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A ARTE DA ESCRITA

Trinta Dicas para Você Aprender a Escrever Como os


Grandes Mestres)
Ivo Korytowski

“Aprender várias línguas é assunto de


um ou dois anos.
Ser eloquente na sua própria exige a
metade da vida.”
Voltaire

Assim como existem os estilistas da moda, existem os estilistas da


língua. Os estilistas da moda criam roupas fashion – roupas consideradas
bonitas, de bom gosto. Os estilistas da língua criam textos bonitos, que
soam bem.
A questão da beleza (o que é algo bonito, de bom gosto?) constitui
um ramo da Filosofia: a Estética. Os filósofos divergem sobre a natureza
do belo, sobre se existe uma beleza objetiva ou a beleza está nos olhos do
observador. Mas não é preciso ser filósofo para distinguir um texto
estilisticamente bonito de outro sem nenhuma qualidade de estilo. Está na
cara. Observe a diferença entre um diálogo de traficantes grampeado pela
polícia e o primeiro parágrafo de conto do escritor Hélio Brasil:

André Lacraia: – E aí, mano?


Paulo César: – Tranquilo. Se liga só mané (...) e aquele
“açúcar”? E aí? Tem mais aí não? Só tem um “vidro” só, tá ligado?
Sabe quantos “vidros” eu fiz?
André Lacraia: – Fala.
Paulo César: – Fiz 8 “vidros”, tá ligado?
Paulo César: – Tô ligado...
André Lacraia: – Aí engole, mané, bagulho sinistro.
(“açúcar” é cocaína, e “vidro” é a embalagem)

Andando pelas ruas, era um espetáculo grotesco. Ou ridículo.


Ou todas as coisas, incluindo piedade inspirada a alguns quando os
pezinhos presos em botas infantis atrapalhavam-se com pedras mal
alinhadas, quando as curtas pernas dobravam-se para enfrentar
meios-fios quase penhascos. A cabeçorra oscilando no tronco
atarracado e os bracinhos arqueados, unhando o espaço em busca do
equilíbrio, já eram cena comum nas ruas da pequena cidade de Serra
da Cruz, trajeto e calvário de Tico em sua rotina de vida.[1]

Não existem regras matemáticas ou receitas de bolo para se adquirir


um bom estilo. Antes de mais nada, é preciso certa vocação para as letras
(ou, no jargão da psicologia, um bom raciocínio verbal). O convívio com
bons livros, revistas, jornais e sites literários ajuda no desenvolvimento do
estilo. Mas algumas dicas podem fazer certa diferença. Neste livro, você
encontrará trinta dicas – algumas mais genéricas, outras mais práticas –
baseadas no que aprendi com grandes professores, nas minhas leituras e na
minha atividade prática como escritor e tradutor.
Aos mestres Reinaldo Pimenta (que no pré-vestibular, no remoto e
lendário 1969, ensinou que Português não é nenhum bicho de sete
cabeças), Daniel Brilhante de Brito (in memoriam – em 1988 fui aluno de
seu Curso de Tradutores e Intérpretes) e Ivan Cavalcanti Proença (cuja
oficina literária frequentei durante seis anos) dedico este livro.


Dica 1: Ao escrever, siga o conselho do Padre Vieira – faça com
que seu texto se assemelhe às estrelas!
No Sermão da sexagésima, Padre Vieira discorre sobre as
qualidades de um bom sermão (e, por extensão, de um bom texto
literário):

Como hão de ser as palavras? Como as estrelas. As estrelas


são muito distintas, e muito claras. Assim há de ser o estilo da
pregação, muito distinto, e muito claro. E nem por isso temais que
pareça o estilo baixo: as estrelas são muito distintas, e muito claras, e
altíssimas. O estilo pode ser muito claro; tão claro, que o entendam
os que não sabem; e tão alto, que tenham muito que entender nele os
que sabem. O rústico acha documentos nas estrelas para a sua
lavoura, e o mareante para a sua navegação, e o matemático para as
suas observações, e para os seus juízos. De maneira que, o rústico, e
o mareante, que não sabem ler, nem escrever, entendem as estrelas; e
o matemático, que tem lido quantos escreveram, não alcança a
entender quanto nelas há. Tal pode ser o sermão: estrelas, que
todos veem, e muito poucos as medem.


Dica 2: Evite o uso exagerado do artigo indefinido um, uma, uns,
umas.

Assim começava a minha crônica Tiroteios cariocas, em sua


redação original (a crônica completa você pode ler no meu blog Sopa no
Mel):[2]

A “tradição” carioca da bala perdida é mais antiga do que


imaginamos. Há uns meses, um amigo me contou que tinha uma
vaga lembrança de um conto de Machado de Assis em que um
personagem morre vítima de bala perdida.
Eu havia acabado de ingressar na oficina literária do mestre Ivan
Proença, e a crônica, um dos primeiros trabalhos submetidos, valeu-me
importante lição de estilística: em textos literários, o artigo indefinido
deve ser usado com parcimônia (já os textos técnicos seguem uma
estilística diferente). O texto acima, reescrito, ficou assim (veja quão mais
elegante está):

A “tradição” carioca da bala perdida é mais antiga do que


imaginamos. Há meses, amigo me contou que tinha vaga lembrança
de conto de Machado de Assis em que o personagem morre vítima de
bala perdida.

Eis exemplo de texto jornalístico (de autoria de Leslie Leitão obtido


em O Dia Online de 15/8/2007) sem nenhum artigo indefinido (embora em
alguns pontos pudesse ter sido usado – tente descobrir onde):

Policiais civis da Delegacia de Roubos e Furtos de


Automóveis (DRFA) prenderam, na madrugada desta quarta-feira, o
chefe do tráfico da Barreira do Vasco, Marcelo de Souza Araúja, o
Cobra.
Capturado no Aterro do Flamengo, Zona Sul, o bandido é
acusado de comandar quadrilha que mais ataca motoristas na Zona
Norte. Apontado também como aliado do tráfico da Mangueira e do
Complexo do Alemão, ele será apresentado às 11h30 desta quarta-
feira na DRFA. A polícia tem informações de que Cobra chegou a
passar temporada na Mangueira.

Mas nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Não saia riscando todos os
artigos indefinidos da frase. Se eles existem, é porque devem ser usados –
só que em doses moderadas.


Dica 3: Evite o excesso de pronomes possessivos e cuidado com a
ambiguidade de seu, sua, seus, suas.

Algum tempo atrás, circulou na Internet esta piada:

O Diretor Geral de um Banco, estava preocupado com um


jovem e brilhante Diretor, que depois de ter trabalhado durante
algum tempo junto dele, sem parar nem para almoçar, começou a
ausentar-se ao meio-dia.
Então o Diretor Geral do Banco, chamou um detetive
particular e disse-lhe:
– Siga o Diretor Lopes durante uma semana.
O detetive, após cumprir o que lhe havia sido pedido, voltou e
informou:
– O Diretor Lopes sai normalmente ao meio-dia, pega o seu
carro, vai à sua casa almoçar, faz amor com a sua mulher, fuma um
dos seus excelentes charutos cubanos e regressa ao trabalho.
Responde o Diretor Geral:
– Ah, bom, antes assim. Não há nada de mal nisso.
Logo em seguida, o detetive pergunta:
– Desculpe. Posso tratá-lo por tu?
– Sim, claro, respondeu o Diretor, surpreendido!
– Bom, então vou repetir – disse o detetive. – O Diretor Lopes
sai normalmente ao meio-dia, pega o teu carro, vai à tua casa
almoçar, faz amor com a tua mulher, fuma um dos teus excelentes
charutos cubanos e regressa ao trabalho.
É assim! A língua portuguesa é muito traiçoeira.
O pronome possessivo seu, sua, seus, suas é ambíguo. Vamos ver
outro exemplo:

– Onde está Pedro? – você pergunta.


– Pedro saiu – responde seu colega.
– Saiu com quem?
– Saiu com sua irmã.

Observe que não está claro se Pedro saiu com a irmã dele ou se está
azarando a tua irmã, caro leitor. Onde existe ambiguidade, a única saída é
o que acabei de fazer: usar dele(s), dela(s) ou a segunda pessoa (teu, tua,
teus, tuas).
O que é estilisticamente preferível, seu/sua ou dele/dela? A julgar
pelo mestre Machado, tanto faz. Dentre as 75.960 palavras de Quincas
Borba, 67 são dele, 83, seu, 54, dela e 56, sua.
Seguindo ainda o exemplo de Machado, você não deve abusar do
pronome possessivo, a não ser que queira enfatizar a ideia de posse, como
nesta fala de Rubião:

– Pois devias rir, meu querido. Porque a imortalidade é o meu


lote ou o meu dote, ou como melhor nome haja. Viverei
perpetuamente no meu grande livro.

Na maioria das vezes, o simples artigo definido dá conta do recado.


Por exemplo, em vez de dizer “O deputado poderá perder seu mandato”,
basta dizer “O deputado poderá perder o mandato”.
Outro artifício para evitar o pronome possessivo é o “lhe” com
sentido de posse. Em vez de dizer “O vento despenteou sua cabeleira”
você poderia dizer “O vento despenteou-lhe a cabeleira”. Recurso
estilisticamente elegante, mas use em doses homeopáticas para o texto não
soar artificial. Vejamos um exemplo do lhe com ideia de posse no
romance épico sobre a formação do Rio Grande do Sul O tempo e o vento,
de Erico Veríssimo:

A água do poço devia estar fresca. Ana imaginou-se


mergulhada nela, sentiu os lambaris passarem-lhe por entre as pernas
[=passarem por entre as suas pernas], roçarem-lhe os seios. E dentro
da água agora deslizava a mão de Pedro a acariciar-lhe as coxas,
mole e coleante como um peixe. Uma vergonha!


Dica 4: Evite preposições excessivas e/ou desnecessárias.

A gente tende a abusar das preposições, mas muitas vezes elas


podem ser omitidas, aumentando a leveza e elegância do texto. Quer ver
uns exemplos práticos? Em vez de “o assaltante entrou gritando, de arma
em punho”, você poderia escrever “o assaltante entrou gritando, arma em
punho”. Em vez de “uma velha toda descabelada, com a faca na mão...
passava manteiga no pão” (o pessoal mais antigo deve se lembrar desta
“brincadeira” da meia-noite), você poderia dizer “uma velha toda
descabelada, faca na mão... passava manteiga no pão”. Em vez de “Joana
disse, com um sorriso no rosto”, você poderia dizer “Joana disse, sorriso
no rosto” (aqui você matou dois coelhos com uma só cajadada: eliminou a
preposição e o artigo indefinido).
Como sempre, nem oito, nem oitenta. Não é para abolir toda e
qualquer preposição, sistematicamente. Estilística é como dieta: você quer
eliminar o excesso de gordura, mas não quer virar esqueleto!


Dica 5: Evite repetições da mesma palavra dentro de um
parágrafo.

Claro que, em textos técnicos, determinados termos precisam ser


repetidos. E claro que palavras como um, o tendem a se repetir. E às vezes
você repetirá uma palavra a fim de enfatizá-la. Mas em princípio, use um
vocabulário rico e evite repetições de substantivos, adjetivos, verbos etc.
no mesmo parágrafo – na mesma frase, nem pensar!
Se você usou o verbo ver, da próxima vez mude para o verbo
avistar, descortinar, distinguir, divisar, entrever, enxergar, notar,
perceber, presenciar, vislumbrar etc. Se você empregou portanto, da
próxima vez tente logo, por isso, por conseguinte, consequentemente,
daí, em vista disso, em razão disso, por esse motivo. Se você utilizou
grande, da próxima vez varie com amplo, colossal, considerável,
descomunal, enorme, extenso, gigante, gigantesco, imenso, tremendo,
vasto etc. E assim por diante.
No parágrafo anterior dei um exemplo prático. Eu poderia ter
repetido três vezes: se você usou..., da próxima vez use... Mas observe que
não foi isso que fiz.
Outra palavra que tende a se repetir é a preposição para, como na
frase: Depois corri de volta para casa para me vestir para o tênis.
Podemos reescrevê-la assim: Depois corri de volta à casa a fim de me
vestir para o tênis.
O quadro a seguir oferece alternativas para palavras comuns. E
recorra habitualmente ao dicionário – hábito salutar para quem escreve.

ALTERNATIVAS PARA PALAVRAS CORRIQUEIRAS


EM VEZ DE EMPREGAR VOCÊ PODE EMPREGAR
à medida que ao passo que, à proporção que,
conforme
às vezes algumas vezes, de quando em
quando, de vez em quando, por
vezes, vez por outra
dar conceder, conferir, dispensar,
distribuir, doar, entregar, fornecer,
oferecer, ofertar, proporcionar
de repente de súbito, de supetão, quando menos
se esperava, repentinamente,
subitamente
embora ainda que, apesar de, conquanto, não
obstante, posto que, se bem que
exceto à exceção de, afora, com exceção
de, excluindo, fora, menos, salvante,
salvo, tirante
finalmente afinal, afinal de contas, enfim, por
fim
grande amplo, avultado, colossal,
considerável, descomunal,
desmedido, enorme, extenso,
gigante, gigantesco, grandioso,
imenso, monumental, tremendo,
vasto, volumoso
mas contudo, entretanto, no entanto,
porém, todavia
muitos à beça, a rodo, às pampas, às pencas,
em abundância, grande número de,
grande quantidade de, inúmeros,
montes de, um monte de, um sem-
número de, uma miríade de, uma
profusão de
normalmente em geral, geralmente,
habitualmente, quase sempre, via de
regra
para a fim de, com a intenção de, no
intuito de, visando a
portanto assim sendo, consequentemente,
daí, desse modo, em razão disso, em
vista disso, logo, pois, por
conseguinte, por esse motivo, por
isso
rapidamente com rapidez, de modo rápido, num
abrir e fechar de olhos, num ápice,
num átimo, num instante, rápido,
sem demora, velozmente


Dica 6: Não abuse de verbos corriqueiros.

Dar, estar, fazer, haver, pôr, ser, ter, usar e ver são verbos por
demais corriqueiros, e sem perceber a gente abusa deles. Eis alguns
exemplos de como contorná-los.

Verbo dar
Em vez de “dar um treinamento” você poderia dizer “ministrar um
treinamento”.
Em vez de “dar uma ideia” você poderia dizer “sugerir uma ideia”.
Em vez de “dar a mão” você poderia dizer “oferecer a mão”.
Em vez de “dar um soco” você poderia dizer... (tente responder;
resposta nas Notas)[3]

Verbo estar
Em vez de “A estátua está sobre a montanha”, você poderia dizer
“A estátua encontra-se/repousa/situa-se sobre a montanha”.
Em vez de “Ele não estava contente” você poderia dizer “Ele não
parecia contente”.
Em vez de “Estava de camisa amarela” você poderia dizer “Vestia
camisa amarela”.
Em vez de “Seu nome não estava na relação” você poderia dizer...
(tente responder; resposta nas Notas)[4]

Verbo fazer
Em vez de “fazer uma visita” você poderia simplesmente dizer
“visitar”.
Em vez de “fazer um pagamento” você poderia dizer “efetuar um
pagamento” ou “realizar um pagamento”.
Em vez de “fazer o plano de viagem” você poderia dizer “traçar o
plano de viagem”.
Em vez de “fazer um erro” você poderia dizer “cometer um erro”.
Em vez de “O reitor fez um longo discurso” você poderia dizer...
(tente responder; resposta nas Notas)[5]

Verbo haver
Em vez de “Não há sinal de vida neste descampado” você poderia
dizer “Não se vê sinal de vida neste descampado”.
Em vez de “Nessa cidade há uma fábrica” você poderia dizer
“Nessa cidade ergue-se uma fábrica” ou “Nessa cidade encontra-se uma
fábrica.”
Em vez de “Há um rio entre as duas fazendas” você poderia dizer
“Um rio separa as duas fazendas” ou “Um rio divide as duas fazendas”.
Em vez de “Há uma bandeira na praça” você poderia dizer... (tente
responder; resposta nas Notas)[6]

Verbo pôr
Em vez de “pôr um anúncio no jornal” você poderia dizer “colocar
um anúncio no jornal” ou “publicar um anúncio no jornal”.
Em vez de “pôr o nome na lista” você poderia dizer “incluir o
nome na lista”.
Em vez de “pôr os brinquedos na caixa” você poderia dizer
“guardar os brinquedos na caixa”.
Em vez de “pôr as ideias em ordem” você poderia dizer... (tente
responder; resposta nas Notas)[7]

Verbo ser
Em vez de “A descoberta da penicilina foi um grande avanço da
Medicina” você poderia dizer “A descoberta da penicilina representou
(ou constituiu ou mostrou-se ou revelou-se ou proporcionou) um grande
avanço da Medicina”.
Em vez de “As crianças eram pura alegria: pulavam, cantavam”
você poderia dizer “As crianças, pura alegria: pulavam, cantavam” (às
vezes uma vírgula pode ser providencial).
Em vez de “Um erro comum do português falado é a regência de
certos verbos” você poderia dizer “Um erro comum do português falado: a
regência de certos verbos” (às vezes os dois-pontos quebram um galho).
Em vez de “Medidas extremas são necessárias” você poderia dizer
“Medidas extremas se impõem (ou se fazem necessárias)”.
Em vez de “A Holanda é pobre em matérias-primas” você poderia
dizer... (tente responder; resposta nas Notas)[8]

Verbo ter
Em vez de “O remédio não teve nenhum efeito” você poderia dizer
“O remédio não surtiu (ou produziu ou exerceu) nenhum efeito”.
Em vez de “Este deputado tem grande influência na Câmara” você
poderia dizer “Este deputado exerce grande influência na Câmara”.
Em vez de “Ele não tem muito dinheiro” você poderia dizer “Ele
não dispõe de muito dinheiro”.
Em vez de “Ele tem muito orgulho dos filhos” você poderia dizer
“Ele sente muito orgulho dos filhos”.
Em vez de “Ele tem um cargo importante” você poderia dizer...
(tente responder; resposta nas Notas)[9]

Verbo usar
Várias palavras e expressões podem substituir o verbo usar:
empregar, lançar mão de, servir-se de, utilizar, valer-se de. Assim, em vez
de “Que tinta ele usou para obter esse efeito?” você poderia dizer “Que
tinta ele empregou para obter este efeito?” ou “Que tinta ele utilizou para
obter este efeito?” Ou em vez de “Ele usou a abertura italiana no jogo de
xadrez” você poderia dizer “Ele se valeu da abertura italiana no jogo de
xadrez” ou “Ele se serviu da abertura italiana no jogo de xadrez” ou ainda
“Ele lançou mão da abertura italiana no jogo de xadrez”.

Verbo ver
Existe uma variedade de verbos ligados à visão: avistar,
descortinar, distinguir, divisar, entrever, enxergar, examinar, notar,
perceber, presenciar, vislumbrar etc. Assim, você não precisa estar sempre
repetindo o verbo ver. Por exemplo, em vez de “Ele não viu o ladrão”
você poderia dizer “Ele não percebeu o ladrão”. Claro que cada verbo
desses tem suas nuances. Por exemplo, vislumbrar e entrever significam
“ver confusamente ou de maneira imperfeita” (havendo qualquer dúvida
sobre o sentido de uma palavra, consulte o dicionário). Por isso, a escolha
do verbo dependerá do contexto.

Dica 7: Não abuse de palavras triviais.

Ao redigir um texto, sobretudo um texto com pretensões literárias,


você deve evitar palavras triviais como coisa, isso, muito.
Coisa é uma palavra genérica demais, como que um “curinga” que
substituiu qualquer carta. Daí a gente tender a abusar desta palavra. Na
linguagem falada, tudo bem, mas num texto escrito tente especificar a
“coisa” (a não ser que o sentido deva ficar intencionalmente vago). Assim,
em vez de “Este quadro é uma coisa fantástica”, prefira “Este quadro é
uma obra fantástica”. Em vez de “Na viagem a gente viu tanta coisa!”,
prefira “Na viagem a gente viu tantas atrações!”
Cuidado também para não multiplicar demais os isso, esse, isto,
este etc. nos seus textos. Por exemplo, uma alternativa para “Fui aprovado
no concurso. Isso me deixou muito feliz” seria “Fui aprovado no concurso.
O resultado me deixou muito feliz”.
Outra palavra que gosta de se multiplicar como coelho é muito.
Siga o exemplo dos mestres. Das 45.041 palavras utilizadas por José de
Alencar em Lucíola, apenas 74 (0,16%) são “muito”. Das 77.214 palavras
empregadas por Machado de Assis em Quincas Borba, 185 (0,23%) são
“muito”. Portanto, se seu índice de “muito” estiver alto, faça um
enxugamento. Uma alternativa ao “muito” é o superlativo, mas deve ser
usado em doses homeopáticas. Vejamos alguns exemplos de superlativos
em Quincas Borba:
Você há de ter estranhado o meu silêncio. Não lhe tenho
escrito por certos motivos particulares, etc. Voltarei breve; mas
quero comunicar-lhe desde já um negócio reservado,
reservadíssimo.
“O nosso amigo, o nosso distintíssimo amigo, o nosso valente
amigo...”
Este apertou-lhe a mão satisfeitíssimo.

Existem outras formas de driblar o “muito”. Por exemplo, em vez


de “um clima muito frio” você pode dizer “um clima gélido (ou gelado ou
glacial)” ou em vez de “uma caverna muito escura” você pode dizer “uma
caverna tenebrosa”. É tudo uma questão de imaginação vocabular!


Dica 8: Nos diálogos, evite repetir toda hora o verbo disse.

Observe como, neste parágrafo do conto “A Casa Única”, Lima


Barreto repete a palavra disse:

– Eu te conto. Tinha um camarada do colégio que fora sempre


dado a esse negócio de revistas e jornais ... Era o Fontes... Um belo
dia, apareceu-me ele no escritório e disse-me! – Castro, estou
publicando uma revista – Os Sucessos... – Não sei se tu conheces?
“Não”, disse-lhe eu. Ele, o Fontes, abriu uma pasta igual à minha, e
tirou de lá três números da tal revista. Folheei-os, achei-os bonitos,
bem impressos, e enquanto isso o Fontes gabava os méritos de sua
publicação. Perguntei-lhe com franqueza o que queria. “Primeiro,
disse-me ele, a tua colaboração”...
Veja agora como, neste diálogo do Capítulo VI de Lucíola, José de
Alencar evita a armadilha, empregando uma série de palavras alternativas
(murmurou, retrucou, acudiu, exclamava, continuou, gritou, perguntou,
respondeu).

Depois da sopa, Sá ergueu o copo cheio de velho madeira e


saudou os seus hóspedes:
– Estão feitos os cumprimentos, meus senhores: gozemos. É
meia-noite, disse mostrando a pêndula de alabastro. Até uma hora
come-se. Caso alguém reclame, prorroga-se o tempo.
– A não ser o Sr. Couto! murmurou a companheira deste.
– Aprovado sem discussão, retrucou o velho. Com os diabos,
Nina! Comer é uma das boas coisas deste mundo; porém não é a
melhor.
– Demais, a mesa aí fica; e ninguém erra a boca mesmo no
escuro! acudiu Laura rindo.
[...]
– Passemos à ordem do dia! exclamava uma francesa já
abrasileirada, que tinha privado com um orador da câmara.
– Bem! continuou Sá: a hora seguinte bebe-se. É bastante?
– É demais! Em menos tempo dou conta de uma cesta de
champanha! gritou Nina.
– Não admira! Uma burra vale mais do que uma cesta; e tu
eras capaz de esvaziá-la num minuto!
– Então, adotada a meia hora? perguntou Sá interrompendo o
Couto.
– Para mim é indiferente, respondeu o Rochinha acordando.
Já se foi o tempo em que me embriagava com essas limonadas de
espuma e esses vinagres do Reno. Sou uma velha esponja, meu caro:
fui curtido a kirsch e rum.
Portanto, em vez de ficar repetindo, nos diálogos, disse isso, disse
aquilo, disse aquilo outro, varie com verbos como advertiu, afirmou,
assegurou, asseverou, comentou, confessou, confidenciou, contou,
declarou, divulgou, esclareceu, garantiu, narrou, observou, opinou,
perguntou, proferiu, prometeu, quis saber, relatou, revelou, sustentou.
Outro detalhe: observe que, tanto no texto de Lima Barreto como no
de José de Alencar, o sujeito vem posposto ao verbo, invertendo a ordem
natural: disse-lhe eu (a ordem natural seria: eu lhe disse), acudiu Laura
(ordem natural: Laura acudiu) etc. Essa inversão, considerada
estilisticamente elegante, tem sido praticada também por escritores mais
modernos. Por exemplo, Jorge Amado, em Gabriela cravo e canela,
sistematicamente faz a inversão:

– Não defendo ninguém – afirmou Ari –, estou apenas


contando.
– Fator de dissolução dos costumes... – interrompeu Dr.
Maurício.

Um escritor atual que nem sempre pratica a inversão é Sérgio


Sant’Anna. Em A senhorita Simpson, encontramos:

Sem inversão:
– Ainda tem índio lá? – ele perguntou. – Eles atacam as
diligências?
– Ter, tem, uns poucos índios bêbados, mas isso fica para outro
dia – eu disse. – Você prometeu que ia dormir depois da história.
(pág. 174)

Com inversão:
– Por favor, eu estou muito cansada – Antonieta disse um dia.
– Olha os meninos – disse ela noutro dia. – Eles vão estranhar.
(pág. 175)


Dica 9: Já que falamos em diálogos: as falas têm que soar
naturais, saídas da boca dos personagens, não da boca do escritor (e
cuidado na colocação do travessão).

Taí uma dica que parece elementar, mas é bem complicada. Existe
uma distância terrível entre a chamada “norma culta” – o português
correto, como “manda” a gramática – e o português falado. Não se trata só
de gírias e palavrões e outros pontos controvertidos. O problema é que a
língua falada vai se tornando cada vez mais “errada”.
Quer um exemplo? A questão da segunda pessoa, o tu. A gente
aprende desde o primeiro primário que eu vou, tu vais, ele vai, mas no
português que ouvimos nas ruas e botecos e praias etc. do nosso vasto
Brasil tu vai. Como fica o escritor diante dessa barbaridade linguística?
Corrige a fala do personagem? E os regionalismos? Trem doido, sô! E as
pronúncias locais? Ó xente, vixe! Ocê viu a cumadi?
O conselho que posso dar ao leitor (com base no que aprendi em
seis anos de oficina literária e em “quilômetros” de leituras de nossos
textos literários) é: no nível ortográfico, siga a ortografia oficial, a não
ser num ou noutro ponto para caracterizar o regionalismo. Você pode usar
um Ó xente, vixe! ou Ocê viu a cumadi? com extrema parcimônia. O que
não pode é escrever a fala inteira desta maneira. Pode até usar um
fragmento de miguxês num texto onde esteja descrevendo um diálogo pelo
computador (eu faço isto no conto “Amor Virtual” – veja no meu blog
Sopa no Mel). Isto no nível ortográfico.
Agora no nível sintático e gramatical, você vai ter que escrever
errado (e correr o risco de ser tachado de ignorante) na medida em que seu
personagem – na sua crônica, conto, romance – fala errado. Se o
personagem é um professor de português em sala de aula, falará de uma
maneira. Se for um advogado discursando no fórum, falará de outra. Se for
uma “galera” discutindo futebol no boteco, falará o “botequinês”. Se for
um gerente do tráfico, falará o “trafiquês”, tá ligado, mano?[10] Fazer o
quê? (Também você não precisa sair de gravador em punho gravando as
conversas de botequim para reproduzi-las tal e qual... um pouquinho, o
escritor corrige, sim.)
Além do “tu viu”, “tu vai” etc. existem outros “erros” comuns do
português falado que o escritor de diálogos vez ou outra terá de reproduzir.
Um deles é o pronome reto usado como objeto: “Encontrei ele ontem no
calçadão.” Gramaticalmente errado, mas é como as pessoas no mais das
vezes falam. Outro erro comum do português falado: a regência de certos
verbos. Fazer um personagem de conto dizer “O filme ao qual assisti foi
uma droga” soará artificial. Quase ninguém fala assim. As pessoas falam
(errado): “O filme que assisti...” Durma-se com um barulho destes!
Onde os diálogos soam extremamente naturais é nas novelas de
televisão. Os personagens lá falam como se fala aqui no mundo real.
Quem pretende trabalhar com diálogos (como escritor ou roteirista) deve
assistir, vez ou outra, às novelas, sucessoras dos folhetins do século XIX.
Na naturalidade das falas, as novelas proporcionam verdadeiras aulas.
Agora o travessão. Não discutirei aqui se as falas devem ser
destacadas com travessão (o sistema tradicional do português), aspas
(sistema do inglês e outras línguas, mas adotado por alguns autores e
editoras brasileiras) ou se nem devem ser destacadas, como fazem Autran
Dourado e Saramago. (Essa questão, discuto-a no meu livro Português sem
mistério, editado pela Alta Books.) Quero simplesmente ensinar a arte de
colocar corretamente os travessões.
Vamos a um desafio. Aqui está um trecho de O evangelho segundo
Jesus Cristo, de José Saramago. Tente, leitor, transformá-lo num texto
“convencional”, inserindo travessões e outros sinais de pontuação (a
solução vem logo em seguida, mas não vale “colar”):

Disse Jesus, Não fui o único a fazer sair demónios de pessoas,


Tens razão, disse Tiago, mas foste o primeiro diante de quem eles se
humilharam, chamando-te filho do Deus Altíssimo, Serviu-me de
muito a humilhação, no fim o humilhado fui eu, O que conta não é
isso, eu estava lá e ouvi, interveio João, por que não nos disseste que
és filho de Deus, Não sei se sou filho de Deus, Como é possível que o
saiba o Diabo e não o saibas tu, Boa pergunta é ela, mas a resposta só
eles ta saberão dar, Eles, quem, Deus, de quem o Diabo diz que sou
filho, o Diabo, que só de Deus o podia ter sabido.

O costume atual (que não é o mesmo costume do tempo de Alencar


e Machado – ver diálogo do Lucíola na Dica 8) é o travessão funcionar
como uma separação (uma fronteira, uma barreira, um limite) entre a fala
em si (em itálico, no exemplo abaixo) e os comentários do narrador (em
negrito). Assim:

Disse Jesus:
– Não fui o único a fazer sair demónios de pessoas.
– Tens razão – disse Tiago –, mas foste o primeiro diante de
quem eles se humilharam, chamando-te filho do Deus Altíssimo.
– Serviu-me de muito a humilhação, no fim o humilhado fui eu.
– O que conta não é isso, eu estava lá e ouvi – interveio João.
– Por que não nos disseste que és filho de Deus?
– Não sei se sou filho de Deus.
– Como é possível que o saiba o Diabo e não o saibas tu?
– Boa pergunta é ela, mas a resposta só eles ta saberão dar.
– Eles, quem?
– Deus, de quem o Diabo diz que sou filho, o Diabo, que só de
Deus o podia ter sabido.

Os travessões, portanto, funcionam como uma espécie de “muro”


separando falas de comentários. O resto continua inalterado.


Dica 10: Evite o excesso de terminações mente

Você sabe o que é um eco... eco... eco... Pois repetir a mesma


terminação várias vezes na frase também se chama eco e deve ser evitado
nos textos em prosa. Uma forma comum de eco é abusar da terminação
mente, devido à abundância de advérbios de modo na nossa língua:
Diariamente, ele vem pessoalmente à loja para ver se os funcionários
estão realmente trabalhando.
Caso haja palavras demais terminadas em mente no seu texto, tente
substituir algumas (não todas, mas algumas) por alternativas sem mente:
substitua frequentemente por com frequência (ou muitas vezes ou
repetidas vezes), posteriormente por mais tarde (ou depois),
subitamente por de repente (ou de súbito), pessoalmente por em pessoa,
geralmente por em geral (ou via de regra ou quase sempre) etc.
Ou mude para um verbo mais forte que dispense o advérbio de
modo. Por exemplo, em vez de “A dedetização eliminou totalmente as
baratas” você poderia dizer “A dedetização exterminou as baratas”. Ou
em vez de “Ele entende perfeitamente de física quântica” você poderia
dizer “Ele domina a física quântica”. Ou em vez de “As águas do rio
inundaram totalmente a região” você poderia dizer... (tente responder;
resposta nas Notas)[11]
Ou tente transformar a dobradinha verbo + advérbio de modo em
uma trinca verbo + substantivo + adjetivo. Em vez de “O chefe controla
totalmente seus funcionários” você poderia dizer “O chefe exerce total
controle sobre seus funcionários”. Ou em vez de “A gata olhou
profundamente para mim” você poderia dizer... (tente responder; resposta
nas Notas)[12]

Até aqui abordamos a seleção vocabular, no texto narrativo ou


dissertativo e também nos diálogos. Vimos que um dos segredos do bom
texto está na variedade vocabular. Agora vamos passar para a construção
das frases, a “engenharia do texto”. Fundamental para a organização da
frase é a pontuação. No meu livro Português sem mistério, escrevo que,
assim como a sinalização de trânsito – as faixas, as placas, os sinais –
ordena o fluxo de veículos, a pontuação ordena o “fluxo de palavras”. A
falta de pontuação torna o texto confuso; pode até torná-lo ininteligível e,
em alguns casos extremos, alterar o sentido da frase! Dizer “Quem canta,
seus males espanta” é bem diferente de dizer “Quem canta seus males,
espanta”.
A próxima dica diz respeito à pontuação.

Dica 11: Vez ou outra, quebre uma frase muito longa com
travessões.

Um recurso de que dispõe o escritor (mas do qual não deve


exagerar) é quebrar algumas frases mais longas com travessões, seja para
aumentar a clareza ou destacar certos elementos.
Observe esta frase um tanto longa:

Passara antes na cozinha, enorme com seu fogão de lenha,


cestos repletos de frutas colhidas ali mesmo no pomar da chácara,
pegando um pedaço de pão, duas frutas e um punhado de balas de
coco, ainda fresquinhas, feitas na véspera.

Ela se torna mais elegante se destacarmos os atributos da cozinha,


entre travessões:

Passara antes na cozinha – enorme com seu fogão de lenha,


cestos repletos de frutas colhidas ali mesmo no pomar da chácara –
pegando um pedaço de pão, duas frutas e um punhado de balas de
coco, ainda fresquinhas, feitas na véspera.[13]

Um parêntese (aqui repito o que já disse no Português sem


mistério): algumas pessoas, embora saibam usar o Word, têm dificuldade
com o travessão (–) e acabam usando o hífen (-) ou o caractere sublinhado
(_) em seu lugar. As antigas máquinas de escrever não tinham travessão:
você usava dois hífens (--) e o tipógrafo fazia a conversão. O computador
pode ser uma máquina moderna, mas seu teclado é o mesmo de uma velha
máquina de escrever de cem anos atrás: tem de tudo, até #, % e &, mas
não tem o travessão.
Uma maneira de inserir o travessão no Word é apertar
simultaneamente as teclas Ctrl + Alt e, logo depois, aquele sinal de
menos (-) que fica lá na extrema direita do teclado (extrema direita
mesmo, em cima da tecla +). Ou na barra de menu selecione Inserir,
depois Símbolo, depois Caracteres Especiais, depois Travessão, clique
no botão Inserir e depois em Fechar. Fim do parêntese.


Dica 12: Generalizando a dica anterior: explore ao máximo os
recursos da pontuação.

Basicamente pontuamos com o corriqueiro ponto, a banal vírgula,


um ou outro ponto de interrogação e uns raros pontos de exclamação. E
marcamos os diálogos com travessões. Esse é o feijão com arroz, o
básico. Vimos na dica anterior que podemos aumentar a diversidade da
pontuação destacando trechos da frase com travessões.
Outro recurso para dar variedade à pontuação: os dois-pontos
(observe que acabei de usá-los). Normalmente introduzem falas, mas
também podem introduzir uma sequência que explica, esclarece,
desenvolve uma ideia anterior. No conto “A Cantora” do meu livro Édipo
(editado pela Ciência Moderna), uso e abuso dos dois-pontos.

Repertório escolhido com carinho: chorinho, Época de Ouro,


bossa-nova, Chico, Caetano, Roberto Carlos, rock brasileiro.

Tema predominante: amor, às vezes não correspondido.


A cada show, o mesmo ritual: equalização de graves e agudos,
primeiro cada instrumento e vocalista separados, depois todos juntos.

No princípio, Ney foi puro galanteio: elogiava-a da pontinha


do dedo mindinho do pé aos cabelos resplandecentes (e outros
adjetivos em “ente” que catava no fundo do dicionário).

No fundo, Ney queria mesmo era uma mulher que saiba lavar
e cozinhar, me acorde de manhã cedo e avise na hora de trabalhar:
uma Emília, Emília, Emília, não posso mais, uma Amélia que era
mulher de verdade.

Sinal de pontuação comum na língua inglesa mas pouco popular no


português é o ponto e vírgula. Uma aplicação típica do ponto e vírgula é
em listas de itens. Por exemplo, o Art. 1º da Constituição do Brasil reza:

A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.

O ponto e vírgula permite também separar duas orações que se


contrapõem:
Quando o doente escapa, foi Deus que o salvou; e quando
morre, foi o médico que o matou.

Para o bom escritor, o ponto e vírgula é um recurso valioso,


permitindo organizar melhor frases compridas. No Dom Casmurro,
Machado emprega 934 pontos e vírgulas. No Escrava Isaura, Bernardo de
Guimarães utilizou 563. No meu livro Édipo, usei apenas 112. (A
tendência hoje é usar menos pontos e vírgulas do que no tempo do
romantismo e realismo.)
Já no primeiro parágrafo de Dom Casmurro, a quarta frase, a mais
comprida, está dividida por ponto e vírgula. Veja só:

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo,


encontrei num trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu
conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de
mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A
viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente
maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos
três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a
leitura e metesse os versos no bolso.

Um recurso de pontuação que permite intercalar um informação


adicional na frase (interrompendo seu fluxo normal) são os parênteses.
Mas não devem ser usados com frequência. No Dom Casmurro, Machado
utiliza 27 pares de parênteses. Um exemplo:

Posto que nascido na roça (donde vim com dous anos) e apesar
dos costumes do tempo, eu não sabia montar, e tinha medo ao cavalo.

Os parênteses também permitem intercalar comentários do narrador


dentro de um diálogo, evitando-se o excesso de travessões. Marques
Rebelo faz isso muito bem em A estrela sobe. Veja:

– Eu também te amo, Oliveira – e Leniza parou: – Te amo


muito (Oliveira se iluminava.) Mas é melhor que fiquemos sempre
assim.

Finalmente temos as reticências – os três pontinhos. Difícil


explicá-las logicamente. Podem marcar a ruptura da ordem lógica da frase,
indicar hesitação numa fala, ou sugerir que o leitor complete o
pensamento. Marques Rebelo usa muito nos seus diálogos (mas não
convém exagerar):

– Mas para que gastar otimismo falando de uma coisa em que


não tenho nenhum interesse?
– Mas eu tenho!
– Ah! Percebo... Queres ir de tabela... Eu sou a tabela, não é?
O cavalinho... (ah! Bem ele desconfiara...)
– Você se acha bom cavalinho?
– Talvez seja – semicerrou um olho: – Mas pergunto uma
coisa: você só tem mantido relações comigo com este fim?
– Que ideia, Mário Alves!...

Uma curiosidade: no Dom Casmurro Machado usa reticências 339


vezes.


Dica 13: Cuidado para não colocar vírgula no lugar errado.
O emprego da vírgula segue algumas regras. Elas estão no meu
Português sem mistério. Essas regras são como os sinais sonoros dos
guardas de trânsito – os tais silvos longos e silvos breves: ninguém sabe as
regras, mas o trânsito flui mesmo assim. Se você seguir a intuição, em 99
por cento das vezes acertará a vírgula. O problema é o um por cento
restante, os casos em que você não poderia usar vírgula de jeito nenhum.
São dois:
1) Nunca separe o sujeito do verbo por vírgula. Jamais cometa
isto: O presidente da república, inaugurou a nova hidrelétrica.
2) Nunca separe o verbo do seu complemento por vírgula. Jamais
faça isto: O Congresso propôs, uma lei de endurecimento das penas.
Evitando estes dois erros graves, no resto deixe-se guiar pela
intuição.


Dica 14: Utilize uma sintaxe rica e variada.

Agora vamos entrar na “engenharia do texto” propriamente dita.


Você pode usar frases longas, frases médias, frases curtas. Numa
extremidade do espectro, uma frase pode conter uma só palavra. Neste
fragmento retirado do conto “Corinthians (2) vs. Palestra (1)” do livro
Novelas paulistanas do escritor modernista António de Alcântara
Machado, várias frases contêm uma única palavra (fazia parte do “ideário”
modernista enxugar as frases):

Parecia um louco. Driblou. Escorregou. Driblou. Correu.


Parou. Chutou.
– Gooool! Gooool!
– Fui!

Na outra extremidade do espectro, uma frase pode conter uma


enormidade de palavras. Veja esta frase da pág. 44 do belo livro O amante
das amazonas de Rogel Samuel:

Mas vinha ficando assim, nos últimos dias um tanto lesa, de


bestialógica leseira, tonteira de feitiço e de azar no sorriso dos lábios
do bugre nela, paralisada sem forças, anestesiada sem armas, inútil
apesar da cara feia e do beicinho que conseguia fazer na força de ter,
no delírio – pois aquilo era um delírio – que tonta mergulhava num
reflexo nulo contra si, que no fundo começava a ter, a despertar certa
irresponsabilidade e atração, no lastro de desconhecida loucura e de
inusitado cheiro, que do corpo dela se exalava, assim como se tudo o
que o rapaz representava para ela a contaminasse, qual seja, a força
do poder do Palácio Manixi, o esplendor e a riqueza do Seringal, na
sua orgia de luxo carismático – Paxiúba, irmão de Zequinha, filho de
D. Ifigênia, sua patroa, e tudo aquilo ressoava nos seus sonhos
antagônicos, em tudo avesso e o Outro de sua vida, ingrata e
destruída, sem tido tino e agora sem destino, ali, desvalida, perdida,
vadia, no Amazonas, dos mais longes mundos, e sabia bem que do
corpo do bugre, principalmente do tórax largo e de seus bonitos
ombros se exalava o calor do poder dos Bataillons, como se fosse ele
o firme e forte ferro da potestade e da glória do capital, cheiro esse,
de cumaru vertido, sabendo a azeite, contaminada, também em si
sentia, como odor do amor, mel do corpo do amor insabido no meio
do sabão da pele.

Você pode empregar frases curtas, médias, longas: é uma questão de


estilo. Os recursos da língua estão aí para serem utilizados. Mas para
adquirir uma sintaxe rica e variada (sintaxe, segundo o Aurélio, é a “parte
da gramática que estuda a disposição das palavras na frase e a das frases
no discurso”) você precisa conhecer as maneiras de encadear as orações no
texto (oração é uma declaração que afirma ou nega algo – portanto, possui
um verbo).

1) Você pode justapor as orações, separadas por pontos (às vezes,


ponto e vírgula):

Entrei no cinema. Estava lotado. Só encontrei lugar nas


primeiras filas.

Outra alternativa é usar vírgulas entre as orações:

Entrei no cinema, estava lotado, só encontrei lugar nas


primeiras filas.

2) Vez ou outra, pode inserir uma frase nominal (frase que não
chega a ser oração, por falta de verbo):

Entrei no cinema. Estava lotado. Lugar, só nas primeiras filas.


Entrei no cinema. Lotação quase esgotada. Só encontrei lugar
nas primeiras filas

3) Você pode concatenar as orações à maneira bíblica, com e –


construindo assim períodos mais longos:

Entrei no cinema lotado e só encontrei lugar nas primeiras


filas.

4) Também é possível concatenar orações com mas, ou, pois:


Entrei no cinema, mas só encontrei lugar nas primeiras filas,
pois a sala estava quase lotada.

5) Orações ou frases nominais podem ser realçadas por travessões


(–) , dois-pontos (:) ou parênteses (mas não abuse deles):

O cinema estava lotado – lugar, só nas primeiras filas.


O cinema estava lotado: lugar, só nas primeiras filas.
O cinema estava lotado (só encontrei lugar nas primeiras
filas).

6) Você pode subordinar orações umas às outras, utilizando as


conjunções apropriadas: (ver caixa a seguir).

CONJUNÇÕES PARA VOCÊ CONSTRUIR PERÍODOS MAIS


ELABORADOS:

quando (ou logo que, assim que) – Quando cheguei no cinema,


vi que estava lotado.
à medida que (ou à proporção que, quanto mais) – À medida
que o cinema ia lotando, sobravam lugares somente nas primeiras filas.
a fim de – Entrei no cinema correndo, a fim de encontrar um bom
lugar.
conforme – Conforme previ, o cinema estava lotado.
se (ou caso) – Se eu tivesse chegado mais cedo, não encontraria o
cinema lotado.
embora (ou se bem que) – Embora eu chegasse cedo, encontrei o
cinema lotado.
tanto...que – O cinema lotou tanto que só sobraram lugares nas
primeiras filas.
porque (ou uma vez que, visto que, já que) – Sentei numa das
primeiras filas, já que o cinema estava lotado.
que – No cinema, que estava lotado, só encontrei lugar numa das
primeiras filas. Quando entrei no cinema vi que estava lotado!

7) Uma alternativa às conjunções é empregar o gerúndio,


particípio ou infinitivo. Por exemplo, o período “Quando (conjunção)
entrei no cinema, vi que estava lotado” pode ser transformado em
“Entrando (gerúndio) no cinema, vi que estava lotado” ou “Ao entrar
(infinitivo) no cinema, vi que estava lotado”. E “Quando a sessão acabou,
bati palmas” pode virar “Acabada (particípio) a sessão, bati palmas”.

8) Você pode alternar períodos longos e curtos, além de frases


nominais:

Entrei no cinema. Só encontrei lugar numa das primeiras filas, uma


vez que o cinema, que fica num shopping superbadalado, estava lotado.
Infelizmente.

9) Perguntas de efeito retórico dão um toque especial:

Quando entrei no cinema, sabe o que aconteceu? De tão lotado, só


encontrei lugar nas primeiras filas.

OS RECURSOS SINTÁTICOS NA PRÁTICA


► Períodos curtos (um deles constituído de uma só palavra:
Silêncio), muitas frases nominais (frases sem verbo) e alguns particípios
(chegado, rodeado):

Chegado o momento. Silêncio. Estranho enigma no ar. Cheiro de


mato, mato mesmo. Águas mansas. Açude escuro, verde musgo, rodeado
de flores: Marias-sem-vergonha e aves-do-paraíso esfuziantes. Apostas
para ver quem seria o primeiro a se lançar na piscina. Um mergulho,
depois outro, outro... Água fresca, bem geladinha. Risos, descobertas,
braçadas e novas apostas.
Ana Lia Vianna Ambrosio, Pouso das garças, Editora Oficina do
Livro, pág. 52.

► Concatenação com e, à maneira bíblica (inclusive um período


começado por e), períodos curtos, médios e longos (o último, bem
longo), algumas orações subordinadas também:

Você entrou naquele avião e eu sabia que o nosso caso de amor


estava acabado. Só o caso, o amor, não. Vou seguir amando você
enquanto respirar, e, se houver vida outra além desta conhecida, creia, o
meu amor ainda será você. E os borrões, redesenhando as rosas desse
lindo papel de carta que você me trouxe, são lágrimas sobre tinta,
testemunhas líquidas e certas do sofrimento que experimento ao decidir
permanecer no Brasil.
Mariza de Almeida Rebouças, A rainha da hora, Editora Razão
Cultural, pág. 45.

► Gerúndios à beça (refletindo, dividindo, sabendo, misturando),


infinitivo (levantar), particípio (perdidas) e travessão:

Três ruas perdidas na imensidão a levantar poeira na passagem das


carroças, chão batido e curtido, refletindo apenas a rudeza das longas
estiagens de verão. Caprichosamente uma Praça dividindo a aldeia em
duas metades, sem distinção de classes. Os habitantes mal sabendo ler ou
escrever – invasões e retomadas da terra misturando russo e romeno.
Ídiche, a língua oficial.
Rosa Ghelman, Fim de viagem, começo de vida, Editora Oficina do
Livro, pág. 3.

► Dois-pontos, perguntas de efeito retórico e orações


subordinadas (quando..., cujo..., porque..., que a poliomielite...):

Eu me pergunto: como afirmar que Deus é bom, quando entramos


num hospital? Como falar do amor de Deus a uma mulher cujo filho é
idiota, simplesmente porque a mãe contraiu rubéola durante a gravidez?
Como falar de Deus a este rapaz que a poliomielite transformou num
paralítico? Como falar do amor diante de um campo de concentração?
Diante de um hospício? Diante da morte?
Antonio Carlos Villaça, Degustação, Editora José Olympio, pág.
61.

► Alternância de períodos longos e curtos:

O menininho viajava de avião pela primeira vez. O voo partia à


noite, e ele nada viu. Logo dormiu. Quando acordou pela manhã, olhou
para fora, o céu absolutamente azul para cima e, lá embaixo, nuvens
brancas navegantes... Assustado, disse ao pai: Papai, o céu caiu lá
embaixo...
Rubem Alves, Quarto de badulaques, Parábola Editorial, pág. 43

► Técnicas variadas: dois-pontos, orações separadas por vírgulas


(cachorros..., macacos...), pergunta retórica realçada por exclamação (?!),
concatenação com mas, subordinação com tão... que..., infinitivo
(pararem, cair), gerúndio (tocando):
Os bichos, mesmo sendo poucos, eram formidáveis: cachorros
pulavam por dentro de arcos pegando fogo, macacos, além de
balançarem no trapézio, faziam a gente rir muito, atrapalhando os
palhaços. E os cavalos?! Eram só dois, mas eu não cansava de ver eles
galoparem em volta do picadeiro, tão certinho que a moça com maiô
dourado podia ficar em pé no lombo de um, passar pro do outro e voltar
muitas vezes, sem eles pararem nem ela cair. Tudo isso com a música
tocando alto e bonito.
Evangelina Barbosa de Moraes, A boia perdida, Editora Bom
Texto, pág. 114.


Dica 15: Se você sente que seu texto está muito “quadrado”,
introduza algumas inversões.

Existe uma ordem normal da frase: primeiro vem o sujeito, depois o


verbo, depois seus complementos, finalmente as circunstâncias. Eu
encontrei Maria ontem no bonde de Santa Teresa. A inversão é um recurso
muito empregado em poesia. Mas na prosa literária uma ou outra inversão
da ordem normal dá um toque de literariedade. Vamos ver exemplos do
conto “Bala Pe(r)dida”, de Roberto Petti Pinheiro.[14] (Observe também
como o autor usa pontos e vírgulas para organizar a frase.)

No pequeno espaço transformado em dormitório, se


amontoavam roupas sujas, jornais amarelados e revistas antigas; não
havia cama, apenas um colchão velho e surrado colocado perto da
janela, no chão; sobre cinco catálogos telefônicos dos anos 80 que,
empilhados, serviam de mesinha de cabeceira, ficavam um estranho
rádio de antigas Copas, uma pequena luz de leitura e uma gravura de
São Judas Tadeu.

A ordem normal, quadradinha, seria:

Roupas sujas, jornais amarelados e revistas antigas se


amontoavam no pequeno espaço transformado em dormitório
[sujeito, verbo e circunstâncias]; não havia cama, apenas um colchão
velho e surrado colocado perto da janela, no chão; um estranho rádio
de antigas Copas, uma pequena luz de leitura e uma gravura de São
Judas Tadeu ficavam sobre cinco catálogos telefônicos dos anos 80
que, empilhados, serviam de mesinha de cabeceira.


Dica 16: Se você sente que seu texto está muito “quadrado”,
transgrida.

Se você sente que seu texto está muito “quadrado”, transgrida. Use
um tem no lugar de há (Hoje tem marmelada! Tem sim senhor!). Ouse
“errar” numa regência, deixando o texto mais coloquial. Por exemplo, no
conto “Bala Pe(r)dida”, Roberto Petti Pinheiro transgride a regência
“oficial” de dizer:

Fora um menino de aproximadamente dez anos carregando um


fuzil duas vezes o seu tamanho, e que chamando Jorge de tio, disse
pra ele ir embora, nada aconteceu.

Outro recurso transgressor é a silepse: é você fazer a concordância


pela lógica, e não pela gramática. Exemplos:
Silepse de gênero – Estava aquela pessoa atendendo o público: três
horas de trabalho o cansaram.
Silepse de número – O povo chegou à praça. Gritaram palavras de
ordem.
Silepse de pessoa – Os escritores somos naturalmente engajados.


Dica 17: Inspiração é importante, mas sem a transpiração você
não irá muito longe.

A esta altura do jogo, o leitor deve estar pensando: o Ivo está


querendo que eu vire um Machado de Assis! Não precisa chegar a tanto.
Só quero mostrar a variedade de recursos oferecidos pela língua. Claro que
um texto técnico deve ser simples e objetivo. Já um texto literário será
mais elaborado.
Mas não é preciso forçar nenhuma barra. Primeiro, escreva seu
texto espontaneamente. Ponha as ideias pra fora. É a fase da inspiração.
Depois dê uma vista d’olhos nas dicas deste livro. Aí releia atentamente
seu texto e tente sofisticar mais um pouco. É o momento da transpiração.
(Lembra-se da velha frase de Edison: A genialidade é um por cento de
inspiração e 99 por cento de transpiração?) Mas não caia no extremo
oposto, do texto por demais laboratorial. Nem tanto ao mar, nem tanto à
terra.
Mário de Andrade, em carta de 1942 dirigida ao então jovem
aspirante a escritor (“18 encabulados anos”) Fernando Sabino, descreve
com perfeição essa dinâmica entre inspiração (que ele chama de
“disposição”) e transpiração (o “trabalho” do operário):
O prosador lida com a inteligência lógica, está no plano do
consciente, das relações de causa e efeito. O seu discurso tem cabeça,
tronco e membros, princípio-meio-e-fim, embora pouco importe que
muitas vezes o assunto exija que o fim esteja no princípio, e o
princípio no meio. Não tem disposição? Não se trata de ter
disposição: você é um operário como qualquer outro: se trata de ter
horas de trabalho. Então, vá escrevendo, vá trabalhando sem
disposição mesmo. A coisa principia difícil, você hesita, escreve
besteira, não faz mal. De repente você percebe que, correntemente ou
penosamente (isto depende da pessoa) você está dizendo coisas
acertadas, inventando belezas, forças, etc. Depois, então, no trabalho
de polimento, você cortará o que não presta, descobrirá coisas para
encher os vazios, etc. etc. (Fernando Sabino e Mário de Andrade,
Cartas a um jovem escritor e suas respostas, Editora Record, pág.
25)


Dica 18: Não dirija sem cinto de segurança, nem escreva sem
corretor ortográfico.

Esta dica dei bem no início do meu Português e gramática: Erros


nunca mais (Editora Alta Books) e repito aqui. Tem gente que vai ao
cinema, ouve CDs, anda de avião, mas na hora de escrever vê-se possuída
por um estranho espírito “antitecnológico” e se recusa a usar o
computador. Ou usa o computador mas esquece de passar o corretor
ortográfico. Em termos de ortografia, o corretor ortográfico já é meio
caminho andado, é uma mão na roda. Vou ainda mais longe: você não deve
apenas passar o corretor depois que redigiu o texto, mas mantê-lo ativado
enquanto redige. Para isso, ao criar um documento no Word, clique em
Ferramentas, depois em Opções, depois em Ortografia e Gramática e
finalmente marque (ou deixe marcado) Verificar ortografia ao digitar,
desmarque (ou deixe desmarcado) Ocultar erros de ortografia neste
documento e marque (ou deixe marcado) Sempre sugerir correções.
Mas atenção: não dá para confiar cegamente no corretor
ortográfico, assim como não dá para confiar cegamente nas traduções
feitas por computador. A complexidade, tortuosidade, contradição,
sutileza, criatividade de uma língua dificilmente serão dominadas por uma
máquina.
Mesmo assim, os corretores ortográficos constituem uma
ferramenta útil. Ao menos, detectam falhas de digitação, acentuação,
grafia, reduzindo muito as chances de erros e contribuindo para a
qualidade do texto final. Vamos fazer uma experiência? Vamos reescrever
o parágrafo acima sem nenhum acento e ver se o corretor corrige:

Mas atençao: nao da para confiar cegamente no corretor


ortografico, assim como nao da para confiar cegamente nas
traduçoes feitas por computador. A complexidade, tortuosidade,
contradiçao, sutileza, criatividade de uma lingua dificilmente serao
dominadas por uma maquina.

As palavras que o corretor reprovou estão em negrito (no Word


estarão sublinhadas com uma linha ondulada vermelha; se você clicar com
o botão direito do mouse nelas, o corretor sugerirá a correção, quase
sempre correta). Repare que o corretor não detectou todos os erros! Ele
não detectou a falta de acento no verbo dar (não dá para confiar
cegamente no corretor ortográfico, assim como não dá para confiar
cegamente nas traduções feitas por computador), porque para ele se trata
da contração de de + a, nem em maquina, porque para ele se trata da
terceira pessoa do singular do verbo maquinar: eu maquino, tu maquinas,
ele maquina...
Moral da história: o corretor diminui substancialmente as chances
de erro, mas não oferece segurança absoluta.


Dica 19: Cuidado com os erros de concordância.

No tempo da ditadura militar, o saudoso Sérgio Porto forjou a


“sigla” Febeapá, o Festival de Besteira Que Assola o País. Foi o tempo em
que se proibia tudo que “cheirasse” a comunismo – o Balé Bolshoi, por
exemplo – ou que atentasse contra a “moral e os bons costumes da família
brasileira”. Agora já não somos mais agredidos pela truculência dos
censores, e a moral e os bons costumes da família brasileira há muito
foram pro beleléu. Os tempos são outros, e assistimos de camarote ao
Festival de Erros de Concordância que Assola o País, escrevi no meu
livro Português sem mistério.
O verbo tem que concordar em pessoa e número com o sujeito.
Quando o sujeito está bonitinho antes do verbo, a gente costuma acertar.
As declarações do presidente causaram mal-estar. Contudo, existem duas
situações em que corremos o risco de errar na concordância verbal.
Uma é quando o sujeito é comprido. As declarações do presidente
ontem à noite ao canal de televisão estatal causou mal-estar. O verbo tem
que concordar com o sujeito: As declarações... causaram... Outro exemplo
de sujeito comprido induzindo ao erro: Oportunidades de aprendizado sem
o enquadramento certo e um diálogo aberto pode representar a diferença
entre mero treinamento e crescimento real. Oportunidades... podem!
A outra situação em que erramos na concordância verbal é quando a
ordem natural da frase é invertida e o verbo antecede o sujeito. Vamos ver
um exemplo prático. Na revista “Programa” do Jornal do Brasil de
2/11/2007, um leitor, reclamando de um restaurante, escreve: “Após muita
insistência e bate-bocas foi chegando, bem aos poucos, os pedidos feitos
há quase uma hora.” Aqui houve a inversão entre sujeito e verbo. Na
ordem direta é mais difícil errar: os pedidos foram chegando.


Dica 20: Cuidado com os erros “clássicos”.

Erros clássicos são aqueles contra os quais os professores na escola,


os manuais de estilo, as apostilas do pré-vestibular, as páginas da Internet
sobre língua portuguesa etc. nos advertem, mas mesmo assim teimamos
em cometê-los. Por exemplo, a confusão entre o porque junto e por que
separado, entre há (não o vejo há anos) e a (irei aí daqui a dez minutos),
etc.
A revista Veja de 12 de setembro de 2007, na matéria de capa
“Riqueza da Língua”, lista os “Pecados da língua”, os “dez erros que
comprometem a vida social e as pretensões profissionais de qualquer um”.
São eles:

1. Houveram problemas. O verbo haver, no sentido de existir, é


impessoal, fica sempre no singular. O certo é: Houve problemas. Outros
exemplos: Houve muitos acidentes na estrada. A regra também vale para
locuções verbais: Deve haver muitas pessoas ali. “Haver” é um desses
verbos corriqueiros de que não devemos abusar. Observe que, se você
substitui haver por, digamos, existir ou ocorrer, a concordância passa a
ser normal: Existiram problemas. Ocorreram muitos acidentes na
estrada.
2. Se ele dispor de tempo. O verbo dispor se conjuga como pôr. Se
ele puser... Se ele dispuser de tempo. Outro verbo passível de erro é
intervir, que se conjuga como vir. O ministro veio... O ministro interveio.
Se tiver uma dúvida sobre como conjugar um verbo, consulte a ferramenta
de conjugação verbal do seu dicionário eletrônico.
3. Espero que ele seje feliz e Vieram menas pessoas. Dois erros
inadmissíveis, segundo a Veja. A conjugação “seje” não existe. Espero que
ele seja feliz. E “menos” é palavra invariável, fica sempre igual (não vai
para o feminino).
4. Ela ficou meia nervosa. Meio pode ser substantivo (estamos no
meio da viagem), adjetivo (o adjetivo qualifica um substantivo: quero só
meia dose, daqui a meia hora) ou advérbio (um advérbio modifica um
verbo, adjetivo ou outro advérbio: ando meio doente, estou meio triste,
estou com a cabeça meio quente). Os advérbios são invariáveis, não vão
para o feminino nem para o plural. O certo é: Ela ficou meio nervosa.
5. Segue anexo duas cópias do contrato. Duplo erro de
concordância, verbal e nominal. As duas cópias seguem anexas. Ou
seguem em anexo.
6. Este assunto é entre eu e ela. Depois de preposição, só se usam
eu e tu se forem sujeitos de um verbo seguinte: Deram o livro para eu ler
(eu é sujeito de ler). Do contrário, usam-se mim e ti. Deram o livro para
mim. Entre mim e ti não existem segredos.
7. A professora deu um trabalho para mim fazer. Aqui o pronome
pessoal é sujeito de um verbo seguinte. O certo é: A professora deu um
trabalho para eu fazer.
8. Fazem dois meses que ele não aparece. O verbo fazer indicando
tempo decorrido é impessoal: Faz dois meses que ele não aparece. Haver
nesse mesmo sentido também é impessoal: Há dois meses que ele não
aparece.
9. Vou estar providenciando o seu pagamento. Segundo a Veja, o
chamado “gerundismo”, ou a praga do gerúndio, embora não constitua um
erro gramatical, é um vício insuportável. Vou providenciar é mais
elegante. Ou simplesmente: Providenciarei. Recentemente circulou na
Internet um “Manifesto Antigerundista” de Ricardo Freire e Laila Vanetti.
Nele líamos: “Mais do que estar repreendendo ou estar caçoando, o
objetivo deste movimento é estar fazendo com que esteja caindo a ficha
nas pessoas que costumam estar falando desse jeito sem estar
percebendo.” Mas veja bem: não se trata de imitar nossos irmãos lusitanos
que, em vez de dizerem “estou adorando”, dizem “estou a adorar”. O
gerúndio, empregado de forma apropriada e moderada, é de grande valia.
Que o diga Geraldo Vandré: “Caminhando e cantando e seguindo a canção
/ Somos todos iguais, braços dados ou não.” O que se combate é sua
repetição enfadonha ou em formas verbais esdrúxulas como “vou estar
providenciando”.
10. O problema vai ser resolvido a nível de empresa. Sobre a
polêmica do “a nível de” e outros cavalos de batalha dos puristas do
vernáculo, veja a Dica 28.

Andou circulando pela Internet uma lista dos 100 erros mais
comuns da língua portuguesa. Pesquise no Google que você acha.
Um excelente site para você tirar suas dúvidas de português é Sua
Língua[15] de Cláudio Moreno.
E se você quiser uma vacina contra os erros de português mais
comuns, recomendo (legislando em causa própria) o meu livro Português
e gramática: Erros nunca mais (Alta Books). Mais informações sobre o
livro você encontra na Internet.


Dica 21: Enriqueça seu vocabulário

Para encontrar sempre a palavra certa, que corresponda exatamente


ao que você pretende dizer, enriqueça seu vocabulário. A melhor maneira
de enriquecer o vocabulário seria ler o dicionário como se lê um romance.
O acadêmico octogenário Antonio Olinto, além de ler três livros por
semana, lê três páginas de dicionário por dia. Mas você não precisa chegar
a este extremo. Tampouco deve ir ao extremo oposto de manter o
dicionário numa estante empoeirada e inacessível. Aliás, nem deveria
manter o dicionário na estante. Deveria instalar no seu computador!
Um vocabulário rico é fundamental para quem pretende se exprimir
bem e com clareza (além de ajudar nos concursos, nas provas, nas
entrevistas de admissão nas empresas etc.) Machado de Assis teria
empregado, nas Memórias póstumas de Brás Cubas, 6.700 palavras
diferentes, enquanto Guimarães Rosa utilizou 9 mil em sua obra completa.
Calcula-se que Shakespeare tenha usado 25 mil palavras diferentes do
inglês no conjunto de sua obra.
Enriquecer o vocabulário requer um espírito de curiosidade. Assim
como certas pessoas ficam curiosas em saber quem é que as celebridades
estão namorando, você deve ficar curioso em saber o que as palavras
significam. Tem que ler, ler, ler – livros, jornais, revistas, poemas, textos
na Internet, cartazes, bulas, o que aparecer pela frente – e sempre que
deparar com uma palavra nova, dicionário nela!


Dica 22: Use a palavra certa.

Para tudo existe a palavra certa. Por exemplo, sabe como se


chamam aquelas “lixeiras com rodas” que a Comlurb espalha pelas praias
do Rio de Janeiro para ver se os banhistas tomam vergonha na cara e
param de emporcalhar a areia? São contentores. Diferentes ações têm
nomes específicos: uma asa rufla, uma bandeira tremula, o vento sopra, a
chuva cai, as lágrimas assomam nos olhos e jorram, a morte sobrevém, o
navio sulca os mares, a noite cai, vagalumes lucilam. Os diferentes sons
também têm determinados nomes: o canhão ribomba (ou atroa), o fogo
crepita, o tambor rufa, o sino badala. As vozes dos animais têm nomes
especiais: os pássaros trinam ou gorjeiam, o peru gorgoleja, o grilo
cricrila, o sapo coaxa. Você pode arquitetar um plano, atender a um
pedido, brandir a espada, celebrar um contrato, corresponder às
expectativas, deflagrar uma greve, descrever uma órbita, desferir um
soco, empunhar armas, exercer um impacto, firmar um acordo, fixar
residência, forjar uma aliança, formular uma pergunta, impetrar um
recurso, ministrar um curso, perseguir uma meta, prestar um favor,
proferir um discurso, promulgar um decreto, pronunciar uma sentença,
sustentar uma crença, travar uma guerra.
Como achar a palavra certa? Em primeiro lugar, convém dispor de
um estoque delas na cabeça. Para isso, você precisa ler, e prestar atenção
no que lê (não só no assunto, mas também na linguagem). O dicionário
eletrônico Houaiss dispõe de uma ferramenta de vozes de animais e outra
de coletivos. Outra ferramenta interessante dos dicionários eletrônicos é a
pesquisa reversa: você informa uma palavra e recebe uma lista dos
verbetes onde aquela palavra ocorre. Por exemplo, com a palavra decreto
você obtém (entre outras palavras) expedir e promulgação, e fica sabendo
que decretos podem ser expedidos ou promulgados. Os dicionários
analógicos ou de ideias afins também são úteis. O mais famoso é o
Dicionário analógico da língua portuguesa de Francisco Ferreira dos
Santos Azevedo, mas atualmente só está sendo vendido por sebos
(inclusive sebos da Internet). Outra ferramenta é procurar em sites da
Internet. No caso do “contentor”, posso procurar sites de empresas de
produtos de limpeza urbana. Geralmente esses sites mostrarão imagens
dos materiais junto com seus nomes e especificações. É preciso ter
espírito de detetive!


Dica 23: Saiba a diferença entre discurso direto, discurso
indireto e discurso indireto livre.

Se você pretende criar textos literários, terá que lidar com as falas e
os pensamentos dos personagens. Para isso, convém saber a diferença
entre discurso direto, discurso indireto e discurso indireto livre.
O discurso direto é você reproduzir, tal e qual (ou seja, de forma
direta), a fala ou pensamento do personagem. As falas costumam ser
delimitadas por travessões (mas há quem as delimite com aspas e quem
não as delimite, como Saramago); os pensamentos, por aspas ou apenas
virgulas (mas delimitá-los com travessões não está errado).
– Vou-me embora pra Pasárgada – ele disse/pensou.
“Vou-me embora pra Pasárgada”, ele disse/pensou.
Vou-me embora pra Pasárgada, ele disse/pensou.

O discurso indireto é fazer referência à fala ou pensamento, mas


sem reproduzir tal e qual: Ele disse que ia embora para Pasárgada.
E o discurso indireto livre? Também é um discurso indireto, mas
mais sutil. Você não se refere explicitamente ao pensamento como tal:
você simplesmente o coloca no meio da narrativa (cabe ao leitor “sacar”
que aquilo é pensamento do personagem). Por exemplo: Maria acordou,
olhou em volta, viu aquela bagunça toda. Vou-me embora pra Pasárgada.
Levantou e foi fazer a mala. O discurso indireto livre constitui um belo
recurso do ponto de vista estilístico.


Dica 24: Ao escrever um texto literário, lance mão de alguns dos
recursos avançados (figuras de linguagem e outros recursos) a seguir.
Mas não exagere para não soar artificial. Alguns recursos são próprios da
prosa e outros servem tanto à prosa quanto à poesia. Os recursos
específicos da poesia (e prosa poética) se encontram no meu Manual do
poeta, também editado pela Ciência Moderna.

► Alegoria - Uma série de metáforas.

A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono


lutam pelo soprano, em presença do baixo e dos comprimirás,
quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em
presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimirás. Há coros a
numerosos, muitos bailados, e a orquestração é excelente...
(Machado de Assis, Dom Casmurro)

► Anadiplose - Repetição da última palavra de uma frase no início


da frase seguinte:

O escritório era amplo e solene. Solene justamente pela sua


amplitude... (João Alphonsus, “A Noite do Conselheiro”).

Lá fora chuva. Chuva incessante, copiosa, interminável [...]


(Peregrino Junior, “A Mata Submersa”)

► Anáfora - Repetição de uma ou mais palavras no inicio de frases


ou em partes da mesma frase:

Adeus barrancas vermelhas, adeus águas de Irovi: adeus amor


que foi meu, adeus douradas piabas, adeus bois que já lacei, cavalos
que já montei. (Manuel Cavalcanti Proença, Manuscrito Holandês)

Rede da minha terra,


Velha rede ubíqua e boa
Tão útil na humilde calma do seu manso embalo!
Rede do alpendre da casa-grande e do rancho de palha calado
e pobre.
[...]
Rede boa, rede pobre, rede querida! (Peregrino Junior, “A
Mata Submersa”)
► Antítese - Contraposição de palavras ou ideias opostas.

Esta mulher ou é um demônio de malícia, ou um anjo que


passou pelo mundo sem roçar as suas asas brancas. (José de Alencar,
Lucíola)

Força reconhecer, aquilo doeu não só à alma mas à minha


carne, naquele tempo já ciumenta e má. (Carlos Heitor Cony, O
ventre)

O pó que somos, é a vida; o pó que havemos de ser, é a morte;


e o maior bem da vida é a morte; o maior mal da morte é a vida.
(António Vieira, Sermão de Quarta-feira de Cinza)

► Assíndeto - Omissão das conjunções entre orações, resultando


em orações justapostas, separadas por vírgulas.

Lavou bem a cara na pia, a angústia aos poucos ia cedendo, ele


já se sentia melhor. Vestiu a calça de flanela branca, a última moda
entre os rapazes, o paletó azul-marinho de ombros de Tarzã, calçou o
sapato preto com saltinho de três dedos como agora estava usando,
levou um tempão acertando o laço da gravata no espelho. João se
achava muito elegante, fazia uma boa figura. (Autran Dourado, O
risco do bordado – observe a inexistência de conjunções entre as
orações.)

► Discurso indireto livre - O discurso indireto livre já foi


abordado na Dica 23. Consiste em o narrador “interromper” sua narração e
ceder o lugar ao pensamento do personagem.
Ela tem nos dedos murchos um rosário. Esqueceu quase todas
as orações. Há uma para dia de tempestade. Outra para tempo de
peste. Agora ela precisa rezar pelo bom-sucesso de Alice. Para que
botar filhos no mundo, se mais tarde ou mais cedo a guerra leva
as criaturinhas? (Erico Verissimo, O continente – pensamento do
personagem em negrito)

► Elipse - Eliminação de termos facilmente subentendidos, por


exemplo, o pronome pessoal reto, o verbo haver, as preposições. Aliás o
enxugamento de preposições desnecessárias é um recurso estilístico,
introduzido pelo Modernismo, recomendado na nossa Dica 4.

Estou encostado à mesa, as mãos cruzadas. (Graciliano


Ramos, São Bernardo – omitiu-se aqui a conjunção “com”: Estou
encostado à mesa com as mãos cruzadas.)

Viesse o advogado, viesse a justiça, viesse a polícia, viesse o


diabo. Tomassem tudo. (Graciliano Ramos, São Bernardo – aqui se
eliminou o “que”: Que viesse o advogado, que viesse a justiça, que
viesse a polícia, que viesse o diabo. Que tomassem tudo.)

O vigário do Lins, maravilhado. (Carlos Heitor Cony, O ventre


- eliminou-se o “ficou”)

Observe a omissão do verbo, subentendido, nestas frases de “Meu


Pai, Meu Pai”, de Dalton Trevisan (A trombeta do anjo vingador, pp. 32-
3):

Sobre a geladeira coleção de vidro colorido, vitamina e extrato


hepático.
O sorriso de êxtase quase um insulto.
O filho, possesso.
Bom provedor, sempre um cacho de banana dourada na
despensa.

► Enumeração - Lista de elementos separados por vírgula.

O homem bruto era respeitável de arcabouço: um bruto


homem. Se colocara no seu canto magneticamente contra os outros
bebedores, como a fera acuada, pronta para a reação. Os outros
bebedores, entretanto, nada percebiam. Um boche [=alemão] com
duas bochas louras, três silêncios para a ingestão mais gostada dos
chopes. Caixeiros, estudantes, funcionários públicos, operários,
desvios, humanidade. Mas havia dois rapazes na mesa próxima ao
homem terrível, que não tirava os olhos deles. (João Alphonsus,
“Oxianureto de Mercúrio” – enumeração destacada com negrito)

No seu romance Um táxi para Viena d’Áustria, Antonio Torres


constrói uma frase imensa, que começa no final da página 141 e se estende
até a página 143, constituída em grande parte de enumeração. Eis um
trecho:

Tudo isso e mais os passarinhos que posam na minha janela,


as bananeiras no fundo do meu prédio, os cães uivando nos
apartamentos, as balas a esmo vindas não sei de onde, as igrejas de
montão para qualquer crença, as vitrines de Berlim, Paris, Londres,
Nova York, o lixo nas ruas, o mau cheiro, as marafas, os gigolôs, a
caca dos cachorros, os bêbados, os drogados, os pés sujos, o
pipoqueiro, o vendedor de amendoim, o amolador de facas [...]

► Epânodo - Repetição em separado de palavras que primeiro


estiveram juntas.
Admirável foi David na harpa e na funda: com a harpa
afugentava demônios, com a funda derrubava gigantes. (António
Vieira, Sermões)

A prudência é filha do tempo e da razão: da razão pelo


discurso, do tempo pela experiência. (António Vieira, Sermões)

► Epístrofe – Repetição da mesma palavra no final de frases


seguidas.

Os animais não são criaturas? As árvores não são criaturas?


As pedras não são criaturas? (António Vieira, Sermões)

► Epizeuxe – Repetição seguida da mesma palavra.

O Padre Lara falava, falava... (Erico Verissimo, O continente)

– Já, já fui ministro, respondeu o pai beijando a testa ao


Nuno; mas não quero mais, é muito feio, dá trabalho. Tu hás de ser
capelão. (Machado de Assis, Quincas Borba)

► Eufemismo - Atenuação de uma ideia desagradável. Por


exemplo, em vez de dizer que fulano morreu, você diz que “ele entregou a
alma ao Criador”. Ou numa audiência, em vez de xingar o adversário de
mentiroso, o advogado diz: “Vossa Excelência faltou com a verdade”.
Segundo o professor Ivan Proença, um bonito exemplo de
eufemismo em literatura é a morte de Iracema:
Pousando a criança nos braços paternos, a desventurada mãe
desfaleceu, como a jetica se lhe arrancam o bulbo. O esposo viu
então como a dor tinha consumido seu belo corpo; mas a formosura
ainda morava nela, como o perfume na flor caída do manacá.
Iracema não se ergueu mais da rede onde a pousaram os aflitos
braços de Martim. O terno esposo, em quem o amor renascera com o
júbilo paterno, a cercou de carícias que encheram sua alma de
alegria, mas não a puderam tornar à vida: o estame de sua flor se
rompera. (José de Alencar, Iracema)

► Frase nominal – Na Dica 14 já falamos da frase nominal. Trata-


se de frase “telegráfica”, sem verbo (portanto não chegando a constituir
uma oração), recurso muito empregado pelos modernistas.

Tenciono contar a minha história. Difícil. (Graciliano Ramos,


São Bernardo – Observe que a frase nominal se compõe de uma única
palavra.)

As crianças lhe chamariam sempre Fräulein... Fräulein queria


dizer moça? Qual moça nem virgem! Fräulein era Elza. Elza era a
governanta. Professora. Regrava passeios sempre curtos, batia as
horas das lições sempre compridas. (Mário de Andrade, Amar, verbo
intransitivo)

Nova mudez paulificante. Mal-estar. Os alemães depois do


quinto chope disseram três palavras: deviam ser três palavras. (João
Alphonsus, “Oxianureto de Mercúrio”)

► Gradação - Apresentação das ideias em progressão ascendente


ou descendente.

Pobre Luís Dutra! Apenas publicava alguma coisa, corria à


minha casa, e entrava a girar em volta de mim, à espreita de um
juízo, de uma palavra, de um gesto, que lhe aprovasse a recente
produção [...] (Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás
Cubas)

“a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura,


ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me” (Machado de
Assis, Dom Casmurro)

Ações em sequência também podem ser vistas como gradação,


assim:

Disfarcei, mudei de calçada e fui-me embora.


[...]levantou-se para ceder o lugar, fitou-me como quem diz
“que coisa feia” e se afastou. (Roberto Petti Pinheiro, Varanda de
histórias)

► Hipálage - Transferência de atributos.

O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de


bichos moribundos. (Graciliano Ramos, Vidas Secas – atributo
“negro” transferido dos urubus para seu voo)

Licurgo não enxerga mais a rua nem os mortos nem a noite: só


vê em seus pensamentos Alvarino Amaral metido num pala
[=poncho] de seda, com o chapéu de aba quebrada na frente, o
rebenque arrogante erguido no ar, o lenço encarnado no pescoço...
(Erico Verissimo, O continente – atributo “arrogante” transferido de
Alvarino Amaral para seu rebenque)

Lá estava Maurílio, trêmulo, sacudindo no ar o dedinho


esperto... (Raul Pompeia, O Ateneu – atributo “esperto” transferido
de Maurílio para seu dedo)
► Hipérbole - Hipérbole é exagero. Muito comum na língua
falada: Estou morrendo de sono. Estourei de tanto rir. Eu já disse um
milhão de vezes...! Eu daria a minha vida... Algumas expressões populares
também são hiperbólicas: dar nó em pingo d'água. Mestre Cartola criou
uma das mais belas hipérboles do cancioneiro brasileiro: “Simplesmente
as rosas exalam o perfume que roubam de ti”. Nelson Rodrigues, quando
se referia a um “sol de derreter catedrais” ou “um desses Mercedes irreais,
com cascata artificial e filhote de jacaré”, também estava sendo
hiperbólico. Vejamos outros exemplos:

Fico esperando, subitamente aquecido pelo fogo duma raiva


nascente. (Erico Verissimo, O continente)

O rumor estranho que saía das profundezas da terra apagou-se


de repente: fez-se na cabana tão grande silêncio, que ouvia-se pulsar
o sangue na artéria do guerreiro, e tremer o suspiro no lábio da
virgem. (José de Alencar, Iracema)

► Imagem recorrente - É a imagem que se repete na obra de um


autor ou em determinado romance ou conto. Por exemplo, segundo Tatiana
Alves Soares da UFRJ “a busca incessante do amor” constitui uma
“imagem recorrente na produção poética de Florbela Espanca”. Uma
imagem recorrente no romance Dom Casmurro são os olhos de Capitu,
“olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, “olhos de ressaca”. “Traziam não
sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro,
como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser
arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos
cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a
onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-
me, puxar-me e tragar-me.” A expressão “olhos de ressaca” aparece nove
vezes no Dom Casmurro. Imagem recorrente. Uma curiosidade: sabe
quantas vezes aparece a palavra “olhos” nesse romance? 164!

► Epígrafe e intertexto - A epígrafe é uma pequena citação no


início do livro, de uma seção do livro ou de um capítulo, com o devido
crédito (nome do autor e da obra entre parênteses). Já o intertexto é uma
citação mais sutil embutido no corpo do texto, sem crédito (supõe-se que
todos conheçam o texto citado). Por exemplo, no meu conto “A Cantora”,
insiro trechos de clássicos da MPB em meio à história, assim:

No princípio, Ney foi puro galanteio: elogiava-a da pontinha


do dedo mindinho do pé aos cabelos resplandecentes (e outros
adjetivos em “ente” que catava no fundo do dicionário). Levava-a no
seu carrão japonês aos melhores restaurantes e motéis – e descolava
pó do bom, purinho, purinho. Mas pouco a pouco revelou-se o lado
ciumento, ciúme doentio. No fundo, Ney queria mesmo era uma
mulher que saiba lavar e cozinhar, me acorde de manhã cedo e
avise na hora de trabalhar: uma Emília, Emília, Emília, não posso
mais, uma Amélia que era mulher de verdade. Ainda pior, Ney não
era homem de se fixar em uma só. Assim que a fêmea caía na
armadilha, já partia pra conquista seguinte. Mas, das mulheres,
exigia fidelidade total e absoluta. Às vezes (principalmente quando
cheirava), tornava-se violento, ameaçava até matar. Com tanto
cadáver aparecendo por aqueles matagais das periferias de Nilópolis,
mais um, menos um... O misto de ameaça e ternura excitava a
cantora. Ah, que esse cara tem me consumido, com seus olhinhos
infantis, como os olhos de um bandido.

► Metáfora - A metáfora é o emprego das palavras no sentido não


literal, figurado. Por exemplo, quando digo que determinado político é
“uma verdadeira raposa”, não estou dizendo que ele seja um mamífero da
família dos canídeos. “Raposa” está sendo usada metaforicamente, no
sentido figurado. É como se eu estivesse fazendo uma comparação: ele é
astuto como uma raposa. Só que a comparação não é explícita como no
símile (ver). Quando quero animar alguém e digo “Bola, pra frente!”,
trata-se também de linguagem metafórica e não de uma “bola”
literalmente dita.

Diante da pressão e conhecendo a mulher voluntariosa que


esguichava ódio, Medeiros percebeu que trafegava no fio da
navalha. (Silvana Vargas, “Trincheira”)

► Metalinguagem – Metalinguagem é a linguagem sobre a


linguagem: é você, no seu texto, falar sobre o próprio texto ou sobre o
fazer literário em geral.

O curso de Psicologia da Universidade Federal era puxado,


aulas a tarde inteira, não sobrava tempo pra Geraldo trabalhar. Mas
se eu for contar aqui toda a vida de Geraldo – graduação, mestrado
ainda na Federal, doutorado já bolsista na Sorbonne, o casamento
com Isabelle, maior autoridade francesa viva no pensamento de
Simone de Beauvoir – não vou terminar esta história nunca. (Ivo
Korytowski, Édipo)

► Metonímia – Metonímia é utilizar a parte no lugar do todo


(“teto” no lugar de “casa”, “pão” no lugar de “alimento”), o autor no lugar
da obra (estou lendo Machado) etc.

Camisas verdes e calções negros corriam, pulavam,


chocavam-se, embaralhavam-se, caíam... (António de Alcântara
Machado, Novelas Paulistanas, p. 85).

► Narrador intruso - Segundo o mestre Ivan Proença, é o narrador


que interfere na narrativa, dando explicações ou dirigindo-se ao leitor.
Machado de Assis usa e abusa deste recurso. Em Dom Casmurro, o
capítulo XLV se intitula ABANE A CABEÇA, LEITOR.

“Abane a cabeça leitor; faça todos os gestos de incredulidade.


Chegue a deitar fora este livro, se o tédio já o não obrigou a isso
antes tudo é possível. Mas, se o não fez antes e só agora, fio que
torne a pegar do livro e que o abra na mesma página, sem crer por
isso na veracidade do autor.” (Machado de Assis, Dom Casmurro,
Capítulo XLV)

Vamos ver agora exemplos de um narrador intruso mais sutil, que


interfere com comentários (em negrito) sem se dirigir explicitamente ao
leitor. Estão no meu conto “A Cantora”:

Naquela mesa discreta, de canto, o vereador, Ney e conhecido


comerciante de materiais de construção do município. Uísque
escocês envelhecido doze anos rolava feito água. O povo vai mal,
mas os vereadores ganham bem. Comeram até estourar e, depois,
continuaram conversando, alternando doses generosas de uísque com
cafezinhos requentados.

À noite, rolava na cama, rolava. [...] Seu corpo se viciara com


aquela presença simiesca. Mulher gosta de homem bruto – pro
amor. Homem delicado, só pra amizade. [...] Momentos havia em
que se arrependia de ter namorado Ney.
► Pleonasmo estilístico - Na Dica 25 falaremos sobre os dois
lados do pleonasmo: o pleonasmo como redundância, caso em que é
condenável, e o pleonasmo como recurso estilístico, de ênfase, caso em
que dá elegância ao texto. Normalmente o pleonasmo estilístico envolve o
pronome oblíquo. Vejamos exemplos tirados de nossos escritores:

A terra, Deus a fizera para todos os homens. (Erico


Verissimo, O continente – observe que o pronome “a” é redundante;
bastaria dizer: Deus fizera a terra para todos os homens.)

A lua-de-mel, passaram-na em hotel-fazenda na serra. (Ivo


Korytowski, Édipo)

► Polissíndeto - O contrário do assíndeto: enquanto no assíndeto


omitimos a conjunção, no polissíndeto a repetimos várias vezes. Textos
clássicos como a Bíblia e as Mil e uma Noites são ricos em polissíndetos.

E Deus chamou à luz dia, e às trevas noite. E foi a tarde e a


manhã, o dia primeiro. E disse Deus: haja um firmamento no meio
das águas, e haja separação entre águas e águas. Fez, pois, Deus o
firmamento, e separou as águas que estavam debaixo do firmamento
das que estavam por cima do firmamento. E assim foi. Chamou Deus
ao firmamento céu. E foi a tarde e a manhã, o dia segundo. (Bíblia)

e saíram porta a fora feito doidos e um deles tentou pular o


muro do jardim e caiu com o joelho sangrando no passeio e ficou ali
a noite inteira murmurando e pedindo perdão e só falando em
arrependimento e vocês viram cães malditos que esse revólver nunca
me saiu do cinturão? e tudo isso por causa dessa febre do cacau, que
nessas léguas o homem só tem alento no dinheiro e na força do ouro
vinda dos cacaueiros e mesmo aqueles que possuem tamanho poder
sabem embora não se conformem que até o maior dos impérios
ninguém leva dessa vida quando é chegado o derradeiro momento e
que cedo ou tarde tudo mesmo vira nada [...] (Cyro de Mattos, Berro
de fogo e outras histórias, p. 112))

► Prosopopeia ou personificação - Consiste em dar vida a seres


inanimados.

O lampião de gás piscava pra elas. (António de Alcântara


Machado, Novelas Paulistanas)

No meu livro Édipo dou vida a um terno no conto “Memórias de um


Terno”, que começa assim:
Nasci no ano de 1968, aos 13 de junho, dia de Santo Antônio
de Pádua, presbítero e doutor da igreja. Assim como os seres
humanos nascem com defeitos de “fabricação” – cegos, mancos,
desgraciosos – nós, ternos (sim, é um terno que vos fala!), também
podemos nascer defeituosos.

► Sinestesia - Combinação de diversas impressões sensoriais. Por


exemplo, neste trecho de Os cavalinhos de Platiplanto, de José J. Veiga, se
combinam impressões visuais e auditivas:

De repente a assistência inteira soltou uma exclamação de


surpresa, como se tivesse ensaiado antes. Meninos pulavam e
gritavam, puxavam os braços de quem estivesse perto, as meninas
levantavam-se e sentavam batendo palminhas. Do meio das árvores
iam aparecendo cavalinhos de todas as cores, pouco maiores do que
um bezerro pequeno, vinham empinadinhos marchando, de vez em
quando olhavam uns para os outros como para comentar a bonita
figura que estavam fazendo. Quando chegaram à beira da piscina
estacaram todos ao mesmo tempo como soldados na parada. Depois
um deles, um vermelhinho, empinou-se, rinchou e começou um trote
dançado, que os outros imitaram, parando de vez em quando para
fazer mesuras à assistência. O trote foi aumentando de velocidade,
aumentando, aumentando, e daí a pouco a gente só via um risco
colorido e ouvia um zumbido como de zorra. Isso durou algum
tempo, eu até pensei que os cavalinhos tinham se sumido no ar para
sempre, quando então o zumbido foi morrendo, as cores foram se
separando, até os bichinhos aparecerem de novo.

► Silepse - A silepse já foi abordada na Dica 16. É a concordância


lógica, em vez de gramatical.

À frente do desfile, grupo de balizas da Escola Normal


Hemengarda Luz faziam evoluções acrobáticas e manejavam seus
bastões [...] (Ivo Korytowski, Édipo)

Mas lesar aquele pessoal com o rei na barriga, que saíam nos
seus carrões do ano inflados de orgulho enquanto Rodolfo
conservava aos trancos e barrancos o velho Escort ainda da época do
Collor... (Ivo Korytowski, Édipo)

Tivesse sido massacre em escola norte-americana, sairia no


JB, Globo, daria no Jornal Nacional, os brasileiros nos
comoveríamos, nos preocuparíamos com o “surto absurdo de
violência neste final de século” e coisa e tal... (Ivo Korytowski,
“Como o Diabo Gosta”[16] – silepse de pessoa: a concordância
gramatical seria “os brasileiros se comoveriam, se preocupariam”,
mas eu, o narrador, me incluo entre os brasileiros, daí ter trazido o
verbo para a primeira pessoa do plural.)

► Símile - Comparação explícita, ao contrário da metáfora, que é a


comparação implícita. Por exemplo, “Seus olhos eram negros como
jabuticabas” é símile, uma comparação explícita, mas “Seus olhos eram
duas jabuticabas” é metáfora. Outro exemplo: “Meu pensamento é como
um rio subterrâneo” é símile, enquanto “Meu pensamento é um rio
subterrâneo” é metáfora. Normalmente o símile se vale da palavra “como”
para fazer a comparação.
O símile foi um recurso muito usado pelos autores românticos. O
romance indianista Iracema, de José de Alencar, possui um capítulo que é
um verdadeiro festival de símiles, o Capítulo XXIV. Vejamos uns trechos:

– Assim como a seta traspassa o duro tronco, assim o olhar do


guerreiro penetra na alma dos povos.
– Como a cobra que tem duas cabeças em um só corpo, assim
é a amizade do Coatiabo e Poti.
– Como a ostra que não deixa o rochedo, ainda depois de
morta, assim é Iracema junto a seu esposo.

Erico Veríssimo emprega símiles bem sugestivos em seu épico


sobre a formação do Rio Grande do Sul, O tempo e o vento:

Naquela madrugada de abril de 1745, o Padre Alonzo acordou


angustiado. Seu espírito relutou por alguns segundos, emaranhado
nas malhas do sonho, como um peixe que se debate na rede.
Mas na maioria dos dias o tempo voava como o vento.
Suas palavras caem num vácuo frio. É como se ele tivesse
falado dentro dum túmulo.
Desde a morte da mãe sentia-se desamparado, como um
terneiro que se vê subitamente desmamado.
Os olhos do padre eram líquidos e as bordas de suas pálpebras
estavam sempre vermelhas, como numa ameaça permanente de
terçóis.
E à medida que o álcool lhe ia subindo à cabeça, ele ficava
ainda mais exaltado, as ideias se lhe tornavam surpreendentemente
claras, tão claras como caninha destilada em alambique de barro.

► Tricolon – Série de três palavras (normalmente três adjetivos),


frases ou orações paralelas.

Por fim deslizou para a água, mergulhou e ficou imóvel


naquele poço quadrado, escuro e frio. (Erico Verissimo, O
continente)

A mulher se foi definindo vulgaríssima. O vestido preto,


desbotado, manchado. Os tamancos de veludo preto sujo, com
bordados vermelhos. Mas o rosto moreno bonito. (João Alphonsus,
“Pesca da Baleia”)

Solta um suspiro longo, fundo, sentido. (Erico Verissimo, O


continente)

Vim, vi, venci. (Tradução de Veni, vidi, vici, frase atribuída a


Júlio César.)

O homem come a ave, a ave come o verme, o verme come o


homem. (autor desconhecido)

► Zeugma simples e zeugma retórica - Vimos que a elipse é a


omissão de uma palavra subentendida. Já a zeugma é a omissão de uma
palavra que apareceu antes:

Vieira vivia para fora, para a cidade, para a corte, para o


mundo; Bernardes para a cela, para si, para o seu coração. (Antônio
Feliciano de Castilho, “Vieira e Bernardes” – omitiu-se o segundo
“vivia”: Vieira vivia...; Bernardes vivia...)
A zeugma se torna interessante quando empregada com fins
estilísticos, a chamada zeugma retórica, em que o verbo se aplica a dois
ou mais objetos de natureza diversa, uns mais concretos e outros mais
psicológicos ou abstratos. Vejamos exemplos.

A jovem mulher sentiu-se confusa. Não entendia aquelas


palavras empoladas num discurso repleto de citações. Apurava os
ouvidos e as ideias, mas tudo continuava nebuloso. (Silvana Vargas,
“Para nunca mais voltar”)

Sentira medo desde o primeiro dia, desde a primeira hora – um


medo que lhe vinha de baixo, das tripas, e lhe subia pelo estômago
até a goela, como uma onda de geada, amolecendo-lhe as pernas, os
braços, a vontade. (Erico Verissimo, O continente)

Os famosos dragões do Rio Grande, comedores de milho e


abóbora, de poeira e distâncias. (idem)

“...uma tormenta que levou com ela a minha maquiagem e as


minhas esperanças.” (Claudia Tajes, Dores, amores &
assemelhados)

Johnny e Stephan, os próprios texanos de piada [...]


embriagados de caipirinha, prostitutas e sol [...] caminhavam
despreocupadamente pelo calçadão. (Roberto Petti Pinheiro, Varanda
de histórias)

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo,


encontrei num trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu
conheço de vista e de chapéu. (Machado de Assis, Dom Casmurro)

Dica 25: Saiba que o que é virtude em poesia ou prosa poética
pode se tornar vício na prosa. Ou o que é condenável em certos contextos
pode se tornar um recurso estilístico em outros (caso do pleonasmo).

Aquilo que é virtude na poesia ou prosa poética pode se tornar um


vício na prosa. Por exemplo, um dos recursos sonoros da poesia é a
aliteração, a repetição da consoante inicial em palavras adjacentes. Sob o
sono dos sinos, silente... (Júlio Machado, “Ângelus”). Já no texto em
prosa, a repetição de consoantes pode se tornar desagradável, constituindo
um vício de linguagem, a colisão. A Sra. Selma sentou-se sozinha no sofá.
O prato de tutu com torresmo despertou meu apetite.
Outro exemplo. Em poesia, a repetição de sons finais constitui as
famosas rimas, não apenas entre os finais dos versos, mas também entre o
final de um verso e o meio de outro verso (rimas encadeadas), ou entre
palavras de um mesmo verso (rimas internas). O poema “Os Sinos” de
Manuel Bandeira é uma profusão de rimas:

Sino de Belém, pelos que inda vêm!


Sino de Belém bate bem-bem-bem.

Sino da Paixão, pelos que lá vão!


Sino da Paixão bate bão-bão-bão.

Também a prosa poética pode se valer deste recurso. Peregrino


Junior, no conto “Carimbó”, escreve: “Tronco cavado, couro esticado, bem
retesado.” Já na prosa convencional, não poética, a repetição excessiva dos
sons finais constituiu um vício, o eco. Vicente sente constantemente dor de
dente. Vimos na Dica 10 que o excesso de terminações mente é um caso
de eco: Diariamente, ele vem pessoalmente à loja para ver se os
funcionários estão realmente trabalhando.
Em poesia ou prosa poética, a repetição da mesma vogal constitui
um recurso sonoro, a assonância. Em “Versos a um Cão”, Augusto dos
Anjos talvez tenha batido o recorde da assonância em “Resigna-a,
ampara-a, arrima-a, afaga-a, acode-a” (15 dentre as 20 vogais são a). Já
na prosa convencional, não poética, a repetição de vogais pode representar
um vício, o hiato. Exemplo: Amanhã não haverá aula.
Vamos abordar agora o pleonasmo. Pleonasmo é redundância,
repetição desnecessária, no mais das vezes deselegante. Exemplos
clássicos, que tocam as raias do exagero, são: subir para cima, descer para
baixo, comer com a boca. Quem sobe só pode subir para cima etc... Outros
pleonasmos um pouco mais sutis: monopólio exclusivo (monopólio já dá
ideia de exclusividade), elo de ligação (elo já dá ideia de ligação), viúva
do falecido (viúva de um vivo, só mesmo em fraude contra a
Previdência!), ganhar grátis (isso parece coisa das Organizações
Tabajara!), conviver junto (não se pode conviver separadamente), erário
público (erário é o Tesouro público) etc.
Outra construção redundante, pleonástica, é a referência ao passado
com há + atrás. Tanto um quanto outro indicam passado. Portanto, basta
dizer “há dez anos” ou “dez anos atrás”. “Há dez anos atrás” é pleonasmo.
Mas nem todo pleonasmo é vício de linguagem. Existem
pleonasmos estilísticos, que dão elegância à frase, como “Vi com meus
próprios olhos que a terra há de comer” e “A mim, não me cabe julgar o
recurso”. Os pleonasmos aqui têm caráter enfático. Aliás, o tradicional
fado de Alberto Janes, “Foi Deus”, imortalizado pela voz de Amália
Rodrigues, termina com um pleonasmo estilístico:

Ai, foi Deus que me pôs no peito


Um rosário de penas que vou desfiando e choro a cantar.
E pôs as estrelas no céu,
Fez o espaço sem fim,
Deu luto às andorinhas,
Ai, deu-me esta voz a mim.


Dica 26: Aprenda com os mestres: leia regularmente (e, se
possível, convença-se de que o livro é o melhor amigo do homem).

O MELHOR AMIGO DO HOMEM


Se a escola é um templo, a biblioteca é
seu santuário. Numa sala de aula, ensina-se,
aprende-se, discute-se; numa biblioteca, você está
em calma. Você lê, sozinho; você escuta,
sozinho. E de repente você descobre que não está
sozinho, que está na presença dos mestres e dos
discípulos dos séculos passados...
Elie Wiesel, Sinais do Êxodo

Qual o melhor amigo do homem?


Antes de tentar responder à pergunta, uma digressão: amiga virtual
contou que, passando certo feriadão em Búzios, terminou livro da Lya Luft
antes do planejado e, querendo comprar outro livro da autora pra
preencher os dias que ainda ficaria lá (chovia, imagino), teve a surpresa de
descobrir que Búzios não possui livraria. Tem bistrô, tem borracharia, tem
loja de artesanato... mas nenhuma livraria (contou a amiga).
Voltando à pergunta inicial. Quanto ao maior inimigo do homem,
ninguém pode negar: é o próprio homem. Homo lupus homini. Já o maior
amigo é objeto de controvérsia. Dizem que o cachorro é o maior amigo do
homem. Mas o cachorro exige quase tanta atenção quanto uma criança, faz
cocô onde não deve, precisa ser levado pra passear e quando no cio... sai
de baixo! Alguns, boca aberta e língua pendente, exalam um hálito
pestilento que só o dono não sente...
“O bom livro é o melhor amigo”, lia-se nos marcadores de página
de antigamente (hoje os marcadores trazem alguma propaganda). Ao
contrário do cachorro, é o livro que nos leva pra passear, transpondo as
fronteiras do espaço – do centro da Terra (Viagem ao centro da Terra) aos
astros distantes (Viagem ao céu) – e do tempo (o livro é a máquina do
tempo).
As pessoas costumam julgar as outras pelas posses: ano do carro,
cartões de crédito recheando a carteira (a alegria dos assaltantes), grife da
roupa, da bolsa, da caneta – as pessoas realmente reparam nesses detalhes.
Já eu, julgo as pessoas pela biblioteca. Neste ponto, discordo em número,
gênero e grau do poema do Pessoa que dizia que “livros são papéis
pintados com tinta”.
Quando vou da primeira vez à casa de alguém, o que logo observo:
se existem livros. Não me impressiona uma casa repleta de engenhocas –
televisores de porrilhões de polegadas, aparelho de som com potência pra
infernizar a vida de todo o quarteirão – se lá não habitam os escritores. Pra
mim, casa sem livros, está faltando algo essencial – como se faltasse o
reboco das paredes, o piso no banheiro. Confesso que daria muito mais
valor a um humilde favelado em cujo barraco encontrasse estante com um
ou outro livro de Machado, Lima Barreto, Paulo Coelho, do que a um
ricaço em cuja mansão sobejassem pratarias e baixelas e móveis da época
mas.. não se visse nenhum sinal de livro.
Dizem que o sexo é a melhor coisa da vida: sei lá, passar a noite
devorando (o termo é este) um livro não fica muito atrás...
Última observação: assalta-se de tudo – da joalheria ao botequim.
Até quem está rezando na igreja pode ter a bolsa furtada. Mas dos livros
emana aura de sacralidade: alguém já ouviu falar de assalto a livraria?
Fui contar esta história pro gerente de vendas da minha Editora e
ele foi logo derrubando o mito: “Nossa livraria lá da Tijuca já foi
arrombada mais de uma vez. Donde você acha que vêm esses livros
vendidos nas ruas?”


Dica 27: Se você vai escrever para uma editora, uma revista, um
jornal, pergunte se eles seguem um manual de estilo. Outra sugestão é
adquirir um desses manuais vendidos no mercado, como o Manual de
estilo da Editora Abril ou o Manual de redação e estilo de O Estado de
São Paulo.

Quem lida com redação de textos – seja o escritor literário, o


tradutor, o jornalista, o revisor etc. – depara com certos dilemas: quando
usar itálico, negrito, aspas; quando usar algarismos (1, 2, 10, 1000) ou o
número por extenso (um, dois, dez, mil, dez mil); posso escrever século 20
em vez de século XX? Vejamos alguns desses dilemas.

1) O que é melhor: usar num, numa ou em um, em uma?


Existem copidesques que, se você escrever num, numa, mudarão
tudo para em um, em uma, e existem copidesques que farão exatamente o
inverso. A rigor, não há diferença entre uma forma e outra. Num é a
combinação de em + um. Quando a gente está em dúvida, o que faz?
Consulta o especialista. Pois vamos consultar os especialistas da língua –
neste caso, os grandes escritores – para ver como eles solucionam a
questão.
José de Alencar prefere a forma combinada. Em Lucíola, utiliza
dezesseis vezes numa, três vezes em uma, 32 vezes num e duas vezes em
um. Machado de Assis alterna a forma combinada com a separada. Em
Dom Casmurro, ele utiliza sete vezes numa, duas vezes em uma, quatro
vezes num e nove vezes em um. Se a gente somar as formas combinadas
(7 + 4) e separadas (2 + 9), constata que elas empatam (11)! Euclides da
Cunha prefere a forma combinada: em Os sertões utiliza 82 vezes numa,
seis vezes em uma, 107 vezes num e seis vezes em um. Moral da história:
a forma combinada é preferível, mas a forma separada não está proibida.
Faça como Machado: use as duas formas.

2) Qual a forma preferível: “perdi meu livro” ou “perdi o meu


livro”?

O uso do artigo antes do pronome possessivo é opcional. Mas qual a


forma mais elegante? Mais uma vez, consultemos os mestres da língua:

José de Alencar: “O companheiro inseparável do homem quando


flana é o charuto; o da senhora é o seu buquê de flores.” “Faz uma bela
noite, a lua passeia solitária pelo céu, refletindo-se nas águas serenas de
um lago, e reflete sua pálida claridade sobre as lousas de um cemitério.”
(Crônicas escolhidas)
Machado de Assis: “Algum tempo hesitei se devia abrir estas
memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o
meu nascimento ou a minha morte.” “Nem o meu óbito era coisa
altamente dramática...” “Meu pai era homem de imaginação” “Meu olhar,
enfarado e distraído, viu enfim chegar o século presente...” (Memórias
Póstumas de Brás Cubas)
Mário de Andrade: “logo o meu amor se dirigiu para uma espécie
de prima longínqua”, “Maria foi o meu primeiro amor”, “meu inglês
nasceu duma Violeta e duma Rose”, “Meu corpo soluçou todinho e tornei
a ficar estarrecido.” (“Vestida de Preto”)
Moral da história: os mestres da língua gostam de explorar todos os
recursos da língua e não se limitam a uma forma ou outra. Faça como eles.

3) Qual o certo: anos 30, década de 30 ou década de 1930?

Todas as formas estão certas. Na prática, a gente usa a forma anos


nn associada a uma tendência cultural do século XX: os anos 20 são os
roaring twenties, a época do pós-guerra, do charleston. Os anos 60 estão
associados ao movimento hippie e à contracultura. Mas agora que
atingimos a segunda década do século XXI, começam a surgir confusões:
supõe-se que a década de 10 seja aquela que vivemos atualmente , mas a
década de 20 ainda é aquela começada em 1920! Para evitar dúvidas,
convém indicar as décadas por quatro algarismos: década de 1870,
década de 1930, década de 2000.
4) Quando usar algarismos – 1, 2, 3..., 10, 15... – e quando escrever
os números por extenso – um, dois, três..., dez, quinze...?

Não existe uma regra gramatical dizendo quando usar uma coisa ou
outra – esta é uma questão de convenção. As editoras, revistas e jornais,
nos manuais de estilo distribuídos aos jornalistas, escritores, tradutores e
revisores, costumam dar algumas diretrizes. Mas essas diretrizes variam –
não existe propriamente um consenso.
Em geral, em contextos de matemática, informática, finanças ou
outros contextos onde é grande a ocorrência de números, devemos dar
preferência aos algarismos. Isso facilita a apreensão dos valores e a
comparação entre eles. Eis um trecho de O ambientalista cético, do
controvertido estatístico e estudioso das questões ambientais, Bjørn
Lomborg:

Do início da década de 1940 até o início da década de 1970, a


taxa de masturbação cresceu de cerca de 30 vezes ao ano para 60
vezes ao ano entre indivíduos solteiros de 30 anos, enquanto entre
casados de 30 anos aumentou de 6 para 24 vezes ao ano. No que diz
respeito à relação sexual, no caso dos casados na faixa de 30 anos, a
frequência aumentou de 1,9 para 3 vezes por semana.

Já em textos menos técnicos, mais literários, é praxe escrever por


extenso os valores de zero a dez: uma maçã, oito livros, quatro semanas.
Há quem adote este critério também para os valores de onze a dezenove:

Comia todas as menininhas da cidade:


De tanto brincar de médico aos doze era professor,
Aos quinze foi mandado pro reformatório.
(Faroeste Caboclo, letra e música de Renato Russo)
As dezenas e centenas redondas também podem ser escritas por
extenso: quarenta soldados, cem fuzis, duzentos prisioneiros.

5) Qual a forma preferível: 200.000.000, 200 milhões ou duzentos


milhões?

Esta também é uma questão de convenção, e não há um consenso


entre os manuais de estilo das diferentes editoras/revistas/jornais. A
tendência predominante é usar a forma mista quando os números são
redondos ou aproximados: 3 mil pessoas, 5,4 milhões de dólares, 6
bilhões de habitantes. Os números não redondos são escritos com
algarismos, ponto (ou espaço) separando os grupos de três (exceto nos
anos): ano 2000, 8.514.204,9 km2, US$ 20 430 000. Mas esta não é uma
regra absoluta.

6) O que é melhor: ficou em segundo lugar ou em 2o lugar?

A tendência é usar a forma extensa do primeiro ao décimo lugar,


exceto nas unidades militares (4a Região Militar, 2a Zona Aérea, 4o Distrito
Naval), zonas eleitorais (5a zona eleitoral), cartórios (Cartório do 6o Ofício
de Notas), e fóruns e tribunais (2a Vara da Infância e Juventude).
A partir do 11o, usamos a forma numérica com o sinal o ou o. Ainda
bem! Já pensou ter que usar as formas extensas para o 600o, 700o, 800o ou
900o lugar? Você sabe quais são? Lá vai: sexcentésimo lugar,
septingentésimo (ou setingentésimo) lugar, octingentésimo lugar e
noningentésimo (ou nongentésimo) lugar.
Um lembrete: não se usam hífens nos números ordinais – décimo
primeiro, centésimo quarto (e não décimo-primeiro, centésimo-quarto).

7) Qual o preferível: duas e meia da tarde, 14h30 ou 14:30?

Em textos literários, devemos preferir a forma extensa, pelo menos


para horários mais redondos: duas e meia da tarde, dez da noite, três e
quarenta e cinco.
Em listas de horários (horários de filmes, por exemplo), tempos
esportivos e contextos não literários, costuma-se usar a forma abreviada.
Mas existem várias maneiras de abreviar horários, sintetizadas no quadro
a seguir:

Abreviatura Frequência de
Utilização[17]
Sala 10: 13:30, 16:30, 19:30, 22:30 92%
Sala 10: 13h30, 16h30, 19h30, 22h30 7,6%
Sala 10: 13:30h, 16:30h, 19:30h, 22:30h 0,36%
Sala 10: 13h30min, 16h30min, 19h30min, 0,022%
22h30min
Sala 10: 13h30m, 16h30m, 19h30m, 22h30m 0,004%
(forma errada: m é abreviatura de metro, não de
minuto)

E quando, além de horas e minutos, houver também segundos?


Neste caso, as abreviaturas serão (para 22 horas, 13 minutos e 15
segundos): 22:13:15, 22:13:15h, 22h13min15 ou 22h13min15s. Rosa
Mota completou a maratona em 2h25min40s.

8) O que é melhor: R$ 50,00 ou cinquenta reais?

Em contextos mais técnicos (economia, finanças), você pode usar a


forma numérica com o símbolo monetário: R$ 50, US$ 552,30. O espaço
entre o símbolo monetário e o valor pode ser omitido. Por exemplo, em O
ambientalista cético, de Bjørn Lomborg, lemos:

Deste modo, espera-se igualmente que o preço do petróleo volte a


cair de US$27 para pouco mais de US$20 até 2020. Esta previsão está bem
na média de oito outras recentes previsões internacionais, que oscilam
entre US$17-US$30.

Em contextos mais literários, você pode usar a forma mista para o


valor seguida da unidade monetária por extenso quando não houver
centavos: 3 dólares, 5 libras, 20 marcos, 300 reais, 200 mil reais, 5
milhões de reais. Havendo centavos, use o símbolo monetário seguido do
valor em algarismos: R$ 324,50.
Mas esta é apenas uma sugestão – não há uma regra absoluta, e os
manuais de estilo de diferentes editoras e órgãos de imprensa divergem a
este respeito.

9) É correto escrever século 20 em vez de século XX

Chegamos agora à questão dos algarismos romanos.


Tradicionalmente, eles são usados na língua portuguesa para designar reis
e papas (D. João VI, João Paulo II), os antigos Exércitos brasileiros (I
Exército), os Comandos Aéreos Regionais (VII Comar), nomes oficiais de
clubes (XV de Piracicaba), naves espaciais (Gemini V, Apolo XI) e
séculos (século XX).
No caso das naves espaciais, cada vez mais se utilizam algarismos
arábicos em vez de romanos: Gemini 5, Apolo 11. Na pesquisa do Google,
encontrei 31.100 ocorrências de Apolo 11 e 1.130 ocorrências de Apolo
XI; 428 ocorrências de Gemini 5 e 570 de Gemini V.
Além disso, a tendência moderna é abandonar os algarismos
romanos para os séculos e usar ordinais do século 1o ao 10o e cardinais dali
em diante. O Manual de redação e estilo do jornal O Estado de São Paulo,
por exemplo, defende esta tendência. Em pesquisa no Google, encontrei
57.600 ocorrências de século XV e 4.600 de século 15. Já para século XXI
encontrei 712.000 ocorrências e para século 21, 196.000 ocorrências. Ou
seja, quanto mais recente o século, mais se manifesta esta tendência.
Por falar em século XXI (ou 21), você sabe explicar por que ele
começou em 2001, e não em 2000 (aliás, muita gente comemorou
erroneamente o início do século em 2000)?
É fácil. Vamos começar pelo século I depois de Cristo. Em que ano
ele começou? (Tente responder.) No ano 1, é claro! (Não existe ano zero.)
Em que ano ele terminou? (Tente responder.) Cem anos depois, no ano
100. O século seguinte (século II) começou em 101 e acabou em 200. E
assim sucessivamente até chegarmos ao século XX, que começou em 1901
e terminou em 2000!

10) Qual a forma preferível: dois terços da turma faltaram à aula ou


2/3 da turma faltaram à aula?
Quando ambos os elementos da fração (numerador e denominador)
forem números de um a dez, fica mais elegante (pelo menos, num contexto
mais literário) escrever a fração por extenso: dois terços da turma
faltaram à aula. Do contrário, usam-se algarismos: 1/30 (lê-se: um
trigésimo), 2/12 (dois doze avos), 5/100 (cinco centésimos).

11) Além de palavras estrangeiras, o que mais deve vir grifado?

Nos livros, artigos e monografias costumam vir grifados:


1) Títulos de livros: A menina que roubava livros, A Era da
Turbulência.
2) Nomes de jornais e revistas: Piauí, Folha de São Paulo, Jornal
do Brasil.
3) Nomes de filmes: Gladiador, Um corpo que cai, Tropa de Elite.
4) Peças de teatro: o musical Gota d'água, a peça Feliz Aniversário
de Clarice Lispector.
3) Programas ou novelas de rádio e televisão: Domingão do
Faustão, Domingo Legal.
4) Obras de arte, monumentos e exposições: Vênus de Milo, a
exposição A arte da África, a Torre de Pisa.
5) Músicas e discos: as canções Danger e I Wish do CD Dignity de
Hilary Duff, a Nona Sinfonia de Beethoven.
Observe que alguns títulos e nomes estão com “todas” as iniciais
maiúsculas (A Era da Turbulência) e outros com apenas a primeira inicial
maiúscula (Um corpo que cai). Jornais e revistas, costumam usar iniciais
maiúsculas em todas as palavras, menos artigos e preposições. Mas muitas
editoras de livros adotam apenas a primeira inicial maiúscula, alegando
que o itálico já é um destaque suficiente.
Nomes de emissoras de rádio e de canais de televisão são escritos
sem grifo nem aspas: Rádio Eldorado, TV Globo. Também devem ser
escritos sem grifo nem aspas:
1) Apelidos de atletas: João do Pulo
2) Nomes artísticos: Faustão
3) Pseudônimos de escritores: Tristão de Athayde
4) Nomes de conjuntos artísticos: Legião Urbana, Orquestra
Sinfônica do Estado de São Paulo
5) Marcas de produtos ou tipos de aparelhos: lava-roupas Futura da
Enxuta
6) Nomes de empresas ou instituições: Petrobrás, Unesco
Às vezes você verá em jornais ou revistas o negrito ou mesmo aspas
em vez do itálico: Matrix Revolutions, a peça Como Eu Aprendi a
Dirigir um Carro, a “Sagração da Primavera” de Stravinsky.


Dica 28: Por um lado, não dê muito ouvido aos puristas da língua.

Vou repetir aqui o que já disse no meu Português e gramática:


Erros nunca mais. Durante décadas nos ensinaram que, assim como
dizemos boêmio, tínhamos que dizer boêmia. Só que ninguém dizia
boêmia. Até que agora os dicionários enfim aceitaram a variante boemia
(vide Aurélio, Houaiss e Michaelis).
O mesmo acontecia com vitrine, que os lexicógrafos e professores
de português queriam porque queriam que falássemos vitrina. Só que
vitrina nunca “pegou”, e agora o Houaiss já admite a forma vitrine (com
itálico, como termo francês).
Mais recentemente, os paladinos do vernáculo têm cismado com o
“TV a cores”, o “entrega a domicílio”, a expressão “o mesmo”
substituindo um pronome (Antes de entrar no elevador, verifique se o
mesmo encontra-se no andar), e “junto a” em frases como: Entrou com
um recurso junto ao Tribunal de Justiça”, etc.
Você diz TV em preto e branco, logo, pela lógica, deveria falar TV
em cores. Só que, contrariando a lógica, a maioria prefere “TV a cores”
(54% na pesquisa do Google). Fazer o quê? Já o “entrega a domicílio” tem
um índice de preferência menor: 22%.
O mesmo substituindo um pronome, embora condenado pelos
puristas, parece que veio para ficar. Segundo o Aurélio, é tão frequente
esse uso de o mesmo, que podemos observá-lo num mestre como Camilo
Castelo Branco (Cenas da Foz, p. 30): “A primeira mulher que amei era
uma dama de alto nascimento, que tivera bastante influência no quartel-
general de Lord Wellington, e jogara, por causa de um ajudante-de-ordens
do mesmo, o sopapo com uma viscondessa celebrada.” No Balão Cativo
do Pedro Nava encontrei: “Admirávamos o donjon da Família Januzzi e tia
Candoca achava esquisito que a mesma não tivesse cruz no topo...” (pág.
43 da edição da José Olympio).
Admite-se junto a no sentido de adido a (pelo menos o Michaelis e
o Manual de redação e estilo do Estadão admitem): O embaixador
brasileiro junto ao Vaticano. A partir daí seu uso aparentemente se
generalizou para outras esferas: situação junto ao fisco, credenciamento
junto ao MRE, recurso junto ao Tribunal de Justiça, estas coisas. Os
puristas do vernáculo condenam tal generalização, mas no próprio
Humberto de Campos encontramos tal emprego (em O Brasil anedótico,
“As Selvagerias dos Civilizados”): “Não obstante a sua intervenção
constante junto aos tupinambás, seus aliados, para que não comessem os
inimigos aprisionados em combate, Nicolau de Villegaignon adquiria esses
prisioneiros em troca de espelhos e anzóis, e, nos seus momentos de mau
humor, infligia-lhes os mais duros suplícios.”
Outra cisma dos puristas é com o enquanto no sentido de como.
Contudo, o próprio Cândido Jucá (filho), em seu Dicionário Escolar das
Dificuldades da Língua Portuguesa, registra tal uso, abonando-o com
ninguém mais, ninguém menos que Rui Barbosa: “É, portanto, como
homem de partido que se deitou a esta empresa. Enquanto homem de
partido, pois, há de ser julgado.”
Os puristas também abominam a locução a nível de. A locução
correta, registrada nos dicionários, é ao nível de. Também podemos dizer
no nível de. Contudo, esta expressão só faz sentido quando se trata
realmente de nível: O Rio de Janeiro fica ao/no nível do mar. A questão
será decidida no nível estadual (e não federal ou municipal).
Outro uso anatematizado pelos puristas é de qualquer no sentido de
nenhum, como em “Não temos qualquer chance neste processo”. Encerro
esta digressão citando Millôr em uma de suas magistrais crônicas (Jornal
do Brasil de 20/5/92) que recortei e guardei (e onde ele usa qualquer no
sentido de nenhum):

Um dos princípios básicos do liberalismo semântico é a gente


não proibir qualquer palavra ou forma de expressão, barbarismo,
idiotismo, estrangeirismo. Língua é feito mulher – para ser
constantemente..., bem, digamos, desvirginada. A sério, fertilizada.
Assim sendo não adianta querermos impedir os “a nível de”, “gostei
da sua colocação”, “fulano, enquanto professor”. Sendo contra,
devemos protestar e objetar, dar razões negativas, ridicularizar. Mas,
se a expressão nova – por mais abstrusa que seja – vencer, venceu.
As que citei parece que já venceram. Os que nascem agora para a
língua já as encontrarão incorporadas, tanto quanto bigue (big), sutiã
(soutien), marketing (marketing) e milhares de outras que um dia
foram estranhas ou estrangeiras.


Dica 29: Por outro lado, não abuse dos modismos, de palavras e
expressões que, de tão repetidos, acabam se esvaziando de qualquer
sentido.

Lembram do modismo da “colocação”? Uns trinta anos atrás,


qualquer opinião, qualquer parecer, qualquer afirmação era “colocação”:
Qual a sua colocação? A minha colocação é... Outro desses termos que se
encaixam em qualquer frase é o “de repente”: tem até um filme chamado
De repente é amor. Um modismo da língua falada é o “tipo assim”, com
papel mais ou menos semelhante ao do “you know” no inglês. E não posso
deixar de mencionar a palavra “questão”, que se banalizou e serve para
denominar quase tudo: a questão das filas, a questão dos salários, a
questão do sentido em Albert Camus, a questão do gás boliviano...
Moral da história: se, por um lado, não devemos ser uns chatos de
galocha e rejeitar toda e qualquer novidade linguística (afinal, a língua é
um organismo vivo, que evoluiu), por outro lado devemos empregar um
vocabulário rico e variado, e não ficar repetindo, de repente, tipo assim,
tudo que é modismo e chavão. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nem
oito, nem oitenta. É isso aí!

Dica 30: Se você acha que escrever bem é privilégio de quem
nasceu em berço de ouro, de quem teve oportunidade de estudar em
colégios caros, mire-se nos exemplos de Cruz e Souza e Machado de
Assis.

DOIS GIGANTES DAS LETRAS, DE ORIGEM HUMILDE E SEM


DIPLOMA UNIVERSITÁRIO

João da Cruz e Souza:

Nascido em Desterro, atual Florianópolis, em 1861, filho de


escravos (pai pedreiro e mãe lavadeira), foi vítima do preconceito racial e
teve uma vida infeliz, num ambiente de pobreza. O que não o impediu de
se tornar, nas palavras de Alexei Bueno, “um dos poetas formalmente mais
perfeitos da poesia brasileira, nada devendo, muito ao contrário, a todos os
parnasianos coevos, os grandes propugnadores da perfeição formal”.[18]
Sobre Cruz e Souza, disse Artur da Távola em discurso pronunciado
no Senado Federal: “Ele tem a característica simbolista e tem a
característica parnasiana pela pureza do verso. Tudo isso saído daquele
menino pobre, filho de escravos alforriados, massacrado, que até quando
morreu – e nem todos o sabem – sem dinheiro para que se lhe
transportasse o corpo de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, teve o seu
cadáver jogado em um trem de animais, onde conseguiu uma vaga para
transportar o corpo para o Rio de Janeiro, onde foi enterrado.”
Três dias antes da morte, aos 36 anos, compôs seu último poema,
“Sorriso Interior”, “de placidez quase milagrosa, exemplo sem igual, nas
nossas letras, de superação espiritual de uma situação concreta”, nas
palavras de Alexei Bueno.

SORRISO INTERIOR

O ser que é ser e que jamais vacila


Nas guerras imortais entra sem susto,
Leva consigo esse brasão augusto
Do grande amor, da nobre fé tranquila.

Os abismos carnais da triste argila


Ele os vence sem ânsias e sem custo...
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tudo em derredor oscila.

Ondas interiores de grandeza


Dão-lhe essa glória em frente à Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.

O ser que é ser transforma tudo em flores...


E para ironizar as próprias dores
Canta por entre as águas do Dilúvio!

Joaquim Maria Machado de Assis

Na madrugada de 29 de setembro de 1908, morria Machado de


Assis. Morreu em casa, como se morria na época (hoje se morre sedado e
entubado no hospital), recebendo as últimas visitas. No dia anterior,
visitou-o um moço desconhecido, que sem dizer uma palavra, ajoelhando-
se ao lado de seu leito, tomou-lhe reverentemente a mão esquálida e
beijou-a, retirando-se em seguida, sem dizer quem era. (Muitos anos mais
tarde, soube-se que o rapaz anônimo se chamava Astrogildo Pereira, futuro
comentador da obra de Machado.)
Filho de pais humildes – costureira branca nascida nos Açores e
operário pintor de casas e dourador mulato forro (não-escravo) – Machado
de Assis nasceu no Morro do Livramento, Centro do Rio, na época local da
chácara da viúva de Bento Barroso Pereira (daí a Ladeira do Barroso).
Autodidata, nunca cursou a universidade, o que não o impediu de
tornar-se exímio tradutor, teatrólogo, crítico literário, jornalista, contista,
folhetinista, romancista, poeta, dedicado funcionário de carreira do
Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas e, na maturidade,
fundador e presidente da Academia Brasileira de Letras. Vida metódica e
visão do mundo cética (lia Schopenhauer), raramente viajou para fora do
Rio de Janeiro, cenário de sua obra.
Sobre Machado, escreve Antonio Carlos Villaça: “A vida de
Machado foi a passagem, a trajetória de Machadinho a Machado. Uma
ascensão contínua. Moleque de morro, baleiro, pobre, mulato, gago,
epiléptico, sem nenhuma escolaridade. E lia francês, inglês, alemão, latim,
italiano. Quando morreu, aos 69 anos, aprendia grego. Que aplicação. Que
seriedade. Que empenho. Que desejo de subir.”

MUNDO INTERIOR

Ouço que a natureza é uma lauda eterna


De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
Do sol à ínfima luzerna.

Ouço que a natureza, – a natureza externa, –


Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida,
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.

E, contudo, se fecho os olhos, e mergulho


Dentro de mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,


E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia, – e dorme.

SOBRE O AUTOR
IVO KORYTOWKI é graduado e licenciado em Filosofia pela UFRJ. É
tradutor consagrado, autor de um dicionário para tradutores inglês-
português e outro alemão-português que existem no Babylon e na
Amazon, blogueiro (seus blogs: Literatura & Rio de Janeiro e Sopa no
Mel), autor de vários livros de português (Português e gramática: Erros
nunca mais, Português sem mistério, Acordo ortográfico, Guia de
conjugação de verbos), de um livro de poética (Manual do poeta), e
escritor literário, autor de Édipo e Passaporte para o Paraíso. Pode ser
contactado no Facebook. Portanto você está em boas mãos.

SOBRE ESTE LIVRO


O livro A arte da escrita foi publicado originalmente pela Editora
Ciência Moderna em 2008. Esta edição, revisada e atualizada pelo novo
acordo ortográfico, foi preparada em 2017 especialmente para o formato
ebook. A capa mostra a estátua do poeta Manuel Bandeira, fotografada
pelo autor, ao lado da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro.
Enquanto este livro trata especificamente da escrita em prosa, seu “irmão
gêmeo” Manual do Poeta trata da escrita poética. À venda na Amazon.
[1]
Hélio Brasil, Anjo de bronze e outros contos, Oficina do Livro, pág. 87.
[2]
http://sopanomel.blogspot.com.br/2002/06/tiroteios.html
[3]
desferir um soco.
[4]
Seu nome não figurava na (ou constava da) relação.
[5]
O reitor proferiu um longo discurso.
[6]
Uma bandeira tremula na praça.
[7]
organizar as ideias.
[8]
A Holanda carece de matérias-primas.
[9]
Ele ocupa um cargo importante.
[10]
O leitor poderá estar se perguntando: na dica 5 o Ivo recomendou que evitássemos a
repetição da mesma palavra e agora está repetindo "falará", "falará", "falará" várias vezes. Boa
observação! Tenho meu direito de defesa. Primeiro, as dicas do livro não constituem regras
absolutas. Segundo, o verbo falar aqui é termo técnico num contexto técnico. Terceiro, mesmo
em contextos literários, podemos às vezes repetir uma mesma palavra como recurso de ênfase.
[11]
As águas do rio submergiram a região.
[12]
A gata lançou um olhar profundo sobre mim.
[13]
Frase do conto ainda inédito “O plano” de Teresa Coutinho Andrade.
[14]
Roberto Petti Pinheiro, Varanda de histórias (Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 2005).
[15]
http://sualingua.com.br/.
[16]
Conto inédito em livro que pode ser lido no blog Sopa no Mel.
[17]
Frequência de utilização apurada no Google em 27/6/2017.
[18]
Alexei Bueno, Uma história da poesia brasileira, p. 214.

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