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Grupo de Estudos Templários de Maria

PRINCÍPIOS INEGOCIÁVEIS DA IGREJA CATÓLICA

19/06/2018

A Igreja Católica e a Defesa dos Valores Inegociáveis no Debate Público: O


Olhar de Bento XVI (I)
Por Rudy Assunção

Quem assistiu – com um olhar cristão – as recentes comemorações nas


ruas da Irlanda e da Argentina pela aprovação ou pelo avanço do projeto
de legalização do aborto nestes países não pôde deixar de ficar
espantado com a euforia coletiva que o desrespeito ao quinto
mandamento pode causar. A “maldade moral”[1] que ali se expressou só
nos leva a refletir sobre o papel e a relevância da Igreja no debate
público, sobre o que ela deve dizer e o que ela deve fazer, sobretudo
quando estão em risco milhares de vidas inocentes.
Para isso contaremos com o apoio do magistério de Bento XVI[2]. Mas,
antes, é preciso fazer algumas considerações de natureza sociológica,
por assim dizer: hoje querem confinar toda expressão religiosa à esfera
privada. Isso não é apenas um processo, mas parece mais um projeto. A
mesma época que prega que a sexualidade se torne mais e mais pública,
pede – impõe – que a fé (sobretudo a cristã) se esconda no quarto mais
fundo da casa. Por isso, recusa-se a aceitar que a Igreja entre no debate
público. Permitir a existência da fé na intimidade não é uma concessão
benevolente, mas uma estratégia: ali ela não tem relevância, não
incomoda, não corrige. Ali ela deveria morrer.
A Igreja como poder moral
Partamos do pensamento de Bento XVI: no respeito à “justa autonomia
das realidades terrestres”[3], sem pretender agir como um partido
político, a Igreja não pode deixar de ser “uma realidade moral, um poder
moral”[4]. A ela cabe o cuidado com o fundamento ético das escolhas
políticas; ela deve “ajudar a purificar e lançar luz sobre a aplicação da
razão na descoberta dos princípios morais objetivos”[5]. Então, uma
sociedade que tentasse calar a voz da Igreja no campo moral – como
extensão da rejeição a Deus – só pode se tornar cada vez mais injusta,
desumana, irracional e, no pior dos casos, tirânica.
A Igreja como força de contradição profética
Não é de hoje que a Igreja derrama o seu sangue por não se dobrar
frente à idolatria dos poderes deste mundo, como o Estado, que muitas
vezes tenta assumir o lugar de Deus. Os mártires são a mais eloquente
memória disso. Mas ainda hoje, e cada vez mais, a Igreja paga um preço
altíssimo por se colocar contra a corrente ideológica dominante, contra a
“ditadura do relativismo” [6]. Por isso, o então cardeal Ratzinger
recordava: “À Igreja cabe um papel de contradição profética, e tem de ter
coragem para isso”[7]. Uma Igreja tíbia só serve ao próprio declínio.
Depois de discernir os espíritos, a Igreja deve dar o seu “sim crítico”[8],
que rejeita e purifica o que é mal nos valores modernos e ajuda
desenvolver o que neles é nobre, bom e justo.
Os princípios inegociáveis
Para a Igreja, há valores que não são negociáveis e que não estão
submetidos ao critério do gosto ou da vontade da maioria. E é para
defendê-los que ela entra no debate político. O Papa Bento XVI de lembrar
compromisso eclesial inescapável neste âmbito: “No que se refere à Igreja
Católica, o interesse principal das suas intervenções no campo público é a
tutela e a promoção da dignidade da pessoa e, por conseguinte, ela chama
conscientemente a uma particular atenção aos princípios que não são
negociáveis. Entre eles, hoje emergem os seguintes: tutela da vida em
todas as suas fases, desde o primeiro momento da concepção até à morte
natural; reconhecimento e promoção da estrutura natural da família,
como união entre um homem e uma mulher baseada no matrimônio, e a
sua defesa das tentativas de a tornar juridicamente equivalente a formas
de uniões que, na realidade, a danificam e contribuem para a sua
desestabilização, obscurecendo o seu caráter particular e o seu papel
social insubstituível; tutela do direito dos pais de educar os próprios filhos.
Estes princípios não são verdades de fé mesmo se recebem ulterior luz e
confirmação da fé. Eles estão inscritos na natureza humana e, portanto,
são comuns a toda a humanidade”[9]. Estes não são valores confessionais,
e sim, naturais, pois são defensáveis por qualquer um que se atenha à
razão natural. São valores da Igrejasomente na medida em que ela se
sente guardiã deles.
[1] IGREJA CATÓLICA, Catecismo da Igreja Católica, 2271.
[2] Uma versão preliminar deste texto apareceu na revista O fiel católico.
Revista de Teologia, Catequese e Doutrina em dois artigos distintos (aqui
fundidos). Dadas as circunstâncias atuais, pareceu-nos oportuno
retomar e retocar os argumentos apresentados no texto.
[3] Cf. CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Pastoral Gaudium et
spes sobre a Igreja no mundo contemporâneo, n. 36.
[4] BENTO XVI, Entrevista concedida aos jornalistas durante a
viagem para o México, Viagem Apostólica ao México e à República
de Cuba (23-29 de março de 2012), 23 de março de 2012.
[5] Id., Discurso no Encontro com as Autoridades Civis, Viagem
Apostólica ao Reino Unido (16-19 de setembro de 2010),
Parlamento de Londres, 17 de setembro de 2010.
[6] Id., Santa Missa “Pro Eligendo Romano Pontifice”, Homilia do
Cardeal Joseph Ratzinger, Decano do Colégio Cardinalício, 18 de
abril de 2005.
[7] RATZINGER, Joseph; SEEWALD, Peter. O sal da terra: o
Cristianismo e a Igreja Católica no limiar do terceiro milênio. Rio
de Janeiro: Imago, 1997, p. 190.
[8] RATZINGER, Joseph. Dogma e anúncio. São Paulo: Loyola, 2007,
p. 174.
[9] BENTO XVI, Discurso aos participantes no Congresso
promovido pelo Partido Popular Europeu, 30 de março de 2006.

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