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Estratégias adaptativas dos comportamentos escolares *

M. Helena Novaes Mira **

Considerando a freqüência crescente de casos de crianças e


adolescentes com dificuldades de adaptação escolar, pareceu-nos
útil deslocar o interesse dos educadores, orientadores e psicólogos
mais para a análise das estratégias adaptativas dos comporta-
mentos escolares, relacionadas aos condicionamentos ambientais
e influências socioculturais, do que para os problemas, propria-
mente ditos, de adaptação.

Sabemos que componentes cognitivos e emocionais determinam


formas de adaptação do indivíduo, tendo todo processo adaptativo
um duplo aspecto: os efeitos dos estímulos ambientais provocam
modificações da conduta, essas modificações adaptam-se às con-
dições predominantes que, por sua vez, modificam os estímulos.
Em conseqüência, os padrões de comportamento são construídos
partindo das dependências funcionais entre as variáveis de situa-
ção e de respostas estabelecendo-se uma ponte entre os determi-
nantes internos e externos.

Na escola a ansiedade de um aluno pode advir de exigências


excessivas do ambiente, como de sentimento de solidão ou de blo-

• Comunicação feita no I Congresso Brasileiro de Psicopatologia Infanto-Juvenil, 9-13 de


julho - Rio - GB - 1972.
•• Psicóloga do ISOP (Instituto de Seleção e Orientação Profissional) da FGV. Professora
da PUC de cursos de graduação e pós-graduação.

Curriculum, Rio de Janeiro, 12(1) :37-43, jan.fmar. 1973


queio de comunicação que de.sencadearão dificuldades de rela-
cionamento e de aprendizagem, muitas vezes, rotuladas simples-
mente de problemas de adaptação escolar.

Adaptação é processo unitário e total das funções psíquicas que


se evidencia pelo esforço significativamente coerente da personali-
dade na determinação da sua conduta, estabelecendo-se, assim,
uma relação adequada entre o indivíduo e o ambiente. Pressupõe
tal processo mudança a fim de que o indivíduo possa responder
às circunstâncias e tenha flexibilidade interna, além de disponi-
bilidade, para fazê-lo.

Portanto, é imprescindível a análise dos dinamismos psicológicos


provenientes das necessidades de autonomia, de afirmação pessoal,
de oposição à autoridade, apenas para citar algum,as, que mobi-
lizam os mecanismos de defesa do aluno para vencer as pressões
ambientais do meio familiar, escolar ou social. São comuns os
casos de dificuldades de adaptação escolar advindas de problemá-
ticas emocionais: alunos que sofrem de angústias, depressões,
inibições provindas de frustrações afetivas, sentimentos de inse-
gurança e de inferioridade são agressivos com o ambiente, vivendo
conflitos familiares paralelos.

Sendo a personalidade uma unidade dinâmica influenciada por


experiências vitais, compreende-se, desde logo, a repercussão de
problemas e dificuldades emocionais no ajustamento escolar.

o aluno ao ingressar na escola já teve experiências relacionadas


a diversas situações e reagirá de acordo com condicionamentos
anteriores, podendo não conseguir satisfatório nível de adaptação
por estar comprometido por ansiedade e tensões psíquicas. Tal
fato ocorre porque a problemática emocional ligada à situação
conflitiva absorve a disponibilidade perceptiva e reacional do
indivíduo à estimulação externa, dificultando sua integração ao
ambiente e perturbando não só a aprendizagem mas, sobretudo,
o relacionamento.

Geralmente, escolares com problemas emocionais adotam atitudes


agressivas, de constrição, de regressão, de isolamento, de hostili-

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dade, de indiferença, de indisciplina, de exibicionismo, de dissimu-
lação que dificultarão seu ajustamento aos colegas, professores e
desencadearão tensões ambientais no grupo.

Observamos que os alunos carentes de afeto materno, por exemplo,


apresentam constante ambivalência de atitudes: de um lado, têm
necessidade de contatos afetivos e de dependência e, de outro,
de agredir e de hostilizar os demais, devido ao medo interno de
serem novamente frustrados. Tais atitudes poderão gerar proble-
mas de adaptação não só individual mas grupal e dificuldades
para professores e colegas que, igualmente, terão problemas de
adaptação reativa a tais alunos.

A dinâmica das relações na escola está diretamente vinculada à


dinâmica do comportamento social que depende tanto do grupo
no qual os indivíduos estão inseridos como das personalidades
desses indivíduos. Vivendo em situação de grupo, os alunos trazem
sua dimensão pessoal, daí surgirem choques, tensões e conflitos
inerentes à dimensão social, que deverão ser analisados para
poderem ser devidamente contornados e superados.

Além da adaptação escolar do aluno é fundamental considerar


o problema do professor que, por condições de imaturidade, de
insatisfação pessoal ou profissional e falta de motivação, condi-
ciona atitudes de resistência, de negativismo em relação à escola
e aos alunos desencadeando dificuldades gerais de adaptação.

Um dos pontos centrais da adaptação escolar reside no fato de


que é sempre mais exigido do aluno que se adapte às condições
impostas pela escola e pelos professores; poucas vezes, indagamos
honestamente se a própria escola e os professores estão se adap-
tando aos alunos, às suas necessidades, interesses e características
pessoais.

Enquanto as reformas de educação e as coordenadas de renovação


educacional não passarem do papel para as atitudes nada de
significativo poderá ocorrer em termos de melhoria de ajustamento
escolar, ao nível das relações e da eficácia da própria aprendizagem,
cabendo aos educadores fazer uma análise real da sua atuação

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educativa, a fim de contornar também os próprios problemas
adaptativos.

Dificuldades dos alunos, quanto à forma de comportamento,


índices de rendimento, podem ser interpretadas como um sinal
de falta de adequação dos estímulos escolares às necessidades e
exigências das crianças e adolescentes do mundo atual. A escola,
muitas vezes, preestabelece tipos de respostas padronizados, que
nem sempre atendem às necessidades evolutivas dos alunos, fa-
zendo-se necessária uma reformulação das estruturas de relações,
que poderão levar a formas de comportamento adaptativo mais
significativas, tanto por parte dos alunos como dos próprios
professores.

Várias estratégias podem ser usadas pelo indivíduo para se adaptar


à realidade e neutralizar a sua ansiedade, uma delas seria a de
reagir contra tudo e contra todos, tornando-o agressivo e compe-
titivo, outra seria a de adotar uma atitude de passividade cons-
tante, levando-o à indiferença, outra poderia ser a de fugir da
realidade através da fantasia ou do escapismo. Naturalmente, a
mais positiva é a de cooperar e participar dessa realidade, enfren-
tando conflitos e problemas, tentando solucioná-los de forma
autêntica e reduzindo tensões.

Contudo o importante não seria, tão-somente, localizar as dificul-


dades de adaptação, mas analisar as táticas adaptativas dos indi-
víduos, interpretando-as dentro do contexto escolar a fim de poder
ajudá-los de modo mais eficaz.

Uma das táticas, hoje em dia muito utilizada, é a do domínio da


situação através do controle das reações do grupo e dos pontos
fracos da própria estrutura escolar; aparentemente o jovem aluno
dá a impressão que não está interessado, ou participa dentro dos
moldes impostos pelo ambiente, mas está radicado numa atitude
de resistência ao ambiente e sua direcionalidade de comporta-
mentos visa destruir o que puder para dominar, a seu modo, a
situação escolar e, sObI1etudo, os professores; esses sentem-se
perseguidos pelos alunos, inseguros da situação, o que afeta igual-
mente a direção da escola.

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A fim de melhor analisar as estratégias adaptativas dos compor-
tamentos escolares proporia o estudo das mesmas a partir dos
três níveis do próprio processo da adaptação:

a) adaptação ao nível intra e interpessoal, pressupondo-se existir


sistema de relação envolvendo os seguintes aspectos: motiva-
ção, comportamentos direcionais, observação das conseqüências
dos comportamentos e modificações das reações subseqüentes
como foi visto no exemplo anterior;

b) adaptação dupla ou recíproca na qual se estabelece o feed-


back e a reciprocidade de influências, podendo-se estudar os
comportamentos paralelos e as reações decorrentes dos mesmos;

c) adaptação de triplo confronto, entrando a situação total e o


esforço grupal que pressupõem sempre a contingência mútua e
a interdependência estabelecida em todo processo de interação, com
as conseqüências nas estruturas e sistemas, no caso, escolares.

o nível de adaptabilidade dos alunos deve ser determinado com


referência às situações escolares típicas e atípicas, levando-se em
conta a ação reguladora do ego que controla as perturbações do
meio e aperfeiçoa ativamente as relações entre o indivíduo e o
grupo, no caso, a escola.

Sendo o processo adaptativo considerado, do ponto de vísta


psicológico, como um processo contínuo, não há pontos estáticos,
mas sim intervalos de variação nos quais flutuam as características
da adaptação, faixa essa que será variável de indivíduo para indi-
víduo, de situação para situação, sendo absurdo exigirmos padrões
de adaptação únicos e permanentes nos comportamentos escolares.

Na escola é preciso considerar que existem três classes de fatores


relacionados a estímulos imediatamente ligados ao campo de ação,
estímulos de fundo que têm uma influência contextual e estímulos
residuais ligados às experiências passadas que se vinculam a
estímulos similares.

Verificar o nível de adaptação dos comportamentos escolares dos


alunos, bem como dos professores e diretores, resultaria numa

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tentativa de melhoria da qualidade de interação social na escola
que, em muito, poderia melhorar o próprio rendimento escolar
e processos de aprendizagem.

Evitar um enfoque idealizado do que seria a adaptação escolar,


reconhecendo a variabilidade das táticas adaptativas dos membros
da comunidade escolar, criar condições para que o processo adap-
tativo se dê de modo significativo e de forma criativa, parece ser
no momento um dos aspectos fundamentais a considerar para
uma ação profilática e preventiva por parte do psicólogo na escola.

Como vimos anteriormente, o processo de adaptação pressupõe


primordialmente relação entre o indivíduo e o meio e está assegu-
rado pelo equipamento e a maturação dos seus sistemas adapta-
tivos e pela ação reguladora do ego que neutraliza as perturbações
ambientais e coordena essas relações, uma vez que os sistemas
sociais e culturais representam conjunto de tensões psicológicas
que podem perturbar o indivíduo.

Conflito de gerações na escola, desafio à autoridade instituciona-


lizada, busca de novos valores e padrões de comportamento,
traduzem nos alunos adolescentes necessidades de afirmação,
independência, descoberta, renovação e de oposição ao ambiente.

A imposição dos estímulos da nossa sociedade contemporânea leva


os adolescentes à procura de uma estratégia adaptativa diferente
da geração anterior devendo ambas estarem preparadas para
mudanças significativas.

Devemos considerar que na época atual as novas exigências da


racionalização programada organizacional, da aceleração tecno-
lógica e da organização social trazem problemas de adaptação
freqüentes e de difícil equacionamento nas comunidades escolares.

A realidade do jovem é diferente daquela percebida pelo adulto


como tal, bem como a da criança, somando-se às crises evolutivas
de desenvolvimento as crises da sociedade, de complexa estrutura
socioeconômica, condicionando formas diferentes de comporta-
mentos adaptativos que podem ser interpretados como dificuldades
e problemas de adaptação.

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Rotular, pois, os alunos de adaptados ou desadaptados, situar
tão-somente as áreas das dificuldades de adaptação escolar, não
mais satisfazem o psicólogo escolar, uma vez que sua principal
preocupação deve ser a de analisar as estratégias adaptativas dos
comportamentos escolares e os níveis de adaptabilidade, procuran-
do assim dar uma contribuição mais válida à escola.

Por outro lado, o estudo dos condicionamentos socioculturais, dos


sistemas escolares e da dinâmica adaptativa das comunidades
escolares parece-nos um dos pontos fundamentais da questão.
Como interpretar problemas de adaptação fora dos contextos e
das estruturas socioculturais?

Como desvincular as dificuldades adaptativas dos alunos dos


sistemas de relações e tensões da escola? Como orientar os alunos,
pais e professores sem análise mais profunda da mecânica adap-
tativa dos comportamentos escolares?

São essas algumas indagações relacionadas ao problema proposto


que considero oportunas e válidas de serem formuladas por todos
os educadores a fim de poder equacionar, de modo objetivo, as
dificuldades adaptativas dos alunos e melhor compreender as
estratégias adaptativas dos comportamentos escolares.

Experiências no campo da orientação educativa e da psicologia


escolar que adotam por base tal posição têm demonstrado uma
eficácia maior de atuação face aos problemas de adaptação e resul-
tados mais positivos na reestruturação de atitudes e modificação
dos comportamentos escolares.

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