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orientação
Dissertação
apresentada
à
banca
de
Mestrado
em
Design
na
linha
de
Artefatos
Digitais
requisito
para
obtenção
do
grau
de
Mestre.
orientação
2
DE DEFESA DE DISSERTAÇÃO DE
MESTRADO ACADÊMICO DE
3
DEDICATÓRIA
Para
Francisco,
meu
filho
-‐
em
letras
agora,
as
horas
que
lhe
foram
subtraídas
da
minha
companhia.
4
AGRADECIMENTOS
5
RESUMO:
Esta
pesquisa
busca
estabelecer
um
paralelismo
entre
aspectos
de
cenografia
real
e
a
cenografia
virtual
de
games
3D
a
partir
de
uma
análise
da
cenografia
do
MMORPG
World
of
Warcraft.
Em
um
primeiro
momento
demonstraremos
o
quanto
a
cenografia
virtual
ainda
é
vista
somente
como
uma
representação
bidimensional
e
tratada
como
uma
ilustração
ou
uma
imagem
fotográfica.
Em
seguida
traçaremos
uma
retrospectiva
histórica
da
cenografia
que
nos
fornecerá
parâmetros
para
compreender
sua
natureza
e
função,
que
seguirá
até
o
ponto
onde,
ao
cruzar
a
mesma
com
a
história
dos
games,
estabelecerá
uma
relação
analítica
com
a
cenografia
virtual
tal
qual
fosse
ela
um
cenário
tridimensional
real
–
considerando
para
isso
o
seu
caráter
imersivo
e
tratando
de
questões
referentes
ao
uso
da
perspectiva
e
do
hibridismo
estético.
Palavras
Chave:
cenografia,
ambientes
virtuais
compartilhados,
video
games,
game
design
ABSTRACT:
This
research
seeks
to
establish
a
parallel
between
aspects
of
real
scenery
and
set
design
virtual
3D
games
from
an
analysis
of
the
scenery
of
the
MMORPG
World
of
Warcraft.
At
first
we
demonstrate
how
the
virtual
scenery
is
still
seen
only
as
a
two-‐
dimensional
representation
and
treated
as
an
illustration
or
a
photographic
image.
Then
we
trace
a
historical
retrospective
of
the
scenery
that
provides
parameters
to
understand
their
nature
and
function,
which
will
follow
up
to
the
point
where
it
crosses
the
same
with
the
history
of
games,
establishing
an
analytical
relationship
with
the
virtual
scenery
just
as
it
was
a
real
three-‐dimensional
scenario
-‐
considering
his
immersive
character
and
addressing
issues
related
to
the
use
of
perspective
and
aesthetic
hybridity.
Key Words: scenography, shared virtual environments, video games, game design
6
Lista
de
Figuras:
Fig.
1
As
ruínas
da
ágora
de
Atenas,
10
Fig.
2
Cenário
de
World
of
Warcraft,
13
Fig.
3
O
teatro
de
Dionísio
em
Atenas,
19
Fig.
4
O
coliseu
romano,
22
Fig.
5
O
teatro
medieval
de
rua,
em
ilustração
do
século
19,
23
Fig.
6
Cenário
de
André
Antoine,
27
Fig.
7
Orpheus
(1913),
de
Adolphe
Appia,
30
Fig.
8
O
“Black
Maria”,
o
estúdio
de
Thomas
Edison,
31
Fig.
9
Still
do
filme
“Viagem
à
Lua”,
34
Fig.
10
Still
do
filme
“Os
Últimos
Dias
de
Pompéia”,
37
Fig.
11
Still
do
filme
“O
Gabiente
do
Dr.
Caligari”,
37
Fig.
12
Cenário
de
Spellbound,
38
Fig.
13
Cena
do
stargate
em
“2001:
Uma
Odisséia
no
Espaço”,
39
Fig.
14
Cenários
do
episódio
2
de
Guerra
nas
Estrelas,
40
Fig.
15
Linha
do
Tempo
da
História
da
Cenografia,
41
Fig.
16
O
jogo
de
Ur,
Museu
Britânico,
42
Fig.
17
Cathode-‐Ray
Tube
Amusement
Device,
44
Fig.
18
Odyssey,
a
evolução
da
Brown
Box,
46
Fig.
19
Pong,
da
Atari,
47
Fig.
20
Screenshot
-‐
Space
Invaders,
49
Fig.
21
Tela
Final
de
Donkey
Kong,
51
Fig.
22
Screenshot
-‐
Super
Mário
Bros.,
52
Fig.
23
Screenshot
–
Wolfestein,
54
Fig.
24
Screenshot
–
Colossal
Cave
Adventure,
56
Fig.
25
Linha
do
Tempo
da
História
da
Cenografia,
57
Fig.
26
Screenshot
-‐
World
of
Warcraft:
Orcs
&
Humans,
58
Fig.
27
Screenshot
-‐
World
of
Warcraft:
The
Burnig
Crusade,
59
Fig.
28
Screenshot
-‐
World
of
Warcraft:
Wrat
of
the
Lich
King,
61
Fig.
29
Screenshot
-‐
World
of
Warcraft:
Cataclysm,
64
Fig.
30
Screenshot
-‐
World
of
Warcraft:
Pandaria,
65
7
Fig.
31
Screenshot
–
Masmorra
de
Draktharon,
67
Fig.
32
Screenshot
–
Masmorra
The
Nexus,
68
Fig.
33
Screenshot
–
Masmorra
de
Utgader,
70
Fig.
34
Screenshot
–
Masmorra
de
Utgader,
72
8
SUMÁRIO
1
UM
PRIMEIRO
LANÇAR
DE
DADOS
10
2
CENOGRAFIA:
ORIGEM
E
OBJETO
15
2.1
PRIMEIRO,
O
TEATRO
17
2.2
FAÇA-‐SE
A
LUZ
E
A
IMAGEM
EM
MOVIMENTO
29
3
.
UMA
PARTIDA,
OS
GAMES
42
3.1
A
SAGA
43
4.3 UM PONTO DE FUGA, VÁRIAS ESCALAS E UM DESTINO 68
5
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
76
6 BIBLIOGRAFIA 79
9
1.
UM
PRIMEIRO
LANÇAR
DE
DADOS
Durante
toda
a
sua
história
o
homem
tem
buscado
criar
ambientes
artificiais.
E,
seja
construindo
um
cenário
para
um
espetáculo,
um
filme,
um
programa
de
televisão,
ou
projetando
um
ambiente
virtual
dentro
de
um
game,
a
cenografia
desempenha
um
papel
importante
na
representação
desse
mundo
pretendido,
no
seu
conteúdo
e
narrativa
que
ele
abarca.
Fig.
1:
As
ruínas
da
ágora
de
Atenas
–
Fonte:
Wikipedia
Nascida
oficialmente
em
meio
às
sólidas
colunas
das
ágoras
gregas,
a
cenografia
atualmente
passa
por
um
processo
de
desmaterialização.
Graças
aos
avanços
da
tecnologia
digital,
a
virtualização
dos
cenários
tornou-‐se
uma
tendência
crescente
no
mundo
dos
entretenimentos
narrativos
e,
no
universo
dos
games,
uma
realidade
absoluta.
Assim,
atualmente
para
se
fazer
um
cenário,
no
lugar
de
dezenas
de
profissionais,
estruturas
imensas
construídas
em
estúdios,
maquinaria
complexa,
madeira,
metal
e
tinta,
precisa-‐se
apenas
computadores
sobre
uma
mesa,
cadeiras
e
menos
que
uma
dezena
de
pessoas.
10
“Todos
os
materiais
construtivos
utilizados
na
arquitetura
têm
propriedades
distintas
de
elasticidade,
rigidez
e
durabilidade.
E
todos
têm
uma
força
máxima
além
da
qual
não
podem
ser
distendidos
sem
que
se
rachem,
se
quebrem
ou
desmoronem.”(CHING,
1998,
pág.
279)
11
preocupações
com
a
veracidade
da
informação,
e
isso
envolvia
a
arquitetura,
a
história,
a
antropologia
e
a
sociologia
para
maior
fidelidade.”(MACIEL
e
VENTURELI,
2010,
pág.
77)
E
se,
do
ponto
vista
mecânico,
construir
um
coliseu
virtual
passou
a
ser
relativamente
mais
simples,
já
que
não
envolve
centenas
de
profissionais
nem
faz
uso
de
argila,
madeira
e
pedras,
entre
outros
materiais
–
o
que
por
certo,
o
tornava
também
mais
dispendioso
–
por
outro
lado
o
aspecto
projetual
da
tarefa,
ganhou
uma
natureza
de
complexidade
distinta.
No
lugar
de
extensos
cálculos
estruturais
fundamentais
à
construção
da
edificação
real
e
de
seus
mecanismos
–
trabalho
realizado
por
um
engenheiro
calculista
–
no
ambiente
digital,
tornou-‐se
necessário
organizar
uma
imensa
quantidade
de
informação
codificada
em
dígitos
que
possibilitasse
reproduzir
sua
imagem
sob
diferentes
ângulos.
“Depois
das
imagens
de
tradição
pictórica,
das
imagens
pré-‐fotográficas
e
das
imagens
fotoquímicas
(foto
e
cinema)
surgem
as
Imagens
de
Terceira
Geração,
ou
seja,
as
chamadas
Imagens
Síntese.”
(PLAZA
apud
PARENTE,
2011,
pág.72)
Essas
imagens
síntese
são
fundamentalmente
herdeiras
de
um
repertório
analítico
vindo
do
universo
bidimensional
da
representação.
Existem
pouquíssimos
estudos
que
se
dedicam
a
analisar
as
imagens
que
compõe
o
universo
virtual
de
um
game,
sob
a
ótica
da
cenografia
e,
nos
raros
casos
existentes,
o
direcionamento
teórico
dado
pelos
autores
é,
quase
sempre,
alinhado
à
visão
de
um
designer
gráfico,
um
ilustrador,
ou
à
de
um
fotógrafo.
Ou
seja,
esses
oferecem
análises
propostas
a
partir
de
um
repertório
usado
tratar
de
outras
imagens
de
representação
e
não
do
objeto
real,
nesse
caso,
o
cenário.
No
início
da
sua
elaboração,
esses
cenários
são
tratados
como
imagens
bidimensionais,
através
de
programas
de
computação
gráfica
e
associados
aos
procedimentos
técnicos
manuais
como
montagens,
colagens,
traçados,
pintura,
envelhecimento,
tratamento
de
cor
etc.”
(COUCHOT,
2003,
pág.163)
E
tais
imagens
geralmente
têm
origem
em
outras
fontes
2D
como
fotografias
e
ilustrações.
Não
à
12
toa
portanto
que
os
elementos
analíticos
comumente
usados
para
analisar
os
cenários
em
3D
venham
de
um
repertório
comum
com
representações
bidimensionais:
forma,
cor,
luz
e
estilo.
Ora,
não
é
possível
interagir
com
uma
ilustração,
ou
com
uma
foto.
No
entanto,
o
jogador,
agente
ativo,
pode
interagir
com
o
ambiente
virtual
do
game
em
tempo
real,
tal
qual
um
ator
com
um
cenário
construído,
concreto.
Eis
o
porquê
de
encontrarmos
relevância
no
paralelismo
entre
tridimensionalidade
real
e
virtual
proposto
por
este
trabalho
-‐
talvez
esta
seja
uma
relação
mais
par
do
que
as
abordagens
anteriormente
citadas.
Fig.
2:
Cenário
de
World
of
Warcraft
–
Fonte:
Blizzard
Nessa
pesquisa
optamos
por
eleger
como
caso
de
estudo
os
cenários
do
MMORPG
World
of
Warcraft,
o
game
de
estratégia
on-‐line
com
mais
jogadores
no
mundo
inteiro.
Com
uma
interface
realista
imersiva
em
3D,
o
jogo
se
adéqua
perfeitamente
ao
paralelismo
que
queremos
gerar
como
ponto
de
partida
analítico,
uma
vez
que
no
seu
processo
de
imersão
virtual
o
jogador
entra
no
cenário,
interagindo
em
tempo
real,
tal
qual
estivesse
em
meio
a
um
set
de
cinema.
Nos
capítulos
que
se
seguem
vamos,
portanto,
buscar
detalhar
da
relação
intrínseca
entre
a
cenografia
e
os
games,
procurando
desenvolver
uma
13
análise
dos
cenários
virtuais
a
partir
da
observação
de
aspectos
relevantes
na
composição
de
cenários
reais.
Nesse
sentido
procuramos
conduzir
a
nossa
abordagem
por
dois
caminhos.
O
primeiro
é
no
sentido
da
observação
do
uso
da
perspectiva
–
responsável
por
estabelecer
a
relação
entre
os
cenários
reais
e
os
virtuais
dos
games
de
3D
na
busca
da
simulação
de
realidade;
o
segundo
aponta
para
o
recurso
usado
na
criação
de
mundos
fantásticos:
a
hibridação
estética.
Vista
como
ferramenta
de
“materialização”
desses
mundos
virtuais,
a
perspectiva
proporciona
aos
jogadores
uma
experiência
imersiva
mais
intensa.
Nosso
propósito
aqui
portanto
será
demonstrar
que
somada
a
dessa
função
de
reprodução
de
uma
tridimensionalidade
(em
MMORPGs,
e
mais
especificamente
em
World
of
Warcraft)
a
técnica,
historicamente
herdada
dos
renascentistas,
desempenha
também
uma
função
condutora
do
olhar
e
da
ação
do
jogador
–
que
finalmente
se
comportará
qual
estivesse
como
um
ator,
interagindo
com
um
cenário
concreto.
Para
tanto,
dedicaremos
o
próximo
capítulo
à
história
da
cenografia,
no
sentido
de
elucidar
a
origem
e
a
natureza
desses
parâmetros,
fornecendo
assim
um
suporte
conceitual
à
análise
proposta.
Em
seguida,
no
terceiro
capítulo,
nos
dedicaremos
à
história
dos
games,
desde
os
primórdios
até
a
era
dos
cenários
realistas
em
3D.
Só
então
apresentaremos
um
estudo
de
caso,
onde
buscaremos
através
do
cruzamento
das
informações
dos
capítulos
anteriores,
gerar
um
paralelo
analítico
entre
a
cenografia
virtual
e
a
real
através
da
observação
do
uso
e
função
da
perspectiva.
E,
finalmente,
colocaremos
algumas
conclusões
surgidas
a
partir
desse
confrontamento,
e
levantaremos
alguns
possíveis
desdobramentos
dessa
pesquisa.
14
2.
CENOGRAFIA:
ORIGEM
E
OBJETO
Neste
capítulo,
trataremos
de,
num
primeiro
momento,
explicar
a
brevemente
a
origem
etmológica
do
termo,
para
depois
partimos
a
diante
traçando
uma
retrospectiva
que
procurará
pontuar
os
principais
momentos
na
evolução
histórica
da
cenografia.
A
palavra
cenografia
nasceu
da
junção
de
dois
termos:
graphein,
que
significa
desenhar,
pintar,
escrever,
e
skené,
que
significa
tenda
e
faz
referência
ao
local
no
teatro
grego
onde
os
atores
trocavam
de
roupa
durante
as
encenações.
Com
o
passar
do
tempo,
o
que
era
inicialmente
apenas
uma
precária
cabana
-‐
que
fazia
as
vezes
de
um
rudimentar
camarim
-‐
ganhou
uma
nova
dimensão
quando
“surgiu
a
ideia
de
representar
nela,
com
pintura,
os
diversos
espaços
da
ação
teatral.
E
nasceu
a
skenographein
–
pintura
na
tenda.”
(NERO,
2010,
p.15)
“A
cenografia
grega
nasce
–
segundo
Aristóteles
–
no
século
V
a.C,
e
quem
a
solicita
é
Sófocles,”
(NERO,
2010,
p.11)
e,
desde
então
ela
passa
a
ser
elemento
indissociável
da
história
do
teatro.
Mais
tarde,
no
latim
dos
romanos,
o
termo
veio
a
denominar
desenhos
que
apresentassem
alguma
noção
de
profundidade
e,
finalmente,
durante
o
Renascimento,
passou
a
referir-‐se
especificamente
a
traços
em
perspectiva,
em
desenhos
de
cenários
teatrais.
“No
século
20
o
termo
gradualmente
ganhou
força
a
partir
do
momento
em
que
passou
a
chamar
a
atenção
a
forma
que
o
espaço
cênico
pôde
ser
usado
como
um
elemento
dinâmico
e
cinestésico
em
contribuição
à
experiência
da
atuação.”
(MCKINNEY
E
BUTTERWORTH,
2010,
p.3).
Tal
como
o
sugerido
pela
sua
etimologia,
cenografia
é
um
“conjunto
de
elementos
de
pintura,
técnicos
e
teóricos
que
permitem
a
criação
de
uma
imagem,
de
uma
construção
bi
ou
tridimensional,
colocada
no
lugar
de
uma
ação
particularmente
espetacular”
(POLIERI,
1990,
p.
9).
Refere-‐se
pois
à
construção
de
uma
ambiência
onde
a
orquestração
propositiva
de
elementos
estéticos
como
cor,
linhas,
formas
e
volumes
venha
a
solucionar
também
uma
problemática
relacionada
15
à
construção
um
de
uma
representação
conceitual
de
um
texto,
acompanhando
a
sua
narrativa
e
proporcionando
as
condições
para
que
se
possa
desenvolver
o
conjunto
de
ações
por
ela
proposta.
Hoje,
a
cenografia
é
uma
atividade
que
se
faz
presente
nos
campos
artísticos
mais
diversos:
no
teatro,
no
cinema,
na
televisão,
em
espetáculos
musicais,
em
desfiles
de
moda
e,
finalmente,
no
universo
virtual
dos
games.
Sua
criação,
tem
como
principal
ponto
de
partida
evolutivo
os
espetáculos
teatrais,
desde
os
seus
primórdios,
no
entanto,
ao
longo
dos
séculos,
ela
desdobrou-‐se
em
diversas
facetas
e
consolidou-‐se
como
suporte
conceitual
e
narrativo
tornando-‐se
recurso
fundamental
no
repertório
constitutivo
desses
meios.
Tal
caráter
multidisciplinar
faz
com
que
existam
também
algumas
variações
de
nomenclatura
para
a
o
resultado
do
trabalho
do
cenógrafo
–
umas
mais
abrangentes,
outras
mais
específicas.
O
surgimento
do
cinema
e,
posteriormente,
da
televisão,
cada
qual
com
suas
demandas
e
características,
fez
com
que
a
função
do
cenógrafo
se
subdividisse
e
perdesse
a
correspondência
exata
com
o
significado
dela
dentro
do
universo
do
teatro.
“A
função
principal
do
designer
de
produção
é
criar,
em
colaboração
com
o
diretor
e
o
diretor
de
fotografia,
uma
atmosfera
única,
um
approach
gráfico,
que
em
cor,
em
textura,
no
conjunto
da
imagem,
produza
um
estilo
característico,
com
a
intenção
de
situar
o
filme
num
lugar
aparte
dos
trabalhos
feitos
por
qualquer
outra
equipe
de
cineastas.”
(STEIN,
1976,
p.
196)
No
cinema
ibero-‐americano
a
cenografia
passou
a
ser
chamada
de
direção
de
arte.
Já
nos
Estados
Unidos
essa
atividade,
tal
como
entendemos
no
Brasil,
corresponde
ao
production
design.
Na
França,
país
também
de
forte
tradição
cinematográfica,
o
termo
correspondente
é
décor.
O
fato
é
que,
o
“desenho
visual”
de
uma
obra
é
composto
por
diferentes
aspectos
que
ficam
sob
o
controle
desse
profissional
de
arte,
que
vão
desde
questões
mais
conceituais
de
concepção
–
tarefa
16
dividida
com
o
diretor
e
o
diretor
de
fotografia
-‐
até
quesitos
mais
práticos
como
a
elaboração
dos
projetos
dos
cenários,
a
escolha
das
locações,
dos
móveis,
dos
objetos
e
figurinos
de
um
filme.
Nesse
sentido,
e
para
compreender
em
sua
totalidade
a
carga
de
intenções
implícitas
no
ato
de
criação
de
um
projeto
cenográfico,
faz-‐se
necessário
investigar
as
questões
que
inicialmente
fizeram
com
que
o
homem
se
propusesse
a
representar
o
mundo,
fosse
isso
um
exercício
da
busca
pelo
real,
ou
uma
tentativa
de
reproduzir
um
universo
imaginário.
Apresentar
uma
revisão
histórica
que
venha
a
tratar
das
origens
da
cenografia,
e
discorrer
a
respeito
da
sua
evolução,
é
algo
impossível
de
ser
feito
sem
se
tocar
na
história
da
encenação
teatral.
2.1
PRIMEIRO,
O
TEATRO
Os
espetáculos
hoje
oferecem
ao
homem
recursos
cenográficos
que
foram
desenvolvidos
ao
longo
dos
séculos.
A
história
do
aparato
cênico
tem
início
com
o
uso
da
pele
de
animais,
passa
pelos
requintes
da
ópera
barroca,
volta
à
simplicidade
-‐
como
no
caso
de
alguns
espetáculos
onde
apenas
a
luz
funciona
como
cenário
-‐
e
abre-‐se
num
leque
de
amplas
e
infinitas
possibilidades
disponibilizadas
pela
tecnologia
digital.
“O
teatro
é
tão
velho
quanto
a
humanidade.
Existem
formas
primitivas
desde
os
primórdios
do
homem.”
(BERTHOLD,
2001,
p.
1)
As
primeiras
encenações
historicamente
conhecidas
são
as
pantomimas,
que
tinham
uma
função
ritualística,
onde
caçadores
da
Idade
do
Gelo
representavam
a
morte
de
um
animal
com
o
intuito
de
garantir
o
sucesso
na
caçada.
Para
tal,
vestiam-‐se
de
peles,
usavam
máscaras,
construíam
totens
de
madeira
e
usavam
lanças,
o
que
nos
faz
considerar
que,
de
certa
maneira,
“o
teatro
primitivo
utilizava
acessórios
exteriores,
exatamente
como
o
seu
sucessor
altamente
desenvolvido
o
faz.”
(BERTHOLD,
2001,
p.
3)
17
Esse
caráter
mágico,
xamanístico,
das
primeiras
representações
é
a
semente
de
várias
encenações
religiosas
presentes
em
diferentes
culturas,
inclusive
nas
das
danças
dionisíacas,
realizadas
do
templo
de
Dionísio,
aos
pés
da
Acrópole,
em
Atenas
na
Grécia,
o
berço
do
teatro
ocidental
–
viés
condutor
da
retrospectiva
histórica
e
analítica
a
qual
se
propõe
esta
dissertação.
Foi
entre
os
séculos
6
e
5
a.C,
em
meio
às
festividades
sagradas
realizadas
por
todo
o
território
grego
em
homenagem
à
Dionísio,
deus
do
vinho,
que
surgiu
o
teatro.
A
principal
dessas
festas
ocorria
em
Atenas,
uma
espécie
de
capital
das
Grandes
Dionisíacas,
eventos
que
chegavam
a
durar
seis
dias
e
promoviam
concursos
dramáticos
dos
quais
participaram
grandes
autores
como
Ésquilo,
Sófocles
e
Aristófanes
–
e
onde
foram
encenados
vários
dos
textos
clássicos
da
dramaturgia
grega.
As
primeiras
apresentações
teatrais
eram
realizadas
ao
ar
livre,
nas
ágoras
(praças
centrais
das
cidades
gregas)
e
encenadas
durante
o
dia,
pois
dependiam
da
luz
solar
para
serem
vistas.
Em
muitas
delas,
o
entardecer
tornava-‐se
um
recurso
cenográfico
natural,
comumente
usado
como
pano
de
fundo
para
o
desfechar
dramático
de
alguns
textos
que,
calculadamente,
chegavam
ao
seu
fim
ao
cair
dia.
No
século
6
a.C
Pisístrato
construiu
o
Teatro
de
Dionísio
(fig.
3).
“Ali,
no
lado
sul
e
sob
a
muralha
da
Acrópole,
foram
estabelecidas
as
primeiras
formas
do
edifício
teatral:
o
público
tinha
um
espaço
com
qualidade
acústica
e
boa
visão.”
(NERO,
2009,
p.121)
A
audiência
se
distribuía
de
maneira
circular
ao
redor
da
orquestra,
em
um
declive
natural,
o
theatron
(local
onde
se
vê)
–
um
espaço
que
comportava
milhares
de
pessoas.
18
Fig.
3:
O
Teatro
de
Dionísio
em
Atenas
–
Fonte:
Wikipedia
19
subterrânea
que
levava
à
a
skéne,
facilitando
as
aparições
vindas
do
mundo
inferior
de
Caronte.”
(BERTHOLD,
2001,
p.
114)
Mas
se
para
os
gregos
o
teatro
estava
profundamente
ligado
a
questões
religiosas,
dilemas
éticos
e
morais,
para
os
romanos
o
teatro
significava
divertimento.
Os
primeiros
textos
a
serem
encenados
na
Roma
antiga
foram
adaptações
de
textos
gregos,
por
volta
do
século
3
a.C.
No
início,
o
edifício
teatral
romano
era
algo
que
tinha
um
caráter
provisório,
estruturado
em
forma
de
um
semi-‐
círculo
ao
redor
de
onde
o
público
se
dispunha
de
pé.
Construído
em
madeira
para
abrigar
festivais,
era
ao
seu
término
destruído.
Assim
como
na
Grécia,
nas
encenações
teatrais
fazia-‐se
uso
de
painéis
pintados
de
madeira
que
eram
móveis.
Foi
Plauto,
um
dos
mais
famosos
encenadores
romanos
e
autor
de
diversas
comédias,
um
dos
responsáveis
pela
evolução
das
estrutura
dos
palcos.
Suas
exigências
cênicas
fizeram
surgir
portas
na
20
parede
de
fundo
por
onde
entravam
os
atores,
e
reproduziam
lado
a
lado,
casas
de
um
rua.
Em
paralelo,
“conforme
os
cenários
iam
se
enriquecendo,
surgiu
a
tendência
natural
para
apresentá-‐los
ao
público
como
uma
surpresa”
(BERTHOLD,
2001,
p.151),
nasceu
assim
uma
das
grandes
colaborações
romanas
ao
espaço
cênico:
o
auleum
-‐
cortina
da
boca
do
palco
que
inicialmente
caia,
para
dentro
de
um
fosso
localizado
às
margens
do
mesmo.
No
entanto,
em
Roma,
teatro
era
muito
mais
sinônimo
de
espetáculo
do
que
de
dramaturgia.
“Tragédia
e
comédia
em
Roma
são
superadas
por
pantomimas
e
mimos,
quando
então
os
circus
e
os
anfiteatros
abrigam
corridas,
pugilismo
e
esportes
aquáticos.”
(NERO,
2009,
p.
153).
O
espetáculos
romanos
compreendiam
variadas
atrações,
que
iam
desde
as
corridas
de
bigas
e
as
batalhas
navais,
até
as
modalidades
sangrentas
que
incluíam
as
lutas
entre
gladiadores
ou
mesmo
de
pessoas
comuns,
geralmente
cristãos
e
escravos,
contra
animais
selvagens.
“O
uso
de
guindaste
como
dispositivo
de
vôo...
como
também
de
outras
máquinas
de
movimentação,
era
reservado
em
Roma
para
os
jogos
circenses
na
arena
e
no
anfiteatro.”
(BERTHOLD,
2001,
p.151)
Estas
construções
eram
desenhadas
para
abrigar
espetáculos
de
massa,
o
mais
famoso
e
monumental
deles,
de
pé
até
os
dias
de
hoje,
é
o
Coliseu
(fig.4)
–
uma
obra
de
incrível
complexidade
arquitetônica
com
diversos
recursos
cênicos
a
serviço
do
entretenimento.
21
Fig.
4:
O
coliseu
romano
–
Fonte:
Wikipedia
“Os
romanos
transformaram
e
adaptaram,
com
a
excelência
de
sua
engenharia,
os
edifícios
teatrais
herdados
da
Grécia.”
(NERO,
2010,
p.
80)
Para
tanto,
usaram
inclusive
a
sua
tecnologia
náutica
no
sentido
de
oferecer
conforto
aos
freqüentadores
dos
seus
teatros
ao
ar
livre,
como
o
Coliseu:
“O
auditório
podia
ser
coberto
por
toldos
de
linho,
a
fim
de
protegê-‐lo
contra
o
sol
e
a
chuva.
Ao
longo
da
cornija
superior
dos
muros
externos
encontram-‐se
a
intervalos
breves
e
regulares,
suportes
nos
quais
se
encaixavam
os
duzentos
e
quarenta
mastros
que
sustentava
os
toldos,
içados
por
marinheiros
da
esquadra
imperial.
Embaixo
da
arena
ficavam
os
túneis
com
as
celas
para
as
jaulas
dos
animais,
maquinaria
para
o
manejo
de
decorações
e
mudanças
de
cenário,
como
também
os
encanamentos
necessários
para
inundar
a
arena
quando
os
espetáculos
de
batalhas
navais
estavam
no
programa”.
(BERTHOLD,
2001,
p.157)
A
antipatia
nutrida
pela
Igreja
Católica
pelo
teatro
fez
com
que
sua
proibição
fosse
deflagrada
tão
logo
o
cristianismo
tornou-‐se
a
religião
oficial
de
Roma,
no
século
4
d.C.
O
fato
é
historicamente
compreensível
quando
se
considera
que
o
cristão
era
um
“tipo
tradicional”,
um
personagem
comum
a
várias
sátiras
populares
romanas
(mimos
e
pantomimas)
muitas
das
quais
reproduzindo
o
22
episódio
da
crucificação
de
Cristo.
Além
disso,
por
séculos,
os
mesmos
foram
condenados
a
serem
devorados
pelos
leões
nas
arenas.
A
proibição
durou
até
o
século
10
e
só
foi
revogada
a
partir
do
momento
que
a
igreja
desenvolveu
sua
própria
forma
de
encenação
teatral.
É
na
Idade
Média
que
a
igreja
descobre
sua
vocação
como
espaço
cênico.
Os
dramas
litúrgicos
eram
inicialmente
realizados
em
latim,
mas
depois
foram
misturando-‐se
às
línguas
nativas
dos
locais
onde
eram
celebrados.
Nas
igrejas,
a
cruz
e
o
altar
tornam-‐se
elementos
cênicos
por
excelência
-‐
o
que,
de
certa
forma,
o
continuam
sendo
até
os
dias
de
hoje
–além
estruturas
tumulares
eram
construídas
para
a
transformação
do
altar
no
Santo
Sepulcro.
As
encenações
realizadas
tinham
como
tema
o
ciclo
da
Páscoa
e
o
natalino,
e
eram
elaboradas
e
representados
por
membros
do
clero,
podendo
durar
dias
a
fio.
Os
fiéis
participavam
como
figurantes
e
depois
como
atores
-‐
muitos
dos
quais
vieram
a
se
entusiasmar
com
o
ofício
e
formaram
então
os
grupos
amadores
que
posteriormente
vieram
a
se
apresentar
no
pátio
das
igrejas
e
nas
praças
dos
mercados.
Fig.
5:
O
teatro
medieval
de
rua,
em
ilustração
do
século
19
–
Fonte:
Wikipedia
23
Na
rua,
palcos
largos
e
cenários
extremamente
simples
são
a
característica
do
período:
uma
porta
simboliza
a
cidade,
uma
pequena
elevação,
uma
montanha,
uma
boca
de
dragão
à
esquerda
indica
o
inferno
e
uma
elevação
à
direita
torna-‐se
o
paraíso.
Os
grupos
improvisam
o
palco
em
carroças
e
se
deslocam
de
uma
praça
a
outra.
A
princípio
os
temas
ainda
são
religiosos,
mas
o
texto
tem
um
tom
popular
e
inclui
situações
tiradas
do
cotidiano.
A
tradição
das
representações
satíricas
vai
aos
poucos
sendo
incorporada
de
volta.
Nessas
encenações,
carros-‐palcos
foram
profusamente
usados,
inclusive
de
maneira
simultânea,
onde
vários
deles
eram
dispostos,
cada
um
com
um
cenário
que
retratava
um
trecho
específico
da
peça.
Nos
mercados
também
eram
montados
tablados
que
funcionavam
da
mesma
forma,
tal
como
hoje
se
vê
no
espetáculo
da
Paixão
de
Cristo,
encenado
em
Nova
Jerusalém,
no
interior
do
estado
de
Pernambuco.
No
entanto,
os
autos
religiosos,
apesar
de
dominarem
a
cena,
não
eram
os
únicos
a
ganhar
a
atenção
do
público:
“Os
bufões,
saltimbancos
músicos,
dançarinos
e
domadores
de
animais
da
Idade
Média
não
poderiam
reclamar
que
sua
existência
fosse
deixada
no
esquecimento.
Eles
sobrevivem
nos
pórticos
de
Igrejas
(...)
em
cornijas,
manuscritos
e
objetos
esmaltados
–
retratados
no
mais
esmerados
detalhes
e
variedade.”
(BERTHOLD,
2001,
p.
242)
24
O
teatro
humanista
representado
no
início
do
Renascimento
era
cenograficamente
modesto,
se
“comparado
à
pompa
cênica
dos
palcos
simultâneos
do
Medievo
tardio.”
(BERTHOLD,
2001,
p.
271)
Mas,
gradativamente,
os
picturae
scenae
(cenários
pintados)
passaram
a
ser
“pintados
utilizando-‐se
a
técnica
da
perspectiva
central
e
recriavam
paisagens
urbanas
ou
campestres,
acompanhando
o
tipo
de
encenação
(tragédia,
comédia,
ou
sátira),”
(MANTOVANI,
1989,
p.14)
e
tornaram-‐se
mais
elaborados
e
ricos.
A
partir
da
libertação
da
temática
predominantemente
católica
das
encenações
medievais,
não
só
os
textos
clássicos
foram
resgatados
no
teatro
como
também
a
arquitetura
cênica
do
romano
Vitrúvio,
que
determinava
características
de
ambiência
específicas
para
cada
um
dos
gêneros:
“Os
cenários
trágicos
são
dotados
de
colunas,
estátuas,
e
outros
acessórios
reais.
As
cenas
cômicas
mostram
casas
particulares
com
janelas,
segundo
a
disposição
das
residências
comuns.
As
cenas
satíricas
são
decoradas
com
árvores,
cavernas,
montanhas
e
outros
elementos
rústicos,
ao
estilo
da
pintura
de
paisagens.”
(Berthold,
2001,
p.287)
25
usado
para
diferentes
peças,
com
a
mudança
apenas
de
alguns
objetos
e
elementos
cênicos
que
viessem
a
servir
especificamente
a
uma
ou
a
outra
encenação.
A
partir
do
século
16,
em
contraponto
à
racionalidade
e
cientificismo
do
Renascimento,
desenvolve-‐se
a
exuberante
estética
do
Barroco
que
também
chega
ao
teatro.
“No
Barroco,
deixar
o
público
maravilhado
era
a
principal
função
da
cenografia.”
(MANTOVANI,
1989,
p.14)
A
riqueza
e
pompa
encontrada
na
arte
da
época
se
transfere
para
os
cenário
teatrais,
conferindo
ao
período
uma
grande
importância
no
que
diz
respeito
à
evolução
da
cenografia.
A
família
de
cenógrafos
Galli
Bibiena
responde
por
grande
parte
desses
avanços,
“mestres
consumados
da
aplicação
da
perspectiva
diagonal
e
superlativos
na
tradição
do
palco
ilusionista.”(BERTHOLD,
2001,
p.335
)
“Em
1703,
Ferdinando
introduziu
em
Bolonha
a
scena
per
angolo,
usando
a
perspectiva
em
ângulo.
Em
vez
de
ter
um
ponto
de
fuga
no
centro
do
cenário,
utilizou
dois
ou
mais
ângulos
do
lado
do
cenário.
Alterou
a
escala
dos
cenários,
separando-‐os
do
auditório,
tanto
em
ângulo
quanto
em
escala.”
(NERO,
2009,
p.211)
Outra
grande
evolução
cênica
consolidada
período
barroco
foi
um
mecanismo
de
mudança
de
cenário
desenvolvido
por
Battista
Aleotti
de
bastidores
em
nível
e
deslizantes
–
que
diferiam
dos
prismas
giratórios
usados
na
época.
“Este
novo
cenário
consistia
em
uma
série
lateral
de
molduras
de
ripas
revestidas
de
tela
pintada
que
deslizam
sobre
trilhos.”
(BERTHOLD,
2001,
p.335
)
Os
bastidores
também
ficaram
grandiosos
para
poder
abrigar
todos
os
tipos
de
maquinaria
possíveis
que
faziam
surgir
mares,
criaturas
fantásticas
e
que
eram
responsáveis
pela
mobilidade
dos
cenários.
Com
tantas
maravilhas
e
recursos
de
cena,
difundiu-‐se
também
na
época
a
prática
de
apagar
a
luz
da
platéia,
para
que
o
público
concentrasse
sua
atenção
no
espetáculo.
26
Foi
no
final
do
século
19,
com
o
naturalismo,
que
foram
estabelecidas
algumas
das
convenções
que
norteariam
a
natureza
dos
ofícios
teatrais
e
nasce
o
que
hoje
se
compreende
como
Teatro
Moderno.
Ocorreram
avanços
marcantes,
com
o
delineamento
claro
das
funções
do
diretor
(ou
encenador)
do
cenógrafo
e
do
figurinista.
Até
então,
por
exemplo,
o
próprio
ator
escolhia
suas
roupas
e
ainda
não
estava
definida
a
posição
do
diretor
como
coordenador
de
todas
as
funções
do
espetáculo.
Surgiu
também
a
noção
de
encenação
ou
montagem
como
uma
das
inúmeras
possibilidades
de
levar
ao
palco
um
mesmo
texto
dramático.
27
“Milieu
(meio)
“genuíno”,
no
sentido
da
“reproduction
exacte
de
la
vie”
(reprodução
exata
da
vida)
de
Zola,
implicava,
no
palco
de
Antoine,
uma
caixa
cênica
mostrando
aposentos
com
portas
praticáveis
e
janelas,
tetos
de
madeira
sustentados
por
pesadas
vigas,
troncos
de
árvores
naturais,
gesso
de
verdade
caindo
das
paredes.
Seu
famigerado
golpe
de
mestre
foi
pendurar
certa
vez,
postas
de
carne
crua
em
ganchos
de
açougueiro
no
palco.”
(BERTHOLD,
2001,
p.454
)
28
“A
contribuição
do
simbolismo
para
a
encenação
moderna
não
é
menos
considerável.
Graças
à
teoria
simbolista
do
espaço
teatral,
o
pintor
entra
em
cena
com
o
seu
cavalete.
Sem
dúvida,
o
cenário
de
pintor
tem
hoje
poucas
possibilidades
de
receber
boas
criticas.
Mas,
historicamente
trata-‐se
de
um
fenômeno
de
fundamental
importância
(...)
Com
a
chegada
dos
pintores
foram
formuladas
duas
questões
que
atravessarão
toda
a
história
da
encenação
do
século
20:
como
romper
com
o
ilusionismo
figurativo
ou,
melhor
falando,
como
inventar
um
espaço
especificamente
teatral.”
(ROUBINE,
1998,
p.
31)
29
contemporâneos,
que
foram
mais
pensadores
do
que
práticos
do
teatro:
Adolphe
Appia
(1862-‐1928)
e
Edward
Gordon
Craig
(1872
e
1866).”
(ROUBINE,
1998,
p.
132)
30
época
do
início
da
sua
carreira
propondo
formas
mais
estilizadas,
onde
a
simplicidade
sugere
conceitos
e
transforma-‐se
em
linguagem.
Em
paralelo
ao
Teatro
Moderno,
o
século
19
vê
também
surgir
o
cinema,
e
com
ele
um
novo
meio
onde
a
cenografia
passa
a
desenvolver
um
papel
de
fundamental
importância.
A
partir
desse
ponto,
“luz
e
cor
são
objeto
de
uma
teorização
e
de
uma
prática
de
caráter
simbológico,
que
prosseguirão
sem
solução
de
continuidade
ao
longo
de
todo
o
século
20.”
(ROUBINE,
1998,
p.
34)
31
O
primeiro
estúdio
da
história
do
cinema
ficava
nos
fundos
do
laboratório
de
Edison.
Todo
pintado
de
preto
e
com
um
teto
retrátil,
por
onde
entrava
a
luz
do
dia,
ele
podia
acompanhar
o
andar
do
sol
no
céu
e
chamava-‐se
“Black
Maria”
(fig.
8).
“Lá
dentro,
dançarinas,
acrobatas
de
vaudeville,
atletas,
animais
e
até
mesmo
palhaçadas
dos
técnicos
de
Edison
eram
filmados
contra
um
fundo
preto,
iluminados
pela
luz
do
sol."
(MASCARELLO,
2006,
p.17)
32
no
ano
de
1896,
teve
um
grande
insight:
"Voltando
para
o
hotel
de
gôndola
(…)
olhava
correrem
as
margens
em
frente
do
batel
,
e
pensava
que
se
o
cinema
permite
reproduzir
os
objetos
imóveis,
poder-‐se-‐ia
talvez
inverter
a
proposição
e
reproduzir,
com
o
auxílio
do
cinema
móvel,
os
objetos
imóveis."
(SADOUL,
vol.1,1963,
p.25)
Nessa
descoberta
reside
uma
das
fundamentais
novidades
trazidas
pelo
cinema,
em
relação
ao
teatro
e
afeta
diretamente
o
a
concepção
cenográfica:
o
olho
do
espectador,
representado
pela
câmera,
podia
entrar
no
cenário,
mudar
de
ângulo
de
visão,
de
distância
do
objeto
da
ação
–
e
não
só,
passivamente,
enxergar
tudo
a
partir
de
um
mesmo
ponto
de
vista.
Mas
apesar
da
novidade
da
atração
como
um
todo,
com
o
tempo,
o
público
foi
perdendo
o
interesse
por
esses
pequenos
documentários
e
historietas
e
foi
aí
que,
aos
poucos,
começou
a
surgir
um
cinema
tal
qual
o
conhecemos
hoje,
com
preocupações
estéticas
e
narrativas
que
tornaram-‐se
responsáveis
por
trazer
a
cenografia
para
um
novo
meio.
"Após
dezoito
meses,
os
espectadores
abandonam
o
Cinematógrafo.
A
fórmula
puramente
demonstrativa
das
fotografias
animadas
durante
um
minuto,
cuja
arte
se
limitava
à
escolha
do
assunto,
ao
enquadramento
e
iluminação,
conduzira
o
filme
a
um
impasse.
Para
dele
sair,
o
filme
deveria
aprender
a
contar
uma
história,
empregando
os
recursos
de
uma
arte
próxima,
o
teatro.
Foi
o
que
fez
George
Méliès."
(SADOUL,
vol.1,1963,
p.25)
33
Em
seu
estúdio,
os
cenários
eram
pintados
em
falsa
perspectiva,
muitos
feitos
em
tons
de
cinza,
com
detalhes
em
preto
e
branco
exagerados
para
se
ter
registro
dos
contornos
e
formas.
Depois,
num
processo
de
finalização
arcaico,
eles
eram
coloridos,
modelados
com
sombras
e
luzes,
de
forma
a
ser
difícil
distinguir
o
verdadeiro
do
falso
-‐
o
que
era
chapado,
pintado,
e
o
que
era
real
-‐
criando
um
ambiente
irreal
e
fantástico.
Em
um
de
seus
filmes
Mielès
chega
a
simular
uma
vista
submarina
filmando
através
de
um
aquário
onde
nadavam
peixes
e
flutuavam
algas.
Uma
vez
que
muitos
dos
filmes
vinham
de
adaptações
de
contos
de
fadas,
em
sua
maioria
de
origem
medieval
ou
gótica,
trabalhava-‐se
com
um
repertório
fixo
de
cenários
-‐
como
castelos,
masmorras
e
sótãos
–
que
a
cada
filme
eram
adequados
às
exigências
da
produção.
Foi
o
ilusionista
francês
também
responsável
pelos
primeiros
“efeitos
especiais”do
cinema.
Na
Gata
Borralheira
(1899),
por
exemplo,
"a
transformação
da
abóbora
em
carruagem
realizava-‐se,
por
meio
do
truque
da
substituição"
(SADOUL,
vol.1,
1963,
p.34).
Já
em
Gulliver
(1902)
ele
realiza
trucagens
de
gigantismo
fazendo
uso
de
pianos
em
primeiro
plano.
As
inovações
cinematográficas
implementadas
por
George
Méliès,
como
os
truques
de
desaparecimento,
o
uso
de
maquetes
nos
cenários
e
a
preocupação
com
a
narrativa,
marcaram
em
definitivo
a
história
da
sétima
arte.
Fig.
9:
“Viagem
à
Lua”
–
Fonte:
Wikipédia
34
O
traço
genial
de
Méliès
foi
o
emprego
sistemático
no
cinema
da
maioria
dos
recursos
do
teatro:
argumento,
atores,
trajes,
maquiagem,
cenografia,
maquinaria,
divisão
em
cenas
ou
atos
etc.
Todas
essas
aquisições
foram
conservadas
até
hoje
pelo
cinema
sob
formas
diversas.
(SADOUL,
vol.1,1963,
p.29)
O
ápice
da
sua
inventividade
é
atingido
com
o
famoso
"Viagem
à
Lua”
(fig.
9)
,
de
1902,
quando
ele
emprega
várias
das
suas
técnicas
de
trucagem,
alcançado
então
um
enorme
sucesso
internacional.
"De
1907
a
1913
o
cinema
pouco
a
pouco
organiza-‐se
de
forma
industrial,
estabelecendo
uma
especialização
das
várias
etapas
de
produção
e
exibição
dos
filmes,
e
transforma-‐se
na
primeira
mídia
de
massa
da
história.
Os
filmes
passam
a
ser
mais
compridos
(…)
usam
mais
planos
e
contam
histórias
mais
complexas
(…)
As
práticas
de
produção
de
filmes
vão
sendo
padronizados
em
resposta
à
necessidade
de
satisfazer
a
crescente
demanda
dos
exibidores."
(MASCARELLO,
2006,
p.37)
No
começo
do
século
20,
as
empresas
francesas
Pathé
e
a
Companhia
Gaumont
controlavam
o
mercado,
tanto
o
europeu
como
o
norte-‐americano
e,
“enquanto
as
companhias
européias
se
expandiam
internacionalmente,
nos
Estados
Unidos,
as
produtoras
Edison,
Vitagraph
e
Biograph
disputavam
o
mercado
doméstico.
(MASCARELLO,
2006,
p.39)
Outras
características
que
determinariam
para
sempre
a
diferença
de
estilos
entre
a
produção
cinematográfica
dos
dois
continentes
começava
também
a
surgir.
Enquanto
os
americanos
passaram
a
desenvolver
um
estilo
de
montagem
mais
ágil
-‐
que
se
tornaria
a
marca
registrada
dos
seus
filmes,
os
europeus
dedicaram-‐se
a
dispensar
maior
atenção
ao
plano
de
filmagem,
e
ao
espaço
cênico,
em
toda
a
sua
profundidade.
A
Pathé,
por
exemplo,
viria
a
assumir
essa
preocupação
ao
contratar
em
1909,
o
russo
Czeslaw
Sabinski,
que
trabalhava
como
cenógrafo
no
Teatro
de
Arte
de
Moscou,
para
chefiar
o
departamento
de
arte
de
suas
produções.
35
“Enquanto
o
cinema
americano
diminuía
a
duração
dos
planos
e
apoiava-‐se
em
atuações
mais
contidas
e
realistas,
os
cineastas
europeus
usavam
cenários
elaborados
e
realizavam
atuações
complexas
dentro
deles.
Criavam
ambientes
com
várias
camadas,
cheios
de
portas
e
aberturas
que
deixavam
ver
as
salas
adjacentes,
onde
parte
das
ações
era
encenada.”
(MASCARELLO,
2006,
p.47)
Os
filmes
épicos
italianos
inauguraram
um
estilo
de
cenários
grandiosos
e
marcaram
a
transição
para
a
era
dos
longa-‐metragens.
Em
“Os
Últimos
Dias
de
Pompéia”
(fig.
14),
de
1913,
filme
de
Mario
Caserini
e
Eleutério
Caserini,
um
dos
expressivos
exemplos
do
gênero,
há
vários
sets,
externos
e
internos,
ricamente
cenografados,
onde
se
percebe
uma
genuína
preocupação
com
a
reconstituição
de
época
através
dos
objetos
e
da
caracterização
do
figurino.
A
escala
dos
cenários
externos
e
cenas
de
multidão
deixaria
uma
marca
que
influenciaria
os
clássicos
épicos
de
Hollywood.
36
Fig.
10:
“Os
Últimos
Dias
de
Pompéia”
–
Fonte:
Wikimedia
Mas,
enquanto
os
europeus
e
os
americanos
travam
um
embate
pelo
mercado,
na
Alemanha
é
produzido
um
filme
que
viria
a
provocar
uma
verdadeira
revolução,
no
sentido
de
suscitar
discussões
a
respeito
das
fronteiras
artísticas
e
estilísticas
do
cinema:
“O
Gabinete
do
Dr.
Caligari”
(1920)
de
Robert
Wiene.
O
filme
inaugura
a
fase
da
vanguarda
cinematográfica
vinda
de
Weimar,
na
Alemanha,
alinhando-‐se
conceitualmente
com
o
expressionismo,
movimento
artístico
modernista
que
estendeu
sua
influência
não
só
pelo
campo
das
artes
plásticas,
como
também
pelo
cinema,
o
teatro
e
a
literatura.
Fig.
11:
“O
Gabiente
do
Dr.
Caligari”
–
Fonte:
Wikipedia
37
No
que
diz
respeito
à
cenografia,
“O
Gabinete
do
Dr.
Caligari”
(fig.
15)
foi
o
disparador
de
mudança
conceitual
e
estética
no
cinema.
Tal
qual
um
quadro
expressionista,
o
cenário
passava
a
assumir
um
caráter
subjetivo,
não
havendo
simplesmente
a
intenção
objetiva
de
reproduzir
o
real.
"Nesse
filme
tudo
se
subordinou
a
uma
visão
de
mundo
que
desarticulava
a
perspectiva,
as
iluminações,
as
formas,
as
arquiteturas."
(SADOUL,
vol.1,
1963,
p.145)
A
atmosfera
de
pesadelo
do
filme
é
construída
através
da
junção
de
uma
série
de
elementos
estéticos:
planos
de
filmagem
oblíquos,
cenários
assimétricos,
exibindo
ruas
tortas
e
casas
inclinadas
e,
nos
ambientes,
o
uso
dos
objetos
ganha
um
caráter
simbólico
forte,
além
da
trabalhada
iluminação,
que
busca
reproduzir
o
estado
de
espírito
dos
personagens.
Em
outros
lugares
da
Europa
os
movimentos
artísticos
também
começaram
a
estender
sua
influência
para
as
produções
cinematográficas.
Na
França,
o
impressionismo
foi
referência
para
as
experiências
do
cinema
de
vanguarda,
que
expoente
mais
emblemático
“A
Queda
da
Casa
de
Usher”
(1928),
de
Jean
Epstein,
uma
adaptação
do
conto
homônimo
de
Edgar
Allan
Poe.
No
mesmo
ano,
o
surrealismo
ganha,
através
da
parceria
do
pintor
Salvador
Dalí
e
do
cineasta
espanhol
Luís
Buñuel,
sua
mais
pungente
tradução
fílmica:
“O
Cão
Andaluz”
(1929).
"Un
Chien
Andalou
fôra
uma
entrada
furiosa
numa
arena
semeada
de
cadáveres,
píques,
gritos,
espadas
e
acessórios
incompreensíveis.(SADOUL,
vol.1,1963,
p.188)
Fig.
12:
Cenário
de
Spellbound
–
Fonte:
Wikipédia
38
Esse
envolvimento
do
cinema
com
as
artes
plásticas
foi
determinante
para
que
a
direção
de
arte
e
do
cenário
consolidassem
o
caráter
de
suporte
ao
conteúdo
conceitual
e
narrativo
do
filme,
abandonando
definitivamente
sua
função
puramente
decorativa.
Mais
adiante,
Dalí
viria
também
a
colaborar
numa
produção
hollywoodiana
“Spellbound”,
de
1945,
de
Alfred
Hitchcock,
onde
desenha
as
surrealistas
sequências
referentes
ao
sonho
de
um
dos
personagens
(fig.
15).
O
conglomerado
de
estúdios
que
se
tornaria
sinônimo
de
cinema
nos
Estados
Unidos,
Hollywood,
surgido
na
década
de
1910
em
Los
Angeles,
tinha
assumido
a
liderança
do
mercado:
Os
dez
anos
que
seguiriam
à
Primeira
Guerra
Mundial
foram
para
o
cinema
norte-‐americano
um
período
de
prosperidade
conquistadora.(…)
Algumas
grandes
companhias:
Paramount,
Loew,
Fox,
Metro,
Universal
dominaram
a
produção,
a
exibição
e
a
distribuição
mundiais."
(SADOUL,
vol.1,
1963,
p.
197)
Mais
adiante
com
a
Segunda
Guerra
Mundial
-‐
que
veio
a
comprometer
seriamente
o
mercado
cinematográfico
europeu
-‐
a
hegemonia
americana
veio
então
a
se
consolidar.
Em
Hollywood
diversos
gêneros
surgiram
e
com
eles
inovações
técnicas
e
estéticas
que
vieram
a
influenciar
o
cinema
até
os
dias
de
hoje.
No
entanto,
todas
essas
mudanças
e
evoluções
ocorridas
no
meio
e
sua
linguagem
tinham
até
então
a
película
como
o
único
suporte.
O
cinema
digital
surgiria
no
século
20
vindo
a
mudar
radicalmente
essa
relação.
Fig.
13:
Cena
do
stargate
em
“2001:
Uma
Odisséia
no
Espaço
–
Fonte:
Wikipédia
39
“O
cinema
digital,
armazenando
imagens
e
sons
nos
bits
e
bytes
de
aparatos
computadorizados,
desmaterializou
a
superfície
que,
por
mais
de
um
século,
abrigou
os
fotogramas
,
constituindo-‐se
na
substância
poética
em
que
foram
impressionadas
as
mais
pregnantes
sensações,
visões
e
fantasias
do
século
XX.”
(MASCARELLO,
2011,
pág.
413)
Foi
na
década
de
60,
com
os
efeitos
especiais
que
criaram
o
“stargate”
(fig.
13)
de
Stanley
Kubrick
em
“2001:
Uma
Odisséia
no
Espaço”
(1968)
que
o
cinema
digital
deu
os
seus
primeiros
passos.
Foi
pois,
desde
seu
surgimento
que
a
tecnologia
digital
viria
a
servir
em
várias
ocasiões
como
recurso
para
reproduzir
-‐
mesmo
em
roteiros
de
filmes
com
histórias
mais
tradicionais
–
situações
extraordinárias.
Apenas
com
o
tempo
ela
foi
ocupando
trechos
cada
vez
maiores
nos
filmes,
até
ser
usada
numa
produção
cinematográfica
inteira.
Fig.14:
Cenários
do
episódio
2
de
Guerra
nas
Estrelas
–
Fonte:
Wikipedia
E
foi
dessa
forma
que
os
computadores
começaram
a
transformar
em
termos
radicais
o
processo
de
produção
cinematográfica.
O
diretor
George
Lucas
com
sua
saga
“Guerra
nas
Estrelas”
criou
um
marco
ao
popularizar
o
cinema
no
meio
40
digital
e
inaugurando
uma
trajetória
de
infinitas
possibilidades
de
realização
cenográfica
através
do
mesmo.
“A
hegemonia
das
modalidades
de
confecção
fílmica
hollywoodianas
está
sendo
crescentemente
desafiada
pelas
novas
potencialidades
radicais
das
tecnologias
de
meios
digitais,
como
evidenciado
pela
rápida
ascensão
dos
videogames,
das
indústrias
de
entretenimento
de
base
local
e
das
novas
práticas
artísticas.”
(WEIBEL
e
SHAW,
2003,
pág.
19)
E
é
a
cenografia
desse
cinema
expandido,
eletrônico
e
gerado
digitalmente
que
simulando
o
espaço,
o
tempo
e
a
realidade,
encontra
eco
nas
ambiências
virtuais
dos
games
e
passa
a
construir
a
uma
linguagem
própria,
adequada
a
esse
novo
meio.
Fig.15
Linha
do
Tempo
da
História
da
Cenografia
41
3
.
UMA
PARTIDA,
OS
GAMES
Fig.
16:
O
jogo
de
Ur,
Museu
Britânico
–
Fonte:
Wikimedia
Neste
capítulo
trataremos
de
desenhar
uma
história
dos
games,
desde
a
sua
mais
remota
origem,
até
chegarmos
ao
presente
momento
e
apresentarmos
aquele
que
vai
ser
o
nosso
foco
de
pesquisa,
os
games
de
cenários
realistas
em
3D
e,
mais
especificamente
ainda,
o
World
of
Warcraft.
A
relação
entre
os
homens
e
os
jogos
é
antiga.
Os
atuais
consoles
e
as
interfaces
digitais
dos
games
contemporâneos
encontram
os
primeiros
registros
de
parentesco
distante
em
aproximadamente
3.000
a.C
na
forma
de
dados
primitivos
feitos
de
cerâmica
ou
em
jogos
sumérios
de
tabuleiro
com
peças
de
lápis
lázuli.
Desde
então,
são
incontáveis
os
registros
espalhados
pelo
mundo
dessa
atividade
que,
fundamentalmente
associada
ao
lazer
e
à
sociabilização,
pode
também
um
caráter
educativo
e
contribui
para
o
desenvolvimento
não
só
de
habilidades
físicas
como
também
intelectuais.
Considerando-‐se
que
um
game
é
tanto
mais
um
processo
do
que
só
um
objeto,
há
algumas
características
básicas
que
conferem
a
uma
atividade
a
qualidade
de
jogo,
como
regras,
desafios,
interação
e
objetivos
a
serem
atingidos,
seja
através
do
uso
de
estratégia,
de
habilidades
intelectuais
e
físicas
ou,
simplesmente,
de
sorte.
A
particular
configuração
de
cada
um
desses
elementos
e
a
combinação
possível
entre
eles
aliadas
à
individualidade
do
jogador
–
pois
afinal
sem
ele
não
há
ação
-‐
42
confere
a
cada
partida
de
game
(jogo
digital)
um
caráter
único.
Atualmente,
além
das
funções
de
lazer,
educativa
e
até
de
treinamento
os
games
estão
funcionando
como
suporte
de
experiências
artísticas
e
como
veículo
publicitário,
graças
em
grande
parte
aos
avanços
tecnológicos
que
vieram
a
ampliar
e
aprimorar
as
ferramentas
dos
mesmos
e
os
seus
meios
de
inserção.
”Sob
uma
óptica
mercadológica,
a
manifestação
existencial
dos
jogos
eletrônicos
se
ergue
sob
quatro
bases
distintas
a
serem
observadas
com
cautela:
primeiro,
para
divertimento
cobrado
por
fichas
ou
moedas,
em
bares
ou
casas
especializadas
conhecidas
como
árcades
(ou
fliperamas,
como
são
chamadas
na
região
sudeste
do
Brasil).
Segundo,
como
aparelho
doméstico,
acoplado
à
TV;
terceiro,
como
um
diferente
tipo
de
software
a
ser
usado
no
microcomputador;
e
quarto,
como
dispositivo
portátil
que
evoca
qualquer
ambiente
como
altar
da
ritualística
do
jogo.”
(XAVIER,
2010,
pág.
77)
No
entanto,
para
melhor
entender
o
alcance
e
a
importância
dos
games
é
preciso
voltar
um
pouco
no
tempo
e
acompanhar
a
evolução
tecnológica
que
os
transformou
num
fenômeno
de
fundamental
importância
na
cultura
contemporânea.
De
como
experimentos
militares
transformaram-‐se
em
entretenimento
de
bar,
com
os
arcades,
e
entraram
nas
nossas
casas
ocupando
às
vezes
o
espaço
principal
de
convivência
dos
seus
habitantes,
na
era
dos
games
de
console
e
de
computador.
43
3.1.
A
SAGA
Fig.
17:
Cathode-‐Ray
Tube
Amusement
Device
–
Fonte:
Wikimedia
A
história
dos
avanços
tecnológicos
que
vieram
a
tornar
possível
a
era
dos
videogames
começa
nos
anos
40,
em
um
campo
totalmente
dissociado
do
entretenimento:
o
militar.
Foi
a
partir
de
um
sistema
de
defesa
antimísseis
à
base
de
tubos
de
raios
catódicos
que,
em
1947,
Thomas
Goldsmith
e
Estle
Ray
Mann
criaram
o
que
seria
o
primeiro
game
com
uma
imagem
em
movimento,
o
"Cathode-‐Ray
Tube
Amusement
Device"
(fig.
16).
“Tratava-‐se
de
um
tubo
de
raios
catódicos
que
gerava
um
ponto
vetorial
controlado
analogicamente
pelo
jogador.
Inspirado
nas
telas
de
radares,
o
ponto
simulava
mísseis
que
deveriam
acertar
círculos
fixos
desenhados
no
monitor.”(GULARTE,
2010,
pág.
40)
44
Feira”
realizada
em
1851
em
Londres,
no
Palácio
de
Cristal
que
curiosamente
foi
evento
emblemático
do
ingresso
da
civilização
na
era
de
industrial.
Com
quase
três
metros
de
comprimento
e
considerado
“o
primeiro
computador
digital
criado
especificamente
para
jogos”
(GULARTE,
2010,
pág.
40),
o
NIMROD
foi
projetado
para
executar
apenas
um
jogo,
o
NIM.
Um
ano
depois
surgia
o
“OXO”,
uma
espécie
de
jogo
da
velha
eletrônico,
produzido
por
Alexander
S.
Douglas
para
o
também
gigante
computador
EDSAC.
Logo
mais,
em
1958,
William
Higinbotham
criaria
o
Tennis
for
Two,
a
partir
de
um
osciloscópio
–
sendo
esse
o
primeiro
game
a
possibilitar
que
mais
de
um
jogador
participasse
de
uma
mesma
partida.
Mas
foi
um
engenheiro
alemão
chamado
Ralph
Bauer
o
responsável
pela
desenvolvimento
de
uma
versão
comercial
de
um
jogo
eletrônico
de
caráter
doméstico
-‐
que
é
ao
qual
nos
dedicaremos
a
analisar
nessa
dissertação.
Trabalhando
desde
a
década
de
50
para
a
Sanders,
uma
empresa
americana
que
desenvolvia
componentes
eletrônicos
para
radar,
ele
acabou
por
tornar-‐se
engenheiro
chefe
do
departamento
de
design
de
eletrônicos
e
em
1966
deu
início
a
um
projeto
que
mudaria
para
sempre
a
história
dos
jogos.
Bauer
começou
a
desenvolver
um
modo
de
jogo
eletrônico
onde
as
pessoas
poderiam
interagir
com
um
equipamento
básico
de
TV.
“Em
1967,
apresentou
um
jogo
de
perseguição
entre
dois
pontos
em
um
labirinto
e
mais
tarde,
desenvolveu
uma
pistola
de
luz
para
acertar
um
ponto
na
tela,
criando
assim
o
primeiro
acessório
para
consoles;
e
um
jogo
com
um
anteparo
para
rebater
uma
bola,
criando
assim
um
jogo
de
tênis.
(GULARTE,
2010,
pág.
44)
As
chamadas
Brown
Boxes,
embora
fossem
apenas
um
protótipo
muito
rudimentar
de
videogame,
já
possuíam
as
características
básicas
que
os
modernos
consoles
de
game
têm
hoje:
controles
e
um
sistema
de
programa
multijogos.
Elementares
em
sua
interface
digital
onde
apareciam
unicamente
imagens
em
preto
45
e
branco
-‐
produzidas
por
um
sistema
de
cartões
de
circuitos
–
as
Brown
Boxes
também
não
tinham
som.
Foram
feitas
ao
todo
sete
versões
dessas
caixas
que,
assemelhadas
a
uma
TV,
podiam
ser
programadas
para
diferentes
jogos,
sendo
o
mais
famoso
deles,
uma
espécie
de
jogo
de
ping-‐pong.
Fig.
18:
Odyssey,
a
evolução
da
Brown
Box
–
Fonte:
Wikimedia
Uma
empresa
produtora
de
televisores,
a
Magnavox,
comprou
o
protótipo,
patenteou
a
invenção
e
a
batizou
de
Odyssey
(fig.
17),
lançando-‐a
comercialmente
no
mercado
em
1972.
Nessa
apresentação,
a
interface
do
jogo
era
muito
simples
e
“como
o
sistema
só
produzia
pontos,
blocos
e
linhas,
eram
utilizadas
telas
coloridas,
coladas
pelos
usuários
às
televisões
para
dar
uma
sensação
mais
realista
aos
jogos”
(GULARTE,
2010,
pág.
44).
Foram
esses
pontos,
blocos
e
linhas,
e
essas
telas
coloridas
superpostas
às
telas
dos
aparelhos
de
TV,
os
primeiros
“cenários
eletrônicos”
dos
games
domésticos.
Em
1972
surge
a
Atari
Inc.,
a
empresa
que
viria
a
se
transformar
sinônimo
de
videogame
nas
décadas
de
1970
e
1980.
Capitaneada
por
Nollan
Bushnell
e
Ted
Dabney
a
Atari
apresentou
ao
mercado
um
game
de
arcade
que
teria
as
mesmas
características
do
Odyssey
da
Magnavox,
o
Pong
(fig.
18).
Instalada
em
bares
e
funcionando
a
partir
de
um
sistema
de
alimentação
com
fichas,
fez
tanto
46
sucesso
que
“ao
fim
de
março
de
1973,
a
máquina
Pong
já
tinha
cerca
de
dez
mil
unidades
vendidas”
(
GULARTE,
2010,
pág.
44).
Fig.
19:
Screenshot
de
Pong,
da
Atari
–
Fonte:
Wikimedia
A
Magnavox
processou
então
a
fabricante
da
Pong
pelos
direitos
autorais
do
game,
no
entanto
a
Atari
fez
um
acordo
financeiro
milionário
que
garantiu
a
licença
de
uso
e
direito
à
distribuição
do
mesmo.
Aliás,
foi
apenas
o
primeiro
dos
processos
abertos
pela
criadora
do
Odyssey,
que
durante
os
anos
continuou
processando
várias
empresas
por
conta
da
patente
de
consoles
sem
obter
jamais
sucesso
na
sua
pretensão
de
exclusividade.
Na
história
dos
games,
foram
os
arcades
que
deram
início
ao
processo
de
popularização
dos
videogames
no
mundo.
“Não
havia
grandes
pesquisas
com
foco
comercial
no
setor.
Somente
depois
da
consolidação
de
mercado
de
consoles
é
que
houve
um
grande
investimento
tecnológico
e
comercial
no
setor.
A
criação
de
árcades
deixou
então
de
ser
um
produto
tecnológico
oriundo
de
estudos
acadêmicos
e
montou
uma
indústria
sólida
por
décadas.”
(GULARTE,
2010,
pág.
46)
47
3.2.
UMA
PRIMEIRA
EXPANSÃO
Entre
1971
a
1977
desenvolveram-‐se
os
primeiros
arcades
comerciais,
como
o
Galaxy
Game
e
o
Computer
Space
e
mas
foi
o
Pong
responsável
pelo
fôlego
inicial
que
teve
o
setor.
Em
paralelo,
a
esses
avanços
da
recém-‐criada
indústria
dos
games,
o
segmento
dos
consoles
foi
também
crescendo
-‐
mesmo
que
mais
lentamente,
se
comparado
ao
sucesso
comercial
inicial
dos
arcades.
Graças
à
supremacia
do
Pong
da
Atari,
os
videogames
domésticos
da
primeira
geração
não
passavam
de
uma
reprodução
do
mesmo,
com
algumas
variações.
A
fábrica
americana
de
brinquedos
Coleco
tentou
também
ingressar
no
promissor
mercado
dos
consoles
e
lança
sua
versão
do
Pong.
Mas
apesar
de
conseguir
produzir
de
forma
mais
barata
os
games,
não
alcançou
um
sucesso
imediato
de
vendas,
que
só
aconteceria
com
a
sua
segunda
geração
de
consoles.
“Na
particularidade
dos
lares,
o
avanço
foi
inicialmente
lento
e
comedido.
Ao
Magnavox
Odyssey
de
Ralph
Bauer
seguiram
pérolas
como
o
Channel
F
da
Fairchild
e
o
Studio
II
da
RCA.
O
primeiro
foi
importante
conceitualmente
por
ser
o
primeiro
videogame
a
ser
reprogramável,
ou
seja,
a
tentar
impedir
–
por
adição
de
novos
jogos
em
circuitos
eletrônicos
lacrados
em
cartuchos
–
que
o
jogador
ficasse
desistimulado
com
os
jogos
que
acompanhavam
o
aparelho.
(XAVIER,
2010,
pág.
84)
Com
o
surgimento
do
Fairchild
Channel
F,
em
1976,
dá-‐se
o
início
da
segunda
geração
dos
games,
os
de
8
bits.
“Nascem
assim
os
videogames
com
processador
interno
capazes
de
interpretar
as
informações
dos
cartuchos.
Esse
mesmo
console
também
apresentou
a
proposta
de
desvincular
fisicamente
os
controles
de
jogo.”
(GULARTE,
2010,
pág.
65)
No
Brasil,
a
empresa
pioneira
do
gênero,
a
Philco,
lança
em
1977
os
Telejogos,
primeiro
console
a
ser
projetado
e
fabricado
no
país.
No
entanto,
do
48
ponto
de
vista
tecnológico,
o
produto
não
apresentava
nenhuma
grande
novidade,
com
suas
quatro
opções
de
game
pré-‐programadas
que
imitavam
jogos
de
futebol
e
corrida
com
uma
interface
extremamente
rudimentar.
Fig.
20:
Screenshot
de
Space
Invaders
–
Fonte:
Wikimedia
No
mesmo
ano,
surge
no
mercado
americano
o
console
responsável
pela
popularização
dos
games
em
lares
mundo
todo:
o
Atari
2600.
O
game,
rodava
sprites,
com
128
cores,
em
resolucão
de
160
por
192
pixels
e
“com
um
potente
processador
gráfico,
desbancou
rapidamente
o
Fairchild
Channel
F.”
(GULARTE,
2010,
pág.
66)
Um
dos
seus
trunfos
foi
também
contar
com
primeira
versão
de
arcade
licenciada
para
console,
o
já
bastante
popular
Space
Invaders
(fig.
19).
Criado
em
1978
pela
japonesa
Taito,
e
apropriando-‐se
de
uma
dinâmica
vinda
do
cinema,
do
badalado
filme
Star
Wars
de
Steven
Spilberg,
o
game
com
seus
gráficos
bidimensionais
tornou-‐se
uns
dos
mais
copiados,
até
os
dias
de
hoje,
em
toda
a
história
do
género,
transformando-‐o
num
legítimo
produto
cult.
Com
o
advento
de
cartuchos
para
jogos,
a
Atari
liberava
o
know-‐how
para
desenvolvimento
de
ROMS
baseados
em
seu
sistema,
e
dezenas
de
empresas
criavam,
clonavam
e
distribuíam
jogos
para
o
console.”
(GULARTE,
2010,
pág.
67)
49
Mais
de
30
milhões
de
unidades
do
Atari
2600
foram
vendidas,
consolidando
de
uma
vez
por
todas
o
mercado
dos
consoles
e
criando
um
sólido
contingente
de
fiéis
jogadores.
A
cor
começa
a
surgir
timidamente
nas
interfaces
digitais
dos
games.
“Apesar
de
monocromático
inicialmente,
como
todos
os
jogos
de
sua
época,
uma
versão
clonada
de
Space
Invaders,
da
Logitec,
conta
com
um
sofisticado
mecanismo
eletrônico
(PCB)
para
adicionar
cor
verde
no
vídeo.”(XAVIER,
2010,
pág.
79)
Em
1979
o
game
japonês
Galaxian,
da
Namco,
leva
às
telas
uma
batalha
em
8bit
color
onde
também
acrescenta
inovações
em
relação
à
movimentação
das
naves
que
se
passam
a
se
deslocar
não
só
horizontalmente
como
verticalmente,
quando
as
naves
fazem
vôos
suicidas
contra
o
jogador.
Dá-‐se
início
assim
ao
percurso
de
aprimoramento
gráfico
das
interfaces
dos
games
que
culminaria
com
os
atuais
jogos
em
3D.
“O
cenário
dos
jogos,
sempre
negro
como
uma
noite
nebulosa,
começa
a
ser
repensado
como
um
palco
iluminado”.
(XAVIER,
2010,
pág.79)
3.3
NOVOS
MUNDOS
Em
1983
o
mercado
americano
de
consoles
começa
a
ser
afetado
pela
uma
recém
surgida
concorrência:
os
games
para
computadores
domésticos.
“Com
o
avanço
tecnológico
dos
microchips,
os
computadores
pessoais
já
tinham
um
preço
mais
competitivo
comparado
aos
consoles,
sendo
que
nestes,
os
usuários
poderiam
realizar
diversas
tarefas
fora
jogar”.
(GULART,
2010,
pág.
68)
Em
paralelo,
as
japonesas
Nitendo
e
Sega,
ingressavam
no
mercado
de
consoles,
tanto
na
Europa
quanto
no
Estados
Unidos,
com
tecnologia
superior,
o
que
viria
a
enfraquecer
ainda
mais
seus
concorrentes
americanos.
O
Nintendo
Entertainment
System
(NES),
provocou
uma
verdadeira
revolução
no
meio,
pois
além
dos
controles,
o
console
vinha
com
luvas,
pistola
e
um
robô
de
brinquedo,
ampliando
as
possibilidades
de
interação
oferecidas
até
então,
inclusive
em
relação
à
configuração
do
manuseio
dos
controles,
que
ofereciam
oito
posições
de
direção
e
50
dois
botões
de
ação.
“O
bom
processamento
e
a
qualidade
de
gráficos
impressionava
crianças
e
adultos,
acostumados
com
os
gráficos
rudes
e
blocados
dos
videogames
de
gerações
passadas”.
(GULART,
2010,
pág.
70)
Fig.
21:
Tela
Final
de
Donkey
Kong
–
Fonte:
Wikimedia
Os
cenários
eram
coloridos
com
tons
fortes
e
chapados,
e
os
props
ainda
eram
relativamente
simples,
mas
o
fato
do
NES
era
o
fato
dele
rodar
sprites,
tornava
o
game
mais
ágil
e
visualmente
interessante.
Ao
trazer
para
universo
dos
consoles
o
sucesso
dos
arcades,
o
game
Donkey
Kong
(fig.
20),
passou
a
ser
acompanhado
por
um
game
bônus
de
um
simpático
bombeiro
que
iria
roubar
a
cena
e
se
tornar
um
dos
personagens
mais
icónicos
da
história
dos
games:
Mário.
51
Fig.
22:
Screenshot
-‐
Super
Mário
Bros.
–
Fonte:
Wikimedia
Fenômeno
absoluto
de
vendas,
o
Super
Mario
Bros.
(fig.
25)
introduziu
uma
série
de
aspectos
relevantes
ao
game
design.
Músicas
temáticas,
efeitos
de
som,
design
de
personagens
e
roteiro
faziam
de
Super
Mario
Bros.
um
jogo
mágico.”
(GULARTE,
2010,
pág.
72)
A
concorrente
direta
da
Nitendo,
a
Sega,
cria
então
o
Sonic,
porco-‐espinho
velocista
que
é
desafiado
por
uma
série
de
obstáculos,
como
rampas,
loopings
e
catapultas,
num
game
cheio
de
ação
e
com
várias
fases.
A
partir
daí
o
trabalho
do
designer
de
games
foi
se
tornando
cada
vez
mais
especializado,
e
passou
a
ser
necessária
uma
equipe
maior
para
o
desenvolvimento
dos
projetos.
“Foram,
então,
surgindo
especialidades
nos
estúdios,
onde
uns
desenvolveriam
a
programação
do
jogo,
outros
desenhariam
os
sprites
e
artefatos,
outros
criavam
as
músicas,
e
outros
ficavam
com
a
distribuição
dos
mesmos.”
(XAVIER,
2010,
pág.
77)
Como
consequência
aumenta
também
a
complexidade
dos
cenários,
que
ficam
cada
vez
mais
elaborados,
apresentando
uma
variedade
de
cor
e
riqueza
de
detalhes
antes
jamais
imaginados.
Claro,
toda
essa
evolução
que
culminaria
com
o
surgimento
dos
jogos
3D
imersivos
só
foi
possível
graças
a
uma
série
de
avanços
tecnológicos.
Entre
eles,
os
sistemas
geradores
de
gráficos
tridimensionais
em
computadores,
que
só
puderam
52
ser
implementados
a
partir
do
surgimento
de
processadores
mais
potentes.
No
início
da
década
de
90
surgiram
os
de
16
bits,
pouco
depois
essa
capacidade
é
duplicada
com
o
Windows95,
alcançando
os
32
bits
até,
com
um
progresso
galopante
através
dos
anos,
alcançarem
a
velocidade
de
processamento
das
máquinas
de
hoje.
“Durante
as
décadas
de
1980
e
1990,
os
jogos
eletrônicos
computacionais
se
evidenciam
como
produtos
industriais
satisfatoriamente
populares
entre
os
adeptos
da
informática.”
(XAVIER,
2010,
pág.
89)
Os
arcades
também
seguiram
evoluindo
bastante,
passando
a
fazer
uso
de
imagens
cinematográficas
armazenadas
em
videolasers
e
de
sons
digitalizados.
53
ambiente
virtual
no
qual
ela
se
desenrola.
“Agora,
não
mais
bastava
uma
arquitetura
de
16
ou
64
bits.
Era
necessário
saber
a
freqüência
de
memória,
processamento
total
e
qualidade
do
processador
gráfico.
Os
parâmetros
começavam
a
mudar
em
definitivo.
“Baseados
em
uma
tecnologia
própria
de
distorção
perspectiva
de
tratamento
de
imagens
bidimensionais,
a
id
Software
propõe
a
semente
da
revolução
tridimensional,
alterando
por
completo
a
maneira
pela
qual
os
jogadores
se
relacionam
com
os
jogos
eletrônicos.
No
segundo
ano
da
década
de
1990,
Wolfestein
3D
causa
furor”
(XAVIER,
2010,
pág.
99)
3.4
UM
MUNDO
EM
PERSPECTIVA
Fig.
23:
Screenshot
–
Wolfestein
Wolfestein
(fig.
26)
foi
o
primeiro
jogo
3D
de
tiro
em
primeira
pessoa.
“Pela
primeira
vez
na
história
dos
jogos,
os
objetos
que
são
alvejados
não
se
dissolvem
no
ar,
mas
sim
transformam-‐se
em
partes
do
corpo
voando,
sangue,
entre
outros
resíduos.
(JONG
apud
BORRIES,
WALZ,
BÖTTGER,
2007,
pág.40)
Logo
depois
viria
Doom
(1993),
lançado
também
pela
id
Software,
e
na
sequência
o
Quake
(1996).
Esse
último,
foi
o
game
que
finalmente
teve
todos
os
seus
gráficos
produzidos
em
3D.
Foi
esse
o
trio
responsável
pela
consolidação
do
gênero
de
games
54
de
tiro
em
primeira
pessoa
em
3D.
“Os
games
foram
então
se
tornando
cada
vez
mais
interativos,
com
projetos
de
interfaces
mais
organizadas
e
legíveis,
inclusive
preparadas
para
ativar
a
memória
espacial
do
usuário.
As
imagens
com
texturas
foram
progressivamente
sendo
substituídas
por
sofisticados
e
complexos
ambientes
tridimensionais,
mapas
arquitetônicos,
simulação
da
realidade
ou
mesmo
de
outras
civilizações
épocas.
Começava
a
surgir
entre
os
produtores
de
jogos
preocupações
com
a
veracidade
da
informação,
e
isso
envolvia
a
arquitetura
a
história
a
antropologia
e
a
sociologia
para
maior
fidelidade.”(pág.
77)
Com
a
popularização
da
internet
no
começo
dos
anos
90,
o
panorama
do
mundo
dos
games
se
amplia
imensamente.
“Ao
usar
a
internet
para
conectar-‐se
com
um
servidor
em
comum,
milhões
de
jogadores
podem
interagir
num
mundo
virtual
rico
em
detalhes
(in
Massively
Multiplayer
Online
Role-‐Playing
Games).
(BORRIES,
WALZ,
BÖTTGER,
2007,
pág.30)
Essa
nova
versão
de
RPGs
(Rolling
Playing
Games),
viria
a
consagrar
o
estilo
na
rede,
ao
possibilitar
que
seus
participantes
conectados
à
mesma
pudessem
jogar
em
tempo
real
com
pessoas
do
mundo
inteiro.
A
experiência
de
imersão
proporcionada
pelos
recursos
do
MMORPG
é
infinitamente
maior
do
que
a
desfrutada
pelos
jogadores
da
sua
primeira
versão,
conhecida
com
“pen-‐and-‐paper”
(caneta-‐e-‐papel).
Originalmente
os
RPGs
(Role-‐Palying
Games),
ou
“jogos
de
interpretação
de
personagens”,
eram
jogados
com
caneta
e
papel
numa
dinâmica
colaborativa
onde
cada
jogador
interpretava
um
papel
dentro
de
uma
história
de
ficção.
O
desenvolvimento
do
jogo
era
determinado
pelas
ações
tomadas
por
seus
jogadores,
bem
como
pelo
lançar
de
dados
que,
juntos,
determinariam
o
sucesso
ou
fracasso
de
cada
um
de
acordo
com
um
sistema
formal
de
regras
e
diretrizes.
Dungeons
&
55
Dragons
(Masmorras
e
Dragões),
criado
pela
dupla
Gary
Gygax
e
Dave
Arneson,
em
1974,
foi
considerado
o
primeiro
RPG
a
ser
lançado.
Fig.
24:
Screenshot
-‐
Colossal
Cave
Adventure
Quase
em
paralelo,
surgiam
os
primeiros
jogos
de
aventura
desenhados
para
se
jogar
em
rede
no
computador.
O
primeiro
foi
lançado
em
1975,
o
Colossal
Cave
Adventure
(fig.
27),
onde
os
jogadores
digitavam
as
ações
que
seriam
executadas
no
jogo.
Logo
em
seguida
surgiu
Zork
(1997)
que,
criado
por
um
grupo
de
estudantes
do
MIT
(Massachusetts
Institute
of
Technology)
espalhou-‐se
rapidamente
pela
americana
ARPNET
(Advanced
Research
Projects
Agency
Network),
rede
que
viria
a
ser
a
primeira
a
possibilitar
trocas
de
grandes
arquivo,
sendo
em
sua
essência
a
semente
da
internet.
Mas
foi
em
1978
que
um
estudante
da
universidade
de
Essex,
na
Inglaterra,
desenvolveu
o
jogo
que
viria
possibilitar
que
múltiplos
jogadores
participassem
ao
mesmo
tempo.
Roy
Trubshaw
criou
o
MUD.
“MUD
significa
“Multi-‐
User
Dugeon”-‐
mundos
imaginários
em
bancos
de
dados
computadorizados,
onde
as
pessoas
usam
palavras
e
linguagens
de
programação
para
improvisar
melodramas,
construir
mundos.”
(RHEINGOLG
apud
LEÃO,
2003,
pág.
443)
Mais
tarde,
em
1980,
quando
a
universidade
de
Essex
uniu
sua
rede
à
ARPNET,
o
jogo
tornou-‐se
o
primeiro
game
de
múltiplos
jogadores
online.
56
“Os
primeiros
mundos
virtuais
eram
baixados
em
textos.
Tudo
neles
era
descrito
através
de
palavras:
o
mundo,
seus
habitantes,
os
objetos
os
jogadores,
os
eventos
que
nele
ocorriam,
as
atitudes
que
os
jogadores
tomavam
–
absolutamente
tudo!
Quase
todos
os
mundos
virtuais
existentes
hoje
são
descendentes
diretos
de
um
único
primogênito,
MUD
(Multi
User
Dugeon).”(BARTLE
apud
BORRIES,
WALZ,
BÖTTGER,
2007,
pág.158)
Esses
jogos
precedem
a
grande
a
indústria
de
jogos
comerciais
e
a
popularização
da
internet,
mas
são
referências
fundamentais
quando
observamos
os
mundos
virtuais
criados
atualmente.
Foi
pois
da
junção
da
modalidade
conhecida
como
“pen-‐and-‐paper
role-‐playing
game”,
com
um
MUD
e
a
internet,
que
surgiu
uma
imensa
variedade
de
MMORPGs
existentes
hoje
-‐
e,
entre
eles,
o
World
of
Warcraft,
o
nosso
caso
de
estudo.
Fig.
25:
Linha
do
Tempo
Games
57
4.
CAINDO
NA
REDE
–
UMA
ANALISE
DE
WORLD
OF
WARCRAFT
Fig
26:
Screenshot
-‐
World
of
Warcraft:
Orcs
&
Humans
Produzido
pela
americana
Blizzard,
a
saga
Warcraft
surgiu
em
1994
com
Warcraft:
Orcs
&
Humans
(fig.
24)
-‐
o
primeiro
jogo
de
estratégia
em
tempo
real
–
lançado
vinte
anos
depois
do
surgimento
do
primeiro
de
RPG.
A
partir
daí
o
game
evoluiu
através
de
algumas
gerações:
Warcraft
II
–
Tides
of
Darkness
(Beyond
the
Dark
Portal),
Warcraft
III
–
Reign
of
Chaos
(The
Frozen
Throne),
Defense
the
Ancients,
World
of
Warcraft
-‐
The
Burning
Crusade
(fig.25),
Wrat
of
the
Lich
King
(fig.
26),
Cataclysm
(fig.
27)
e
Mists
of
Pandaria
(fig.
28).
Em
sua
atual
versão,
World
of
Warcraft,
pode
suportar
em
seu
ambiente
virtual
milhares
de
assinantes,
jogadores
que
interagem
simultaneamente,
e
são
responsáveis
por
torná-‐lo
o
mais
popular
RPG
Online
Massivo
(MMORPG)
do
mundo.
E,
enquanto
que
nos
livros
ou
nos
filmes,
pode-‐se
apenas
ler
ou
assistir
as
emocionantes
aventuras
dos
personagens,
nos
MMORPGs
é
possível
tomar
parte
delas.
58
“World
of
Warcraft
se
passa
no
mesmo
universo
de
alta
fantasia
dos
antigos
jogos
da
franquia
e
adiciona
uma
série
de
elementos
no
enredo
de
um
legado
que
já
tem
mais
de
15
anos
de
acontecimentos
épicos.
Seus
jogadores
criam
um
ou
mais
personagens
que
interagem
entre
si
no
mundo
virtual
e
fantástico
de
Azeroth,
envolvendo-‐se
num
enredo
cheio
de
aventuras
e
exuberantes
cenários
em
3D.”
(http://us.battle.net/wow/pt/game/guide)
Tal
qual
um
filme
que
tem
continuação,
a
saga
do
game
se
desenvolve
e
cresce
através
expansões,
onde
são
criados
outros
ambientes
virtuais.
Assim,
o
jogador
tem
sempre
novos
e
constantes
desafios
proporcionados
pela
dinâmica
de
permanente
crescimento
do
game,
o
que
tem
como
conseqüência
direta
o
numero
cada
vez
maior
de
participantes.
Recentemente,
em
dezembro
de
2011,
a
sua
última
expansão
foi
lançada
no
Brasil,
com
plataforma
em
português.
De
acordo
com
dados
da
Blizard,
em
2010
estimava-‐se
que
existiam
mais
de
12
milhões
de
jogadores
pelo
mundo.
Fig
27:
Screenshot
–
World
of
Warcraft:
The
Burnig
Crusade
E
é
graças
portanto
ao
seu
tremendo
sucesso
mercadológico
que
World
of
Warcraft
torna-‐se
um
atraente
caso
para
o
desenvolvimento
da
investigação
proposta
por
esta
dissertação.
O
game
é
também
notoriamente
conhecido
por
ter
59
um
dos
ambientes
mais
exuberantes
do
universo
dos
games
on-‐line,
com
uma
riqueza
cenográfica
enorme.
Sem
necessitar
de
toneladas
de
pedras
ou
centenas
de
toras
de
madeira,
os
cenários
de
Word
of
Warcraft
ocupam
áreas,
virtuais,
vastíssimas
e
são
extremamente
elaborados
-‐
castelos,
muros,
vilas
e
cidades
inteiras
–
construídos
sem
nenhuma
restrição
a
material
ou
forma,
uma
condição
de
trabalho
ideal
para
qualquer
cenógrafo.
4.1
MUNDOS
PARALELOS
Voltando
um
pouco
à
história
da
cenografia,
tentaremos
a
partir
daqui
começar
a
delinear
alguns
dos
paralelos
que
procuraremos
construir
nesse
trabalho.
Como
vimos
antes,
foi
no
final
do
século
19
e
no
início
do
século
20,
que
aconteceu
a
transição
de
um
cenário
de
pintor
-‐
ou
seja,
constituído
por
um
fundo
pintado
bidimensional
-‐
para
um
cenário
de
arquiteto,
tridimensional,
composto
por
elementos
construídos
com
uma
terceira
dimensão
real.
Tal
transição
encontra
sua
versão
na
história
dos
cenários
dos
games
quando
da
evolução
que
ocorreu
no
início
dos
anos
90,
momento
em
que
os
ambientes
virtuais
passaram
de
2D
para
3D
aumentando
imensamente
o
seu
caráter
imersivo.
60
cores
justapostos
funcionando
como
constituintes
elementares.”
(PARENTE,
2011,
pág.
38)
“O
século
20
foi
marcado
pela
conquista
da
autonomia
e
pela
valorização
da
imagem
e,
por
conseguinte,
da
imaginação.”
(MACIEL
e
VENTURELI,
2010,
pág.
18)
A
evolução
tecnológica
ocorrida
nesse
período
foi
por
vezes
causa,
por
outras
conseqüência
das
transformações
nos
processos
produtivos
de
imagens,
ampliando
cada
vez
mais
a
capacidade
do
homem
de
representar
as
criações
da
sua
mente
–
as
novas
ferramentas
de
produção
imagética,
como
o
computador,
tornaram
possível
a
criação
de
mundos
antes
jamais
imaginados,
como
aqueles
que
funcionam
como
pano
de
fundo
para
as
ações
desenvolvidas
nos
games.
“Pensar
as
formas
de
criação
de
imagens
através
dos
múltiplos
dispositivos
hoje
disponíveis
traz
à
memória
a
transmutação
violenta
provocada
pela
revolução
industrial
sobre
os
sistemas
de
representação.”(PLAZA
apud
PARENTE,
2011,
pág.
85)
A
imagem
digital
de
hoje,
a
qual
vemos
reproduzida
na
fotografia,
no
cinema,
na
TV
e
na
tela
do
computador,
tem
a
sua
matriz
analógica
nessa
primeira
geração
de
imagens
mecanizadas
pelas
máquinas.
Fig
28:
Screenshot
-‐
World
of
Warcraft:
Wrat
of
the
Lich
King
61
Assim
como
o
cenário
real
é
pensado
para
acolher
a
ação
do
ator,
o
virtual
é
pensado
para
comportar
o
desenvolver
das
ações
dos
jogadores
que
nele
imergem.
E
no
universo
virtual
dos
games,
as
experiências
imersivas
nos
são
possíveis
graças
ao
talento
dos
game
designers.
São
eles
os
cenógrafos
dos
ambientes
virtuais
que
dão
forma
à
representação
da
fantasia
de
milhares
de
jogadores
que
participam
daquela
aventura.
E,
embora
o
trabalho
deles
envolva
uma
certa
complexidade,
e
seja
sempre
sujeito
aos
recursos
tecnológicos
que
viabilizam
o
seu
trabalho,
ao
contrário
dos
set
designers,
ou
cenógrafos,
eles
têm
que
simular,
por
exemplo,
reações
dos
matérias
às
leis
da
física,
mas
não
lidar
com
limitações
físicas
reais
como
o
peso,
ou
a
lei
da
gravidade.
62
narrativa
importante
onde
a
simulação
de
um
ambiente
que
se
pretende
real
nem
sempre
reproduz
condições
do
mundo
“natural”.
E,
embora
o
mundo
virtual
seja
também,
do
ponto
de
vista
concreto,
uma
representação
plana,
de
superfície,
para
os
avatares
dos
jogadores
imersos
nesse
ambiente,
ele
proporciona
uma
situação
de
simulação
onde
eles,
podem
interagir
qual
estivessem
apoiados
sobre
os
seus
próprios
pés.
Os
cenários
de
um
game
fantástico
são
campo
profílico
de
pesquisa
nesse
sentido.
Obedecendo
a
lógicas
peculiares,
esses
mundos
virtuais
são
mesclados
de
elementos
que
ora
reproduzem
qualidades
semelhantes
ao
que
apresentam
na
realidade,
ora
são
dotados
de
características
totalmente
atípicas,
com
um
único
objetivo
a
ser
atingido:
estimular
a
interação
do
jogador
com
o
game.
“Os
jogos
eletrônicos
são
elaborados
para
envolver
o
usuário
o
tanto
quanto
possível,
mas
nenhum
gênero
parece
ser
tão
bom
pra
isso
como
os
chamados
“Massively
Multiplayer
On-‐Line
Role
Playing
Game”.
(MACIEL
e
VENTURELLI,
2008,
pág.
73)
63
Fig
29:
Screenshot
-‐
World
of
Warcraft:
Cataclysm
Graças
a
essa
riqueza
imagética,
é
possível
se
tomar
vários
partidos
de
análise
de
conteúdo
e
estéticos
que
venham
a
trazer
informações
sobre
o
cenário
tridimensional
de
um
game.
No
entanto,
em
sua
grande
maioria,
os
parâmetros
adotados
adéquam-‐se
também
a
raciocínios
analíticos
para
imagens
bidimensionais,
como
ilustrações
e
fotografias.
Seguindo
esse
raciocínio
é
que,
a
partir
das
imagens
selecionadas
de
World
of
Warcraft
tentaremos
também
estabelecer
um
ponto
de
contato
entre
os
cenários
analisados
levando
em
consideração
o
aspecto
que
os
qualifica
como
tridimensionais:
a
perspectiva.
“Mais
que
tempo,
que
em
muitos
jogos
pode
ser
parado,
mais
que
ações,
acontecimentos
ou
metas
e,
inquestionavelmente,
mais
que
a
caracterização,
os
games
celebram
e
exploram
o
desenho
da
representação
espacial
como
motivo
central
e
razão
de
ser.
É
o
desenho
perspectivo
e
a
anatomia
humana
que
voltam
com
força
total
na
imagem.”
(MACIEL
e
VENTURELLI,
2008,
pág.
56)
Importante
considerar
que
há
também
uma
preocupação
no
desenvolvimento
dos
concepts
dos
games
em
relação
ao
uso
da
luz,
da
cor,
dos
materiais
e
da
escala,
no
sentido
de
criar
um
universo
crível
através
de
uma
técnica
ilusionista
eficiente
-‐
são
esses
elementos
somados
à
perspectiva
que
proporcionam
64
ao
jogador
uma
imersão
total
no
mundo
3D.
Fig
30:
Screenshot
-‐
World
of
Warcraft:
Pandaria
E
se,
em
outros
meios
como
o
cinema
e
TV,
todos
os
espectadores
têm
quase
o
mesmo
ponto
de
vista
-‐
o
que
significa
que
estas
pessoas
vêem
juntas
a
mesma
imagem
–
nos
games
de
3D
a
coisa
não
é
bem
assim,
cada
jogador
tem
uma
visão
do
jogo
conforme
a
movimentação
que
realiza,
o
que
torna
essa
combinatória
de
elementos
acima
relacionada
muito
mais
complexa.
“Os
objetos
transitam
em
tempo
real
em
função
das
ações
iniciadas
pelos
personagens,
manipulados
ou
não.”(MACIEL
e
VENTURELI,
2008,
pág.
58)
Assim,
a
experiência
de
imersão
proporcionada
pelo
ambiente
de
um
game
jogado
por
milhares
de
pessoas
ao
mesmo
tempo
é,
paradoxalmente,
algo
extremamente
particular
-‐
o
resultado
da
orquestração
de
vários
fatores
que,
combinados
em
tempo
real
fazem
com
que
seus
usuários
desfrutem
de
um
processo
de
interação
complexo
e
único.
“Com
as
técnicas
de
numeração
e
digitalização,
as
imagens
estão
abertas
a
múltiplas
transformações
que
oferecem
imensas
possibilidades
no
campo
da
criação
de
novos
imaginários,
de
realismos
conceituais
e
a
tradução
de
múltiplas
linguagens.”
(PLAZA
apud
PARENTE,
1993,
pág.
83)
65
4.2
AS
MASMORRAS
66
Fig.
31:
Screenshot
–
Masmorra
de
Draktharon
Fig.
31:
Screenshot
–
Masmorra
The
Nexus
67
Na
vida
real,
o
lugar
é
uma
consequência
natural
do
espaço,
que
por
sua
vez
é
um
dado.
Em
mundos
virtuais,
este
não
é
caso;
o
espaço
somente
existe
ao
ser
representado.
(BARTLE
apud
BORRIES,
BÖTTGER
e
WALZ,
2007,
pág.
158)
Os
cenários
de
game,
segundo
esse
pressuposto,
numa
primeira
instância
são,
portanto,
imagens
de
representação
e
como
tal
portadoras
de
uma
bagagem
de
construção
técnica
e
simbólica
vinda
inicialmente
da
pintura,
e
mais
à
frente,
da
fotografia,
do
cinema
e
da
televisão.
E
hoje,
paradoxalmente,
os
ambientes
fantásticos
são
feitos
seguindo,
de
certa
forma,
uma
lógica
nascida
no
cinema
do
começo
do
século
20,
a
exemplo
dos
filmes
criados
pelo
ilusionista
francês
Meliès,
que
simulava
a
tridimensionalidade
através
fundos
pintados
em
perspectiva
e
artesanalmente
coloridos
-‐
diretamente
na
película
-‐
numa
versão
rústica
de
um
processo
de
pós-‐
produção.
4.3
UM
PONTO
DE
FUGA,
VÁRIAS
ESCALAS
E
UM
DESTINO
Fig.
32:
Screenshot
–
Masmorra
de
Ulduar
Como
herdeiro
que
é
dos
cenários
de
pintor,
os
cenários
virtuais
lidam
com
um
aspecto
que
é
trabalhado
na
história
da
cenografia
desde
o
Renascimento:
a
perspectiva.
A
técnica,
nascida
no
universo
da
pintura
e
sistematizada
pela
geometria,
é
a
responsável
por
transformar
os
ambientes
de
game
em
2D
em
68
ambientes
imersivos
de
3D
os
quais,
a
partir
do
momento
que
se
tornam
interativos,
possuem
referências
de
tempo
e
espaço
únicas,
experimentadas
de
forma
subjetiva
por
cada
um
dos
seus
jogadores.
Nos
MMORPGs,
e
mais
especificamente
no
World
of
Warcraft,
a
perspectiva
é
construída
de
maneira
diversa
e
possui
características
peculiares
que
a
partir
da
análise
aqui
desenvolvida
vamos
pontuar.
O
uso
da
perspectiva
tal
qual
o
fazemos
até
hoje,
popularizou-‐se
durante
o
Renascimento
-‐
embora
os
gregos
já
houvessem
séculos
antes
dedicado
alguma
atenção
ao
tema.
Foi
nos
palcos
renascentistas
que
o
uso
sistemático
desse
método
construtivo
de
representação
da
tridimensionalidade
no
desenho,
passou
a
ser
aplicado
e
estudado
por
arquitetos
e
artistas
como
Michelangelo.
E
foi
por
conta
uso
na
pintura
de
cenários
de
teatro
que
surgiu
a
curiosidade
dos
matemáticos
em
relação
à
técnica.
“Esta
perspectiva
nascida
junto
com
a
cenografia,
a
representação
plana
da
tridimensionalidade,
teve
um
grande
desenvolvimento
no
Renascimento.”
(DEL
NERO,
2010,
pág.
34)
Os
matemáticos
que
vieram
a
se
interessar
pelo
desenho
em
perspectiva
a
partir
da
sua
observação
sistematizaram
o
seu
uso
através
do
desenvolvimento
e
aplicação
de
regras
que
foram
reunidas
no
repertório
da
geometria.
Foram
eles
os
ancestrais
dos
programadores
de
hoje
que
usando
como
ferramenta
os
números,
os
dígitos
vindos
do
mundo
da
matemática,
deram
forma
a
essa
perspectiva
no
mundos
3D
dos
games.
Nas
quatro
imagens
de
masmorras
dos
cenários
de
World
of
Warcraft
acima
reproduzidas,
encontramos
uma
perspectiva
determinada
a
partir
de
um
único
ponto
de
fuga.
Esse
ponto
estabelece
uma
convergência
no
desenho
que
condiciona
o
olhar
do
jogador
e
sua
movimentação
dentro
do
ambiente
virtual.
Na
masmorra
de
Ulduar
(fig.
31),
a
única
na
qual
esse
ponto
de
fuga
está,
além
de
centralizado,
alinhado
com
o
horizonte,
percebemos
claramente
que
existe
uma
condução
do
jogador
para
um
determinado
ponto.
Nas
outras
três
imagens,
a
perspectiva
central
não
é
sobreposta
à
linha
do
horizonte.
Nelas
há
um
69
entendimento
que
a
visão
é
possível
de
outros
ângulos,
e
que
a
movimentação
dos
jogadores
pode
alcançar
360
graus
a
medida
em
que
esse
um
ponto
de
fuga
único,
longe
do
jogador,
mas
sim
o
localiza
no
centro
do
ambiente,
de
maneira
a
sugerir
uma
movimentação
circular.
Assim,
é
interessante
observar
que
o
estabelecimento
de
uma
perspectiva
na
ambiência
virtual
do
game
não
só
estrutura
a
imagem
e
conduz
o
olhar,
como
também
determina
a
natureza
do
espaço
sinalizando
qual
a
sua
vocação:
se
é
um
caminho
com
obstáculos
individuais
ou
um
espaço
a
ser
compartilhado
com
outros,
em
meio
a
uma
batalha
coletiva.
Fig.
33:
Screenshot
–
Masmorra
de
Utgader
As
masmorras
medievais
de
World
of
Warcraft
vêm
do
imaginário
dos
RPGs
medievais
e
dos
MUDs.
Paradoxalmente,
o
medievo
foi
uma
época
na
história
da
arte
onde
a
pintura
era
extremamente
chapada.
Os
personagens
de
uma
pintura
eram
sobrepostos
caoticamente,
e
a
única
referência
fornecida
sobre
a
distância
entre
o
ponto
de
vista
adotado
e
os
elementos
retratados
era
a
ordem
da
sobreposição:
os
mais
próximos,
eram
postos
sobre
os
segundos
-‐
em
planos
consecutivos
sem
nenhuma
preocupação
com
a
escala,
muito
menos
com
a
70
perspectiva.
Como
resultado
disso,
os
desenhos
eram
limitados
em
temática
sendo,
em
sua
maioria,
apenas
um
recurso
narrativo
empregado
pela
igreja
católica
para
catequizar
analfabetos.
Eram
tão
falhos
do
ponto
de
vista
técnico,
que
o
desenho
constituía-‐se,
nestas
representações,
de
um
emaranhado
de
linhas
em
todas
as
direções
-‐
sem
respeitar
nenhuma
perspectiva
–
construindo
uma
representação
grotesca
que
achatava
tudo,
eliminando
toda
a
tridimensionalidade
existente.
Mas
se
numa
representação
pictórica
estática,
como
num
desenho,
a
perspectiva
funciona
unicamente
como
elemento
criador
de
uma
ilusão
tridimensional,
no
ambiente
virtual
ela
desdobra-‐se
num
ambiente
que
é
explorado
por
jogadores
em
tempo
real,
funcionando
não
só
como
referência
para
criação
deste
espaço
tridimensional,
como
também
como
elemento
de
sinalização
da
direção
do
deslocamento
do
personagem
elegido
pelo
jogador
como
seu
avatar,
criando
assim
uma
hierarquia
visual
que
condiciona
a
movimentação
do
jogo.
No
entanto,
ao
fazê-‐lo,
a
imagem
do
jogo
acaba
por
determinar
uma
certa
confusão
visual,
do
ponto
de
vista
de
uma
representação
formal,
como
podemos
claramente
perceber
no
screenshot
abaixo
(fig.
35).
A
imagem
está
organizada
a
partir
de
duas
perspectivas
distintas,
uma
frontal
que
respeita
a
escala
do
cenário
e
outra
lateral
estabelecida
a
partir
da
localização
do
personagem.
O
resultado
é
a
escala
estranha
que
ganham
os
personagens
dispostos
no
segundo
plano
da
imagem.
71
Fig.
34
–
Screenshot
–
World
of
Warcraft
Dessa
forma,
consideramos
que
a
simulação
dos
pontos
de
fuga
nos
cenários
realistas
de
World
of
Warcraft
paradoxalmente
não
tem
como
função
única
reproduzir
uma
situação
real,
obedecendo
a
um
paradigma
estético,
como
se
pode
inicialmente
pensar,
mas
sim
obedece
principalmente
a
um
objetivo
de
natureza
mecânica,
pois
prioriza
provocar
o
condicionamento
do
comportamento
do
jogador
estabelecendo
um
o
roteiro
de
ação
que
deve
ser
seguido.
Na
figura
31
essa
relação
fica
ainda
mais
paradoxal
quando
se
estabelece
um
ponto
de
convergência
no
cenário
que,
totalmente
determinado
pelo
foco
da
ação
do
jogadores,
ignora
os
princípios
de
uma
perspectiva
formal,
ao
determinar
uma
escala
distorcida
em
meio
a
um
cenário
dominado
pelo
gigantismo,
apresentando
uma
série
de
edificações
que
distantes
do
ponto
de
vista
real,
são
postas
como
muito
maiores,
numa
visão
que
representa
o
exato
oposto
do
que
seria
o
percebido
pelo
olho
em
condições
reais.
E
se,
no
cenário
desenhado
a
perspectiva
tem
uma
função
objetiva
dotar
a
representação
de
uma
ilusão
de
tridimensionalidade,
constatamos
que
no
mundo
virtual
dos
cenário
de
games
em
3D
ela
abarca
outra
função:
a
de
condução
da
72
interatividade.
Há
portanto
um
atributo
nessa
perspectiva
que
não
é
meramente
estético,
mas
atende
à
necessidades
de
desenvolvimento
da
arquitetura
do
jogo.
Essa
característica,
no
entanto,
faz
com
que
haja
uma
distorção
na
representação
dessa
tridimensionalidade,
o
que
vem
a
afastá-‐la
do
tão
almejado
“real”.
Trata-‐se
de
uma
incongruência
que
precisa
ser
entendida
e
corrida,
uma
vez
que
pretendida
uma
experiência
cada
vez
mais
próxima
do
real.
4.4
HIBRIDISMO
E
FANTASIA
Mas
se
por
um
lado
há
nos
games
em
3D
uma
busca
da
pela
reprodução
de
uma
experiência
real
do
ponto
de
vista
interativo,
por
outro,
existe
um
afastamento
da
realidade
proporcionado
pelos
enredos
épicos
dos
mesmos,
que
se
desenrolam
num
mundo
de
fantasia
atemporal,
misturando
história
e
ficção
num
processo
de
hibridação
que
se
passa
em
várias
instâncias
e
que
torna-‐se
concreto
a
partir
da
representação
digital
de
um
cenário
imaginário.
Desta
forma,
a
ordem
numérica
torna
possível
uma
hibridação
quase
orgânica
das
formas
visuais
e
sonoras,
do
texto
e
da
imagem,
das
artes,
das
linguagens,
dos
saberes
instrumentais,
dos
modos
de
pensamento
e
de
percepção.
Esse
possível
não
é
forçosamente
provável:
tudo
depende
da
maneira
pela
qual
especialmente
os
artistas
farão
com
que
tais
tecnologias
se
curvem
a
seus
sonhos.
(COUCHT
apud
PARENTE,
1993,
pág.
46)
73
O
resultado,
grandioso,
impossível
de
ser
alcançado
em
cenários
reais
–
uma
vez
dada
a
complexidade
de
execução
e
controle
dos
efeitos
como
os
de
destruição
das
edificações
-‐
é
fruto
de
um
hibridismo
de
estilos
estéticos
e
efeitos
especiais
que
fazem
com
que
a
experiência
de
imersão
dos
jogadores
naquele
cenário-‐imagem
seja
entusiasmante.
“Partindo
da
ideografia
milenar
até
o
mais
acentuado
hiper-‐realismo,
tais
imagens
fazem
transitar
as
artes
e
iconografias
de
todos
os
tempos,
sintetizadas
pela
virtuosidade
dos
aparelhos
tecnológicos.”
(PLAZA
apud
PARENTE,
2011,
pág.
84)
Já
na
figura
28,
screenshot
de
Pandaria,
o
hibridismo
cenográfico
é
estruturado
de
forma
distinta.
Ao
fundo,
no
centro
da
imagem,
temos
uma
estátua
gigante
de
madeira
de
um
urso
panda
barbado
–
numa
clara
alusão
a
um
buda
–
que
sentado,
segurando
numa
mão
uma
lanterna
e
noutra
uma
espécie
de
sombrinha,
é
lardeado
simetricamente
por
um
par
de
lanternas
chinesas
vermelhas
de
papel.
Apesar
de
possuir
em
sua
totalidade
um
tom
oriental,
que
em
suas
formas
lembra
a
estrutura
interna
concêntrica
de
um
pagode
chinês,
o
cenário
no
entanto
apresenta
elementos
que
nada
têm
a
ver
com
a
leveza
de
tais
edificações
como
um
pesado
arco
de
madeira
que
sustentado
por
largas
e
robustas
toras,
parecendo
uma
estrutura
medieval
rústica,
encravada
em
baixo
relevo
com
motivos
decorativos
que
mais
lembram
desenhos
celtas.
A
essa
curiosa
combinação
estética
soma-‐se
uma
luz
que
possui
temperaturas
distintas:
no
primeiro
plano
um
laranja,
insinuando
uma
ambiência
quente
e
seca,
logo
mais
atrás
uma
ténue
claridade
azulada.
Da
mistura
de
todos
esses
elementos
vindos
de
um
mundo
real,
pré-‐
existentes
em
outros
contextos,
é
criada
uma
ambiência
fantástica,
que
carrega
consigo
uma
aura
mágica
ao
possibilitar
configurações
improváveis,
com
elementos
relativamente
familiares
a
um
repertório
de
um
coletivo
de
jogadores
interessados
em
games
de
fantasia.
Os
designers
desses
ambientes
projetam
os
espaços
tendo
em
mente
tão
somente
a
criação
de
cenários
imersivos
ricos
e
atraentes,
com
atributos
que
estimulem
a
interação
dos
jogadores
com
os
mesmos
não
se
preocupando
com
quesitos
de
exequibilidade
concreta
nem
com
uma
possível
leitura
mais
profunda
que
possa
vir
a
existir.
74
“Se
a
Representação
buscava
ao
penetrar
na
natureza
para
além
das
aparências,
remontar
até
o
inteligível
para
por
sua
vez
torná-‐lo
visível,
a
simulação
só
pode
tornar
visível
o
que
de
antemão
é
inteligível.”(COUCHOT
apud
PARENTE,
46)
Ou
seja,
a
simulação
–
mas
especificamente
a
presente
nos
cenários
realistas
de
games
3D
–
se
serve
de
um
repertório
estético
já
existente
e
por
outros
meios
de
representação
anteriormente
explorados
para
criar
uma
ambiência
fantástica
que
estimule
os
jogadores.
Nesse
sentido,
“jogos
como
World
of
Warcraft
possibilitam
formas
completamente
novas
de
narração
não
linear
coletiva
que
ainda
são
insondáveis”
(SCHIMDT
apud
BORRIES,
WALZ,
BOTTGER,
2008,
pág.
149)
a
medida
em
que
o
uso
desses
recursos
ainda
é
feito
de
forma
bastante
intuitiva,
embora
bem
sucedida.
E
no
estado
evolutivo
em
que
se
encontram,
estes
cenários
oferecem
possibilidades
combinatórias
diversas
em
termos
estéticos,
os
ambientes
virtuais
dos
games
ainda
têm
muito
a
oferecer
como
desdobramento
de
um
mundo
real.
Assim,
apesar
de
serem
conceitos
diametralmente
opostos,
a
realidade
e
a
fantasia
se
encontram
e
se
confundem
no
universo
dos
games.
Se
por
um
lado
um
cenário
de
World
of
Warcraft
é
projetado
com
o
intuito
de
proporcionar
uma
experiência
de
imersão
a
mais
realista
possível,
por
outro
ele
é
dotado
de
uma
composição
estética
híbrida,
desprendida
da
preocupação
de
reprodução
do
real
como
verossimilhança.
-‐
e
é
nessa
combinação
que
reside
o
poder
de
sedução
dos
MMORPGs.
Assim
“a
natureza
essencialmente
abstrata
da
imagem
de
síntese
acrescenta-‐se
à
sua
faculdade
eminentemente
concreta
de
tocar
os
sentidos
do
espectador
e
de
criar
uma
impressão
física
forte,
envolvente.”
(QUÉAU
apud
PARENTE,
2011,
pág.
93)
75
5
CONSIDERAÇÕES
FINAIS:
“O
fascínio
pelos
mundos
virtuais
e
pelas
imagens
de
síntese
toca
particularmente
as
jovens
gerações.
Este
fascínio
provém
do
fato
de
que
não
somente
podemos
criar
pequenos
“mundos”
do
nada,
mas
sobretudo
pelo
fato
de
que,
num
certo
sentido,
podemos
habitar
“realmente”
esses
mundos.”
(QUÉAU
apud
PARENTE,
2011,
pág.
99)
A
relevância
de
investigar
os
partidos
usados
para
compor
esses
ambiente
imersivo
de
fantasia
vem
do
fato
que
–
responsáveis
por
reunir
milhões
de
jogadores
que,
confortavelmente,
passam
a
habitar
aquele
mundo
durante
várias
horas
de
sua
vida,
muito
frequentemente
o
preferindo-‐o
ao
mundo
real
de
onde
vêm.
Posicionar
os
games
digitais
na
vida
cotidiana
é
algo
significativo.
Jogar
não
é
uma
ruptura,
e
os
games
digitais
não
devem
ser
entendidos
como
fantásticos,
como
experiências
virtuais,
mas
sim
como
algo
incorporado
ao
cotidiano
e
nele
situado
diariamente.
Isto
é
ilustrado
pela
inserção
natural
dos
jogos
digitais
na
vida
contemporânea
em
rede:
eles
são
usados
para
defender,
educar,
fazer
proselitismo,
e
treinar.
Mais
importante,
eles
são
considerados
como
um
caminho
para
formas
intangíveis
de
conhecimento
-‐
coletivo,
criativo,
processual,
sistêmico
-‐
que
são
essenciais
para
ao
trabalho
pós-‐industrial.
(APPERLEY,
2010,
p.8)
Tentamos
aqui,
com
essa
pesquisa,
avaliar,
apontar
as
semelhanças
e
as
singularidades
entre
ambos
os
momentos
no
sentido
de
delinear
um
repertório
que
sirva
à
criação
de
uma
metodologia
analítica
eficaz
e
que
proporcione
um
avanço
no
76
entendimento
desse
processo,
fornecendo
ferramentas
criativas
eficientes
à
composição
desses
ambientes
virtuais.
Levando
em
conta
as
constatações
feitas
a
partir
da
observação
da
forma
como
a
perspectiva
é
aplicada
na
estruturação
dos
cenários
dos
games,
há
de
se
considerar
que
a
medida
em
que
vai
se
tornando
necessária
cada
vez
mais
uma
fidedignidade
nos
cenários
virtuais,
é
fundamental
portanto
que
se
desenvolva
outros
mecanismos
de
sinalização
narrativa
que
não
a
adoção
de
uma
perspectiva
isolada
para
o
personagem,
em
detrimento
da
já
existente
aplicada
no
cenário
–
ambiente
de
fundo
do
desenrolar
das
ações
do
jogador.
Será
importante
retirar
da
perspectiva
esta
função,
caso
se
queira
alcançar
nos
games
uma
perfeição
par
com
o
um
ambiente
concreto.
77
5.2
UMA
NOVA
PERSPECTIVA
“Com
as
técnicas
de
numeração
e
digitalização,
as
imagens
estão
abertas
a
múltiplas
transformações
que
oferecem
imensas
possibilidades
no
campo
da
criação
de
novos
imaginários.”
(PLAZA
apud
PARENTE,
2011,
pág.
83)
As
exigências
mecânicas
governadas
pela
leis
da
física
passam
a
não
existir,
mas
sim
transformam-‐
se
em
referencias
de
simulação
de
uma
realidade.
A
roldana
não
tem
que
suportar
100
quilos,
o
“palco”
pode
ser
feito
de
qualquer
material,
a
iluminação
pode
variar
intensamente,
sem
restrições.
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