, Maria
Camargo e Nina Crintzs
Supervisão de Texto: Gilberto Braga
Direção: Cristiano Marques, André Câmara
Direção-Geral: Dennis Carvalho e Vinícius Coimbra

Núcleo: Dennis Carvalho

Cenografia: Fabio Rangel, Fernando Schmidt, Paulo Renato, Leila Chaves, Kaká
Monteiro
Cenógrafos Assistentes: Bruno Freitas, Cristianno Cruz, Mariana Tenório, Claudia
Affonso, Claudia Santos

Figurino: Beth Filipecki, Renaldo Machado

Figurinistas Assistentes: Edmar Galvão, Eliete Catraio, Fernanda Garcia, Rogério França,
Rosangela Sabino

Equipe de Apoio ao Figurino: Alex Leal, Alex Sena, Angela Maria da Conceição,
Cirlene Cardoso, Claudio Carneiro, Clenilson Alves, Cristiano Rangel, Elaine Assis,
Eliane Mendes, Eni Santos, Helio Santos, Iara Rodrigues, Ivonice da Costa, Jose Manoel
Santos, Leila Conceição, Lia Abreu, Luciene Mendes, Lucilene Pereira, Luiz Gonzaga,
Marcos Roberto Campos, Maria Isabel Botelho, Maria José Martins, Maria Sueli da Silva,
Rildo Conceição, Valderice Rodrigues, Wallace Bruzaca
Consultor de Fotografia: Walter Carvalho
Direção de Fotografia: Daniel José dos Santos

Direção de Iluminação: Alexandre Reigada, Gustavo Amaral, Alexandre Fructuoso


Equipe de Iluminação: Marcio Ribeiro Pinto, Juan Carlos Fructuoso, Carlos Eduardo
Gomes, Vitor Manoel Nunes Martins, Guilherme Martinho, Leandro Nogueira, Igor
Henrique Mello, Allan Almeida, Gerson Guimaraes, Gerson Souza, Yuri Catib, Roberto
Pereira, Carlos Bastos.

Direção de Arte: Mario Monteiro


Produção de Arte: Nininha Médicis
Produção de Arte Assistente: Anna Helena Saicali, Danielle Oliveira, Tereza Pinho,
Camila Delamonica
Equipe de Apoio à Arte: Antonio Rocha, Sergio Brandão, Andreia Neves, Jorge Cirilo,
Victor Vergeti, Fernanda Novaes, Rodrigo Castro, Julio Brandão, Luiz Fernando
Oliveira,Glauber Van Den Berg
Produção de Elenco: André Reis
Instrutora de Dramaturgia: Andrea Cavalcanti

Produção Musical: Roger Henri


Direção Musical: Mariozinho Rocha

Caracterização: Carmen Bastos


Equipe de Apoio à Caracterização: Luiz Gabriel, Silvia Abel, Carlos Marques, Chirlei
Coelho, Claudia Batista, Claudia Viana, Camilla Pinto, Dagmar de Souza, Tereza
CristinaSuely de Paula, Silvana Borges, Maria da Conceição, Luciene Mello

Edição: Paulo Jorge Correia, Cesar Chaves, Rodrigo Clemente


Colorista: Wagner Costa
Sonoplastia: Leonardo Queyroi, Irapuã Jardim, Pedro Belo, Julius Brito
Efeitos Visuais: Gustavo Garnier, Enrico Giglioti
Efeitos Especiais: Federico Farfan
Abertura: Hans Donner, Alexandre Pit Ribeiro, Roberto Stein
Direção de Imagem: Gustavo Leccioli
Câmeras: Antonio Laport, Anderson Accioly, Thelso Gaertner, Jovani Rios, Ricardo da
Silveira, Thalissa Oliveira
Equipe de Apoio à Op. de Câmera: Pedro Luis Fernandes, Flávio Gomes, Almir Passos
Correia, Alessandro dos Santos
Equipe de Vídeo: Dreverson Marcio Kazic, Jose Carlos Goncalves, Bruna Carolline,
Humberto Ferreira dos Santos
Equipe de Áudio: Paulo Roberto Ferreira, Gustavo Longuinhos, João Zito, Wellington
Pires, Victor Viana Ribeiro, Luiz Felipe de Paiva Ferreira, Renato Ignacio dos Santos
Supervisor e Op. Sistemas: Marco Lourenço, Marco Cardozo

Produtor Cenografia: Eduardo Areal


Gerente de Projetos: Marco Antonio Tavares
Supervisor de Produção de Cenografia: Andre Melo, Attom Motta, Fabio Rodrigues,
Helio Miranda
Equipe de Cenotécnica: Aciel Campos, Adílio Santana, Adriano Ofrede, Alexandre
Paulo, Alexandre Tavares, Altamir Oliveira, Anderson Vieira, Andre Luis Moraes, Andre
Luis Melo, Andre Tobias, Andre Vital, Angela Delgado, Bernardo Conceição, Carlos
Renato, Cosme Silveira, Cristóbal Lourenzo, Dario Pereira, Daguiberto Gonçalves, Edgil
Pinheiro, Edson Nunes, Fabio Flaviano, Fabio Gomes, Flávio Alexandre, Flávio Neves,
Franklin Rodrigues, Gaudêncio Wanderlei, Gutemberg Batista, Joao Evangelista, Jorge
Alberto, Jorge Marcos de Souza, Jose Aurelio Gonçalves, Jose Cavalcante, Jose Maria
Ribeiro, Jose Marcos Valverde, Jose Manoel Santos, Josué Jovencio, Leonardo Dias, Luis
Carlos Silva, Luiz Augusto, Marcelo Batista, Marcelo Paiva, Marcelo Pitanga, Marcos
Tadeu Carolino da Silva, Milena Cangussu, Marilene Pedro, Oswaldo Jose, Olga Antunes,
Paulo Roberto Pedreira, Paulo Roberto Mattos, Pedro Mauricio, Raphael Marroquim, Rene
Souza, Ricardo Christo, Robson Silva Souza, Rodrigo Sá, Sebastião Ferrarez, Sidnei
Becalito, Silvio Anselmo, Ubiratan Moreira, Vanilson Francisco, Wagner Paulo, Wellen
Leandro, Wilson Cosme, Wilson José dos Santos

Pesquisa de Texto: Luciane Reis, Anna Lee


Pesquisa de Imagens: Madalena Prado
Continuidade: Nicole Monteiro, Teresa Prata, Giselle Lewicki, Anna Cláudia
Assistentes de Direção: Henrique Sauer, Pedro Brenelli, Francisca Libertad, Bia Coelho,
Rai Junior, Veronica Ruiz
Produção de Engenharia: Ilton Caruso
Equipe de produção: Carla Maia, Claudio Nunes, Bruno Petronetto, Mariana Daflon,
Fabio Neres, Suzana Amâncio, Letícia Silveira, Norberto Pfeiffer, Chico Marinho, Rodrigo
M Boecker, André Filho
Coordenação de Produção: Leonardo Gonçalves
Equipe de Internet: Ana Bueno, Bianca Kleinpaul, Isabel Ramalho, Camila Barreira,
Lorena Vazquez, Bruno Eduardo, Luisa Rody, Fabrício Bianchi, Fabíola Schwob, Cristina
Cople, Aída Barros, Inácio Moraes, Alessandra Albuquerque
Supervisão Executiva de Produção: Renato Azevedo, Guto Wong, Samantha Santos
Gerência de Produção: Cláudio Dager
Direção de Produção: Flávio Nascimento
Apêndice 5 – Press Kit

LADO A LADO
Fernanda Menezes Côrtes

Um novo tempo começa no Rio de Janeiro. Início do século XX e a cidade respira as


influências vindas da Europa. Época de transformações embaladas pelo charme da Belle
Époque: as grandes confeitarias, os cafés, o nascimento de uma nova era de modernidade,
em que as mulheres começam a lutar por liberdade individual e os negros, a criar uma nova
cultura.

De um lado, o luxo, o poder, a exuberância e a riqueza dos grandes casarões aristocráticos.


De outro, um mundo à parte: a pobreza, a miséria e a luta pela igualdade.

E lado a lado, pessoas que se unem em torno de um mesmo sonho: liberdade.

De João Ximenes Braga e Claudia Lage, com direção de núcleo de Dennis Carvalho, direção
geral de Vinícius Coimbra e supervisão de Gilberto Braga, ‘Lado a Lado’ é uma novela que
fala de amizade, amor e liberdade. Vai contar a luta de duas jovens mulheres à frente de seu
tempo, por sua independência. ‘Lado a Lado’, próxima novela das seis da Rede Globo, tem
estreia prevista para 10 de setembro.

O grande dia

Laura (Marjorie Estiano) e Isabel (Camila Pitanga) são mulheres românticas, que sonham
com o amor e com a liberdade. Mas se para Isabel esse sentimento é a grande certeza que
tem por Zé Maria (Lázaro Ramos), para Laura, viver ao lado de Edgar (Thiago Fragoso)
é dúvida.

Edgar e Laura se separaram quando ele deixou o Brasil, há quatro anos, para estudar Direito
em Portugal. Naquele momento, juraram amor eterno e ele a pediu em casamento. Ao longo
desses anos, essa promessa de união atormentou o coração dos dois, que já não sabiam mais
o que sentiam e o que queriam para suas vidas. Mas como declarar isso um ao outro? No
meio de tantas incertezas, os dois sobem ao altar.

Naquele mesmo dia, na mesma igreja, Isabel está iluminada pela paixão, à espera de seu
grande amor. Moça pobre, moradora de cortiço, casar-se naquela Instituição era, de fato, a
realização de um grande sonho. Mas o destino lhe prega uma peça daquelas. E sua alegria
mistura-se às lágrimas, à raiva, ao sentir-se abandonada por Zé Maria no altar.
O que ela não fica sabendo é que o cortiço onde moram foi invadido justo naquela tarde,
quando o noivo se encaminhava para a igreja, para que uma grande avenida fosse aberta.
Uma ameaça que os moradores já vinham sofrendo há tempos e acabou se concretizando no
dia errado, na hora errada. Isabel não sabe que Zé é capoeirista, o que para muitos é sinônimo
de bandidagem. E por conta desse preconceito, ele acaba preso no meio da confusão da
demolição do cortiço.

Isabel está desolada. Laura, angustiada. E esses sentimentos as unem em um grande laço de
amizade. Na sacristia, elas são solidárias uma ao momento da outra. Trocam palavras de
esperança, de afeto. Nasce ali uma sólida amizade que nem mesmo a força reacionária de
Constância (Patrícia Pillar), a antiga Baronesa, mãe de Laura, seria capaz de destruir.

A força de Constância

Constância viveu o apogeu do café e ostentava o título de Baronesa. Foi criada em um mundo
de diferenças e custa a aceitar a chegada da República. Com esta, junto com a perda do título,
Constância e sua família experimentam a decadência financeira e o prestígio. Ainda que a
escravidão já tenha chegado ao fim, para ela negros e brancos não podem conviver em
harmonia. Sendo assim, como aceitar que sua filha Laura, uma moça rica, fina, de princípios
e valores, pudesse se relacionar com Isabel, uma negra, filha de escravos e que não nasceu
no mesmo berço de ouro de suas origens? Inaceitável.

Casada com Assunção (Werner Schünemann), a ex Baronesa é uma típica dona de casa do
início do século XX. Uma esposa amorosa e uma mãe dedicada à Laura e a Albertinho
(Rafael Cardoso). Tudo o que faz, a seu ver, é para o bem de sua família, mesmo que para
isso seja preciso passar por cima de uns e outros. Sempre contando com a cumplicidade e
companhia de suas irmãs, Celinha (Isabela Garcia) e Carlota (Christiana Guinle).
A República e suas contradições

A família de Edgar representa bem a tradição da época. Seu pai, o senador Bonifácio (Cassio
Gabus Mendes), casado com Margarida (Bia Seidl), também é um empresário de sucesso e
que se beneficia de sua posição política. Seu filho mais novo, Fernando (Caio Blat), o ajuda
nos negócios, mas o rapaz não tem o menor interesse por trabalho ou estudos. Ele quer
mesmo é divertir-se nos salões com mulheres, jogando críquete e, mais tarde, o futebol, que
será trazido por ele e seus amigos ao Brasil. A esperança de Bonifácio está em Edgar, o
primogênito, que ele julga ser mais capaz de gerir a indústria e ser, finalmente, o seu braço
direito. Mas Edgar é um jovem com uma visão diferente da vida e do futuro. O pai não sabe
que sua verdadeira vocação é o jornalismo, atividade que ele exerceu às escondidas no
período em que esteve em Portugal.

Com a chegada da República e de um novo tempo no país, a cidade do Rio de Janeiro


enfrenta um momento de grandes transformações. Se avenidas são abertas e o progresso
começa a surgir, do outro lado, negros e pobres se amontoam em barracos que vão crescendo
no Morro da Providência, onde foram buscar abrigo, com o fim dos cortiços. É lá que Isabel,
seu pai, Seu Afonso (Milton Gonçalves), Jurema (Zezeh Barbosa), Berenice (Sheron
Menezzes), Caniço (Marcello Melo Jr), o próprio Zé Maria e tantos outros vão construir seu
futuro. É na favela que sonham ter sua casa, sua dignidade de volta, e onde encontram
novamente a alegria.

O Morro da Providência

Lugar de gente do bem. De gente que traz na alma a revolta do passado cheio de injustiças e
tristezas. Mas também, enche o coração de esperanças por uma vida melhor. Pessoas
companheiras, que se unem na alegria e na dor para reconstruir e recomeçar. Isabel divide
seus dias entre o trabalho na casa de Madame Besançon (Beatriz Segal), uma
senhora francesa muito chique, e a roda de samba ao lado de seus amigos no Morro. É lá que
ela se esquece dos problemas e encontra a alegria de viver e de buscar sua liberdade, soltando
o corpo na dança, ouvindo os conselhos de Jurema e recebendo o carinho de Seu Afonso. E
nem mesmo a inveja e as maldades de Berenice a derrubam.
Encontros e Desencontros

Marido e mulher, Edgar e Laura vivem como dois estranhos dentro de casa. Aos poucos, vão
descobrindo afinidades até que se surpreendem apaixonados um pelo outro. Edgar entende
e apoia os sonhos de Laura. E diferentemente da maioria das mulheres, ela consegue
conciliar seus deveres de mulher, dona de casa e professora. Mas até quando?

Sozinha, Isabel acredita ter sido abandonada por Zé Maria. Da cadeia, ele não consegue
mandar notícias à noiva. Frágil e carente, ela acaba caindo nos braços de Albertinho (Rafael
Cardoso), que se encantou pela beleza da moça no dia do casamento.

O rapaz se aproxima de Isabel sem que ela saiba que ele é irmão de Laura. Ele vai à casa de
Madame Besançon em busca de aulas de francês e finge ser humilde e trabalhador. E não
demora muito para que a sonhadora Isabel se deixe levar pelo sedutor Albertinho. Mas o
romance entre eles não vai tão longe. Constância cruza o caminho dos dois e proíbe o filho
de se encontrar com a jovem, negra e pobre.

Por sorte - ou destino - Zé Maria consegue provar sua inocência e deixa a prisão. E ainda
que a mágoa tenha tomado o coração de Isabel por um tempo, ela se derrete diante das
declarações e explicações de seu ex noivo. Não há como fugir daquele sentimento, do amor
que os dois construíram juntos. Mas uma coisa ainda a atormentava: ela havia se entregado
a Albertinho e temia que Zé Maria descobrisse toda a verdade.

O Teatro Alheira

Na Rua do Ouvidor, onde tudo acontecia no Rio de Janeiro, Mario Cavalcanti (Paulo Betti)
finalmente consegue realizar o sonho de ter o seu próprio teatro. Ainda que pequeno e
simples, o Teatro Alheira seria o palco onde Diva Celeste (Maria Padilha) brilharia
novamente. Mas no meio de seu caminho existe uma pedra: Eliete (Maria Eduarda), uma
jovem – e bonita – atriz que pode roubar a cena.

Frederico (Tuca Andrada) - o galã da companhia - e Mario vivem às turras disputando a


atenção e o coração de Diva. E para complicar ainda mais a vida dela, Neusinha (Maria Clara
Gueiros) chega como camareira, mas no fundo sua ambição é de se tornar uma grande atriz
e ser a estrela do Alheira. Está armada a confusão!

A PRODUÇÃO

Petrópolis e São Luís ambientam o Rio antigo

Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, e São Luís, capital do Maranhão, foram
cidades escolhidas para recrear a atmosfera do Rio do início do século XX. Na primeira,
foram gravadas as cenas que mostram casarões coloniais, que na trama de João Ximenes
Braga e Claudia Lage ficam localizados nos bairros do Catete e Botafogo, na zona sul
carioca. Já no Nordeste, as ruas do centro histórico de São Luís serviram de cenário para
contar a trama do núcleo pobre de 'Lado a Lado', que se concentra na região da Gamboa.

As gravações começaram no dia 16 de junho e aproximadamente 120 profissionais - entre


equipes de produção, direção, técnicos e elenco - estiveram em Petrópolis por oito dias. As
cenas de lá contaram, ainda, com 200 figurantes. Depois do frio da serra fluminense, foi a
vez de o grupo encarar o calor do Maranhão, onde fazia 30 graus, em média, por dia. Para lá
viajaram os atores Camila Pitanga, Lázaro Ramos, Marcello Melo Jr, Zezeh Barbosa, Sheron
Menezzes, Milton Gonçalves, Tião D´Ávila, Rafael Cardoso, Caio Blat, Klebber Toledo e
Daniel Dalcin.

Em São Luís, 100 pessoas estiveram envolvidas nas gravações durante dez dias de trabalho,
além de 50 profissionais locais de produção. Para compor as cenas, a direção da novela
contou com 700 figurantes maranhenses.

Foram necessários três caminhões (aproximadamente 20 toneladas) para levar todos os


equipamentos e materiais utilizados em cenas, que incluíram até uma carroça.

Dennis Carvalho, diretor de núcleo da novela e Vinícius Coimbra, diretor-geral,


comandaram as gravações nas duas cidades.

Preparação de elenco
Para entrar no clima do século passado, o elenco foi convidado para uma viagem ao tempo
em dois dias de workshop com o jornalista Eduardo Bueno. Durante o evento, Peninha -
como também é conhecido – contou um pouco sobre a história do Brasil e do Rio na época
da Belle Époque. A professora e pesquisadora Clarisse Fukelman e Beth Filipecki –
figurinista da novela – falaram sobre a moda e os costumes de 1900.

Jaime Aroxa, dançarino e coreógrafo, ficou com a missão de ensinar o samba de raiz para o
elenco do núcleo do Morro da Providência, principalmente Camila Pitanga e Lázaro Ramos.
Marcello Melo Jr e Lázaro contaram com as aulas de Mestre Cocoroca para dar vida aos
capoeiristas Caniço e Zé Maria, respectivamente. “Eu já tinha uma pequena noção da
capoeira de quando fiz Madame Satã, em 2002, mas estou tendo a oportunidade de aprender
mais e isso tem sido muito importante para entender o personagem”, diz Lázaro.

‘Lado a Lado’ tem muitas cenas de batuques e danças que também contaram com a
consultoria do percussionista Paulino Dias. Ele ensaiou um grupo de músicos do Maranhão,
que fez parte da figuração.

Produção de Arte

O trabalho da produção de arte para uma novela de época, é uma verdadeira viagem ao
tempo. Nove meses antes da estreia, Nininha Médicis, produtora de arte de ‘Lado a Lado’, e
sua equipe já estavam em campo em busca de objetos e materiais que retratassem o período.
“Sempre temos que estudar e entrar no universo da trama. Mas essa é uma novela de época,
com um grande conteúdo histórico e fizemos uma grande busca ao passado”, diz Nininha.

Museus, livros e muitas visitas a antiquários e feiras de antiguidades fizeram parte da agenda
no período de pré produção. Muitas coisas precisaram ser confeccionadas especialmente
para a novela, pois já não existem mais para serem compradas. “Toda a parte de roupa de
cama , toalhas de mesa e guardanapos, por exemplo, foram bordados com monogramas,
em tecidos brancos, como eram usados no início do século XX”, explica Nininha.

Nada passa despercebido pela produção de arte. Cada detalhe foi estudado, pensado para que
o telespectador pudesse realmente conhecer os hábitos de antigamente. Laura (Marjorie
Estiano) é uma apaixonada por literatura e para criar o seu ambiente, a equipe comprou
muitos livros em sebos. Alguns deles foram restaurados e ganharam capas novas. “A novela
é de época, mas os objetos não podem ser velhos e acabados, pois naquela ocasião o livro
era novo para quem o lia”, diz Nininha. Ainda para compor as cenas com Laura, a produção
fez muitos postais pois era costume das moças da época fazer coleções sinetes com
monogramas e marcadores de livros.

Em 1904, além de bicicletas e carroças, bondes e carruagens circulavam pelas ruas do Rio.
E a produção de arte restaurou sete modelos de carruagens, que ganharam novos estofados,
capotas, cortinas, lampiões e vidros. Na Cidade Cenográfica que reproduz a Rua do Ouvidor,
vendedores ambulantes de miudezas, de bengalas e guarda-chuvas, de flores, de doces serão
incorporados ao cenário.

Muito freqüentadas pela elite, as confeitarias faziam sucesso no Rio de Janeiro, assim como
na França. Para a Confeitaria Colonial, construída na Cidade Cenográfica, a produção de
arte trabalhou desde a sugestão do nome, passando pela criação da logomarca, sua impressão
nas louças, os centros de mesa, os cardápios e as comidinhas servidas na época.

‘Lado a Lado’ mostrará duas realidades distintas em um momento de transformações da


cidade. Para os cenários dos ricos, serão usadas muitas garrafas de cristal, lamparinas,
lampiões, castiçais, perfumeiros, espelhos, gomis. Para os pobres, muito barro, palha,
caixotes de madeira, trouxas de roupas, bacias e baldes. A produção mandou, ainda, fazer
tábuas de lavar roupa como as utilizadas pelas lavadeiras daquela época, assim como
pregadores de roupa feitos de bambu.

Logo no primeiro capítulo, um carnaval de rua agita a trama. Para montar o cenário - nas
ruas do centro histórico de São Luis - foram encomendados instrumentos musicais como os
usados na época, assim como confetes e serpentinas. "Em 1904, esses adereços de carnaval
não tinham cor, por isso tivemos a preocupação de ter confetes e serpentinas menos
chamativos. Foram usados seis sacos de 20kg de confetes e dois mil rolos de serpentinas",
diz Nininha. Para ornamentar a rua, foi usado aproximadamente 1km de bandeirinhas feitas
em tecidos, fitas e flor. A cenografia entrou para colocar portas de madeiras cobrindo os
vãos dos casarios coloniais e reconstituindo as construções para que ficassem como as de
antigamente.
Cenografia

Quem circula hoje pela Rua do Ouvidor, no Centro do Rio de Janeiro, não pode imaginar
que no início do século XX ela era a rua mais chique e badalada da cidade. Era lá que as
mulheres compravam artigos finos vindos da França e da Inglaterra, onde estavam as
maiores e melhores lojas, os teatros, os jornais, as confeitarias. Na Rua do Ouvidor via-se a
influência parisiense que pairava pela cidade, o charme da Belle Époque que consquistava
os brasileiros.

Na Cidade Cenográfica - conceituada pelo cenógrafo Mário Monteiro - isso será retratado
em xx m2, em 10 metros de rua, com 10 lojas, a Confeitaria Colonial, o Bar Silva, o jornal
Correio da República, a barbearia onde trabalham Seu Afonso (Milton Gonçalves) e Zé
Maria (Lázaro Ramos) e, ainda, o Teatro Alheira. "Buscamos referências na arquitetura da
época. Teremos prédios neo clássicos, ruas estreitas, em paralelepípedo, e calçadas em
ladrilho hidráulico", diz Fábio Rangel, um dos cenógrafos responsáveis pelo trabalho. A
iluminação, assim como na época, será com postes a gás e, posteriormente, passarão a ser
com luz elétrica. Toda a Rua do Ouvidor será reconstruída em computação gráfica, com um
backlot em 3D.

A Confeitaria Colonial, a barbearia e o Bar Silva, cenários importantes da trama, terão


interiores. Os demais prédios serão apenas fachadas. Em uma área de 200m2, a Confeitaria
terá um mezanino e uma ambientação mais sofisticada, com 10 mesas de quatro lugares
cada espalhadas entre os dois andares.

Primeira favela a surgir no Rio de Janeiro, o Morro da Providência também será recriado em
Cidade Cenográfica. "Teremos, inicialmente, sete barracos construídos com tábuas de
demolição", diz Rangel. Três desses barracos serão reproduzidos em estúdio como casas de
Jurema (Zezeh Barbosa), Seu Afonso (Milton Gonçalves) e Isabel (Camila Pitanga) e
Percival (Rui Ricardo Diaz).

A história se passa no período em que a arquitetura vivia o movimento da estética, da art


deco. "As casas eram cheias de adereços, muitos objetos de decoração, estampas. Isso tudo
era uma simbologia da riqueza e que poderá ser visto nos cenários de Constância (Patrícia
Pillar) e Madame Besançon (Beatriz Segall), por exemplo", diz Fábio Rangel.

As construções da época eram casarões grandes e com pé direito alto. Segundo Fábio Rangel,
para a cenografia esse foi um dos maiores desafios: achar a proporção ideal para se recriar
os ambientes internos em estúdio.

Figurino

Era uma época de muita poesia. Foi assim que Beth Filipecki, figurinista responsável por
'Lado a Lado' definiu o período em que se passa a novela. E para vestir o elenco que mistura
núcleos de ricos e pobres - bem definidos pelas roupas que usavam - Beth e sua equipe
montaram um acervo com cerca 900 peças. Cores, formas, texturas e volumes distinguiam
as classes sociais. "Figurino de época é muito elaborado. Mas é uma grande oportunidade
para mostrarmos a técnica, o sentimento, a qualificação de nosso trabalho", diz Beth.

O que era moda na França e na Inglaterra, também fazia sucesso entre o povo por aqui. O
Brasil estava no momento de seguir os moldes importados. Para as mulheres, um fino
acabamento, acessórios, cores leves e muitas flores em organza e seda. A renda, o linho,
tecidos que deixavam a roupa bem feita, luxuosa. Já os homens, mesmo com o forte calor
do Rio, usavam as tendências vindas da Inglaterra, como ternos em lã. "Era preciso estar
bem vestido para se fazer bons negócios. E homens que usavam chapéus eram sinônimos de
homens que pensavam, que tinham poder", explica Beth.

O figurino feminino das altas classes era composto por diversas camadas de roupas, fazendo
com que a mulher mudasse sua postura, ficasse com o corpo mais firme. Para compor esse
visual chique, elas usavam luvas, chapéus com muitas ornamentações, sombrinhas e, nos
pés, calçavam botinhas. As mais pobres ambicionavam ser como as mais abastadas e
copiavam suas roupas, mas com uma costura mais simples.

Constância, personagem de Patrícia Pillar, é o exemplo de um figurino mais sofisticado,


mais elegante e com mais leveza. Os vestidos foram feitos com muitas rendas, em cores
claras, com transparências. "Usamos muitos tons de azul e hortênsia para a Constância.
Queremos que ela transmita um ar de pureza, quase angelical. Estamos trabalhando com
metáforas sobre cor", diz Beth.

A jovem Laura (Marjorie Estiano) é uma moça de atitudes modernas e seu figurino
acompanha isso. “Ela usa casacos em tons mais escuros, coisas que uma moça daquela época
jamais usaria”, diz Beth.

Para o elenco do núcleo pobre, a equipe do figurino trabalhou bem as roupas para que as
peças carregassem informações, parecessem gastas, velhas, muito usadas. Para isso é
necessário um tinturamento especial, um envelhecimento e um desgaste.

As mulheres dessa classe social ousavam mais nos decotes, suas roupas eram como panos
amarrados ao corpo, recosturados, emendados. Nos pés, dificilmente usavam sapatos.

No Teatro Alheira, Diva Celeste (Maria Padilha), Neusinha (Maria Clara Gueiros), Mario
Cavalcanti (Paulo Betti) e Frederico (Tuca Andrada) tem um figurino mais contrastante com
os demais, com mais cor, mais decotes, babados, volumes. “Nesse núcleo pudemos ousar
mais. Os personagens tem mais liberdade, são mais exagerados, com teatralidade. Tudo neles
pode ser chamativo, enfeitado”, diz Beth.

Caracterização

Foi assistindo aos filmes “The Golden Ball” e “As Melhores Intenções”, que Carmen Bastos,
supervisora de caracterização de ‘Lado a Lado’ inspirou-se para compor os looks dos
personagens da novela. “Fizemos um profundo trabalho de pesquisa junto com a equipe do
figurino. É um processo de criação bem detalhado e fomos juntando informações que
tínhamos de imagens, filmes e, claro, seguindo o perfil dado pelos autores”, diz Carmen.

Os cabelos das mulheres no início do século XX eram, em geral, presos. “Cabelos soltos só
eram permitidos dentro de casa”, explica a caracterizadora. Chapéus entravam para compor
o visual e serviam como símbolos de ostentação. As mais ricas importavam da França e,
quanto mais plumas, flores e ornamentações, mais chique era. Presilhas, pentes e fitas
também eram muito usados nas madeixas. “Estamos retratando uma época extremamente
feminina, em que se usavam muitos adereços”.
Do núcleo rico, todas as atrizes usam meia peruca. “Não se usava cabelos curtos, então
achamos a solução de meia peruca para alongar os cabelos das mulheres. Isso dá uma rapidez
para a caracterização, pois já deixamos tudo semi preparado”, conta a caracterizadora. Os
cachos eram a moda da época, mas a direção da novela está trabalhando com um conceito
bastante natural e a caracterização não deixará os cabelos rígidos. “Não usamos muito spray,
queremos ver os cachos caindo, soltos e a brisa balançando os cabelos”, comenta Carmen.

Patrícia Pillar clareou os cabelos para viver Constância. Marjorie Estiano usará um penteado
semi preso para Laura. “Ela não está preocupada em seguir padrões, é mais livre e vamos
mostrar isso através do cabelo, sempre caindo”, explica Carmen. Já Camila Pitanga passará,
diariamente, por um processo de quase duas horas de preparo do cabelo para viver a jovem
Isabel: toda a parte da frente será frisada, deixando-o mais crespo. “Vamos exaltar a beleza
negra, os cabelos crespos, afro”, afirma a caracterizadora.

Zezeh Barbosa e Sheron Menezzes, que interpretam Jurema e Berenice, respectivamente,


usam muito torso amarrando os cabelos, o que era muito comum para os negros daquela
época.

Para os homens, barba, cabelo e bigode são quesitos fundamentais para um visual de classe.
Os mais ricos os mantém bem feitos, com o maior rigor. Thiago Fragoso, embora jovem, usa
barba com cabelos bem escovados e claros. “Edgar é moderno, por isso uma imagem nova,
com os cabelos alisados”, define Bastos.

A maquiagem quase não aparece em ‘Lado a Lado’. Com o calor do Rio, a idéia da
caracterização é deixar o brilho natural da pele, evitar o pó, usando apenas um blush cremoso
quando necessário. Nos lábios, o batom será apenas aplicado com os dedos, exatamente para
não ter um contorno perfeito.

Liberdade maior poderá ser vista no núcleo do Teatro Alheira, onde a equipe da
caracterização pôde ousar com muitas perucas e apliques de bigodes e cavanhaques para os
homens. O mesmo acontece com a maquiagem, que ganha cor e brilho.

Entrevista com o diretor de núcleo Dennis Carvalho


Dennis Carvalho começou sua carreira como ator, ainda criança, em 1964. Sua estreia foi na
TV Paulista, na novela Oliver Twist. Dez anos depois – e com passagens pelo teatro e por
dublagens – foi indicado ao prêmio de melhor ator pela Associação Paulista de Críticos de
Televisão, com Ídolos de Pano, quando interpretou o primeiro vilão de sua carreira. Em
seguida, Dennis entrou para a TV Globo. ‘Roque Santeiro’, em 75, seria a sua primeira
novela na emissora, mas acabou censurada na véspera da estreia e, logo após, ‘Selva de
Pedra’ entrou no ar com o mesmo elenco.

Depois vieram: ‘Casarão’, ‘Locomotivas’, ‘Sem Lenço, sem Documento’, ‘Te Contei?’,’
Dancin’ Days’, ‘O Dono do Mundo’, ‘Eu Prometo’ - a última de Janete Clair - as minisséries
‘Ciranda Cirandinha’, ‘Quem Ama Não Mata’, ‘Parabéns Pra Você’.

Como diretor, ‘Malu Mulher ‘ foi o primeiro seriado, ao lado de Paulo Afonso Grisolli e
Daniel Filho. No primeiro episodio, Dennis participou da criação e também atuou, ao lado
da protagonista Regina Duarte.

Dennis dirigiu mais de 15 novelas, entre elas ‘Selva de Pedra’, ‘Fera Ferida’, ‘Roda de
Fogo’, ‘Mico Preto’, ‘Mapa da Mina’, ‘História de Amor’, ‘Pátria Minha’, ‘Andando nas
Nuvens’, ‘O Cravo e a Rosa’ , ‘Vale Tudo’, ‘Anos Rebeldes’ , ‘Labirinto’, ‘Desejos de
Mulhe’r, ‘Paraíso Tropical’, ‘Celebridade’, ‘Insensato Coração’. Em programas, esteve à
frente de ‘Sai de Baixo’, ‘Globo de Ouro’ e das minisséries ‘Parabéns Pra Você’, ‘A, E, I,
O, Urca’, ‘Sex Appeal’, ‘Amizade Colorida’, ‘A Justiceira’. Em 95, dirigiu a primeira novela
feita no Projac – Centro de Produção da TV Globo – ‘Explode Coração’, de Glória Perez.

O que o público pode esperar de ‘Lado a Lado’?


'Lado a Lado' é uma linda história de amizade entre duas mulheres que vieram de mundos
diferentes e que tem o mesmo desejo: liberdade. É, também, uma história de amor, de lutas
e conquistas. Vai mostrar a transformação do Rio de Janeiro no início do século XX, o
charme da Belle Époque, do nascimento do samba, da chegada do futebol no país. Todos os
acontecimentos históricos serão mostrados dentro dos conflitos dos personagens, de uma
maneira bem folhetinesca mesmo.

Dirigir uma novela de época requer mais cuidados?


Não podemos nos esquecer que estamos retratando uma época que não vivemos. Todas as
referências que temos daquele período são fotográficas. É preciso muita pesquisa, requer
uma atenção aos pequenos detalhes.

Lázaro Ramos e Camila Pitanga são novamente dirigidos por você como casal protagonista
da novela. Como é trabalhar com os dois?
É um grande prazer trabalhar com profissionais como Lázaro e Camila. São dedicados,
competentes, se entregam de alma aos personagens.

Como foi a escolha do elenco?


Foi um trabalho em conjunto com os autores, com o Gilberto - que está supervisionando a
trama - e com o Vinícius Coimbra, diretor geral da novela. Sugiro muitos nomes de pessoas
com quem já trabalhei e que sei que serão perfeitas para aquele papel.

Por que a escolha de Patrícia Pillar para viver a vilã Constância?


Porque Patrícia é uma atriz brilhante e dará à Constância o tom necessário da vilania. Sua
beleza e seu ar angelical farão um contraponto à suas atitudes.

Você participou da seleção da trilha sonora da novela?


Sim, juntamente com João Ximenes Braga e Claudia Lage. 'Lado a Lado' é uma novela de
época mas com uma linguagem contemporânea. Vocês podem esperar uma trilha moderna,
com ritmos que vão do samba ao hip hop.

Você convidou Walter Carvalho para ser o diretor de fotografia da novela. O que pretendia
com isso?
Essa é uma novela de pouca luz. Com o olhar do Walter conseguimos tirar a dureza e a
aspereza das imagens. A luz tem que entrar com calma e delicadeza para proteger os atores.
E ninguém melhor do que o Walter Carvalho para iniciar esse trabalho.

Entrevista com o diretor-geral Vinícius Coimbra


Vinícius Coimbra é diretor de TV e cinema. Há 15 anos ingressou na TV Globo através de
uma oficina de direção e, hoje, já soma a direção de onze novelas e minisséries, como 'Sabor
da Paixão', 'Celebridade', 'JK', entre outras. O trabalho mais recente foi 'Insensato Coração',
em que assinou pela primeira vez a direção geral, também ao lado de Dennis Carvalho.
Começou sua carreira em 1989, fazendo publicidade e foi assistente de direção de "A Hora
Mágica" (1999), de Guilherme de Almeida Prado e "Central do Brasil" (1998), de Walter
Salles. Mas foi no ano passado que Vinícius se realizou no cinema: ele foi o grande vencedor
do Festival do Rio com o filme "A hora e a vez de Augusto Matraga", arrebatando cinco
prêmios, entre eles os de melhor filme pelos júris oficial e popular, feito inédito na história
do Festival.

Como é trabalhar com Dennis Carvalho?


Dennis é um grande diretor e amigo. Talentoso e generoso, sempre temos chance de aprender
e de ter nosso trabalho respeitado por ele.

Como é dirigir uma novela de época?


É maravilhoso. Primeiro, por ajudar a contar uma parte tão importante da história do Brasil,
o início do século XX no Rio de Janeiro. E, segundo, porque esteticamente este período é
deslumbrante. É a chegada da Belle Époque convivendo com a cultura negra no Brasil após
o fim da escravidão.

Por que gravar cenas da novela em Petrópolis e São Luís?


Precisávamos de locações que retratassem o Rio de Janeiro do início do século XX e já não
encontramos por aqui ruas e casarios que atendessem às nossas necessidades. Petrópolis tem
palácios e casarões muito bem preservados e o centro histórico de São Luís tem uma
arquitetura que muito se assemelha a do Rio de 1904.

'Lado a Lado' vai usar alguma tecnologia nova nas gravações? Alguma inovação?
Sim, teremos um backlot em 3D na cidade cenográfica. Toda Rua do Ouvidor será
reconstruída em computação gráfica.

Entrevista com os autores João Ximenes Braga e Claudia Lage

João Ximenes Braga é jornalista e escritor. Pelo jornal O Globo, foi correspondente em Nova
Iorque por quatro anos, escrevendo uma coluna semanal de crônicas sobre a cidade. Em
2005, Ximenes lançou dois romances, ‘Juízo’ (7 Letras) e ‘Porra’ (Objetiva) e em 2009, o
livro de contos ‘A mulher que transou com o cavalo e outras histórias’ (Língua Geral).
Apaixonado por literatura, ele ingressou na Oficina da Globo em 2004. Na teledramaturgia,
começou sua carreira como colaborador de Gilberto Braga nas novelas ‘Paraíso Tropical’
(2007) e ‘Insensato Coração’ (2011).
Claudia Lage é formada em literatura e é, também, escritora. Em 2000, lançou seu primeiro
livro de contos ‘A pequena morte e outras naturezas’ (Record). O primeiro romance
‘Mundos de Eufrásia’ (Record), uma biografia ficcional de Eufrásia Teixeira Leite, chegou
às livrarias em 2009. Também fez parte da Oficina da Globo, em 2004, e trabalhou como
colaboradora das novelas ‘Páginas da Vida’ (2006) e ‘Viver a Vida’ (2009), ambas de
Manoel Carlos.

Como vocês se conheceram?


João - Na Oficina da Globo, em 2004. É o primeiro trabalho que fazemos juntos. Em 2005,
com outros autores, escrevemos a sinopse de um seriado. Quando nos juntamos para escrever
essa novela, não imaginávamos que fosse dar certo. Unimos histórias que já tínhamos em
mente.

Como é escrever a primeira novela?


João – Assustador, mas um prazer enorme. É uma delícia, apesar da pressão emocional. Vivo
as emoções dos personagens.
Claudia – É uma pressão muito grande, mas muito bom ter essa autoria.

Por que uma novela de época?


João - Sempre tivemos muita intimidade com a época em que a novela é passada, pela
literatura. Isso já nos fascinava e já tínhamos muitas referências históricas. Fomos
alfabetizados vendo ‘Escrava Isaura’. Para mim, novela de época é a narrativa mais
elementar que existe na memória.

O tema principal dessa novela é a amizade entre duas mulheres. Por que abordar esse tema?
Claudia - A amizade é o eixo que guia a novela. Laura e Isabel são mulheres à frente do seu
tempo e que representam o “embrião da nova mulher”. No final do século 19, as mulheres
passam a ficar mais próximas umas das outras, são mais solidárias. A amizade entre as
personagens, embora sejam de classes sociais diferentes, é verdadeira, pura e sólida.

Qual o grande conflito da trama?


João - Não é um único conflito, mas sim os conflitos vividos pelas mulheres naquele início
de século, ainda muito parecidos com os atuais: conciliar amor, trabalho e maternidade.

O que o público pode esperar da novela?


João – O público pode esperar por uma história com muita emoção e, também, um folhetim
rasgado.
Claudia – Acho que a novela vai mostrar a formação do Rio (social e cultural), mas gerando
emoção, melodrama. Tudo misturado, com charme e com um olhar interessante de como
tudo começou.

Vocês participaram da escolha do elenco?


João – Sim. Eu, por exemplo, já tinha escrito muito para personagens da Camila Pitanga.
Aliás, nunca fiz uma novela sem ter a Camila. O Lázaro, também, já estava convidado desde
‘Insensato Coração’.

Qual a trama mais complicada de escrever? E qual a mais prazerosa?


João – Eu gosto de tudo, não tenho um distanciamento. Vivo cada momento.
Alguma trama da novela tem cunho social? Merchandising social?
Sim, mas isso só será apresentado no meio da novela. Será uma ação com a personagem de
Zezeh Barbosa, a Jurema, que falará da herança religiosa deixada pelos negros. Ela
representa a liderança matriarcal cujo expoente máximo, na época, era Tia Ciata.

Perfil dos Personagens

Romances principais

Laura (Marjorie Estiano) – Uma jovem apaixonada pelos livros e pelas artes. Filha de
Constância (Patrícia Pillar), não aceita o jeito reacionário da mãe e quer ser independente e
trabalhar, algo impensável para uma mulher de sua classe social na época. Dá aulas na
Biblioteca como voluntária e vai se casar com Edgar (Thiago Fragoso).

Edgar (Thiago Fragoso) – Filho de família rica, foi estudar Direito em Portugal. Na volta
ao Brasil, vai ajudar seu pai, o Senador Bonifácio (Cassio Gabus Mendes), em seus negócios.
Mas sua grande paixão sempre foi o jornalismo. Um jovem preocupado com as injustiças
sociais e que se casará com Laura (Marjorie Estiano).
Isabel (Camila Pitanga) – Uma mulher batalhadora, que sonha com o amor e com a liberdade.
Trabalha desde os 14 anos na casa de Madame Besançon (Beatriz Segall) e mora no cortiço
com o pai, Seu Afonso (Milton Gonçalves). Isabel é uma mulher à frente do seu tempo. Ama
Zé Maria (Lázaro Ramos), mas seu amor passará por muitas provações.

Zé Maria (Lázaro Ramos) – Homem simples, trabalha na barbearia com Seu Afonso (Milton
Gonçalves). Por sua habilidade ganhou o apelido de Zé Navalha. Capoeirista, Zé se
envolverá em algumas confusões e injustiças, já que capoeira na época era sinônimo de
bandidagem e proibida por lei. Apesar do amor por Isabel (Camila Pitanga), os dois
enfrentarão muitos desafios.

Família Assunção

Constância (Patrícia Pillar) – Mesmo sem poder ostentar o título de baronesa, ela não perde
a pose. Uma mulher que vive para sua família e não poupa esforços para protegê-la, mesmo
que isso possa prejudicar outras pessoas. Está sempre em conflitos com a filha Laura
(Marjorie Estiano) e lutará para que o marido tenha prestígio na carreira política. É a grande
vilã da história, embora acredite que tudo o que faça seja pelo bem de Assunção (Werner
Schünemann), Laura e Albertinho (Rafael Cardoso).
Dr. Assunção (Werner Schünemann) – Casado com Constância (Patrícia Pillar), é pai de
Laura (Marjorie Estiano) e Albertinho (Rafael Cardoso). Barão do café no século anterior,
entrou em decadência financeira com a Abolição e perdeu prestígio com a República.
Instruído por Constância, faz de tudo para que a família recupere sua importância neste novo
tempo.
Albertinho (Rafael Cardoso) – Irmão de Laura (Marjorie Estiano), é o típico playboy,
sedutor, que não quer saber de trabalho e compromissos. Além de mulheres, ele vai gostar
mesmo é de praticar um novo esporte recém-chegado no país, o futebol. Vai se apaixonar
por Isabel (Camila Pitanga).
Morro da Providência
Afonso Nascimento (Milton Gonçalves) – Ex-escravo, homem trabalhador, pai de Isabel
(Camila Pitanga), ainda muito preso aos valores antigos. É barbeiro e gosta muito de tocar
modinhas em seu violão.
Caniço (Marcello Melo Jr) – Capoeirista de má índole, será um dos responsáveis por difamar
a capoeira, sempre se utilizando dela para fins marginais. De amigos, Caniço e Zé Maria se
tornarão inimigos declarados.
Berenice (Sheron Menezzes) – Ela inveja Isabel (Camila Pitanga) em tudo, sobretudo por
esta saber ler e falar francês. Berenice se ressente de sua beleza não ser o suficiente para
subir na vida. Quer conquistar Zé Maria (Lázaro Ramos), mais movida pela inveja de Isabel
que por paixão.

Jurema (Zezeh Barbosa) – Carinhosa e amiga de todos, uma espécie de segunda mãe de
Isabel (Camila Pitanga). É uma líder na comunidade e uma empresária avant-la-lettre. Com
o dinheiro que economizou ao longo de anos lavando roupa e vendendo acarajé, constrói
uma casa grande no morro onde todos se reúnem para comer e festejar. Seu quintal simboliza
os celeiros do samba da época.

Zenaide (Ana Carbatti) – De origem simples, moradora do Morro da Providência.

Percival (Rui Ricardo Diaz) – É quem recebe o povo que perde suas casas do cortiço.
Simboliza os primeiros ocupantes do Morro da Providência: os soldados que voltaram da
Guerra de Canudos com a promessa, nunca cumprida, de ganhar casas.

Etelvina (Lais Vieira) – Casada com Percival (Rui Ricardo Diaz), forma com ele uma família
estável e batalhadora. Os dois exercem certa liderança no Morro.
Isidoro (Tião D´Ávila) – amigo e confidente de Seu Afonso (Milton Gonçalves).

Família Vieira

Bonifácio (Cassio Gabus Mendes) – Casado com Margarida (Bia Seidl), o pai de Edgar
(Thiago Fragoso) e Fernando (Caio Blat) é Senador da República e um poderoso industrial.
Ele aproveita de seu cargo político para conseguir benefícios e vantagens em seus negócios
pessoais.
Margarida (Bia Seidl) – Uma típica senhora do início do século XX, submissa ao marido
Bonifácio (Cassio Gabus Mendes) e sempre cheia de boas intenções.

Fernando (Caio Blat) – Irmão de Edgar (Thiago Fragoso), é um jovem que não quer saber
de estudos e trabalhos. Sua vocação é jogar futebol. Trabalha na indústria do pai, o Senador
Bonifácio (Cassio Gabus Mendes), com quem tem péssimo relacionamento, e por isso sente
muita inveja do irmão. É amigo de Albertinho (Rafael Cardoso).

Esther (Rhaisa Batista) – Sobrinha de Margarida (Bia Seidl). Só entra na segunda fase da
novela.

Teatro Alheira

Diva Celeste (Maria Padilha) – Apesar de ser de família de grandes atores dramáticos, Diva
é uma famosa atriz cômica, a grande estrela do Teatro Alheira. Ainda assim, sempre tenta
mostrar seu talento no drama, o que causa confusões entre os atores e o diretor. No passado,
viveu um triângulo amoroso com Mario Cavalcanti (Paulo Betti) e Frederico (Tuca
Andrada).
Mario Cavalcanti (Paulo Betti) – Diretor do Teatro Alheira se esforça para tornar seu projeto
rentável. Conhecido por seu mau humor, seu ponto fraco é a paixão por Diva Celeste (Maria
Padilha).
Frederico Martins (Tuca Andrada) – Ator do Teatro de Alheira, é egocêntrico como Diva
(Maria Padilha), de quem já foi amante. Os dois se envolverão em disputas hilárias, deixando
Mario (Paulo Betti) enlouquecido.
Neusinha (Maria Clara Gueiros) – Sonha em ser atriz. Entrará no Teatro como camareira e
fará de tudo para pegar o lugar de Diva Celeste (Maria Padilha).
Quequé (Álamo Facó) – Contra-regra do Teatro, é atrapalhado e desastrado.
Luciano (André Arteche) – Entrará no Teatro na segunda fase da novela. Péssimo ator, terá
interesse amoroso por Neusinha.
Eliete (Maria Eduarda) – Atriz do Teatro, que logo será expulsa por artimanhas de Neusinha
(Maria Clara Gueiros). Participação especial.
Jornal

Carlos Guerra (Emílio de Mello) – Dono do Correio da República, um jornal de oposição. É


amigo e grande incentivador de Edgar (Thiago Fragoso) no jornalismo.
Luiz Neto (Romis Ferreira) – Amigo de Guerra (Emílio de Mello), intelectual, companheiro
da boemia, escreve no jornal mas tem posições conservadoras sobre política, artes e
comportamento social.
Jonas (George Sauma) – Jovem tipógrafo que sonha em ser jornalista. Está sempre com
Guerra (Emílio de Mello).

Família do Delegado

Praxedes (Guilherme Piva) – Delegado autoritário no trabalho, em casa fica perdido entre as
mulheres. Casado com Tereza (Susana Ribeiro) e pai de Sandra (Priscila Sol).

Tereza (Susana Ribeiro) – Bibliotecária casada com o Delegado Praxedes (Guilherme Piva),
mãe de Sandra (Priscila Sol). Vive às turras com a sogra, Dona Eulália (Débora Duarte).
Sandra (Priscila Sol) – Amiga de Laura (Marjorie Estiano), as duas se conheceram no curso
Normal. É uma jovem que também sonha com a liberdade e a independência.
D. Eulália (Débora Duarte) – Mãe do Delegado Praxedes (Guilherme Piva), é uma senhora
que só pensa em fazer o enxoval da neta e não aceita o fato da nora Tereza (Susana Ribeiro)
trabalhar fora. Com isso, está sempre causando confusões na casa da família.

Jovens / Amigos de Albertinho (Rafael Cardoso)

Umberto (Klebber Toledo) – Jovem playboy amigo de Albertinho (Rafael Cardoso). Joga
críquete – e depois futebol - com ele e a turma e estuda Direito. Sedutor por natureza, com
especialização em mulheres mais velhas.
Teodoro (Daniel Dalcin) – Também da turma de Albertinho (Rafael Cardoso).
Diferentemente dos outros, é tímido e romântico.

Outros
D. Celinha (Isabela Garcia) – Irmã mais nova de Constância (Patrícia Pillar) e Carlota
(Christiana Guinle), é uma solteirona com um espírito cômico e charmoso. É desprezada
pelas irmãs por nunca ter tido marido e por ser bem atrapalhada.
D. Carlota (Christiana Guinle) – Irmã mais velha de Constância (Patrícia Pillar) e Celinha
(Isabela Garcia), é uma viúva amarga. Com Constância, alimentará uma relação de inveja,
mas ao mesmo tempo é sua grande cúmplice.
Alice (Juliane Araújo) – Filha de Carlota (Christiana Guinle). Apesar de amiga de Laura
(Marjorie Estiano), tem um perfil diferente da prima: é obediente às ordens da mãe, que
controla cada passo de sua vida.
Catarina Ribeiro (Alessandra Negrini) – Uma cantora lírica brasileira que fará muito sucesso
em Portugal. Chegará no Brasil envolta em mistérios.
Madame Besançon (Beatriz Segall) – Patroa de Isabel (Camila Pitanga), uma rica senhora
francesa que ensinará francês a ela. Participação especial.
Padre Olegário (Claudio Tovar) – Padre antigo da igreja freqüentada pela elite do Rio de
Janeiro. De bom coração, compreende e perdoa com facilidade.
Gilda (Jurema Reis) – Vai entrar na segunda fase pra trabalhar no Bar Guimarães.
Impressiona a todos com sua beleza.
Matilde (Luisa Friese) – Empregada de Laura (Marjorie Estiano).

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